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O PLANEJAMENTO PARTICIPATIVO COMO FERRAMENTA CAPAZ

DE MODIFICAR PARA MELHOR A ESCOLA PÚBLICA

Autor: Roque Jungbluth1

Orientador: Jorge Carlos Correa Guerra2

Resumo

O presente artigo investiga se o planejamento participativo é uma ferramenta capaz de modificar para melhor os índices da escola pública. Para tanto, investiga, a partir de autores consagrados a concepção de planejamento e os níveis de planejamento presentes na escola; analisa, ainda, a conceituação de planejamento participativo e os principais resultados advindos de sua implementação. O ponto de partida é uma pesquisa realizada na comunidade escolar do Colégio Estadual Herbert de Souza sobre a compreensão da comunidade sobre planejamento e sua relação com o trabalho coletivo. Por fim, analisa a implementação do projeto de intervenção – Projeto PDE/2010 - e os resultados obtidos deste. Em síntese, os principais resultados obtidos são a percepção de que planejamento organiza o trabalho, antecipa o futuro e que é possível intervir na realidade e transformá-la.

Palavras-chave: Planejamento; Planejamento Participativo; PDE; Escola Pública.

1Graduado em Filosofia, UFMG. Especialista em Metodologia de Ensino de 1º e 2º Graus, Faculdades Integradas Espírita; e Formulação e Gestão de Políticas Públicas, UFPR. Professor do Colégio Estadual Herbert de Souza, São José dos Pinhais, PR. Participante do Programa de Desenvolvimento Educacional, PDE, 2010.

2Especialista em Engenharia de Produção, UFSCAR; Especialista em Gerência de Manutenção, FAAP; Mestre em Educação, Linha Metodologia de Ensino, UNICAMP; Free Docent in Business Administracion, WU; Membro da Associação Brasileira de Inteligência Competitiva e da Associação Brasileira de Estudos de Defesa; Membro de diversos conselhos editoriais; Professor das disciplinas Planejamento Estratégico, Gestão do Produto e Economia Empresarial da UTFPR, Curitiba, PR,

Orientador PDE.

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1 Introdução

A construção de uma escola pública de qualidade é um debate que nunca se

esgota. Os vieses abordados são os mais diversos, às vezes coincidentes e, em

outros casos, até divergentes. Porém, quanto ao ponto de chegada, todos

convergem para o mesmo objetivo: uma escola pública de qualidade. Discute-se,

neste artigo, o planejamento participativo como ferramenta capaz de modificar para

melhor a escola pública.

Planejamento é uma ação que somente o ser humano desenvolveu e que o

acompanha desde o princípio. Ele é o único animal capaz de realizar uma ação,

olhar como a fez e fazê-la novamente, mas diferente. Ao contrário de outros animais,

como as formigas, por exemplo, que por mais que admiremos a sua organização, a

construção dos formigueiros, a ação se repete durante séculos. Cada espécie de

animais desenvolve a sua ação sempre da mesma maneira. Existe a ação, mas

inexiste a avaliação e a reflexão. É um processo mecânico, automático,

simplesmente acontece.

Com o ser humano é diferente: o planejamento está presente no cotidiano.

Pode não estar explícito, ou o sujeito não está ciente de que está planejando, mas

planejar lhe é próprio. Imaginar como, quando irá fazer, o quê irá acontecer, são

atividades presentes desde o despertar. Fato que é acentuado perante a

imprevisibilidade do que irá acontecer obrigando-o a pensar, imaginar, tomar

decisões a fim de ter um mínimo de certeza, de domínio sobre seu dia. “(...) o que

quer dizer que o ser humano se caracteriza por um ser ativo e que ao construir o seu

mundo, constrói a si mesmo” (LUCKESI, 1996, p. 103). No entanto, quando não

planeja e vai fazendo as coisas de modo aleatório, sem saber aonde quer chegar, ou

simplesmente vai reagindo aos fatos, facilmente cai no vazio e chega ao final do dia

com a estranha sensação de não ter feito nada de significativo. “(...) a ação

aleatória, sem fins definidos, desemboca no ativismo” (LUCKESI, p.1996, 102).

Ainda, ao agir sem os fins definidos, ou seja, sem planejamento, o ser

humano cai no que se costuma chamar, na linguagem popular, de “síndrome do

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pato: anda, nada e voa, mas não faz nada muito bem”. Trazendo para o contexto

educacional, constata-se que a prática escolar está impregnada de uma mentalidade

de que a escola tem de dar conta de tudo: da educação dos filhos a ensinar, além de

implementar projetos e ações de toda ordem. É tanto ativismo que, às vezes, se tem

a nítida sensação que a escola é uma espécie de instituição considerada a

“salvadora da pátria”, ou seja, tem que dar conta de tudo, menos ensinar com

qualidade, que é o seu fim. Para dar fim a essa paranóia existe o planejamento, ou

seja, faz-se necessário colocar ordem nos acontecimentos. Definir o quê, quando,

como, onde, quem, com quais recursos, etc. se pretende fazer. Planejamento é um

processo de escolhas e negações.

Na implementação buscou-se diagnosticar a compreensão da comunidade

escolar sobre planejamento. Para tanto, elaborou-se um questionário contendo sete

questões abertas. Não se exigiu identificação do pesquisado no intuito de dar-lhe

total liberdade nas respostas.

As questões versavam sobre definição de planejamento, queixas em relação

ao ato de planejar, se a instituição elaborava seu planejamento de forma

participativa, se o planejamento era um documento vivo e dinâmico; como ele

percebia a atuação dos demais segmentos da escola (direção, pedagogo,

funcionário) no planejamento e, por fim, se em relação ao planejamento deveriam

ocorrer mudanças.

Para facilitar o manuseio, conferência e confiabilidade, as folhas contendo as

respostas receberam um número, que ao serem utilizadas como fonte, serão

referenciadas pelo respectivo número.

O resultado da pesquisa foi analisado em quatro partes: conceituação sobre

planejamento e planejamento participativo, análise das respostas obtidas através da

pesquisa e implementação, conclusão do trabalho.

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2 Planejamento e Escola

2.1 O que é Planejamento?

O princípio do planejamento é a necessidade, a carência de algo que se

pretende satisfazer. A busca pela satisfação leva a uma ação cujo resultado é a de

bem-estar. Por exemplo, sinto fome (necessidade), vou comer (ação), obtenho

saciedade (resultado), minha fome é saciada e obtenho bem-estar (satisfação). O

processo de planejamento pode ser resumido em quatro palavras: “necessidade,

ação planejada, resultado, satisfação” (LUCKESI, 1996, p. 162). Por exemplo, se

não existe a necessidade (fome), não preciso comer; satisfeito, comer vira uma ação

sem prazer. No planejamento não é diferente: se está tudo bem, se estamos

satisfeitos, não há razão para planejar. É só repetir aquilo que se estava fazendo.

Daí a importância de problematizar a realidade, de definir aonde se quer chegar,

também de sensibilizar, provocar desejos. Será que não poderíamos ser melhores?

Será que não existem formas de fazer as coisas de maneira diferente?

Mas o que é planejamento? Segundo Luckesi (1996, p. 162). “planejamento

implica no estabelecimento de metas, ações e recursos necessários à produção de

resultados que sejam satisfatórios à vida pessoal e social, ou seja, a consecução de

nossos desejos”.

Para Dalmás (2005, p. 30), o planejamento é a resposta a três perguntas: “o

que se quer alcançar? (UTOPIA); a que distância se está do que se quer alcançar?

(DIAGNÓSTICO); o que será feito para diminuir a distância entre onde se está e se

pretende chegar? (PROGRAMAÇÃO)”. No contexto escolar, o ponto de chegada

está relacionado com os fins da escola, ou seja, a função social, as grandes metas,

os objetivos “macro” da escola. No caso de uma determinada disciplina, o que se

pretende ensinar, o que o aluno deveria saber ao final de uma unidade, por exemplo.

Ao ministrar determinado conteúdo, o professor deve precisar o que o aluno deve

5

aprender ao final de cada conteúdo. É igualmente importante saber onde se está e,

após, fazer o diagnóstico preciso da realidade de cada escola, disciplina, aluno. A

partir desses dois momentos é possível estabelecer, com clareza, as ações que

devem ser desenvolvidas para alcançar o fim desejado, definir a metodologia, fazer

a programação das ações que precisam ser feitas para se alcançar os objetivos.

Para Gadotti (2004), planejar é uma ação fundamental para que se alcance os

fins para os quais a escola foi criada. No entanto, planejar em educação não é uma

ação que deva ser desenvolvida individualmente, uma vez que o planejamento tem

um caráter coletivo, ou seja, envolve debate, discussão, participação cujo ápice é o

projeto político pedagógico:

Planejar a educação é ação de extrema relevância para melhor organização do trabalho na escola, cuja existência só pode ser legitimada pela consecução com eficiência, eficácia e qualidade dos fins para os quais ela foi criada e é mantida pela sociedade. Observe-se que não é possível dissociar a ideia de planejamento educacional e escolar da necessidade de desenvolver, através de discussões e deliberações coletivas, um projeto político pedagógico da unidade escolar. (GADOTTI, 2004, p. 81).

O aspecto coletivo do planejamento também é apresentado por Luckesi

(1996, p. 164), pois segundo o autor “o ato de ensinar e aprender (...) é um ato

coletivo. Os alunos não trabalham isolados; atuam em conjunto. Professores não

agem sozinhos, mas articulados com outros educadores e especialistas em

educação”.

Luckesi (1996) vai mais longe ao destacar que não somente o ato de planejar

é uma ação coletiva, mas a execução e a avaliação também são responsabilidade

de todos. “O planejamento coletivo só poderá ser executado pela conjugação das

forças de todos, portanto, a execução deve também, ser coletiva. (...) Além disso, a

ação necessita ser avaliada e revista coletivamente”.(LUCKESI, 1996, p 164). A

avaliação está presente em todo o processo de planejamento, não é a última coisa a

ser feita. Tudo começa com um processo avaliativo, ou seja, a constatação de que

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alguma coisa não está bem e a percepção da necessidade de planejar, ou seja,

pensar em soluções. Pode ser considerado o motor do processo de planejamento. É

através dela, a avaliação, que o processo é revisto e reformulado. Cumpre um duplo

movimento: o de controle e realimentação. “Enquanto o planejamento traça

previamente os caminhos, a avaliação subsidia os redirecionamentos que venham a

se fazer necessários no percurso da ação” (LUCKESI, 1996, p. 165). Constata-se,

assim, a importância do trabalho coletivo, planejado, executado e avaliado por todos.

Portanto, o plano de ação da escola, de cada disciplina dever ser o plano de todos

os segmentos da escola e não apenas do diretor, do funcionário, do professor ou do

pedagogo. Todos articulados com os objetivos da escola.

2.2 Tipos de Planejamento

Segundo Vasconcellos (2005, p. 27), “pode-se identificar três grandes

correntes de planejamento: o gerenciamento da qualidade total, o planejamento

estratégico e o planejamento participativo”.

Para Gandin (2009), os três tipos de planejamentos se articulam em torno de

três conceitos básicos: qualidade, missão e poder. Dependendo do grupo que os

utiliza, as três correntes se prestam para a transformação da sociedade ou à sua

manipulação. A mescla é tão grande que confunde e muitos chegam a pensar que

são apenas maneiras diferentes de dizer a mesma coisa. Porém, o que os diferencia

é o ponto de partida e a visão de sociedade. Conhecer as diferenças é fundamental

para se escolher o tipo de planejamento adequado para cada instituição. É

necessário considerar que cada metodologia tem seus princípios, seus próprios

limites. “Quando tais limites são respeitados e o modelo produz o resultado para os

quais ele foi desenvolvido, não podemos criticá-lo enquanto instrumento” (GANDIN,

2009, p. 29). O que torna qualquer metodologia passível de crítica é quando se

amplia o seu campo de ação para além de sua finalidade para a qual foi criada, “é

como se utilizássemos uma faca para fabricar um avião” (GANDIN, 2009, p. 29), ou

seja, defende-se o princípio de que cada instrumento de planejamento é adequado

para resolver os problemas para os quais foi criado. É nesta perspectiva que se situa

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o presente trabalho.

2.3 Níveis de Planejamento Presentes no Cotidiano Escolar

É possível identificar no interior da escola níveis de planejamento que se

articulam entre si, ou seja, um é decorrente do outro. O projeto político pedagógico é

a expressão das questões macro: concepções de homem, sociedade, avaliação etc..

A proposta currículo, por sua vez, é um desdobramento do projeto político

pedagógico e é elaborado a partir das concepções anteriormente desenvolvidas. O

plano de trabalho docente é o detalhamento do trabalho do professor em sala de

aula. Por fim, o plano de ação defina as ações que concretizam os objetivos

definidos no projeto político pedagógico. Sua elaboração e construção, no caso

deste trabalho, se dão através da metodologia participativa ou trabalho coletivo e

são resultado do envolvimento de todos. Quando isto não ocorre, viram documentos

burocráticos.

a) Projeto Político Pedagógico – PPP: de acordo com a LDB, artigo 12, a

elaboração é incumbência dos estabelecimentos de ensino. Pode-se defini-lo como

plano global da escola que estrutura, define caminhos, delineia a identidade da

instituição. É o que poderíamos chamar de fotografia bem feita da escola, onde

todos se sentem representados. Por isso deve ser elaborado levando em conta o

conhecimento, as crenças, as diferenças dos vários atores envolvidos na sua

construção. Para a elaboração deve utilizar-se a metodologia participativa. É

normalmente dividido em três partes distintas, mas ao mesmo tempo, interligadas:

Marco situacional – procura responder a pergunta: onde estamos?

Descreve a sociedade na qual se desenvolve a ação. Pode partir-se de uma

análise maior da sociedade: aspectos políticos, sociais, econômicos,

tecnológicos etc.; a comunidade onde a escola está inserida: dados

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demográficos; características da população, índices socioeconômicos,

culturais; a escola que temos: dados históricos, os índices de aprovação/

reprovação; atos legais, recursos financeiros, condições físicas e materiais,

além de recursos humanos. É uma ação que situa a escola no seu contexto

real, com suas esperanças, forças e fraquezas. É uma ação que projeta dias

melhores.

Marco referencial – procura responder a pergunta: onde queremos

chegar? Quais são as concepções que nos ajudarão a transformar a

realidade descrita no marco situacional? Define-se a visão de sociedade, de

homem, educação escolar, de ensino/ aprendizagem, de currículo etc..

Marco operacional – procura responder a pergunta: o que podemos

fazer para diminuir a diferença entre o local onde estamos e onde queremos

chegar? É o momento da definição em linhas gerais das ações referentes ao

tipo de gestão, currículo, formação dos profissionais da educação, do papel

de cada segmento atuante na escola, das instâncias colegiadas, dos critérios

para elaboração do calendário escolar, da utilização do espaço escolar etc..

b) Proposta Pedagógica Curricular – PPC: é um desdobramento do projeto

político pedagógico também e de acordo com a LDB, é incumbência da escola, e por

isso a proposta curricular também tem um caráter político, não sendo uma simples

relação de conteúdos, objetivos e procedimentos metodológicos. Para sua

construção, deve levar-se em conta a elaboração de qual projeto político pedagógico

sobre educação, escola, cidadão se pretende formar. Assim como o projeto político

pedagógico, a proposta pedagógica curricular é também uma tomada de posição,

respondem-se as perguntas o que, como, por que, para que e para quem ensinar.

Elaborar o currículo é também definir um projeto de futuro para a sociedade. Nesse

sentido, “(...) propõe-se que o currículo de Educação Básica ofereça, ao estudante, a

formação necessária para o enfrentamento como vista à transformação da realidade

social, econômica e política (...)” (DCE, 2008, p. 20).

c) Plano de Trabalho Docente – PTD: de acordo com as Diretrizes

Curriculares da Educação Básica da Secretaria de Estado da Educação do Paraná:

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Elaborado a partir da proposta pedagógica curricular (...), vinculado à realidade e às necessidades de suas diferentes turmas e escolas de atuação. No plano se explicitarão os conteúdos específicos a serem trabalhados (...) bem como as especificações metodológicas que fundamentam a relação ensino/aprendizagem, além dos critérios e instrumentos que objetivam a avaliação no cotidiano escolar. (SEED/PR, 2008, p. 26).

d) Plano de ação da escola: é o lado prático do Projeto Político Pedagógico.

Define as ações concretas que devem ser desenvolvidas pela comunidade escolar.

Sua principal função é superar as necessidades identificadas no diagnóstico. Deve-

se procurar ser concreto, definir ações claras, bem definidas, possíveis de serem

realizadas. O caminho a ser percorrido pode ser assim ser descrito: primeiro,

identifica-se o problema, segundo esclarece-se onde se pretende chegar, para em

seguida, planejar as ações que irão encurtar a distância entre o ponto de partida e

de chegada. A fim de concretizar o planejado, é importante observar-se os seguintes

passos: definir a metodologia (como fazer isto?); atribuir responsabilidades (quem,

com quem? Para quem a ação se destina? Professores, alunos, pais? Onde?

Quando? Tempo, duração? Com quê? Responsável?). É importante destacar que,

apesar da aparente burocratização do processo de planejamento, esse

procedimento facilitará a avaliação e o replanejamento.

2.4 Planejamento Participativo

2.4.1 Planejamento Participativo – Conceituação

Vivemos numa sociedade desigual, injusta, numa sociedade de classes.

Prova disso é que temos pessoas que podem se dar o privilégio de pagar uma

fortuna por uma diária num hotel de luxo e outros não têm dinheiro nem para

comprar o pãozinho de todos os dias. O que é mais estranho é que ambos

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trabalham. A desigualdade é fruto de um sistema que explora, pois uns produzem a

riqueza e outros se apropriam dos lucros, algo próprio do sistema capitalista. É

exatamente esse o ponto de partida do planejamento participativo, a crença de que

vivemos num mundo injusto, e que “(...) essa injustiça se deve à falta de participação

em todos os níveis e aspectos da atividade humana. A instauração da justiça social

passa pela participação de todos no poder” (GANDIN, 2009, p. 28). Para Vianna

(1986, p. 28), “o ponto de partida é sempre a necessidade da comunidade”.

No planejamento participativo as questões de qualidade, missão e

participação ganham outro sentido: o de valorização. “Assumem um caráter de

proposta de futuro para a instituição que se planeja, onde está contido um ideal do

campo de ação da instituição” (GANDIN, 2009, p. 29). Pretende-se através da

metodologia participativa a efetivação de um mundo novo, mais justo, mais fraterno,

no qual todos os cidadãos vivem com dignidade. Utopia ou algo que possa vir a ser?

“A palavra utopia significa lugar que não existe. Não quer dizer que não possa vir a

existir” (PARO, 2005, p. 9). Demo (1996), no livro “A Participação é Conquista”,

afirma que sem utopia cai-se facilmente na mediocridade, no conformismo e que o

sonho de um mundo melhor não é fuga da realidade, mas o motor da mudança.

Essa é a motivação daqueles que se propõem utilizar a metodologia participativa em

suas instituições, do ponto de vista de soluções de seus problemas e o surgimento

de algo novo, melhor do que era antes.

Nesta perspectiva, para Vasconcellos (2005) o planejamento participativo é

adotado por pessoas inconformadas com as situações de injustiça, de centralização

de poder, sedentas por uma educação construída por todos, fundada na

participação, diálogo e partilha do poder:

É fruto da resistência e da percepção de grupos de educadores que se recusam a fazer tal reprodução do sistema, e foram buscar alternativas de fazer educação e, portanto, de planejá-la. O saber deixa de ser considerado como propriedade de "especialistas", passando-se a valorizar a construção, a participação, o diálogo, o poder coletivo local, a formação da consciência crítica a partir da reflexão sobre a prática da mudança. (VASCONCELLOS, 2005, p. 31).

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Vianna (1986) parte do princípio de que o homem é um ser social e como tal,

sente a necessidade de interagir com semelhantes, partilhar suas experiências e

expectativas e principalmente, participar de projetos coletivos, e que isto lhe possa

trazer satisfação. Em função disto propõe “uma nova forma de ação cuja força reside

na participação de muitas pessoas, politicamente agindo em função de

necessidades, interesses e objetivos comuns” (VIANNA, 1986, p. 18). As pessoas se

unem em torno de um objetivo comum que pretendem alcançar e planejam as ações

que colaborarão para alcançar este fim. Vianna caracteriza o planejamento

participativo da seguinte maneira: “flexível, adaptado a cada situação específica que

envolva decisões comunitárias e que se constitua em processo político vinculado à

decisão da maioria” (VIANNA, 1986, p. 18).

Um pouco mais adiante, a autora define planejamento participativo: “constitui-

se numa estratégia de trabalho que se caracteriza pela integração de todos os

setores da atividade humana social, num processo global, para a solução de

problemas comuns” (VIANNA, 1986, p. 23). Em outras palavras, segundo a autora, o

planejamento participativo “propõe que o homem, juntamente com seus iguais,

discuta problemas comuns e construa, a partir de um processo de trocas e buscas

comuns, o futuro da comunidade na qual está inserido” (VIANNA, 1986, p. 25).

A principal característica do planejamento participativo, segundo Vianna

(1986), é a participação ativa dos integrantes da comunidade:

(...) Os passos são os mesmos de qualquer planejamento, mas o que caracteriza a planificação participativa é exatamente a presença ativa, consciente, deliberada e decisiva da comunidade, através dos líderes mais autênticos das diversas categorias que a compõem”. (CORNELY, apud VIANNA, 1986, p. 26).

Participar, de acordo com a etimologia da palavra, origina-se do latim

“participativo”, que significa ter parte na ação. Para ter parte na ação é preciso fazer

parte do planejar, do decidir a ação que será executada. Demo (1996) adverte que a

“participação (...) não é dada, (...) não é dádiva, (...) não é concessão, (...) precisa

ser construída, forçada, refeita e recriada” (DEMO, 1996, p. 82). O ponto de partida

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deve ser o desejo de mudança. Para Vasconcellos (2009, p. 25), “participar é um

direito (...) e um dever (...)”. É um direito por que faz parte, no caso de uma

instituição pública, a escola, conceito discutido no item anterior. É um dever porque,

sendo um serviço público, todos são responsáveis pela prestação de serviços. É

através da participação que a pessoa tem a possibilidade de sair da zona de

conforto, do comodismo, de esperar que o outro resolva os problemas, tome

providências ou fique somente no nível da reclamação, tornando-se sujeito

corresponsável pelas ações desenvolvidas. A ideia de corresponsabilidade é

complementar à participação, a evidência de que não se está planejando para os

outros executarem, mas elaborando ações para que se implementem. É a ideia de

que se é parte do processo, da sua responsabilidade. É através da participação que

se constrói a responsabilização de todos pela execução do planejado.

2.4.2 Vantagens de Planejamento Participativo

Para Vasconcellos (2009, p. 25), a adoção de uma metodologia participativa

traz ganhos para o grupo como um todo:

Psicológico: pois todos se envolvem na elaboração e execução das tarefas. Nesta divide-se o sabor das conquistas, a alegria pela realização; por outro lado também dividem-se os fracassos, as tristezas. Talvez uma das consequências seja a solidariedade, na alegria e na tristeza. Epistemológico: pois o grupo produzirá conhecimento. Cada um colabora com o conhecimento que tem e ao mesmo tempo se apropria do conhecimento do outro, superando-se a passividade na aprendizagem. Político: todos participam, dão a sua contribuição. É o exercício da democracia, da corresponsabilidade. Pedagógico: planejar juntos é um eterno aprendizado de diálogo, de participação, de partilha do poder, de viver em conflito. Um eterno exercício de ouvir, entender o outro. (VASCONCELLOS, 2009, p. 25).

Adotar a metodologia participativa é uma oportunidade ímpar da comunidade

escolar em se manifestar sobre questões que dizem respeito a ela mesma. É através

dela que a comunidade pode definir o cidadão que quer formar, a sociedade que

quer construir. É a oportunidade de se definir com clareza a escola que se sonha,

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pois de acordo com Vasconcellos (2005, p. 173), “o processo de planejamento

participativo abre possibilidade de um maior fluxo de desejos, de esperanças e,

portanto, de forças para a tão difícil tarefa de construção de uma nova prática”.

Quando se inicia um processo de planejamento de aulas, as resistências

nascem quase que concomitantemente. São posições expressas em extremos: o

primeiro, que basta entregar uma cópia, pode ser igual àquela entregue no ano

anterior. O importante é a sensação que se tem do planejamento: ninguém deve

entrar em sala de aula sem o planejamento pronto, entregue para a equipe

pedagógica. Se foi colocado no plano deverá ser cumprido, a equipe pedagógica

define o roteiro e o professor apenas precisa preenchê-lo mecanicamente, sem

refletir sobre sua prática; no outro extremo, existe a crença de que não é possível

planejar, pois cada turma é uma realidade: primeiro é preciso conhecer a turma para

depois planejar, que não importa o programa, o trabalho dever fluir conforme o andar

da carruagem, a cada aula, o professor pensa naquilo que vai ensinar. São dois

extremos: um que valoriza o planejamento formal e o outro que defende o princípio

da informalidade, da improvisação.

Nem uma nem outra, afirma Vasconcellos. Para o autor, o professor precisa

sentir a necessidade de planejar e principalmente planejar para mudar. Se a situação

é para ficar do jeito que está, não é preciso planejar. Deve superar-se a visão

dicotômica para a dialética, articulando o universal e o particular, realidade e

conhecimento. É preciso conhecer os alunos, mas levar uma preelaboração do

plano a ser desenvolvido, ter um programa, mas não transformá-lo em fim, algo que

deve ser cumprido custe o que custar. O trabalho precisa ser pensado de forma

crítica, consciente intencionalmente, e não agir no improviso.

2.4.3 Níveis de Participação

É possível identificar no mínimo três níveis de participação. Importante

salientar que cada nível tem suas características e dependendo da finalidade, do

contexto de sua utilização, pode ser perfeitamente viável, estar em comum com os

três, podendo até provocar um saldo positivo. O problema está quando um nível de

participação é “entendido como o único modo de fazer participação” (GANDIN, 2009,

14

p. 56).

O primeiro nível consiste na colaboração, ou seja, a decisão sobre o que fazer

já foi tomada pelos técnicos ou pelas autoridades, e a comunidade é chamada para

colaborar com sugestões e críticas, mas dentro do previamente estabelecido. Neste

nível de participação, o papel da comunidade se limita ao referendar, legitimar as

decisões da autoridade, dando a falsa impressão de participação, ou então, cabe à

comunidade apenas participar da execução.

O segundo nível consiste na participação da comunidade nas decisões. O

nível de participação é um pouco maior do que na anterior. No entanto, o processo

ainda é controlado pelas autoridades. A participação se dá em questões de menor

relevância, desconectadas das grandes questões, dos fins. As decisões são

tomadas a partir de coordenadas definidas anteriormente, “quem tem o poder nas

mãos, cede algumas coisas, não o essencial, para significar que existe participação”

(DALMÁS, 2005, p. 26).

O terceiro nível de participação consiste na participação efetiva da

comunidade na definição dos rumos, das ações a serem implementadas. O poder é

partilhado. É o assumir juntos. A comunidade participa de todo o processo: da

preparação, planejamento, execução e avaliação. Embora ideal, as estruturas

existentes dificultam esse tipo de participação.

2.5 Análise da Pesquisa e Implementação

2.5.1 Análise da Pesquisa

A primeira questão era: para você, o que é planejamento?

As respostas a essa questão foram as mais diversas1. Para alguns, planejar

“é uma forma de organizar o que vai ser trabalhado e desenvolvido ao longo do ano

1 A pesquisa foi realizada com os professores do Colégio Estadual Herbert de Souza e as respostas

catalogadas. Cada pesquisado recebeu um número. Tal procedimento se fez necessário, pois não havia necessidade do pesquisado se identificar.

15

letivo” (12). Outros compreendem que planejamento é uma ferramenta que

possibilita a organização do trabalho, individual e coletivamente: “planejamento é

uma ferramenta que possibilita a organização do conteúdo com os outros

professores e da mesma matéria, fazendo com que todos sigam a mesma linha” (5).

“É ordenar, organizar as ações que pretendo realizar” (3), afirma outra pesquisada.

Ao conceituarem planejamento fica evidente, entre o universo dos

pesquisados, que na escola planejamento escolar se resume à elaboração do plano

de trabalho docente. Esta ideia está presente na grande maioria das respostas

analisadas: “é um processo de decisões sobre a atuação concreta do professor na

sala de aula” (2); “aquilo que pretendo dar de conteúdo aos meus alunos. Meu plano

de aulas, o que planejei de acordo com as necessidades dos alunos e o currículo da

série ou ano” (4); “planejamento é um documento onde o professor deve registrar

tudo o que se deseja construir em sala de aula no decorrer do ano letivo”; “nele

devem constar metas e estratégias de forma articulada e ajustadas às condições

reais do espaço escolar” (24).

Outros esboçam a ideia que planejamento é um parâmetro a ser seguido, que

ele é um instrumento vivo e dinâmico, um referencial a ser observado evitando-se,

dessa forma, o improviso. Fato que fica evidenciado na fala da professora, quando

assim se expressa: ”planejar é montar uma proposta de trabalho com os alunos, não

sendo obrigatoriamente seguir o cronograma montado. É bom, pois tendo o

planejamento o professor não ficará perdido nos conteúdos” (6); “o planejamento

devera ser flexível para replanejar sempre que necessário” (9), sentencia outra

pesquisada.

Planejar como sendo um ato coletivo também aparece entre as noções do

que é planejamento: “(...) é um instrumento que permite uma discussão entre

professores de determinada disciplina, de forma a planejar a melhor maneira de

aplicação de cada conteúdo, as metodologias que podem ser utilizadas” (1).

Ao conceituarem planejamento, alguns pesquisados destacam os frutos do

planejamento: “a organização metodológica do conteúdo” (9); “planejamento é

preparar-se e organizar-se para uma ação mais eficaz em sala de aula” (13). Outros

destacam que é um documento “para a escola e o professor, onde ele registra seus

trabalhos e objetivos a serem trabalhados” (7).

Na segunda questão procurou-se sondar o seguinte: em relação ao

16

planejamento, quais são suas queixas?

Uma entrevistada queixa-se que a falta de tempo e a organização da escola

levam ao que se pode chamar de improvisação do planejamento: “é complicado,

devido ao curto espaço de tempo que nos é proporcionado, (...) trocamos algumas

ideias, mas na hora do planejamento acaba-se fazendo cada um individualmente e

um passando para o outro, quando nos encontramos, as experiências que deram

certo, e o professor acaba adaptando ao seu planejamento de acordo com a turma e

também a forma dos alunos, por isso acredito que o planejamento é mais semanal

do que trimestral” (18).

A falta de espaço para reuniões entre os professores da mesma disciplina

também aparece como queixa: “falta de reunião entre os professores da área para

discutir os planejamentos” (1). Outros alegam que o planejamento não é prioridade.

Reclamam que no conjunto de atividades da escola, o planejamento é deixado por

último e consequentemente, não dá tempo para fazer um bom planejamento:

“geralmente é deixado por último quando há capacitações, logo o tempo é curto e o

que acontece é uma cópia do ano anterior com algumas modificações” (3). Ou

então, apenas faz-se adequações ao livro didático: “(...) a partir do planejamento já

existente, houve uma adequação, de acordo com o novo livro didático” (14).

Outros se queixam dos elementos que fazem parte do roteiro do

planejamento, que os consideram desnecessários. Constatação que aponta para a

falta de clareza sobre o que é, seus passos, os elementos de um planejamento:

“muitas informações desnecessárias como encaminhamento metodológico, o

importante para eu saber o conteúdo, o que vou avaliar e como vou avaliar e o valor

de cada atividade, até porque cada turma tem rendimento diferente” (5). Outro

elemento presente no depoimento da mesma profissional pesquisada é, dada às

circunstâncias da sala de aula, a necessidade de improviso, é a constatação da

grande diferença entre as turmas às quais o plano de trabalho se destina: “(...) em

algumas turmas são avaliadas com provas e outras não tem como, o rendimento é

precário, aí prefiro trabalhar com atividades em sala” (5). Outra fala que aponta

nesta linha, assim se expressa: “(...) o planejamento não é totalmente seguido

durante o ano e isso por vários fatores, um deles é de que, pela necessidade de

conhecimentos que o aluno deve adquirir, os professores acabam fazendo um

planejamento muito extenso, daí vem a turma com um ritmo mais lento, deficitária de

17

conhecimentos anteriores ou ainda, alunos que buscam conteúdos diferentes e

aquilo que se planejou como ideal, fica apenas no papel” (15). Fica evidenciado que,

ao planejar, o professor não conversa com a realidade da sala de aula. Poderia

deduzir-se que sua principal preocupação, no momento de planejar, é atender o

caráter legal da instituição.

A falta de autonomia no momento de planejar: “atualmente nota-se que

algumas matérias exigidas são culturas inúteis e que poderiam ser substituídas por

algo mais atual e presentes no dia a dia do aluno. Assim, gostaria de ter mais

autonomia e não ficar presa ao sistema imposto na elaboração do planejamento,

tentando desta forma motivar os alunos e torná-los interessados no saber” (18).

Constata-se ainda, que existe um fosso entre aquilo que é planejado e o que

realmente acontece na sala de aula: “nem sempre é possível cumprir o que foi

planejado” (8). Outro profissional aponta para a distância entre o ideal e o real: “nem

sempre o que está no planejamento é o que acontece na realidade, principalmente

em relação aos professores que montam o planejamento juntos, mas ao longo do

ano não trabalham da mesma forma” (12). A consequência é a frustração, que é

assim expressa: “(...) frustração (...) por não atingir os objetivos propostos” (10); “é

frustrante quando não se chega ao determinado objetivo, por razões diversas, que

vão desde aspectos físicos e até humanos também” (13), queixa-se este

profissional.

Constata-se ainda, certo pessimismo em relação ao ato de planejar, a sua

falta de sentido e por isto, ele serve apenas pra cumprir tabela, não procurando

executá-lo na prática: “não vê a real importância do planejamento não busca segui-lo

(...)” (11). E que por isso “(...) alguns somente copiam, ou do ano anterior ou de outro

colega” (4). Constatações que destacam que cabe ao professor apenas cumprir

prazos, apesar da falta de tempo: “ele tem um prazo para entregar o planejamento,

muitas vezes não tem tempo para elaborá-lo” (1).

A terceira questão objetivava identificar a existência do trabalho

coletivo na escola: com quantos colegas de trabalho você elaborou o

planejamento para o ano letivo de 2011? Descreva resumidamente como foi o

processo.

Perguntado sobre a quantidade de colegas que o professor conversou para

18

elaborar o seu planejamento, uma constatação fica evidente: a quantidade varia de

acordo com o número de colegas que atuam na mesma disciplina: “com os meus

colegas de disciplina” (3); (8); “eu e mais um professor da área” (9); “(...) conversei

com os professores da minha matéria e estamos seguindo os conteúdos meio que

juntas (...)” (5).

Ao descrever o processo, assim se expressam os pesquisados: “(...)

pensando e analisando quais os conteúdos que deram certo (atingiram os objetivos)

e acrescentando novas formas e maneiras de se trabalhar” (10); “(...) sentamos em

roda um com o outro e conversamos o que é mais importante naquele momento

passar aos alunos. E assim, em comum acordo, escolhemos os pontos de

abordagem e cada um monta à sua maneira o planejamento” (6); “(...) nós

estabelecemos metodologias, como conduzir os conteúdos, formas de avaliação”

(1).

Outros confessam que não existiu trabalho em equipe: “apenas partilhei

algumas ideias, mas o plano mesmo acabei fazendo sozinho” (7); “conversei com os

professores da disciplina, mas efetivamente fiz sozinha” (22). Constata-se ainda, que

o trabalho em equipe depende dos profissionais que atuam na respectiva disciplina:

“sim, dependendo do profissional, é possível ter interação e diálogo” (21).

Um ponto problemático apontado por um profissional está relacionado ao

número de escolas que um profissional é obrigado a trabalhar, situação que dificulta

o trabalho coletivo. Resumindo-se, o planejamento em equipe no início do ano letivo

e depois cada qual segue seu próprio rumo: “quando há disponibilidade dos

professores, por causa de horários de outras escolas, alguns professores

conseguem unir seu planejamento, mas durante o decorrer do trimestre, cada um

faz as alterações que acham necessárias. E com o tempo, os conteúdos

ministrados, ficam bem diferentes, de um turno para outro, ou de uma turma para

outra” (28).

A questão quatro perguntava: você conversou com colegas de outras

áreas para elaborar o seu planejamento para o ano letivo de 2011? Descreva

como foi.

Quando questionados sobre a interação com outras disciplinas, a grande

maioria é categórica na resposta: não se conversa com outras disciplinas. Um

19

profissional aponta uma das possíveis causas ao afirmar: “não, não tivemos

oportunidade” (10). Chama a atenção o número de profissionais que não

responderam a questão. O motivo da ausência de resposta ficou desconhecido, até

porque o questionário não apontava para tal.

Ou então, a conversa com profissionais de outras disciplinas é superficial.

Limita-se a aspectos práticos, como por exemplo, o tipo de avaliação e quando há

casos de indisciplina: “sobre o planejamento não. Conversei com outros professores

para saber o tipo de avaliação, por exemplo, o que fazer com uma turma com

dificuldades por indisciplina” (5).

Casos descritos a seguir são raros na instituição pesquisada. Atentam para o

fato de que trabalho coletivo interdisciplinar não é uma prática escolar, somente

ocorrem a partir de iniciativas isoladas de alguns profissionais, em atividades

específicas: “com o professor de matemática realizamos uma atividade com as

formas geométricas, eu busquei o desenvolvimento da capacidade de representação

gráfica das figuras enquanto que a professora de matemática do cálculo das

respectivas áreas. Avaliamos conjuntamente. Com a professora de geografia eu

trabalhei a Arte da Pré-história e ela (...) e depois realizamos a visitação no Canion

Guartelá” (16).

Ou então, o trabalho em equipe apenas vem ao encontro de algumas ações

específicas: “(...) não existe a interdisciplinaridade, salvo em alguns projetos,

extracurriculares (gincana, semana cultural etc.)” (28). A escola pesquisada realiza a

feira do conhecimento e gincana, atividades que envolvem todos os professores e

funcionários.

A questão de número cinco perguntava: você costuma usar ou

consultar o planejamento depois de elaborado e entregue à Equipe

Pedagógica? Ou Direção?

Questionados sobre a utilização do planejamento durante o ano letivo, depois

de entregue à Equipe Pedagógica, as respostas são afirmativas praticamente na sua

totalidade. Muda apenas a finalidade da consulta. Para preparar as aulas: “sempre

tenho uma cópia comigo e preparo cada aula fazendo consultas ao planejamento

geral que fiz” (4). Alguns o transformaram em objeto de consulta diária: “sim, uso

todos os dias, é com base nele que preparo minhas aulas, e mantenho uma

20

sequência didática” (17); ou para a tomada de decisões sobre o processo de ensino

aprendizagem: “sim, pois o planejamento é um meio que promove momentos de

reflexão e de tomadas de decisão educativas” (10); para sanar dúvidas ou para

responder a questionamentos: “(...) sempre que estou em dúvidas sobre algum

assunto ou quando me questionam” (12). Por fim, o planejamento é consultado para

replanejamento: “(...) faço modificações de acordo com novos materiais e recursos

didáticos disponíveis, andamento e desenvolvimento da turma etc.” (24).

A questão de número seis perguntava: como você avalia a participação

do funcionário, direção, pedagogo e professor no processo de elaboração do

planejamento?

A pergunta sobre a participação dos diferentes segmentos no planejamento

evidencia o que já se desconfiava: para o professor, planejamento escolar são

apenas os planos de trabalho docente. Constatação que se torna evidente a partir

das respostas sobre a participação dos funcionários no planejamento. Eles são

percebidos como ausentes: “não houve nenhuma participação” (24); “nenhuma

participação” (3). Ou, sua participação se limita na execução de serviços práticos ou

na disponibilização de materiais: “ajudam conforme solicitado pelo professor; estão à

disposição no que for necessário, quanto à matérias principalmente” (13); ou então

na digitação: “no meu caso não há essa participação, mas sei que eles digitam

alguns planejamentos” (16).

Percebe-se também, que existe entre os profissionais da educação uma

compreensão, embora apenas um profissional se referiu aos funcionários dessa

forma, como parte integrante da estrutura escolar. Porém, mesmo assim não sinaliza

que seria importante que participassem do planejamento: “os funcionários, de modo

geral, estão mais atrelados a questões burocráticas e administrativas. Penso que

apesar de os funcionários não participarem intrinsecamente do processo de

elaboração de um planejamento, os mesmos estão de certa forma inseridos na

conjuntura da estrutura escolar” (26).

A direção também é percebida como uma ilustre ausente no processo de

planejamento. São recorrentes respostas como: “não participa” (1); “não há

participação” (4). A justificativa é que a direção não participa, dado suas tarefas

administrativas e que o planejamento é atribuições de cunho específico da atividade

21

do professor, assim expresso pelos professores pesquisados: “não ajuda a elaborar

o planejamento, pois se tem a crença de que são de conteúdos específicos e estão

a resolver questões administrativas” (15); “atende questões administrativas,

funcionários, alunos, professores, quase não tem tempo de cuidar da parte

pedagógica” (28). Isto seria, segundo alguns pesquisados: “responsabilidade do

pedagogo, mas que também não consegue dar conta de todas as suas funções”

(28). Há também os que sugerem que cabe ao diretor garantir o espaço e suporte

para que o planejamento ocorra: “a direção assegura que o momento do

planejamento aconteça, de uma forma bastante ampla, sem participar das

especificidades de cada disciplina, mas dando suporte à sua execução” (22).

Em relação ao pedagogo, a noção de participação que se destaca é que ele:

“(...) orienta como deve ser feito o processo do mesmo” (8). Auxilia, porém quando

consultado: “auxilia quando é consultado, principalmente no tocante à avaliação,

recuperação paralela e, depois, sobre os objetivos ou metodologias” (15).

O que chama a atenção é o número de pesquisados que avaliam que a

participação do pedagogo se restringe apenas cobrar a entrega dos planejamentos,

não os analisa ou discute. Vários profissionais destacaram: “só buscou exigir o

planejamento, não retornou e conversamos” (7); “simplesmente espera ficar pronto e

reclama se demoramos” (4); “tem uma participação no momento de cobrança do

planejamento” (14). Ou então, que ele não acompanha a execução do planejamento

apenas cobra a entrega: “não acompanha os planejamentos, uma vez que percebe-

se que assinam (aprovam) ações que nem tomam conhecimento real, apenas se

livrar daquele professor” (11); “a única participação do pedagogo foi referente às

exigências em relação ao cumprimento de prazo para a entrega do planejamento.

Não houve nenhuma correção ou questionamento posterior a entrega. Acredito que

o planejamento foi apenas arquivado” (24).

Quanto à participação do professor no processo de elaboração do

planejamento, as constatações são as mais díspares, sendo possível perceber

contradições. Alguns destacam a participação, o envolvimento: “somos

participativos” (8); “vejo um grande envolvimento e um grande empenho no trabalho

de planejamento” (12); “há certa união ao montar o planejamento com ideias uns dos

outros” (6); “os professores da área sempre estão discutindo e reelaborando o nosso

planejamento, revendo os objetivos e avaliando” (10). E no outro extremo há os que

percebem a falta de trabalho coletivo, o conjunto na elaboração do planejamento:

22

“(...) as práticas coletivas são raras” (16). E quando ocorrem, acontecem apenas

entre professores da mesma disciplina: “entre professores da mesma disciplina” (16).

Ou são superficiais: “apenas conversamos, partilhamos ideias, mas realmente cada

um faz o seu isoladamente” (7).

Por último, a questão de número sete: há algo na escola que precisa

ser modificado, transformado, aperfeiçoado, usando o planejamento?

Descreva resumidamente.

Quanto às mudanças que deveriam ocorrer no processo de elaboração do

planejamento as respostas apontam, em primeiro lugar, para o fator tempo. A

questão tempo aparece em praticamente todas as respostas de uma ou de outra

maneira: “precisamos de mais tempo para fazê-lo (...)” (8); “ter mais tempo para

elaborar, discutir com os colegas o planejamento (...)” (10); “preciso sim modificar e

transformar o planejamento, mas precisamos de tempo para a realização” (5).

Outros apontam para a necessidade de mais formação. Para tanto, sugerem

que a mudança que deveria acontecer é: “capacitação constante e eficiente a todos

envolvidos em educação” (28).

Constata-se também que gostariam de mais acompanhamento da Equipe

Pedagógica: “acompanhamento constante do pedagogo sobre a metodologia e

conteúdos” (3). Ainda cobram mais diálogo entre com a equipe pedagógica e

professores: “a única mudança precisa é o dialogo entre a equipe pedagógica e

professores” (21). E assim construir o que um pesquisado chama de interação de

conteúdos para atender o nível social que vivemos, “interação de conteúdos de

maneira coerente com o nível social em que vivemos” (21).

Sugere-se ainda flexibilidade do planejamento: “(...) o planejamento deve ser

flexível. Devido ao perfil da turma algumas variações podem ocorrer como

cronograma, recursos” (3).

O planejamento deve ser consciente e elaborado de forma participativa:

“ocorresse de forma mais consciente, utilizando-o como uma ferramentas de apoio,

facilitadora de dia a dia, além da participação efetiva de todos os envolvidos,

conforme área de atuação” (11).

23

2.5.2 Implementação

O projeto de implementação do trabalho foi subsidiado pelo material didático

preparado para este fim. Consistia na reflexão sobre os principais temas

relacionados quando o assunto é planejamento participativo. Estudou-se temas

como democracia, gestão democrática e sua relação com a escola pública. Abordou-

se conceitos sempre presentes no interior da escola como o poder, conflito e

diálogo. Conteúdos, cuja compreensão é de fundamental importância na gestão

democrática.

Concluída a parte teórica da implementação partiu-se para um exercício

prático de planejamento participativo. Organizou-se grupos de trabalho a fim de

construir um plano de ação de forma coletiva e participativa.

A partir da seguinte orientação, os grupos deveriam elaborar uma ação a ser

alcançada: primeiro definir o que se quer alcançar? (UTOPIA); analisar a distância

que se está do que se quer alcançar? (DIAGNÓSTICO); e por fim, o que será feito

para diminuir a distância entre onde se está e se pretende chegar?

(PROGRAMAÇÃO).

A conclusão dos grupos pode assim ser descrita: o planejamento visa corrigir

um problema (necessidade) que estamos constatando (diagnosticando) e sua

finalidade é corrigi-lo, produzir resultados, mudar a realidade. Para diminuir a

distância entre a necessidade e o resultado esperado, precisa-se pensar uma ação/

intervenção (ou ações/ intervenções) que produza o resultado esperado (ou

produzam os resultados esperados).

Na tentativa de não sermos evasivos no planejamento, toda ação exige

resposta(s) às seguintes questões: a) Identificação do problema. b) Objetivos/

resultados esperados (de longo prazo). c) Ações concretas (objetivos de curto

prazo). d) Como fazer isto (metodologia)? d) Quem, com quem? e) Para quem? f)

Onde? g) Quando? h) Tempo, duração? i) Com quê? j) Responsável? l)

Observações.

Inicialmente todo esse processo causou certa angústia, incerteza,

insegurança, desânimo, medo etc.. No entanto, em longo prazo, constata-se que o

planejamento ajuda a crescer, avançar, ou seja, muda a realidade e

consequentemente, faz crescer o ânimo, a coragem, a esperança etc.. “O fator

24

decisivo para a significação do planejamento é a percepção por parte do sujeito da

necessidade de mudança” (VASCONCELLOS, 2005, p. 36).

Ao implementar na escola a prática do planejamento participativo, consciente,

percebe-se, ainda que de modo incipiente, alguns resultados: uma maior consciência

de corresponsabilidade, de participação, de fortalecimento do grupo; resgate da

crença de que é possível intervir na realidade e modificá-la, principalmente porque a

ação é decidida, executada e avaliada coletivamente; resgate da ação educativa, do

diálogo, da discussão, da negociação, do respeito pela opinião alheira, e às vezes

diferente; diminuição do ativismo; do fazer por fazer; cresceu a percepção que o

planejamento é um poderoso instrumento de prever e superar dificuldades. Enfim, o

planejamento contribui para diminuir o sofrimento de incapacidade perante a difícil

tarefa que é o trabalho com educação.

3 Conclusão

É possível afirmar que, para os professores, quase em sua totalidade, o

planejamento no cotidiano escolar se resume à elaborar o plano de trabalho

docente. Não percebe-se, em nenhum momento, que o projeto político pedagógico,

a proposta pedagógica curricular e o plano de ação façam parte do ato de planejar.

As respostas abordavam o plano de trabalho como única forma de planejamento da

qual os professores participavam. Fica evidenciado, dessa forma, que o trabalho na

escola é fragmentado. Os diferentes níveis de planejamento não são articulados ou

compreendidos como decorrentes um do outro. Percebe-se que provavelmente sua

elaboração também não se dá de forma articulada.

É possível concluir ainda que não está claro o significado do planejamento.

Constatação que fica evidenciada na questão dois sobre as queixas: parece que o

professor planeja para cumprir uma exigência legal, mas que, de fato, ele realiza o

trabalho conforme dá, a partir de improvisações.

Ainda, a estrutura organizacional da escola não prioriza o planejamento. A

falta de tempo é apontada como um dos empecilhos principais para se realizar um

trabalho de qualidade.

A escola pesquisada não tem uma prática de trabalho coletivo. Ações

25

coletivas envolvendo o planejamento, quando ocorrem, não ocorrem de forma

isolada, ou no máximo, ocorrem entre professores da mesma disciplina, e

geralmente somente no início do ano letivo.

Essa constatação fica ainda mais evidente na questão seis. Segundo o

universo dos pesquisados, os funcionários, a direção e os pedagogos tem pouca ou

nenhuma participação no processo de planejamento. A participação dos funcionários

é percebida apenas com executores de serviços práticos, como por exemplo, a

digitação. A direção é perdoada pelo pesquisados, pois tem muitas

responsabilidades administrativas e a participação dos pedagogos é percebida

apenas como alguém que cobra a entrega do plano de trabalho docente.

Por último, quanto às necessidades de mudanças sugere-se que é preciso

reordenar o tempo escolar para que se tenha mais tempo para planejar. Encontram-

se elementos que apontam para a necessidade de maior formação e de um maior

acompanhamento da equipe pedagógica. Por fim, ressalta-se ainda, que o

planejamento deve ser um ato consciente, a fim de intervir na realidade e modificá-

la.

Por outro lado, além dos resultados descritos anteriormente, a partir da

implementação do projeto PDE sobre planejamento participativo, detecta-se

melhorias no que se refere à organização interna: as pessoas são mais

autoconfiantes, há um crescimento no sentimento de corresponsabilidade na

condução dos trabalhos, uma maior preocupação com as decisões tomadas

coletivamente e maior transparência no desenvolvimento dos trabalhos.

O planejamento participativo melhora, de fato, a qualidade da escola pública.

Referências

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