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O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO NA PERSPECTIVA DA INTEGRALIDADE E EQUIDADE EM SAÚDE ACERCA DAS MINORIAS SEXUAIS: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA Jessica Bandurka 1 , Bárbara Bergamo 1 , Samuel Salvi Romero 2 Palavras-chave: Planejamento estratégico; Minorias sexuais; Equidade em saúde. Introdução: No contexto brasileiro, o debate sobre equidade em saúde segue um ritmo variável e não linear, dentro do qual percebe-se que os países que mais se aproximam de resultados favoráveis são aqueles que seguem um modelo de ação administrativa pautado em diagnósticos situacionais cujo enfrentamento se dá a partir de um olhar estratégico. 1 Em se tratando de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), estudos 2 comprovam que serviços educacionais, sociais, legais, de segurança e saúde frequentemente desconsideram o que é afirmado por direito à este público. Nessa perspectiva, emerge a Política Nacional de Saúde Integral LGBT, uma iniciativa para a construção de mais equidade no Sistema Único de Saúde (SUS) que tem como marca o reconhecimento dos efeitos da discriminação e da exclusão no processo de saúde-doença dessas minorias sexuais. 3 Dado que não é difícil encontrar gestores e profissionais de saúde reticentes à ideia de incorporar em suas agendas o reconhecimento da diversidade sexual 4 , este estudo relata a aplicação de um projeto de análise situacional voltado para a atenção integral à saúde LGBT, cujo plano de enfrentamento foi estruturado de maneira estratégica e com base nas situações vislumbradas no cenário assistido. Trata-se de um planejamento Planejamento Estratégico Situacional (PES) que insere-se num processo social e político mais amplo, onde a decisão dos profissionais deve, necessariamente, refletir as necessidades coletivas, não limitando-se à um desenho no papel, mas representando um compromisso de ação em prol de resultados positivos no âmbito da saúde. Objetivo: relatar a experiência de acadêmicas de Enfermagem na aplicação de um projeto de análise situacional que concebe a atenção integral e equitativa à saúde da população LGBT como base para a estruturação de um PES no âmbito da saúde coletiva. Metodologia: relato oriundo da aplicação 1 Acadêmicas do oitavo semestre do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Campus de Erechim - RS. 2 Orientador, Mestre em Envelhecimento Humano pela Universidade de Passo Fundo e Docente do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Campus de Erechim - RS.

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Page 1: O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO NA PERSPECTIVA DA … PLANEJAMENTO ESTRATEGICO... · enfrentamento embasado nos quatro momentos do PES (explicativo, normativo, estratégico e tático-operacional)

O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO NA PERSPECTIVA DA INTEGRALIDADE E

EQUIDADE EM SAÚDE ACERCA DAS MINORIAS SEXUAIS: UM RELATO DE

EXPERIÊNCIA

Jessica Bandurka1, Bárbara Bergamo1, Samuel Salvi Romero2

Palavras-chave: Planejamento estratégico; Minorias sexuais; Equidade em saúde.

Introdução: No contexto brasileiro, o debate sobre equidade em saúde segue um ritmo variável

e não linear, dentro do qual percebe-se que os países que mais se aproximam de resultados

favoráveis são aqueles que seguem um modelo de ação administrativa pautado em diagnósticos

situacionais cujo enfrentamento se dá a partir de um olhar estratégico.1 Em se tratando de

lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), estudos2 comprovam que serviços

educacionais, sociais, legais, de segurança e saúde frequentemente desconsideram o que é

afirmado por direito à este público. Nessa perspectiva, emerge a Política Nacional de Saúde

Integral LGBT, uma iniciativa para a construção de mais equidade no Sistema Único de Saúde

(SUS) que tem como marca o reconhecimento dos efeitos da discriminação e da exclusão no

processo de saúde-doença dessas minorias sexuais.3 Dado que não é difícil encontrar gestores

e profissionais de saúde reticentes à ideia de incorporar em suas agendas o reconhecimento da

diversidade sexual4, este estudo relata a aplicação de um projeto de análise situacional voltado

para a atenção integral à saúde LGBT, cujo plano de enfrentamento foi estruturado de maneira

estratégica e com base nas situações vislumbradas no cenário assistido. Trata-se de um

planejamento – Planejamento Estratégico Situacional (PES) – que insere-se num processo

social e político mais amplo, onde a decisão dos profissionais deve, necessariamente, refletir as

necessidades coletivas, não limitando-se à um desenho no papel, mas representando um

compromisso de ação em prol de resultados positivos no âmbito da saúde. Objetivo: relatar a

experiência de acadêmicas de Enfermagem na aplicação de um projeto de análise situacional

que concebe a atenção integral e equitativa à saúde da população LGBT como base para a

estruturação de um PES no âmbito da saúde coletiva. Metodologia: relato oriundo da aplicação

1 Acadêmicas do oitavo semestre do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Regional Integrada do

Alto Uruguai e das Missões, Campus de Erechim - RS. 2 Orientador, Mestre em Envelhecimento Humano pela Universidade de Passo Fundo e Docente do Curso de

Graduação em Enfermagem da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Campus de

Erechim - RS.

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de um projeto de análise situacional em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) de um município

situado ao norte do Rio Grande do Sul. O projeto foi aplicado durante as aulas práticas da

disciplina Enfermagem em Saúde Coletiva IV, no primeiro semestre de 2017, por acadêmicas

de Enfermagem que vivenciaram o cotidiano dos trabalhadores da área da saúde para

diagnosticar situações-problema e desenvolver com a equipe multidisciplinar um plano de

enfrentamento embasado nos quatro momentos do PES (explicativo, normativo, estratégico e

tático-operacional). O plano de enfrentamento foi apresentado à equipe na sala de reuniões da

UBS, valendo-se das seguintes estratégias para despertar o pensamento crítico dos

participantes: apresentação de material didático e de um pôster educativo-informativo, entrega

de panfletos educativos, dinâmicas de comunicação e interação, exposições dialogadas e relato

verbal dos participantes. Resultados e Discussão: No momento explicativo selecionou-se

como problemática a discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero que incide

na determinação social da saúde, no processo de sofrimento e adoecimento decorrente do

preconceito e do estigma social reservado à população LGBT, cuja causalidade está atrelada à

existência de profissionais que, mesmo proclamando-se defensores dos direitos humanos,

mostram-se reticentes à ideia de incorporar em suas agendas o reconhecimento da diversidade

sexual.4 No momento normativo foi definida a situação futura desejada e as operações concretas

a serem desenvolvidas, dentre elas: a inclusão da educação permanente nas rotinas do serviço

de saúde; o fomento à promoção integral da saúde da população LGBT; a eliminação das

discriminações de gênero e orientação sexual, do preconceito institucional e das desigualdades

de acesso aos serviços de saúde; a garantia às pessoas do respeito à sua dignidade, da redução

de riscos e da resolutividade de suas demandas e necessidades; a contribuição para a

consolidação do SUS como sistema universal, integral e equitativo; e o fortalecimento da

participação da população LGBT nos Conselhos e Conferências de Saúde. No momento

estratégico foi realizada a análise da viabilidade do plano de intervenção nas suas dimensões

política, econômica, cognitiva e organizativa e, a partir da identificação dos interesses dos

atores envolvidos, foram propostas: a inclusão de ações educativas nas rotinas do serviço de

saúde; a sensibilização da equipe multidisciplinar para a importância de compreender os

condicionantes da saúde do público LGBT; a diminuição das discriminações de gênero e

orientação sexual, bem como o alerta para as consequências negativas do preconceito

institucional na saúde dessas coletividades e a sinalização da relevância de uma escuta

qualificada ao usuário LGBT que recorre ao serviço de saúde; a informação da equipe

multidisciplinar acerca das principais vulnerabilidades a que o público LGBT está exposto, de

modo a reduzir riscos; o resgate do princípio da equidade; e a informação da população LGBT

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sobre seus direitos em saúde, bem como a reiteração da importância de sua participação nos

Conselhos e Conferências de Saúde. Após a elaboração do plano de intervenções e a análise de

sua viabilidade, o plano foi implementado, caracterizando o momento tático-operacional: foi

realizada a entrega da Política LGBT impressa para a unidade, como forma de internalizar a

importância do reconhecimento das diversidades; a sensibilização das agentes comunitárias de

saúde (ACS) e da enfermeira coordenadora da Estratégia Saúde da Família (ESF) acerca da

importância de compreender a saúde do usuário LGBT em sua integralidade; a sensibilização

acerca do impacto das discriminações de gênero e orientação sexual, do preconceito

institucional e da desigualdade de acesso na saúde da população LGBT; a exposição das

necessidades específicas em saúde dos usuários LGBT, a fim de reiterar a importância de um

atendimento equânime à essa população; a fixação de um pôster educativo-informativo na

unidade que ilustra as diferenças existentes entre atender de maneira igual e atender de maneira

equitativa os usuários LGBT; e a entrega de panfletos educativos ao público LGBT adscrito por

intermédio das ACS, a fim de que os mesmos se apropriem de seus direitos enquanto cidadãos

brasileiros e se corresponsabilizem pela sua saúde. Denota-se que participaram da atividade de

sensibilização somente as ACS e a enfermeira coordenadora da ESF devido à rotina da UBS,

que revelou grande procura dos usuários pelo serviço de saúde no momento da aplicação do

projeto. Esta abordagem foi uma importante sinalização à equipe no sentido de ampliar a visão

dos processos de trabalho, propor agendas definidas e responsáveis e resgatar ideais de respeito

às diversidades e singularidades dos usuários. Considerações finais: a aplicação do projeto

provocou o senso crítico acadêmico; atentou para a necessidade de planejar estrategicamente

as ações em saúde a serem desenvolvidas; favoreceu a internalização da importância da

educação permanente em saúde com vistas à intersetorialidade quando se trata do rompimento

de paradigmas culturais e sociais pré-existentes; e proporcionou aprendizados a partir da

exposição das vivências por parte das profissionais que apreciaram o projeto. Além disso, a

adoção do PES inspirou soluções alternativas à problemática inicialmente encontrada e

oportunizou a interação ensino-serviço. Pode-se dizer que o planejar estratégico da saúde das

minorias sexuais é imprescindível quando se fala em atendimento humanizado, visto que essas

coletividades comumente deparam-se com limitações culturais na área da saúde que culminam

em resistências institucionais, o que tem como consequência direta a predisposição à riscos,

preconceitos e negligências.

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Referências

1. FRANÇA, L.G. Políticas públicas no Brasil desde o enfoque dos direitos humanos: breve

estudo sobre a perspectiva da igualdade de gênero. Diálogos Possíveis, Salvador, dez. 2015.

Disponível em: < http://www.faculdadesocial.edu.br/revistas/index.php/dialogos

possiveis/article/view/310 >. Acesso em: 02 ago. 2017.

2. CONNELL, R. Questões de gênero e justiça social. Rev Ciên Soc., jun. 2014. Disponível

em: < https://periodicos.ufsm.br/seculoxxi/article/view/17033/0 >. Acesso em: 02 ago. 2017.

3. BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa.

Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política Nacional de Saúde Integral de

Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Brasília (DF): Ministério da Saúde,

2013.

4. JUNQUEIRA, R.D.“A homofobia não é um problema. Aqui não há gays nem lésbicas!”

Estratégias discursivas e estados de negação da discriminação por orientação sexual e

identidade de gênero nas escolas. Rev Psicol Unesp. São Paulo, 2010. Disponível em: <

http://revpsico.assis.unesp.br/revpsico/index.php/revista/ article/viewFile/171/201 >. Acesso

em: 02 ago. 2017.