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O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO E PARTICIPATIVO DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE PARA 2013/15: ESTUDO DE CASO Antonio José Costa Cardoso 1 , Helena Shimizu 1 , Márcio Florentino Pereira 1,2 , Elizabeth Alves de Jesus 3 , Indyara Morais 3 , Josélia Trindade 1 , Vitor Prado 3 1 Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília; 2 Conselho Nacional de Saúde; 3 Faculdade da Ceilândia da Universidade de Brasília.

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O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO E PARTICIPATIVO DO CONSELHO

NACIONAL DE SAÚDE PARA 2013/15: ESTUDO DE CASO

Antonio José Costa Cardoso1, Helena Shimizu

1, Márcio Florentino Pereira

1,2, Elizabeth Alves de

Jesus3, Indyara Morais

3, Josélia Trindade

1, Vitor Prado

3

1 – Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília; 2 – Conselho Nacional de

Saúde; 3 – Faculdade da Ceilândia da Universidade de Brasília.

RESUMO

O Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão colegiado de caráter permanente e deliberativo,

integrante da estrutura regimental do Ministério da Saúde (Lei nº 8.080/1990; Lei nº 8.142/1990)

é composto por representantes do governo, dos prestadores de serviços, dos profissionais de

saúde e dos usuários, e tem por finalidade atuar na formulação e no controle da execução da

Política Nacional de Saúde, e na promoção do controle social em toda a sua amplitude, no

âmbito dos setores público e privado. O objetivo deste trabalho é relatar o processo de

elaboração do Plano Estratégico do Conselho Nacional de Saúde (CNS) para o período

2013/2015. Foi aplicado o enfoque participativo do Planejamento Estratégico Situacional (PES),

de Carlos Matus, no período de 19 de fevereiro a 13 de março de 2013, quando foram realizadas

duas oficinas de trabalho com cerca de 180 participantes, entre conselheiros nacionais de saúde

(titulares e suplentes), coordenadores de Plenárias de Conselhos de Saúde e assessores técnicos

do CNS. A partir de cinco finalidades gerais, em cinco grupos de trabalho, foram definidas,

inicialmente, as ações permanentes e seus respectivos públicos-alvo, além dos princípios e

valores que devem orientar estas ações, visando construir a Missão do CNS. Na etapa de Análise

de Situação, também em cinco grupos, foram identificadas as Forças e Fraquezas no Ambiente

Interno e as Oportunidades e Ameaças no Ambiente Externo ao CNS para o cumprimento de

cada uma de suas finalidades. A partir da análise dos problemas identificados, foram definidos

quinze Objetivos Estratégicos, cada um operacionalizável a partir de um número variável de

ações, organizados em quatro grandes diretrizes.

PALAVRAS-CHAVE: Controle Social, Participação Social, Planejamento Estratégico,

Planejamento em Saúde, Gestão Participativa.

INTRODUÇÃO

Desde o início, a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) esteve alicerçada em três

pontos: a universalização da assistência, o controle social e a normatização técnica das alocações

financeiras. Desses, apenas os dois primeiros pontos podem ser considerados como avanços mais

consistentes; a questão do financiamento do sistema tem esbarrado nas oscilações dos gastos nas

três esferas governamentais, em questionamentos jurídicos quanto ao fluxo das transferências e

na falta de uma definição mais clara do perfil de necessidades sociais em termos de cobertura e

modelo de assistência (RIBEIRO, 1997).

A questão do controle social, comumente referida à formação e atuação dos Conselhos de Saúde,

tem se mostrado, por outro lado, a principal inovação política do SUS, a ponto do seu conceito

básico de pactuação política entre grupos de interesses ter penetrado, inclusive, as próprias

relações intergovernamentais, especialmente a partir da criação das comissões intergestores

bipartite (CIB) e tripartite (CIT). O avanço no processo de construção do SUS, de fato, em muito

se deve a essa participação da comunidade.

Os Conselhos de Saúde correspondem a fóruns permanentes de formação de opinião e vontade

política nos três níveis de governo. Com atribuições bem definidas, atuam na tematização da

agenda e sua publicização, colocando a implementação do SUS em permanente questionamento

e vigilância, o que tem assegurado o aperfeiçoamento do sistema, assentando as bases para o

controle social dos usuários sobre as decisões e os atos das autoridades setoriais.

O processo bem-sucedido de descentralização tem determinado, além disso, a ampliação dos

Conselhos de Saúde que ora se estabelecem também como Conselhos Regionais, Conselhos

Locais e Conselhos Distritais de Saúde Indígena. O Conselho de Saúde consubstancia, desta

forma, a participação da sociedade organizada na gestão do SUS como subsistema da Seguridade

Social, propiciando seu controle social e, desta forma, a crescente participação cidadã.

O número de conselheiros deve ser definido em Lei e os representantes são indicados, por

escrito, pelos seus respectivos segmentos, de acordo com a sua organização ou de seus fóruns

próprios independentes. O mandato dos conselheiros é definido no Regimento Interno do

Conselho, não devendo coincidir com o mandato do Governo Estadual, Municipal, do Distrito

Federal ou do Governo Federal, sugerindo-se a duração de dois anos, podendo os conselheiros

ser reconduzidos, a critério das respectivas representações. Seu presidente é eleito entre os

membros do Conselho, em reunião Plenária.

Implantados em todos os 5.565 municípios brasileiros, atualmente há no país 86.414

conselheiros, dos quais cerca de 36.500 representam os usuários do SUS. O porte de cada

Conselho varia segundo o tamanho da população, mas a regulamentação prevê que metade dos

assentos sejam ocupados por representantes da autoridade setorial, dos profissionais, dos

prestadores públicos e privados e dos trabalhadores da saúde; enquanto a outra metade deve ser

ocupada por representantes dos usuários (BRASIL, 2003).

O Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão colegiado de caráter permanente e deliberativo,

integrante da estrutura regimental do Ministério da Saúde (Leis nº 8.080/1990 e 8.142/1990), é

composto por 48 conselheiros titulares e seus respectivos primeiro e segundos suplentes,

representantes de entidades e movimentos sociais de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS),

entidades de profissionais de saúde, incluída a comunidade científica, entidades de prestadores

de serviço, entidades empresariais da área da saúde e governo federal.

Como finalidade primeira, o CNS atua na formulação da Política Nacional de Saúde, inclusive

nos aspectos econômicos e financeiros. É atribuição legal dos conselhos a elaboração e

deliberação sobre os planos de saúde, embora o planejamento seja visto, tradicionalmente, como

tarefa dos técnicos que detém o conhecimento técnico-científico. Complementarmente, o CNS

atua no controle da execução da Política Nacional de Saúde, inclusive nos aspectos econômicos e

financeiros, e na promoção do processo de controle social em toda a sua amplitude, coordenando

o que seria o sistema nacional de controle social do SUS, enquanto integra o sistema federal de

gestão participativa.

JUSTIFICATIVA

Que ferramenta poderia ser mais adequada para a criação de processos produtores de sujeitos-

cidadãos e de espaços de democracia ampliada, baseados na negociação e na comunicação

intensivas que um planejamento que reconheça a complexidade dos problemas e enfatize o

diálogo gerador de compromissos e a negociação entre os agentes da prática? A negociação entre

grupos de interesse torna mais fácil o compromisso de todos com a concretização dos ideais.

Além de poder contribuir para uma compreensão mais ampla da realidade problemática e para a

construção das melhores ações de enfrentamento, o planejamento pode ser excelente ferramenta

para construir consensos, compatibilizando exigências de distintas visões de mundo e interesses

dos atores. Numa organização cujos princípios apontam para a a crescente participação cidadã, o

planejamento deve ser feito pelos atores sociais envolvidos na ação.

Como ensina Matus: “todos podem opinar, pois todos devem opinar sobre os problemas reais

que os afetam e as soluções mais eficazes”.

A “gestão participativa” é uma obrigação legal dos gestores no âmbito do SUS, mas o melhor

efeito desse processo advém do compromisso assumido por todos os participantes, o que confere

legitimidade ao Plano e facilita a implantação de mecanismos de “cobrança e responsabilização”.

É sabido que a implementação de decisões é muito mais eficiente quando as pessoas conhecem

suas razões e origens e, em particular, quando tomaram parte na sua elaboração. Objetivos

amplamente discutidos e sobre os quais há consenso são mais facilmente aceitos e

compreendidos por aqueles que, de alguma forma, participarão da execução das ações

necessárias para atingi-los.

Trabalhando com esse enfoque, o planejamento é um processo político que busca pontos comuns

nas distintas visões de futuro e acordos sobre as melhores estratégias para alcançá-los:

reconhecendo a complexidade dos problemas de saúde, enfatiza o diálogo gerador de

compromissos e a negociação entre os agentes na gestão das organizações.

Dentro das organizações, o planejamento é mais uma oportunidade para construir o

conhecimento institucional, contribuindo para promover uma cultura institucional em que os

agentes estejam habituados a refletir sobre a finalidade das ações empreendidas, o que pode ser

uma excelente forma de melhorar a qualidade e efetividade do trabalho por meio da educação

permanente, criando uma cultura de compromisso e responsabilização.

OBJETIVOS

O objetivo deste trabalho é relatar o processo de elaboração do Plano Estratégico do Conselho

Nacional de Saúde (CNS) para o período 2013/2015, com foco na mobilização da sociedade em

defesa do Direito à Saúde e no fortalecimento dos órgãos de Controle Social do SUS na

formulação e no controle da execução da Política de Saúde.

REFERENCIAL TEÓRICO

A noção de controle social é controversa, com uso heterogêneo nas ciências sociais. No âmbito

da sociologia a expressão controle social de forma tradicional é caracterizada como voltada para

o estudo do conjunto dos recursos materiais e simbólicos, formais e informais, de que uma

sociedade dispõe para assegurar a conformidade do comportamento de seus membros a um

conjunto de regras e princípios prescritos e sancionados.

A idéia de controle social como dominação acabou por traduzi-lo como uma força do Estado

voltada para manutenção da ordem social. Todavia, mais recentemente, a noção de controle

social se amplia como um campo político cidadão, como uma dimensão do poder ampliada pela

participação democrática de alta intensidade, critica e transformadora. Após a consolidação de

um certo elitismo democrático, um novo movimento surgiu a partir da metade do século XX para

questionar o formalismo com que a democracia era apresentada. Um lugar onde essa contestação

teve base muito sólida foi a América Latina (CANTOR, 2005).

Foi também na América Latina que os movimentos sociais fizeram ouvir suas vozes, o que

“implicou a introdução do experimentalismo na própria esfera do Estado, transformando o

Estado em novíssimo movimento social” (SANTOS, 2005). No Brasil, a década de 1980 foi, de

fato, marcada pela efervescência dos movimentos sociais, mas na Saúde, a cristalização desse

fenômeno se deu a partir da promulgação da Lei 8.142/1990, que institucionalizou esta

participação social, por meio da criação de Conselhos de Saúde.

Resultado da aplicação do enfoque participativo do Planejamento Estratégico Situacional (PES),

de Carlos Matus, na elaboração do Plano Estratégico do Conselho Nacional de Saúde (CNS) para

o período 2013/2015, ancoramos nossas análises no modelo comunicativo de ação de Habermas

(1987), que tematiza a função interpretativa da linguagem com o objetivo expresso de não

reduzir a ação social a operações interpretativas dos participantes, e nas teses sobre a

Democracia desenvolvidas por Santos (2008), na perspectiva da Emancipação Social.

"Con este modelo de acción se presupone que los participantes en la interacción movilizan

expresamente el potencial de racionalidad (...), con el propósito, cooperativamente seguido, de

llegar a entenderse" (Habermas, 1987).

Entendimento remete à noção de acordo racionalmente motivado ou processo cooperativo de

interpretação da realidade, que se mede por sua pretensão de validade. "Pretensão de validade",

por seu turno, caracteriza diversas categorias de um saber que se encarna em manifestações

simbólicas que podem ser analisadas sob a perspectiva de sua fundamentação, mas também sob a

perspectiva de como os atores as utilizam.

Em síntese, segundo a Teoria do Planejamento Participativo, as organizações se constroem a

partir de planos de ação formulados da forma mais participativa possível, como parte de um

processo contínuo de aprendizagem organizacional operado por mecanismos de ajustamento

mútuo que possibilitam aos seus membros trabalhar com objetivos comuns, embora parciais e

provisórios, em um ambiente complexo e em evolução.

METODOLOGIA

O Plano Estratégico é o produto, formalizado, de um planejamento estratégico. Na América

Latina, Planejamento Estratégico é a denominação genérica de uma corrente do pensamento

gerada em consequência da crítica ao Planejamento Normativo, representado principalmente

pelos pensamentos de Carlos Matus e Mario Testa. A característica definidora desta tendência é

sua explícita incorporação do político como parte de seu objeto específico de trabalho.

O Planejamento tem sido designado, comumente, como um método, uma ferramenta, “uma

técnica gerencial que procura, por meio da análise do ambiente de uma organização, criar

consciência de suas oportunidades e ameaças, assim como de seus pontos fortes e fracos, e, a

partir daí, traçar os rumos ou direção que essa organização deverá seguir para aproveitar as

oportunidades, potencializar seus pontos fortes e minimizar ameaças e riscos” (PORTO, 1998).

Com raízes no marxismo, Carlos Matus procedeu a uma aguda crítica ao Planejamento

Normativo, construindo sua proposta sobre a noção de “situação”, definida como sendo o lugar

social onde está situado o ator que planeja e a ação, compondo uma “totalidade complexa”. O

Planejamento é, para Matus, um traçado de mudanças situacionais em um contexto de forças

sociais oponentes, portanto “ação estratégica”. O ponto de partida é uma situação inicial (Si) e

uma situação-objetivo (So), à qual pode-se chegar por diferentes trajetórias que implicam

situações intermediárias diversas. Sobre estas bases, Matus analisa as condições para a

construção da viabilidade política (MATUS, 1989).

Pode-se dizer que, para Matus, o planejamento tem a pretensão de ampliar a “capacidade de

governo” (conjunto de destrezas, experiências, habilidades, teorias e métodos de direção que

uma equipe de governo dispõe), dar-lhe “direcionalidade” e, por esta via, ampliar a

“governabilidade” (relação entre as variáveis que controla e que não controla) da organização,

visando o cumprimento de algum “projeto de governo” (“triângulo de governo”).

Mário Testa, cuja referência é o processo político argentino, embora considere a intenção de

Matus “cheia de originalidade e atitude construtiva”, acredita “que Matus substitui a

normatividade técnico-econômica por uma normatividade política, o que reduz a eficácia de sua

proposta” (1992:108). A principal crítica de Testa a Matus é, fundamentalmente, uma crítica

histórica porque, apesar de concordar com a necessidade de “continuidade entre história e

Plano”, não compartilha da visão de Matus de se colocar em posição de “dirigir as forças

consideradas progressistas, entendendo que estas não estão, de fato, bem identificadas”.

Com a finalidade de iniciar processo de análise situacional do CNS, foi realizada, nos dias 19 e

20/02/2013, uma oficina de trabalho das quais participaram 180 pessoas, entre conselheiros

nacionais de saúde (titulares e suplentes), coordenadores de Plenárias de Conselhos de Saúde e

assessores técnicos do CNS.

O planejamento deve resolver, na opinião de Matus, quatro grandes questões cujo enfrentamento

corresponde a quatro “momentos” de um “processo contínuo”: Momento Explicativo; Momento

Normativo; Momento Estratégico e Momento Tático-Operacional. Estes Momentos não

correspondem a Etapas: pode-se adentrar no planejamento pelo seu momento Tático-

Operacional, por exemplo, avaliando ações já finalizadas ou em desenvolvimento.

O processo foi estruturado, então, em quatro “etapas” contínuas: Elaboração da Missão; Análise

de situação, Desenho e Gestão do plano.

A partir de cinco finalidades gerais, em cinco grupos de trabalho, foram definidas as ações

permanentes e seus respectivos públicos-alvo, além dos princípios e valores que devem orientar

estas ações, visando construir a Missão do CNS.

A análise de situação correspondeu à construção do diagnóstico inicial que orientou a

formulação do Plano Estratégico do CNS, buscando identificar problemas prioritários para a

organização e os fatores que os determinam, na perspectiva de construir uma visão integrada

dessa totalidade. Matus (1989) definiu “situação” como sendo o lugar social onde estão situados

os atores e a ação, compondo uma totalidade complexa. Definiu-se “problema” como uma

situação que se afasta, negativamente, de um estado desejado.

Ainda nessa primeira oficina, os participantes foram distribuídos em cinco grupos de trabalho

(GT) e convidados a identificar forças e fraquezas no ambiente interno e oportunidades e

ameaças no ambiente externo ao CNS para o cumprimento de cada uma das finalidades.

A análise de ambiente interno do CNS supõe o conhecimento da história, da cultura e do perfil

organizacional, além das ações que a organização desenvolve e os conhecimentos necessários

para tal. As “forças” são situações, tendências ou fenômenos internos à organização que podem

contribuir em grau relevante e por longo tempo para a realização de sua missão, enquanto as

“fraquezas” são situações, tendências ou fenômenos que podem prejudicar esse desempenho

(CARDOSO & DE SIMONI, 2007; OLIVEIRA, 1996).

O ambiente externo inclui todos os fatores externos que podem afetar o desempenho

organizacional. Na busca de informações, a organização precisa observar grande quantidade de

sinais de ameaças e oportunidades, pois a “organização que não conhece o ambiente externo

onde está inserida e a sua potencialidade está fadada ao insucesso por despender esforços

redundantes e, muitas vezes, de baixa eficácia” (MORESI, 2001).

As “oportunidades” e as “ameaças” são situações, tendências ou fenômenos externos à

organização, atuais ou potenciais, que podem contribuir ou prejudicar, em grau relevante e por

longo tempo, a realização de sua missão ou objetivos permanentes e o alcance de um bom

desempenho (CARDOSO & DE SIMONI, 2007). A partir das fraquezas identificadas no

ambiente interno e das ameaças, no externo, o Grupo Revisor selecionou problemas que, no

presente, dificultam o desenvolvimento da missão do CNS.

Após a seleção, os problemas foram analisados, buscando-se entender melhor o processo de

inter-relação entre os mesmos e, assim, obter uma visão de síntese dos determinantes que os

produz (MATUS, 1989).

Esse processo de análise foi realizado a partir do conhecimento dos participantes e da revisão da

literatura. Explicar a situação é identificar os nós críticos da rede causal que explica a realidade.

Esses nós críticos se converteram em importantes centros de intervenção na etapa de Desenho do

Plano: organizado em quatro Diretrizes e quinze Objetivos Estratégicos, cada um

operacionalizável a partir de um número variável de ações.

A segunda oficina, realizada em 13/3/2013, desta vez apenas com os Conselheiros, correspondeu

ao momento de validação da Missão, da Análise de Situação e das Ações, Objetivos e Diretrizes

propostas. Os participantes foram distribuídos em quatro grupos e convidados a validar a Missão

e a identificar as informações necessárias à melhor caracterização dos problemas, sua rede de

determinação, e das Ações, Objetivos e Diretrizes propostas.

Nas duas oficinas, cada GT contou com a participação de um acadêmico de Saúde Coletiva da

Universidade de Brasília como facilitador metodológico.

A produção do conhecimento pretende-se “socialmente distribuída”, na medida em que a

abordagem do problema é complexa (transdisciplinar, multiprofissional e multiinstitucional) e as

soluções são pactuadas pelos vários atores a partir do contexto de aplicação e evoluem para se

constituírem em rede de colaboração com foco em problemas (OPAS, 2002; CASTELLS, 2003).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em cinco grupos de trabalho, a partir de cinco finalidades (1. Mobilizar a sociedade em defesa

do Direito à Saúde e fortalecer os órgãos de Controle Social do SUS; 2. Participar da

formulação da política nacional de saúde; 3. Participar do controle da execução da política

nacional de saúde; 4. Deliberar, encaminhar e avaliar a Política de Gestão do Trabalho e

Educação para a Saúde no SUS; 5. Acompanhar o processo de incorporação científica e

tecnológica no País), foram definidas as ações permanentes e seus respectivos públicos-alvo,

além dos princípios e valores que devem orientar estas ações, visando construir a Missão do

CNS, a saber: “Participar da formulação e do controle da execução da Política Nacional de

Saúde, articulando as instâncias de controle social do Sistema Único de Saúde, e mobilizar a

sociedade brasileira em defesa do direito à saúde”.

Na etapa de Análise de Situação, os mesmos cinco grupos, identificaram as Forças e Fraquezas

no Ambiente Interno e as Oportunidades e Ameaças no Ambiente Externo ao CNS para o

cumprimento de cada uma de suas finalidades.

Muitos dos problemas identificados podem ser atribuídos à falta de tradição de participação e de

cultura cívica no país e a questões regulamentares: morosidade na produção de resoluções

(“excessivas e fracas”); falta de articulação entre os conselhos nas três esferas; fragmentação do

Conselho (formação de “conselhinhos”); predomínio de interesses específicos em detrimento do

interesse coletivo; insuficiente divulgação das atividades do CNS; falta de capacitação dos

conselheiros; insuficiente diálogo entre as comissões e estrutura física do CNS; dependência em

relação aos governantes (“são raros os governos que realmente apoiam o controle social”); o

desrespeito ao caráter deliberativo dos órgãos de controle social; e o desafio da representação e

representatividade dos conselheiros em relação às suas entidades. Foi muito enfatizada a

necessidade de realinhar o papel do controle social em diálogo com a sociedade.

Também a literatura nacional aponta para a falta de apoio, indiferença ou rejeição das

autoridades (gestores do SUS); precárias condições operacionais e de infra-estrutura; pouca

visibilidade dos Conselhos de Saúde; falta de uma cultura de transparência e de difusão de

informações; composição não segue o princípio da paridade; critérios de escolha das entidades

são desconhecidos; complexidade dos assuntos, sobre os quais as pessoas “leigas” não têm

conhecimento; baixa representatividade e legitimidade de alguns conselheiros; e não exercício

do seu caráter deliberativo.

Quanto ao tema da representação, ainda há muitas controvérsias. De fato, apesar da plena

vigência das instituições democráticas, ainda apresentam forte clientelismo político expresso na

concessão de benefícios como se fossem favores pessoais, criando-se relações de dependência

pessoal. Por isso mesmo, os Conselhos de Saúde adquirem importância crucial, já que

constituem um espaço único para o desenvolvimento de atitudes comprometidas com a cidadania

e com o interesse geral.

Como a denominação "usuário" é vaga, são não raras "falsificações" na representação. As

entidades representadas nos Conselho de Saúdes são de natureza diversa, destacando-se as

associações de portadores de patologias e deficiências e as associações de moradores e

comunitárias. Em muitos Conselhos de Saúde se fazem representar os sindicatos de

trabalhadores urbanos ou rurais, agregações, como as das mulheres, e os "clubes de serviço. Por

outro lado, a medicina privada, da qual o SUS compra serviços, tem discreta presença nos

Conselhos (CONASS, 2003). Mas isso não acontece no CNS, onde a Saúde Suplementar se faz

representar por meio de suas entidades.

A partir dos problemas analisados, foram definidos quinze objetivos a serem operacionalizados

por meio de um número variável de ações, mas organizados em quatro grandes Diretrizes: 1)

Mobilizar a sociedade em defesa do Direito à Saúde e fortalecer os órgãos de Controle Social

do SUS; 2) Fortalecer o Sistema de Participação Social na formulação e no controle da

execução da Política de Saúde; 3) Participar da formulação e controle da execução da Política

de Gestão do Trabalho em Saúde; 4) Participar da formulação e controle da execução da

Política de produção e incorporação de tecnologias e insumos estratégicos em saúde.

A primeiras Diretriz, Mobilizar a sociedade em defesa do Direito à Saúde e fortalecer os órgãos

de Controle Social do SUS, foco principal desse artigo, se concretiza em cinco Macro-Objetivos

Estratégicos: 1) Qualificar a comunicação do CNS com a sociedade e ampliar sua visibilidade de

instância máxima de controle social do SUS; 2) Fortalecer os mecanismos de controle social do

SUS e favorecer uma atuação sistêmica dos seus órgãos; 3) Garantir a implementação da Política

Nacional de Educação Permanente para o Controle Social no SUS; 4) Fortalecer estruturas e

qualificar os processos de trabalho do CNS; 5) Assegurar a primazia dos serviços públicos de

saúde no SUS, com base nos princípios da reforma sanitária brasileira.

Para fortalecer os mecanismos de controle social do SUS e favorecer uma atuação sistêmica dos

seus órgãos, estão previstas: a construção de uma agenda permanente com os demais Conselhos

de Saúde subnacionais (municipais, estaduais, do DF e dos Distritos Especiais de Saúde

Indígena), a articulação com os demais conselhos nacionais para fortalecimento do Sistema

Federal de Participação Social, a realização de plenárias descentralizadas do CNS e a construção

de uma agenda permanente com a CIT visando qualificar esta relação.

E para assegurar a primazia dos serviços públicos de saúde no SUS, com base nos princípios da

reforma sanitária brasileira, foram propostas: mobilização da sociedade pela garantia do direito à

saúde por meio de campanha nacional em defesa do SUS público, universal e integral

(Movimento Nacional em Defesa da Saúde Pública – Saúde + 10); articulação de agenda em

defesa do SUS com os movimentos sociais, entidades e instituições; promoção do controle social

sobre as Agências Reguladoras; atuação junto ao Congresso Nacional e legislativos estaduais e

municipais em defesa do SUS; e produção de relatório mensal acerca das proposições

legislativas que tramitam no Congresso.

Para viabilizar a segunda Diretriz, Fortalecer o Sistema de Participação Social na formulação e

no controle da execução da Política de Saúde, foram definidos cinco Objetivos estratégicos, com

destaque para algumas ações: participação efetiva dos conselhos de saúde na formulação do

Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias ( LDO) e Lei Orçamentária Anual

(LOA); participação do CNS na elaboração do Plano Nacional de Saúde (PNS); articulação com

Conselhos Estaduais (CES) e Municipais de Saúde (CMS) para efetivação do planejamento

(inclusive orçamentário) participativo e ascendente no SUS; organização da 15ª Conferência

Nacional de Saúde; reavaliação da missão das conferências de saúde na Gestão Participativa do

SUS; SUS pautado no Fórum Interconselhos da Presidência da República; criação de

observatório do controle social para monitoramento das deliberações das Conferências Nacionais

de Saúde e do Pleno do CNS; construção de Agenda conjunta de trabalho com o Departamento

Nacional de Auditoria (DENASUS), Tribunal de Contas da União (TCU) e Corregedoria Geral

da União (CGU); monitoramento dos planos de saúde nacional, estaduais e municipais;

acompanhamento da execução das correções indicadas pelas auditorias e realização de estudos e

pesquisas para avaliar o PNS.

COMENTÁRIOS FINAIS

Construído na perspectiva de promover uma articulação sistêmica com os demais órgãos de

controle/participação social do Sistema Único de Saúde (SUS), o Plano Estratégico do CNS para

o período 2013/2015 ainda está em processo de avaliação pela Mesa Diretora do CNS: se as

ações propostas são adequadas, viáveis e suficientes para a consecução do objetivo; se as ações

propostas são de responsabilidade do CNS, isto é, se são de sua competência; e quem será

responsável pelo detalhamento de cada ação proposta, isto é, definição de insumos críticos (se

houver), custos (se houver), metas, prazos e fontes.

Em realidade, no processo de elaboração do Plano Estratégico do CNS, os participantes tiveram

a oportunidade de exercer a racionalidade comunicativa, sobretudo ao colocarem em debate seus

argumentos com vistas a construção de possíveis consensos. Nessa perspectiva, um plano só

funciona se proporciona uma linguagem e uma estrutura comunicativa que o povo coloca em

destaque sua história e seu futuro (RIVERA; ARTMANN , 2012)

Perguntar sobre os limites e possibilidades de construção de projetos coletivos é perguntar sobre

os limites e possibilidades de se viver e trabalhar em grupo, o que remete à ambivalência que os

indivíduos experimentam na relação com o grupo: satisfação de necessidades, mas também

medos primitivos e frustração. Como regular tais processos, marcados pela ambigüidade,

ambivalência e contradição? Aparentemente, e este corresponde ao maior desafio do

planejamento, tal mudança depende, além disso, da compatibilização das exigências de uma

multiplicidade de sujeitos diferenciados quanto a desejos, visões de mundo e interesses.

Quanto à perspectiva teórica que orientou a metodologia de planejamento, reconhece a

complexidade dos problemas em tela e enfatiza a negociação entre os agentes da prática pois, em

uma sociedade democrática, a viabilidade de todo e qualquer processo de mudança

organizacional depende da abertura de processos intersubjetivos de “criação e recriação de

acordos, de pactos, sempre conjunturais e transitórios” (SÁ, 2001).

Cabe lembrar, como fizeram Paim & Almeida-Filho (2000), que “os sujeitos sociais encontram-

se presentes em todos os „momentos‟ do processo de trabalho: objeto, atividades, relações

técnicas e sociais, meios de trabalho, além do próprio agente”. Daí conceder-se grande ênfase à

ação comunicativa, propondo-se a “administração da incerteza” como o núcleo central da

condução dos processos de planejamento.

Repetindo Paim (2002):

“a planificação não faz a revolução. Também não emancipa por si mesma, ainda que

amplie espaços para a constituição de sujeitos coletivos. Apenas informa, forma,

formaliza...(...) O coração da crise da planificação, conseqüentemente, não parece estar

na sua teoria, nos seus métodos e em suas técnicas, mas no Estado, na sociedade, na

política. A planificação, enquanto prática social, tem sua encruzilhada no centro dos

vértices desse triângulo”.(...) “Em vez de reforçar a encruzilhada ou de aprisionar-se no

triângulo de governo matusiano, por que não triangular a produção teórica, a

experiência técnico-institucional e a militância para, considerando o „postulado da

coerência‟, fazer História?”. 1

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Presidente e aos demais membros da Mesa Diretora do CNS pelo convite feito

ao Laboratório de Planejamento Participativo em Saúde da Universidade de Brasília

(LAPPAS/UnB) para coordenação metodológica do processo, bem como a todos os conselheiros

e demais participantes das oficinas pela riqueza das lições aprendidas.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de dezembro de 1990. Diário Oficinal da União. Dezembro de

1990.

BRASIL. Lei nº 8.142, de 19 de dezembro de 1991. Diário Oficial da União, Poder Executivo,

Brasília, DF, v. 78, n. 249, 31 dez. 1990. Seção 1, p. 25694.

BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Para entender a Getão do SUS. Brasília,

2003. Pag. 14-20.

BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 333, de 4 de

novembro de 2003. [Aprova as diretrizes para criação, reformulação, estruturação e

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