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Haje O PL 29 e as políticas de comunicação no Brasil: a importância da participação da sociedade civil e do Poder Executivo no processo legislativo Anais da IV Conferência ACORN-REDECOM, Brasília, DF, 14-15 de maio de 2010 459 O PL 29 e as políticas de comunicação no Brasil: a importância da participação da sociedade civil e do Poder Executivo no processo legislativo Lara Haje Laboratório de Políticas de Comunicação (LaPCom) Universidade de Brasília (UnB) [email protected] BIOGRAFIA Lara Haje é mestre em Políticas e Estratégias de Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora associada do Laboratório de Políticas de Comunicação (LapCom), da UnB. Trabalha atualmente como jornalista da Câmara dos Deputados, após ter sido analista da ECCO (Estudo e Consultoria de Comunicações) por 10 anos. RESUMO Este artigo discute a importância da participação do Poder Executivo e da sociedade civil organizada no processo legislativo de regulamentação da convergência tecnológica no Brasil, por meio do Projeto de Lei n º 29, de 2007. Essa participação deve se dar não apenas no sentido de garantir propostas de interesse público no escopo da lei, como no sentido de ampliar o debate sobre a adaptação do marco legal das comunicações no Brasil ao processo de convergência, na medida em que o PL 29 configura-se como uma nova lei apenas para TV por assinatura, abrindo o mercado de TV a cabo para concessionárias de telefonia. Realizado a partir da aplicação de métodos qualitativos (observação participante e análise documental), o artigo aborda o conteúdo do projeto de lei, sua imbricada tramitação e as demandas da sociedade civil em relação ao processo de convergência, aprovadas na I Conferência Nacional de Comunicação. PALAVRAS-CHAVES Convergência tecnológica, TV por assinatura, PL 29, sociedade civil, Poder Executivo. INTRODUÇÃO Desde fevereiro de 2007, uma série de projetos de lei tramita na Câmara dos Deputados com o intuito de regulamentar a chamada convergência tecnológica no setor de comunicações no País 1 . A convergência tecnológica é entendida, neste artigo, como a possibilidade de uma mesma rede de distribuição transportar diferentes tipos de dados (voz, som e imagem), desde que digitalizados. A essência da convergência estaria na aproximação entre as diversas atividades de comunicação, o que estaria levando empresas de telecomunicações e de radiodifusão a travarem, no espaço público político, disputa acirrada em torno da formulação da legislação que irá regulamentar a convergência tecnológica no Brasil. O Projeto de Lei nº 29/07 trata porém, da regulamentação de apenas um dos aspectos da convergência: a possibilidade tecnológica de empresas de telecomunicações distribuírem a assinantes conteúdo audiovisual, a qual foi chamada na proposta de comunicação audiovisual por acesso condicionado. Todavia, mais do que uma mudança tecnológica, a convergência pode ser um processo de reorganização dos sistemas e processos de comunicação, abrindo possibilidades de interação menos verticais e mais democráticas entre os indivíduos. Essas possibilidades não estão dadas a priori e dependem de luta pela definição de lógicas não exclusivamente mercantis de uso das comunicações convergentes. Até o momento, o debate no espaço público político brasileiro sobre a regulamentação da convergência traduziu-se na definição de novo marco legal para o setor de televisão por assinatura. O debate, no Parlamento e no âmbito do Poder Executivo, não foi estendido para a necessidade de uma nova legislação ampla para as comunicações convergentes, lembrando que, atualmente, os serviços de radiodifusão, no Brasil, são regidos pelo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117, de 1962), enquanto os serviços de telecomunicações são regidos pela Lei Geral de Telecomunicações (LGT - 1 Projeto de lei (PL) nº 29, de 2007, de autoria do deputado Paulo Bornhausen (DEM/SC) e projetos de lei a ele apensados, por versarem sobre matéria idêntica: PLs 70/07, 332/07 e 1.908/07.

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Este artigo discute a importância da participação do Poder Executivo e da sociedade civil organizada no processo legislativo de regulamentação da convergência tecnológica no Brasil, por meio do Projeto de Lei nº 29, de 2007. Essa participação deve se dar não apenas no sentido de garantir propostas de interesse público no escopo da lei, como no sentido de ampliar o debate sobre a adaptação do marco legal das comunicações no Brasil ao processo de convergência, na medida em que o PL 29 configura-se como uma nova lei apenas para TV por assinatura, abrindo o mercado de TV a cabo para concessionárias de telefonia. Realizado a partir da aplicação de métodos qualitativos (observação participante e análise documental), o artigo aborda o conteúdo do projeto de lei, sua imbricada tramitação e as demandas da sociedade civil em relação ao processo de convergência, aprovadas na I Conferência Nacional de Comunicação.

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Haje O PL 29 e as políticas de comunicação no Brasil: a importância da participação da sociedade civil e do Poder Executivo no processo legislativo

Anais da IV Conferência ACORN-REDECOM, Brasília, DF, 14-15 de maio de 2010 459

O PL 29 e as políticas de comunicação no Brasil: a importância da participação da sociedade civil e do Poder

Executivo no processo legislativo

Lara Haje

Laboratório de Políticas de Comunicação (LaPCom)

Universidade de Brasília (UnB)

[email protected]

BIOGRAFIA

Lara Haje é mestre em Políticas e Estratégias de Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora associada

do Laboratório de Políticas de Comunicação (LapCom), da UnB. Trabalha atualmente como jornalista da Câmara dos Deputados, após ter sido analista da ECCO (Estudo e Consultoria de Comunicações) por 10 anos.

RESUMO

Este artigo discute a importância da participação do Poder Executivo e da sociedade civil organizada no processo legislativo de regulamentação da convergência tecnológica no Brasil, por meio do Projeto de Lei nº 29, de 2007. Essa participação deve

se dar não apenas no sentido de garantir propostas de interesse público no escopo da lei, como no sentido de ampliar o debate

sobre a adaptação do marco legal das comunicações no Brasil ao processo de convergência, na medida em que o PL 29

configura-se como uma nova lei apenas para TV por assinatura, abrindo o mercado de TV a cabo para concessionárias de

telefonia. Realizado a partir da aplicação de métodos qualitativos (observação participante e análise documental), o artigo

aborda o conteúdo do projeto de lei, sua imbricada tramitação e as demandas da sociedade civil em relação ao processo de

convergência, aprovadas na I Conferência Nacional de Comunicação.

PALAVRAS-CHAVES

Convergência tecnológica, TV por assinatura, PL 29, sociedade civil, Poder Executivo.

INTRODUÇÃO

Desde fevereiro de 2007, uma série de projetos de lei tramita na Câmara dos Deputados com o intuito de regulamentar a

chamada convergência tecnológica no setor de comunicações no País1. A convergência tecnológica é entendida, neste artigo,

como a possibilidade de uma mesma rede de distribuição transportar diferentes tipos de dados (voz, som e imagem), desde

que digitalizados. A essência da convergência estaria na aproximação entre as diversas atividades de comunicação, o que

estaria levando empresas de telecomunicações e de radiodifusão a travarem, no espaço público político, disputa acirrada em

torno da formulação da legislação que irá regulamentar a convergência tecnológica no Brasil.

O Projeto de Lei nº 29/07 trata porém, da regulamentação de apenas um dos aspectos da convergência: a possibilidade tecnológica de empresas de telecomunicações distribuírem a assinantes conteúdo audiovisual, a qual foi chamada na proposta

de comunicação audiovisual por acesso condicionado. Todavia, mais do que uma mudança tecnológica, a convergência pode

ser um processo de reorganização dos sistemas e processos de comunicação, abrindo possibilidades de interação menos

verticais e mais democráticas entre os indivíduos. Essas possibilidades não estão dadas a priori e dependem de luta pela

definição de lógicas não exclusivamente mercantis de uso das comunicações convergentes.

Até o momento, o debate no espaço público político brasileiro sobre a regulamentação da convergência traduziu-se na

definição de novo marco legal para o setor de televisão por assinatura. O debate, no Parlamento e no âmbito do Poder

Executivo, não foi estendido para a necessidade de uma nova legislação ampla para as comunicações convergentes,

lembrando que, atualmente, os serviços de radiodifusão, no Brasil, são regidos pelo Código Brasileiro de Telecomunicações

(Lei nº 4.117, de 1962), enquanto os serviços de telecomunicações são regidos pela Lei Geral de Telecomunicações (LGT -

1 Projeto de lei (PL) nº 29, de 2007, de autoria do deputado Paulo Bornhausen (DEM/SC) e projetos de lei a ele apensados, por

versarem sobre matéria idêntica: PLs 70/07, 332/07 e 1.908/07.

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Lei 9.472, de 1997), e o serviço de TV a cabo é conceituado como serviço de telecomunicações, mas é regido pela Lei 8.977,

de 1995. A discussão não foi ampliada para o debate sobre uma necessária alteração constitucional para por fim à separação

na Carta Magna entre telecomunicações e radiodifusão, estabelecida em 2005 pela Emenda Constitucional nº 8.

Entretanto, foram incorporadas no projeto de lei de TV paga regras para a produção, a programação, o empacotamento e a

distribuição de conteúdo audiovisual. Hoje a situação do mercado brasileiro na área das comunicações, seguindo tendências

mundiais, é de concentração horizontal (aquisição, pela mesma empresa, de vários grupos de uma mesma atividade) e vertical (controle, por um só grupo empresarial, das várias fases da cadeia produtiva), o que traz impactos negativos para a

diversidade de vozes e de agentes no setor. Tendo em vista esse cenário, o primeiro relator do PL 29 na Câmara dos

Deputados, deputado Jorge Bittar (PT/RJ), inseriu, no novo marco legal da televisão por assinatura, cotas de conteúdo

nacional e de conteúdo de produtores independentes2 na programação dos canais de TV paga. A premissa é que mais canais

de distribuição não significam necessariamente conteúdo mais diversificado para o consumidor e não significam

necessariamente mais espaço para o crescimento da indústria audiovisual nacional.

Do ponto de vista da formulação de políticas públicas para o setor de comunicações, nos termos de Ramos (2000, p. 39)3, esta

é uma das questões que merecem reflexão em relação à nova lei para a comunicação audiovisual por acesso condicionado: é

importante para o País contar com uma indústria nacional forte de conteúdo audiovisual? Como fazer com que o aumento das

plataformas de distribuição seja acompanhado da promoção da diversidade dos conteúdos e do fortalecimento das identidades

culturais nacionais? Entre outros pontos de reflexão, sob a ótica da elaboração de políticas de comunicação estão: como

proporcionar o aumento da capilaridade do restrito mercado de TV por assinatura no Brasil? Como proporcionar a inclusão da população brasileira não apenas no mercado de TV por assinatura, como no mercado de internet e de telefonia – enfim, no

mercado de comunicações convergentes –, com acesso às facilidades que esses serviços podem oferecer?

César Bolaño (2007) identifica três forças que historicamente incidiram nos rumos do modelo institucional das comunicações

brasileiras: os conservadores, os liberais e os progressistas. O primeiro termo pode ser vinculado aos concessionários de

radiodifusão, e o segundo, às empresas de telecomunicações. Os progressistas seriam, potencialmente, os segmentos

organizados da sociedade civil que há décadas lutam pela democratização das comunicações no Brasil, como o Fórum

Nacional pela Democratização das Comunicações (FNDC) e o Coletivo Intervozes. São justamente esses segmentos, porém,

que, na discussão do novo marco legal para a comunicação audiovisual por acesso condicionado, têm tido atuação tímida.

Não obstante, a sociedade civil organizada4 teve oportunidade de deliberar sobre o tema na I Conferência Nacional de

Comunicação (Confecom)5, quando foram aprovadas diretrizes que dizem respeito à nova regulamentação da TV por

assinatura.

Cabe lembrar que, no processo regulamentação da TV a Cabo, que culminou com a sanção, em 6 de janeiro de 1995, da Lei

nº 8.977 – a qual será substituída pela nova lei de TV por assinatura -, houve inédito trabalho de busca de consenso por parte

de setores empresariais, sindicais e acadêmicos, sob o amparo de segmentos importantes do Congresso Nacional, conforme

atesta Ramos (2000). A participação ativa das entidades da sociedade civil é essencial para que o novo marco legal para a TV

por assinatura reflita não apenas as demandas dos grupos de interesse, mas também o interesse público, em termos

habermasianos. Para que os processos democráticos possam ser dirigidos pelo poder comunicativo, conforme Habermas, é

necessário que a sociedade civil tenha a capacidade de chegar a consensos por meio da discussão pública em esferas públicas

relativamente autônomas e capazes de ressonância no governo, na mídia e no mercado, (HABERMAS, 1997). Na medida em

que o Congresso Nacional se revela um ambiente permeável aos supostos saberes técnico-científicos de especialistas e de

outros agentes sociais vinculados ao mercado, a participação ativa do Poder Executivo também revela-se essencial para que

projetos de lei polêmicos no setor de comunicações de fato sejam transformad0s em lei e para que haja a institucionalização

2 Por produtores independentes, entende-se que sejam independentes dos distribuidores de conteúdo, lembrando que, no Brasil, grande

parte dos conteúdos distribuídos pelas empresas de radiodifusão são produzidos por elas próprias.

3 Conforme Ramos, as políticas nacionais de comunicação foram originalmente configuradas como instrumentos de Estado para

assegurar, juntamente com outras políticas estatais, o desenvolvimento homogêneo e pleno das nações e seus povos. As políticas de

comunicação devem ser hoje pensadas como políticas efetivamente públicas, formuladas não a partir de um centro incrustado no coração do Estado, mas sim a partir do embate de posições antagônicas no âmbito da esfera pública.

4 Entendida, nos termos habermasianos, como entidades representativas de segmentos da sociedade civil não vinculadas ao mercado ou

ao Estado.

5 A I Conferência Nacional de Comunicação se realizou entre 14 e 17 de dezembro de 2009. A conferência reuniu 1.684 delegados

dos três segmentos envolvidos (sociedade civil, sociedade civil empresarial e Poder Público), indicados em processo do qual participaram as 27 unidades da Federação. A Confecom aprovou 665 propostas.

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de obrigações à ordem mercantil.

Este artigo se debruçará sobre os motivos para a elaboração de um novo marco legal para a TV por assinatura; sobre o

conteúdo e a tramitação do projeto de lei, incluindo os movimentos dos diferentes atores sociais em torno da proposta; e, por

fim, sobre as demandas da sociedade civil em relação a uma nova lei para a TV por assinatura, apuradas por meio da análise

das propostas aprovadas na I Conferência Nacional de Comunicação. Este trabalho foi desenvolvido a partir de dois

procedimentos metodológicos: a) observação participante, por meio do acompanhamento de reuniões e audiências públicas nas comissões temáticas no Congresso Nacional que discutiram o PL 29, no período de fevereiro de 2007 a março de 2010; e

por meio de participação da autora, como observadora, na I Confecom; b) análise qualitativa de conteúdo das diferentes

versões do projetos de lei; das diretrizes aprovadas na I Confecom; e dos documentos emitidos sobre a matéria pelos diversos

atores envolvidos na discussão do novo marco legal da TV por assinatura.

POR QUE UMA NOVA LEI DE TV POR ASSINATURA

Os serviços de TV paga no Brasil são prestados hoje em quatro modalidades de tecnologia/tipo de outorga: TV a Cabo, em

que a distribuição de sinais é feita por intermédio de meios físicos (cabos coaxiais e fibras óticas); MMDS (Serviço de

Distribuição de Sinais Multiponto Multicanais), em que a distribuição de sinais utiliza radiofrequências na faixa de

microondas (2500 a 2680 Mhz); DTH (Direct To Home), em que a distribuição de sinais para os assinantes é feita através de

satélites; e Serviço de TV por Assinatura (TVA), em que a distribuição de sinais utiliza radiofrequências de um único canal

em UHF. Essas diferentes tecnologias são regidas hoje por diferentes instrumentos legais, embora se trate do mesmo serviço

– de TV paga. Enquanto a TV a cabo é regida pela Lei do Cabo, de 1995, os serviços de MMDS e DTH são regidos por

Portarias do Ministério das Comunicações (MC), de 1997. Já o Serviço de TVA é regido por Decreto do MC de 1988.

A Lei da TV a Cabo estabelece condições para a prestação do serviço diferentes das dos demais serviços de TV por assinatura. A principal diferença é que pelo menos 51% do capital social das empresas de TV a cabo devem pertencer a

empresas controladas por brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 anos. Além disso, a Lei do Cabo estabelece

restrições para a prestação do serviço de TV a cabo por parte das concessionárias de telefonia fixa. O tratamento diferenciado

entre as diversas tecnologias de prestação do serviço de TV por assinatura já seria, por si só, motivo para a elaboração de um

novo marco legal para o setor.

Além disso, nota-se que o cenário da TV por assinatura hoje, no Brasil, é de baixa competitividade, baixo pluralismo no

conteúdo oferecido e altos valores cobrados pelos serviços. Segundo dados da Teleco6, o Brasil tinha, em fevereiro de 2010,

7,7 milhões de assinantes de TV por assinatura. A densidade da TV paga no País hoje é de 4,01 assinantes para cada 100

habitantes. Esses serviços estavam disponíveis, ao final de 2009, em apenas 465 municípios brasileiros, ou seja, em 8,4% dos

municípios brasileiros7. O valor da assinatura desses serviços girou em torno de R$ 52 no primeiro semestre de 2009.

Levando-se em conta que o valor do salário mínimo no Brasil, em 2009, era de R$ 465, pode-se rapidamente chegar a duas conclusões: um dos motivos que impedem uma maior penetração da TV paga no Brasil seria o alto valor da assinatura; outro

motivo seria a própria falta de disponibilidade do serviço na maior parte dos municípios.

Outro dado relevante, para este artigo, é a concentração no mercado de TV por assinatura, com a empresa Net Serviços

dominando 76% do mercado de TV a Cabo e a empresa Sky, 90% do mercado de DTH. Esse cenário tem impacto sobre a

diversidade de conteúdos nos diversos pacotes oferecidos aos assinantes. “Como decorrência desta concentração, gerou-se

outro monopólio, o da Net Brasil (empresa empacotadora controlada pelo grupo Globo) sobre o conteúdo veiculado pelas

principais operadoras do país (Net Serviços, Sky e outras menores, que juntas somam 81,5% do mercado), o que lhe confere

notório poder de veto sobre conteúdos audiovisuais produzidos por grupos concorrentes no cenário nacional, eliminando a

possibilidade, pelos assinantes das operadoras que adquirem conteúdos da Net Brasil, de acesso a outros conteúdos nacionais

que não sejam produzidos por sua programadora, a Globosat, o que conseqüentemente cria barreiras ao crescimento do setor

audiovisual no país”, destaca a pesquisa Convergência das Telecomunicações e Direito do Consumidor, realizada pelo

Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e pelo Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas8.

CONTEÚDO DA NOVA LEI DE TV PAGA E TRAMITAÇÃO DO PL 29

O PL 29/07 aguarda atualmente votação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). Na Câmara, o projeto

6 Disponíveis em http://www.teleco.com.br/rtv.asp

7 http://www.teleco.com.br/tvassinatura.asp

8 Em: http://www.idec.org.br/telecom/areas/tv_por_assinatura/

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tem tramitação conclusiva nas comissões temáticas e já foi aprovado pelas comissões de Desenvolvimento Econômico,

Indústria e Comércio (CDEIC); de Defesa do Consumidor (CDC); e de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática

(CCTCI). Após votado pela CCJ, se não houver recurso para apreciação pelo Plenário da Casa, o PL será encaminhado ao

Senado. A previsão é de que a tramitação na Câmara seja concluída este ano, mas dificilmente será concluída no Senado.

Efetivamente, o texto que está em jogo, negociado com os principais atores envolvidos no processo – atores empresariais e

do governo –, é o substitutivo aprovado na CCTCI, elaborado pelo deputado Paulo Henrique Lustosa (PMDB/CE). Em suma, o substitutivo da CCTCI:

unifica em um só texto as diretrizes legais para a televisão paga brasileira, colocando fim à regulamentação dos

serviços de TV paga tendo como critério a tecnologia de distribuição;

cria um novo serviço de telecomunicações: o Serviço de Acesso Condicionado, que é o serviço de distribuição de

conteúdo audiovisual no formato de “canal” ofertado mediante assinatura por protocolos quaisquer, inclusive por

protocolo IP;

acaba com restrições para a participação de capital estrangeiro e para a participação das concessionárias do Serviço

de Telefonia Fixa Comutado (STFC) no mercado de TV a cabo, contidas na Lei do Cabo;

altera o artigo 86 da Lei Geral de Telecomunicações, facultando às concessionárias do STFC a exploração de outros

serviços de telecomunicações, além da telefonia fixa, sem a necessidade da constituição de empresa coligada, desde

que as concessionárias obedeçam aos seguintes princípios, de acordo com regulamentação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel): a) garantia dos interesses dos usuários, nos mecanismos de reajuste e revisão das

tarifas, mediante o compartilhamento dos ganhos econômicos advindos da racionalização decorrente da prestação de

outros serviços de telecomunicações; b) atuação do Poder Público para propiciar a livre, ampla e justa competição,

reprimidas as infrações à da ordem econômica; c) existência de mecanismos que assegurem o adequado controle

público no que tange aos bens reversíveis;

mantém a previsão, contida na Lei do Cabo, de carregamento gratuito dos canais de acesso público9 e dos canais

destinados à distribuição dos sinais da TV aberta, transmitidos em tecnologia analógica (must carry); para a

programação da TV aberta transmitida em tecnologia digital, podem ser estabelecidas condições comerciais

pactuadas entre a geradora de radiodifusão e a prestadora do serviço de acesso condicionado e pode-se cobrar do

consumidor;

cria cotas de conteúdo nacional e independente para a TV paga;

prevê recursos adicionais, estimados de forma preliminar em mais de R$ 300 milhões por ano, para a Contribuição

para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), para financiamento da produção

nacional;

determina que a Agência Nacional do Cinema (Ancine), hoje com atuação quase restrita ao setor de cinema, seja

também a agência reguladora e fiscalizadora das atividades de programação e empacotamento de conteúdo

audiovisual;

determina que os canais de programação da TV paga deverão observar o mecanismo da classificação indicativa dos

conteúdos;

fixa limite de tempo destinado à publicidade nos canais de TV por assinatura, que deve ser igual ao estabelecido na

TV aberta (25% da programação);

determina que prestadoras de serviços de telecomunicações não possam deter mais de 30% do capital total e votante de empresas de radiodifusão e de produtoras e programadoras com sede no Brasil;

determina que empresas de radiodifusão, produtoras e programadoras com sede no Brasil não possam ter mais do

que 50% do capital total e votante de empresas prestadoras de serviços de telecomunicações;

proíbe prestadoras de serviços de telecomunicações de contratarem talentos artísticos nacionais e direitos sobre

9 Um canal reservado para a Câmara dos Deputados; um canal reservado para o Senado Federal; um canal reservado ao Supremo

Tribunal Federal; um canal reservado para a prestação de serviços de radiodifusão pública pelo Poder Executivo; um canal reservado para a emissora oficial do Poder Executivo; um canal educativo e cultural; um canal comunitário; um canal da cidadania; um canal legislativo municipal/estadual; e um canal universitário.

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obras de autores nacionais e de adquirirem ou financiarem a aquisição de direitos de exploração de imagens de

eventos de interesse nacional.

Observa-se que o principal objetivo do novo marco legal – contido no PL 29 original e mantido no substitutivo do deputado

Paulo Lustosa aprovado na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara – é abrir o mercado de TV a cabo, hoje

concentrado em mais de 80% nas mãos dos grupos Net e Sky, para a participação das concessionárias de telefonia fixa local,

trazendo idealmente mais concorrência para o setor. Uma idéia polêmica por si só, na medida em que os atuais prestadores de serviço de TV por assinatura contabilizam em milhões de reais o adiamento da entrada das concessionárias de telefonia no

mercado de TV a cabo. Assim, as operadoras de TV a cabo podem seguir ampliando, sem grande concorrência, seu mercado

de pacotes de serviços, o chamado triple play (TV, dados e voz), o qual também é almejado pelas teles.

A polêmica do projeto de lei não para por aí. A partir de demanda dos chamados produtores independentes de conteúdo, o

deputado Jorge Bittar (PT/RJ), o primeiro relator do PL 29, ainda em 2007, vislumbrou a possibilidade de inserir neste

projeto obrigações relativas ao conteúdo divulgado pelas empresas. A lógica era abrir o mercado de distribuição para

qualquer interessado, independente da origem do capital, desde que fossem cumpridas exigências de divulgação de conteúdo

brasileiro e independente. Embora seja, em certa medida, incoerente o estabelecimento de uma política de cotas de

conteúdo nacional e independente para o serviço de TV paga, enquanto a TV aberta e gratuita, acessível a quase 100% da

população brasileira, permaneça livre de obrigações dessa natureza, a idéia tem lógica política. Bittar teve sensibilidade

política ímpar: estabelecem-se obrigações relativas ao conteúdo aos novos competidores, no momento em que estes almejam

entrar no mercado e estão dispostos a arcar com os custos políticos e econômicos para isso, e, assim, abre-se caminho para a instituição de obrigações semelhantes inclusive para a TV aberta e gratuita.

Vale lembrar que o projeto de lei que estabelece cotas de conteúdo independente e regional para a TV aberta, de autoria da

ex-deputada Jandira Feghali, tramita desde 1991 no Congresso Nacional, sem que houvesse jamais contexto político

apropriado para a sua aprovação, devido às pressões empresariais contrárias à proposta. Nota-se ainda que, nas duas últimas

administrações federais, as Organizações Globo têm barrado, com sucesso, qualquer iniciativa de regulação, ainda que

incipiente, do setor de audiovisual brasileiro, como no episódio da elaboração da Lei de Comunicação Eletrônica de Massa,

no governo Fernando Henrique Cardoso; da implantação da Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual) no

governo Lula; e da elaboração da Lei de Comunicação Social Eletrônica, no governo Luís Inácio Lula da Silva (MARTINS,

2007).

O projeto de Bittar, de instituição de políticas de cotas, foi encampado pelos relatores que o seguiram, com apoio da Agência

Nacional de Cinema e das associações de produtores brasileiros independentes. Assim, as cotas de conteúdo nacional e independente constaram nos textos aprovados em todas as comissões de mérito que analisaram o PL 29 na Câmara. Porém,

concessões foram feitas aos atores do mercado, como a instituição do prazo de 12 anos, no corpo da lei, para o sistema de

cotas. Outra concessão feita foi a retirada do texto final da proibição de de contratos de exclusividade entre programadoras,

empacotadoras e distribuidoras. Os contratos de exclusividade entre os canais da Globosat (programadora) e Net

(empacotadora e distribuidora) é um dos entraves para o mercado brasileiro de TV por assinatura. Todos os canais deveriam

ser oferecidos, em igualdade de condições de oferta, para quaisquer distribuidores, de forma a se destravar a cadeia do

audiovisual brasileira. Chegou a ser aventada, durante as discussões do PL 29, a possibilidade de a Ancine regular e

fiscalizar a questão, mas, conforme o substitutivo aprovado na comissão de mérito, a fiscalização dos contratos de

exclusividade continua a ser atribuição exclusiva do Conselho de Administração Econômica (Cade), que pode atuar apenas ex

post, isso é, após provocado. A atuação efetiva do Cade sobre esse ponto é essencial, principalmente a partir do ingresso de

novos distribuidores no mercado de TV paga.

No caso do fomento à produção audiovisual nacional, a atuação eficaz da Ancine, a partir da aplicação de critérios democráticos para a distribuição dos recursos, será fundamental. Isso porque o PL 29 prevê recursos adicionais para a o

fomento, mas esses recursos podem ser utilizados por qualquer produtora de conteúdo nacional, inclusive as não

independentes e já consolidadas no mercado. O substitutivo aprovado na CCTCI apenas estabelece que 30% desse montante

deverão ser destinados a produtoras estabelecidas nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e que 10% deverão ser

destinados ao fomento da produção independente veiculada primeiramente nos canais comunitários, universitários e de

programadoras brasileiras independentes.

Cabe destacar, ainda, dispositivo do texto do substitutivo ao PL 29 que estabelece que operadoras de telecomunicações não

poderão deter mais de 30% do capital total e votante de empresas de produção e programação com sede no País e dispositivo

que proíbe empresas de telecomunicações de contratarem talentos artísticos nacionais e direitos sobre obras de autores

nacionais e de adquirirem direitos de exploração de imagens de eventos de interesse nacional. Hoje, a produção de conteúdo

no Brasil é livre, seja por empresas estrangeiras, seja por empresas de telecomunicações. Com o PL 29, as concessionárias de radiodifusão, hoje as maiores produtoras de conteúdo no país, resguardam-se da competição das teles na área de produção.

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Anais da IV Conferência ACORN-REDECOM, Brasília, DF, 14-15 de maio de 2010 464

Cabe lembrar que, ao final de 2009, ocorreu a compra da empresa espelho de telefonia GVT, a qual conta com uma das mais

robustas redes de banda larga do País, pelo grupo francês de comunicações convergentes Vivendi, que atua não apenas na

área de telecomunicações como na área de conteúdo. Coincidência ou não, foi apenas após a compra da GVT pela Vivendi

que o PL 29 foi aprovado na Comissão de Ciência e Tecnologia.

DEMANDAS DA SOCIEDADE CIVIL EM RELAÇÃO AO NOVO MARCO LEGAL DA TV PAGA

Para se analisar as demandas da sociedade civil relativas ao novo marco legal, serão tomadas como referência, neste artigo, as

diretrizes aprovadas na I Conferência Nacional de Comunicação, que aprovou 665 propostas, entre as quais:

1. “O fim da regulamentação da televisão por assinatura por tecnologia, com uniformização dos direitos e

obrigações entre prestadores que ofereçam serviços similares, independentemente da tecnologia empregada. A

eliminação das restrições contidas na Lei do Cabo e na Lei Geral de Telecomunicações que impedem a livre

prestação do serviço de TV a cabo por parte das prestadoras de telecomunicações, possibilitando o oferecimento

de pacotes de serviços por essas empresas, ampliando a competição neste mercado, incentivando o

barateamento dos preços, novos investimentos e a modernização do setor. A manutenção de conquistas da Lei

do Cabo, como a obrigatoriedade de carregamento de canais de acesso público. A ampliação de canais de

distribuições de conteúdos nacionais e independentes nas grades das programações, possibilitando o

crescimento do mercado brasileiro de produção de conteúdo audiovisual” (proposta 69).

2. “Estabelecer uma Política de Massificação da Televisão por Assinatura, tendo por base as seguintes medidas principais: unificar a regulamentação da televisão por assinatura, tratando-a como um único serviço, e não como

diferentes serviços regulamentados conforme a tecnologia de transmissão, preservados dispositivos centrais da

Lei n° 8.977/95 - a Lei de TV a Cabo –, como o conceito de rede única e pública, e os canais de acesso

público – legislativos, comunitários, universitários e educativos- culturais” (proposta 16).

3. Além disso, a Confecom aprovou diversas diretrizes visando garantir o conteúdo nacional e independente na TV

por assinatura, entre as quais: “Na TV por assinatura, deve-se garantir que 50% dos canais de todos os pacotes

sejam nacionais e que uma parte dos canais ocupados majoritariamente por conteúdo qualificado produzido no

Brasil, sendo que metade de produções independentes” (proposta 345).

Ao se comparar o texto que está sendo discutido na Câmara dos Deputados e as propostas aprovadas na Confecom, fica claro

que o projeto de lei segue, em linhas gerais, as diretrizes determinadas pelo conjunto da sociedade, ou melhor, pelo

segmentos específicos da sociedade que discutem políticas de comunicação para o país, representados na conferência. Pode-se dizer que o projeto de lei conta, em seu objetivo genérico, com o respaldo público dos consensos obtidos da I Confecom.

No que se refere à demanda pela manutenção de conquistas da Lei do Cabo no novo marco legal da TV por assinatura -

requerida especialmente por entidades representativas da sociedade civil não empresarial durante a realização da Conferência

-, constata-se que o texto atual do PL 29/07 não incorporou o conceito de rede única e pública estabelecido naquela Lei.

Conforme Ramos (2000), algumas das conquistas da sociedade civil quando da aprovação da Lei do Cabo foram justamente

a) a consolidação do caráter público da rede de TV a Cabo, por meio da garantia legal de que toda ela se nortearia, em

qualquer instância, pelo princípio normativo do common carriage, isso é, seus proprietários, estatais ou privados, não

poderiam discriminar que conteúdos poderiam ter acesso a ela; b) a garantia da existência de uma rede única, no sentido de

padronização e conectividade, em consonância com as políticas públicas que seriam desenvolvidas para as telecomunicações

no Brasil. Outra conquista das entidades da sociedade civil na Lei do Cabo seria a determinação do Conselho de

Comunicação Social – desativado desde 2006 - como a esfera política de debate e aprovação de todas as normas emanadas do

Poder Executivo relativas à TV a cabo.

Esses dispositivos, inseridos por força da atuação parlamentar eficaz das entidades da sociedade civil naquele momento de

discussão da Lei do Cabo, ficaram no papel e não chegaram a ser aplicados de forma satisfatória pelo Poder Público. No

novo marco legal da TV paga, essas conquistas foram abandonadas, mas novas salvaguardas necessárias de controle público

foram incorporadas, a exemplo da classificação indicativa de conteúdos e da determinação de que as concessionárias de

telefonia fixa obedeçam a determinados princípios, de acordo com regulamentação da Anatel, para prestar novos serviços

convergentes. Porém, corre-se o risco, mais uma vez, de que as salvaguardas necessárias de controle e acesso público, a

exemplo do que ocorreu com a Lei do Cabo, fiquem restritas à letra legal. Conforme atesta Ramos (2000, p. 169): “Se pela

ótica das empresas e do mercado, a TV por Assinatura pode ser vista como oferecendo perspectivas estimulantes para seus

operadores e investidores, pela ótica dos cidadãos e da democracia essas perspectivas vão estar dependentes de uma

participação cada vez mais intensa da sociedade em todas as etapas presentes e futuras da implantação entre nós desta e de

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Anais da IV Conferência ACORN-REDECOM, Brasília, DF, 14-15 de maio de 2010 465

todas as demais, assim chamadas, novas tecnologias”.

CONCLUSÃO

A complicada tramitação do projeto de lei que cria um novo marco legal para a televisão por assinatura, na Câmara dos

Deputados, desde 2007, dá boa dimensão de quão difícil é a discussão e a formulação de políticas públicas para o setor de

comunicações no Brasil, pelos poderosos interesses econômicos envolvidos e pela falta de prioridade dada ao setor pelos

sucessivos governos brasileiros. O PL 29/09 não chega a alterar estruturalmente o sistema de comunicações brasileiro ‒ como

fariam uma necessária nova legislação para as comunicações convergentes e uma necessária alteração na Constituição para

por fim à separação entre telecomunicações e radiodifusão ‒ , mas mexe com os interesses dos mesmos atores do mercado e, por isso, vem tendo uma lenta e imbricada tramitação no Congresso Nacional, nos últimos três anos e dois meses. Como

2010 é ano eleitoral, no Brasil, com eleições previstas para a renovação dos 513 deputados e de 2/3 dos 81 senadores, não há

previsão de que esse processo de elaboração da lei de comunicação audiovisual por acesso condicionado seja concluído antes

de 2011, atrasando o ingresso do País no cenário de convergência dos serviços de comunicações, ingresso este já

possibilitado, em termos técnicos, pela convergência das tecnologias.

A sociedade civil organizada deliberou sobre o tema na I Conferência Nacional de Comunicação, em dezembro de 2009,

quando foram aprovadas diretrizes que dizem respeito ao novo marco legal da TV por assinatura. No entanto, até o momento

(abril/2010), o Congresso Nacional brasileiro não se debruçou sobre essas diretrizes, de forma a transformá-las em lei, e nem

o Poder Executivo tomou qualquer iniciativa no sentido de transformá-las em políticas públicas para o setor. A participação

do Poder Executivo no processo de elaboração do novo marco legal para a TV por assinatura vem se dando também

timidamente, por meio da atuação parlamentar da Agência Nacional de Cinema, interessada em ampliar seu escopo de atuação e em garantir cotas de conteúdo nacional e independente na TV por assinatura. Em 2010, a mensagem presidencial ao

Congresso Nacional considerou a aprovação do PL 29 um “avanço”, entretanto o governo não tem trabalhado, de forma

enfática, para que essa aprovação se concretize. Quando se trata do setor de comunicações no Brasil, um Poder Executivo

atuante e corajoso é essencial para a promoção de mudanças, inclusive no âmbito do Legislativo.

Além da atuação do Executivo, é essencial que seja ampliada a participação da sociedade civil no processo de

regulamentação da convergência tecnológica, no sentido de a) cobrar a implementação das diretrizes aprovadas na Confecom

no teor do texto final do PL 29; b) exercer o controle público, sobre o órgão regulador setorial, em relação à implementação

das diretrizes estabelecidas na nova lei para a comunicação audiovisual por acesso condicionado, quando esta for aprovada.

c) cobrar, do Poder Executivo e do Poder Legislativo, a ampliação da regulamentação da convergência e participar da

formulação de legislação ampla, que englobe todo o processo convergente das comunicações, começando por uma reforma

na própria Constituição. A nova regulamentação da TV por assinatura deve ser parte de um processo mais amplo de reforma das comunicações no Brasil, com ingresso crescente, com força argumentativa, das entidades da sociedade civil nos debates

sobre as políticas públicas para o setor.

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