o pequeno imperador - de atilio bari

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Page 1: O Pequeno Imperador - de Atilio Bari
Page 2: O Pequeno Imperador - de Atilio Bari

PERSONAGENS:

(por ordem de entrada em cena)

Velho TchinCriança

Fu, o criado O Pequeno ImperadorChung, o cozinheiroSenhor da Escuridão

Passarão 1Passarão 2

Comediante do PalácioLavradores

Povo

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Page 3: O Pequeno Imperador - de Atilio Bari

SINOPSE

Numa época de grande prosperidade, num passado indeterminado, a China era governada por um menino, muito estimado pelo povo, que o chamava respeitosamente de “O Pequeno Imperador”.

Um dia, quando brincava com seu fiel criado, o Pequeno Imperador captura e prende um pássaro desconhecido, que o atrai pelo seu canto e pelas suas cores incomuns. A partir desse momento, todo o país passa a padecer, mergulhado num período de trevas e infertilidade. O Pequeno Imperador, alheio a essa situação, e também infeliz, tenta em vão divertir-se, isolado em seu castelo.

Num pesadelo, enormes pássaros estranhos lhe aparecem e o aprisionam, deixando o menino angustiado. Ele, então, toma conselhos com o comediante do palácio, que o faz refletir sobre o significado dos sonhos, os desejos e as virtudes.

Meditando sobre esses conselhos, o Pequeno Imperador percebe o êrro que cometera e liberta o pássaro, de quem nem se lembrava mais, afastando a escuridão que cobria o país e trazendo de volta a felicidade para si e para o seu povo.

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Page 4: O Pequeno Imperador - de Atilio Bari

CENA I - AMANHECER

Amanhecer. O povo sai às ruas para a habitual sessão matinal de Tai-Chi. Enquanto praticam, surge uma criança com um brinquedo, e também começa a praticar, imitando os outros, entre bocejos e espreguiços. No final, todos se cumprimentam e saem, ficando apenas a criança e o Velho Tchin.

CENA II - ERA UMA VEZ...

Criança - Velho Tchin... Velho Tchin!

Tchin - Sim...?

Criança - O senhor me conta uma história?

Tchin - Uma história? Conto, conto sim... Você também gosta de histórias, é? De que tipo de histórias você gosta? De aventuras? De dragões? De princesinhas?

Criança - Uma história bem bonita...

Tchin - Todas as histórias são bonitas. Algumas são mais alegres, outras são mais tristes, mas todas são bonitas. Vou contar uma linda pra você. Era uma vez...

Criança - Velho Tchin...

Tchin - Sim...?

Criança - Por que é que todas as histórias começam com “era uma vez”?

Tchin - Boa pergunta essa...! Não sei. Talvez seja porque as histórias mais bonitas sejam aquelas que falam das coisas que só acontecem uma vez. Bem, de qualquer modo, as histórias têm que começar de algum jeito, não?

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Page 5: O Pequeno Imperador - de Atilio Bari

Criança - É... então conta, conta...

Tchin - Está bem. Era uma vez um país muito distante...

Criança - Velho Tchin... o que é “distante”?

Tchin - Distante? Distante é longe.

Criança - Longe? Assim? (afasta-se)

Tchin - Não... Mais longe...

Criança - (Afasta-se mais) Assim?

Tchin - Não, não... Muito longe.

Criança - (Afasta-se mais ainda e grita) Tá bom assim?

Tchin - Não, muito muito muito longe. Ei, volte aquí para ouvir a história!

Criança - Que país distante muito muito muito longe era esse?

Tchin - Um país lindo e desconhecido, tão longe que ninguém sabe direito onde era...

Criança - Um país de faz-de-conta?

Tchin - É... mais ou menos... Nesse país havia um povo muito alegre, que vivia rindo, vivia brincando...

Criança - Ah, que legal! Eu queria morar num país assim...

Tchin - As pessoas gostavam muito umas das outras, e quando se encontravam nas ruas, nas praças, era muita alegria, muita festa...

Criança - E o que é que eles faziam?

Tchin - Ah, eles eram lavradores. Plantavam trigo, milho, arroz... Havia cabras, também...

Criança - Eles plantavam cabras?

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Page 6: O Pequeno Imperador - de Atilio Bari

Tchin - Não, eles criavam cabras. Cabra não é animal, é planta. Aliás, cabra não é planta, é animal. Eles trabalhavam muito, mas em compensação havia muita abundância...

Criança - O que que é isso?

Tchin - O que?

Criança - Isso que o senhor falou. Abun o quê?

Tchin - Abundância. Quer dizer que havia muita fartura de alimentos, muita comida...

Criança - Ah, bom. Pensei que era outra coisa...

Tchin - Um dia, aconteceu o que todo mundo esperava...

Criança - O quê? O quê?

Tchin - Nasceu a criança que mais tarde iria governar aquele povo, e daria continuidade ao império. Um menino!

(Música - o povo desfila ao fundo com estandardes e guizos)

Todos ficaram felizes com o acontecimento. As comemorações se prolongaram por vários dias. O menino cresceu cercado de todas as atenções, e estimado por todos, e aos seis anos de idade, recebu o manto imperial... Era uma criança, ainda...

Criança - Que nem eu?

Tchin - É, mais ou menos... Todos o chamavam carinhosamente de “O Pequeno Imperador”. E assim foi indo a vida naquele país, até que um dia, quando o Pequeno Imperador já tinha 12 anos de idade...

(Saem de cena - o Velho Tchin contando a estória)

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CENA III - OS LAVRADORES FELIZES

Entram três lavradores, por lados diferentes. Trazem cestos nas costas, vêm alegres, cantando e respirando o ar puro da manhã. Encontram-se e se cumprimentam longamente, com muitos risinhos e gritinhos de alegria. Começam a tirar suas ferramentas dos cestos e iniciam a plantação.

Lavradores - CavarCavar, cavar, cavarCavar, cavar, cavar...

PlantarPlantar, plantar, plantarPlantar, plantar, plantar...

Depois de um certo tempo, cansados, param e apontam para o sol, indicando que é hora do almoço. Entra uma mulher com uma criança amarrada nas costas e uma trouxa de comida. Todos a cumprimentam e se aproximam para ver a criança. Parabenizam o pai (um dos lavradores), que fica todo orgulhoso. A mulher se despede e sai. Os lavradores apalpam a trouxa, ansiosos. Sentam-se, tiram toalhas e comida de dentro da trouxa, e juntos erguem a comida numa oferenda, sérios. Em seguida, comem gulosamente, entre risos e brincadeiras.

Lavradores - ComerComer, comer, comerComer, comer, comer...

Satisfeitos, guardam tudo, espreguiçam. De repente, ouvem um maravilhoso canto de pássaro. Tentam identificar de onde vem, apontam para um lado e para o outro, ajuntam-se para tentar ver, mas não conseguem. Felizes, iniciam a colheita.

Lavradores - ColherColher, colher, colherColher, colher, colher...

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Muito alegres, mostram uns aos outros o que colhem, e guardam nos cestos. Finda a colheita, cansados mas felizes, despedem-se alegremente e saem.

CENA IV - BRINCADEIRAS DO IMPERADOR

Fu - (Entra esbaforido, procurando um lugar para se esconder) Já estou indo, senhor! Já estou indo! Não vale olhar, hein? Conte até dez, majestade!

Imperador - (em off) Está bem! (bem rápido) 1-2-3-4-5-6-7-8-9-10!

Fu - Não, não, majestade, assim não. Devagarinho...

Imperador - Tá...! 1... 2... 3... 4... Pronto?

Fu - (Ainda procurando onde se esconder) Não, majestade, ainda não! Até dez!

Imperador - 5... 6... posso ir?

Fu - Quase! Quase! Mais um pouquinho, senhor! Até dez!

Imperador - 7... 8...

Fu - (Escondendo-se num lugar à vista do público) Pronto!

Imperador - ... 9...

Fu - Pronto! Pode vir!

Imperador - Dez! Lá vou eu! (Entra, procurando fu) Fu-u... Fu-u... cadê você? Fu-u... (Encontra o criado, aproxima-se dele e o assusta com um grito) Fu!

Fu - Ai! Que susto, majestade! Achou! O senhor sempre acha!

Imperador - Você se esconde muito fácil, assim não tem graça. Vamos brincar de outra coisa.

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Fu - (Cansado) De outra coisa? Olha, não é melhor descansar um pouco, senhor? O senhor deve estar muito cansado...

Imperador - Pular corda!

Fu - Pular corda... !?!

Imperador - 50 vezes cada um!

Fu - Cinquenta vezes... ?!?

Imperador - Não! Cem vezes! Você começa.

Fu - Pular corda? Cem vezes? Mas, majestade, sabe, é que, bem, eu... Ah, por que não brincamos de “o que é, o que é” ?

Imperador - “O que é, o que é” ? Boa idéia! Eu começo!

Fu - Mas da outra vez já foi o senhor que começou...

Imperador - Então vamos tirar na sorte.

Fu - Par ou ímpar?

Imperador - Não.

Fu - Dois ou um?

Imperador - Não. Jo-Ken-Po.

Fu - Ah, senhor... jo-ken-po não... esse eu não entendo direito...

Imperador - É fácil, já te ensinei tantas vezes... Você põe tesoura, pedra ou papel. (Faz os gestos: dedos em tesoura, mão fechada ou mão aberta) Eu também ponho...

Fu - Tesoura... pedra... papel... Tá. E aí? Quem é que ganha?

Imperador - Se der tesoura e pedra, a pedra ganha, porque a pedra quebra a tesoura. Se for papel e pedra, o papel ganha, porque o papel

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embrulha a pedra, e se for papel e tesoura, a tesoura ganha, porque a tesoura corta o papel. Entendeu?

Fu - Não, majestade.

Imperador - Ah, Fu! Você não entende mesmo! Vamos fazer que eu te explico, tá? Um, dois e ...

Os dois - Jo-Ken-Po!

(O Imperador põe “pedra” e Fu põe “papel”)

Imperador - Ganhei! Ganhei! Eu ganhei!

Fu - Mas, majestade, eu é que ganhei: o papel não embrulha a pedra?

Imperador - Não! A pedra rasga o papel! Mas você não entende mesmo, hein, Fu?

Fu - É ? A pedra rasga o papel...? Mas eu pensei que...

Imperador - Eu começo. O que é, o que é que só as corujas têm, e nenhuma outra ave pode ter?

Fu - Como, senhor? Só as corujas têm... ?

Imperador - Só as corujas têm, e nenhuma outra ave pode ter...

Fu - Deixa eu ver... as corujas têm... as outras aves não têm... Não sei, senhor.

Imperador - Corujinhas!

Fu - Puxa vida! É mesmo! Corujinhas! Só as corujas podem ter! Agora sou eu, agora sou eu! O que é, o que é... ih, espera um pouco, esquecí... Ah, lembrei! O que é, o que é: um pequeno alojamento, Dona Clara mora dentro?

Imperador - O ovo!

Fu - Acertou, senhor. Sempre acerta!

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Imperador - Também, tão fácil...!

Fu - É que com as difíceis eu me atrapalho todo e acabo esquecendo...

Imperador - Olha, Fu, esta é moleza! O que é, o que é que cai em pé e corre deitado?

Fu - Moleza? Essa é dificílima! Cai em pé...?

Imperador - É...

Fu - E corre deitado...?

Imperador - É, Fu!

Fu - Deixa eu ver... deixa eu ver... (Pensa, ouve a platéia) A luva? A Xuxa? Ah, a chuva, senhor!

Imperador - (irônico) Acertou, Fu! Parabéns!

(Ouve-se o canto de um pássaro)

Fu - Obrigado, majestade! E olhe que essa era bem difícil, hein?

Imperador - Sssshiiiiuuuu! Está ouvindo, Fu?

Fu - O quê, majestade?

Imperador - Esse canto...! É um pássaro!

Fu - Ah, sim... Estou ouvindo, agora! Uma beleza, não?

Imperador - Olha ele lá!

Fu - Onde, majestade?

Imperador - Alí, no jardim!

Fu - Não estou vendo, senhor...

Imperador - Agora foi para lá!

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Fu - Ah, estou vendo! Que bonito!

Imperador - Que pássaro é aquele, Fu? Eu nunca ví igual...!

Fu - Não sei, majestade, também nunca ví... É lindo! E como canta!

Imperador - E as cores! Engraçado... ele muda de cor!

Fu - É mesmo! Numa hora ele é dourado como se o sol refletisse numa pepita de ouro, no instante seguinte é prateado como a lua de primavera...

Imperador - Depois fica vermelho, depois azul... mistura todas as cores...

Fu - Mesmo eu, que já não tenho olhos tão bons, estou encantado! É inacreditável! Parece que a natureza...

Imperador - Olhe! Pousou na janela! Vamos atraí-lo para dentro!

Fu - Mas como, majestade? Ele vai voar!

Imperador - Comida! Vá lá na cozinha e traga uns grãos de trigo, depressa!

Fu - Sim, majestade, já estou indo! (SAI)

Imperador - Depressa, Fu! Vamos! Rápido, antes que ele fuja! Vamos, Fu!

Fu - Pronto, majestade! (Volta, com a mão em concha)

Imperador - Vamos fazer uma trilha!

Fu - Uma trilha... !?!

Imperador - Quieto, Fu!

(O Imperador dispõe alguns grãos no chão, em trilha, e em seguida ser afasta um pouco e se agacha. Fu o acompanha. Notas musicais indicam que o pássaro está percorrendo a trilha de trigo)

Imperador - (Sussurra) Pegue-o, Fu...

Fu - Hein... ?

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Imperador - (grita) Pegue-o, Fu! Pegue-o!

Fu - Ah, sim, majestade!

(Fu tenta pegar o pássaro, ele voa para um lado e para o outro. Depois de alguma correria, Fu consegue pegá-lo e o segura dentro do chapéu)

Fu - Peguei! Peguei! Peguei!

Imperador - Traz aquí! Vamos vê-lo!

(Abrem lentamente o chapéu - o pássaro escapa)

Imperador - Fugiu! Fugiu! Fugiu! Pegue-o, Fu! Pegue-o! Corre, Fu! Atrás dele!

(Fu corre atrás do pássaro, e acaba saindo de cena, na perseguição)

Imperador - Pegue-o, Fu! Seu molenga! Atrás dele! Pegue-o, Fu!

Fu - (Voltando com o pássaro na mão, coberto com o chapéu) Peguei, majestade! Peguei!

Imperador - Dá aquí! Dá aquí! (Toma o chapéu das mãos de Fu)

Fu - Cuidado para não machucá-lo, majestade... Olha, acho melhor soltar o coitadinho...

Imperador - Não! Eu o quero para mim.

Fu - Ora, majestade, ele já é seu! Tudo o que há neste país lhe pertence por direito. As terras, os lagos, as florestas, os pássaros também! Tudo pertence ao Imperador!

Imperador - Mas eu o quero só pra mim. Traga uma gaiola, Fu.

Fu - Uma gaiola, senhor...?

Imperador - É! Uma gaiola! Vai, depressa!

Fu - Mas, senhor... prender um pássaro que...

Imperador - A gaiola, Fu!

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Fu - Sim, senhor... (sai)

Imperador - Agora você é só meu, pássaro maravilhoso...

Fu - (Voltando com a gaiola) A gaiola, senhor...

Imperador - Traga-a aquí!

Fu - Mas, majestade... prender um pássaro...

Imperador - Abra a gaiola, Fu!

(Relutante, Fu obedece e colocam o pássaro na gaiola. Uma luz se acende e o pássaro canta divinamente)

Imperador - Ouça como ele canta, Fu. Que maravilha!

Fu - Será que ele não quer sair, majestade?

Imperador - Canta, canta, canta...

Fu - Ele está acostumado a viver em liberdade. Será que não é melhor deixá-lo livre e...

Imperador - Fu, sabe de uma coisa?

Fu - Sim, majestade?

Imperador - Estou com fome. Pit, pit, pit...

Fu - Ah, sim... Mandarei servir o almoço, senhor...

Imperador - Então vai, depressa.

(Fu sai; o Imperador fica brincando com o pássaro)

Imperador - Pit, pit, pit... ué... parou de cantar? Pit, pit, pit... nem muda mais de cor... Por que será? Canta, canta! (irrita-se) Vamos! Cante para o seu Imperador! Cante! Droga de pássaro!

(Cobre a gaiola)

Fu - Majestade, o almoço será servido no salão da Doce Alegria!

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Imperador - Já estou indo. Estou morrendo de fome! Mande trazer logo os pratos! (sai)

Fu - Já vou levá-los, majestade. Chung! Chung! O almoço, Chung!

CENA V - O ALMOÇO DO IMPERADOR

Chung - (Entra com uma bandeja) Pronto, pronto, pronto, senhor. Aquí está. Espero sinceramente que o nosso Pequeno Imperador aprecie. Pato assado com cerejas!

Fu - Hummmm! Creio que ele gostará! É o seu prato preferido! (Sai de cena, anunciando) Pato assado com cerejas!

(Até o final do almoço, Fu leva os pratos para o imperador e volta para pegar outros que Chung foi buscar na cozinha)

Imperador - (em off) Ôba! Pato assado!

Chung - Porco!

Fu - Pronto! Quer dizer... chamou? Isto é: estou aquí... Ora, me dá isso logo. O que é?

Chung - Porco tenrinho, banhado em leite de cabra, preparado na brasa, com cerejas! Caprichadíssimo!

Fu - Porco na brasa com cerejas! Imperador - Porco! Adoro porco!

Fu - O Imperador está com apetite de leão, hoje!

Chung - Ah, ótimo! Esta está divina: sopa de barbatanas de tubarão do Mar da Felicidade, fresquinhas, com legumes. E cerejas!

Fu - Está bem, me dá aquí. Sopa de barbatanas de tubarão!Imperador - Viva! Barbatanas de tubarão! E pra beber, não tem nada?

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Fu - É pra já, majestade! Chung! Traga alguma coisa para o Imperador beber!

Imperador - Estou com sede!

Fu - Já, já, majestade!

Chung - Pronto, pronto! Néctar de cerejas bem madurinhas, colhidas ainda hoje no topo da montanha mais alta do...

Fu - Sim, sim, sim, está bem. Néctar de cerejas, senhor!

Imperador - Até que enfim!

Chung - Uma obra-prima: salada de rabanetes da horta imperial, com brotos de bambú cozidos ao molho de soja, pimentões vermelhos com recheio de algas, e cerejas!

Fu - Hein...? Salada de... horta de soja... com broto imperial... rabanetes de algas... pimentões de bambú... e cerejas!

Imperador - O quê?

Fu - Ah, é... salada, senhor, salada.

Chung - Receita da vovó: bolo de cerejas, feito com legítimos ovos de patas imperiais, baunilha e outras essências!

Fu - Estou assustado com o Imperador! Nunca o ví comer tanto! Bolo de cerejas, majestade!

Imperador - Bolo? Ôba! Eu quero! Eu quero!

Fu - Chung, você deve ser mesmo um grande cozinheiro!

Chung - E pra encerrar o almoço com chave de ouro: pudim!

Fu - Ufa! Finalmente! Majestade: pudim!

Imperador - De quê?

Fu - De quê?

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Chung - De cerejas!

Fu - De cerejas!

Imperador - De cerejas?

Fu e Chung - É, majestade!

Imperador - Ah, não quero. Não gosto de cerejas...

Fu - (Devolvendo o pudim) O Imperador não gosta de cerejas.

Chung - Não gosta de cerejas...?!? (sai)

Imperador - (Entrando) Ai, Fu... Estou me sentindo mal... o que será?

Fu - Talvez sua majestade tenha exagerado um pouquinho na comida...

Imperador - Mentira! Devo estar um pouco cansado, só isso... E o pássaro?

Fu - Está aquí, majestade, na gaiola...

Imperador - Não está cantando...

Fu - Não, senhor...

Imperador - Nem muda mais de cor...

Fu - Também não.. Talvez seja melhor a gente soltar o...

Imperador - Leve-o embora, Fu. Ponha-o no porão, junto com os brinquedos velhos.

Fu - No porão, majestade? Mas lá é muito frio, escuro...

Imperador - Leve-o, Fu. Ele que fique lá até que volte a cantar. Quero descansar um pouco.

Fu - Sim, majestade...

(Fu sai, levando a gaiola. O Imperador acomoda-se no trono, e adormece)

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CENA VI - O SENHOR DA ESCURIDÃO

Música forte. Surge o Senhor da Escuridão, um vulto negro, de longa capa e máscara escura. Ergue os braços, comanda o vento e apaga a luz do sol. O tempo esfria e as flores caem. Destrói as plantações. Rodeia o Imperador, que encolhe-se no trono. Gritos de medo, choro de crianças. O Senhor da Escuridão se retira, vitorioso.

Fu - (Entrando) Mas que mudança de tempo! O Imperador adormeceu... deve estar mesmo cansado... (Fecha um cortina de tiras ou um biombo transparente em volta do trono, faz um cumprimento respeitoso, e sai. O Imperador tem um sono agitado)

CENA VII - OS LAVRADORES INFELIZES

Entram três lavradores, assustados. Jogam seus cestos no chão, olham a plantação destruída. Lamentos, choros, gestos de desespero. Vasculham o chão, não encontram nada. Um deles colhe um graveto e os demais avançam sobre ele. Brigam. Ao final, o graveto está destruído. Saem de cena xingando-se e insultando-se.

CENA VIII - O PESADELO DO IMPERADOR

(Dois passarões entram, pulando e guinchando, dão voltas e mais voltas pelo palco, sempre muito agitados)

Passarão 1 - Ih, ih, ih...

Passarão 2 - Oh, oh, oh...

Passarão 1 - Ih, ih, ih...

Passarão 2 - Oh, oh, oh...

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Page 19: O Pequeno Imperador - de Atilio Bari

Passarão 1 - Vocês devem estar se perguntando:

Passarão 2 - Que bichos esquisitos são esses?

Passarão 1 - Que bichos esquisitos são esses?

Passarão 2 - Vocês devem estar se perguntando!

Passarão 1 - Pois bem: já que vocês querem saber...

Passarão 2 - Nós não vamos dizer!

Passarão 1 - Ih, ih, ih...

Passarão 2 - Oh, oh, oh...

Passarão 1 - Agora, se vocês não quiserem saber...

Passarão 2 - Então nós vamos contar:

Passarão 1 - Eu sou Ting!

Passarão 2 - E eu sou Tong!

Passarão 1 - E sabem o que mais?

Passarão 2 - Sabem o que mais?

Os dois - Nós não existimos!

Passarão 1 - Somos apenas uma ilusão.

Passarão 2 - Uma impressão!

Passarão 1 - Imaginação!

Os dois - Vou contar uma verdadeNós não somos de mentiraVou contar uma mentiraNós não somos de verdade

É mentira ou é verdade?

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Page 20: O Pequeno Imperador - de Atilio Bari

É verdade ou é mentira?

Mentira? Verdade...Verdade? Mentira...

Passarão 1 - Eu sou Fing!

Passarão 2 - E eu sou Fong!

Passarão 1 - Sabem o que é que nós somos?

Passarão 2 - É! Sabem o que é que nós somos?

Passarão 1 - Somos o que somos!

Passarão 2 - É! Nós somos o que somos!

Passarão 1 - Mas então, somos um mistério!

Passarão 2 - Não, somos dois mistérios!

Passarão 1 - Se nós não somos, não fomos nem seremos...

Passarão 2 - Se não estamos, não viemos, nem viremos...

Passarão 1 - Então nós só existimos...

Passarão 2 - No palácio...

Passarão 1 - Da cabeça...

Passarão 2 - Das pessoas!

Os dois - No palácio da cabeça das pessoas!Na cabeça do palácio das pessoas!No palácio das pessoas da cebça!Nas pessoas da cabeça do palácio!Nas pessoas do palácio da cabeça!Absolutamente certo!

Passarão 1 - Tá. E o que é que nós vamos fazer?

Passarão 2 - Coisas que não existem!

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Page 21: O Pequeno Imperador - de Atilio Bari

Passarão 1 - Ah! Coisas que só estão...

Os dois - No palácio da cabeça das pessoas!

Passarão 1 - Olha, olha, olha! (Aponta para o imperador dormindo)

Passarão 2 - O que? O que? O que?

Passarão 1 - Aqui! Aqui! Aqui!

Passarão 2 - Oh! Que bonito!

Passarão 1 - Que bonito!

Passarão 2 - Nunca ví nada igual!

Passarão 1 - Nada igual, nunca ví!

Passarão 2 - Ele dorme!

Passarão 1 - E sonha!

Passarão 2 - Claro que ele sonha, senão não estaríamos aquí!

Passarão 1 - É, claro que ele sonha, senão não estaríamos aquí!

Passarão 2 - Vamos nos aproximar!

Passarão 1 - É, vamos nos aproximar. Com cuidado!

Passarão 2 - É, cuidadosamente...

Passarão 1 - Delicadamente...

Os dois - (Gritam) Silenciosamente!

Imperador - (Ainda dormindo) O que é isso?

Passarão 1 - O que é isso?

Passarão 2 - O que é isso?

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Page 22: O Pequeno Imperador - de Atilio Bari

Imperador - Onde estou? Estou preso!

Passarão 1 - Ele canta!

Passarão 2 - Ele canta!

Imperador - O que vocês querem de mim? Me tirem daquí!

Passarão 1 - Que lindo!

Passarão 2 - Que canto maravilhoso!

Imperador - Eu sou o Imperador! Me soltem! Me tirem daquí!

Passarão 1 - Canta, canta, canta!

Passarão 2 - É! Canta, canta, canta!

Imperador - Me soltem! Me soltem! Eu sou o Imperador! Eu sou... o...

Passarão 1 - Eu sou Bing!

Passarão 2 - E eu sou Bong!

(Saem de cena, pulando e cantando)

Canta, canta, canta!Canta, canta, canta!Canta, canta, canta!Canta, canta, canta!

CENA IX - O MAL-HUMOR DO IMPERADOR

(O Imperador acorda, num sobressalto)

Imperador - Fu! Fu! Fu!

Fu - Sim, majestade! O que houve? O senhor está bem?

Imperador - Hein?

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Page 23: O Pequeno Imperador - de Atilio Bari

Fu - O senhor estava dormindo... Está se sentindo bem?

Imperador - Ah, sim, estou... um pouco sonolento, ainda... e meio triste, meio perturbado, não sei...

Fu - Oh, majestade, todos estão assim. O povo todo está muito infeliz. Não há mais colheitas, as pessoas estão passando necessidades... não têm mais animo para trabalhar, nem nada... As pastagens secaram, as cabras não têm o que comer... Falta leite para as crianças...

Imperador - Ih, chega, Fu! Para com essa ladaínha! Estou precisando é de me alegrar, não de ficar ouvindo essas tragédias! Ah, já sei: mande vir o comediante do palácio!

Fu - Sim, majestade... (sai)

Imperador - Foi bom lembrar-me dele! Acho que é a única pessoa que ainda é capaz de me divertir!

CENA X - NADA DIVERTE O IMPERADOR

Fu - (Anuncia) O comediante do palácio!

Comediante -Mandou me chamar, Pequeno Imperador?E aquí estou!

Sou o comediante do palácio!A alegria me acompanhaE vai comigo aonde eu vou,Pois quem se propõe a levarA alegria por aíTem que ter a alegriaDentro de si.

O que queres, senhor?Um conto, uma canção, uma magia?Cada momento requerUm tipo de divertimento.

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Page 24: O Pequeno Imperador - de Atilio Bari

Diga-me, então, majestade, O que gostaria?

Imperador - Ah, não sei... faça qualquer coisa que me divirta...

Comediante- Seu pedido, senhor, Impreciso e vago, Deixa a meu encargoA escolha da atração...Que responsabilidade...Mas não me atrapalho, não!Posso começar com um número de magia!Já pensou, senhor, Que tudo na vida é ilusão?Como as coisas nunca são o que pareceE nunca parecem o que são?Acompanhe os meus movimentos:Meu rosto, meus olhos, meus braços, Observe as minhas mãos E os gestos que eu faço.Olhe tudo com cuidado.Eu nada escondo, nada disfarço, Tudo é real, simples, lógico, E no entanto, o resultado... é mágico!O mestre do meu mestre lhe disse, E o meu mestre me falou do mesmo jeito:Só é mágico o que é perfeito!

Imperador - (Aborrecido) Ah, você fala demais, comediante. Chega até a irritar com tantas palavras. Mandei te chamar para me divertir, não para ficar ouvindo discurso...

Comediante - A palavra é um dom, majestade, Que só aos homens foi dado.Posso, contudo, Expressar-me de outra forma.Se é do seu agrado, senhor, Eu posso falar mudo...

(O comediante faz uma mímica: nasce uma flor, ele se alegra, rega a flor, ela fica bonita e feliz, e ele também. Em seguida, ele arranca as pétalas da flor e se

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Page 25: O Pequeno Imperador - de Atilio Bari

diverte com cada uma caindo no chão. A flor morre, e ele fica triste. O Imperador, porém, adormece no meio da mímica)

Comediante - Gostou, majestade? Ih, adormeceu... Que os sonhos inspirem o Imperador. (Faz um cumprimento respeitoso e sai)

CENA XI - SEGUNDO PESADELO DO IMPERADOR

(Os passarões voltam, trazendo uma enorme broxa e um balde de tinta de todas as cores)

Passarão 1 - Ih, ih, ih...

Passarão 2 - Oh, oh, oh!

Passarão 1 - Ih, ih, ih...

Passarão 2 - Oh, oh, oh!

Passarão 1 - Eu sou King!

Passarão 2 - Eu sou Kong!

Passarão 1 - Olha ele lá!

Passarão 2 - Olha ele aquí!

Passarão 1 - Vamos pintá-lo!

Passarão 2 - De todas as cores!

Passarão 1 - Azul, verde, vermelho, amarelo, dourado...

Passarão 2 - Branco, roxo, prateado, cor-de-abóbora, lilás...

Passarão 1 - Pra ele cantar colorido!

(Aproximam-se do trono; o Imperador se agita no sono)

Passarão 1 - Ih! O que é que ele tem?

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Passarão 2 - Não sei!

Passarão 1 - Canta um pouquinho, canta!

Passarão 2 - É! Canta um pouquinho!

Passarão 1 - Ah, canta pra mim!

Passarão 2 - Ah, canta pra nós!

Passarão 1 - Não canta...

Passarão 2 - É, não canta...

Passarão 1 - Por quê não canta?

Passarão 2 - Por que não canta mais?

Passarão 1 - Ah, então não tem graça...

Passarão 2 - Ah, é: não tem graça...

Passarão 1 - Então não tem graça...

Passarão 2 - É, não tem graça, não...

Passarão 1 - É verdade...

Passarão 2 - É, é verdade...

Passarão 1 - Ou é mentira...

Passarão 2 - É mentira ?

Passarão 1 - É mentira de verdade...

Passarão 2 - Ou é verdade de mentira...

Passarão 1 - Então deixa ele aí...

Passarão 2 - Deixa ele aí...

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Passarão 1 - Deixa?

Passarão 2 - Deixa!

Passarão 1 - Deixa, deixa, deixa?

Passarão 2 - Deixa, deixa, deixa!

Passarão 1 - Eu sou Ling!

Passarão 2 - E eu sou Long!

(Os dois saem cantando e dançando)

Deixa, deixa, deixa, Deixa, deixa, deixa, Deixa, deixa, deixa...

CENA XIII - CONSELHOS DO COMEDIANTE

(O Imperador acorda, assustado)

Imperador - Fu! Fu!

Fu - Sim, majestade! Precisa de alguma coisa, majestade?

Imperador - Eu... eu... não sei... Peça ao comediante do palácio para vir até aquí... Eu... quero falar com ele...

Fu - Sim, majestade...

(O Imperador está pensativo. Medita)

Fu - (Anuncia) O comediante do castelo!

Comediante -Mandou me chamar, majestade?Venho com satisfação.O que queres de mim, senhor, Um conto, uma magia, uma canção?

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Imperador - Você, comediante, que conhece todos os poemas e todas as canções, que tem o dom da palavra e dos gestos, e a magia na palma das mãos, me diga: o que é que você sabe sobre a vida das pessoas?

Comediante - Eu sou um artista, majestade,E porisso, pra mim, Tudo na vida é arte!O que é a arte, senhor, Senão a própria vida, Trabalhada com amor e imaginação?E o que é a vida, senhor, Senão uma obra de arteEm que cada um de nós É o seu próprio artesão?O que eu sei da vidaÉ que todo mundo é artista, Quer queira, quer não.

Imperador - Há algo estranho acontecendo... Sinto uma agonia por dentro, um nó na garganta... Sinto-me... infeliz...

Comediante - Assim como o senhor, majestade,O povo todo está infeliz...As pessoas não se ajudam maisNem se cumprimentam Como faziam tempos atrás!Parece que alguém raptou a alegriaE colocou-a numa prisão!A felicidade abandonou o nosso país!Deve haver uma razão...

Imperador - Parece que estou num pesadelo... como num sonho ruim que eu tive...

Comediante - É preciso entender os sonhos, Compreender o que querem dizer.Nossos olhos são tão fracos, Nossa razão tão curta,E tão cega a nossa ambição, Que as coisas mais simples, Mais certas, mais claras,

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Escapam à nossa compreensão...

Imperador - O que você acha que eu devo fazer?

Comediante - Abra o seu coração.Busque a sabedoriaE a sensibilidade,E deixe voar bem altoA luz da bondade...

Imperador - Como? Como posso fazer isso?

Comediante - Desculpe, majestade, É uma pena, sinceramente, Mas não posso ajudar.Certas coisas dentro da genteA gente mesmo tem que procurar...

Imperador - Entendo... obrigado, comediante... muito obrigado...

Comediante - Com sua licença, majestade...

XIII - O IMPERADOR ABRE O CORAÇÃO

(O Imperador está só, pensando nas palavras do comediante)

Imperador - Abra o seu coração... e deixe voar bem alto... (Num ímpeto de alegria) Fu! Fu!

Fu - O que houve, majestade? O que aconteceu?

Imperador - A gaiola, Fu!

Fu - A gaiola? O que tem a gaiola, senhor?

Imperador - A gaiola do pássaro! Vá buscá-la depressa, Fu!

Fu - Ah, sim, sim, já estou indo... (sai)

Imperador - Abra o seu coração... busque a sabedoria... e a sensibilidade...

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Fu - Pronto, senhor: a gaiola...

Imperador - Descubra-a, Fu. Ah, aí está ele! (Abre a gaiola)

... e deixe voar bem altoa luz da bondade...

(O pássaro sai da gaiola e voa pelo palácio, cantando maravilhosamente. Música, muita luz, simbolizando a volta do sol. Os lavradores festejam, felizes, espalhando flores e grãos pelo palco, aos gritos de ‘viva o Imperador”. Ao final, saem todos de cena)

CENA XV - FINAL

Tchin - (Entrando, seguido pela criança) E assim, o povo daquele país distante, muito muito muito longe, voltou a ser feliz como antes...

Criança - E o Pequeno Imperador?

Tchin - Ah, ele cresceu, tornou-se adulto, e saiu pelo mundo como uma pessoa comum, para estudar e ganhar novos conhecimentos, e

para contar a todos o que tinha aprendido.

Criança - Será que um dia eu posso encontrar com ele?

Tchin - É, pode ser... quem sabe...

Criança - Mas e se eu encontrá-lo? Como é que eu vou saber que é ele?

Tchin - Ah, é fácil, muito fácil... Ele usa este medalhão...

FIM

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