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especial O paraíso dos chimpanzés 34 Terraço - edição 26 revistaterraco.com

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Page 1: O paraíso dos chimpanzés - GAP Project · Vargem Grande Paulista e Curitiba, além de outros santuários na Argentina, Alemanha, Espanha, França e México. Em Sorocaba, o GAP conta

especial

O paraíso dos

chimpanzés34 Terraço - edição 26 revistaterraco.com

Page 2: O paraíso dos chimpanzés - GAP Project · Vargem Grande Paulista e Curitiba, além de outros santuários na Argentina, Alemanha, Espanha, França e México. Em Sorocaba, o GAP conta

por Flávia Demartine / Fotos de Flávio Torres

Projeto internacional mantido

pelo cubano Pedro Ynterian

abriga animais vítimas de maus

tratos resgatados em circos e

zoológicos de todo o país

No ano passado a Fundação Zoonit (Zoológico de

Niterói), no Rio de Janeiro, perdeu grande parte

de seus animais. A Justiça investiga o sumiço de 490

pássaros, muitos deles em extinção, e ainda diz que a

unidade não tem estrutura para abrigar as espécies

silvestres. Entre os animais que ganharam casa nova,

o chimpanzé Jimmy ganhou destaque na mídia por

ser o primeiro do país a ter um pedido de habeas

corpus julgado por um tribunal. No final das contas,

ele e outros 52 chimpanzés que também possuem a

saúde fragilizada, seja por maus tratos em circos ou

pelo estresse provocado pelas inúmeras visitas em

zôos, conseguiram um novo abrigo no Santuário dos

Primatas, em Sorocaba, um projeto de reconhecimento

internacional mantido pelo GAP (Great Ape Project).

O local é o sonho e a vida do microbiologista Pedro

Alejandro Ynterian, 72 anos, que está acostumado a

lutar pelo que acredita. Foi assim em seu país natal,

Cuba, quando juntou-se aos jovens revolucionários de

Fidel Castro para derrubar o ditador Fulgêncio Batista,

em 1959. Anos depois, Ynterian passou pelos Estados

Unidos, Chile, França, Alemanha e quando aportou

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Na sede do GAP, na zona

rural de Sorocaba, os

primatas dispõem de uma

ampla área onde podem

conviver em grupos e

resgatar parte do que

perderam enquanto

estavam em cativeiro

Uma torre serve de observatório para os animais

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no Brasil já estava casado e pronto

para abrir sua empresa de produtos

laboratoriais, despontando no mercado

como um dos pioneiros da produção

local de testes de gravidez e detecção

de doenças.

Apesar de muito bem sucedido

nos negócios, é fácil descobrir que

sua paixão é pelo mundo animal. Há

12 anos ele comprou um chimpanzé

com três meses de idade, por U$

20 mil no Paraná, em um criadouro

irregular. Batizado como Guga, não

demorou para que o animal provocasse

a reflexão em toda Ynterian. Afinal,

apesar das semelhanças humanas,

Guga se tornara indomável. “Meus

filhos eram maiores que ele, mas o

Guga era mais forte. Tivemos que

contratar uma babá para ele nunca

ficar sozinho e logo vimos que

precisaríamos de um local maior” diz

ele, que até hoje conta com os serviços

de Meire, responsável pelo trato dos

filhotes que nascem no santuário.

A mudança de Guga para o sítio

da família, em 2000, deu origem

ao Projeto de Proteção dos Grandes

Primatas, hoje conhecido por GAP,

fundação que uniu suas ideologias aos

trabalhos de Pedro e lhe conferiu o

título de presidente internacional. Muito

orgulhoso por conseguir manter o local

como um verdadeiro santuário para a

Dentro do reservado, abrigos e obstáculos para utilização dos chimpanzés

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preservação da espécie, Ynterian não

esconde que gasta R$ 70 mil por mês

com seus ‘verdadeiros amigos’. “Eles

são muito carinhosos, eu trabalho três

dias por semana e nos outros quatro

fico aqui paparicando e cuidando dos

interesses deles. Não conheço nenhum

ser humano que retribua a atenção e o

amor tão verdadeiramente como eles.

São leais e desinteressados, tudo aqui

é real”, afirma.

Outras espécies

O trabalho do santuário vem

crescendo notavelmente e nos últimos

anos foram abertas algumas exceções

para receber outros animais que

também foram maltratados em circos e

zoológicos. Além dos 53 chimpanzés,

separados em grupos conforme a

convivência e estado de saúde física

e mental, o local hoje abriga 10 leões,

dois ursos; um tigre siberiano e outro

de bengala; 33 macacos-prego e outras

espécies de primatas e aves, totalizando

mais de 300 animais. “Recolho todos

aqui, porque tenho compaixão desses

bichos. Meu objetivo era tirar dos

cativeiros nossos grandes primatas

e tratá-los como iguais a nós. Mas a

necessidade de ajudar outros animais foi

ficando cada vez mais evidente”, explica.

O santuário de Sorocaba não

recebe visitantes e o proprietário

justifica que o objetivo é dar uma vida

mais digna aos hóspedes do local e

privá-los dos tumultos que, segundo

ele, causam problemas mentais e

físicos aos bichos. “Os chimpanzés

de zoológicos são os que chegam

em pior estado. Geralmente estão

perturbados, se automutilam, não

gostam de humanos e nem conhecem

Pedro Ynterian, o fundador do

santuário, recebe afago de um

dos animais que ajuda a proteger

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outros de sua espécie. Nosso trabalho

é tratá-los com antidepressivos e

outros remédios, além de alimentação

adequada e a inclusão social entre

eles. Mas os traumas causados

por trabalhos forçados em circos e

exposição em zoos demoram anos

para desaparecer, alguns nunca se

recuperam totalmente”, destaca.

Projeto internacional

O GAP é um projeto internacional

e apesar de ter sua sede principal em

Sorocaba, também possui unidades

espalhadas pelo Brasil como em Ibiúna,

Vargem Grande Paulista e Curitiba,

além de outros santuários na Argentina,

Alemanha, Espanha, França e México.

Em Sorocaba, o GAP conta com 22

funcionários e alguns deles vivem no

próprio local mantendo uma proximidade

diária com animais. É o caso da babá

Meire, que cuida de todos os filhotes,

como a chimpanzé Susi, de 8 meses,

que precisa de fraldas e mamadeira.

Ela também se divide nos cuidados a

Sophia, de 2 anos e meio e Sara, com 1

ano e meio.

Todos os animais do santuário são

tratados com alimentação balanceada

à base de frutas, verduras, legumes,

ovos, leite, suco natural, iogurte,

biscoitos e até pratos quentes como

cachorro-quente, macarronada, pizza

e outras guloseimas, um cardápio que

acabou fazendo parte da criação de

muitos deles.

De pai para filho

Ynterian, que é pai de sete filhos

e está no segundo casamento, admite

que cuidar do santuário é um hobby

levado muito à sério. Tanto, que acabou

passando o gosto para os filhos, como

Lucas, 20 anos, que é o administrador

do local, cresceu com Guga, e viu cada

um dos animais chegar ali. “É sempre

emocionante quando chega um novo.

Vi isso aqui desde o começo e quero

levar adiante este grande projeto do

meu pai”, afirma.

A esposa de Pedro, Vânia, também

é apaixonada por animais. Tanto que é

a responsável pelo canil do condomínio

onde moram e também assume isso com

grande responsabilidade. Para Ynterian,

sua família recebeu a mais valiosa

missão do mundo e, apesar de não saber

exatamente o porquê, sente-se feliz por

O chimpanzé Jimmy

ficou famoso em todo

país por ser o primeiro

animal a ter um

habeas corpus julgado

por um tribunal

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conseguir realizar este projeto que já foi

divulgado em mais de 150 programas

de televisão e em inúmeras entrevistas a

sites e grandes jornais.

Os Ynterian lembram que, apesar

de amarem o que fazem, prefeririam

ver estes animais soltos na natureza,

bem longe dos cativeiros, circos ou

zoológicos. “Se você pegar um animal

silvestre, cuide. Mas pelo amor de

Deus, solte! Eles merecem ter uma vida

digna e natural”.

Justiça questiona idoneidade

Em outubro do ano passado o

Gaeco (Grupo de Atuação Especial de

Repressão ao Crime Organizado) uniu-

se ao Grupo Antissequestro da Polícia

Civil, à Polícia Militar Ambiental, Ibama

(Instituto Brasileiro do Meio Ambiente

e dos Recursos Naturais Renováveis),

e à engenheiros ambientais, para

cumprir um mandado judicial expedido

pela Justiça de Sorocaba em busca de

irregularidades dentro do santuário.

Segundo Ynterian, eles procuraram

por uma ala que supostamente seria

secreta e inacessível a qualquer um

que chegasse ao local.

“Eram mais de 30 homens,

entraram aqui com armas e cães

farejadores, tomaram o celular do

meu filho e colocaram todos os

meus funcionários em uma sala para

interrogatório. Eles mexeram em

tudo, inclusive na ala onde mantemos

os animais que chegam aqui mais

perturbados e precisam de cuidados

especiais e ficam separados dos

outros. Ninguém encontrou nada e

nossa idoneidade ficou comprovada”,

explica o proprietário do santuário.

Segundo ele, a devassa promovida

pela investigação, que também

reuniu papelada e computadores,

foi desnecessária e provocou um

grande susto em todos. Segundo ele,

a denúncia foi feita por um dos circos

que foram obrigados a entregar os

animais que maltratavam. “Isso é

coisa política e de gente que não se

conforma em perder os animais, mas

estamos tranquilos”, afirma.

Ynterian sofreu devassa do Ministério Público sob acusação de manter ala secreta no sítio. Nada foi achado.

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