o paradoxo da mistura

Upload: erica-da-silva

Post on 02-Mar-2018

224 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

  • 7/26/2019 O Paradoxo Da Mistura

    1/18

    RBCS Vol. 27 n 80 outubro/2012

    Artigo recebido em 30/10/2011Aprovado em 15/05/2012

    O PARADOXO DA MISTURAIdentidades, desigualdades e percepo de

    discriminao entre brasileiros pardos*

    Graziella Moraes SilvaLuciana T. de Souza Leo

    Introduo: o quebra-cabea racial brasileiro

    As relaes raciais no Brasil so caracterizadaspor um aparente paradoxo. Por um lado, as enor-mes e persistentes discrepncias socioeconmicasentre os diferentes grupos raciais indicam que raa um atributo central para se compreender a produ-o de desigualdades sociais do pas. Por outro, asrelaes de sociabilidade fluidas, com grande quan-tidade de casamentos inter-raciais e pouca segrega-

    o residencial entre brancos e negros, sinalizamque no Brasil a mistura racial permite perpassar asquestes de cor. Considerando esse quebra-cabea,parece-nos crucial perguntar: como estudar relaesraciais em um pas onde as desigualdades socioe-conmicas entre as raas so to marcantes, masno se refletem em diferenas culturais ou simb-licas? Ou, utilizando a terminologia das fronteirasproposta por Barth (1969), como analisar um pascom fronteiras socioeconmicas rgidas e fronteiras

    * Uma verso anterior deste artigo foi apresentada no

    GT Relaes raciais: desigualdades, identidades epolticas pblicas do 35 Encontro Nacional da An-pocs, em outubro de 2011, Caxambu, Minas Gerais.Agradecemos aos participantes do GT, em especialaos coordenadores (Joo Feres Jr e Jeronimo Muniz)e ao debatedor Valter Silvrio. Tambm agradecemosaos pesquisadores do Projeto Comparativo de Res-postas Estigmatizao, fonte original das entrevis-tas em profundidade discutidas aqui, coordenado porMichle Lamont da Universidade de Harvard; e aospesquisadores do Projeto sobre Etnicidade e Raana Amrica Latina (Perla) coordenado por EdwardTelles da Universidade de Princeton, que forneceualguns dos dados de survey que utilizamos. Agrade-cemos tambm s sugestes e comentrios dos pes-quisadores do Nied (Ncleo Interdisciplinar de Estu-dos sobre Desigualdade da UFRJ) ao longo de nossasreunies semanais de pesquisa.

  • 7/26/2019 O Paradoxo Da Mistura

    2/18

    118 REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 27 N 80

    simblicas aparentemente fluidas entre negros ebrancos (Lamont e Molnr, 2002)?

    A partir da anlise de pesquisas recentes, pos-svel identificar dois pontos centrais no debate so-bre as relaes raciais brasileiras, e que nos auxiliam

    a esclarecer essas perguntas: (i) a definio de quem negro no Brasil e (ii) o peso que a discriminaotem como um fator explicativo para as desigualda-des raciais.

    Em relao classificao racial, diferentesestudos j mostraram como o nmero de negrosno pas pode mudar radicalmente dependendo daforma como a populao negra definida (Bailey,Loveman e Muniz, 2009). Utilizando os dados doPerla, um surveynacional realizado em 2010 emparceria com a Universidade de Princeton, percebe-

    mos que, dependendo da nossa definio, os negrospodem representar apenas 5,6% da populao seconsiderarmos o critrio de autoclassificao racial,e podem chegar at 62,7% dos brasileiros se o cri-trio adotado for ter pelo menos um dos pais pretoou pardo.

    J em relao ao debate sobre at que pontoa desigualdade racial pode ser atribuda discri-minao, as discusses giram em torno dos limi-tes e mritos das diferentes formas de se medir a

    prpria discriminao (Pager, 2006). De um lado,estudos estatsticos elaboram modelos explicativospara medir as desigualdades socioeconmicas en-tre negros e brancos, controlando variveis comoeducao, origem social e renda familiar. Nesses

    estudos, todo o resduo no explicado por essasvariveis atribudo discriminao (Paixo eCarvano, 2008). Tal estratgia, no entanto, tem li-mites claros. Como apontado por Osrio (2008),por mais que em todas as mensuraes a desigual-dade se mantenha, nesses modelos os possveisefeitos da discriminao no so abordados dire-tamente, visto que h uma srie de variveis noobservveis alm de raa que poderiam afetar osresultados.

    De outro lado, surveysso usados para medir

    a percepo de discriminao racial dos gruposraciais. Os resultados desses surveysproblemati-zam ainda mais a validade da proposio da dis-criminao como causa da desigualdade racial,visto que apenas 22% de negros (definidos comopretos + pardos) identificam a discriminao (Da-tafolha, 2008). evidente que a percepo sobrediscriminao tambm tem limites como medidaquantitativa de discriminao, j que pode su-bestimar ou sobrestimar a discriminao de fato,

    Grfico 1

    Quantos Negros Vivem no Brasil?

    Fonte: Perla (2010).

    negros(um dos pais preto ou pardo)

    0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70%

    62,76%

    59,50%

    54,90%

    21,90%

    15%

    5,60%

    negros(pretos + pardos, classificao...)

    negros(pretos + pardos, autoclassificao)

    negros(ancestral africano)

    negros(pretos)

    negros(auto-identificao)

  • 7/26/2019 O Paradoxo Da Mistura

    3/18

    O PARADOXO DA MISTURA 119

    como discutido por Pager (2006). A diferena napercepo de discriminao entre pretos (41%)e pardos (15%), alm do mais, problematiza aatribuio da desigualdade discriminao deforma homognea para os dois grupos (Datafo-

    lha, 2008). Ser que podemos atribuir essa baixapercepo de discriminao dos pardos falta deconscincia racial?

    Em parte, essa uma das questes que motivao presente artigo. Acreditamos que um elementocentral, mas pouco explorado no debate sobre re-laes raciais no pas, a perspectiva dos brasilei-ros pardos a identificao etno-racial que maiscresceu nos ltimos censos. Historicamente os par-dos compartilham uma situao socioeconmicaparecida com a dos pretos, mas sistematicamente

    identificam menos discriminao racial do que essegrupo (Datafolha, 2008). O foco sobre as experin-cias e as percepes dos pardos permite analisarquestes relacionadas tanto com a classificao ra-cial quanto com a mensurao da discriminao apartir de uma perspectiva ainda pouco explorada.

    Autores que enfatizam a rigidez das fronteirassocioeconmicas tendem a atribuir a ausncia depercepo de discriminao dos pardos falsa cons-cincia dos entrevistados. Sob esse entendimento,pardos seriam negros alienados por no percebe-rem o impacto da discriminao racial (Munanga,[1999] 2008 ) e, como consequncia, rejeitarem amobilizao em movimentos negros (Hanchard,1994). Em contraste, estudos que priorizam aflexibilidade das fronteiras simblicas encontramnesse dado a evidncia de que a excluso racial ,de fato, menos central no Brasil do que em outroscontextos nacionais (Fry, 2005). Apesar da impor-tante colaborao feita por esses trabalhos, ainda hpoucos estudos empricos que focam os pardos e,

    em especial, que exploram a percepo desse gruporacial sobre a complexa dinmica da relao entreclassificao racial e discriminao no Brasil.

    Neste artigo, pretendemos colaborar para essadiscusso. Para tanto, usamos tanto dados de sur-veys(como o Datafolha, 2008, e Perla, 2010, entreoutros), como a anlise de 160 entrevistas semies-truturadas com pretos e pardos mtodo que per-mite priorizar percepes, estratgias e definiesde fronteiras simblicas levantadas pelos prprios

    atores pesquisados. Ao conjugar esses dois mto-dos, esperamos levantar possveis hipteses paraentender o aparente quebra-cabea racial brasileiro,alm de explorar a diversidade da identidade parda.

    O trabalho est organizado em quatro sees.

    Na primeira, apresentamos, de modo sumrio,como os pardos aparecem na literatura sobre rela-es raciais no Brasil. A segunda seo dedicada metodologia e aos dados que utilizamos no traba-lho. Em seguida, exploramos alguns dados de sur-veysque tratam das experincias de discriminaoracial e da persistncia das desigualdades raciais,enfatizando semelhanas e diferenas entre pretose pardos. A quarta seo detm-se na fala dos par-dos. A partir da anlise de entrevistas, tratamos dasformas como a identidade parda pode se reconciliar

    com a identidade negra, e como as experincias dediscriminao afetam essa questo. Na concluso,sugerimos como os nossos dados levantam hipte-ses e interpretaes possveis para a imbricada re-lao entre classificao racial e discriminao noBrasil.

    Os pardos na literatura

    Uma das primeiras referncias ao significadodo termo pardo, segundo a historiadora Hebe Mat-tos, pode ser encontrada no dicionrio Vocabulrio

    portugus e latino(Bluteau, 1712), onde pardo definido como a cor entre branco e preto, carac-terstica do pardal de onde esse nome parece tervindo. Homem pardo: ver mulato (Mattos, 2006,p. 49). Outros autores afirmam que o termo par-do provm do latim, pardus, e do grego, pardos,significando, nessas lnguas, leopardo (Petruccelli,2000). Apesar da falta de acordo sobre a origem do

    termo, o consenso parece ser de que o termo par-do bastante antigo na histria brasileira, uma vezque a carta de Caminha j se referia aos habitantesda terra como pardos maneira avermelhados (Pe-truccelli, 2000).

    Desde 1870 o Censo Brasileiro coleta infor-maes sobre a cor da populao de acordo comquatro categorias: branco, preto, pardo ou cabo-clo.1A pergunta sobre cor apareceu nos Censos de1870, 1890, 1940, 1950, 1960, 1980, 1990, 2000

  • 7/26/2019 O Paradoxo Da Mistura

    4/18

    120 REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 27 N 80

    e 2010. Em linhas gerais, possvel perceber umatendncia de aumento do percentual de brancosat 1950 e uma diminuio do percentual de pre-tos at 1990. No entanto, talvez a tendncia maismarcante dos dados seja o aumento do percentual

    de pardos a partir de 1940 (Grfico 2). Longe derepresentar uma simples variao na cor da popula-o brasileira, essas mudanas relacionam-se com atransformao dessas categorias e tambm da pr-pria metodologia do Censo.

    No Censo de 1872, o recenseado livre podiase autoclassificar entre branco, preto, pardo ou ca-boclo, mas os escravos eram classificados pelo re-censeador em duas categorias: preto e pardo. Deacordo com Mattos (2006), no entanto, ao longodos sculos XVIII e XIX, o termo pardo no era

    uma simples categoria de cor, mas uma expressoque assinalava origem africana, mas separando-a daescravido. A expresso mais comum seria pardolivre, que significava no necessariamente uma ori-gem misturada ou cor de pele parda, mas ter nasci-do em condio livre.

    No foi realizado o Censo em 1880. O primei-ro Censo realizado aps a abolio da escravaturafoi o de 1890, o qual se baseou nas seguintes cate-gorias: branco, preto, pardo e caboclo, comumenteagregados como pardos. De acordo com Oliveira(1999), no entanto, entre 1872 e 1890 a percen-tagem de pardos caiu de 38,3% para 34,2% e a decaboclos subiu de 3,9% para 9,6%. Isso para o au-tor indicaria que grande parte da mistura naquelemomento se dava entre indgenas e pretos, no en-tre pretos e brancos como normalmente se assume.

    Nos Censos de 1910 e 1920, a categoria corno foi recenseada, e, em 1930, no houve Censo.No Censo de 1940, os recenseadores foram instru-dos a classificar a populao entre brancos, pretos e

    amarelos. A categoria amarela surge nesse momen-to para dar conta da populao de origem asiti-ca, principalmente japonesa. No Censo de 1940,a categoria pardo computada pelo agrupamentode todos aqueles que foram classificados sob outradeclarao (ndio, caboclo, mulato, moreno etc.).Logo, o aparente embranquecimento da populaonesse momento pode ser parcialmente atribudo omisso do pardo como categoria, que obrigavaos recenseadores a classificarem a populao entre

    branca ou preta. Curiosamente, a partir da dca-da de 1940 que tambm se consolida a imagem doBrasil como nao mestia.

    Durante o sculo XIX at o incio do scu-lo XX, a mestiagem na Amrica Latina era vista

    como um problema, ou um defeito das jovens na-es latino-americanas (Appelbaum, Macpherson eRosemblatt, 2003). Influenciadas pela imagem daconstruo dos Estados nacionais europeus, onde abase tnica era apresentada (ou inventada) como aorigem da nao, e por teorias eugenistas, que de-fendiam a superioridade racial dos brancos, as eliteslatino-americanas identificavam na sua diversidadetnico-racial um empecilho para o desenvolvimen-to e a modernizao nacional (Viana, 1922).

    Neste perodo, a mestiagem era vista como

    uma possvel soluo para as sociedades latino--americanas apenas quando definida como em-branquecimento fator que explica o estmulo imigrao europeia no incio do sculo XX, assimcomo a resistncia a imigrao asitica e africana(Skidmore, 1990). Sob essa lgica, o embranque-cimento coloca o pardo tanto como problemaquanto como soluo, isto , problema porque nobranco, e soluo porque menos preto.

    No incio do sculo XX, a mistura racial ressignificada como soluo para a construonacional em diferentes pases da Amrica Latina.Uma das primeiras referncias de trabalho nessadireo talvez seja de Jos Vasconcelos em seu li-vro A raa csmica, de 1925 (Vasconcelos e MacGregor, 1942). Neste estudo, o mestio apresen-tado como uma raa superior a todas as demaispor conseguir misturar nele as vantagens de to-das as civilizaes. Ao mesmo tempo, a misturaracial passa a ser redefinida como sinal de tolern-cia em vez de promiscuidade. Esse entendimento,

    por sinal, talvez seja a principal contribuio deGilberto Freyre para o debate racial do perodo:a compreenso da mistura racial como cataliza-dora da construo de uma nao sem fronteirasrgidas entre grupos etno-raciais. Nesse sentido, opardo, ou mestio, aparece como o representantedessa mistura em certo sentido, compreendidocomo o brasileiro em sua essncia.

    No temos como afirmar se essa mudana naviso dos pardos influenciou o aumento da classi-

  • 7/26/2019 O Paradoxo Da Mistura

    5/18

    O PARADOXO DA MISTURA 121

    ficao como pardo, mas o fato que a partir de1950 o nmero de pardos comea a aumentar sig-nificativamente. Tambm nesse momento que apergunta do Censo se apresenta como ns a conhe-cemos: Qual a sua cor? com opes de resposta

    pr-codificadas: preto, pardo, branco e amarelo,preenchidas por autodeclarao. A pergunta per-manece dessa forma at 1990, quando alteradapara a sua forma atual: Qual a sua cor ou raa?, ea opo de resposta indgena adicionada.

    O aumento do nmero de pardos a partir de1950 acompanhado pela reduo do nmero depretos. Para alguns autores, tal reduo exemplifi-caria o desejo de embranquecimento da populaobrasileira (Munanga, [1999] 2008; Oliveira, 1999).

    Alm do mais, o grande nmero de brancos seria

    explicado para autores como Degler (1971) pelacorrelao entre ascenso social e embranqueci-mento. Segundo este autor, os mulatos, por noserem nem brancos nem pretos, tm mais possibi-lidades de se dissociarem dos pretos e, portanto, deevitarem toda a carga negativa que estes carregamna sociedade brasileira. Nesse sentido, os mulatosdesfrutariam de uma vlvula de escape, que per-mitiria uma ascenso socioeconmica maior do quea dos pretos.

    A teoria de Degler diretamente questio-nada pelos estudos estatsticos de Carlos Hasen-balg (1979) e Nelson do Vale e Silva (1979), osquais demonstram que pardos e pretos possuemindicadores socioeconmicos muito parecidos e

    sistematicamente inferiores aos dos brancos. Ba-seados nos dados dos Censos de 1950 e 1960,esses autores ressaltam as persistentes desigualda-des socioeconmicas entre brancos e no brancos,rejeitando, dessa forma, a noo freyriana de queas desigualdades entre grupos raciais no Brasil se-riam menos rgidas, assim como a perspectiva dasanlises raciais da escola da USP que acreditavamque raa estaria se tornando menos importantedo que classe socioeconmica ao longo do tempo(Fernandes, 1965).

    Os resultados dos estudos de Vale e Silva e Ha-senbalg foram apropriados por movimentos negrosno pas, que redefinem a desigualdade entre bran-cos e no brancos como desigualdade entre brancose negros, e atribuem sua persistncia discrimina-o racial (Alberti e Pereira, 2007). Na literaturasociolgica, alguns autores tambm passaram a de-fender que as semelhanas socioeconmicas entrepardos e pretos permitiria uni-los em um s grupodefinido pela condio socioeconmica subalterna

    Grfico 2

    A Composio Racial do Brasil a partir dos Dados dos Censos (1870-2000)

    Fonte: IBGE, Censos 1870-2000.

    70%

    60%

    50%

    40%

    30%

    20%Populao

    brasileira

    10%

    0%

    1872 1890 1950 1960 1970 1980 1991 2000

    brancos; 47,73%

    pardos; 43,13%

    pretos; 7,61%

    2010

  • 7/26/2019 O Paradoxo Da Mistura

    6/18

    122 REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 27 N 80

    (DAdesky, 2001). A partir desse entendimento,os pardos tornaram-se negros ou afrodescendentes(junto com os pretos) em grande parte da literaturasociolgica.

    Estudos sobre autodeclarao e identifica-

    o racial, no entanto, mostram que a maioriados pardos, e uma grande parte dos pretos, nose identificam como negros. Em um suplementosobre identificao por cor, a PNAD de 1976 en-controu apenas 1% de respondentes que se iden-tificavam como negros. Essas perguntas foramrepetidas na PME de 1998 (3,13% se identifi-caram como negros) e na pesquisa Datafolha de2008 (7,8%). Considerando apenas aqueles que seidentificam como pardos de acordo com as cate-gorias do IBGE, esse nmero ainda menor (3%,

    de acordo com o Datafolha 2008).Para autores como Munanga ([1999] 2008 ),

    a rejeio identificao como negro poderia serpensada como alienao, ou esquizofrenia, dos par-dos (Almeida dos Reis, 2002). Como defendidopor Souza (1983), o pardo que se conscientiza na-turalmente se torna negro. Sob esse entendimento,indivduos que se identificam como pardos seriamnegros sem conscincia.

    Para outros autores, no entanto, pardos seriamportadores da ambiguidade das relaes raciais bra-sileiras, e a imposio de uma categorizao binriaestaria criando divises perigosas na sociedade bra-sileira (Fry e Maggie, 2007; Risrio, 2007). Ilus-trando a defesa da legitimidade de uma identidadeparda, Vran analisa o movimento da nao mes-tia criado como reao ao que seria uma mestio-fobia, ou afirmao de que o mestio no existe[...] a mestiagem tornou-se uma categoria estatis-ticamente no pertinente, politicamente indesej-vel e culturalmente inseparvel da matriz africana

    (2010, p. 27).De uma perspectiva ainda mais radical, Harrise seus coautores (1993) criticam o termo pardopor considerarem que subestima o nmero de pes-soas que no se consideram brancas ou pretas e de-fendem a adoo da categoria nativa moreno. Defato, a categoria morena aparece de forma consis-tente como a segunda mais escolhida em questesabertas sobre raa e cor: 35,7% da populao se de-finiu espontaneamente como morena na PNAD de

    1976 e 27% no Datafolha de 2008. No entanto,enquanto a identificao como moreno parece terdeclinado entre 1976 e 2008, a identificao es-pontnea como pardo cresceu de 10,4% em 1976(PNAD) para 17% em 2008 (Datafolha).

    Neste trabalho argumentamos que essas duasperspectivas a do pardo como alienado e a dopardo como essncia nacional desconsideram osmltiplos significados que a identificao comopardo adquire para quem opta por ela. Em contra-posio, buscamos explorar a diversidade da iden-tidade parda. Para tanto, baseamo-nos nas percep-es daqueles que se identificam como pardos que,com raras excees (Sansone, 2003), tm sido lar-gamente ignorados na literatura. Em particular, fo-camos (i) nas justificativas para identificao como

    pardo (ii) nas percepes sobre fronteiras simbli-cas com brancos e negros e (iii) nos relatos sobreexperincias de discriminao racial.

    Nossos mtodos

    Como j mencionado, neste trabalho procu-ramos conjugar a anlise de dados de surveyscoma anlise de entrevistas semiestruturadas. Em rela-o aos primeiros, exploramos questes referentes percepo e s experincias de discriminao racial(usando principalmente o Datafolha, 2008, e tam-bm alguns dados inditos do surveynacional Perla,20102), ao entendimento sobre as relaes raciaisno Brasil (PCERB, 2008; Datafolha, 2008) e per-sistncia temporal das desigualdades raciais. Busca-mos contrastar os padres de respostas entre pretose pardos, e entre nveis educacionais diferentes.

    As 160 entrevistas com pretos e pardos queanalisamos, por sua vez, fazem parte de um projeto

    comparativo mais amplo, coordenado pela profes-sora Michle Lamont (Universidade de Harvard),que analisa as experincias de discriminao e as es-tratgias de desestigmatizao de negros no Brasil enos Estados Unidos (Lamont, 2011).

    As 160 entrevistas brasileiras foram conduzidasno municpio do Rio de Janeiro em 2008 e 2009.Inclumos entre os nossos entrevistados indivdu-os que se identificam como pretos e pardos, assimcomo entrevistados de classe mdia (definida como

  • 7/26/2019 O Paradoxo Da Mistura

    7/18

    O PARADOXO DA MISTURA 123

    posse de diploma de ensino superior e exerccio deocupaes profissionais) e classe trabalhadora (ope-racionalizada como posse de diploma de ensinomdio e exerccio de ocupaes formais).

    No caso da classe mdia, nossa estratgia de

    amostragem incluiu a hetero-classificao, j quecontatamos a gerncia de recursos humanos degrandes empresas e pedimos o contato de profissio-nais negros em postos de gerncia ou diretoria. Apartir desse contato inicial, conseguimos dez entre-vistas e, a partir destas, utilizamos os contatos dosentrevistados para criar uma amostragem por bolade neve.3O misto de hetero e autoidentificao ex-plica parcialmente o maior nmero de pessoas quese identificam como pretos entre os entrevistadosde classe mdia j que pessoas de identificao

    ambgua foram excludas da classificao comoprofissionais negros.

    No caso da classe trabalhadora, contratamosuma empresa de marketing e pedimos a seleo deentrevistados a partir dos critrios socioeconmicos(diploma de ensino mdio e emprego formal), e de-pois selecionamos apenas os potenciais entrevista-dos que se definiam como pretos e pardos.4

    Ainda que tenhamos buscado aumentar ao m-ximo a heterogeneidade da nossa amostra medianteestratgias de recrutamento mistas e um nmero deentrevistas que nos permitisse alcanar a saturao(Small, 2009), estamos cientes que as estratgias deamostragem adotadas no permitem falar de umaamostra representativa de pretos e pardos cariocas.

    Alm do mais, o fato de as entrevistas terem sidoconduzidas no municpio do Rio de Janeiro limitaa generalizao dos nossos resultados para outrasregies do pas. Acreditamos, no entanto, que asentrevistas permitem um primeiro olhar sobre a di-versidade da identificao parda.

    Em relao ao roteiro de entrevistas, ele foi es-truturado em torno de quarenta perguntas sobretrajetrias educacionais e ocupacionais, possveisexperincias de injustia e discriminao e o signi-ficado das identificaes raciais dos entrevistados.Um aspecto importante a ser ressaltado que osentrevistados eram inicialmente informados de quese tratava de uma pesquisa sobre mobilidade social.

    As questes sobre discriminao e identidade racialsomente apareciam na segunda metade do roteiro

    de entrevistas. Ao adotar essa estratgia, nosso ob-jetivo era avaliar se a identidade racial apareceriaespontaneamente e, caso sim, em quais situaes.

    As entrevistas tiveram durao de aproximadamen-te duas horas.

    Os pardos nos surveys

    A partir da anlise de dados de surveyspode-mos vislumbrar de forma mais clara o aparenteparadoxo das relaes raciais brasileira ao qual fi-zemos meno no incio do trabalho. Para explor--lo, discutiremos, primeiramente, os dados que nospermitem afirmar que raa um atributo centralna estruturao das desigualdades socioeconmicas

    no Brasil, e a percepo de todos os grupos raciaisde que essa afirmao verdadeira. Em seguida,trataremos dos dados que mostram como os bra-sileiros celebram a mistura racial, e como brancos,pardos e pretos percebem discriminao racial deformas distintas.

    A desigualdade racial no Brasil j aceita comofato pela maioria dos pesquisadores das relaesraciais brasileiras. Desde os estudos j clssicos deNelson do Vale e Silva e os relatrios bianuais deMarcelo Paixo e seus coautores, a produo acad-mica evidencia a existncia e persistncia temporaldas desigualdades raciais no Brasil, mesmo depoisdo controle de variveis socioeconmicas, comoorigem social e nvel de educao dos pais, que po-deriam afetar os resultados.

    Esses estudos, em sua maioria baseados naPNAD, demonstram que o quadro das desigual-dades raciais no Brasil tem se mantido estvel aolongo do tempo e que os negros desfrutam de mo-bilidade social ascendente muito menor do que a

    dos brancos, o que sugere que a transmisso inter-geracional da desigualdade tem ocorrido (Osrio,2004; Hasenbalg e Silva, 1999; Ipea, 2008). Nestecenrio de longa permanncia temporal das desi-gualdades raciais particularmente relevante o fatode que as diferenas socioeconmicas so elevadasat entre os negros e brancos mais educados. Os-rio (2008) demonstra que se compararmos negrose brancos com segundo grau completo em 1976 eem 2005, os brancos esto mais concentrados nos

  • 7/26/2019 O Paradoxo Da Mistura

    8/18

    124 REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 27 N 80

    percentis superiores de renda em 2005 do que em1976, o que sugere que o retorno por anos de educa-o mais elevado para brancos do que para negros.

    O diagnstico da existncia de grandes desi-gualdades raciais no Brasil dado pelos estudos es-tatsticos tambm aparece na percepo da maioriados brasileiros. De acordo com a pesquisa Datafo-lha (2008), mais de 90% dos brasileiros de todas ascores concordam que os brancos tm preconceito

    com relao aos negros e apontam pretos e negroscomo os grupos que mais sofrem preconceito noBrasil (Tabela 1). Alm do mais, a discriminao nomercado de trabalho e a dificuldade de obter em-pregos so identificadas por 54% dos responden-tes como um dos principais problemas enfrentadospela populao negra, seguida pela discriminaode modo geral, que foi citada por 31% dos respon-dentes.5Esses dados so confirmados pelo PCERB

    (2008), que mostra que a percepo de que cor ouraa afetam as possibilidades de vida das pessoas generalizada no Brasil: 63,7% dos entrevistadosresponderam que acreditam que cor tem influnciana vida das pessoas, enquanto 33,5% a consideramirrelevante.

    Ao mesmo tempo, a maioria dos brasileirosacredita que o Brasil um exemplo nas questesde mistura racial, j que aqui no haveria conflitos

    etno-raciais como podem ser observados em outrospases. Ao analisarmos as respostas de surveys, ficaevidente que a maioria dos brasileiros parece acre-ditar que o Brasil um pas racialmente misturado,e que esse fato positivo. Tal crena, no entanto,no parece ter como consequncia lgica a percep-o de inexistncia de racismo e discriminao nopas, como j evidenciado pelos dados apresentadosanteriormente.

    Tabela 1

    Percepo de Preconceito por Cor Autoatribuda do Respondente

    (Quem voc acha que sofre maior preconceito no Brasil?)

    Total Branca Parda Preta

    Pretos/negros 56% 53% 58% 63%

    Pobres 21% 23% 19% 18%

    Homossexuais 8% 8% 9% 7%

    Deficientes Fsicos 3% 4% 3% 3%

    Fonte: Datafolha (2008).

    Tabela 2

    Percepo sobre Mistura de Raa por Cor Autoatribuda do Respondente

    (Concorda ou discorda: uma boa coisa do povo brasileiro a mistura de raas)

    Total Branca Parda Preta

    Concorda totalmente 76% 76% 78% 79%

    Concorda em parte 13% 12% 13% 12%

    Nem concorda nem discorda 2% 3% 2% 1%

    Discorda em parte 3% 3% 2% 2%

    Discorda totalmente 4% 5% 2% 3%

    No respondeu/no sabe 2% 2% 3% 3%

    Fonte: Datafolha (2008).

  • 7/26/2019 O Paradoxo Da Mistura

    9/18

  • 7/26/2019 O Paradoxo Da Mistura

    10/18

    126 REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 27 N 80

    vistados articulam suas opes de identificao ra-cial, suas percepes de discriminao e suas nar-rativas sobre fronteiras raciais no Brasil tanto associoeconmicas como as simblicas.

    Nas entrevistas aferimos a identificao racialdos nossos entrevistados a partir de trs formascomplementares: (i) inicialmente perguntvamosqual era a cor ou raa do entrevistado, o que nos

    informou a identidade racial espontnea, (ii) emseguida, perguntvamos a classificao racial deacordo com os critrios IBGE e, por fim, (iii) ques-tionvamos qual a cor dos pais. Essas identidadescombinaram-se de diferentes formas nas entrevis-tas: alguns entrevistados identificaram-se esponta-neamente como negros, e pretos de acordo como IBGE (65); outros espontaneamente como mo-renos/mulatos/pardos, e pardos de acordo com oIBGE (33). Outros, ainda, se identificaram comonegros, mas quando perguntados sobre sua classifi-

    cao de acordo com o ibge optaram por se identi-ficar como pardos (36).A partir de uma anlise mais qualitativa das

    entrevistas, exploraremos a seguir o que identifica-mos como trs diferentes formas de identificaoparda: a dos negros-pardos, a dos pardos-negros ea dos pardos-pardos. Neste momento, aqueles quese identificaram como negros e pretos s sero ana-lisados em contraste com a identificao parda. Deforma similar, como a grande maioria dos entrevis-

    tados afirmou ter pais de cores diferentes ou seja,um preto e outro pardo, um preto e um branco, ouum pardo e um branco trataremos dessa ques-to tangencialmente, apenas na medida em que elaafeta a percepo de identidade racial dos nossosentrevistados.

    Negros-pardos: Pardos como fato, negros como

    opo?O primeiro grupo que identificamos foi o da-

    queles indivduos que espontaneamente se identi-ficaram como negros, mas se classificaram comopardos de acordo com os critrios do IBGE. Paraesse grupo, a identificao como negro vista comouma opo ou como resultado de um processo deconscientizao, e a identificao como pardo vista quase como um fato objetivo. Nesse sentido,muitos entrevistados justificaram sua identificao

    racial como pardo, pois era a cor presente na certi-do de nascimento, outros fizeram aluso cor dapele para relatar que no eram to pretos/escurosassim, outros ainda destacaram o fato de terem umdos pais brancos. De todo modo, a identificaocomo pardo muito menos ressaltada (e mais as-sociada a fatores que os entrevistados julgam comoobjetivos) do que a identificao como negro, queaparece como a mais adequada para esse grupo deentrevistados.

    Tabela 4

    Distribuio dos Entrevistados por Identificao Racial Espontnea,

    Classificao do IBGE e classe econmica

    Classe Mdia Classe Trabalhadora

    Espontnea/IBGE Pardo Preto n/i Pardo Preto n/i TotalMoreno 1 2 3

    Mulato 2 1 3

    Negro 24 33 3 13 32 3 108

    Pardo 5 24 1 30

    Preto 11 2 13

    n/i 3 3

    Total geral 31 46 3 39 35 6 160

  • 7/26/2019 O Paradoxo Da Mistura

    11/18

    O PARADOXO DA MISTURA 127

    Nessa direo, a identificao racial negros--pardos pode ser bastante distinta daquela queobservamos nos entrevistados que se identificamcomo negros e pretos. Nesse caso, a maioria dosindivduos utiliza os termos negro e preto como

    se fossem intercambiveis. Alm do mais, umgrande nmero de entrevistados no aceitam orepertrio da negritude como tendo um signifi-cado para alm da cor da pele isto , recusamuma identidade cultural negra e reafirmam a ideiaque negritude deve ser entendida apenas como corda pele. A identificao negra desses entrevistadosaproxima-se da negritude sem a etnicidade descri-ta por Sansone (2003), uma vez que reafirmama recusa de fronteiras simblicas com brancos,mesmo que apresentem forte identificao como

    negros. A passagem a seguir ilustra bem esse posi-cionamento:

    Qual a sua cor?Preta. Se disser que tenho orgulho ou vergo-nha, pra mim no diz nada, porque no tenhoque ter nem orgulho nem vergonha daquiloque no tive participao. Eu tenho que terorgulho de coisas que tive participao. Pode-ria ter orgulho de ter um doutorado, que nemtenho, feito na Alemanha. . Foi difcil fazer?Foi. Tive problemas? Tive. Mas fiz. Poderia terorgulho disso. Mas devia ter porque foi umesforo meu. Agora, ter o nome Aleluia, por-que seu pai era isso e aquilo? No. No tiveparticipao nisso. Por que devo ter orgulhoou vergonha? No obstante reconhecer que oBrasil um pas extremamente preconceituo-so, no conheo no mundo um pas to pre-conceituoso como o Brasil. As pessoas dizemque no existe preconceito, isso balela. Voc

    deve saber disso. O preconceito existe, forte,s que muito velado. As pessoas que dizem oqu? Tem preconceito no Brasil tem reaesterrivelmente preconceituosas. Mas isso nosignifica nada pra mim, muito pelo contrrio.Levei a vida muito normal, mas sou preta, sounegra, no tenho nenhum problema em dizerque sou. At porque no posso negar, est nocabelo, na roupa, no jeito [pesquisadora emfsica, 63 anos].

    A estreita relao entre identificao racial e corda pele tambm aparece em dados de algumas pes-quisas, como a PESB (2003) e o PCERB (2008),nas quais a maioria dos entrevistados justifica suaopo de identificao racial sem problematiz-la,

    a partir da cor da pele.7Esse padro, no entanto,contrasta com o dos entrevistados que se identifica-ram como negros espontaneamente e como pardosde acordo com os critrios do IBGE. No caso dosnegros-pardos, a identificao como negro apre-sentada como uma opo consciente, e muitas ve-zes ideolgica.

    Especialmente entre os entrevistados de classemdia, foram muito comuns relatos de mudanasna forma de se identificar racialmente: indivduosque antes se identificavam como pardos ou more-

    nos, mas passaram a se identificar como negros. Emgeral, os entrevistados afirmaram que a identifica-o como negros se deu em paralelo mobilidadesocial ascendente, uma vez que com essa ascensosocial passaram a ter conscincia de fazerem partede uma minoria negra em um estrato social majori-tariamente branco.

    Um elemento trazido pelos entrevistados, eque auxilia a lanar luz sobre essa questo, foi orelato da disponibilidade de um novo repertriosobre negritude, que antes era inexistente. Algunsentrevistados, principalmente homens, enfatizaramque hoje ser negro parece estar na moda no Brasil.Esse novo repertrio permitiu que os entrevistadospassassem a valorizar determinados traos antesocultados, atravs, por exemplo, de cortes de cabeloe roupas de estilo africano. O que parece estar em

    jogo aqui a opo pela identidade cultural negrano lugar de outras:

    O que significa pra voc ser negra? Quando eu te

    perguntei no incio voc falou sou negra, mas deacordo com o ibge sou parda. O que a identidadenegra significa?Esta uma longa construo ... essa umalonga construo de identidade racial por-que a minha trajetria sempre me convidou aembranquecer, n? Pela minha histria fami-liar, a minha v era racista, minha v negra,baiana, era super racista e isso foi passado praminha me, pras minhas tias, [...] mais clara

  • 7/26/2019 O Paradoxo Da Mistura

    12/18

    128 REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 27 N 80

    n? Ter umas feies mais suaves, queixo, umnariz no to marcadamente negro. Na mi-nha infncia minha me alisava o meu cabelodesesperadamente, ou prendia. Ento, assim,essa identidade negra uma construo que

    eu posso dizer que est mais associada mi-nha vida adulta de soltar meu cabelo mesmo,de ter cabelo crespo assumido, comprido, [...]descabelada; de usar batom no meu bocoenorme de mulata; ... de at abraar a cul-tura, de no ter vergonha de falar de orix;de frequentar a escola de samba e ficar megasuada como ficam suados os pretos quandoouvem os tambores. Tudo isso uma cons-truo que durante muito tempo na minhavida eu reprimi, batom eu no usava, cabelo

    eu prendia. Ento, assim, a negritude ela foiconstruda, eu aprendi a valorizar isso [jorna-lista, 39 anos].

    Contudo, seria errneo afirmar que a opopela identidade negra uma identificao pura-mente simblica para o grupo de negros-pardos.Entre os entrevistados de classe mdia, a asso-ciao entre negritude e discriminao (princi-palmente em contextos de interaes annimas)tambm aparece como um fator marcante para aidentificao como e com negros, ponto analisa-do em outro trabalho (Silva e Reis, 2011). Nesseartigo, discutimos como a maioria dos incidentesde discriminao racial relatados por profissionaisnegros se relaciona a interaes impessoais em queo statusocupacional e socioeconmico dos entre-vistados questionado em funo da cor da pele.

    A experincia desses incidentes est diretamenteligada identificao como negros, uma vez quemuitos entrevistados afirmam que, apenas quando

    ascenderam socialmente e passaram a perceber adiferena e a discriminao, optaram por assumirsua negritude.

    Em resumo, no grupo de entrevistados ne-gros-pardos, majoritariamente composto por en-trevistados de classe mdia, a identificao racialcomo negros est diretamente vinculada a umprocesso de identificao a partir da conscienti-zao familiar, poltica ou cultural, alm de estarrelacionada com as experincias de discriminao

    racial. Essa relao entre nvel socioeconmico eidentificao como negro que encontramos emnossa amostra e que confirmada pela pesqui-sa Datafolha (2008), onde a grande maioria dosentrevistados que se classifica como negros possui

    ensino superior sugere que o repertrio sobrenegritude pode ter diferentes alcances, relaciona-dos com critrios socioeconmicos.

    Entre entrevistados da classe trabalhadora,por sua vez, a identificao como negro aparecemenos frequentemente. Em relao a esse grupo,a identificao como pardos tende a ser compre-endida de duas formas distintas: em um grupo conjugada a categorizao como negros emmomentos de discriminao racial (o grupo quechamamos de pardos-negros), e para outros indi-

    vduos a identificao como pardo est associada negao da discriminao racial (grupo que cha-mamos de pardos-pardos).

    Pardos, mas quase negros: pardos como fato, enegros como classificao?

    Uma das vantagens das entrevistas qualitativas a possibilidade de explorar as vrias facetas quea identificao racial pode ter. No caso das nossasentrevistas, identificamos alguns entrevistados queiniciaram a entrevista como pardos, mas ao longoda entrevista passaram a se identificar como ne-gros. Nesse grupo, quando questionados pelas suasidentificaes raciais espontneas e a partir das ca-tegorias do ibge, os entrevistados identificavam-secomo pardos e morenos. Em geral, essa identifica-o muda quando os entrevistados so questiona-dos sobre as experincias de discriminao racial. a sensao de injustia, racismo e discriminaoque desperta as menes espontneas sobre identi-

    ficao racial de negros:

    Pra voc o que explica o racismo?O racismo uma coisa interior de cada um,no tem explicao; o interior da pessoa. Apessoa, muitas das vezes, pode ser parda e sesentir uma pessoa negra, voc t de acordo co-migo? s ter uma pessoa mais clara que elaque ela vai se sentir negra [encarregado de ser-vios gerais, 51 anos].

  • 7/26/2019 O Paradoxo Da Mistura

    13/18

    O PARADOXO DA MISTURA 129

    A maioria das referncias negritude nes-te grupo de identificao tanto racial quantosocial com os negros. Parece, contudo, princi-palmente entre os entrevistados mais jovens, queum novo repertrio sobre negritude comea a es-

    tar disponvel e possa ter influenciado a mudanade identidade racial ao longo da entrevista, justa-mente quando o entrevistado requisitado a ela-borar de forma mais profunda diversas questes.Para esse grupo, no entanto, menos frequentea afirmao de que ser negro est na moda, mas recorrente uma afirmao do orgulho de ser ne-gro, mesmo que o entrevistado no tenha muitaclareza dos motivos:

    E o que significa pra voc ser negra, parda? Como

    voc se define?Tenho orgulho. Tenho orgulho do meu pai serpreto, de eu ser parda. De ser filha de negra,neta de negra. Tenho orgulho. Quero que osmeus filhos se orgulhem disso tambm [assis-tente administrativa, 32 anos].

    Em muitos sentidos esse grupo de entrevista-dos aproxima-se dos pretos-negros da classe traba-lhadora. Para ambos os grupos a identidade racials problematizada em momentos de discrimina-o racial. A experincia de discriminao racial fazcom que os dois grupos se aproximem ao se senti-rem estigmatizados em oposio aos brancos. Umahiptese para interpretar esse dado que o repert-rio disponvel para se falar de discriminao racialno Brasil faz uso do termo negro, e no dos termospardo ou no branco. Dessa forma, ao falarem so-bre discriminao, ou definirem sua identidade ra-cial a partir da discriminao, os entrevistados queinicialmente se identificaram como pardos, passam

    a se ver como os negros.

    E como que voc se v como pardo na nossa so-ciedade?Eu me vejo na parte negra, de repente, se tiverde sofrer algum tipo de preconceito dessas pes-soas que tem, eu vou sofrer porque eu fao par-te da parte negra. Se for uma pessoa que tem opreconceito sobre a raa negra, a pessoa negra,vai ter comigo tambm [segurana, 31 anos].

    Em suma, para o grupo de pardos-negros, serpardo est relacionado com a cor da pele, o regis-tro da certido de nascimento, ou ter um dos paisbrancos quase um fato objetivo. Ser negro, porsua vez, est associado a ser discriminado e a re-

    conhecer os episdios de discriminao racial. exatamente a ausncia do reconhecimento da dis-criminao racial que separa o grupo de pardos--negros do prximo grupo que identificamos, ospardos-pardos.

    Pardos, mas negros de to pobres?

    Esse grupo de entrevistados define-se de formaconsistente como pardos ao longo de toda a entre-vista. Se, de um lado, a identificao como pardo

    tida como um fato dado pela certido de nascimen-to e pela mistura racial (como tambm observamosnos outros dois grupos), de outro, esses entrevista-dos tambm enfatizam a diferena entre ser pardoe ser negro:

    O que significa ter essa cor pra voc, ser parda?Uma mistura de morena com branca. Enten-deu? Porque a cor, ela no nem branca nemmorena. Ela fica na meia estao. Por qu? Por-que a parda te facilita. Voc pode ficar bran-ca, como eu to agora, e quando voc for napraia pegar um bronze voc fica moreninha.Essa a facilidade da parda. Porque eu j fuimais bronzeada. Ento as pessoas falavam Ah,voc moreninha!. Como se voc for olharpra minha filha, voc no diz que ela minhafilha. Ela no tem a minha cor. Ela j maismorena que eu. Ou seja, voc olha pra mime pensa Ah no. Voc no dessa cor. Masrealmente. A t l escrito no meu registro: par-

    da. Minha me at perguntou U? Por queparda? Por que no morena, ou branca, ou pre-ta. Entendeu? Mas no, parda. Mas eu graasa Deus eu nunca tive problema com relao discriminao, desrespeito. Nada disso [digita-dora, 43 anos].

    Entre os entrevistados que se definem comopardos-pardos, possvel notar certa resistncia identificao como negro o que poderia ser inter-

  • 7/26/2019 O Paradoxo Da Mistura

    14/18

    130 REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 27 N 80

    pretado como um suporte para a tese sobre a aliena-o dos pardos presente na literatura. No entanto,de forma mais consistente entre os nossos entrevis-tados, o que identifica esse grupo a percepo deque no sofrem discriminao racial. A passagem a

    seguir caracterstica desse entendimento:

    Voc acha que existe racismo no Brasil com as pes-soas pardas? Voc acha que elas sofrem algum tipode racismo?Quem sofre mais racismo o negro. [...] Tembranco que no suporta negro, e negro que nosuporta branco. [...] Eu estou ali no meio ttranquilo, caf com leite [motorista, 25 anos].

    Entre os pretos-negros e pardos-negros a dis-

    criminao racial mais central, por mais quemuitas vezes a discriminao racial se sobreponha socioeconmica. a percepo da discriminaosocial que une os trs grupos. Mas, para o grupo depardos-pardos, as fronteiras rgidas so socioecon-micas, principalmente em relao aos brancos ricos,tipicamente da zona sul carioca. Os brancos po-bres, ou menos favorecidos, portanto, no so vis-tos como um grupo distinto, mas sim unidos comos pardos pela situao socioeconmica parecida.Em geral, a desigualdade socioeconmica apareceucomo a mais forte e mais marcante nas entrevis-tas, mas no caso dos pardos-pardos muitas vezes elaapareceu negando a importncia da desigualdaderacial. Mesmo entre alguns pardos de classe mdia,foi possvel encontrar essa nfase na desigualdadesocioeconmica:

    Voc acha que existe desigualdade entre negros ebrancos?No, acho que no. Acho que no Brasil o cara

    no negro e branco, rico e pobre. A se-gregao nossa aqui econmica, a classedominante e os outros que no esto na esferadessa classe. Eu no me lembro de nenhumexemplo de um negro l (nessa classe), noBrasil no tem. Mas, a classe dominante vemde famlias europeias, os grandes grupos aquino Brasil so todos brancos. Mas a diferen-a no essa aqui. a barreira que separa ocara pobre para chegar na esfera de cima. A

    por conta do prprio estudo, deficitrio, queele no consegue... hoje se tenta resolver comcotas, mas no a soluo. A prpria fam-lia do cara... o processo um negcio total, afamlia d a base tambm, ento ele no est

    numa famlia que d essa outra base alm daescola, no adianta. Se ele conhece outro, ase motiva a se adaptar quele outro. o queaconteceu comigo tambm... uns morreram,viraram bandidos... por que ali no Catumbi,n? Porque ficaram no mesmo ambiente ali,n... eu. Talvez porque tenha sado um poucodali tenha conseguido sobreviver nesse esque-ma a [economista, 53 anos].

    Atravs de entrevistas impossvel dizer se

    a ausncia de relato sobre discriminao racial sedeve a uma falta de conscincia ou hegemonia dorepertrio sobre diferenas de classe no Brasil. Oque nossos resultados ilustram que a identifica-o como e com os negros est diretamente ligada percepo da discriminao racial. Neste ltimogrupo de pardos-pardos, a ausncia dessa percepoparece levar os entrevistados a priorizarem as fron-teiras socioeconmicas e, em alguns casos, a nega-rem as fronteiras raciais.

    Notas (in)conclusivas

    Neste artigo procuramos explorar como aperspectiva dos brasileiros pardos pode colabo-rar para o estudo das relaes raciais no Brasil.

    A partir da situao paradoxal em que os pardoshistoricamente compartilham uma situao socio-econmica parecida com a dos pretos, mas siste-maticamente identificam menos discriminao ra-

    cial do que esse grupo, buscamos analisar como ofoco nos pardos permite analisar questes relativastanto classificao racial quanto mensuraoda discriminao, a partir de uma perspectiva ain-da pouco explorada.

    Com base em nossa anlise foi possvel le-vantar algumas questes relevantes para o estudodas relaes raciais brasileiras. O primeiro pon-to que, embora pretos e partos compartilhemsituaes socioeconmicas parecidas, no cons-

  • 7/26/2019 O Paradoxo Da Mistura

    15/18

    O PARADOXO DA MISTURA 131

    tituem um grupo homogneo na sua perceposobre a realidade racial brasileira. Dessa forma,ainda que o uso da categoria negros ou no bran-cos seja relevante para destacar a permannciadas desigualdades raciais, pretos e pardos tm

    percepes raciais diferentes e identificam fron-teiras simblicas e econmicas em relao aosbrancos de formas distintas.

    Segundo, os pardos no so simplesmentemenos negros (ainda que alguns se definam comopardos porque no brancos e no negros). A mul-tiplicidade de significados que a identidade pardapode ter ainda precisa ser explorada. Neste trabalholevantamos algumas possibilidades de como a iden-tidade parda e a identidade negra podem se recon-ciliar, mas estamos cientes de que foi um exerccio

    ainda preliminar. Parece-nos especialmente interes-sante verificar de forma mais precisa como as fron-teiras socioeconmicas afetam essa questo.

    Uma terceira questo diz respeito relaoentre mistura racial e discriminao. Ao se iden-tificarem como pardos, muitos entrevistados es-to enfatizando a sua origem misturada, e muitosapontam isso como uma caracterstica positiva doBrasil e de suas experincias (Silva e Reis, 2012).

    A identificao de pardo como misturado, no en-tanto, no impede que os entrevistados pardos,pretos e negros identifiquem e denunciem a dis-criminao racial, muitas vezes optando pela iden-tificao como negros.

    Nossos resultados mostram que o repertrioda negritude no Brasil pode ser reconciliado coma identificao como pardo a partir de duas verten-tes. Por um lado, a partir de um vis mais cultura-lista, cabe enfatizar a disponibilidade de um novorepertrio para identificao da negritude comodiferena, que pode estar influenciando a identifi-

    cao simultnea como pardo e negro, sem que essamltipla identificao racial aparea como contra-ditria para quem a adota. Por outro lado, que se-ria uma vertente mais estruturalista, importantepriorizar a relao entre categorizao e discrimi-nao, isto , as formas como a categorizao comonegro afeta a identificao dos pardos em situaesde discriminao racial.

    Nos dois casos, a identificao como negroparece ser fortalecida como categoria de anlise

    e explicao da realidade racial brasileira, mesmoque sem excluir a realidade da mistura racial. Nocaso dos pardos que recusam a identificao comonegros, o repertrio hegemnico ainda o da de-sigualdade e da discriminao social como sendo

    superior e mesmo excludente da desigualdade e dadiscriminao racial. No nossa inteno julgarse a razo desse entendimento seria um sinal dealienao ou de bom senso. Acreditamos, contu-do, que a identidade parda merece ser examinadacom mais cuidado, j que parece englobar umaparte considervel (e talvez crescente) da popula-o brasileira.

    Notas

    1 A partir de 1950 tambm foi includa a categoria ama-rela e, em 1990, a categoria indgena. Como essas duascategorias representam um percentual muito pequenoda populao, no sero analisadas neste trabalho.

    2 Surveynacional com mil casos conduzido em agostode 2010. Esse survey parte de um estudo compa-rativo sobre relaes tnico-raciais no Brasil, Mxico,Colmbia e Peru, financiado pela Fundao Ford, co-ordenado internacionalmente por Edward Telles e noBrasil por Marcelo Paixo e Graziella Moraes Silva.

    3 Cada entrevistado poderia fornecer at dois contatospara a entrevista de forma a permitir uma maior va-riao da amostra.

    4 O recrutamento da empresa foi feito na rua em bair-ros da zona norte do Rio de Janeiro.

    5 Resposta mltipla, p. 31, Datafolha (2008).

    6 No survey Datafolha os pretos relatam sistematica-mente mais do que os pardos terem experimentadodiscriminao devido cor. Para a pergunta referentea (i) conseguir algum trabalho, 6% dos pardos e 21%dos pretos dizem que sim; (ii) receber alguma promo-o, 4% dos pardos e 12% dos pretos dizem que sim;(iii) comprar ou alugar alguma casa, 3% dos pardose 8% dos pretos afirmam que sim; e (iv) estudar emalguma escola, 4% dos pardos contra 10% dos pretosdizem que sim.

    7 No PCERB (2008), 55% dos entrevistados afirma-ram que cor da pele a dimenso mais relevante paraa definio de cor ou raa, seguidos de 15,4% queafirmaram serem os traos fsicos, 13% a origem fa-miliar e 8,5% a origem socioeconmica.

  • 7/26/2019 O Paradoxo Da Mistura

    16/18

    132 REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 27 N 80

    BIBLIOGRAFIA

    ALBERTI, Verena & Pereira, Amilcar Araujo.(2007), Histrias do movimento negro no Brasil:depoimento ao CPDOC. Rio de Janeiro, FGV.

    ALMEIDA DOS REIS, Eneida. (2002), Mulato:negro-no-negro e/ou branco-no branco. SoPaulo, Altana.

    APPELBAUM, Nancy P.; Macpherson, Anne S. &Rosemblatt, Karin Alejandra. (2003), Intro-duction: racial nations, in (eds.),Race and nation in modern Latin America. Cha-pell Hill NC, The University of North Caroli-na Press.

    BAILEY, Stan, Mara Loveman & Muniz, Jeronimo.(2009), The measure of race and the estima-

    tion of racial inequality. Trabalho apresentadona Associao Nacional de Ps-Graduao emCincias Sociais (Anpocs).

    BARTH, Fredrik. (1969), Ethnic groups and boun-daries: the social organization of culture differen-ce. Results of a symposium held at the Univer-sity of Bergen, 23rd to 26th February 1967.Bergen/London, Universitetsforlaget/Allen &Unwin.

    DADESKY, Jacques. (2001), Racismo e anti-racis-

    mo no Brasil. Rio de Janeiro, Pallas.

    DATAFOLHA. (2008), Racismo confrontado.Folha de S. Paulo, 23 nov.

    DEGLER, Carl. (1971), Neither black nor white:slavery and race relations in Brazil and the Uni-ted States. Nova York, Macmillan.

    FERNANDES, Florestan. (1965),A integrao donegro na sociedade de classes. So Paulo, Domi-nus.

    FRY, Peter. (2005),A persistncia da raa: ensaiosantropolgicos sobre o Brasil e a frica Austral.

    Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira.FRY, Peter & Maggie, Yvonne. (2007), Divises pe-rigosas: polticas raciais no Brasil contemporneo.Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira.

    HANCHARD, Michael George. (1994), Orpheusand power : the movimento negro of Rio de Janei-ro and So Paulo, Brazil, 1945-1988. Prince-ton, N.J., Princeton University Press.

    HARRIS, Marvin; Consorte, Josildeth; Lang, Jo-seph & Byrne, Bryan. (1993), Who are the

    whites? Imposed census categories and the ra-cial demography of Brazil. Social Forces, 72:451-462.

    HASENBALG, Carlos Alfredo. (1979), Discrimi-nao e desigualdades raciais no Brasil. Rio de

    Janeiro, Graal.HASENBALG, Carlos & SILVA, Nelson do Val-

    le e (1999), Educao e diferenas raciais namobilidade ocupacional, in C. Hasenbalg,Nelson do Valle Silva e Marcia Lima (orgs.),Cor e estratificao social, Rio de Janeiro, Con-tracapa.

    IPEA. (2008), Retratos das desigualdades. Bras-lia, Ipea.

    LAMONT, Michle. (2011), Ordinary peopledoing extraordinary things: responses to stig-

    matization in comparative perspective. Ethnicand Racial Studies, 35: 365-381.

    LAMONT, Michele & Molnr, Virg. (2002),The study of boundaries in the social scien-ces.Annual Review of Sociology, 28: 167-195.

    MATTOS, Hebe. (2006), Pretos and pardos be-tween the cross and the sword: racial categoriesin Seventeenth Century Brazil. Revista Euro-

    pea de Estudios Latinoamericanos y del Caribe,80: 43-55.

    MUNANGA, Kabengele. ([1999] 2008), Redis-cutindo a mestiagem no Brasil: identidade na-cional versus identidade negra. Belo Horizonte,

    Autntica.OLIVEIRA, Joo Pacheco de. (1999), Entrando

    e saindo da mistura: os indgenas nos censosnacionais, in (org.), Ensaios emantropologia histrica, Rio de Janeiro, Editorada UFRJ, pp. 124-154.

    OSORIO, Rafael. (2004), Mobilidade social dosnegros no Brasil. Texto para discusso 1033,

    Braslia, Ipea.. (2008), Is all socioeconomic inequa-lity among racial groups in Brazil caused byracial discrimination?. International PovertyCentre Working Paper, 43.

    PAGER, Devah. (2006), Medir a discriminao.Tempo Social, 18: 65-88.

    PAIXO, Marcelo & Carvano, Luiz. (2008), Re-latrio anual das desigualdades raciais no Bra-sil, 2007-2008. Rio de Janeiro, Garamond.

  • 7/26/2019 O Paradoxo Da Mistura

    17/18

    O PARADOXO DA MISTURA 133

    PCERP. (2008), Categorias etno-raciais da popu-lao, IBGE.

    PETRUCCELLI, Jos Luis. (2000), A cor deno-minada. Instituto Brasileiro de Geografia eEstatstica, texto para discusso, 3.

    RISRIO, Antonio. (2007),A utopia brasileira e osmovimentos negros. So Paulo, Editora 34.

    SANSONE, Livio. (2003), Blackness without eth-nicity: constructing race in Brazil. Nova York,Palgrave MacMillan.

    SILVA, Graziella Moraes Dias & Reis, Elisa P.(2011), Perceptions of social mobility, ine-quality and racial discrimination among blackprofessionals in Rio de Janeiro. Latin Ameri-can Research Review, 46: 55-78.

    SILVA, Graziella Moraes Dias & Reis, Elisa P.

    (2012), The multiple dimensions of racialmixing. Ethnic and Racial Studies, 35 (3):382-399.

    SILVA, Nelson do Valle. (1979), White-non-whi-te income differentials: Brazil. Ann Arbour,PhD Thesis, Sociology, Michigan.

    SKIDMORE, Thomas. (1990), Racial ideas andsocial policy in Brazil, 1870-1940, in R.Graham (ed.),The idea of race in Latin Ame-rica, 1870-1940. Austin, University of TexasPress. pp. 7-36.

    SMALL, Mario. (2009), How many cases do ineed? On science and the logic of case selec-tion in field-based research. Etnography, 10:5-38.

    SOUZA, Neusa Santos. (1983), Tornar-se negro.Rio de Janeiro, Graal.

    VASCONCELOS, Jos & Mac Gregor, GenaroFernndez. (1942), Jos Vasconcelos. Mxico,Ediciones de la Secretara de Educacin Pbli-ca.

    VRAN, Jean-Franois. (2010), Nao mestia:as polticas tnico-raciais vistas da periferia deManaus. Dilemas: Revista de Estudos de Confli-to e Controle Social, 3: 21-60.

    VIANA, Oliveira. (1922), Populaes meridionaesdo Brasil: histria, organizao, psycologia. SoPaulo, Monteiro Lobato.

  • 7/26/2019 O Paradoxo Da Mistura

    18/18

    RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMS 255

    O PARADOXO DAMISTURA: IDENTIDADES,DESIGUALDADES E PERCEPODE DISCRIMINAO ENTREBRASILEIROS PARDOS

    Graziella Moraes Silvae Luciana T. de Souza Leo

    Palavras-chave: Pardos; Identidade ra-cial; Discriminao; Desigualdade racial;Mistura racial.

    Um elemento central, mas pouco dis-cutido, no debate sobre relaes raciaisno pas a perspectiva dos brasileirospardos a identificao etno-racial quemais cresceu nos ltimos censos. Histo-ricamente os pardos compartilham umasituao socioeconmica parecida com a

    dos pretos, mas identificam de maneirasistemtica menos discriminao ra-cial do que esse grupo. O foco sobre aspercepes dos pardos permite explorarduas questes centrais das relaes ra-ciais brasileiras, a identificao racial e amensurao da discriminao, a partir deuma perspectiva pouco explorada. Paraisso, utilizamos dados de surveye anali-samos entrevistas semiestruturadas comentrevistados que se identificam comopardos mtodo que permite priorizarsuas percepes, estratgias e definies

    de fronteiras raciais e simblicas.

    THE PARADOX OF MIXING:IDENTITIES, INEQUALITIES

    AND PERCEPTIONS OFDISCRIMINATION AMONGBRAZILIAN BROWNS

    Graziella Moraes Silvaand Luciana T. de Souza Leo

    Keywords: Browns; Racial identification;Discrimination; Racial inequality; Racialmixture.

    A key but understudied element of Bra-zilian race relations is the perspective ofthose who are identified as brown, theethno-racial identification that has in-creased the most in the last Censuses.Historically, Brazilian browns share withblacks a lower socioeconomic status, but

    systematically perceive less racial dis-crimination when compared to them.The focus on the perceptions showed bythe browns allow us to analyze two keyissues of Brazilian race relations, racialidentification and the measurement ofdiscrimination, from an original perspec-tive. In order to follow this path, we relyon survey data as well as on in-depth in-terviews with people who are identifiedas brown according to Brazilian censuscategories, exploring their perceptions,strategies and definitions of racial and

    symbolic boundaries.

    LE PARADOXE DU MLANGE: LESIDENTITS, LES INGALITS ETLA DISCRIMINATION PERUEPARMI LES MULTRES DUBRSIL

    Graziella Moraes Silvaet Luciana T. de Souza Leo

    Mots-cls: Multres; Identification ra-ciale; Discrimination raciale; Ingalitraciale; Mlange racial.

    Un lment central mais peu discut dansle dbat sur les relations raciales brsi-liennes est la perspective de multres,groupe ethnique et racial qui a le plusaugment lors des derniers recensements.Historiquement, les multres partagent unstatut socio-conomique similaire celui

    des Noirs, mais ils identifient systmati-quement souffrir moins de discriminationraciale que cet autre groupe. Laccent missur les perceptions des multres nous per-met dexplorer deux questions centralesdes relations raciales au Brsil: lidentifica-tion raciale et la mesure de la discrimina-tion, partir dun point de vue rarementexploit. Nous utilisons pour cela desdonnes provenant denqutes nationaleset nous analysons des entretiens semi-structurs avec des personnes qui sidenti-fient en tant que multres une mthode

    qui permet de prioriser leurs perceptions,leurs stratgies et leurs dfinitions desfrontires raciales et symboliques.