o papel do reconhecimento do acaso no raciocínio indutivo (*) · cidem com a resposta...

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Uma das mais importantes actividades de re- solução de problemas em que as pessoas normal- mente se envolvem é o raciocínio indutivo. Ou seja, chegar a proposições gerais a partir de pro- posições particulares. Genericamente, considera-se que o raciocínio indutivo, para ser correcto, deve satisfazer certos princípios estatísticos. Por exemplo, devemos ter mais confiança em generalizações baseadas num grande número de instâncias (desde que estas instâncias constituam uma amostra representa- tiva da população) do que em generalizações ba- seadas num número pequeno de instâncias. Dado o carácter central do raciocínio indutivo no quotidiano de todos nós, é no mínimo pertur- bador verificar que muita da investigação psico- lógica neste domínio indica que as pessoas, face a tarefas de escolha ou tomada de decisão em si- tuações de incerteza, usam heurísticas (processos simplificados de decisão) que não satisfazem os princípios estatísticos requeridos. De facto, a li- nha de investigação iniciada por Tversky e Kah- neman (1971, 1973, 1974; para uma revisão ver Einhorn & Hogarth, 1981; Kahneman, Slovic, & Tversky, 1982; Nisbett & Ross, 1980; Sherman & Corty, 1984), mostra que as heurísticas corres- pondem a processos de decisão altamente efici- entes que frequentemente levam a respostas que se conformam com princípios estatísticos. Mas, noutros circunstâncias, levam a erros e enviesa- mentos. Veja-se o caso da heurística da represen- tatividade (a mais estudada das heurísticas pro- postas por Tversky e Kahneman). De acordo com esta heurística, a probabilidade de uma ins- tância A pertencer a uma categoria B é tanto maior quanto maior for a semelhança entre A e B. Em certas circunstâncias, semelhança e pro- babilidade estatística estão positivamente corre- lacionadas. Sempre que tal aconteça a heurística da representatividade leva a respostas que coin- cidem com a resposta estatística. Por outro lado, esta heurística negligencia de forma consistente a informação estatística relevante para a resolu- ção adequada de problemas indutivos (por exem- plo, o tamanho das amostras, os Base-Rates, etc.), o que leva a erros e enviesamentos sistemá- ticos e característicos. No início dos anos 80, Nisbett, Krantz, Jepson e Kunda (1983), embora reconhecendo que as di- versas heurísticas identificadas por Tversky e 353 Análise Psicológica (2003), 3 (XXI): 353-373 O papel do reconhecimento do acaso no raciocínio indutivo (*) MÁRIO BOTO FERREIRA (**) LEONEL GARCIA-MARQUES (**) (*) Este artigo baseia-se na dissertação de Mestrado em Psicologia Cognitiva do primeiro autor sob orien- tação do segundo autor. Qualquer questão relativa ao artigo deve ser dirigida [email protected] (**) Faculdade de Psicologia e de Ciências da Edu- cação da Universidade de Lisboa.

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Uma das mais importantes actividades de re-solução de problemas em que as pessoas normal-mente se envolvem é o raciocínio indutivo. Ouseja, chegar a proposições gerais a partir de pro-posições particulares.

Genericamente, considera-se que o raciocínioindutivo, para ser correcto, deve satisfazer certosprincípios estatísticos. Por exemplo, devemos termais confiança em generalizações baseadas numgrande número de instâncias (desde que estasinstâncias constituam uma amostra representa-tiva da população) do que em generalizações ba-seadas num número pequeno de instâncias.

Dado o carácter central do raciocínio indutivono quotidiano de todos nós, é no mínimo pertur-bador verificar que muita da investigação psico-lógica neste domínio indica que as pessoas, facea tarefas de escolha ou tomada de decisão em si-tuações de incerteza, usam heurísticas (processossimplificados de decisão) que não satisfazem os

princípios estatísticos requeridos. De facto, a li-nha de investigação iniciada por Tversky e Kah-neman (1971, 1973, 1974; para uma revisão verEinhorn & Hogarth, 1981; Kahneman, Slovic, &Tversky, 1982; Nisbett & Ross, 1980; Sherman& Corty, 1984), mostra que as heurísticas corres-pondem a processos de decisão altamente efici-entes que frequentemente levam a respostas quese conformam com princípios estatísticos. Mas,noutros circunstâncias, levam a erros e enviesa-mentos. Veja-se o caso da heurística da represen-tatividade (a mais estudada das heurísticas pro-postas por Tversky e Kahneman). De acordocom esta heurística, a probabilidade de uma ins-tância A pertencer a uma categoria B é tantomaior quanto maior for a semelhança entre A eB. Em certas circunstâncias, semelhança e pro-babilidade estatística estão positivamente corre-lacionadas. Sempre que tal aconteça a heurísticada representatividade leva a respostas que coin-cidem com a resposta estatística. Por outro lado,esta heurística negligencia de forma consistentea informação estatística relevante para a resolu-ção adequada de problemas indutivos (por exem-plo, o tamanho das amostras, os Base-Rates,etc.), o que leva a erros e enviesamentos sistemá-ticos e característicos.

No início dos anos 80, Nisbett, Krantz, Jepsone Kunda (1983), embora reconhecendo que as di-versas heurísticas identificadas por Tversky e

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Análise Psicológica (2003), 3 (XXI): 353-373

O papel do reconhecimento do acaso noraciocínio indutivo (*)

MÁRIO BOTO FERREIRA (**)LEONEL GARCIA-MARQUES (**)

(*) Este artigo baseia-se na dissertação de Mestradoem Psicologia Cognitiva do primeiro autor sob orien-tação do segundo autor. Qualquer questão relativa aoartigo deve ser dirigida [email protected]

(**) Faculdade de Psicologia e de Ciências da Edu-cação da Universidade de Lisboa.

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Kahneman têm um importante papel no raciocí-nio indutivo, argumentaram que por vezes aspessoas baseiam as suas inferências em intuiçõesque respeitam princípios estatísticos. Ou seja,paralelamente às heurísticas não estatísticasdescritas por Kahneman e Tversky, Nisbett e co-laboradores consideram a existência de heurís-ticas estatísticas. As heurísticas estatísticas po-dem igualmente considerar-se regras simplifica-das de tomar decisões de elevada eficiência que,no entanto, revelam intuição estatística. Porexemplo, o ditado «não se deve julgar um livropela sua capa» é eventualmente revelador da in-tuição estatística de que julgamentos baseadosem pequenas amostras (a informação veiculadapela capa) são pouco fidedignas para concluirsobre uma população (a informação veiculada nolivro).

De facto, durante a década de 80, Nisbett ecolaboradores desenvolveram um esforço de in-vestigação sistemático não só no sentido demostrar que as pessoas por vezes raciocinam re-correndo a princípios estatísticos, mas sobretudocom o objectivo de determinar em que circuns-tâncias as pessoas demonstram sensibilidade avariáveis de natureza estatística; até que pontoserá possível promover o uso de heurísticas esta-tísticas através do treino formal; em que domí-nios é que o raciocínio estatístico é mais ou me-nos provável de ocorrer; que factores facilitamou dificultam o raciocínio indutivo baseado emprincípios estatísticos; etc. (ver Nisbett, 1993,para uma revisão).

No que diz respeito aos factores influentes naqualidade (estatística ou não estatística) do racio-cínio indutivo humano, é importante notar que ainterpretação e resolução de qualquer situaçãoque envolva acaso ou incerteza (como é tipica-mente o caso nos problemas indutivos) implicaum raciocínio baseado em princípios estatísticos.Assim, pode pensar-se que os erros e enviesa-mentos de julgamentos caracterizados porTversky, Kahneman e outros psicólogos (verGilovich, Griffin & Kahneman, 2002; Nisbett &Ross, 1980; Sherman & Corty, 1984; Tversky &Khaneman, 1974; Khaneman, Slovic & Tversky,1982) passam pela dificuldade manifesta daspessoas em reconhecer a componente aleatóriaenvolvida nos vários domínios sociais do quoti-diano, comprometendo-se assim o uso das heu-rísticas estatísticas.

O principal objectivo do presente trabalho éjustamente uma tentativa de verificar até queponto tarefas de facilitação do reconhecimentoda componente aleatória de eventos associados adiversos domínios sociais levam a uma melhoriado desempenho dos sujeitos, na resolução deproblemas indutivos.

Nisbett, Krantz, Jepson e Kunda (1983) con-sideram que a uniformidade do comportamentodos sujeitos em experiências sobre raciocínio in-dutivo realizadas até ao fim dos anos 70, em queinvestigadores como Tversky e Kahneman(1971, 1973, 1974; Kahneman & Tversky, 1972)não encontram qualquer evidência de aplicaçãode princípios com a Lei dos grandes Números,Regressão à Média ou consideração de «Base-Rates», não implica que o ser humano não possaraciocinar de acordo com (alguns destes) princí-pios estatísticos. O que parece, em grande me-dida, estar subjacente à proliferação do uso dasheurísticas não estatísticas são factores como afalta de clareza do «espaço» da amostra e doprocesso de obtenção desta amostra (que consti-tui a informação de partida do sujeito). Diz-seque o «espaço» de uma amostra é claro quando éfácil perceber quais são as possibilidades de umensaio ou acontecimento. Por exemplo, o «espa-ço» da amostra de lançamentos de um dado éóbvio, pois um dado tem seis faces, ou seja seisresultados ou acontecimentos possíveis. Por ou-tro lado, o dado pode ser lançado repetidamente,o que torna fácil para as pessoas conceptualiza-rem a observação de um conjunto de lançamen-tos do dado como uma amostra duma população(infinita) de lançamentos. Ou seja, o processo deobtenção da amostra é igualmente claro. Em do-mínios sociais, o espaço da amostra e processode obtenção da mesma são frequentemente obs-curos e difíceis de conceptualizar. É o caso da«ilusão da entrevista» (Tversky & Kahneman,1974). Na área do recrutamento e selecção depessoal, diversos técnicos (muitos deles psicólo-gos) desenvolvem uma crença claramente envie-sada relativamente à validade de uma entrevistacomo prova de selecção (eventualmente baseadana heurística da representatividade). Esta ilusãoexiste porque as pessoas têm dificuldade em re-conhecer os resultados de uma entrevista comouma pequena amostra do comportamento do en-trevistado. Esta informação é, na maioria das ve-

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zes, pouco credível para extrair inferências sobrea sua personalidade, motivação, etc. (dada acomponente de erro associada à variabilidade docomportamento humano). Em vez disto e deacordo com o uso da heurística da representati-vidade, muitos técnicos consideram os resultadosda entrevista como um «esboço» ou «hologra-ma» do entrevistado que leva a uma confiançaexcessiva nesta técnica de selecção.

Um segundo aspecto que concorre para o usomais ou menos generalizado das heurísticas nãoestatísticas prende-se com o reconhecimento daoperação de factores de acaso. Este reconheci-mento está especialmente facilitado quando nosreferimos ao funcionamento de um qualqueraparelho que produza eventos aleatórios. É o ca-so da roleta, dos números do totoloto, etc. No en-tanto, é provável que na maioria das actividadessociais, seja mais difícil reconhecer a presençade uma componente de variabilidade não expli-cável através duma análise causal. A insensibi-lidade ao fenómeno de regressão à média em di-versos domínios sociais é um bom exemplo dadificuldade em reconhecer que existe uma com-ponente de incerteza em muitas das circunstân-cias do nosso quotidiano. Por exemplo, após aobtenção de um resultado muito elevado numteste escolar (acima da média dos resultados nor-malmente obtidos pelo estudante em causa) émais provável a obtenção de resultados futurosque se aproximem ou regridam para a média (dodesempenho do aluno), do que a obtenção de re-sultados igualmente ou mais elevados. Este é umfenómeno estatístico que se prende justamentecom variações de resultados devido a factoresimprevisíveis (por exemplo, uma coincidênciafeliz entre o que o aluno estudou e o que saía pa-ra o teste, sorte nas respostas de escolha múlti-pla, etc.). No entanto, dada a insensibilidade quemuitas vezes manifestam aos factores de acaso,as pessoas tendem considerar quaisquer resulta-dos altamente preditivos dos futuros resultados(independentemente de serem mais ou menosextremos). Por isto, a regressão à média é nor-malmente interpretada como uma mudança (nodesempenho dos alunos) que requer uma expli-cação determinística.

Em suma, a universalidade dos enviesamentosinferenciais anteriormente obtidos parece estarrelacionada com o facto de os problemas apre-sentados aos sujeitos serem, em geral, particular-

mente difíceis (problemas em relação aos quaisos próprios investigadores por vezes sentem di-ficuldades) no sentido em que é difícil reconhe-cer a componente de acaso envolvida.

Curiosamente, a abordagem das heurísticas eenviesamentos originalmente proposta porTversky e Khaneman (1974) nunca considerou a«dificuldade» dos problemas indutivos comouma condição-limite de aplicação das heurísticasnão estatísticas. De acordo com os autores, estasheurísticas resumem a natureza do raciocínio in-dutivo humano e portanto deveriam ser igual-mente usadas tanto em problemas «difíceis» co-mo em problemas mais «fáceis». Ora tal não severifica. Usando problemas com diferentes grausde dificuldade (com «espaços» de amostragemmais claros e maior saliência da componente deacaso), Nisbett, Krantz, Jepson e Kunda (1983)verificaram que o uso de conceitos estatísticos(mesmo na ausência de treino formal em estatís-tica): a) não é nem raro, nem universal (a suafrequência varia em função do grau de dificulda-de do problema); b) varia consistentemente entreindivíduos e; c) está correlacionado com outrasaptidões mentais.

Ao admitir que as pessoas possuem algumaintuição para princípios estatísticos admite-setambém a possibilidade de melhorar o desempe-nho das pessoas (no que diz respeito ao uso efi-caz destes princípios estatísticos) através de pro-cedimentos relativamente formais de treino cujosefeitos se manifestam ao nível da representaçãoabstracta que as pessoas possuem destes princí-pios estatísticos. Fong, Krantz e Nisbett (1986),mostraram que o treino em estatística (treino for-mal e/ou resolução de problemas referentes acertos domínios do quotidiano – ex. desporto)influencia fortemente a maneira como as pessoasraciocinam sobre acontecimentos do dia-a-diaque envolvam incerteza, e que este treino setransfere para outros domínios para lá do do-mínio do treino. No entanto, estes resultados re-ferem-se sempre a experiências em que a res-posta aos problemas ocorre logo após a sessão detreino. Em tais circunstâncias não é possível sa-ber se os efeitos positivos das sessões de treinose reflectem a nível da representação abstractade certos princípios estatísticos (hipótese forma-lista), ou se para chegar às respostas dadas, osparticipantes recorreram meramente a analogiasdirectas entre os problemas apresentados na fase

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de treino e os problemas-teste (hipótese antifor-malista). De forma a ultrapassar esta dificuldade,Fong e Nisbett (1991) realizaram experiênciasem que novamente usam sessões de treino apósas quais os sujeitos respondem a problemas re-ferentes ao mesmo ou a um domínio diferentedaquele usado nas sessões de treino. Porém,desta vez alguns participantes só foram testadosduas semanas após o treino. Este intervalo detempo foi estabelecido de forma a que se perdes-se a memória dos detalhes dos problemas apre-sentados nas sessões de treino, e assim podercontrastar a hipótese formalista com a hipóteseantiformalista. Os resultados obtidos indicamque os efeitos do treino estatístico mantêm-se,mesmo no caso daqueles participantes que foramtestados duas semanas após o treino, e mesmoquando os problemas de treino são de um do-mínio diferente do domínio dos problemas-teste(Fong & Nisbett, 1991). Ou seja, parece haveruma melhoria do desempenho dos participantesque transcende a especificidade de um dado do-mínio. Este padrão de resultados apoia claramen-te a posição formalista.

Mas o padrão de resultados desta experiênciaapresenta um outro aspecto de grande interesse.De facto, quando os problemas de treino são domesmo domínio do dos problemas-teste, obser-va-se uma maior retenção do efeito do treino doque quando os problemas de treino e os proble-mas-teste são de domínios diferentes. De acordocom Fong e Nisbett (1991), uma possível expli-cação para este resultado baseia-se na hipótesede que os problemas de treino sirvam, não sópara activar e melhorar o sistema de regras infe-renciais do sujeito, mas também para providen-ciar aos sujeitos regras de como codificar certoseventos em termos do princípio estatístico emcausa. Por exemplo, uma pessoa a quem foramdados problemas de treino sobre desporto podeaprender a codificar os lançamentos convertidosde um jogador de Basquetebol como uma amos-tra representativa da capacidade de desempenhodesse jogador. Na resposta a problemas-teste domesmo domínio, esta pessoa tenderá a usar in-formação semelhante (e.g. golos concretizadospor um jogador de Andebol) como amostra re-presentativa de um dado evento sobre o qual de-ve realizar algum tipo de inferência. Esta codifi-cação da informação vai facilitar o recurso aheurísticas estatísticas (e.g. representações intui-

tivas da Lei dos Grandes Números). Ou seja, Es-tas regras de codificação servem para ligar asheurísticas estatísticas aos domínios em que es-tas vão ser aplicadas. Depois de um intervalo deduas semanas, os sujeitos que respondem a pro-blemas-teste cujo domínio é coincidente com odos problemas-treino, dispõem não só das repre-sentações intuitivas de certos princípios estatís-ticos, mas também de regras de codificaçãomais específicas que ajudam os sujeitos a acederàs heurísticas estatísticas apropriadas e a aplica-rem estas às situações concretas de cada proble-ma1.

Resumindo, para Fong e Nisbett (1991), nãose trata tanto de possuir, a nível intuitivo, umarepresentação abstracta do princípio estatísticoadequado, mas sobretudo de uma questão de co-dificação do problema em causa. Ou seja, do re-conhecimento por parte do sujeito de que se tratade uma circunstância cuja resolução adequadaimplica a aplicação de alguma heurística estatís-tica. De um ponto de vista conceptual, Esta hi-pótese explicativa carece porém de clarificaçãoconceptual e suporte empírico.

Conceptualmente, o conceito de regras decodificação aparece definido de forma um poucogenérica. Segundo Fong e Nisbett, tratam-se deideias (decorrentes do treino com problemasnum dado domínio) de como codificar aconteci-mentos em termos de algum princípio estatístico.Embora estas regras sejam específicas de cadadomínio, todas elas parecem ter um denomina-dor comum: a interpretação de qualquer aconte-

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1 Uma outra interpretação possível deste padrão deresultados sugere que a retenção dos efeitos do treinoapós o intervalo de duas semanas resultaria do factodos sujeitos se lembrarem dos problemas-exemplocom detalhe suficiente para resolver os problemas-tes-te por analogia. O melhor desempenho para os proble-mas-teste no mesmo domínio ocorreria porque estesproblemas lembram mais os sujeitos dos problemas-exemplo do que os problemas-teste do domínio dife-rente. De forma a avaliar a plausibilidade desta inter-pretação alternativa, Fong e Nisbett (1991) testaram amemória dos sujeitos para os problemas de treino apóso intervalo de duas semanas. A memória para os de-talhes dos problemas de treino revelou ser extrema-mente pobre e não correlacionada com o desempenho.

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cimento ou a resolução de qualquer situação quepossua uma componente aleatória envolve aconsideração de princípios estatísticos. Assim,independentemente das características específi-cas que estas ideias de como codificar acon-tecimentos têm em função do domínio a que nosreferimos, pode pensar-se que a ligação entrerepresentações intuitivas de princípios estatís-ticos e domínios específicos passa pelo reconhe-cimento da existência duma componente aleató-ria (noção de acaso) nos problemas apresentadosao sujeito. Ou seja, aquilo que é abstraído pelaspessoas é justamente a noção de um factor devariabilidade aleatório que, por sua vez, facilitauma codificação adequada da informação dispo-nível para o uso de heurísticas estatísticas. Esta éa hipótese geral do presente trabalho que podeser enunciada da seguinte maneira, «Se é atravésdo reconhecimento da componente de acaso queas regras de codificação (Fong & Nisbett, 1991)funcionam, então condições experimentais queaumentem a acessibilidade da componente deacaso levarão a uma codificação apropriada dasinstâncias relevantes dos problemas e terão comoefeito o aumento das respostas de natureza esta-tística».

O objectivo central da investigação aqui apre-sentada é justamente verificar até que ponto ta-refas de facilitação do reconhecimento da com-ponente aleatória de eventos associados a diver-sos domínios sociais levam a uma melhoria dodesempenho dos sujeitos na resolução subse-quente de problemas cujo domínio pode coinci-dir ou não com aqueles para os quais as tarefasacima referidas foram criadas.

No estudo de Fong e Nisbett (1991), usam-sedois domínios de actividade: desporto e testes deaptidão, e apenas um princípio estatístico a Leidos Grandes Números2. Na presente investiga-ção, a construção do material (problemas ou si-tuações dilemáticas do quotidiano) leva em contaquatro domínios: Desporto, Escola, Saúde, eFidelidade (fidelidade conjugal), e quatro prin-

cípios estatísticos: Lei dos Grandes Números,Base-Rates, Regressão à Média e Diagnostici-dade.

Os domínios de conteúdo foram escolhidos deforma a obter problemas cujo o grau de «dificul-dade» fosse relativamente abrangente. Os even-tos associados ao domínio de conteúdo Desporto(por exemplo, o desempenho de um jogador oude uma equipa) são, em geral, fáceis de concep-tualizar em termos estatísticos. Quer por razõesobjectivas (maior clareza do espaço de amostra-gem e do processo de obtenção da amostra), querpor aquilo a que Nisbett et al. (1983) referiramcomo «prescrições culturais». Ou seja, de umponto de vista cultural, domínios de conteúdocomo o Desporto são tradicionalmente tratadosrecorrendo a uma linguagem mais estatística eprobabilística (por exemplo, percentagem deprimeiros serviços no Ténis, «goal average» noFutebol, etc.). Eventos envolvidos no domínio deconteúdo Saúde são também frequentemente tra-tados de formas que implicam o reconhecimentoda relevância do papel do acaso e, consequen-temente, do raciocínio estatístico (por exemplo,opção por uma cirurgia em função da sua proba-bilidade de sucesso, frequência relativa de pes-soas afectadas por um surto de gripe, etc.), em-bora eventualmente menos do que no domíniodesporto. No caso do domínio de conteúdo Es-cola, embora diversos elementos facilitadores dopapel do acaso estejam também presentes (porexemplo, a percentagem de reprovação numadisciplina) existe, por outro lado, uma cultura demérito que tende a equacionar os resultados dosestudantes com aspectos ligados ao esforço eaptidão intelectual. Assim, há muitas vezes umatendência de «responsabilização» do estudantepor quaisquer resultados que este obtenha,negligenciando frequentemente a componentede acaso envolvida no desempenho3. Por fim, aFidelidade é claramente um domínio de conteú-do cujos eventos apresentam um espaço deamostragem particularmente difícil de discernir

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2 Alguns dos problemas apresentados por Fong eNisbett (1991) implicam a consideração do princípiode Regressão à Média. No entanto os autores conside-ram que este princípio é uma outra «manifestação» daLei dos Grandes Números.

3 O fenómeno da insensibilidade da regressão à mé-dia (anteriormente discutido) é frequente em domíniosque envolvem avaliação de desempenho como o esco-lar. Para um outro exemplo ligado ao treino de pilotosde aviação ver Tversky e Khaneman (1974).

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e, relativamente ao qual as pessoas tendem, nanossa cultura, a desenvolver explicações de na-tureza mais determinística. Ou seja, raramenteuma pessoa abordará questões de fidelidade con-jugal em termos estatísticos, como por exemplo,usar o valor médio de comportamentos revela-dores de infidelidade no passado como indicadorda probabilidade de infidelidade futura. Pelocontrário, há uma maior tendência para abordar otema da infidelidade em termos de factores in-dividuais, variáveis de personalidade, motivosidiossincráticos, etc.

Com o uso de quatro princípios normativos,pretende-se, uma avaliação mais abrangente douso das heurísticas estatísticas e eventuais regrasde codificação por parte dos sujeitos, uma vezque, como referido, nos estudos de Nisbett e co-laboradores (ver Nisbett, 1993) usou-se comoprincípio normativo apenas a Lei dos GrandesNúmeros.

Desenvolveram-se também duas tarefas defacilitação do reconhecimento da componentealeatória de eventos e situações associados a cer-tos domínios:

a) A primeira tarefa correspondeu à avaliação,por parte dos sujeitos, do grau de imprevisibi-lidade de diversos factores que afectam o desen-rolar de certos eventos associados a um dado do-mínio. Por exemplo para um domínio como des-porto, factores como «o apoio do público», «ascondições climatéricas», «ressaltos casuais dabola», etc. são avaliados quanto ao seu grau deimprevisibilidade, numa escala de sete pontos. Deacordo com a hipótese levantada acima, esta ma-nipulação de reconhecimento da imprevisibilida-de (R) seria suficiente para reconhecer a existên-cia duma componente aleatória num dado domí-nio de conteúdo, facilitando posteriormente aaplicação das heurísticas estatísticas a problemasou situações que ocorrem dentro deste domínio.

b) A segunda tarefa correspondeu a um pro-blema analógico. Assim, foram apresentados, la-do a lado, dois pequenos textos. Um deles apre-senta uma situação onde a fonte de variabilidadedos eventos é claramente aleatória probabilística(ex. lançar uma moeda ao ar). O outro é umahistória de natureza social. Após a leitura de am-bas as histórias é pedido aos sujeitos que façam acorrespondência entre duas listas de diversos as-pectos de um e outro texto apresentados lado alado. O objectivo desta tarefa é levar os sujeitos

a reconhecer a existência de uma componentealeatória na história de natureza social por ana-logia com a história de natureza probabilística.Note-se que esta manipulação por analogia (A),não só torna a componente de acaso mais sali-ente como fornece aos participantes «pistas» decomo representar estatisticamente a informaçãodos problemas de teste (através da correspon-dência estabelecida entre espaços de amostra-gem, fontes de acaso, etc.). Neste sentido, dada anatureza mais específica da manipulação poranalogia (A) quando comparada com a manipu-lação de reconhecimento da imprevisibilidade(R), pode acontecer que A tenha maior impactona promoção e actualização da intuição estatísti-ca dos participantes do que R.

Considerou-se ainda uma tarefa em que ossujeitos devem simplesmente ler definições dosquatro princípios normativos envolvidos naconstrução dos problemas (manipulação defini-ções – Dfs). Cada uma destas definições é segui-da de um pequeno exemplo. Esta tarefa não de-corre directamente da hipótese central do traba-lho, tratando-se de uma tarefa muito semelhantea uma manipulação realizada por Fong, Krantz eNisbett (1986), a que os autores chamaram «de-mand condition» e onde os sujeitos recebiamtambém uma pequena definição da Lei dosGrandes Números mais um breve exemplo deaplicação desta lei4.

1. MÉTODO

1.1. Participantes

Os 99 sujeitos que participaram no presente

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4 Esta condição funciona, quer no estudo de Fong,Krantz e Nisbett (1986), quer no presente estudo, co-mo uma forma de verificar se os efeitos das manipu-lações se devem meramente ao facto de tornar salientecertas regras estatísticas. Há, no entanto, uma diferen-ça importante. No caso do estudo destes autores, asmanipulações consistiam em tarefas de treino formale/ou através de exemplos. No caso presente as mani-pulações consistem em tarefas que procuram mera-mente facilitar o reconhecimento duma componentealeatória, não envolvendo qualquer tipo de treino.

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estudo foram 52 estudantes universitários do 5.ºano dos cursos de Línguas e Literatura Germâ-nicas e Românicas da Faculdade de Letras daUniversidade de Lisboa, 17 estudantes do 5.º anodo curso de Filosofia, e 30 estudantes do 1.º anodo curso de Ciências do Instituto de Superior deEducação e Ciências. Os sujeitos, na sua esma-gadora maioria, nunca frequentaram quaisquercursos de estatística, sendo que grande parte teveo seu último contacto formal com a matemáticano 9.º ano de escolaridade. A participação dossujeitos neste estudo foi voluntária e facultativa,tendo as aplicações do material decorrido no ho-rário da disciplina de Psicologia Educacional.

1.2. Delineamento experimental

Optou-se por um design factorial 4 (princípiosnormativos) x 4 (domínios de conteúdo) x 4(condições: R, A, D, e Controlo). Como variá-veis dependentes tem-se as respostas dos partici-pantes em dois momentos: logo após as manipu-lações e duas semanas após as manipulações. Pa-ra todos os problemas excepto os que envolvemDiagnosticidade, os participantes responderamatravés de uma escala de avaliação de 11 pontos.O extremo superior da escala (11) traduz a opçãopor uma resposta marcadamente estatística, e oextremo inferior da escala (1), traduz a opçãopor uma resposta marcadamente determinística(não estatística). No caso dos problemas envol-vendo Diagnosticidade, a variável dependente éuma escolha forçada entre três opções de respos-ta.

1.3. Material de Teste

Os participantes responderam a 16 problemas.Estes problemas diferem em função do seu con-teúdo: Saúde (S), Fidelidade (F), Desporto (Dp),e Escola (E); e do princípio normativo aplicávelna resposta: Lei dos Grandes Números (LGN),Regressão à Média (RM), Base-Rates (BR), eDiagnosticidade (D).

Assim, tem-se quatro domínios de conteúdoque se combinam com quatro princípios norma-tivos, de onde resultam os 16 problemas referi-dos acima5.

No que diz respeito aos domínios de conteú-do, foram usados quatro conjuntos de quatro pro-blemas, cujo temática se enquadra: em situações

ou assuntos directamente relacionados com ser-viços e/ou profissionais de saúde, medicamentose doenças (S); situações ou assuntos directamen-te relacionados com a importância da fidelidadenas relações pessoais (designadamente nas rela-ções conjugais) (F); situações ou assuntos direc-tamente relacionados com a actividade despor-tiva na forma de diversas modalidades de des-porto (Dp); e situações ou assuntos directamenterelacionados com o contexto de avaliação do de-sempenho escolar (E).

No caso dos princípios normativos, tem-setambém quatro conjuntos de quatro problemas,sendo que nas respostas a estes problemas sãoaplicáveis: raciocínios que envolvem a conside-ração do tamanho de amostras quando se preten-de concluir sobre as características da população(LGN); raciocínios que envolvem a noção de que(em qualquer variável com uma componentealeatória) após a ocorrência de um valor extremoé mais provável a ocorrência de um valor maispróximo da média do que a ocorrência de outrovalor igual ou mais extremo (RM); raciocíniosque, face a um evento incerto, envolvem a consi-deração das probabilidades de ocorrência departida desse evento (BR); e raciocínios queenvolvem a escolha de informação que permita aavaliação ou revisão das probabilidades de umadado evento incerto ser verdadeiro (D)6.

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5 Os problemas que envolvem a Lei dos GrandesNúmeros e a Regressão à Média foram criados tendopor referência o tipo de problemas utilizados por Jep-son, Krantz e Nisbett (1983) e Fong, Krantz e Nisbett(1986). Os problemas que envolvem a Diagnostici-dade foram «inspirados» nas tarefas de Doherty et al.(1979). Os problemas que envolvem Base-Rates foramcriados tendo como referencial o problema do Tom W.de Tversky e Kahneman (1973).

6 O tempo necessário para responder a 32 problemasresultantes da combinação dos domínios de conteúdocom os princípios normativos (2 x 4 x 4) levantou di-ficuldades de aplicação do material que se resol-veram criando três versões, cada uma com dois con-juntos de 8 problemas. Dada a impossibilidade de com-binar todos os domínios de conteúdo com todos osprincípios normativos apenas em três versões, optou--se por estruturar as versões da seguinte forma: na ver-são 1, quatro problemas resultam da combinação dosconteúdos desporto e escola com os princípios Lei dos

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1.4. A Estrutura dos Problemas de Teste

Para além de combinar sempre um princípionormativo com um domínio de conteúdo, a es-trutura dos diversos problemas desenvolvidospara o presente estudo apresenta outros aspectoscomuns.

Assim, no caso dos problemas que envolvemos princípios da Lei dos Grandes Números ou daRegressão à Média, tratam-se de histórias, emrelação às quais surgem duas opiniões divergen-tes. Uma das opiniões baseia-se em argumentos«determinísticos» e a outra em argumentos «es-tatísticos» (ambos os argumentos apresentadosnas histórias).

No caso dos problemas que envolvem a con-sideração de Base-Rates, tratam-se de históriasonde se confrontam informação circunstancial einformação relativa às probabilidade de partidade um dado evento ou ocorrência (apresentadanormalmente de forma implícita).

Os problemas que envolvem Diagnosticidade,são histórias onde os participantes são confronta-dos com duas hipóteses, H e H¸ e duas fontes deinformação (ou dados) para avaliar estas duas hi-póteses, D e D. Na história é dada informação so-bre P(D / H). De acordo com o desenrolar da his-tória, só é possível obter um dos restantes três ti-

pos de informação: P(D / H), P(D / H) ou P(D / H).Os participantes devem decidir qual a melhor in-formação para poder comparar as duas hipóteses7.

1.5. Material das manipulações experimentais

Material referente à manipulação de imprevi-sibilidade (R): é constituído por quatro listas defactores referentes a quatro domínios de conteú-do: Desporto, Fidelidade, Acidentes de viação eBaixas militares em cenários de guerra.

Estes factores são situações ou acontecimen-tos que, tendo em geral um certo grau de incer-teza associado, afectam o comportamento daspessoas dentro do domínio de conteúdo em ques-tão8.

É pedido aos participantes para avaliar o graude imprevisibilidade dos factores em cada umadestas listas, numa escala de 7 pontos (de 1 - to-talmente previsível; até 7 - totalmente imprevisí-vel).

Material referente à manipulação por analogia(A): é constituído por quatro conjuntos de dois

360

Grandes Números e Base-Rates (2 x 2), e os outros qua-tro resultam da combinação dos conteúdos Fidelidadee Saúde com os princípios Regressão à Média e Diag-nosticidade (2 x 2); na Versão 2, quatro problemas re-sultam da combinação dos conteúdos Escola e Fideli-dade com os princípios Base-Rates e Regressão à Mé-dia (2 x 2), e os outros quatro resultam da combinaçãodos conteúdos Saúde e Desporto com os princípiosDiagnosticidade e Lei dos Grandes Números (2 x 2);na Versão 3, quatro problemas resultam da combina-ção dos conteúdos Escola e Saúde com os princípiosBase-Rates e Diagnosticidade (2 x 2),e os outros qua-tro resultam da combinação dos conteúdos Fidelidadee Desporto com os princípios Regressão à Média e Leidos Grandes Números (2 x 2). Dentro de cada versãonão há, obviamente, problemas repetidos. Criaram-seainda duas ordenações diferentes em cada um dos con-juntos de 8 problemas, de forma a controlar eventuaisefeitos de ordem.

7 Para consultar exemplos dos problemas, ver anexo I.8 No caso do Desporto, a lista de factores refere-se a

diversas circunstâncias ou acontecimentos que podemafectar o resultado de um jogo de futebol (por exem-plo «os ressaltos casuais da bola que desencadeiamjogadas de perigo»). No caso da Fidelidade, a lista defactores refere-se a circunstâncias ou situações queafectam as atitudes e comportamentos de fidelidade ouinfidelidade das pessoas (por exemplo «ficar isoladonuma casa com uma pessoa do sexo oposto, muitointeressante, divertida e atraente, durante vários diascomo consequência das péssimas condições meteoro-lógicas»). No caso dos Acidentes de viação, a lista defactores refere-se a circunstâncias ou situações quepodem afectar o desempenho dos automobilistas (elogo a ocorrência de acidentes (por exemplo «a fracailuminação de algumas viaturas em viagens noctur-nas»). No caso das Baixas militares em cenários deguerra, os factores referem-se a circunstâncias queafectam o desempenho dos soldados e consequente-mente a ocorrência de baixas militares (por exemplo«um momento de desatenção de algum soldado»).

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problemas. Em cada um destes conjuntos, umdos problemas é identificado como «HISTÓRIAA» e o outro como «HISTÓRIA B». Os doisproblemas são apresentados lado a lado numamesma página.

A «HISTÓRIA A» é sempre um problema denatureza claramente probabilística onde é salien-te que a informação ou os dados do problemasão gerados através de processos que envolvemvariação aleatória (as quatro «HISTÓRIAS A»usadas nesta manipulação envolvem: retirar bo-las de uma urna, lançamentos de um dado, lota-ria, e retirar cartas de um baralho).

A «HISTÓRIA B» é sempre um problema so-cial, referente a situações do quotidiano, equiva-lente aos problemas de teste.

Na página seguinte à apresentação dos doisproblemas, é identificada a questão central deuma e outra história, e são apresentadas lado alado, duas listas de aspectos relevantes de cadauma das histórias. Aos sujeitos é pedido que pro-curem estabelecer a correspondência entre estesaspectos de uma e outra história (ligando os as-pectos das listas com traços). O objectivo é tor-nar mais saliente para os participantes a existên-cia de elementos comuns ou correspondentes emtermos dos espaços de amostragem, fontes deacaso, etc., aumentando assim a relevância daaplicação do mesmo princípio normativo à«HISTÓRIA B».

Material referente à manipulação definições(Dfs): consiste numa curta definição formal decada um dos princípios normativos seguido, emcada caso, por um exemplo ilustrativo da apli-cação do princípio. Cada princípio (definição eexemplo) é apresentado numa página diferente.É pedido aos sujeitos para ler atentamente asdescrições de alguns princípios estatísticos en-volvidos nos problemas-teste.

1.6. Procedimento

A apresentação do material experimentalocorreu em três momentos diferentes, duranteum período de três semanas.

Numa primeira vez, foram distribuídos pelossujeitos cadernos de oito problemas (correspon-dendo a problemas de uma das três versões re-feridas na descrição do material de teste)9 com asseguintes instruções na primeira página:

«Seguidamente são apresentadas oito pequenashistórias ou dilemas de cariz social, algumas das quaisbaseadas em casos verídicos.

Após a leitura de cada uma destas histórias ser-lhe-ápedido para expressar a sua opinião sobre o assuntocentral da história.

Para isto deve assinalar numa escala de 11 pontos onúmero que está mais de acordo com a sua opinião.

Exemplo: A Sandra tinha estado com a Clara apenas uma vez,

mas tinha ficado com uma fraca impressão dela. A Cla-ra tinha-se revelado muito calada e desinteressada daspessoas à sua volta. Das poucas vezes que falaram aSandra tinha achado o discurso da Clara desinteressantee enfadonho.

Ao comentar isto com a Rosário (uma amiga comumque estava frequentemente com a Clara) esta disse-lheque, pelo contrário, achava a Clara uma boa conversa-dora, sociável, que exprimia as suas ideias com graça,sendo agradável e interessante discutir com ela.

Qual das impressões relativamente à Clara estarámais correcta?

|———|———|———|———|———|———|———|———|———|———|1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

PROVAVELMENTE NEUTRO PROVAVELMENTEA IMPRESSÃO DA A IMPRESSÃOSANDRA DA ROSÁRIO

Uma semana mais tarde, foram distribuídospelos mesmos sujeitos outros cadernos constituí-dos por uma das três manipulações experimen-tais referidas na descrição do material das mani-pulações, mais um conjunto de quatro problemasintroduzidos pelas mesmas instruções acimatranscritas, excepto no caso da condição controloem que foram distribuídos cadernos constituídossomente pelas instruções mais quatro problemas.

Duas semanas mais tarde, os mesmos sujeitosrespondem aos últimos cadernos de quatro pro-blemas.

Desta forma, cada sujeito respondeu a um

361

9 O número de sujeitos que responderam a cada ver-são é aproximadamente igual para as três versões.

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total de 16 problemas: 8 problemas antes da ma-nipulação, 4 problemas imediatamente após amanipulação e 4 problemas duas semanas após amanipulação.

2. RESULTADOS

A hipótese geral do presente trabalho podeagora ser retomada. De acordo com Fong e Nis-bett (1991), a intuição estatística humana estánormalmente dependente da aquisição (pela ex-periência) de regras de codificação adequadasque permitam o reconhecimento da aplicabilida-de das heurísticas estatísticas a certas circunstân-cias ou problemas sociais. Contudo, aquilo queparece estar subjacente a quaisquer regras de co-dificação é o reconhecimento de que os proble-mas sociais em causa envolvem uma componen-te de imprevisibilidade. Assim, condições expe-rimentais que tornem saliente esta componentede imprevisibilidade (nomeadamente as tarefasreferentes a R e a A) deverão facilitar, só por si,uma codificação apropriada dos problemas econsequentemente um aumento das respostasde natureza estatística.

2.1. Transformação dos dados originais

Para o teste da presente hipótese é necessárioagregar os dados originais por princípio norma-tivo ou por domínio de conteúdo10. Assim, paracada princípio normativo (excepto diagnostici-dade) e domínio de conteúdo criaram-se três no-vas variáveis. A primeira corresponde à médiaaritmética das respostas aos problemas da pri-

meira aplicação; a segunda corresponde à médiadas respostas aos problemas da segunda aplica-ção; e a terceira variável corresponde à médiadas repostas aos problemas da terceira aplicação.

Após a agregação dos dados para cada umadas três aplicações (antes, logo após, e duassemanas depois da manipulação), o teste da hi-pótese acima explicitada foi realizado comparan-do cada uma das condições experimentais com acondição controlo. Para este efeito, e dado que setrata de comparações não ortogonais, recorreu-seao teste t de Dunnet uma vez que este teste per-mite controlar os efeitos de inflação do α no ca-so de múltiplas comparações com o mesmo gru-po controlo (Winer, 1971).

No caso dos problemas sobre Diagnosticida-de, as respostas não foram dadas numa escala or-dinal mas correspondiam antes a uma escolhaforçada entre três opções de resposta. Assim, da-do tratar-se de dados nominais, criou-se uma ta-bela de contingência referente à frequência desujeitos que, para cada uma das quatro condições(três manipulações e uma condição controlo)passaram a optar pela escolha diagnóstica após asegunda aplicação do material (o que correspon-de a uma melhoria do desempenho) e a frequên-cia de sujeitos que deixaram de optar pela esco-lha diagnóstica após a segunda aplicação domaterial (o que corresponde a uma pioria do de-sempenho). Assim, tem-se uma tabela de 4 x 3(as quatro condições versus melhoria, constânciaou pioria do desempenho após a segunda aplica-ção). A avaliação de diferenças na frequência deresposta dos sujeitos no sentido de uma melhoria(ou pioria) no seu desempenho foi avaliadausando o teste do χ2 e posterior análise residualda tabela de contingência (Everitt, 1977).

2.2. Efeitos das condições experimentais so-bre o desempenho dos sujeitos atravésdos diversos princípios normativos11

Em termos médios verificou-se uma ligeiramelhoria do desempenho estatístico dos partici-pantes para os quatro princípios normativos, em

362

10 Note-se que a análise estatística dos dados nãoagregados corresponderia a avaliar o efeito das mani-pulações problema a problema. Tais medidas de de-sempenho têm um erro de medida associado muitomaior devido ao efeito que as características especí-ficas de cada problema têm nas respostas dos partici-pantes. Ao agregar-se as respostas por princípio nor-mativo ou domínio de conteúdo obtêm-se medidas dedesempenho mais estáveis e menos afectadas pelos en-viesamentos de respostas associados às especificida-des de cada problema porque os diversos erros de me-dida associados tendem a anular-se mutuamente (assu-mindo uma distribuição Normal dos erros).

11 Realizaram-se duas análises de variância para ca-da principio normativo. Numa escolheu-se como va-riável dependente a média das respostas aos problemas

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função das condições R e A. No entanto, só nocaso do princípio da Regressão à Média (verFigura 1) é que esta melhoria do desempenho éestatisticamente significativa, t(4,35) = 2,30; p<.05 (teste t de Dunnet)12 para a condição R, et(4,35) = 2,84; p< .05, para a condição A.

Relativamente ao princípio normativo Diag-nosticidade, obteve-se um resultado estatistica-mente significativo para a tabela de contingênciareferente às quatro condições (ou quatro níveisda variável independente) versus melhoria oupioria do desempenho após a segunda aplicação(χ2 = 13.26; p<.05).

A análise residual mostrou que R é a principalresponsável pela obtenção deste efeito. De facto,no caso desta manipulação houve um aumentosignificativo (|z| > 1.96; p<.05) dos sujeitos quemelhoram nas suas respostas aos problemas so-bre Diagnosticidade da primeira para as segundae terceira aplicações (ver anexo II). As restantesvariações (de melhoria ou pioria) das respostasnão são significativas, excepto para o caso da Dfsonde há um aumento considerável dos sujeitosque «pioram» no seu desempenho da primeirapara as últimas aplicações (|z|> 1.96; p<.05).

Relativamente à Lei dos Grandes Números eaos Base-Rates, não se encontraram efeitossignificativos.

2.3. Efeitos das condições experimentais so-bre o desempenho dos sujeitos atravésdos diversos domínios de conteúdo13

Em termos médios verifica-se uma ligeiramelhoria do desempenho estatístico dos partici-pantes para os quatro domínios de conteúdo, emfunção de R e A.

363

(referentes ao princípio em causa) apresentados ime-diatamente após as manipulações (problemas da se-gunda aplicação); noutra escolheu-se como variáveldependente a média das respostas aos problemas (refe-rentes ao princípio em causa) apresentados imedia-tamente e duas semanas após as manipulações (proble-mas das segunda e terceira aplicações). O padrão deresultados foi igual num e noutro caso. Daí que os re-sultados seguidamente apresentados agreguem os pro-blemas das segunda e terceira aplicações.

12 Uma vez que se comparam as médias de todas ascondições com a mesma condição controlo, os três tes-tes resultantes não são independentes. Dunnet derivou adistribuição de amostragem para a estatística t que per-mite controlar a inflação do α, mantendo-o constantepara o conjunto de todas as comparações (Winer, 1971).

FIGURA 1Princípio normativo da Regressão à Média: Valores médios antes e depois das manipulações

experimentais

13 Realizaram-se, também neste caso, duas análisesde variância para cada domínio de conteúdo. Numa es-

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Contudo, só para a condição A, e só nos casosdos domínios de conteúdo Fidelidade, t(4,35) =2,59; p< .05 (ver Figura 2) e Escola, t(4,35) =2,38; p< .05 (ver Figura 3) é que esta «melhoria»do desempenho é significativa. As restantes com-parações não são significativas excepto para odomínio Fidelidade que também melhora signi-ficativamente em função da condição Dfs (t(4,35)= 2,39; p< .05).

Relativamente aos restantes domínios (Saúde

e Desporto), não se encontraram efeitos signifi-cativos14.

2.4. Análise do nível de dificuldade dos pro-blemas de teste

No sentido de avaliar o impacto do grau dedificuldade dos problemas nos presentes resulta-dos computou-se a diferença entre as variáveisque agregam as respostas aos problemas porprincípio normativo ou por domínio de conteú-do, antes e depois das manipulações. Tem-se as-sim medidas da «evolução» do desempenho dossujeitos para cada princípio normativo e para ca-da domínio de conteúdo. Estas medidas estão ne-gativamente correlacionadas com as respostas do

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escolheu-se como variável dependente a média dasrespostas aos problemas (referentes ao domínio emcausa) apresentados imediatamente após as manipula-ções (problemas da segunda aplicação); noutra es-colheu-se como variável dependente a média das res-postas aos problemas (referentes ao domínio em causa)apresentados imediatamente e duas semanas após asmanipulações (problemas das segunda e terceira apli-cações). O padrão de resultados foi igual num e noutrocaso. Daí que os resultados seguidamente apresentadosagreguem os problemas das segunda e terceira aplica-ções.

FIGURA 2Domínio de conteúdo Fidelidade: Valores médios antes e depois das manipulações

experimentais

14 No caso dos domínios de conteúdo não foi possí-vel avaliar o efeito das condições experimentais para oprincípio Diagnosticidade, uma vez o número de par-ticipantes não é suficiente para computar as respecti-vas tabelas de contingência.

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sujeito por princípio normativo e domínio de con-teúdo da primeira aplicação (ver Quadros 1 e 2).

Ou seja, quanto pior foi o desempenho dos su-jeitos nos problemas da primeira aplicação maioré a melhoria obtida nos problemas respondidosnas segunda e terceira aplicações, e vice-versa.

Estas observações parecem sugerir que o graude dificuldade dos problemas, só por si, é umfactor que influencia a «evolução» do desempe-nho dos sujeitos ao longo das aplicações.

3. DISCUSSÃO

Os resultados da investigação podem resumir-se nos seguintes pontos:

a) Encontraram-se efeitos de facilitação dasheurísticas estatísticas para os princípiosnormativos Regressão à Média (melhoriaem função de A e R) e Diagnosticidade(melhoria em função de R), e para os domí-nios de conteúdo Fidelidade e Escola (me-lhoria em função de A). Nestes casos, co-mo previsto, a saliência da componente deacaso promovida pelas condições experi-mentais levou a uma melhoria do desempe-

nho dos sujeitos no sentido da produção derespostas de natureza (mais) estatística;

b) A condição Dfs não levou a efeitos de fa-cilitação consistentes. Logo, os efeitos aci-ma referidos não se devem meramente aofacto de tornar saliente certas regras estatís-ticas mas sim à promoção do reconheci-mento de uma componente de acaso envol-vida nos problemas de teste15;

c) As medidas da «evolução» do desempenhodos sujeitos para cada princípio normativoe para cada domínio de conteúdo estão ne-gativamente correlacionadas com as res-postas do sujeito (por princípio normativoou domínio de conteúdo) da primeira apli-cação. Ou seja, quanto pior foi o desempe-nho dos sujeitos nos problemas da primeiraaplicação maior é a melhoria obtida nos

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FIGURA 3Domínio de conteúdo Escola: Valores médios antes e depois das manipulações experimentais

15 A condição Dfs levou a dois efeitos estatistica-mente significativos pouco consistentes e contradi-tórios (melhoria do desempenho para a Fidelidade epioria do desempenho para a Diagnosticidade). Nãotemos qualquer explicação psicológica para este pa-drão de resultados pelo que não será mais referido.

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QUADRO 1Tabela de correlações para os princípios normativos RM, BR, e LGN. Os valores apresentados

referem-se às correlações entre as respostas dadas pelos participantes antes das manipulações e adiferença das respostas antes e depois das manipulações

Diferença das respostas dadas antes e depois das manipulações

Respostas dadas RM BR LGNantes das manipulações

RM -.688 -.228 .099(Regressão à Média) p < .001 p = .123 p = .509

BR -.069 -.724 -.313(Base-Rates) p = .646 p < .001 p < .05

LGN .103 -.087 -.566(Lei dos Grandes Números) p = .490 p = .561 p < .001

QUADRO 2Tabela de correlações para os domínios de conteúdo F, E, Dp, e S. Os valores apresentados

referem-se às correlações entre as respostas dadas pelos participantes antes das manipulações e adiferença das respostas antes e depois das manipulações

Diferença das respostas dadas antes e depois das manipulações

Respostas dadas F E Dp Santes das manipulações

F -0,822 -0,4113 0,053 -0,1043(Fidelidade) p = ,000 p = ,008 p = ,742 p = ,517

E -0,1869 -0,7655 -0,1341 0,0293(Escola) p = ,242 p = ,000 p = ,403 p = ,856

Dp 0,0488 0,1962 -0,7698 -0,0286(Desporto) p = ,762 p = ,219 p = ,000 p = ,859

S 0,0912 -0,0731 0,142 -0,6104(Saúde) p = ,571 p = ,650 p = ,376 p = ,000

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problemas respondidos nas segunda e ter-ceira aplicações, e vice-versa. Estas corre-lações revelam uma tendência para uso deheurísticas estatísticas mesmo antes dasmanipulações experimentais, o que obvia-mente dificulta a obtenção de efeitos signi-ficativos de melhoria do desempenho emfunção das manipulações. Ou seja, os resul-tados sugerem que o baixo grau de dificul-dade dos problemas é provavelmente res-ponsável pela obtenção de efeitos de tecto.

3.1. Discussão dos efeitos da Manipulação deImprevisibilidade (R) e da Manipulaçãopor Analogia (A) sobre os princípios nor-mativos e domínios de conteúdo usados

A hipótese geral que originou a presente in-vestigação encontra apoio experimental sobretu-do através da manipulação por Analogia (A). Noentanto, a manipulação de imprevisibilidade (R)foi a única que levou a uma melhoria do desem-penho no caso da Diagnosticidade. Alguns as-pectos discutidos seguidamente, podem ajudar aesclarecer este padrão de resultados.

As tarefas de manipulação A e RA tarefa da condição A levou a melhorias de

desempenho para a Regressão à Média, Escola eFidelidade. A tarefa da condição R levou a umamelhoria do desempenho no caso da Regressão àMédia (em menor grau do que a condição A) eno caso da Diagnosticidade. Aquilo que ca-racteriza as condições A e R, é o facto de ambastornarem saliente a existência duma componentede acaso envolvida nos problemas de teste.Aquilo que mais marcadamente distingue asduas condições é o facto de a tarefa de analogia(A), para além de tornar saliente a componentealeatória, fornecer ou indicar aos participantes«formas» de representar estatisticamente os pro-blemas de teste (analogias entre espaços deamostragem, fontes de acaso, etc.). Com efeito,na condição A os participantes são levados (pe-las analogias estabelecidas entre problemas pro-babilísticos e problemas equivalentes aos proble-mas de teste), a codificar estatisticamente os pro-blemas de teste e a perceber de que forma e emque aspectos, a informação estatística envolvidanos problemas de teste deve influenciar as suasrespostas. Isto parece ser vantajoso quando a

correspondência com os problemas de teste é re-lativamente fácil de estabelecer (caso da Re-gressão à Média, Escola, e Fidelidade). No en-tanto, no caso em que esta correspondência não éimediata, como no caso dos problemas deDiagnosticidade, a tarefa da condição A não trazvantagens. Neste caso, a melhoria do desempe-nho estatístico parece ser função da tarefa de re-conhecimento da componente aleatória maisabstracta, R. Este padrão de resultados está deacordo com a ideia de que as implicações da sa-liência duma componente de acaso no caso dosproblemas envolvendo Diagnosticidade não sãotão imediatas como no caso dos outros princípiosnormativos. Enquanto que reconhecimento da in-fluência do acaso é um indicador directo da im-portância do tamanho da amostra, da considera-ção de Base-Rates e da regressão à média, a re-lação entre o reconhecimento do acaso e esco-lhas diagnósticas faz-se um nível mais abstracto.Este envolve provavelmente o reconhecimentoda importância de que, nestes problemas, a dis-tribuição na população das opções de respostatêm igual probabilidade, tornando assim mais sa-liente a relevância da escolha da opção diagnós-tica (i.e., da opção que permite a obtenção deprobabilidades condicionais comparáveis).

Os domínios de conteúdoJepson Krantz e Nisbett (1983) mostraram

que os mesmos sujeitos, no mesmo contexto,respondendo ao mesmo tipo de problemas dãotendencialmente menos respostas «estatísticas»para problemas envolvendo atributos subjectivosdo que para problemas envolvendo atributos ob-jectivos. No presente estudo, os problemas sobreFidelidade e Escola são os mais «difíceis» (i.e.,parece ser mais difícil reconhecer o papel da in-certeza envolvida nestes domínios).

De entre os quatro domínios de conteúdo usa-dos, os problemas sobre Fidelidade (um domínioclaramente subjectivo) envolvem atributos denatureza claramente mais subjectiva. Conse-quentemente, o papel do acaso na se torna-seneste caso bastante mais difícil de reconhecer.

O domínio de conteúdo Escola, embora en-volvendo uma natureza mais objectiva do que odomínio Fidelidade, contrasta com os restantesdomínios (Saúde e Desporto) em termos da ten-dência, partilhada culturalmente, de lidar com as

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questões de desempenho (escolar) em termos demérito.

De resto, a nível cultural pode estabelecer-seum contraste entre Fidelidade e Escola, por umlado; e Desporto e Saúde, por outro. Com efeito,na nossa Sociedade existe, aquilo a que Nisbett,Krantz, Jepson e Kunda (1983) chamam, «pres-crições culturais» para raciocinar estatistica-mente no caso de domínios de conteúdo como oDesporto («rankings», «goal average», percenta-gens de concretização, etc.); e a Saúde (proba-bilidade de apanhar uma doença, o grau de riscode uma intervenção cirúrgica, correlação entrecertos sintomas e certas doenças, etc.). No entan-to, no caso da Fidelidade, dificilmente as pes-soas equacionam ou discutem assuntos destedomínio em termos da probabilidade de ser infielnos próximos seis meses; número médio de cir-cunstâncias que facilitam comportamentos deinfidelidade por ano; etc. No caso da Escola,embora o domínio se preste a uma análise de na-tureza estatística (por exemplo, a avaliação dodesempenho dos estudantes em termos da médiade resultados), existe uma forte tendência de atri-buição do desempenho escolar a factores inter-nos (como o esforço e a capacidade), acompa-nhada da negligência de factores externos (comoa sorte ou acaso). Um resultado escolar elicitanormalmente uma explicação em termos do mé-rito (ou desmérito) do estudante, independente-mente de ser positivo, negativo, mais ou menosextremo, ou mais ou menos estatisticamente re-presentativo.

Em suma, a maior dificuldade dos problemasenvolvendo a Fidelidade, prende-se com a suanatureza subjectiva que torna pouco transparenteas condições de aplicação de princípios estatís-ticos, e com as «prescrições culturais» que exis-tem para este domínio. A maior dificuldade dosproblemas envolvendo a Escola prende-se sobre-tudo com «prescrições culturais», nomeadamenteuma certa cultura de meritocracia que muitas ve-zes caracteriza a aprendizagem escolar. Assim,os efeitos de melhoria obtidos para a Fidelidadee a Escola em função de A, e a ausência de efei-tos nos restantes casos deve-se provavelmente àmaior dificuldade destes dois domínios por com-paração com os domínios de conteúdo Desportoe Saúde. De facto, se nestes últimos, logo à par-tida a componente de acaso está facilmente aces-

sível, o efeito de reconhecimento do acaso resul-tante de R ou de A tende a ser trivial.

Os princípios normativosNo caso da Regressão à Média, é possível que

o aumento das respostas estatísticas se deva aofacto de se tratar, à partida, de um princípio con-tra-intuitivo. Kahneman e Tversky (1973) refe-rem que mesmo quando as pessoas se apercebemdos efeitos da regressão, estes são vistos comomudanças que precisam de uma explicação cau-sal, e acrescentam que muitas explicações espú-rias de mudanças que resultam meramente da re-gressão à média têm sido evocadas até por cien-tistas. Assim, ao tornar saliente (através de R eA) a componente de acaso envolvida nos pro-blemas apresentados ter-se-á levado os sujeitos apreferirem ou a reconhecerem como mais plena-mente «satisfatórios» os argumentos baseados naRegressão à Média.

No caso da Lei dos Grandes Números, a au-sência de «melhoria» do desempenho dos sujei-tos pode parecer intrigante dado que se trata deum princípio normativo muito semelhante àRegressão à Média (em termos da lógica que lheestá subjacente). No entanto, Jepson e colegas(1983) mostraram que o número de sujeitos queresponde de acordo com a Lei dos Grandes Nú-meros varia em função da «objectividade» (fa-cilidade de codificação) dos atributos ou instân-cias relevantes de cada problema em particular.

No presente estudo, as instâncias ou atributosrelevantes dos problemas envolvendo a Lei dosGrandes Números são «fáceis» de codificar, oque facilita o uso adequado deste princípio nor-mativo. Com efeito, estes problemas foram osmais «fáceis» de todos16. É provável que a apli-cação da Lei dos Grandes Números tenha sidodesde o início de tal forma generalizada que osefeitos de R e A não se traduziram numa me-lhoria significativa do desempenho dos sujeitos.Assim, embora a mesma regra intuitiva esteja

368

16 Numa escala de 11 pontos em que o «11» corres-ponde à resposta estatística, os problemas envolvendoa Lei dos Grandes Números obtiveram (na primeiraaplicação) uma média de 7.15.

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também em causa nos problemas envolvendo aRegressão à Média, a codificação das instânciasrelevantes está, neste caso, mais dificultada àpartida, diminuindo a probabilidade de aplicaçãoda regra inferencial adequada nas respostas aosproblemas que antecedem R e A.

Dos problemas referentes aos quatro princí-pios normativos, os que envolvem a considera-ção de Base-Rates são, em média, os mais «difí-ceis»17, o que põe de lado uma explicação da au-sência de efeitos significativos em termos de umefeito de tecto.

Um possível factor explicativo que pode con-tribuir para compreender a ausência de efeitosdecorrentes do reconhecimento da componentede acaso dos problemas-teste poderá relacionar-se com a própria estrutura dos problemas queenvolvem a consideração de Base-Rates. Emmetade dos problemas sobre Base-Rates a infor-mação relativa às probabilidades de partida estáimplícita18 (contrastando com a informação cir-cunstancial que é sempre explicitada). Ou seja,para estes problemas o efeito da facilitação de-corrente do reconhecimento do papel do acasonão é significativo eventualmente porque a infor-mação relativa as probabilidades de partida, aocontrário da informação circunstancial tem queser subentendida pelos participantes. Assim, amelhoria do desempenho está não só dependentedo reconhecimento do acaso (como nos outrosproblemas) mas também da capacidade de expli-citar informação latente sobre probabilidadesde partida. A saliência da imprevisibilidade pro-movida por R ou o estabelecimento de analogias(A), não podem ter impacto sobre informação

que não sendo explicitamente apresentada, ten-derá a não fazer parte da representação destesproblemas.

No que diz respeito à Diagnosticidade, e co-mo já referido acima, só a condição experimentalR levou a um aumento significativo do númerode sujeitos que escolhem a opção diagnóstica.Este resultado parece indicar que a acessibili-dade da heurística estatística correspondente aoprincípio normativo da Diagnosticidade só acon-tece quando se usam tarefas de reconhecimentoda componente aleatória, mais abstractas (comoé o caso da R). Como já discutido, o facto de aaplicação do princípio normativo Diagnostici-dade ser aquele que tem uma relação menos di-recta com o reconhecimento duma componentede acaso, está de acordo com esta necessidade detarefas de manipulação do acaso mais abstractas,e ainda com a ausência de resultados positivosno caso da A (que se baseia em analogias direc-tas entre problemas).

3.2. Análise das condicionantes da investiga-ção apresentada

Os resultados empíricos apresentados no pre-sente trabalho foram, por vezes, condicionadospelo facto dos problemas de teste surgirem, emmédia, como «fáceis». Neste sentido, um primei-ro aspecto a considerar para desenvolvimentosfuturos do estudo agora apresentado é uma ava-liação mais rigorosa do nível de dificuldade dosproblemas a usar, quer a nível objectivo (atravésdo pré-teste dos problemas de forma a construiruma hierarquia de problemas em termos do graude dificuldade envolvido); quer a nível subjecti-vo acrescentando uma medida subjectiva de di-ficuldade (pedindo aos participantes para avaliaro grau de dificuldade dos problemas a que vãorespondendo).

Desta maneira, será possível controlar a ocor-rência de efeitos de tecto assim como de hetero-geneidade do grau de dificuldade do material ex-perimental.

3.3. Comentários finais

Os resultados obtidos no presente estudo ofe-recem algum suporte experimental à ideia de queo reconhecimento de incerteza associada aosconteúdos envolvidos nos problemas (sobretudo

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17 Numa escala de 11 pontos em que o «11» corres-ponde à resposta estatística, os problemas envolvendoBase-Rates obtiveram (na primeira aplicação) umamédia de 4.86.

18 Sendo que, para os quatro problemas onde a infor-mação sobre Base-Rates é explicitada, em dois delestrata-se apenas duma frase que chama a atenção para a«raridade» de ocorrência de um dado fenómeno ouevento. Ainda, os Base-Rates nunca são apresentadossobre a forma numérica como é tradicionalmente o ca-so nos problemas como o dos advogados e engenhei-ros (Khaneman & Tversky, 1972) ou como o proble-ma dos táxis (Khaneman & Tversky, 1973).

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para domínios de natureza subjectiva onde estacomponente de incerteza é menos clara e ondepredominam argumentos determinísticos, como aFidelidade e a Escola) leva a uma facilitação douso de pelo menos certas regras de raciocínio denatureza estatística (designadamente Regressão àMédia e Diagnosticidade).

De forma indirecta, os presentes resultadostambém suportam empiricamente o carácter in-tuitivo das heurísticas estatísticas, propostas porNisbett e colegas (1983). De facto, dado que nãose recorreu a quaisquer sessões de treino quepudessem eventualmente fornecer aos sujeitos«novas» formas de raciocínio, a obtenção deefeitos de «melhoria» do desempenho dos sujei-tos pela mera clarificação duma componente deacaso é difícil de explicar, caso não se aceite queestas manipulações facilitam a codificação dainformação dos problemas de modo a que repre-sentações intuitivas de certos princípios estatís-ticos possam ser (mais) usadas.

Por outro lado, o presente estudo parece su-gerir que a codificação das instâncias relevantespara a aplicação da regra estatística adequada (deentre o repertório de regras intuitivas que as pes-soas possuem) não está necessariamente depen-dente de regras de codificação específica dosconteúdos onde são «geradas», tal como propos-to por Fong e Nisbett (1991). A mera saliênciade factores de incerteza (conseguida através deA e R) parece ter sido condição suficiente para amelhoria do desempenho.

Por fim, a ênfase dada neste trabalho a ques-tões ligadas à codificação apropriada da infor-mação de forma a levar a representações dosproblemas adequadas ou facilitadoras da aplica-ção de certas heurísticas em vez de outras, pos-sibilita uma perspectiva talvez mais equidistantena avaliação dos «defeitos» e «virtudes» do ra-ciocínio indutivo humano.

Com efeito, muitos dos erros que são associa-dos ao uso das heurísticas não estatísticas deve-rão ser antes atribuídos a factores relacionadoscom a facilidade ou dificuldade da codificaçãoadequada das instâncias relevantes dos proble-mas em causa. A importância que se tem vindo adar às questões de codificação da informaçãopermite perspectivar o raciocínio indutivo huma-no em termos de um repertório de heurísticasmaior e mais diversificado.

De facto, as heurísticas que as pessoas pos-

suem (quer se trate de heurísticas estatísticas ounão estatísticas) são todas muito úteis quandodevidamente aplicadas.

A presença ou ausência de erros e enviesa-mentos decorrentes do raciocínio indutivo hu-mano poderá depender da aplicação heurísticamais adequada para a situação em causa. Paracada circunstância de julgamento poderão com-petir diversas heurísticas, aquela que é usada se-rá a que a que melhor «funciona» com a repre-sentação que a pessoa criou da circunstância emcausa.

Assim, poder-se-á melhorar a qualidade do ra-ciocínio indutivo humano agindo ao nível dafacilitação duma codificação adequada das ins-tâncias envolvidas em cada situação ou problemaque envolva julgamentos em condições de incer-teza.

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RESUMO

Segundo Tversky e Kahneman (1974), a actividadeinferencial humana baseia-se em grande medida emheurísticas (regras simplificadas de tomada de decisão)que divergem dos princípios estatísticos apropriadosao julgamento na incerteza. No entanto, Nisbett,Krantz, Jepson e Kunda (1983), defenderam que para-lelamente às heurísticas não-estatísticas, as pessoastambém possuem heurísticas estatísticas (i.e. repre-sentações intuitivas e abstractas de certos princípiosestatísticos). Fong e Nisbett (1991), sugerem que o usodas heurísticas estatísticas está dependente de regrasde codificação (associadas a domínios de conteúdo es-pecíficos). Aqui considera-se que o essencial das re-gras de codificação é a facilitação do reconhecimentodo componente de acaso subjacente aos problemas in-dutivos. Assim, condições experimentais que facilitemo reconhecimento deste componente aleatório deverãoresultar numa melhoria do desempenho estatístico. Pa-

ra testar esta hipótese, foram usadas duas manipula-ções de facilitação do reconhecimento do acaso. Osparticipantes responderam a um conjunto de proble-mas indutivos sobre diversos domínios (Desporto,Fidelidade conjugal, Escola, e Saúde), envolvendo vá-rios princípios estatísticos (Lei dos Grandes Números,Regressão à Média, Base-Rates, e Diagnosticidade)antes e após as manipulações (imediatamente ou duassemanas depois). Os resultados revelam uma melhoriano desempenho estatístico para os domínios Fidelida-de e Escola, e para os princípios regressão à média ediagnosticidade.

Palavras-chave: Indução, julgamento na incerteza,heurísticas.

ABSTRACT

Human inference is, according to Tversky andKahneman (1974), greatly based in heuristics (sim-plified rules of decision making) that diverge from thestatistical principles appropriate to judgment under un-certainty. However, Nisbett, Krantz, Jepson and Kun-da (1983), contend that beyond these non-statisticalheuristics, people also possess statistical heuristics(i.e., intuitive counterparts of statistical principles).Fong and Nisbett (1991), suggest that the use of sta-tistical heuristics depends from codification rulesassociated to specific content domains. In the presentwork, we propose that codification rules facilitate therecognition of the chance component inherent to in-ductive problems. Thus, experimental conditions thatfacilitate the recognition of this chance componentshould result in the improvement of statistical perfor-mance. To test this hypothesis, we used two manipu-lations meant to facilitate chance recognition. Partici-pants answered to a number of inductive problemsconcerning diverse content domains (Sports, Fidelity,School and Health), and regarding a number of statis-tical principles (Law of the great numbers, Regressionto the mean, Base-Rates, and Diagnosticy) before andafter the manipulations (immediately and two weeksafter). The results showed that statistical performanceimproved in the domains of Fidelity and School, andfor problems concerning Regression to the mean andDiagnosticity principles.

Key words: Judgment under uncertainty, heuristics.

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ANEXO I

Exemplos dos problemas que constituem o material experimental da presente investigação

PROBLEMA A (SAÚDE x LGN)O João diz para um amigo «aqui nesta revista dizem que os estudos mostram que o aumento do cancro do pulmãoentre as mulheres é causado pelo aumento do número de mulheres fumadoras. No entanto a minha mãe e a minhasogra fumaram bastante durante toda a vida e, tanto uma como outra, já passaram dos oitenta anos». O amigo do Joãoresponde «mesmo considerando o caso da tua mãe e da tua sogra, se levarmos em linha de conta os estudos citadosna revista, penso que fumar é uma causa de cancro». Qual a sua opinião?

PROBLEMA B (ESCOLA x RM)O professor de uma escola de teatro propôs aos seus alunos como trabalho de fim de curso, a preparação de uma peçade um autor contemporâneo, a ser apresentada ao público. O professor decidiu começar por constituir um elenco paracom ele formar uma verdadeira equipa de trabalho, e só depois pensar na distribuição de papéis. Ao fazer as audiçõespara o elenco, uma aluna que o professor conhecia mal, foi brilhante. Outra aluna que já tinha trabalhado sob direcçãodo professor noutras duas peças do mesmo autor contemporâneo, sempre com excelência representações, não foibrilhante nas audições para a presente peça, tendo sido mesmo fraca em certas partes da audição. O professor nãodispunha de mais tempo e tinha que escolher já a actriz principal, resolveu então consultar dois colegas para o ajudara decidir. O primeiro colega disse que ele devia basear-se na qualidade das audições pois estas indicam qual dasalunas está, no momento, melhor preparada para o papel. No entanto, o segundo colega disse que ele devia escolhera aluna com quem já tinha trabalhado antes pois, ao contrário das outra, o conhecimento que tinha dela não sebaseava numa «curta» audição mas na experiência de duas peças.Qual a sua opinião?

PROBLEMA C (FIDELIDADE x DIAGNOSTICIDADE)Há já algum tempo que a Florbela procura uma relação amorosa estável. Há dias o Pedro convidou-a para sair. Aindanão se tinha decidido a aceitar e eis que lhe telefona o Rui a convidá-la para ir ao cinema. Ela sabe que tanto o Ruicomo o Pedro estão interessados nela. Uma amiga sua que conhece os dois dizia-lhe «olha eu diria que em 1 de cada10 ocasiões sociais o Rui procura sempre seduzir novas raparigas, quanto a serem fiéis à pessoa com quem namorameu acho que...» a Florbela interrompeu dizendo, «não estou a pensar aceitar nenhum dos convites!». Mais tarde, noentanto, a Florbela resolveu sair com um dos rapazes. Lembrou-se então de telefonar à amiga para saber mais sobreo Rui e o Pedro. Como não queria dar a entender à amiga que estava indecisa entre eles, resolveu que só faria umapergunta. Qual a pergunta que a Florbela deveria fazer?a) A Florbela deveria perguntar, de 1 a 10 que possibilidade tinha o Rui de ser fielb) A Florbela deveria perguntar, de 1 a 10 que possibilidade tinha o Pedro de ser fielc) A Florbela deveria perguntar, por cada 10 ocasiões sociais, em quantas delas o Pedro procura seduzir novasraparigas.

PROBLEMA D (DESPORTO x BASE-RATES)O Futebol Clube do Porto joga com o Salgueiros para a taça de Portugal. É um facto que o Porto sai claramente emvantagem na história dos confrontos entre as duas equipas. Por outro lado, quanto mais uma equipa remata à balizae/ou obtém pontapés de canto, maiores são as suas possibilidades de ganhar o jogo. Ora, no começo da 2.ª parte, asduas equipas estavam ainda empatadas mas o Salgueiros tinha feito 18 remates com perigo enquanto que o Portotinha rematado apenas 6 vezes à baliza adversária; o Salgueiros tinha obtido 10 pontapés de canto, enquanto que oPorto apenas 3. Qual das duas equipas terá maiores hipóteses de ganhar o jogo?

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ANEXO II

Tabelas de contingência referentes ao princípio normativo Diagnosticidade

TABELA 1Tabela de contingência referente às condições experimentais versus o desempenho comparado

antes e depois das manipulações

Manipulações Melhoria (%) Constante (%) Pioria (%)

R 46 46 8

A 25 25 50

Dfs 8 23 69

Controlo 22 22 56

TABELA 2Tabela dos resíduos ajustados* , referente aos dados da tabela de contingência acima apresentada

Manipulações Melhoria Constante Pioria

R 2,00 1,52 -3,15

A -0,05 -0,42 0,43

Dfs -1,73 -0,62 2,09

Controlo -0,25 -0,55 0,73

* O procedimento estatístico relativo à análise residual pode ser encontrado em Everitt (1977).