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  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE BELAS-ARTES

    O papel do desenho no contexto do projeto de Design

    Industrial e de Equipamento: Contributos para a

    prtica pedaggica.

    Bruno Fernandes Toms

    Dissertao

    Mestrado em Design de Equipamento

    Especializao em Design de Produto

    Dissertao orientada pelo Prof. Doutor Paulo Parra e pela Prof. Doutora Isabel Maria Dmaso

    Rodrigues

    2016

  • DECLARAO DE AUTORIA

    Eu Bruno Fernandes Toms, declaro que a presente dissertao de mestrado intitulada O papel do

    desenho no contexto do projeto de Design Industrial e de Equipamento: Contributos para a prtica

    pedaggica., o resultado da minha investigao pessoal e independente. O contedo original e

    todas as fontes consultadas esto devidamente mencionadas na bibliografia ou outras listagens de

    fontes documentais, tal como todas as citaes diretas ou indiretas tm devida indicao ao longo do

    trabalho segundo as normas acadmicas.

    O Candidato

    Lisboa, 28 de Outubro de 2016

  • RESUMO

    Identificar um conjunto de matrias representativas no mbito do design

    industrial/equipamento, presentes no decorrer da formao do aluno mas pouco

    aprofundadas, insere-se na presente dissertao como tema a ser desenvolvido. Conhecer

    a estrutura segundo a qual a realidade material se organiza, atravs de uma observao

    ativa e de um conjunto de componentes de representao grfica, amplia

    substancialmente a capacidade cognitiva do aluno, e por consequncia a sua performance

    ao longo da fase de desenvolvimento do produto.

    Com o intuito de fundamentar uma metodologia especfica, a presente dissertao

    pretende detetar necessidades intrnsecas ao desenvolvimento do produto, propondo uma

    soluo que passa por itens como a visualizao, a comunicao e a gerao de novas

    ideias. A fundamentao metodolgica comprovada essencialmente por profissionais

    que dominam a prtica representativa e a aplicam ao seu prprio processo de design.

    Atravs das suas consideraes, as personalidades participam de forma direta ou indireta

    no projeto.

    Face variedade de estudos, consideraes e exemplos de profissionais que aplicam as

    matrias em questo, conclui-se que esta abordagem poder ser central ao longo da

    formao do aluno, servindo de complemento s aulas j existentes. Uma vez que os

    componentes de representao grfica, presentes ao longo da dissertao, no so

    disseminados de forma integral, identificmos uma oportunidade pedaggica para a

    insero destas novas medidas, com vista criao de um workshop, curso livre ou

    unidade curricular optativa.

    Design industrial/equipamento; Desenho; Processo de Design; Perceo visual;

    Pedagogia.

  • ABSTRACT

    To identify a set of drawing matters within the industrial/equipment design that already

    exist but are not completely develop, is the main theme to be work upon. Knowing the

    structure, according to which physical reality is organize, through active observation and

    a set of representative components, substantially expands the cognitive ability of the

    student and consequently its performance throughout the product development phase.

    In order to establish a specific methodology, this dissertation aims to detect intrinsic needs

    to product development, proposing a solution that goes through items such as

    visualization, communication and generation of new ideas. The methodological basis is

    prove primarily by the experience of a number of personalities, which holds the mastery

    of the drawing activity in the product development. Through its considerations, they

    participate directly or indirectly in the subject. Through its considerations, the

    personalities are involved directly or indirectly in the project.

    Given the variety of studies, considerations and examples of professionals who apply this

    kind of knowledge it is conclude that this approach may be central along the students

    education, serving as a complement to other classes. Since the representative components,

    present throughout the dissertation, are not disseminated in full, we have identified and

    educational opportunity to the inclusion of these new measures, with the intent of creating

    a workshop, a course or an elective course.

    Industrial Design; Sketch; Design process; Visual Perception; Pedagogy.

  • AGRADECIMENTOS

    Quero agradecer em primeiro lugar a Deus, por me dar tranquilidade para prosseguir toda

    a jornada, sem nunca desanimar face s dificuldades.

    Em segundo lugar quero agradecer aos meus orientadores, professora Isabel Dmaso e

    ao professor Paulo Parra, por todos os conselhos, disponibilidade, dedicao e pacincia

    que tiveram comigo, ao longo de todo o desenvolvimento da dissertao.

    Agradeo ainda aos intervenientes do questionrio, Isabel Dmaso, Paulo Parra, David

    Bota, Stefan Fernandes, Marc Tran, Eric Strebel, pela participao e pela informao

    adicional que me disponibilizaram, enriquecendo ainda mais a investigao. De igual

    modo, quero agradecer aos alunos que se mostraram interessados pelo tema e que podero

    participar no desenvolvimento da dissertao, tambm atravs do questionrio.

    Quero agradecer aos meus pais, pela educao que sempre me proporcionaram a vida

    inteira e aos meus avs, que sempre compreenderam os momentos de ausncia, ao longo

    de toda a jornada.

    Agradeo tambm ao Miguel, ao Pedro, Ivone, ao Flix e Milana que me ouviram,

    ajudaram e motivaram do princpio ao fim da dissertao.

    Por fim, quero agradecer a todos os meus colegas de mestrado, com quem tive o gosto de

    trabalhar e de fazer novas amizades.

    Obrigado a todos!

  • 1

    NDICE

    ndice de figuras 3

    Introduo 5

    Parte 1: O legado do desenho ao encontro do Design industrial/equipamento

    1.1. A inteligncia do ver na era renascentista 11

    1.2. Concees da pedagogia do desenho na Bauhaus 17

    1.3. Psicologia do desenho 27

    1.4. A didtica do desenho no ensino moderno portugus 31

    Parte 2: Aspetos operacionais do desenho no contexto do Design industrial/equipamento

    2.1. Desenho aplicado ao processo de Design 34

    2.1.1. Natureza conceptual 42

    2.1.2. Natureza informativa 47

    2.1.3. Natureza persuasiva 52

    2.2. Aspetos percetivos da linguagem visual no contexto do Design 54

    2.2.1. A teoria da gestalt aplicada representao grfica 57

    2.2.1.1. Os nove princpios da gestalt 59

    2.2.2. Organizao visual 68

    2.2.3. Colorao 71

    2.3. Novos processos de representao grfica 74

    2.3.1. Hardware e inputs de apoio representao grfica digital 76

    2.3.2. Software, sistemas operativos e aplicaes 79

    2.3.2.1. Software de representao edio de imagem 81

    2.3.2.2. Software de edio vetorial 83

  • 2

    Parte 3: Componentes grficos/formais na representao visual no contexto do Design

    industrial/equipamento

    3.1. Fundamentos e tcnicas de representao grfica 85

    3.1.1. Competncias mecnicas 86

    3.1.2. Competncias analticas 88

    3.1.3. Perspetiva 90

    3.1.3.1. Sistemas perspticos 91

    3.1.3.2. Mtodos construtivos 97

    3.1.3.3. Sombra prpria e projetada 100

    3.1.4. Simulao material 103

    3.1.5. Competncias conceptuais 107

    3.1.6. Meios de representao grfica 111

    3.1.6.1. Meios representativos relacionados com o processo de conceo 112

    3.1.6.2. Meios representativos relacionados com a aparncia material 115

    Parte 4: Consideraes profissionais e estudantis sobre as competncias representativas

    no contexto do Design

    4.1. Trs realidades representativas: O aluno, o professor e o designer 118

    4.1.1. Metodologia 119

    4.2. A necessidade dos fundamentos representacionais no processo de design 121

    4.3. Coerncia e comunicao visual 127

    4.4. Integrao dos meios de reproduo grfica digital no processo de design 130

    Concluses 136

    Proposta final 140

    Anexos 149

    Bibliografia 175

  • 3

    NDICE DE FIGURAS

    Figura 1 - Crnio humano por Leonardo da Vinci 12

    Figura 2 - A mecnica persptica por Albrecht Drer 15

    Figura 3 - O salto da bailarina Palucca por Kandinsky 20

    Figura 4 - Estruturas rtmicas por Paul Klee 23

    Figura 5 - O Logotipo da Bauhaus por Oskar Schlemmer 25

    Figura 6 - Conceito de juventude por onze sujeitos que participaram no estudo de R.

    Arnheim 29

    Figura 7 - Representaes informativas realizadas pela equipa de design FLEX 37

    Figura 8 - Perspetiva linear cnica e Perspetiva linear paralela 39

    Figura 9 - Explorao formal por Chou-Tac Chung 43

    Figura 10 - Representao informativa pelo estdio Van derveer Designers 47

    Figura 11 - Fator humano 50

    Figura 12 - Representao persuasiva por Grigory Bars 53

    Figura 13 - Pregnncia da forma por Spencer Nugent 60

    Figura 14 - Princpio do encerramento por Koos Eissen e Roselien Steur 61

    Figura 15 - Princpio da simetria por Nicolas Figueras 61

    Figura 16 - Princpio da semelhana por Spencer Nugent 62

    Figura 17 - Princpio da proximidade por Sihyeong Ryu 63

    Figura 18 - Princpio da conectividade por Koos Eissen e Roselien Steur 64

    Figura 19 - Princpio da continuidade por Hakan Gursu 65

    Figura 20 - Princpio da experincia por Jihoon Kim 66

    Figura 21 - Princpio da figura/fundo por Koos Eissen e Roselien Steur 66

    Figura 22 - Hierarquia visual por Sangwon Seok 70

  • 4

    Figura 23 - Harmonia atravs da mesma componente tonal por Bruno Toms 73

    Figura 24 - Wacom Cintiq 24 HD 78

    Figura 25 - Sketchbook pro, desenho por Spencer Nugent 82

    Figura 26 - Cone de viso por Bruno Toms 91

    Figura 27 - Plano pictrico, e pontos de fuga por Scott Robertson 92

    Figura 28 - Um, dois e trs pontos de fuga 94

    Figura 29 - Axonometrias por Bruno Toms 96

    Figura 30 - Traado de estruturao auxiliar por Bruno Toms 98

    Figura 31 - Mtodo do cubo por Fernando Julin e Jess Albarracin 99

    Figura 32 - Sombra prpria e projetada por Koos Eissen e Roselien Steur 102

    Figura 33 - Simulao material por Bruno Toms 106

    Figura 34 - Underlay por Koos Eissen e Roselien Steur 108

    Figura 35 - Vista ortogonal 109

    Figura 36 - Mtodo da mancha por Koos Eissen e Roselien Steur 110

    Figura 37 - Linha de hotelaria por Peter Szucstor 125

    Figura 38 - Torre dos clrigos por Bruno Toms 128

    Figura 39 - Intura por Marc Tran 134

  • 5

    INTRODUO

    A imprescindibilidade do desenho no mbito do design industrial e de equipamento

    indiscutvel. De facto, a correta abordagem prtica representativa fomenta, segundo um

    conjunto de componentes e estratgias bem definidas, tanto a novidade como o

    desenvolvimento do produto. Em virtude das exigncias do processo de representao

    grfica, o sujeito deve dar incio prtica o quanto antes, de preferncia no perodo de

    formao acadmica. Neste sentido, a necessidade por uma cultura de representao

    grfica mais reforada, proporciona comunidade pedaggica uma oportunidade para

    implementar um novo sistema, com vista ideao, visualizao, explorao e

    comunicao visiva.

    Atravs da anlise a um conjunto de estratgias e componentes de representao grfica,

    comprovadas por designers e professores experientes, pretendemos desenvolver as

    premissas para um possvel workshop, curso livre ou unidade curricular optativa,

    direcionada para os estudantes de design industrial e de equipamento. No seguimento,

    estabelecemos os seguintes objetivos:

    Identificar componentes de representao grfica aplicados ao longo da histria,

    com vista associao dos mesmos, com a realidade representativa do presente,

    no contexto do design industrial/equipamento.

    Estabelecer uma distino entre diferentes paradigmas de representao grfica

    que integram o processo de design, em diferentes etapas de desenvolvimento do

    produto.

    Identificar tcnicas e componentes de representao grfica, necessrias para a

    correta visualizao, desenvolvimento e comunicao do produto.

    Fundamentar os conceitos desenvolvidos ao longo da presente dissertao, tendo

    em conta a experiencia profissional de designers e professores, no mbito do

    design.

    Disseminar e desenvolver uma conscincia relativamente prtica do desenho

    industrial e de equipamento, considerando as vantagens que uma representao

    grfica tem para oferecer, no mbito do processo de design.

    Fundamentar os conceitos terico-prticos, para realizao de uma futura

    proposta no mbito da formao de novos designers. A proposta poder ser

  • 6

    realizada tanto Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, como a

    qualquer outro instituto de ensino direcionado para o mbito do design. A

    proposta poder resultar num possvel workshop, curso livre ou unidade

    curricular optativa.

    Excluindo a introduo, a concluso, os anexos e a bibliografia, a presente dissertao

    est dividida em quatro partes, num total de nove captulos.

    Com o intuito de evidenciar as caractersticas mais importantes do desenho, com vista s

    representaes grficas de design, a primeira parte apresenta um panorama histrico, que

    servir de fundamento e justificativa para as seguintes partes.

    Posto isto, o primeiro captulo inicia a investigao com a revoluo pictrica que se fez

    sentir no sculo XV com o Renascimento. Para alm da nova abordagem ao desenho,

    segundo um conjunto de novos fundamentos de representao grfica, o desenho comea

    a ser visto como um meio de exposio e desenvolvimento de ideias e no apenas como

    uma busca incessante pelo belo. A diferente aproximao prtica da representao

    grfica, estabelece com Leonardo da Vinci1, Leon Battista Alberti2 entre outros artistas,

    os primrdios do desenho conceptual, isto , o desenho como meio de expor e gerar ideias.

    No segundo captulo analisamos de forma direta a relao do desenho com o design, aps

    a inaugurao da Bauhaus, a primeira escola que sistematiza o contributo do desenho no

    mbito da pedagogia do design. A anlise pedagogia da Bauhaus revela um vnculo

    inquestionvel, com muitas das ideias desenvolvidas na poca do Renascimento, de entre

    as mais importantes, a ao do ver como um dado no adquirido, que precisa de ser

    constantemente desenvolvido atravs da prtica do desenho. O desenho na Bauhaus

    constitui um meio de explorao lgica, dos elementos construtivos do objeto. O desenho

    na Bauhaus uma ferramenta de assimilao do mundo real, que se serve da geometria

    para o efeito.

    1 Leonardo da Vinci Um dos maiores representantes do Renascimento. Leonardo realizou mltiplos

    trabalhos na esfera da inveno, pintura, escultura, engenharia, cincia, arquitetura, musica, matemtica. 2 Leon Battista Alberti Arquiteto, terico de arte e humanista italiano. Alberti foi o responsvel pela

    construo da fachada da igreja de Santa Maria Novella, pela projeo do Palcio Rucellai e pela Igreja de

    So Francisco.

  • 7

    O terceiro captulo revela uma faceta mais psicolgica do desenho, que se fundamenta

    no conceito de pensamento visual, fortemente desenvolvido por Rudolf Arnheim3 em

    1969. O conceito de pensamento visual afirma que ao longo de toda a experiencia visual

    ativa, isto , a ao do observar desenvolvida captulos anteriores, o sujeito est em

    constante atividade visual e intelectual. Desta forma, ao compreender todas as

    implicaes da mecnica por detrs da atividade mental conceptual, o designer poder

    no s expressar os conceitos que residem no seu prprio ntimo de forma mais eficaz,

    como tambm compreender o modo como o ser humano perceciona o mundo que o

    rodeia.

    O quarto captulo pretende contextualizar o arqutipo grfico que tem vindo a ser

    desenvolvido ao longo da dissertao, com a cultura projetual portuguesa. Ao analisarmos

    momentos especficos da histria nacional, podemos identificar a relevncia que o

    desenho projetual tem face aos problemas enfrentados. Para alm disso, pretendemos

    ainda abordar a atividade representativa no contexto pedaggico, com Daciano da Costa

    na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa e mais tarde criar uma

    comparao com outros elementos pedaggicos, que ainda no esto explicitamente

    integrados no ensino portugus.

    A segunda parte da dissertao, pretende expor uma definio mais especfica do desenho

    no mbito do design industrial e de equipamento, atravs do enquadramento da prtica

    representativa dentro do processo de design.

    Seguidamente, o quinto captulo explora as caractersticas do processo de design, com o

    intuito de contextualizar a representao grfica, ao longo do desenvolvimento formal do

    produto. Uma vez que o projeto de design essencialmente uma atividade visual, o

    desenho usado como mediador pessoal entre profissionais e clientes. Para alm disso e

    face aos estudos anteriormente desenvolvidos por Rudolf Arnheim, a representao

    grfica funciona como um processo auto comunicativo, estabelecendo o meio mais

    prtico e eficaz, para a visualizao e conceo de novos produtos.

    As mltiplas valncias que o desenho adquire, ao longo do processo de design, solicitam

    um mtodo especfico de representao, prprio de cada fase. Por outras palavras, o

    3 Rudolf Arnheim Psiclogo alemo do sc. XX e professor de psicologia da Arte em Harvard. Arnheim

    defende que o pensamento no mbito artstico impossvel, se no estiver estreitamente relacionado a

    imagens.

  • 8

    desenho de design segue tambm ele um processo de representao, que funciona em

    conformidade com os diferentes objetivos impostos pelo processo de design, no

    desenrolar do projeto.

    No sexto captulo, analisamos a forma como um indivduo perceciona informao visual

    e como um designer pode usar esse conhecimento, a favor da comunicao entre

    profissionais. O captulo expe em primeiro lugar, alguns factos relativamente

    constituio e ao funcionamento cerebral, revelando que a natureza humana dispe de um

    conjunto de preceitos, que podem ser estudados e consequentemente aplicados

    organizao visual dos conceitos produzidos, favorecendo por um lado a aceitao do

    produto e por outro a correta perceo das diferentes particularidades, que constituem o

    todo do objeto.

    A ideia de que a correta organizao visual dos elementos, promove a aceitao e a

    perfeita assimilao do produto, encontra uma defesa slida na psicologia da gestalt4, que

    favorece nove princpios, que podem ser aplicados no decorrer da prtica representativa.

    Contudo, apesar da credibilidade da cincia preceptiva, os princpios da gestalt

    funcionam apenas como paradigma e no excluem o tratamento de outros fatores,

    nomeadamente ao nvel de relaes de proporo e uso de cor. Por outras palavras, a

    comunicao visual pode ser favorecida tendo em conta outros aspetos, que contribuem

    para a perceo eficaz do produto. Neste sentido, temos em conta outras temticas que

    comearam a ser preparadas no primeiro e segundo captulos da dissertao5, e que podem

    integrar o paradigma de representao grfica, no mbito do design industrial e de

    equipamento.

    J no stimo captulo, exploramos a revoluo pictrica que se fez sentir, com a

    emergncia dos novos meios de representao grfica digital, que por consequncia

    vieram a alterar a abordagem criativa do profissional, ao longo do processo de design.

    Neste sentido, o captulo prope uma anlise prvia ao hardware, que firma os alicerces

    para a correta experiencia representativa, tendo em conta elementos como motherboard,

    processador e placa grfica. Posteriormente analisamos os inputs, diretamente

    relacionados com a prtica representativa como tablets e mesas digitais, que ano aps ano

    4 Gestalt denominao da psicologia moderna (sculo XX), responsvel por estipular as leis da perceo,

    criadas por um grupo de investigadores de entre os quais se destacam, Max Wertheimer, Wolfgang Kohler

    e Kurt Koffka. 5 Sobre as temticas desenvolvidas no primeiro e segundo capitulo, importante destacar o retngulo de

    ouro desenvolvido no Renascimento e a terica cromtica de Wassily Kandinsky na Bauhaus.

  • 9

    tm vindo a evoluir, tornando a experiencia representativa cada vez mais prtica e

    intuitiva. A investigao prossegue para as implicaes do software, considerando um

    conjunto de produtos que tm vindo a integrar cada vez mais o processo de design.

    A terceira parte da dissertao contm os fundamentos prticos, para a realizao do

    desenho no mbito do design. Por prtica, queremos dizer que os seguintes captulos

    exploram um conjunto de categorias tipolgicas, que devem ser aplicadas ao longo de

    toda a ao representativa. importante referir que muitos dos fundamentos e

    componentes de representao grfica, aplicados por professores e designers, tiveram

    origem na poca do Renascimento, e so ainda hoje praticados ao longo do processo de

    conceo de um produto.

    Neste sentido, o oitavo captulo pretende evidenciar seis matrias fundamentais

    conceo do conceito: a) Competncias mecnicas, b) Competncias analticas, c)

    Perspetiva, d) Simulao material, e) Competncias conceptuais, f) Meios de

    representao grfica.

    A quarta e ltima parte da dissertao, constitui o estudo de casos, que essencialmente

    baseado num questionrio efetuado a professores e designers que residem em diferentes

    pontos do globo e que tm bem presente, a representao grfica ao longo de todo o

    processo de conceo do produto.

    O nono captulo explora desta forma a opinio dos profissionais, relativamente s

    matrias fulcrais da dissertao, confirmando as abordagens representativas, que tm

    vindo a ser desenvolvidos ao longo da dissertao. A autoridade das personalidades na

    esfera do design, confere uma maior credibilidade ao tema, que em ltima anlise pode

    reforar a ideia de que um apoio preparao do designer que no contexto das unidades

    curriculares no automatiza as abordagens investigadas.

    A metodologia adotada para a realizao da presente dissertao, assenta na recolha

    bibliogrfica dos assuntos que consideramos serem os mais relevantes, para o

    desenvolvimento da investigao, ou seja prticas e comportamentos de representao

    grfica, componentes representativas, diferentes abordagens ao desenho, processo de

    design, perceo visual, pedagogia, entre outros.

  • 10

    Para tornar o estudo mais credvel, foi realizado um questionrio on-line que contou com

    a participao de 2 designers e 4 professores, que tm a prtica do desenho bem

    estabelecida, quer no mbito da pedagogia, quer no mbito da industrial. O questionrio

    contou ainda com a participao de 10 alunos, uma vez que estes so os principais

    interessados no tema. Para alm disso, a validao de certos comportamentos face ao

    desenho, dentro do processo de design, serve de fundamento para o desenvolvimento de

    um possvel workshop, curso livre ou integrar um futuro programa de uma unidade

    curricular optativa.

  • 11

    Parte 1: O legado do desenho ao encontro do Design industrial/equipamento

    1.1. A inteligncia do ver da era Renascentista

    A reforma pictrica introduzida no Renascimento, a partir do sculo XV, firma uma forte

    oposio, forma como se desenhava at poca (Idade Mdia). O caracter assimilativo,

    investigativo, inventivo, processual, comunicativo, humano, tcnico e psicolgico,

    inerente s representaes renascentistas, revela um vnculo inquestionvel, com as

    representaes realizadas por muitos designers industriais e de equipamento da

    atualidade. Considerando estas qualidades, o presente captulo prope um estudo sobre

    Leonardo da Vinci, assim como outras personalidades que contriburam para o desenho

    da poca, identificando prticas, preocupaes e comportamentos, que possam ser uma

    mais-valia para o processo de design.

    O fundamento do desenho, inerente a todas as obras de Leonardo, est na correspondncia

    entre o pensamento geomtrico e a realidade. Influenciado pela teoria arquitetnica de

    Leon Battista Alberti, Leonardo renova uma conceo clssica, que visa alcanar uma

    representao harmnica, atravs de uma interdependncia e equivalncia entre

    elementos geomtricos. A assimilao do mundo material surge de uma atitude

    investigativa, que se serve de superfcies, figuras e outros elementos geomtricos, para

    desconstruir e compreender uma realidade complexa. Aquilo que realmente interessante

    verificar, que o conhecimento adquirido atravs da anlise, no diz respeito apenas ao

    know-how de como desenhar, mas da mesma forma, ao funcionamento das coisas. Os

    exemplos anatmicos de Leonardo so a prova, de que o conhecimento interdisciplinar

    pode ser alcanado atravs do desenho. A representao da estrutura ssea, que por sua

    vez est ligada ao msculo atravs dos tendes, torna o desenho analtico de Leonardo,

    um retrato realista e dinmico do funcionamento, das diferentes partes do corpo humano.

    A vitalidade das representaes humanas e animais, fora Leonardo a desenvolver uma

    capacidade cognitiva que associa o pensamento geomtrico s leis da fsica, garantindo a

    estabilidade e a proporo do objeto de estudo representado, independentemente da

    posio que este adquire.

  • 12

    Figura 1 - Crnio humano por Leonardo da Vinci

    A representao exemplifica a aproximao analtica de Leonardo, a um objeto complexo. Os

    elementos geomtricos que envolvem o crnio humano so fruto de uma lgica quase matemtica, que

    permite que o autor assimile e represente toda a volumetria da figura humana. Para alm disso, o

    conhecimento anatmico que advinha deste tipo de representao, ultrapassava o prprio

    conhecimento mdico da poca.

    Fonte: http://cciup.com/archives/30620

    Posto isto, atravs do conhecimento prvio da realidade, Leonardo pode representar o seu

    prprio ntimo, idealizando formas e funes inovadoras, a este tipo de representao

    damos o nome de desenho de representao conceptual. Os conceitos inovadores de

    Leonardo so concebidos, atravs de um esforo mental constante, que obedece a uma

    metodologia de hipteses. A indagao por hipteses pode surgir tanto de forma

    espontnea, como atravs de uma anlise prvia, quilo que j foi concretizado. Por outras

    palavras, o desenho em conformidade com Leonardo constitui uma explorao

    desenfreada, em prol da criao ideal.

    A publicao da obra Ver pelo Desenho de Manfredo Massironi, em 1982, prope uma

    nova terminologia, para este tipo de conceo. A palavra hipotetigrafia formada pelo

    prprio autor tem origem etimolgica na palavra hiptese, e empregue no seu estudo

    para definir: O produto grfico que contribui para dar forma visiva as hipteses

    formuladas para explicar o comportamento e o funcionamento das condies naturais

  • 13

    intudas ou observadas experimentalmente e das quais constitui um modelo explicativo6.

    O conceito de hipotetigrafia nasce da admisso de um universo interior, abstrato, rico

    em hipteses, que s pode ser comunicado mediante uma representao grfica,

    fundamentada nos princpios geomtricos. Por consequncia a hipotetigrafia defende,

    que para uma hiptese ser evidenciada por meio de provas, necessrio em primeiro lugar

    torna-la visvel atravs da sua representao grfica, uma vez que a expresso verbal no

    constitui um resultado satisfatrio.

    No mbito da proporo, a referncia cannica7 estabelecida no sculo V a.C., por

    Policleto8, determina a unidade quantitativa, que fundamenta o estudo antropomtrico de

    Leonardo. O pensamento geomtrico o responsvel pela assimilao da totalidade da

    figura humana, assim como da sistematizao das relaes de dependncia, entre as

    diferentes seces do corpo humano:

    apenas um e no mais, como Deus9

    Tal como a Santssima Trindade o foco est na unidade, que Deus, formado por trs

    pessoas (o Pai, o Filho e o Espirito Santo). Cada representao de Leonardo uma

    unidade, que prevalece sobre as partes isoladas que a constituem. Por outras palavras o

    segredo para uma representao harmnica, est numa conceo que parte do geral para

    o particular e que refinada pouco a pouco, de forma progressiva. O estudo proporcional

    humano constitua uma cpia perfeita da natureza, com o intuito de apoiar os projetos

    arquitetnicos da poca. O modelo cannico do Homem Vitruviano estabelece o alicerce

    do conhecimento, usado no s em espaos e elementos arquitetnicos, como tambm

    objetos com uma finalidade prtica. Apesar de outros autores abordarem o mesmo tema,

    Leonardo era o nico que usava o desenho no para ilustrar o texto, mas para o fixar e

    consolidar. As representaes em Leonardo adquirem uma influncia comunicativa, que

    6 Manfredo Massironi, Ver pelo Desenho - Aspetos Tcnicos, Cognitivos, Comunicativos, Lisboa, edies

    70 [1 edio de 1982], 1996, P.141. 7 A referncia cannica renascentista estabelece um conjunto de regras, que garante a correta proporo do

    modelo. No caso de Leonardo da Vinci, a altura total do corpo humano, abrange uma altura total de oito

    vezes a medida da cabea, do modelo que est a ser representado; ver

    http://blogartecedvf.blogspot.pt/2011/09/o-canone-das-8-cabecas.html 8 Escultor da Grcia antiga, autor de Dorfero considerado o ideal de beleza da poca.

    9 Paolo Galluzzi, La Mente di Leonardo, Florena, Giunti, 2006, P.155.

  • 14

    vai alm do prprio texto, firmando a ideia de que o desenho suficiente para informar o

    observador.

    A necessidade renascentista de racionalizar a realidade, ao retratar o mundo

    tridimensional por intermdio de um suporte pictrico (representao bidimensional),

    impele Filippo Brunelleschi a estabelecer uma nova teoria representativa, a perspetiva

    linear. Brunelleschi concluiu que a realidade material obedecia a um paradigma de

    convergncia linear, tornando os objetos mais pequenos medida que se afastam do

    observador e maiores medida que se aproximam. Apesar de Brunelleschi ser o percursor

    do novo mtodo, Leon Alberti aprofundou o mesmo tema na obra On the Painting,

    escrita em 1435. A perspetiva linear segundo Alberti consiste num sistema matemtico,

    que promove a compreenso do mundo material, permitindo ao artista representar

    qualquer tipo de espao ou objeto, atravs da iluso de profundidade, altura e largura.

    Para Alberti o suporte pictrico era a janela, atravs da qual o artista assumia o papel de

    espectador, analisando a encenao de forma ativa. Literalmente, Alberti improvisou o

    caixilho de uma janela, que posteriormente atravessou com vrios fios, perpendiculares

    largura e comprimento da moldura, fixando uma grelha regular de pequenas quadrculas.

    O mtodo consistia numa primeira instncia, na representao da grelha quadricular no

    suporte pictrico, para posteriormente o artista proceder transferncia de informao

    por meio das retculas, que funcionam como pontos referenciais entre a realidade

    observada e o desenho. Podemos considerar que o realismo do mtodo de tal forma

    eficiente, que os resultados da perspetiva linear constituam o registo retiniano da

    poca:

    O desenho realista a cpia daquilo que vemos no plano pictrico10

    O livro Drawing with the Right Side of the Brain de Betty Edwards, publicado em 2001,

    no s pontifica a mesma tcnica, como acrescenta uma variante mais complexa, mas

    mais gratificante, o plano pictrico imaginrio. Aps o exerccio por intermdio do

    aparelho desenvolvido por Alberti, a moldura desta vez descartada para dar lugar a uma

    moldura imaginria, que segundo Betty Edwards essencial para correta aprendizagem

    10

    Betty Edwards, Drawing with the Right Side of the Brain, Londres, Harper Collins,2001, P.216; nossa

    traduo.

  • 15

    do desenho. O novo plano pictrico paralelo aos olhos do artista e acompanha cada

    movimento da cabea do autor. Betty Edwards acrescenta ainda um ponto substancial ao

    processo, a abstrao dimensional. Qualquer objeto ou forma, que precede o plano

    imaginrio tem de ser percecionado de forma bidimensional, tal como uma fotografia que

    em si mesma contm elementos tridimensionais, mas retratados de forma bidimensional.

    Aps a abstrao mental, o artista copia para a folha a informao bidimensional, que

    obtm do plano pictrico imaginrio, independentemente da prtica do autor, o resultado

    sempre satisfatrio e minimamente realista.

    Figura 2 A mecnica persptica por Albrecht Drer

    A representao de Drer exemplifica a teoria persptica, tendo em conta quatro elementos chave. O

    primeiro elemento diz respeito atitude contemplativa do observador ( direita), o segundo ao plano

    pictrico (o caixilho improvisado), o terceiro ao ponto de fuga que trespassa o plano e alcana o

    objeto.

    Fonte: http://www.uh.edu/engines/epi138.htm

    A janela de Alberti institui o primeiro passo, para compreender a perspetiva linear.

    Aps a anlise segundo o plano pictrico, o artista organizava o suporte fsico,

    premeditando a composio que iria desenhar. A representao persptica estava dividida

    em trs pontos: a) linha do horizonte; b) ponto de fuga; c) linhas ortogonais. A linha do

    horizonte por norma a primeira da representao, e ocupa uma posio diante dos olhos.

    Todas as linhas perpendiculares ao plano pictrico so representadas como convergentes

    num ponto de fuga, que por sua vez est posicionado por cima da linha do horizonte. As

    linhas ortogonais auxiliam o olho humano, a juntar os pontos e a fechar as superfcies dos

    objetos.

  • 16

    Resumindo, o presente captulo retm a ideia de que os artistas renascentistas, no s

    representavam por observao, como tambm por inteligncia, uma inteligncia do ver.

    Para alm disso, Leonardo da Vinci conseguia representar o seu prprio imaginrio,

    atravs do mesmo conceito. O conhecimento relativo ao funcionamento inter-relacional

    entre perceo e inteligncia, significativo para todo o processo de representao grfica

    no mbito do design, e por essa razo, o tema retomado no captulo 1.3. Psicologia do

    desenho. Por se servir de faculdades intrnsecas ao ser humano e por seguir uma

    metodologia matemtica, a inteligncia do ver desmistifica a ideia de que o desenho

    uma prtica exclusiva de pessoas dotadas ou talentosas, quando na realidade est ao

    alcance de qualquer pessoa, no querendo com isto dizer que o treino no essencial. A

    indagao da realidade, atravs da geometria outro ponto de referncia do captulo. O

    pensamento geomtrico o filtro atravs do qual o ser humano investiga e representa de

    forma inteligente o mundo material, por essa razo o tema recuperado e desenvolvido

    de um ponto de vista mais prtico, no captulo 3.1.2. Competncias analticas.

  • 17

    1.2. Concees da pedagogia do desenho da Bauhaus

    Em 1922 Wassily Kandinsky convidado a dar aulas na Bauhaus, onde leciona numa

    primeira fase um curso preliminar de Elementos formais abstratos e em paralelo

    ministra as aulas de Desenho analtico. Duas faces da mesma moeda onde o mtodo

    de ensino se baseava na relao condicional, indissolvel segundo o parecer de

    Kandinsky, entre anlise e sntese (no ou isto ou aquilo, mas isto e aquilo)11. O

    curso de Elementos formais abstratos servia assim de complemento aula principal de

    Desenho analtico e estava dividido em 4 partes distintas:

    1) Teoria da cor12: Kandinsky desenvolveu a temtica com o intuito de compreender por

    um lado, a ao da cor sobre o ser humano e por outro, a aplicao da teoria no

    conceito forma, uma vez que nenhuma superfcie ou nenhum espao pode existir

    sem cor13. Entende-se por ao os efeitos, significados e o simbolismo que advm

    de cada uma das cores. Por outras palavras a ao subjetiva e por ser um tema ligado

    perceo e ao simbolismo, est diretamente relacionado com psicologia da gestalt.

    Kandinsky divide a sua teoria da cor em trs grupos distintos, mencionados tambm

    no livro de Maurice de Sausmarez, Diseo Basico, publicado em 1964, os trs

    grupos so: a) colorao, b) luminosidade, c) saturao14. Por exemplo, se numa

    representao um artista ou um designer, quiserem comunicar um tipo de plstico

    brilhante e a sua luminosidade for inexistente, falham em comunicar a ideia principal

    e um objeto que foi idealizado de uma determinada maneira, termina por ser

    percecionado de outra. Atravs deste exemplo possvel verificar, que dentro de um

    contexto especfico certas cores podem parecer inadequadas, devido a um erro de

    valorizao cromtica. As cores segundo Kandinsky so tambm possuidoras de uma

    temperatura e de um peso, algo que lhes permite ter uma estrutura expressiva

    coerente, ao longo de cada representao. Sausmarez afirma ainda que o interesse pela

    cor, est contido em dois aspetos fundamentais: a) o aspeto construtivo da cor, ou

    11 Rainer Wick, Pedagogia da Bauhaus, Livraria Martins Fontes Editora LTDA [1 edio de 1989], P.269. 12

    Sobre a teoria da cor de Kandinsky veja-se: Wassily Kandinsky, Concerning the Spiritual in Art, Estados

    Unidos da Amrica, Readaclassic.com, 2010. 13

    Rainer Wick, Pedagogia da Bauhaus, Livraria Martins Fontes Editora LTDA [1 edio de 1989], P.276. 14

    1. Tonalidade da cor a qualidade que distingue uma cor da outra, por exemplo, o laranja do vermelho.

    2. Luminosidade A qualidade do brilho: luz e obscuridade. 3. Saturao A qualidade da saturao ou

    medida da intensidade da cor: as cores do espectro esto no seu estado mximo de saturao, Maurice de

    Sausmarez, Diseo Basico, Edies G. Gili, 1964, P.95-96; nossa traduo.

  • 18

    seja, como funciona a cor em relaes distintas, e b) o aspeto expressivo da cor, ou

    seja, a sua potencialidade para a translao da sensao visual que tem do mundo

    exterior e a sua potencialidade como veculo emocionalmente expressivo do seu

    mundo interior de imaginria simblica15.

    2) Teoria da forma16: Tal como a teoria da cor, a teoria da forma significativa visto que

    tem em conta o fator psicolgico perceo, tal como desenvolvido na teoria da

    gestalt, que embora no tenha uma influncia direta no estudo de Kandinsky, est

    presente ao longo de todo o seu pensamento. O estudo integra os trs elementos

    plsticos bsicos, o ponto, a linha e o plano, que tal como a colorao, possuem

    tenses prprias e tenses contextuais, quando na presena de outros elementos. O

    ponto considerado o elemento mais simples e indica no s uma posio, como

    possui em si mesmo uma energia que potencia a expanso e a contrao que ativa a

    rea ao seu redor17. A representao de textura um exemplo de expanso e

    contrao, segundo uma disposio regular ou irregular do ponto18. importante

    referir que o aspeto formal do ponto no est limitado a uma circunferncia, podendo

    este adotar qualquer outra forma. Da mesma maneira as linha possuem a sua prpria

    tenso e significado, segundo a sua orientao (horizontal, vertical, diagonal,

    quebrada ou curva). Para alm das associaes abstratas, as linhas podem introduzir

    fatores de relao proporcional e intervalos rtmicos, que suportam o

    desenvolvimento intelectual ao longo de toda representao. O funcionamento da

    linha, segundo fatores de relao proporcional, pode ser verificado ao longo de

    qualquer representao tcnica ou representao analtica. O funcionamento da linha,

    segundo fatores de intervalos rtmicos, pode ser verificado na representao de

    texturas, sombras ou seces volumtricas, atravs da convergncia de linhas, que por

    sua vez formam tramas19. Relativamente ao plano, este formado quando uma linha

    se arrasta no espao e tratado em pormenor, no ltimo ponto do curso Elementos

    formais abstratos, planos bsicos.

    15

    Idem, Ibidem, P.95. 16

    Sobre a teoria da forma de Kandinsky veja-se: Wassily Kandinsky, Ponto, linha e plano, Portugal Edies

    70, 1996. 17

    Maurice de Sausmarez, Diseo Basico, Edies G. Gili, 1964, P.24; nossa traduo. 18

    Ver captulo 3.1.4. deste trabalho. 19

    Ver captulo 3.1.6.1. deste trabalho.

  • 19

    3) Teoria da cor e da forma: Aps o estudo isolado dos temas anteriormente referidos,

    Kandinsky cria uma sntese esttica entre forma e cor. Tanto a teoria da forma como

    a teoria da cor, tm como fundamento comum, o conceito temperatura tambm

    atribudo luminosidade, por essa razo, a sntese consiste numa relao coesa entre

    temperaturas formais20 e temperaturas cromticas. Kandinsky estabelece esta

    relao no livro Pedagogia da Bauhaus: Essa inevitvel relao entre cor e forma

    nos leva a observar os efeitos que as formas exercem sobre as cores Nesse sentido,

    no difcil observar que o valor de certas cores realado pela ao de certas formas,

    e abafado por outras21. Para comprovar esta afirmao com dados empricos,

    Kandinsky realizou um estudo de relao entre as trs cores primrias e a trs figuras

    bsicas, os resultados coincidiam com os mesmos que Kandinsky lecionava: triangulo

    amarelo, quadrado vermelho e circulo azul22. Apesar do mtodo de estudo ser

    questionvel, importante referir que Itten, em 1916, com um estudo prvio ao de

    Kandinsky, chegou mesma concluso relativamente associao das trs cores

    primrias s trs formas bsicas, sendo que a teoria formal e cromtica que

    influenciou os trabalhos da Bauhaus, como caso do Bero da Bauhaus, de Peter

    Keler entre outras criaes, no pode ser atribuda apenas a Kandinsky.

    4) Planos bsicos: No ltimo ponto do curso, Kandinsky considera a questo dos

    suportes materiais, uma vez que a perceo humana influenciada no s pelo

    formato do suporte, como tambm pela forma como a informao est disposta ao

    logo da tela. Sausmarez afirma que a maneira como se divide a rea da imagem

    uma questo importante porque estas propores fundamentais so as que provocam

    o primeiro impacto sobre o olho23. importante referir o paralelismo entre a

    necessidade de diviso de Kandinsky, com a necessidade de diviso de muitos artistas

    no perodo do Renascimento, que de forma semelhante usavam estruturas geomtricas

    20

    A luminosidade atribuda forma no to evidente como na colorao. Uma linha horizontal est

    deitada, assim sendo comparada com a morte, por consequncia a sua temperatura fria. Da mesma

    maneira a linha vertical viva e parece ascender ao cu, por consequncia a sua temperatura quente.

    As associaes de Kandinsky tm como fundamento a perceo, por consequncia so subjetivas e

    abstratas. 21

    Rainer Wick, Pedagogia da Bauhaus, Livraria Martins Fontes Editora LTDA [1 edio de 1989], P.293. 22

    O estudo caracterizado por Hirschfeld-Mack como ingnuo e metodologicamente inconsciente, uma

    vez que a pesquisa foi realizada no mesmo stio, onde o paradigma era lecionado. Por outro lado o

    questionrio instrua o entrevistado a preencher essas mesmas formas com as trs cores primrias. Veja-

    se: Rainer Wick, Pedagogia da Bauhaus, Livraria Martins Fontes Editora LTDA [1 edio de 1989], P.294. 23 Maurice de Sausmarez, Diseo Basico, Edies G. Gili, 1964, P.41; nossa traduo.

  • 20

    para organizar de forma harmnica, no s os suportes onde representavam, como

    tambm a prpria representao24.

    Relativamente s aulas de desenho analtico, Kandinsky deixa claro que no tipo de

    representao aqui praticada no de mbito realista/figurativo, mas sim uma

    representao dos pontos-chave (tenses) que podem ser identificados nos objetos e na

    sua construo formal [Figura da bailarina]. A ideia de uma viso interior atraia

    Kandinsky, abominando qualquer tendncia realista associada Arte, com a exceo do

    tema Natureza morta. O facto de ser um modelo de fcil acesso, imvel e de fcil

    organizao (composio), faz deste tema um exemplo perfeito para a anlise sensorial

    dos diferentes materiais que compem os objetos. Este era o gnero de desenho lecionado

    por Kandinsky, uma explorao profunda e lgica dos elementos construtivos dos objetos

    e a sua respetiva representao.

    Figura 3 O salto da bailarina Palucca por Kandinsky

    A representao analtica de Kandinsky expressa tendo em conta os pontos-chave que fundamentam

    a estrutura da bailarina e ao mesmo tempo lhe atribuem uma noo de movimento.

    Fonte: http://www.geocities.ws/maritp31/fundamentos2.html

    O livro Diseo Basico de Maurice de Sausmarez, publicado em 1964, refora a ideia

    de que o desenho analtico deveria integrar o ensino artstico, estabelecendo a geometria

    como alicerce para um paradigma de representao e explorao do mundo percetvel.

    Sausmarez defende ainda que o ensino do desenho analtico deve constituir uma

    investigao sobre a natureza e sobre a estrutura daquilo que vemos25. Ver uma

    24 Ver captulo 1.1. deste trabalho. 25 Maurice de Sausmarez, Diseo Basico, Edies G. Gili, 1964, P.72; nossa traduo.

  • 21

    atividade instintiva, intrnseca ao ser humano, desta conceo nasce um preconceito

    generalizado, de que o desenho de observao direta o mais importante dentro do

    espectro das representaes figurativas. Desse preconceito surge a necessidade

    investigativa referida no pargrafo a cima. Sausmarez desmente este preconceito em trs

    alneas distintos:

    a) Ver no um dado adquirido. Ver uma ao de difcil acesso, uma observao

    intensa e inquisitiva necessria para cultivar a capacidade de observar26 que

    demanda por parte do sujeito um investimento constante. Esta a mesma atitude de

    Leonardo, referida no captulo 1.1. A inteligncia do ver da era Renascentista. Por

    outro lado existe uma diferena considervel entre aquilo que o mundo material na

    realidade e aquilo que as pessoas percecionam ao longo do seu quotidiano, como

    consequncia o conhecimento que advm da primeira experiencia diferente do que

    advm da segunda. Na sua obra Visual Thinking, Rudolf Arnheim denomina este

    tipo de viso genrica como o mundo dado27 em contraposio verdadeira viso,

    a perceo visual que retrata de forma fiel o mundo material.28

    b) O conhecimento espacial e estrutural do mundo fsico, provm da experincia que o

    sujeito tem em relao ao mesmo. A desvalorizao deste tipo de conhecimento

    atravs da no explorao do mundo material, ou da falta de eficcia ao explorar o

    mundo material sensitivamente e intelectualmente um trabalho limitado e

    incompleto.

    c) O esforo humano proveniente da explorao do mundo material, assim como o

    esforo humano exercido ao longo de toda a representao grfica, beneficia no s

    o conhecimento estrutural, espacial e cromtico do sujeito, como tambm refora a

    sua prpria capacidade de raciocinar de forma independente.

    Sausmarez deixa inequvoca a ideia de que aprender a ver uma necessidade

    fundamental, para que o sujeito possa admirar e reconhecer, as relaes formais do mundo

    material:

    26 Idem, Ibidem. 27 Rudolf Arnheim, El pensamiento Visual, Edies Paids, [1 edio de 1986], P.28. 28 Ver captulo 1.3. deste trabalho.

  • 22

    O carcter de cada forma revelado por uma conscincia da relao entre altura e largura,

    assim como o seu arranjo espacial e dos seus pontos crticos de mudana esquemtica29

    Sausmarez menciona ainda a importncia do desenho como ferramenta de explorao

    formal de caracter funcional, uma ideia que vai de encontro natureza conceptual das

    representaes grficas, mencionadas no captulo anterior. Os temas de interesse dos

    sculos passados, como caso da anatomia e da arquitetura, deram lugar a um interesse

    especfico pela estrutura interna no s de formas naturais, como tambm de mquinas e

    objetos funcionais produzidos pelo homem. O novo mpeto reforou a compreenso

    estrutural do artista, adotando um novo tipo de representao que se aproxima mais do

    campo das invenes. importante referir que o principal interesse dos artistas pela era

    industrial, no se fundamentava no funcionamento material dos objetos, mas sim na

    realidade como fonte de estmulo visual, uma vez que so as experiencias visuais as

    responsveis por evidenciar as imagens do ntimo de cada artista, imagens essas que

    possuem uma articulao com o mundo real.

    Em paralelo com Kandinsky, Piet Mondrian opera segundo o seu prprio procedimento

    analtico, dividindo o processo em dois. O primeiro passo elimina por completo qualquer

    detalhe do objeto, explorando apenas o seu movimento estrutural30, o segundo baseia-se

    na representao estrutural do objeto, segundo referncias geomtricas equivalentes

    atravs da contemplao do mesmo.

    Entre 1921 e 1931 e semelhana de Kandinsky, Paul Klee cria e leciona a sua prpria

    teoria da forma, desenvolvida detalhadamente no livro Pedagogical Sketchbook

    publicado em 1925. Apesar de abordar os mesmos elementos da teoria da forma de

    Kandinsky, a sua lgica mais direta e acessvel e os seus motivos dissemelhantes. A

    pedagogia de Klee est focada em dois aspetos fundamentais; o primeiro, o caminho

    percorrido pelo autor at chegar sua obra final; o segundo dar a conhecer aos alunos

    tanto os mtodos processuais, como as ferramentas necessrias para a criao das suas

    prprias obras.

    A lgica criativa de Klee revolve em torno da simbiose, entre a vitalidade presente na

    natureza e a racionalidade de sntese. Atravs de associaes, repeties, rotaes e

    29

    Maurice de Sausmarez, Diseo Basico, Ediciones G. Gili, 1964, P.72; nossa traduo. 30

    Entenda-se por movimento estrutural qualquer caracterstica irregular ou inclinao formal da estrutura

    do objeto, assim como a sua plausvel capacidade de se mobilizar.

  • 23

    representaes conceptuais, Klee exprime o conceito de movimento, que por sua vez

    resulta numa composio estrutural dinmica. As composies estruturais, ou

    representaes rtmicas, podem ser de nvel inferior, isto , uma ordenao com uma

    distncia igual, baseada numa repetio de retas iguais ou idnticas, ou de nvel superior,

    ou seja, quando o afastamento entre elementos alternado e estes possuem grandezas

    diferentes entre si. Os resultados desta tcnica tm duas vertentes distintas na abordagem

    representativa: a) a primeira diz respeito representao de uma malha geomtrica, usada

    para estabelecer as fundaes necessrias, para uma correta representao formal do

    objeto31; b) a segunda diz respeito ao potencial de representao material que advm da

    repetio de elementos, pois estes seguem um padro que se baseia na repetio de uma

    determinada figura geomtrica.

    Figura 4 Estruturas rtmicas por Paul Klee

    As representaes naturais de Paul Klee constituem composies estruturais de nvel superior, visto

    que a dinmica intrnseca Natureza irregular.

    Fonte: Paul Klee, Pedagogical Sketchbook, Nova York, Frederick A. Praeger, 1953, P. 48-49

    31

    Ver captulo 3.1.3.2. deste trabalho.

  • 24

    O interesse de Klee pela natureza um incentivo representao, da influncia gravtica

    que todos os elementos sofrem, atravs da interao com outros elementos e com centro

    da terra. Os desenhos de caracter explicativo retratam elementos invisveis, assim como

    mudanas graduais na fora exercida de elementos como a gua ou o ar. Os conceitos

    invisveis so representados com recurso a setas, um elemento de referncia nos estudos

    de Klee. possvel verificar ao longo da obra Pedagogical Sketchbook, que existe um

    peso dissemelhante entre informao grfica e informao textual, uma vez que em Klee

    o desenho um complemento ao texto. Por outras palavras, por si mesma, a representao

    muitas vezes incompreensvel, necessitando de um suporte textual para que o sujeito

    possa percecionar a informao de forma eficiente.

    Com o decorrer da histria, em 1919, a Bauhaus passava por uma poca em que as

    normas morais e sociais tradicionais haviam perdido valor devido guerra e aos

    acontecimentos ps-guerra, uma poca de terrvel dilacerao (Gropius)32. Numa

    poca de transformaes internas na Bauhaus, Johannes Itten33 assumiu no mesmo ano o

    cargo de professor.

    As aulas de Itten tinham como primeiro objetivo, exercitar as foras motoras dos alunos,

    para que de certa forma no fossem limitados pela falta de preparao fsica antes do

    exerccio, por essa razo os alunos deveriam aquecer o corpo segundo uma srie de

    exerccios fsicos e exerccios de desenho rtmico de formas abstratas a carvo, estes

    eram os primeiros requisitos para que o desenho praticado pelos alunos fosse eficiente.

    Hoje em dia, at certo ponto, alguns professores ligados arte ou ao design praticam

    exerccios semelhantes, com o intuito de aquecer e desenvolver a memria muscular,

    mencionada no Captulo 3.1. Tcnicas e fundamentos de representao grfica. Os

    desenhos resultantes dos exerccios preliminares eram, inicialmente estudos

    bidimensionais e numa segunda fase tridimensionais, por conta da teoria geral de

    contrastes de Itten, que defendia que a perceo tridimensional humana era,

    compreendida a partir de opostos:

    32

    Rainer Wick, Pedagogia da Bauhaus, Livraria Martins Fontes Editora LTDA [1 edio de 1989], P.134. 33

    Devido s dificuldades do perodo ps-guerra, os alunos estavam desmotivados para a atividade criativa.

    A habilidade pedaggica e rgida disciplina de Itten conseguiu motivar os estudantes, ao se confrontarem

    de forma produtiva, no s com o perodo pelo qual passavam, como tambm como eles prprios.

    Schlemmer afirma em 1921, que os polos de repouso no caos em que se encontravam os alunos eram os

    professores e em 1922 reconheceu Itten como o mais capacitado do ponto de vista pedaggico. Idem,

    P.134-135.

  • 25

    O claro-escuro, os estudos de matrias e de texturas, o ensino das formas e das cores, o ritmo e

    as formas expressivas foram discutidos e representados em seus efeitos de contraste.34

    Por outras palavras qualquer forma abstrata bidimensional, ou at mesmo um material

    possui, uma potencialidade sensorial, que em Itten desenvolvida atravs de contrastes.

    Por exemplo, o contraste entre linhas finas e grossas muitas vezes, suficiente para

    atribuir profundidade a uma forma mesmo sendo abstrata, desta maneira a forma pode ser

    percecionada como tridimensional.

    Figura 5 O Logotipo da Bauhaus por Oskar

    Schlemmer

    O logotipo da Bauhaus um exemplo de como a

    perceo humana reconhece tridimensionalidade

    atravs do contraste linear, mesmo quando o

    modelo grfico abstrato.

    Fonte: http://galleryhip.com/the-bauhaus-

    logo.html

    No livro Writing on drawing de Steve Garner publicado em 2008, Richard Talbot toca

    no mesmo ponto de Itten e levanta a questo sobre, o que significa realmente pensar de

    forma tridimensional. O olho humano apenas possui a capacidade de captar a forma

    projetada na retina. Por seu turno, a forma tridimensional construda por intermdio de

    um processamento mental baseado na experincia que um ser humano tem da realidade.

    O olho humano no consegue ver, mas sim captar as qualidades tridimensionais de um

    objeto. Relativamente imagem bidimensional esta tem uma importncia considervel

    em todo o processo.

    34

    Idem. P.138-139.

  • 26

    Para alm destes exerccios, Itten desenvolveu tambm estudos ligados aos materiais e s

    texturas, para melhorar no s a sensibilidade sensorial e tica dos alunos, como para

    criar composies com materiais contrastantes. Associada aos exerccios contrastantes a

    carvo, os alunos teriam de copiar de forma representativa, os materiais usados nas

    composies realizadas:

    Para exercitar a preciso e a agudeza da capacidade de observao, os iniciantes devem realizar

    desenhos precisos, fotograficamente precisos, e tambm coloridos, imitando a natureza. Quero

    adestrar os olhos e as mos, e tambm a memria. Portanto, aprender de cor o que se v35

    Para Itten o desenho no est associado apenas habilidade tcnica mas sim, sua

    capacidade de conhecer qualquer objeto atravs dos sentidos e do pensamento concreto,

    atividade sensorial = pensamento real exato36. importante referir que at altura o

    desenho de objetos e da natureza, sofria uma certa rejeio por parte do mundo artstico,

    todavia uma nova anlise didtica relativa ao ensino tcnico mudou essa viso.

    35

    Idem. P.143. 36

    Idem. P.144.

  • 27

    1.3. Psicologia do desenho

    Ao longo dos dois ltimos captulos, podemos constatar que a perceo visual est

    diretamente associada, a uma atitude cognitiva por parte do sujeito. Para Leonardo o

    desenho estabelecia uma simbiose entre o olhar e a inteligncia, uma observao crtica

    da realidade. Da mesma maneira, Kandinsky explorava tenses abstratas, que

    estipulavam os alicerces, para uma correta representao estrutural do objeto. O objetivo

    do presente captulo consiste em expor o lao entre inteligncia e perceo, presente ao

    longo de todo o processo criativo. O produto da unio entre estes dois aspetos

    substancial para todo o processo de representao conceptual, uma vez que a unio entre

    inteligncia e perceo responsvel, por exteriorizar o aspeto formal de uma ideia.

    Rudolf Arnheim examina a fundo esta questo relacional entre inteligncia e perceo na

    sua obra Visual Thinking, em 1969, constituindo uma fonte essencial para estudo da

    mecnica intelectual, por trs da conceo de uma representao grfica.

    Apesar da aparente contradio entre inteligncia e perceo37, R. Arnheim defende que

    o pensamento38 no qualquer coisa exclusiva dos processos mentais, mas sim algo

    intrnseco prpria perceo. A perceo funciona como uma porta para o pensamento,

    na medida em que nada transpe o pensamento, sem primeiro passar pela perceo. Neste

    sentido, existe uma necessidade de redefinio, ou pelo menos um incorporar da

    terminologia perceo, terminologia cognio.

    A perceo visual pensamento visual39

    37

    O filsofo alemo Alexander Baumgarten, assim como muitos outros racionalistas do sculo XVII e

    XVIII, consideravam que a perceo era inferior ao pensamento, uma vez que esta carece do fator

    distino, que segundo Baumgarten era uma faculdade que apenas podia ser atribuda, superioridade

    do pensamento intelectual. 38 Por pensamento R. Arnheim refere-se a operaes como A explorao ativa, a seleo, a captao do essencial, a simplificao, a abstrao, a anlise e sntese, a observao, a correo, a comparao, a soluo

    de problemas, como tambm a combinao, a separao e a introduo num contexto, Rudolf Arnheim,

    El pensamiento Visual, Edies Paids, [1 edio de 1986], P.27; nossa traduo. 39

    Idem.

  • 28

    R. Arnheim retrata melhor a semelhana entre perceo e cognio, com uma diferena

    considervel entre perceo passiva e perceo ativa, isto , entre o automatismo sensorial

    e o processo reflexivo. Ao longo da sua experiencia visual o sujeito depara-se

    constantemente com uma receo passiva, R. Arnheim refere-se a esse tipo de receo

    como o mundo dado, um mundo que existe por si mesmo e que recebido pelo sujeito

    (atravs dos sentidos), sem que para isso necessite de um esforo acrescido. A perceo

    visual precisamente o oposto, um olhar dirigido pela ateno, centrado nos pormenores

    do mundo, em constante atividade e explorao, dentro de um mundo que no dado,

    mas sim conquistado no decorrer da sua aprendizagem.

    R. Arnheim defende ainda que em momento algum, a experiencia intelectual se destitui

    da perceo visual, ainda assim a maior parte das pessoas divide o processo em dois, por

    motivos de compreenso terica, quando na prtica as duas so uma e a mesma coisa. O

    que acontece na realidade que o material percecionado tratado por intermdio do

    pensamento e transformado em conceitos. Nenhum desses conceitos se destitui das suas

    caractersticas visuais para passar a ser apenas material intelectual, alm disso o prprio

    pensamento no poderia realizar as suas operaes regulares, se a perceo visual

    estivesse fora de si.

    Posto isto, chegamos concluso de que a partir do momento em que perceo e

    inteligncia so uma e a mesma coisa, isto pensamento visual, a conceo das imagens

    mentais, parte no s daquilo que vemos com os olhos, como tambm daquilo que

    compreendemos com o crebro e com os restantes sentidos. Podemos tambm admitir

    que a mente abstrata, o que significa que as imagens, que derivam de conceitos so

    igualmente abstratas. Uma vez que a mente produz imagens abstratas, podemos

    considerar que estas so pouco acessveis, a uma possvel exteriorizao, o que significa

    que uma pessoa que no cultiva um exerccio constante de autoanlise, no est apta

    comunicar o seu prprio ntimo. Por esta razo podemos dizer que o material pictrico,

    que advm do pensamento, contm um valor incalculvel.

    As experiencias conceptuais, descritas na obra Visual Thinking, constituem um estudo

    primordial, na instruo do correto procedimento, perante a manifestao de um

    conceito. Num estudo realizado a onze sujeitos, foi-lhes solicitado que representassem

    uma sequncia de figuras no mimticas (uma representao por folha), considerando o

    conceito juventude. Os onze sujeitos teriam tambm de comunicar aos examinadores

    (por palavras), cada uma das suas reflexes medida que desenhavam. Os resultados

  • 29

    revelam uma progressiva evoluo, de representao para representao, assim como uma

    definio formal mais acentuada, uma individualizao subjetiva e uma complexidade

    cada vez maior entre representaes. Uma comparao entre desenhos revelou, que novos

    elementos surgiam de representao para representao, esses elementos consistiam em

    sombreados, sobreposies ou novas formas aliadas primeira. tambm interessante

    notar que o resultado formal, do desfecho de cada srie, era completamente diferente da

    primeira representao, no entanto, em muitos casos era notria a progressiva linha de

    pensamento, que apoiava cada uma das representaes. O desenvolvimento do mesmo

    conceito narra, passo a passo uma histria, que em muitos casos cronolgica.

    Relativamente aos novos elementos que surgem de desenho para desenho, cada um deles

    detinha, em si mesmo, um novo conceito adjacente ao primeiro (juventude). Estes novos

    elementos envolvem conceitos como: a despreocupao tpica de uma idade mais jovem

    e as preocupaes que surgem na adolescncia, determinados comportamentos sociais,

    regras autoimpostas e por fim responsabilidades e deveres. O resultado final uma

    mistura de elementos geomtricos e abstratos, que abarca todos os conceitos adjacentes

    ao primeiro e que por consequncia, revelam o caracter nico de cada indivduo.

    Figura 6 Conceito de juventude por onze sujeitos que participaram no estudo de R. Arnheim

    A representao revela a evoluo conceptual da representao direita para a representao

    esquerda.

    Fonte: Rudolf Arnheim, El pensamiento Visual, Edies Paids, [1 edio de 1986], P.143

    Outro fator proeminente, ao longo da presente dissertao, tem sido o pensamento

    geomtrico e o modo como este funciona em concordncia, com o pensamento visual de

    R. Arnheim. Como Kandinsky e Paul Klee exemplificaram ao longo dos seus estudos,

  • 30

    qualquer elemento ou figura geomtrica uma abstrao lgica, que apenas pode subsistir

    no ntimo do intelecto humano, uma vez que a sua representao, implica uma destituio

    das suas qualidades originais para se tornar visvel, no obstante o smbolo

    imprescindvel e torna o abstrato em algo reconhecvel e operacional. Uma figura

    geomtrica fechada como por exemplo um tringulo, um quadrado ou um crculo, quando

    representada obtm duas modalidades distintas de leitura; a) Sinal contorno, que permite

    que varias operaes sejam efetuadas dentro da superfcie, b) Sinal objeto, que permite

    que varias operaes sejam efetuadas sobre todo permetro da figura. A versatilidade que

    advm do desdobramento da atividade cognitiva da figura geomtrica, permite

    acrescentar, retirar e modificar sinais gradualmente, possibilitando a resoluo de

    problemas, a comunicao de ideias e a indagao de fenmenos, que s por si a palavra

    no conseguiria comunicar.

    A nova definio de geometria, ganha forma segundo o pensamento de Ren Descartes40,

    que descobriu que esta ocupa uma posio intermdia entre o sensvel e o abstrato e que

    de certa forma funciona como um instrumento, que retm informao da pesquisa

    emprica, com o objetivo de produzir um saber unitrio. As descobertas de Descartes

    geraram um novo mtodo e redefiniram um tipo especfico de pensamento, que concebeu

    instrumentos de comunicao em que o visivo e verbal esto estreitamente ligados41.

    Em suma, apesar dos estudos expostos no presente captulo no estarem direcionados

    especificamente para a esfera do design, o conhecimento terico e prtico, dispe de uma

    presena proeminente, ao longo do processo conceptual do produto, quando

    consideramos trs passos especficos:

    a) A gerao de um conceito nasce de um exerccio constante de observao ativa

    (pensamento visual).

    b) A operao de exteriorizao e posterior desenvolvimento do conceito largamente

    impulsionada atravs do desenho. O desenho uma ferramenta de traduo; da

    abstrao mental em concretizao grfica.

    c) O desenho geomtrico como procedimento privilegiado promove o conhecimento

    emprico e a correta compreenso da representao e do conceito.

    40

    Ren Descartes Filosofo fsico e matemtico francs da idade moderna. 41

    Manfredo Massorini, Ver pelo Desenho, Lisboa, edies 70, 1996, P.148.

  • 31

    1.4. A didtica do desenho no ensino moderno portugus

    At aqui temos vindo a desenvolver um arqutipo de representao grfica, que

    compreende inmeras vantagens processuais, estabelecendo a correta aproximao

    conceo do artefacto. Fundamentado neste conhecimento prvio, o presente captulo

    pretende analisar a cultura projetual portuguesa, e identificar exemplos nacionais que

    beneficiaram com aplicao da prtica representativa.

    Ao iniciarmos a dissertao com a revoluo pictrica da era do Renascimento, no

    podemos deixar de referir que na mesma poca, Portugal passava por uma fase de

    definio cultural, que marcou no s a histria do pas como do mundo. A poca dos

    descobrimentos foi um estmulo, para que a cultura projetual portuguesa viesse a alcanar

    um novo patamar, face aos desafios que surgiram por consequncia. Podemos ainda

    afirmar que parte dessa riqueza se deve capacidade representativa, responsvel por

    conceptualizar os navios e os seus equipamentos, assim como projetar a cartografia que

    guiou os portugueses por mares desconhecidos at altura42. Esta foi uma poca

    inovadora que colocou tanto a Itlia com o Renascimento, como Portugal com os

    descobrimentos, no inicio da nova cultura tcnica e cientifica, atravs da qual a fuso

    das antigas e novas vises conceptuais e a aplicao de novas metodologias, como o

    mtodo cientifico, assim como o desenvolvimento dos sistemas de comunicao e

    representao, so dos elementos mais caractersticos desta revoluo43.

    Trs sculos mais tarde, as circunstncias histricas desencadearam uma nova revoluo

    projetual. Aps o grande terramoto de 1755, a cidade de Lisboa ficou devastada, e face

    s adversidades, Jos de Carvalho e Melo44 implementou um conjunto de princpios

    metodolgicos, responsveis pelo avivamento da indstria portuguesa45. Os novos

    princpios metodolgicos propunham uma estandardizao dos elementos que

    constituam a cidade, promovendo por um lado a economia do pas, uma vez que a

    42

    Sobre a cultura projetual portuguesa e a sua relevncia para os descobrimentos veja-se: Paulo Parra, A

    cultura projetual portuguesa, Design et Al: Dez perspetivas contemporneas, Lisboa, D. Quixote, P.152. 43

    Paulo Parra, A cultura projetual portuguesa, Design et Al: Dez perspetivas contemporneas, Lisboa, D.

    Quixote, P.153. 44

    Jos de Carvalho e Melo - Mais conhecido por Marqus de Pombal, foi um diplomata e estadista

    portugus, assim como o secretrio de estado do reino, durante o reinado de D. Jos I. 45

    Sobre a influncia dos princpios metodolgicos na indstria portuguesa do sc. XVIII veja-se: Paulo

    Parra, O nosso design industrial, Design et Al: Dez perspetivas contemporneas, Lisboa, D. Quixote,

    P.152.

  • 32

    produo em massa economicamente mais acessvel, e por outro a reconstruo da

    cidade em tempo record. Com vista recuperao da cidade, Jos de Carvalho e Melo

    tomou ainda vrias medidas, no obstante, podemos afirmar que uma das mais

    importantes foi o estabelecimento do ensino comercial e industrial, que ainda hoje persiste

    com o ensino tcnico-profissional. Os diferentes estabelecimentos de ensino que surgiram

    por consequncia, e as constantes transformaes que sofreram ao longo dos anos,

    ditaram a realidade pedaggica que vivemos hoje em dia.

    No seguimento, identificmos uma personalidade do sculo XX, que contribuiu para a

    pedagogia do desenho projetual, no mbito do design e da arquitetura. Daciano da Costa,

    admitido em 1977 na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa (FAULT),

    rompe com os padres de ensino belas-artes at ento lecionados, ao surgir com um novo

    paradigma de representao grfica. O novo paradigma vai ao encontro no s da prtica

    do desenho analtico, como tambm da didtica de um ciclo de observao46.

    importante referir que Daciano da Costa foi altamente influenciado pelos ensinamentos

    da Bauhaus, ao longo da sua formao e ao mesmo tempo, atravs da relao que tinha

    com Frederico George47, o qual, alias, reconhecia ele prprio ainda uma grande

    contemporaneidade no ensino ali desenvolvido, identificando nele pedagogias que

    considerava em muitos aspetos exemplares para o ensino da arquitetura48.

    Para Daciano, a pedagogia do desenho deveria estar estritamente ligada, ao processo do

    projeto nunca descurando da realidade produtiva em que este se insere. O investimento

    aplicado prtica do desenho manual substancial, para o desenvolvimento de um

    correto desempenho mental, exigido no decorrer de todo o processo. Apesar de apoiar a

    prtica do desenho, Daciano da Costa rejeita frmulas representativas, tambm

    conhecidas hoje em dia como os how to draw, que incentivam o aluno a aprender a

    desenhar atravs da execuo constante, algo que adjetiva de traumatizante e

    antipedaggico49. O tipo de desenho que realmente importa a Daciano da Costa consiste

    46

    Daciano da Costa Designer, Lisboa, Fundao Calouste Gulbenkian, 2001, P.16, 47

    Frederico George foi um arquiteto, pintor e professor portugus, diplomado na Escola de Belas-Artes de

    Lisboa, onde tambm lecionou. Participou na primeira grande exposio de design portugus em 1971 e

    juntamente com Antnio Garcia e Daciano da Costa, autor do pavilho de Portugal da Expo Internacional

    de Osaka, em 1970. 48

    O autor refere que apesar de tudo, Frederico George reconhece fragilidades que sempre tentar resolver,

    nomeadamente no que clssica como um certo alheamento na considerao de valores arquitetnicos locais,

    como sejam a integrao na regio, hbitos ritos e outros valores simblicos que dizem respeito ao

    homem.. Idem. 49

    Idem, Ibidem.

  • 33

    num cruzamento, entre desenho de processo e uma representao que se aproxima da

    realidade, no obstante, no um realismo figurativo que o professor busca, mas sim uma

    representao realista da simulao do processo. Apesar de tudo no rejeita a experiencia

    adquirida atravs da prtica, admitindo que a unio entre as duas a responsvel pelo

    enriquecimento do projeto, em termos de investigao pelo processo do desenho50.

    O desenho de simulao processual desta forma, o percursor do programa de Desenho

    II, na licenciatura da FAUTL. A unidade curricular est dividida em dois ciclos didticos,

    o desenho analtico e o desenho arquitetnico. O primeiro ciclo, o desenho analtico, vai

    de encontro aos conceitos estabelecidos pela Bauhaus, um tipo de representao, que se

    baseia na perceo e que aproveita esta caracterstica, para assimilar e com efeito avaliar

    o espao. Para alm disso um tipo de desenho que instiga o conhecimento, possuindo

    uma forte ligao com a cultura material51. O primeiro ciclo o responsvel pela prtica

    do desenho mo levantada, assim como o ensino de perspetivas axonomtricas e

    maquetes, como instrumento de visualizao. O segundo ciclo, o desenho arquitetnico,

    corresponde ao processo do desenho, assim como resoluo de problemas, ligados ao

    ambiente arquitetnico em questo. O desenho de processo tambm responsvel, pela

    evoluo processual das formas e pelo uso de signos e pormenores em diferentes escalas.

    Os exerccios estabelecidos no modelo de representao, defendido por Daciano da Costa,

    operam de forma ativa, tendo em conta o ciclo de esquisso/interpretao/esquisso52,

    que constitui o ncleo sobre o qual o processo de desenho produz. Com recurso a esta

    tcnica, um determinado resultado expresso numa representao, d origem a uma leitura

    especfica por parte do aluno, que atravs da anlise, do exerccio intelectual e da

    repetio, gera novas formas e conceitos as vezes que assim o desejar. por tanto atravs

    do desenho de processo e das operaes que da resultam, que possvel falar num

    desenho cognitivo, responsvel pelas propostas e a sucessiva evoluo do projeto.

    50

    Idem. 51

    Uma matria que compreende os objetos e artefactos e a perceo que as pessoas tm deles, tendo em

    conta a antropologia e a sociologia; Ver Isabel Dmaso Dissertao de doutoramento: Estratgias de

    desenho no projeto de design: um estudo sobre o uso do desenho como recurso instrumental e criativo ao

    servio do pensamento visual do designer de equipamento. Faculdade de Belas Artes da Universidade de

    Lisboa, 2007. 52

    Daciano da Costa Designer, Lisboa, Fundao Calouste Gulbenkian, 2001, P.19.

  • 34

    Parte 2: Linguagem Visual no contexto de Design industrial/equipamento

    2.1. Desenho aplicado ao processo de Design

    the beauty of design; its like music; you do not need to speak the language to be able

    to work somewhere. So I could work in Italy without speaking a word of Italian, I could

    go to Japan without speaking Japanese. As a designer you can communicate through

    drawing. So youre not dependent on language or origin to establish your place

    Laurens van de Acker, diretora de design da Renault 53

    Temos constatado ao longo da primeira parte, que pelo caracter cognitivo, projetual,

    analtico e comunicativo, o desenho constitui uma ferramenta de eleio para reas de

    desenvolvimento e investigao, como o design e a arquitetura, no se cingindo apenas

    esfera das artes e a uma busca incessante pelo belo. O presente captulo pretende expor

    em primeiro lugar, os requisitos fundamentais para o correto desenvolvimento de um

    produto, contextualizando desta forma o desenho dentro do processo de design. Aps a

    contextualizao, a investigao procede para uma definio mais avanada do desenho

    no mbito do design, expondo no apenas os diferentes papis que a representao grfica

    desempenha ao longo do processo, como tambm as diferentes fases que cada arqutipo

    integra. A correta abordagem ao desenho deve ser considerada, caso o designer pretenda

    usufruir dos variados benefcios que a representao grfica pode oferecer, no decorrer

    do desenvolvimento do produto.

    Antes de mais e para contextualizar o tema, a definio oficial de design industrial ou

    o projeto de produto, foi proposta por Toms Maldonado54 ao Conselho Internacional

    das Organizaes de Design Industrial (ICISD), como:

    O design industrial uma atividade projetual que consiste em determinar as propriedades formais

    dos objetos produzidos industrialmente. Entende-se por propriedades formais no s as

    53

    Koos Eissen e Roselien Steur, Sketching The Basics, Bis Publishers, 2011, P.11; nossa traduo. 54

    Tomas Maldonado Designer e pintor argentino, professor na escola de Ulm.

  • 35

    caractersticas exteriores, mas tambm, e sobretudo, as relaes funcionais e estruturais que

    tornam o objeto uma unidade coerente, quer do ponto do produtor quer do utente55

    Dito isto, a complexidade de todo o processo de desenvolvimento, por trs da conceo

    de um produto, exige que o profissional possua um conjunto de aptides, que por norma

    so desenvolvidas ao longo do perodo formativo/acadmico, que pode ir dos trs aos

    cinco anos. Embora o conjunto de aptides impostas pela indstria seja vasto, podemos

    dividir a exigncia do processo de conceo em trs categorias gerais: a) o domnio sobre

    mtodos cientficos de investigao; b) uma percia representativa e artesanal; c) uma

    capacidade cognitiva e emptica, que se associa com os principais problemas e

    necessidades de uma populao. Considerando a influncia que as trs categorias tm

    dentro do processo de desenvolvimento de um produto, assim como o impacto cultural

    que a indstria tem sobre a sociedade, podemos afirmar que as aptides ou habilidades

    desenvolvidas ao longo do perodo formativo/acadmico, tm uma responsabilidade

    direta na forma como a sociedade perceciona a realidade material e visual que a envolve.

    A tese de doutoramento Estratgias de desenho no projeto de design: um estudo sobre o

    uso do desenho como recurso instrumental e criativo ao servio do pensamento visual do

    designer de equipamento da professora doutora Isabel Dmaso Rodrigues56, realizada

    em 2007, trata precisamente da influncia da desenho e da importncia e do carcter da

    cultura do design57 tem dentro do processo de design. Ou seja, por um lado a cultura

    visual58 fornece toda a informao conotativa e denotativa, prpria de uma determinada

    sociedade, inserindo um objeto num determinado contexto. Por outro lado a cultura

    material59, fornece todo o estudo antropolgico de hbitos, costumes, crenas entre

    outros, essencial para o desenvolvimento de um produto.

    55 Isabel Dmaso Rodrigues, Estratgias de desenho no projeto de design: um estudo sobre o uso do desenho como recurso instrumental e criativo ao servio do pensamento visual do designer de equipamento,

    tese de doutoramento, 2007, P.14. 56 Isabel Dmaso Rodrigues - Docente responsvel pelas disciplinas de Desenho I e II da licenciatura de Design de equipamento, e no preciso momento coordenadora do mestrado em Design de equipamento, na

    FBAUL - Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. 57 Surge como uma unio entre a cultura visual e a cultura material. 58 Um conjunto de referncias visuais que podem ser apreendidas, com a Arte, o Design, Histria, Arquitetura, Filmografia De forma denotativa (realista e objetiva) e conotativa (figurativa e metafrica),

    estuda a cultura tendo em conta a relao sujeito / objeto. 59 Ver note de rodap da P.38 deste trabalho.

  • 36

    As aptides impostas pela indstria no decorrer do desenvolvimento do produto, integram

    uma metodologia de investigao especfica, apelidada de processo de design, a qual,

    apesar das diferentes abordagens metodolgicas que o processo possa vir a adquirir de

    empresa para empresa, segue por norma as seguintes fases:

    1) Descobrir e definir uma rea de oportunidade para insero de um produto. A

    fase definida por uma anlise ao cliente, ao mercado, ao produto, s tendncias e ao

    consumidor, com o intuito de gerar uma, ou vrias reas de oportunidade para a

    integrao do produto.

    2) Definio e desenvolvimento do produto. A fase caracterizada principalmente

    pela gerao e o desenvolvimento de ideias, com recurso representao grfica. Para

    alm disso a etapa recorre a uma metodologia de brainstorm60, que promove o

    trabalho de equipa e visa a gerao de conceitos em larga escala. Posteriormente, o

    designer recorre visualizao 3D, atravs de renders manuais ou digitais, assim

    como conceo de modelos fsicos (prottipos), que funcionam como um

    instrumento de teste, auxiliando o cliente ou a equipa, na compreenso da escala e do

    funcionamento geral do produto.

    3) Desenvolvimento do produto (entrega e lanamento). A ltima fase pressupe um

    cruzamento de informao entre a equipa de design e a equipa de engenharia, segundo

    um conjunto de desenhos tcnicos executivos de comunicao produo. Para alm

    disso, a fase conta ainda com o acompanhamento assduo por parte do designer no

    decorrer da materializao do produto, a anlise de estratgias de lanamento do

    produto, sesses fotogrficas e o apoio promoo.

    A diversidade de tarefas inerente ao mtodo solicita do designer uma quantidade

    equivalente de aptides, que podem ser desenvolvidas ao longo do perodo acadmico,

    ou em certos casos, aps o confronto direto com a realidade da empresa. Deste modo, a

    presente dissertao pretende examinar apenas as aptides desenvolvidas ao longo do

    perodo de formao, mais especificamente a representao grfica e os diferentes

    benefcios que a prtica do desenho oferece ao processo de design.

    60 Mtodo foi criado nos Estados Unidos, por Alex Osborn, um publicitrio com o objetivo de explorar a capacidade criativa de um indivduo, ou de um grupo de indivduos atravs da relao de ideias. O mtodo

    foi adotado por vrias empresas, como meio de desenvolvimento de ideias e resoluo de problemas.

  • 37

    No mbito do projeto a comunicao uma constante, independentemente da

    configurao que possa adquirir, isto , oral, escrita ou visual. Como tal, uma vez que o

    designer trabalha fundamentalmente com informao visual, a comunicao visual a

    configurao mais aplicada ao longo de todo o processo. A visualizao ocorre quando

    uma ideia que ainda no visvel se torna percetvel segundo uma representao grfica.

    A representao grfica a aptido que permite ao designer comunicar de forma eficiente

    com ele prprio, com o cliente e com a equipa de produo, promovendo a compreenso

    a cooperao e a conformidade de ideias entre todas as partes envolvidas. Para alm do

    carcter demonstrativo e comunicativo, podemos ainda acrescentar que o desenho no

    mbito do projeto uma ferramenta de conceo e desenvolvimento de ideias. Assim, o

    desenho dentro do processo de design no um fim, mas sim um meio para o correto

    desenvolvimento da atividade projetual.

    Figura 7 Representaes informativas realizadas pela equipa de design FLEX

    Estes desenhos serviram principalmente, como um meio de comunicao interna entre colegas.

    Verses mais refinadas so realizadas, para comunicar o mesmo conceito ao cliente. Os conceitos

    foram desenvolvidos com recurso a uma caneta esferogrfica preta, para a determinar a forma do

    objeto e uma caneta vermelha para sobressair os pormenores mais importantes.

    Fonte: Koos Eissen e Roselien Steur, Sketching The Basics, Bis Publishers, 2011, P.22

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    importante referir que quando falamos do desenho no mbito do design, a representao

    grfica pode adquirir vrias vertentes dependendo da fase em que o designer se encontra.

    Os desenhos podem variar entre rpidas exposies de ideias - que se assemelham muitas

    vezes, de um ponto de vista formal, a desenhos feitos por crianas - a representaes mais

    cuidadas - que obedecem a um conjunto de componentes grficos e formais como o uso

    de perspetiva, por exemplo -. O mesmo se passa com desenhos tcnicos executivos e

    representaes grficas digitais.

    A comunicao visual abrange um conjunto de aptides que no mbito do projeto se

    traduz essencialmente em trs prticas: a) representaes grficas; b) modelao

    tridimensional digital (3D); c) execuo de modelos fsicos escala ou aproximado

    soluo construtiva para produo (prottipos). As representaes grficas informam o

    cliente ou a equipa de aspetos funcionais, formais e outros tipos de particularidades. A

    modelao tridimensional digital (3D) expressa cor, material, sombreados e inclui muitas

    vezes o habitat natural do produto, constituindo um registo quase fotogrfico do

    conceito, antes mesmo da sua materializao. Prottipos aludem ao produto final com

    vista realidade tridimensional, ou seja, ao aproximarem o conceito da experincia

    original.

    A interdisc