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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGÜÍSTICA NELFE – NÚCLEO DE ESTUDO LINGÜÍSTICOS DA FALA E DA ESCRITA O PAPEL DA LINGÜÍSTICA NO ENSINO DE LÍNGUAS 1 Luiz Antônio Marcuschi (UFPE / CNPq – 2002) 1. O Tema e seu enfoque Esta exposição trata da relevância de alguns conceitos lingüísticos tidos hoje como centrais no tratamento da língua em sala de aula. É evidente que tanto esses conceitos como sua centralidade não são consensuais já que essa centralidade é definida com base em postulados teóricos aqui assumidos, que não se impõem naturalmente. Aliás, em questão de língua nada é natural 2 , tendo em vista ser a língua um fenômeno histórico, social e cognitivo. O que se terá aqui é uma reflexão sobre o papel da Lingüística em sala de aula, os modos de sua presença e o grau de suas influências. Paralelamente a essa tentativa de situar os conceitos dentro de uma perspectiva sócio-cognitiva defendem-se de maneira sistemática duas posições centrais: primeiro, que ao se definir a "relevância da lingüística no tratamento da língua", redefine-se a própria noção de "ensino de língua" como uma questão de trabalho com e sobre a língua e, segundo, que o tratamento 3 da língua em sala de aula é uma questão, num certo sentido, principalmente lingüística (com tudo o que envolve o fenômeno linguagem) e não didática. 1 Esta exposição contém a conferência pronunciada no 1º ENCONTRO DE ESTUDOS LINGÜÍSTICO- CULTURAIS DA UFPE, Centro de Artes e Comunicação, Recife, 12 de dezembro de 2000. Publicada com pequenas mudanças na revista Investigações: Lingüística e Teoria Literária Vol. 13/14(2001):187-217 (Recife, PG em Lingüística-UFPE) e ainda da conferência pronunciada em juiz de Fora num simpósio sobre o livro didático, em 14 de março de 2002. Além disso, contém expressivos acréscimos a ambos bem como cortes significativos das duas conferências para ser exposta na FAFICA (Faculdade de Filosofia de Caruaru) em 22/03/2002. 2 Neste sentido distancio-me da perspectiva chomskyana que vê a língua como um fenômeno biológico, isto é, um órgão mental, sendo a Lingüística passível de ser vista como uma ciência natural e a linguagem poderia ser trabalhada no contexto da psicologia ou da biologia. 3 Pela facilidade com que o termo “tratamento” pode induzir a uma falsa interpretação da idéia na linha de uma pretensa “higienização “ ou sanitarização” do processo de ensino, gostaria de evitar tal associação ou forma de ver a questão. O tratamento a que me refiro aqui é o trato, isto é, o trabalho, a análise, o estudo, a investigação e a observação do fenômeno em pauta, que no caso é a língua.

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Page 1: O PAPEL DA LINGÜÍSTICA NO ENSINO DE LÍNGUAS1

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGÜÍSTICA NELFE – NÚCLEO DE ESTUDO LINGÜÍSTICOS DA FALA E DA ESCRITA

O PAPEL DA LINGÜÍSTICA NO ENSINO DE LÍNGUAS1

Luiz Antônio Marcuschi (UFPE / CNPq – 2002) 1. O Tema e seu enfoque Esta exposição trata da relevância de alguns conceitos lingüísticos tidos hoje como centrais no tratamento da língua em sala de aula. É evidente que tanto esses conceitos como sua centralidade não são consensuais já que essa centralidade é definida com base em postulados teóricos aqui assumidos, que não se impõem naturalmente. Aliás, em questão de língua nada é natural2, tendo em vista ser a língua um fenômeno histórico, social e cognitivo. O que se terá aqui é uma reflexão sobre o papel da Lingüística em sala de aula, os modos de sua presença e o grau de suas influências. Paralelamente a essa tentativa de situar os conceitos dentro de uma perspectiva sócio-cognitiva defendem-se de maneira sistemática duas posições centrais:

• primeiro, que ao se definir a "relevância da lingüística no tratamento da língua", redefine-se a própria noção de "ensino de língua" como uma questão de trabalho com e sobre a língua e,

• segundo, que o tratamento3 da língua em sala de aula é uma

questão, num certo sentido, principalmente lingüística (com tudo o que envolve o fenômeno linguagem) e não didática.

1 Esta exposição contém a conferência pronunciada no 1º ENCONTRO DE ESTUDOS LINGÜÍSTICO-CULTURAIS DA UFPE, Centro de Artes e Comunicação, Recife, 12 de dezembro de 2000. Publicada com pequenas mudanças na revista Investigações: Lingüística e Teoria Literária Vol. 13/14(2001):187-217 (Recife, PG em Lingüística-UFPE) e ainda da conferência pronunciada em juiz de Fora num simpósio sobre o livro didático, em 14 de março de 2002. Além disso, contém expressivos acréscimos a ambos bem como cortes significativos das duas conferências para ser exposta na FAFICA (Faculdade de Filosofia de Caruaru) em 22/03/2002. 2 Neste sentido distancio-me da perspectiva chomskyana que vê a língua como um fenômeno biológico, isto é, um órgão mental, sendo a Lingüística passível de ser vista como uma ciência natural e a linguagem poderia ser trabalhada no contexto da psicologia ou da biologia. 3 Pela facilidade com que o termo “tratamento” pode induzir a uma falsa interpretação da idéia na linha de uma pretensa “higienização “ ou sanitarização” do processo de ensino, gostaria de evitar tal associação ou forma de ver a questão. O tratamento a que me refiro aqui é o trato, isto é, o trabalho, a análise, o estudo, a investigação e a observação do fenômeno em pauta, que no caso é a língua.

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2. Pano de fundo e perspectiva Antes de qualquer outra observação, gostaria de frisar que esta não será uma exposição em Lingüística Aplicada4. Esta é simplesmente uma tentativa de identificar os papéis da lingüística no “ensino de língua” tendo por objetivo central compreender como se deu a correlação entre o desenvolvimento da pesquisa e sua aplicação ao ensino. Em geral, quando se tem um tema como este pensa-se na Lingüística Aplicada e, em particular, no Ensino de Língua Estrangeira, Segunda Língua ou Língua Materna.5 Meu tema situa-se no recorte histórico contemporâneo e tem caráter teórico. Serve como uma pequena contribuição para discussão futura. Em síntese, após breves considerações gerais, concentro-me nestas três indagações: (a) quais as teorias mais adequadas para o trato da língua em sala de aula, se é que existe uma tal teoria; (b) qual a intensidade da presença de conceitos lingüísticos em sala de aula e (c) quais os aspectos teóricos que merecem mais ênfase. Seguramente, estas três indagações só serão respondidas na medida em que se der uma resposta a uma questão prévia de fundo que pode ser objeto de interminável discussão. Trata-se do problema dos objetivos do “ensino de língua”. Quanto a este aspecto, pelo menos em grandes linhas, podemos concordar com a sugestão feita pelo Documento oficial do MEC, “Matrizes Curriculares de Referência para o SAEB” (1999) que, em síntese, visa a fornecer elementos para a montagem de descritores para a avaliação de habilidades lingüísticas das 4ª e 8ª Séries do Ensino Fundamental e a 3ª Série do Segundo Grau. Lê-se nesse Documento que: A finalidade do ensino de Língua Portuguesa, tal como vem sendo tratada em diversas propostas curriculares, é criar situações nas quais o aluno amplie o domínio ativo do discurso nas diversas situações comunicativas, sobretudo nas instâncias públicas de uso da linguagem, de modo a possibilitar sua inserção efetiva no mundo da escrita, ampliando suas possibilidades de participação social no exercício da cidadania.(p 13) Para tanto, o mesmo documento considera a língua como “trabalho”, atribui-lhe “dimensão histórica”, privilegia a “análise da dimensão discursiva e pragmática 4 Creio de direito lembrar aqui que um dos primeiros trabalhos sistemáticos sobre Lingüística Aplicada no Brasil foi a tese de doutorado de meu colega o prof. Francisco Gomes de Matos defendida em 1973 na PUC/SP e publicada em 1976 sob o título Lingüística Aplicada ao Ensino de Inglês. (São Paulo, Ed. Mc Graw-Hill do Brasil). 5 A rigor, a Lingüística Aplicada (LA) abrange uma enorme quantidade de questões que vão muito além do ensino de língua em si. Já no ensino de línguas a LA ocupa-se com: análise contrastiva, análise de erros, ensino de 2ª língua, ensino de língua estrangeira, ensino de língua materna, aquisição da sintaxe, pronúncia, léxico etc., bilingüismo, política lingüística, minorias lingüísticas, preconceito lingüístico, norma lingüística e assim por diante.

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da linguagem” situada em contextos da vida diária como “prática social”. Em suma, sugere a formação de um cidadão habilitado a usar de modo adequado sua língua em situações cotidianas dos mais diversos tipos para ler e ouvir, falar e escrever. O documento evita separar a leitura e a produção de texto em duas áreas diversas e caracteriza o conhecimento lingüístico como “operacional”, isto é, integrado à atividade social do indivíduo inserido em seus contextos culturais e necessidades práticas. A rigor, o documento é politicamente correto e teoricamente adequado. Neste contexto, torna-se relevante frisar, até como forma de contraste, a posição maleável desse documento oficial que inaugura nova e promissora perspectiva pelo menos na intenção. Pois é notório que a escola oficial, enquanto aparato educacional, no Brasil, sempre se apresentou, desde o século XVIII, como guardiã da língua escrita padrão, postulando a idéia de uma unidade lingüística nacional e, até, transnacional. A escola não só se arvorou em guardiã da língua como de suas normas e de suas formas mais prestigiosas. Reproduziu modelos idealizados e que devem ser continuados como forma de garantia da boa expressão e manutenção de valores culturais desejáveis por todos os cidadãos. O curioso é que este tipo de raciocínio lapidar é ao mesmo tempo lapidarmente vesgo na medida em que esquece que a própria norma lingüística ensinada no Brasil é derivação de derivas históricas. A rigor, sem que se dê conta, essa mesma escola vai preservando a variação e a mudança. Antes de iniciar a exposição, lembro o que afirmou Magda Becker Soares (1998) em palestra na PUC-SP, ao discorrer sobre as “Concepções de linguagem e o ensino de Língua Portuguesa”.6 Para a Autora, há diversas perspectivas das quais se pode fazer uma reflexão sobre o ensino: a perspectiva da própria ciência, ou então as perspectivas psicológica, política, social, cultural e histórica. No presente caso, vou tratar meu tema da perspectiva da própria ciência e da perspectiva sócio-histórica. Preocupa-me como o saber escolar, na sua relação com o saber científico, foi se constituindo ao longo do tempo. Mas isto não significa que ignore a relevância das demais perspectivas. Os estudos do português, sob o seu aspecto filológico, já vinham se desenvolvendo nos meados do século XIX e, com sucesso, já mapeavam os falares e as diversas línguas em suas peculiaridades com descrições dialetológicas e históricas tendo como metodologia básica de trabalho o Comparativismo essencialmente histórico e descritivo. Temos dessa época muitos trabalhos sobre a relação do Português do Brasil e o Português de Portugal. 6 Refiro-me ao trabalho de Magda Becker Soares. 1998. Concepções de linguagem e o ensino de Língua Portuguesa. In: Língua Portuguesa. História, Perspectiva, Ensino. Org. por Neusa Barbosa Bastos. São Paulo, EDUC-;IP-PUC/SP, pp. 53-60.

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A perspectiva é ainda pré-estruturalista porque não distingue níveis de análise nem se dá ao trabalho do estudo sincrônico. Depois surge a perspectiva estruturalista que dominará durante o século XX até os anos 60 para dar lugar a uma visão multifacetada e pós-estruturalista, a partir dos anos 60, com o surgimento da pragmática, sociolingüística, psicolingüística, etnometodologia e, mais recentemente, o cognitivismo, que desembocam nas mais diversas correntes que hoje tanto influenciam o ensino. Diante desse quadro, num primeiro momento, gostaria de refletir brevemente sobre os dois pólos extremos da trajetória histórica do ensino de língua no Brasil. 3. Das Crestomatias aos Parâmetros Curriculares Nacionais Se observarmos os manuais usados pelas escolas do século XIX até o primeiro quartel do século XX, constatamos que, no Brasil, eles praticamente inexistem na forma como os conhecemos hoje.7 Tirante as Cartilhas de Alfabetização, para os demais níveis nos Ginásios e Cursos Normais, a língua é tratada com base em Florilégios, Crestomatias, Antologias e Seletas de textos escolhidos entre Narrativas, Lendas, Fábulas, Moral, Religião, Geografia, História, Biografias, Apólogos, Romances, Sonetos, Poesia lírica, épica, Sátiras etc. de consagrados autores brasileiros e portugueses ou de traduções. É a perspectiva do guardião da boa linguagem. Exemplo típico dessas obras é a famosa Crestomatia de Radagasio Taborda, de 1931, da Editora Globo, que em 1953 atingia a sua 25ª edição com 140.000 exemplares vendidos. Investigações realizadas nos últimos tempos pela Câmara do Livro dão conta de que cerca de 70% do mercado livreiro no Brasil constitui-se de obras didáticas, o que é admirável, já que tem o próprio Estado brasileiro (governos municipais, estaduais e federal) como comprador. Adotada na maioria das Escolas Normais e nos Ginásios do Brasil, essa obra seguia os preceitos do Ministério da Educação publicados no Diário oficial de 31 de julho de 1931, que determinavam como deveria ser o ensino do Português nas três primeira séries do ensino fundamental. Entre outras coisas, preceituava-se ali que

7 A título de observação histórica, lembro que em Portugal havia, desde inícios do século XIX políticas públicas para o ensino de língua nos Cursos de Escolas Normais nos Liceus. Neste sentido, lembro aqui o famoso manual de Francisco José Monteiro Leite, Grammatica Portugueza dos Lyceus, em que se contém toda a doutrina exigida pelo último programma official, organisado pelo Conselho Superior d’Instrução Publica. Porto, Livraria Civilisação, 1887. O manual segue as normas para o ensino de língua portuguesa ditadas pelo Conselho Superior d’Instrução Publica, de outubro de 1886, que revia instruções anteriores. Essas normas não eram conceituais, mas constituíam o programa completo a ser nacionalmente adotado em cada nível de ensino.

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O programa dessa cadeira tem por objetivo proporcionar ao estudante a aquisição efetiva da língua portuguêsa, habilitando-o a exprimir-se corretamente, comunicando-lhe o gosto da leitura dos bons escritores e ministrando-lhe o cabedal indispensável à formação do seu espírito, bem como à sua educação literária. (p. V) De certo modo, este início do documento frisa um tratamento da língua voltado para a leitura e a imitação do bom autor. Se analisarmos as breves exposições teóricas iniciais da obra, veremos que elas se voltam para a boa pronúncia e a boa leitura e todos os seus preceitos. É curioso notar que em vários momentos, o documento oficial do MEC, de 1931, deixa claro que o ensino de língua, pelo menos nas primeiras séries, não deveria concentrar-se na gramática e sim na leitura de textos. Veja-se esta passagem: Nas duas primeiras séries do curso, o ensino será acentuadamente prático, reduzidas ao mínimo possível as lições de gramática e transmitidas por processos indutivos. (p. V) A “correção da linguagem” dar-se-ia na leitura e na conversação sobre os textos lidos e nas suas reproduções orais que preparariam as reproduções escritas em séries mais avançadas. Para o legislador de então, “o professor procurará tirar o máximo proveito da leitura, ponto de partida de todo o ensino”, por oferecer um “manancial de idéias” e preparar a percepção e imitação do bom estilo de escrever. A gramática não é, pois, o ponto base do ensino, já que os “fatos gramaticais” presentes nos textos lidos jamais deveriam ser “apresentados ‘a priori’, mas derivados naturalmente das observações feitas pelo próprio aluno” (p. V). Por fim, lembra o documento que “somente na quarta série começará a redação livre, dando-se-lhe daí por diante, até o termo do curso, maior atenção.” (p.VI) Em suma, o ensino deve concentrar-se na exposição do aluno aos bons textos da tradição literária para conservar a própria tradição, como se a língua fosse homogênea e estável, sem variações nem mudanças ao longo da história. Lembro ainda outra obra muito conhecida, a Seleta em Prosa e Verso, [1884] de Alfredo Clemente Pinto, Editada pela Martins Livreiro, de Porto Alegre, que em 1980 atingia a 55ª edição e ainda era usada em vários colégios. Entre as recomendações da primeira edição estão estas:

“Para que, porém, o nosso trabalho produza os resultados que tivemos em vista ao compilá-lo, pedimos aos Senhores professores façam estudar de cor aos seus discípulos bom número de trechos, tanto em prosa como em verso, que a experiência tem mostrado ser este estudo de grande vantagem para os mesmos discípulos, os quais assim, sem muito esforço adquirirão uma dição correta e elegante, e dilatarão o círculo de suas idéias, aprendendo ao mesmo tempo a combiná-las convenientemente.”

Esta é uma postura que irá mudar sensivelmente no futuro. Pois ela se baseia simplesmente na idéia de que a língua é uma espécie de relicário no qual

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acham-se depositados os tesouros do conhecimento a que necessitamos ter acesso. Esquece-se a formação crítica do cidadão e o exercício da reflexão. Bastem essas poucas observações para que se tenha uma noção mesmo que vaga de um longo período de ensino que vai desde o final do séc XVIII até os meados do século XX com ênfase na leitura e reservando a produção textual para níveis mais elevados. Acreditava-se no aprendizado pela exposição à boa linguagem e na existência de uma língua homogênea, unificada e não problemática. Isso mudará sensivelmente a partir dos meados do séc. XX, com o surgimento de manuais sistemáticos, para se chegar, nesta última década, a um documento oficial por parte do MEC, requintado e recheado de teorias, constituindo-se num antípoda das Crestomatias. Refiro-me aos PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais, que assim iniciam o capítulo sobe o “ensino e a natureza da linguagem”: “O domínio da linguagem, como atividade discursiva e cognitiva, e o domínio da língua, como sistema simbólico utilizado por uma comunidade lingüística, são condições de possibilidade de plena participação, social. Pela linguagem, os homens e as mulheres se comunicam, têm acesso á informação, expressam e defendem pontos de vista, partilham ou constroem visões de mundo, produzem cultura.” (PCN, 1998, 5ª a 8ª, p. 19). O mesmo documento preceituará, logo em seguida que:

“O objeto de ensino e, portanto, de aprendizagem é o conhecimento lingüístico e discursivo com o qual o sujeito opera ao participar das práticas sociais mediadas pela linguagem. Organizar situações de aprendizado, nesta perspectiva, supõe: planejar situações de interação nas quais esses conhecimentos sejam construídos e/ou tematizados; organizar atividades que procurem recriar na sala de aula situações enunciativas de outros espaços que não o escolar, considerando-se sua especificidade e a inevitável transposição didática que o conteúdo sofrerá; saber que a escola é um espaço de interação social onde práticas sociais de linguagem acontecem e se circunstanciam, assumindo características bastante específicas em função de sua finalidade: o ensino.” (p.22)

Como se nota, os enfoques do ensino e da língua mudam radicalmente e já não são mais os bons textos, como veremos logo mais, que entram na análise, mas sim toda a produção lingüística em sua múltipla variedade, envolvendo os mais diversos gêneros textuais tanto na oralidade como na escrita. Além disso, são levadas para a escola situações d vida real, ou seja, a escola vai à rua e busca entender o que acontece e preparar o cidadão para entender o que ali se passa.

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O que se deve frisar, para além dessas novidades, é que os PCN não trazem um programa para o ensino e sim uma visão conceitual que deverá orientar o ensino. Contudo, logo em seguida surgem documentos que enrijecem os PCN e produzem verdadeiros programas nem sempre no espírito da proposta original. São, pois, de data recente, com menos de 50 anos, os manuais de ensino de língua tal como os conhecemos hoje. O formato atual dos manuais, com exercícios estruturados em determinados grupos de problemas de acordo com as formas de análise lingüística, e orientações ao professor, prolifera depois dos anos 60. Seguramente, a regulamentação dos Cursos de Letras e a introdução de determinadas matérias no currículo mínimo, tal como a Lingüística (em 1961), são responsáveis por boa parte desse desenvolvimento e até mesmo pela sua orientação. Também não se pode esquecer que entre muitas outras decisões oficiais do Conselho Federal de Educação para regular o ensino de língua, surge, em 1958, por iniciativa do MEC, um documento sugerindo uma terminologia oficial para o estudo e descrição do português, chamado NGB – Norma Gramatical Brasileira, imediatamente adotado por todas as gramáticas escolares, gramáticas descritivas e dicionários. Ainda dentro deste pequeno excurso histórico que estou traçando, haveria algumas outras datas marcantes a serem apontadas como emblemáticas. Entre elas, lembraria as seguintes, algumas mais antigas e outras mais recentes:

• Em 1881, surge a Gramática Portuguesa de Júlio Ribeiro e, na sua esteira, muitos estudos filológicos que se dedicarão inclusive ao problema central da relação entre o Português do Brasil e de Portugal.

• Em 1896-97, é fundada a Academia Brasileira de Letras, que passa a legislar em questões de língua ao lado das Academias Portuguesas.

• Em 1941, é editada a 1ª edição da obra Princípios de Lingüística Geral, de Joaquim Mattoso Câmara Jr,8 com 2ª edição revista e aumentada em 1954, o primeiro e mais influente manual de Lingüística por muito tempo no Brasil.

8 Aparentemente insignificante, esse aspecto é fundamental. Veja-se o prefácio de Sousa da Silveira, à primeira edição da obra de Mattoso Câmara, onde se diz que Joaquim Mattoso Câmara Jr. deu, em 1938 um Curso de Lingüística na Faculdade de Filosofia e Letras do então Distrito Federal – Rio de Janeiro -. Este deverá ter sido o primeiro curso formalmente realizado na área, no Brasil. O livro de 1941 é o reflexo das lições que vinham sendo ministradas desde aquele primeiro curso.

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• Em 1958, surge, por iniciativa do MEC, a NGB – Norma Gramatical Brasileira, com uma terminologia oficial para o estudo e descrição do português.

• Em 1961, por decisão do Conselho Federal de Educação, torna-se obrigatória a introdução da Lingüística no Currículo Mínimo dos Cursos de Letras, incentivando seu estudo.

• Em 1963, surge o primeiro Curso de Pós-Graduação em Lingüística em Brasília, que por razões políticas terá curta duração (1963-1965). Hoje eles chegam a mais de 70 em Mestrado e cerca de 50 em Doutorado.

• Em 1969, surge a Associação Brasileira de Lingüística e as primeiras revistas da área9. Inicia-se a profissionalização na área e o incentivo a projetos financiados.

• Em 1998, são editados os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa. Um volume para 1ª - 4ª Séries e outro para 5ª-8ª Séries e um último para o 2º Grau.

Eduardo Guimarães (1996 e 2000), em trabalho de análise e periodização dos estudos lingüísticos e filológicos no Brasil10, constata que entre 1500 e 1900 se dá a grande discussão para estabelecer alguma ordem lingüística no país e ao mesmo tempo ir demarcando os desalinhamentos do Português do Brasil em relação ao português de Portugal. Quanto a isso é interessante notar como os estudos do Português no Brasil são marcados nesse início pela consciência da diferença que se estabelecia tanto com Portugal (influência de línguas indígenas e africanas), como dentro do próprio Brasil (formação de variedades dialetológicas). Não obstante isso, a oficialidade sempre frisou a homogeneidade e unidade lingüística, até mesmo com além-mar. O século XIX será o dos estudos e propostas de gramáticas e dicionários com descrições mais refinadas já suportadas por princípios e teorias lingüísticas vindas da Europa e dos Estados Unidos. O século XX é o da sistematização dos estudos e explosão de linhas teóricas, bem como a diversificação dos pontos de vista, chegando-se ao momento atual em que se torna quase impossível uma visão de conjunto na área dos estudos lingüísticos. 9 Não estou fazendo um capítulo de História da Lingüística (para tanto basta ver a proveitosa obra de C. ALTMAN, 1997), mas observo que hoje temos mais de uma centena de revistas de Lingüística no Brasil e mais de 40 sociedades científicas nacionais ou regionais. Temos mais de 2000 doutores e cerca de 10000 mestres, o que dá a dimensão dessa área com cerca de 260 Cursos de Graduação e 70 de Pós-Graduação. 10 Para Guimarães (1996 e 2000), pode-se identificar 4 períodos no desenvolvimento dos estudos lingüísticos (da língua portuguesa e de Lingüística) no Brasil. Em síntese, seriam: (1) Do séc XVI a meados do séc. XIX: poucos estudos sobre o Português no Brasil; (2) de meados do Séc. XIX até os anos 30 do séc XX: criação dos cursos de Letras e grande incentivo aos estudos d variação lingüística; (3) da década de 40 até meados da década de 60 do séc XX: obrigatoriedade da lingüística nos Cursos de Letras e implantação da PG em Lingüística; (4) dos anos 70 do séc. XX até hoje: expansão e ampliação dos cursos de Lingüística e das teorias bem como das investigações.

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Estas observações foram aqui feitas apenas com o intuito de sugerir que, em grandes linhas e numa visão macro, o tratamento escolar da língua no Brasil de um modo geral reflete uma relação bastante estreita com os avanços científicos, mesmo que com certa defasagem. Portanto, o problema não está nessa influência ou relação e sim na natureza dessa relação e nas escolhas teóricas e sua utilização. Observou, com sarcasmo, certa vez, Nelson Rossi [1969:28], eu seu relatório sobre a situação da Lingüística no Brasil, na década de 60, que “a Lingüística no Brasil, graças não exclusiva mas principalmente à obrigatoriedade desde 1962 do seu ensino em nossos cursos superiores de Letras, está na moda (grifo do autor). Exerce um verdadeiro fascínio sobre jovens professores de línguas estrangeiras ou do vernáculo e se predispõem a absorver sofregamente o último –ismo lingüístico que lhes seja oferecido, com o ardor característico dos neoconversos.” E concluía o autor que o ambiente era favorável a um belo florescimento da disciplina. Hoje, ao lado dessa profecia podemos acrescentar que o incremento dos estudos lingüísticos influenciaria várias outras atividades, em especial o tratamento de língua desde a alfabetização até o final do Segundo Grau, entrando também nas universidades. 4. Os estudos da língua no início do século Se observarmos a Lingüística tal como ela se autodefiniu no início do século XX, na Europa e nos EUA, vamos constatar que a ponte entre a teoria e a prática foi minada logo de saída. Pois, com Saussure, a lingüística se autodeterminava como o estudo das formas e das estruturas do sistema lingüístico, optando pelo caminho de uma ciência o mais abstrata possível, quase formal.11 Esta não foi seguramente uma decisão isolada, mas comum ao conjunto das Ciências Humanas num século marcado pelo positivismo. Isto acarretou uma visão objetivista da linguagem ao se privilegiar a análise da língua como um constructo formal. Era um ideal de ciência que tanto marcaria o século XX e lhe legaria uma metodologia científica hegemônica baseada num verificacionismo empírico-formal. Surgiu daí a noção de língua como sistema de regras e a noção de que o objeto da lingüística não era a produção concreta e histórica, embora essa fosse primordial. Saussure mandava analisar a fala não enquanto fenômeno empírico e situado, mas como constructo social, somatório das individualidades e acima

11 Ressalvo aqui que estas observações são sumárias e não pretendem ter a consistência de um capítulo de História da Lingüística. Se quiséssemos ser absolutamente justos, deveríamos lembrar que, na Alemanha, Karl Bühler [1934] lançava, com sua Spachtheorie, uma obra que ainda hoje contém elementos atuais e inaugurava uma nova perspectiva de se fazer Lingüística, com sensibilidade para o estudo da pragmática e dos aspectos sócio-cognitivos. Já a posição de Ferdinand de Saussure [1915] em seu Cours de Linguistique Générale, tinha um similar na perspectiva formal, em Language, de Leonard Bloomfield [1933] nos Estados Unidos da América, postulando posições que por longo tempo foram tidas como behavioristas.

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das idiossincrasias.12 Não era a fala e sim um ideal de fala ou uma fala idealizada, que também não chegava a ser a escrita. Sugeria o recorte sincrônico em detrimento da diacronia, evitando a observação dos dados em sua variação empírica. Instaurou as mais diversas dicotomias que fariam fortuna por mais de meio século. Assim, em Lingüística, tudo iniciava com um freio na observação do uso e da variação. No meu entender, parece necessário refletir formas de superar particularmente a dicotomia entre teoria e prática e perceber a unidade que existe entre diacronia e sincronia, função e valor, forma e conteúdo, sujeito e objeto, objetivo e subjetivo, individual e social, racional e emocional, natural e cultural e assim por diante. Essa superação das dicotomias se dará na medida em que as tornarmos desnecessárias pela natural visão holística e globalizante dos fenômenos e não pela opção por um de seus pólos. Com a superação, teremos desenhado uma nova forma de fazer ciência, assim como se vem operando desde os anos 80 do século XX. 5. Língua como fator de identidade Ainda não foi feita, mas seria esclarecedora uma investigação sobre o desenvolvimento da Lingüística no século XX na sua relação direta ou indireta com os manuais e materiais de ensino de língua. Se formos observar o que ocorria no final do século XIX no ensino de língua e que perduraria até os anos 40 do século XX, particularmente no Brasil, veremos que inexistem manuais ou gramáticas pedagógicas tais como as que conhecemos hoje. Como bem nota Soares (1998:55), a denominação da disciplina “Português” ou “Língua Portuguesa” só passou a existir nas últimas décadas do século XIX, sendo que “até então, a língua era estudada na escola sob a forma das disciplinas Gramática, Retórica e Poética” (ênfase acrescida). O ensino de língua, no Brasil-Colônia “restringia-se à alfabetização” e quando se prolongava um pouco mais era para “o estudo da gramática da Língua Latina, da retórica e da poética” (Soares, 1998:54). Com a Reforma Pombalina, em 1759, deu-se início ao estudo da Língua Portuguesa no mesmo estilo da Língua Latina: Gramática, Retórica e Poética, imitando os bons escritores. Para tanto, existiam os Florilégios, as Seletas e as famosas Antologias ou Crestomatias com seleção de textos clássicos da literatura.13 Seguiam-se os preceitos da Filologia que comandava então o estudo 12 Não defendo esta posição como a única, pois hoje há inúmeras revisões de Saussure que tentam mostrar uma outra realidade sugerindo ter sido Saussure mal-interpretado em seus postulados teóricos básicos. 13 Magda B. Soares (1998:55) cita a Antologia Nacional, de Fausto Barreto e Carlos de Laet publicada em 1895 e que até os anos 60 deste século teve 43 edições; Também havia a Gramática expositiva, de Eduardo Carlos Pereira, publicada em 1907 com dezenas de edições. Nos anos 40 foram editadas muitas gramáticas, tais como O Idioma Nacional, de Antenor Nascentes; Gramática Normativa da Língua Portuguesa, de Francisco da

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da língua. A idéia era a de que a língua formava um grande quadro da identidade nacional e era o depositário da cultura nacional. E esta se expressava na Literatura de um povo, que devia ser imitada. Era ainda o ideal greco-latino do ensino de língua. Na língua estaria o patrimônio e a pátria de um povo, e até mesmo a visão de mundo que o animava, tal como postulara Humboldt. Em certo sentido isto perdura ainda hoje nas Academias e nas visões mais conservadoras que não admitem outro ensino a não ser o da língua dita padrão e exemplar de nossos melhores e mais consagrados autores. 6. Língua como sistema de regras A noção culturalista e antropológica (o classicismo culturalista) muda apenas nos anos 20 do século XX, mas sua repercussão no ensino se dará muito mais tarde, por volta dos anos 50, quando se unificam os livros de gramática com os textos literários.14 Surgem no mundo todo os livros didáticos com uma pedagogia da língua. Na teoria lingüística, com Saussure, Bloomfield e Bühler, deslocava-se a visão da cultura para o sistema. A filologia dá lugar, lentamente, ao estruturalismo lingüístico e os estudos diacrônicos vão cedendo lugar aos sincrônicos. A historicidade vai dando lugar à sistemicidade. Como exemplo, pode-se citar o caso da semântica histórica definida e desenvolvida tão bem por Michel Bréal no final do século XIX e que será até mesmo excluída dos estudos lingüísticos por Saussure. O ensino de língua capitaliza esta visão popularizando-a nas gramáticas pedagógicas com o predomínio do ensino da gramática, esquecendo até mesmo a Literatura em muitos casos. É o triunfo da idéia da língua como sistema de regras, que poderia ser estudada imanentemente já que teria um determinado grau de estabilidade interna, estruturação e imanência significativa.15 Neste período o estruturalismo chega ao máximo nas análises fonológicas, morfológicas e sintáticas da língua, esquecendo-se em boa medida os aspectos semânticos, pragmáticos, sociais, discursivos e cognitivos que iriam ser incorporados seqüencialmente, nos anos seguintes, aos estudos científicos da língua.16 Dos anos 1910 aos anos 1950 predominavam os estudos no plano

Silveira Bueno; Gramática metódica da Língua Portuguesa, de Napoleão Mendes de Almeida. Será só nos anos 60 que gramática e antologia constituirão um único livro. 14 A predominância de exemplares textuais literários e absoluta exclusão de gêneros comunicativos de uso, tais como cartas, reportagens de jornais, notícias, documentos etc. se fará presente até os dias atuais. No momento, nota-se uma mudança nesta perspectiva, como se verá adiante. 15 Não se deve esquecer que no caso das línguas estrangeiras (e seguramente também no caso das línguas maternas) predominava a psicologia de natureza behaviorista que dominou o século XX desde o seu início até os anos 50 quando Chomsky deu argumentos suficientes para abalar a crença na educação montada em processos de adestramento. 16 Do ponto de vista da situação do ensino de Português no Brasil, Soares (1998:55-60) identifica três momentos, cada qual com sua compreensão de língua:

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descritivo e explicativo das formas, ligados à imanência e autonomia do sistema, sem a percepção dos atores e usuários da língua. Era o ensino de uma língua descarnada e que parecia agir por si só. No caso do ensino de línguas estrangeiras, a concepção de língua como sistema conduziu a muitos trabalhos de Lingüística Contrastiva, mostrando como as línguas variavam em suas relações sistemáticas, o que era de grande utilidade para o ensino na base dos contrastes (restritos ao plano da forma), seja do ponto de vista fonológico, morfossintático ou lexical. Mais do que uma disciplina, a análise contrastiva foi tida como um método de análise e sua tradição vem de longa data, desde o final do século XIX. Teve grande influência no ensino de língua e se estendeu para além da questão do sistema, tendo seus melhores frutos na análise comparativa do ponto de vista sociocultural que é o mais complexo na aprendizagem de línguas. Esta visão dos contrastes interculturais só ocorre no último quartel do século XX. Do ponto de vista da concepção de língua como sistema, não convém esquecer uma perspectiva de análise que foi praticada nos anos 60-70, denominada análise de erros.17 Tratava-se de uma investigação sistemática dos tipos de erros e suas causas, em especial no caso de falantes de segunda língua (falantes de línguas não nativas). Esse estudo ligava-se à análise contrastiva há pouco lembrada e postulava que os erros se deviam a pelo menos dois fatores básicos: (a) generalização excessiva e (b) transferência de propriedades de uma língua para outra. Contudo, tanto a análise contrastiva como a análise de erros se mostraram pouco produtivas tendo em vista que detectavam contrastes que

(1) de meados do século XIX até os anos 50-60, em que predominou a noção de língua como sistema; aqui o estudo se dava no reconhecimento das normas e regras da língua e dos bons escritores;

(2) o segundo momento foi o dos anos 60 ao final dos anos 80 com as novas condições sócio-políticas que conduziram até mesmo à mudança do nome da disciplina para Comunicação e Expressão, nas quatro primeiras séries e Comunicação em Língua Portuguesa, da 5ª à 8ª série do primeiro grau e, Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, no segundo grau. Aqui a língua era vista como instrumento de comunicação, e todo o aparato teórico foi o da teoria da comunicação que tomou conta do ensino de língua com suas noções de emissor-codificador e receptor-decodificador. O saber a respeito da língua não era o centro do ensino, mas sim a compreensão e o estudo dos códigos comunicacionais;

(3) o terceiro momento inicia no final dos anos 80 e perdura até hoje com a influência das novas teorias lingüísticas tais como a Lingüística de Texto, Análise da Conversação, Sociolingüística, Psicolingüística etc. Cai a denominação anterior e volta a disciplina de Língua Portuguesa ou simplesmente Português. Surge aqui o predomínio do estudo da unidade textual, dos processos de produção e compreensão textual e a língua é vista como uma atividade sócio-cognitiva.

17 Obra seminal e de grande interesse nesta área foi a de Robert Lado. 1957. Linguistics across cultures. University of Michigan Press. É importante que se frise a este propósito que a noção de erro não é algo produtivo nem positivo, pois é uma avaliação. Na realidade, um erro ou desvio não passa de um percurso quase necessário na aprendizagem, de modo que ele pode ser visto como um indício de aprendizagem e não como algo a ser necessariamente corrigido. Esta é uma posição sensatamente lembrada por Hakan Ringbom. 1995. Error Analysis. In: Handbook of Pragmatics. Ed. Por J. Verschueren, Jan-Ola Östman, J. Blommaert. Amsterdam, John Benjamins, pp. 581-583.

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explicavam as dificuldades na base do sistema (o que implica uma supersimplificação das questões de língua em geral) quando o problema residia em outros lugares, por exemplo, na questão interativa, nos contextos, nas intenções, enfim na produção de sentido situada.18 Hoje, a análise de erros e a análise contrastiva no ensino de L2 estão fora de cogitação. Frise-se que esta noção da língua como sistema de regras também traz o inconveniente de estar profundamente envolvida com a metáfora do canal ou do conduto. Para essa visão, a língua é uma espécie de sistema de transporte que conduz as idéias da cabeça ao papel e vice-versa. Também conduz de uma mente à outra e sempre com objetividade e muita eficácia. Trata-se de uma visão em que não há um lugar definido para o sujeito, a sociedade, a interação, a história e a cognição, entre outros aspectos que se podem apontar. 7. Língua como fenômeno social A visão estruturalista, embora tenha produzido notáveis resultados e conhecimentos nada desprezíveis, vai cedendo lugar a novas perspectivas e seu auge se dá no final dos anos 60, quando a idéia de variação lingüística obriga a que se volte o olhar para outros aspectos. Contudo, já bem antes disto, ainda nos meados do século XIX, frutificavam os estudos dialetológicos que mostravam como a língua variava geograficamente e os falantes não tinham uma unidade, seja do ponto de vista lexical ou fonético. Mudavam as pronúncias e outros aspectos da língua, mas isso não passava para o ensino e ficava no conhecimento dos filólogos que utilizavam estes elementos para seus estudos históricos. Com o aparecimento da idéia de que a variação lingüística era uma contraparte da variação social, como postulavam Weinreich, Labov, Waletzky, Fishman, Fisher, Gumperz, Dell Hymes, nos meados dos anos 60, surge uma perspectiva nova para o ensino. Assim se dá o lançamento oficial da Sociolingüística em suas várias vertentes, seja a variacionista ou culturalista.19 Surge daí uma perspectiva mais sistemática de considerar a língua como fato

18 É interessante notar que a análise de erros foi aplicada mais à fonologia, morfossintaxe e léxico, mas quase nada aos aspectos discursivos e textuais, pois aqui não se pode observar esse tipo de problema. No caso da perspectiva discursiva e textual, o que se observa é em geral a adequação intercultural e não o erro, pois isto não existe como uma grandeza detectável em si mesma. 19 A sociolingüística variacionista tem hoje uma tentativa de aplicação direta ao ensino, em especial na língua materna, sobretudo no contexto da alfabetização, com as investigações desenvolvidas na UFRJ sob a orientação de Cecília Mollica. É provável que dessas investigações surjam sugestões de interesse direto na produção de materiais instrucionais mais adequados sob o ponto de vista dos aprendizes e suas condições.

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social e como engajada na realidade sócio-antropológica. A própria noção de competência comunicativa tal como definida por Dell Hymes nos anos 60 distancia-se muito da idéia chomskyana de competência.20 A partir dessas novas conquistas teóricas, o trabalho com a língua passa a encarar, debater e combater todo o tipo de preconceito lingüístico dando lugar às tentativas de valorização das variedades de língua não-padrão ou não-cultas. A escola passa a ter que operar com a variedade e com a questão da diferença como um fato normal na língua, já que as línguas não são monolíticas nem homogêneas. Elas têm uma relação direta com a sociedade. O próprio interculturalismo passa a ser considerado. De algum modo, temos aqui a influência inicial dos estudos etnometodológicos que irão ter um papel mais decisivo no ensino nos anos 90 quando a sala de aula se torna essencialmente um laboratório de análise dos processos de interação e comportamento lingüístico.21 Estes trabalhos tornam-se muito importantes para as novas cartilhas de alfabetização e inicia-se um estudo mais aprofundado das relações entre variação lingüística e processos de alfabetização. Ao lado desses, florescia também o estudo da Psicolingüística, que buscava compreender os processos de aquisição da linguagem. Estes estudos vão influenciar diretamente o ensino em especial acrescendo-lhe um componente processual e cognitivo. Novos materiais e mais adequados vão surgindo considerando as faixas etárias. É o passo mais decisivo para a superação do behaviorismo na educação, como lembrei antes. 8. Língua como forma de ação É nos anos 60, também, que se chega à fantástica descoberta de que com a língua não apenas se diz, mas se age. É com John Austin que uma determinada pragmática (Teoria dos Atos de Fala) surge com força vital que vem mostrar a língua como uma forma de ação. Com a língua pode-se agir. É a visão da língua como fenômeno não apenas envolvido na situação social e reproduzindo em certo sentido a variação social em suas formas, mas é a visão da língua em funcionamento diretamente ligado a contextos situacionais e não apenas sociais e cognitivos. Linguagem como ação interativamente desenvolvida é uma idéia chave que surge no contexto da teoria dos atos de fala e numa perspectiva

20 Esta questão é importante porque terá relevância em especial ano ensino de língua estrangeira. A competência comunicativa na visão de Hymes é um conjunto de competências dos falantes no seu desempenho lingüístico contextualizado. Já a competência chomskyana não tinha sequer a participação de falantes humanos e era uma simples função interna e domínio ideal de uma suposta língua. 21 Esta visão irá ser de enorme importância tanto para o ensino de língua materna como para língua estrangeira. Pois a escola é um microcosmo do universo comunicativo maior do dia-a-dia. Ali estão muitas das diferenças que se manifestarão depois em outros contextos comunicativos.

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explicativa da ações intencionais com a língua. No uso da língua, não se tem apenas atos de dizer mas atos de fazer. A pragmática dos anos 60 desenvolve-se rapidamente, mas não entra no ensino num primeiro momento, tendo em vista sua origem complexa no seio da Filosofia Analítica da Linguagem. Além disso, a pragmática dos atos de fala se desenvolve num perspectiva formal e considera atos isolados de situações socialmente relevantes. Seu potencial não é traduzido para situações sociais do dia a dia. Muitas são, no entanto, as pragmáticas e não uma só. A mais importante e influente foi de início a desenvolvida por Austin e completada por Searle, mas em seguida sobrevém-lhe a pragmática conversacional de P. Grice, que assume importância muito grande e será em maior parte adotada pela Teoria Literária e também pelos pragmaticistas de linha cognitivista que lidam com processos de compreensão. É curioso que a teoria dos atos de fala irá frutificar de modo especial na teoria da ação lingüística, e a teoria das implicaturas griceanas vai influenciar particularmente na teoria da compreensão lingüística, embora ambas sejam propostas de análise pragmática da língua. Sob um ponto de vista prático, mesmo tendo em conta o alto potencial de ambas, elas ainda não se converteram em tecnologia adequada ao ensino. Permanece um desafio teórico transformar as pragmáticas em algo aplicável no ensino de língua. É curioso que a observação da variação sociolingüística e também estrutural das línguas conduziu, na área de ensino de língua estrangeira, a uma série de metodologias de investigações que redundaram, entre outras coisas, na análise contrastiva do ponto de vista sociocultural. As análises contrastivas dos diversos matizes, tal como desenvolvidas entre os anos 60-80, serviram muito aos estudos de tradução, ensino de segunda língua, aquisição de língua e bilingüismo.22 Na realidade, trata-se de uma investigação que tem em vista interesses teóricos e aplicativos. Os interesses aplicativos prevaleceram nos anos 70 preocupados com os contrastes essencialmente estruturais, mas também com o contraste categorial e funcional das línguas, os mais interessantes no ensino. 9. Língua como atividade e texto como evento Sorte muito maior do que a pragmática, terá a Lingüística de Texto, no que respeita à sua aceitação e aplicabilidade no ensino de línguas. Assim, podemos tomar como aspecto relevante o surgimento da Lingüística de Texto em 22 Informações interessantes e úteis a respeito da Análise Contrastiva e sua relevância no ensino de língua podem ser vistas em Katarzyna Jaszczolt. 1995. Contrastive Analysis. In: Handbook of Pragmatics. Ed. Por J. Verschueren, Jan-Ola Östman, J. Blommaert. Amsterdam, John Benjamins, pp. 561-565.

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meados dos anos 60, bem como da Análise da Conversação logo em seguida, no início dos anos 70 e uma boa parte dos estudos da Análise do Discurso, em especial na sua versão francesa que, no Brasil, teria grande repercussão em especial nos estudos literários.23 Se os anos iniciais do séc. XX até os anos 60, foram dominados pelo estudo da lingüística estrutural, predominando ali a análise de elementos isolados e, no máximo, admitindo como unidade maior a frase, a partir dos anos 60 dá-se uma guinada nesta posição. Desde então, a postura teórica em relação aos estudos lingüísticos é a identificação de uma nova unidade lingüística, isto é, o texto, ou seja, uma perspectiva supra-frasal que vem da Escola de Praga e se estende para a Alemanha onde se desenvolve com enorme rapidez e imensa influência sobre os manuais de ensino de língua. Trata-se de valorizar a língua em contextos de uso naturais e reais, privilegiando a atividade lingüística autêntica com textos produzidos em situações cotidianas orais ou escritas. Inicialmente, dá-se um estudo mais restrito aos textos escritos pela facilidade de sua coleta e pela ainda inexistente tradição de análise da língua falada que se inicia lentamente no final da década de 60. Hoje o panorama já e bem mais diversificado e se contempla com certa profundidade a língua falada no ensino. É curioso observar que se os estudos sociolingüísticos e pragmáticos, nessa época bem mais desenvolvidos e sólidos do ponto de vista científico, ao terem unidades de análise bem definidas, não conseguiram penetrar e transformar-se em tecnologia adequada nos manuais de ensino, a Lingüística de Texto, por sua vez, conseguia este feito com relativa rapidez. De certo modo, ela tem a vantagem de trazer um componente extremamente aplicável que é o aparato teórico adequado à análise do funcionamento do texto, seja sob o ponto de vista da produção ou da compreensão, os dois aspectos que passarão a dominar cada vez mais o ensino a partir dos anos 80. Isto se dá a tal ponto, como ainda observaremos adiante, que no final dos anos 90 a LT chega a substituir de forma drástica toda a análise gramatical que antes perfazia o núcleo do ensino de língua na escola. E com repercussão direta sobre todos os testes de língua que hoje são feitos para concursos públicos, vestibulares etc., no Brasil. Definindo o texto como evento e observando-o como processo e não como produto, a LT passou a incorporar domínios cada vez mais amplos, tendo que dar conta da integração de aspectos lingüísticos, sociais e cognitivos no

23 Não me é ainda muito clara a influência direta da Análise do Discurso de origem francesa no ensino de língua e tudo indica que essa influência é mais indireta, como um pano de fundo, pois ela não lida essencialmente com formas ou com elementos da língua e sim com condições de produção e de sentido. Suponho que a literatura se tem beneficiado muito mais da AD francesa.

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funcionamento da língua. Novos estudos são desenvolvidos e uma enorme renovação dos materiais didáticos passa a acontecer com base nesses desenvolvimentos recentes. 10. Língua como interatividade e o papel das trocas comunicativas Enquanto a Análise do Discurso ficaria até hoje confinada predominantemente aos estudos acadêmicos, tendo em vista sua limitação explicativa dos fenômenos lingüísticos, a Análise da Conversação, embora não na mesma medida que a Lingüística de Texto, vem tendo um papel importante e crescente no ensino, em especial no momento atual, que, como veremos, descobre a oralidade como um fenômeno não apenas central na vida dos indivíduos e no uso da língua, mas na própria concepção de língua. Ressalto o potencial que a Etnometodologia, a Etnografia da Fala e a Antropologia Lingüística juntamente com a Análise da Conversação, em especial da denominada Sociolingüística Interativa vêm apresentando na questão relativa ao ensino. Não diretamente no ensino de língua em si, mas na metodologia educacional relativa ao ensino e preocupada com a análise das trocas comunicativas. São áreas da lingüística contemporânea de influência para além do âmbito da língua. Mas no próprio âmbito da língua elas vêm influenciando a questão do ensino já que permitem melhor analisar os processos interativos e se coadunam muito bem com as teorias sobre o funcionamento do texto, seja ele oral ou escrito. Particularmente relevante é a visão sócio-interativa da língua no que toca ao ensino de segunda língua ou de línguas estrangeiras. Pois ali a questão da inserção social da língua na sua relação com as atividade cotidianas nas interações verbais é ponto central de análise. 11. Língua como capacidade inata da espécie humana Não mencionei até aqui um dos desenvolvimentos mais importantes da Lingüística no século XX, quiçá de todos os tempos. Trata-se do gerativismo. Há uma razão para isto. E de natureza um tanto contraditória e paradoxal. Se em certo sentido o gerativismo vem sendo uma corrente lingüística hegemônica, quase absoluta na sintaxe dos últimos 50 anos, ensinando-nos coisas extraordinárias e em especial um modo rigoroso de fazer lingüística, por outro lado, nunca foi assimilado de maneira frutífera pelo ensino de línguas nem pelas práticas pedagógicas em geral. Com efeito, o gerativismo nunca teve em suas intenções o interesse de ser aplicável nem de explicar a língua do dia-a-dia. Não é uma teoria descritiva, mas explicativa. E aí está o seu paradoxo: o gerativismo é rigoroso e busca dar conta de forma ordenada, explicativa, econômica e teoricamente adequada de fenômenos abstratos e universais da língua. Mas não desenvolve uma semântica nem uma pragmática e muito menos trabalha

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aspectos da produção e compreensão de texto. Nada do que interessa à escola interessa aos gerativistas e vice-versa. As poucas tentativas de aplicação do gerativismo ao ensino falharam. Quando Chomsky distinguiu entre competência lingüística e desempenho não estava tratando de algum tipo de comportamento lingüístico de indivíduos reais, mas de um modelo ideal. Não tinha em mente falantes, mas protótipos para análise. É evidente que ele jamais pensou em estar dando conta de alguma porção da realidade comunicativa ou interativa. Não tinha como não tem ainda hoje em mente uma noção de língua como fato social e sim como fato biológico. A aplicabilidade é um aspecto descartado do gerativismo. ((Lembro aqui apenas a título de provocação que não me parece inclusive razoável a massa de trabalhos desenvolvidos com base no gerativismo, que buscam descrever línguas naturais ou analisar línguas humanas já “parametrizadas”, para usar um termo caro aos gerativistas. Creio que Chomsky nunca pensou em descrever esta ou aquela língua. De igual modo, creio que as gramáticas que pretenderam usá-lo no ensino adotando as conhecidas “árvores sintáticas” muitas vezes mal propostas, não passaram de tentativas mal-sucedidas e equivocadas.)) Não se pode negar, no entanto, que boa parte dos estímulos da lingüística contemporânea e grande parte de seus problemas têm origem em algum ponto do gerativismo. É inegável a sua importância para o estudo da sintaxe e dos problemas tipológicos da língua. Mesmo admitindo que a posição gerativista em relação à cognição não seja plausível para as línguas humanas (na medida em que adota a metáfora do computador e um modularismo isolacionista), ela levou a melhor compreender as línguas naturais. No entanto, não está nos seus interesses a preocupação com a linguagem enquanto fenômeno tipicamente humano e social, já que a noção de social ou situacional não é abarcável no gerativismo. Nem mesmo o aspecto histórico e o problema da variação são objeto de análise por parte dos gerativistas. Rigorosamente falando, a contribuição do gerativismo para o ensino de língua acha-se próxima de zero. Sua contribuição é e continuará sendo teórica e assim mesmo no limite da discussão com áreas que não são propriamente as das Ciências Humanas e não é por outra razão que o próprio patrono da teoria gerativista, Noam Chomsky, em seus estudos mais recentes24 situa a lingüística no contexto das ciências naturais, devendo-se tratar as propriedades lingüísticas

24 Refiro-me à obra recente de Noam Chomsky (2000). New Horizons in the Study of Language and Mind. Cambridge, Cambridge University Press. Nesta obra Chomsky repete com clareza o que dissera em outras em relação a situar o estudo da lingüística no contexto das ciências biológicas.

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como atributos neurofisiológicos.25 Tudo isto soa de maneira profundamente herética aos lingüistas e humanistas voltados para questões sócio-culturais e para os usos da língua. 12. Preocupação com a Fala e a Escrita Diferentemente das posições do início do século XX, com Saussure ou Bloomfield e, de meados do século XX para cá, com Chomsky, que de certo modo sufocaram os estudos da língua em uso, considerando-os dispersivos e próprios de outras disciplinas, hoje a lingüística volta-se com ênfase para a análise da língua em contextos situacionais autênticos. Daí sua preocupação com os problemas do texto tanto oral como escrito. Es isto numa perspectiva essencialmente processual, não-atomizada nem limitada ao interior do código. Como lembrado acima, dá-se hoje uma intensa investigação da língua em uso. Um uso que se manifesta em situações cotidianas seja na oralidade ou na escrita. Dos anos 60 para cá, são inúmeros os estudos sobre a oralidade e a escrita não apenas no contexto da Lingüística e sim em contextos interdisciplinares tais como a Antropologia e Etnografia (surgindo daí a Etnografia Lingüística e também a Antropologia Lingüística). Além dessas, também a Psicologia e a Sociologia dedicaram-se com ênfase ao estudo da fala, dando origem ao que se chamou de Análise da Conversação que, inicialmente, não tinha preocupações marcadamente lingüísticas. Todos estes trabalhos com a língua em uso resultaram numa melhor compreensão da língua como atividade interativa e hoje tanto influenciam os estudos lingüísticos passando com imensa rapidez para ao ensino tendo em vista seu enorme potencial aplicativo e explicativo. São perspectivas que permitem integrar de maneira significativa os aspectos pragmáticos, sociais, cognitivos e lingüísticos numa visão holística da língua enquanto atividade. Fala e escrita não são mais vistas como dicotômicas, sendo este um tema em franca ebulição nas investigações lingüísticas dos últimos 30 anos. Sua análise é feita na grade dos gêneros textuais, com grande relevância no ensino de língua. Além disso, tem-se como certa a posição de que a escrita não é uma representação da fala, não é superior à fala nem apresenta alguma vantagem imanente do ponto de vista cognitivo. Fala e escrita são modalidades de produção discursiva complementares e interativas, havendo momentos em que é até difícil distingui-las uma da outra ao se considerarem determinadas

25 Há uma diferença notável entre o estruturalismo saussuriana e neo-estruturalismo chomskyano. O primeiro trata a língua como um fato social e, o segundo, como um fato biológico. O primeiro se preocupa com as línguas historicamente realizadas embora as analise sincronicamente. O segundo se preocupa com modelos lingüísticos formalizados para predições de sentenças bem-formadas no contexto de um sistema lingüístico.

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produções textuais. Estas novas conquistas teóricas estão passando com enorme rapidez para o ensino de língua tendo em vista seu potencial aplicativo quase imediato, já que são desenvolvidas na própria relação com essa prática. Em certo sentido, o que se observa é que a visão mais dinâmica e interativa da língua e a consideração de sua inserção em contextos sociais relevantes e de suas diversas formas de representação e manifestação tem trazido uma extraordinária renovação nas práticas de ensino. Isto vai se refletir na própria política de ensino de língua como se verá a seguir. 13. A presença das teorias lingüísticas nos PCNLP Hoje, no Brasil, podemos ver o reflexo direto das teorias lingüísticas no ensino de língua portuguesa ao analisarmos os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (PCNLP.) Quanto a isso, chega a ser curiosa a constatação de uma situação inversa daquela que presenciávamos no início do século XX no Brasil saído do Império. O documento atual produzido por encomenda do Ministério da Educação (MEC) propõe um conjunto de orientações para o ensino de língua, particularmente no Ensino Fundamental (de 1ª a 8ª Séries) e oferece uma possibilidade de definir linhas gerais de ação. Tudo dependerá, no entanto, de como serão tais orientações tratadas pelos usuários em suas salas de aula; seria nefasto se as indicações ali feitas fossem tomadas como normas ou pílulas de uso e efeito indiscutíveis. Pior ainda, se com isso se pretendesse identificar conteúdos unificados para todo território nacional, ignorando a heterogeneidade lingüística e a variação social. Os PCNLP contém aspectos positivos que podem ser ressaltados sob o ponto de vista teórico, tais como:26 (a) adoção do texto como unidade básica de ensino; (b) produção lingüística tomada como produção de discursos contextualizados; (c) noção de que os textos distribuem-se num contínuo de gêneros estáveis, com características próprias e são socialmente organizados tanto na fala como na escrita; (d) atenção para a língua em uso, sem se fixar no estudo da gramática como um conjunto de regras, mas frisando a relevância da reflexão sobre a língua; (e) atenção especial para a produção e compreensão do texto escrito e oral; (f) explicitação da noção de linguagem adotada, com ênfase no aspecto social e histórico, (g) clareza quanto à variedade de usos da língua e variação lingüística. Esses pontos formam uma espécie de ideário e, no geral, inserem-se na perspectiva funcionalista, dedicando-se mais à exploração do uso que ao estudo formal da língua. Esta perspectiva resulta numa orientação do ensino de

26 Estes mesmos aspectos foram por mim apontados em variados momentos, tais como: Marcuschi, 1998 e 1999

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língua voltado essencialmente para a produção e a compreensão de textos em seus mais variados aspectos. O fato é de tal maneira saliente que as 12 sugestões finais de “critérios para a avaliação da aprendizagem” em cada série concentram-se num conjunto de ações verificadoras das habilidades de compreensão e produção de textos orais e escritos. Os dois eixos do ensino de língua frisados nos PCNLP concentram-se nas atividades de produção e compreensão de textos, visando a permitir “a expansão das possibilidades do uso da linguagem”, relacionadas às “quatro habilidades básicas: falar, escutar, ler e escrever”. Isso permitiu construir os “dois eixos básicos” do estudo de Língua Portuguesa:

(a) EIXO 1: “o uso da língua oral e escrita” e (b) EIXO 2: “a reflexão sobre a língua e a linguagem”.

Quanto ao primeiro eixo, a justificativa dada para o estudo da oralidade é formulada numa perspectiva finalística que não sugere a dimensão exata que o trabalho com a oralidade pode assumir. Veja-se isso no item 3.2 (p.35):

“No trabalho com os conteúdos previstos nas diferentes práticas, a escola deverá organizar um conjunto de atividades que possibilitem ao aluno desenvolver o domínio da expressão oral e escrita em situações de uso público da linguagem (grifo original), levando em conta o contexto de produção dos discursos (sujeito enunciador, interlocutor, finalidade da interação; lugar e momento da produção) e as características dos gêneros e suportes, operando com a dimensão semântica e gramatical da língua.”27

Por que se restringir apenas ao uso público da língua, quando se sabe que em usos privados a língua oral oferece muitos problemas e até em maior número do que em outras circunstâncias, já que o cidadão lida com seus semelhantes em situações muito complexas? Na linha do segundo eixo, aspecto relevante é a noção de linguagem28, que aparece tratada em muitos momentos, mas com definições ou em assertivas sempre passageiras, não havendo uma reflexão explícita e tecnicamente fundamentada. De qualquer modo, observa-se que a linguagem é vista como atividade interlocutiva, ou seja é concebida como dialógica, social e histórica. Vejamos algumas dessas passagens:

27Não fica claro o porquê da restrição aos níveis semântico e gramatical da língua, quando no documento aparecem observações sistemáticas e relevantes sobre os aspectos pragmáticos, cognitivos e sociais da língua 28 Embora não seja feita uma reflexão específica sobre a distinção entre língua e linguagem, estas são tomadas como distintas. Tudo indica que a linguagem é tida como uma atividade sócio-cognitiva e histórica, ao passo que a língua como a sua manifestação concreta na superfície textual e realizada numa língua natural particular qualquer, tal como a língua portuguesa.

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- “Linguagem aqui se entende (…) como ação interindividual orientada por uma finalidade específica, um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes nos diversos grupos de uma sociedade nos distintos momentos da sua história.” (p.6)

- “A linguagem, enquanto sistema de representação do mundo, está presente em todas as áreas de conhecimento.” (p. 18)

- “…enquanto um trabalho” (p.21) - “A linguagem é uma atividade humana, processo de interlocução no

qual as pessoas se constituem e através do qual sentimentos, opiniões, valores e preconceitos são veiculados.” (p. (p. 31)

- “Considerando que a linguagem é processo no qual as pessoas se constituem (…)” (p. 32)

Ainda sob o aspecto das práticas lingüísticas e sua ligação com “valores, normas e atitudes”, relativamente a prestígio e preconceito, o documento oficial do MEC traz uma série de observações que podem ser vistas também na relação fala-escrita. Por exemplo:

- respeito às variedades lingüísticas; - reconhecimento dos domínios da oralidade e da escrita como valiosos.

Mesmo que não concordemos com algumas linhas teóricas ali explicitadas, trata-se de um avanço e pode-se dizer que os PCNLP são uma evidência interessante de como a teoria lingüística pode influenciar de maneira decisiva o ensino de língua materna, uma área particularmente resistente a inovações. No caso brasileiro, trata-se de uma drástica inovação e em certos pontos com teorias que sequer foram ainda suficientemente desenvolvidas e quase não tiveram oportunidade de serem testadas.29 É oportuno lembrar que essas posições são muito diferentes das que foram adotadas no caso das Crestomatias e mesmo da Lingüística em meados do século XX, que viam na língua um código e um repositário de informações. A língua era uma espécie de relicário para armazenar conhecimentos acima de todo e qualquer processo de produção e formação crítica do cidadão. Não se tratava de construir o saber, mas sim de se apropriar do saber e guardá-lo de forma admirável. 14. Exemplificando o papel da Lingüística no ensino de língua É sempre ilustrativo analisar alguns exemplos a título de demonstração de como a teoria lingüística poderia frutificar no ensino, esclarecendo certas questões complexas e sugerindo formas de tratamento da própria variação lingüística na 29 Por incrível que pareça, este é um aspecto curioso. Hoje, ao contrário de outras épocas, as teorias avançam com rapidez até a sala de aula, até mesmo antes de terem sido testadas, o que pode trazer problemas graves já que os professores não têm formação adequada para lidar com as novas propostas.

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produção textual. Aliás, a perspectiva de tratamento da língua pela via textual tem a grande vantagem de permitir a análise e a compreensão de questões de outro modo não tratadas. Tal é o caso da progressão referencial, progressão temática, coesão, coerência, argumentação, metáforas e muitas outras questões. O exemplo (1) reproduz a redação de uma aluna de 10 anos e me foi cedido pela mestranda em Educação, Mary Jane, da Universidade Federal de Sergipe. Observe-se que neste caso se trata de seqüências com uma referenciação tida como bastante lacunosa, mas que não oferece dificuldade de compreensão. Além disso, o texto apresenta uma série de outros aspectos, por exemplo, no caso de concordâncias, sem falar na introdução de personagens de modo abrupto e uma aparente desorganização dos fatos narrados. Contudo, não se pode dizer que não se trata de um texto compreensível. Vejamos o texto: (1)

1 O outro lado da ilha 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28

Essa história começa com uma família que vai a uma ilha passar suas férias. Quando eles chegam eles vão logo explorando a ilha e explodem uma barreira que os impediam de passar para o outro lado da ilha. Quando eles foram dormir eles perceberam que os bezerros começaram a correr e que quando eles foram ver o que estava assustando os bezerros. Quando eles de repente, com uma patada só um caranguejo gigante os atacou. Debora que era sua ezposa começou a chorar dizendo que queria ir embora. Quando amanheceu eles foram ver como estava o barco, para ir embora e perceberam que o barco não estava lá. Os homens saíram para explorar a ilha, e no meio do caminho encontraram um caranguejo que estava no penhasco. Eles não quizeram saber e atiraram no caranguejo que caio ribancera a baixo. Mais o marido de Debora, desmaiou e seu irmão não tinha como ajudá-lo, por isso foi chamar ajuda. Quando chegou em casa chamou logo seu sobrinho Ivan para ajudar ele a trazer seu irmão. Quando os dois chegaram lá ele não estava mais lá. Quando eles estavam voltando, Ivan teve a idéia de fazer um farol com a torre que havia na ilha. Ele foi com sua prima e com seu cachorro. E tudo deu certo, mas quando eles estavam indo embora da ilha, os caranguejos estavam na porta da torre fazendo com que eles não pudessem sair daquele labirinto. Eles dois tiveram várias idéias mais nenhuma dava certo. Em casa

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29 Debora havia avistado seu marido chegando com um homem. Na torre Ivan teve a idéia de jogar a lanterna a querozene nos caranguejos. Quando eles jogaram-na nos caranguejos eles sairam correndo em direção a mata e com isso a mata pegou fogo. Da casa dava pra ver o fogo, então todos saíram correndo para apagar o fogo. Eles apagaram o fogo e foram dormir e quando acordaram avistaram um barco e foram embora.

Do ponto de vista da progressão referencial temos aqui uma série de anáforas indiretas, cujos referentes não estão explicitados no cotexto (âmbito do discurso explicitado verbalmente). A anáfora indireta, ao contrário da anáfora direta (correferencial) não é uma estratégia de reativação de referentes, tal como se imaginou que seriam todas as anáforas. Apesar de pouco tratada no ensino, ela é responsável por cerca de 60% das estratégias de referenciação textual. Só isto justifica seu tratamento detido. Mas há muito mais questões envolvidas, tais como processos de compreensão, relação fala-escrita e níveis de linguagem. Vejam-se alguns casos desses presentes no exemplo acima.

(a) (linhas 2 e 3): Essa história começa com uma família que vai a uma ilha passar suas férias. Quando eles chegam...

Certamente, ninguém fica em dúvida quanto aos indivíduos potencialmente referidos pelo pronome eles [PAI, MÃE, FILHO, IRMÃO, MARIDO, ESPOSA...], embora não haja antecedente pontualizado, mas um modelo cognitivo adequado para que se dê a inferência construtiva ancorada em [UMA FAMÍLIA]. É interessante valorizar aqui o conhecimento que a menina tem das noções de parentesco como estruturadoras de texto. Basta olhar os casos das linhas (15, 16 e19). Há inclusive entidades [PRIMO, SOBRINHO, TIO] não necessariamente presentes na noção de família em sentido estrito, mas que podem ser ativadas por esse item na conjugação com conhecimentos de mundo ligados ao fato. A estratégia de uso pronominal sem antecedente é mais usual na fala, por isso a gramática a condena na escrita Em (b) temos outro caso que se dá por uma anáfora indireta ativada por sintagmas nominais e não pronomes:

(b) (linhas 2-3 e 8-9): Essa história começa com uma família que vai a uma ilha passar suas férias...// Debora que era sua ezposa começou a chorar dizendo que queria ir embora.

Um nome próprio usado na forma descritiva como anáfora, [DÉBORA QUE ERA SUA EZPOSA], pode ter caráter anafórico sem reativar nem retomar

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elementos mencionados. Novamente se dá a introdução de um referente novo como se fosse conhecido. É uma estratégia de organizar os referentes na relação dado-novo fora do padrão usual como em (c):

(c) (linhas 2-3 e 10-11): Essa história começa com uma família que vai a uma ilha passar suas férias. /.../ Quando amanheceu eles foram ver como estava o barco, para ir embora e perceberam que o barco não estava lá.

A ninguém ocorre indagar de onde vem [O BARCO] aqui mencionado. A coerência e a conseqüente continuidade tópica é produzida por uma anáfora indireta inferencial ancorada no mundo textual [IR A UMA ILHA = VIAJAR DE BARCO PELO MAR]. Vejamos:

(d) (linhas 2-3; 8-9; 11-17): Essa história começa com uma família que vai a uma ilha passar suas férias. /.../ Debora que era sua ezposa começou a chorar dizendo que queria ir embora. /.../ Os homens sairam para explorar a ilha, e no meio do caminho encontraram um caranguejo que estava no penhasco. Eles não quizeram saber e atiraram no caranguejo que caio ribancera a baixo. Mais o marido de Debora, desmaiou e seu irmão não tinha como ajudá-lo, por isso foi chamar ajuda.

É fácil notar que em (d) o referente do SN descritivo, [O MARIDO DE DÉBORA], ancora em uma família que se compõe de [MARIDO, ESPOSA...] e na especificação prévia já introduzida, Debora que era sua ezposa, a partir de um frame de família. Sabemos inclusive que o SN os homens refere os dois homens da família [MARIDO; IRMÃO DO MARIDO].

(e) (linhas 24-28): Na torre Ivan teve a idéia de jogar a lanterna a querozene nos caranguejos. Quando eles1 jogaram-na nos caranguejos eles2 sairam correndo em direção a mata e com isso a mata pegou fogo.

Seguramente, a determinação da atribuição referencial de eles1 (=Ivan e seu sobrinho) e eles2 (=os caranguejos) com referentes diferentes se dá após a última parte do enunciado [E COM ISSO A MATA PEGOU FOGO], na medida em que entendemos que “a mata pegou fogo porque os caranguejos incendiados sairam correndo...”. Trata-se de uma ancoragem catafórica num tópico frasal prospectivo e não em itens lexicais. Sabemos que a mata pegou fogo porque a lanterna a querozene foi jogada nos caranguejos que saíram correndo.

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Vejamos aqui outro caso interessante que merece nossa atenção por algumas características que permitiram inferenciações complexas, diversificadas e desencontradas por parte dos indivíduos envolvidos no episódio narrado.30 De início, nos interessará o caso mais curioso do surgimento abrupto de um “pastor” a certa altura da narrativa. Observemos o texto: (2) A reunião no condomínio 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24

Outro dia teve uma reunião no condomínio que meu colega de trabalho Osvaldo mora, o condomínio fica no Jardim Garcia. Ele comentou que chegou um pessoal da Unicamp para participar dessa reunião que seria referente a uma ação contra a CEF (Caixa Econômica Federal) juntamente com os advogados que eles contrataram. Só que esse pessoal quando chegou no condomínio procuraram logo o apartamento 12, mas esqueceram de falar o bloco que pertencia, sendo assim o porteiro mandou eles para o primeiro bloco, porque sabia que lá estaria acontecendo uma reunião também. Chegando nesse apartamento 12, a porta já estava aberta e um monte de cadeiras em círculo. Acharam estranho, mas afinal a maioria das reuniões fazem um círculo justamente para facilitar a conversa. Bom, logo que chegaram o pessoal que já se encontrava no apartamento foram logo gentilmente chamando-os para entrarem, então sentaram no círculo e acharam mais estranho ainda porque afinal de contas não tinha nenhum conhecido, mas como era ainda um pouco cedo e a reunião iria começar somente às 22.00 hs, resolveram esperar, tão logo iniciou-se a reunião uma pessoa ficou em pé e disse: - O Senhor esteja convosco, logo em seguida todos ficaram em pé e responderam: - Ele está no meio de nós. Todos ficaram atrapalhados e não sabiam o que fazer, foi aí que viram a mancada que eles deram, entraram no apartamento 12, mas do bloco errado, sem graça e disfarçadamente saíram devagarinho para que ninguém notassem a ausência deles, mas foram infelizes nessa hora, porque o pastor logo que viu eles saindo lhes disse: - Deus acompanhem, mesmo que você não queiram ficar conosco. Abaixaram a cabeça e saíram todos pedindo desculpas e completamente desconsertados dessa reunião.

Vejamos três momentos diversos que parecem sugerir três tipos de anáfora indireta e um caso de progressão referencial baseado em anáforas diretas, embora nem sempre com retomadas. (i) o pastor logo que viu eles disse... Aqui temos um caso típico de anáfora indireta que envolve aspectos textuais no processo inferencial. Trata-se do repentino surgimento do SN nominal definido “o pastor”, dado como conhecido sem ter sido mencionado antes. É fácil observar o surgimento desse referente na parte final do texto: o pastor (linha 21) que se acha ligado ao contexto precedente que lhe serve de âncora. Ele é inferido com base no modelo do mundo textual produzido nos espaços mentais construídos em especial na linhas sublinhadas (linhas 15-17). Temos ali um enquadre sócio-cognitivo no modelo idealizado em relação ao papel e ao 30 Trata-se de uma redação que me foi cedida pelo colega Rodolfo Ilari, a quem agradeço, produzida por uma funcionária da UNICAMP, com Segundo Grau incompleto.

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comportamento de um Ministro da Igreja [O PASTOR]. Só ele poderia ter iniciado a reunião daquela forma (“O senhor esteja convosco”) e só um grupo de pessoas nessas circunstâncias responderia daquela forma (“Ele está no meio de nós”). (ii) o porteiro mandou ... Já na (linha 7) temos um caso claro de anáfora indireta de natureza cognitiva (modelos cognitivos ou enquadres sócio-cognitivos); um condomínio pode ter um porteiro, mas ele não é parte do condomínio assim como um dedo é parte da mão. Um porteiro entra no nosso enquadre de condomínio, ou de prédio em geral. O certo é que a inferência a respeito do mencionado porteiro se dá mediante um modelo cognitivo idealizado no qual há papéis especiais exercidos por um indivíduo que se acha geralmente num prédio e com uma função muito específica. Ninguém pergunta de onde vem aquele [O PORTEIRO], pois é comum haver uma figura dessas num enquadre tal como o que aqui se achava em andamento. (iii) a porta estava aberta Diferentemente do que se observa em (ii), a porta é parte integrante do prédio e do apartamento; mantém uma relação de parte-todo com ambos como no caso da (linha 8) em que aparece uma “porta aberta” pela qual eles naturalmente entram. Esta é uma anáfora indireta de natureza mereológica, já que a porta é parte do apartamento em questão (qualquer apartamento tem porta). Essa possibilidade inferencial acha-se inscrita no léxico. A diferença entre os dois tipos de anáfora indireta presentes em (ii) e (iii) traz uma importante indagação sobre a organização lexical: o que está ou não no léxico? E também sobre as relações mereonímicas, hiper- e hiponímicas, bem como sobre a construção de modelos cognitivos que se dão pelo trabalho sócio-cognitivo e não pela via do léxico. Outro caso é o que se observa no conjunto (iv) com progressões referenciais ligadas a anáforas diretas/indiretas no contexto de um quadro mais amplo de referenciação. (iv) reunião (a) e (b); apartamento 12 (a) e (b); bloco (a) e (b) e condomínio (a) O problema que mereceu da narradora esse relato curioso não foi a presença do pastor nem do porteiro ou da porta aberta, mas sim a dificuldade em encontrar os referentes dos SN que permitiam duas possibilidades de identificação referencial (caso típico de subespecificação lexical quanto à saturação cognitiva). Isto significa que de certo modo é mais fácil estabelecer as relações referenciais indiretas que as diretas. O motivo da confusão foram as inferências indevidas sob o ponto de vista da identificação referencial. Aqui as funções (os itens lexicais em si) foram tratadas como valores. Observe-se que

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“o pessoal” foi a um condomínio (que tem mais de um apartamento, mais de um bloco etc.), em busca do apartamento 12 e acharam um apartamento 12 em que ocorreria uma reunião, mas essa não era a reunião procurada nem o apartamento se localizava no bloco certo. Vejamos mais uma vez o texto, sublinhando os diversos SN operadores: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24

Outro dia teve uma reunião (1) no condomínio (2) que meu colega de trabalho Osvaldo mora, o condomínio (3) fica no Jardim Garcia. Ele comentou que chegou um pessoal da Unicamp para participar dessa reunião (4) que seria referente a uma ação contra a CEF (Caixa Econômica Federal) juntamente com os advogados que eles contrataram. Só que esse pessoal quando chegou no condomínio (5) procuraram logo o apartamento 12 (6), mas esqueceram de falar o bloco (7) que pertencia, sendo assim o porteiro mandou eles para o primeiro bloco (8), porque sabia que lá estaria acontecendo uma reunião (9) também. Chegando nesse apartamento 12 (10) , a porta já estava aberta e um monte de cadeiras em círculo. Acharam estranho, mas afinal a maioria das reuniões (11) fazem um círculo justamente para facilitar a conversa. Bom, logo que chegaram o pessoal que já se encontrava no apartamento (12) foram logo gentilmente chamando-os para entrarem, então sentaram no círculo e acharam mais estranho ainda porque afinal de contas não tinha nenhum conhecido, mas como era ainda um pouco cedo e a reunião (13) iria começar somente às 22.00 hs, resolveram esperar, tão logo iniciou-se a reunião (14) uma pessoa ficou em pé e disse: - O Senhor esteja convosco, logo em seguida todos ficaram em pé e responderam: - Ele está no meio de nós. Todos ficaram atrapalhados e não sabiam o que fazer, foi aí que viram a mancada que eles deram, entraram no apartamento 12 (15), mas do bloco (16) errado, sem graça e disfarçadamente saíram devagarinho para que ninguém notassem a ausência deles, mas foram infelizes nessa hora, porque o pastor logo que viu eles saindo lhes disse: - Deus acompanhem, mesmo que vocês não queiram ficar conosco. Abaixaram a cabeça e saíram todos pedindo desculpas e completamente desconsertados dessa reunião (17).

Temos aqui 17 ocorrências de expressões referenciais seqüencialmente ordenadas que se relacionam, mas não têm os mesmos referentes em todos os casos, mesmo quando aparecem na forma de SN definido e identidade formal do item, o que para a Lingüística de Texto tradicional deveria designar o mesmo referente na cadeia referencial. Observem-se as seqüências aqui pareadas na linha das equivalências referenciais pretendidas pela narradora:

(A) [[A REUNIÃO PROCURADA] ≡ [uma reunião (1)] ≡ [dessa reunião (4)] ≡ [a reunião (13)]]

(B) [[A REUNIÃO EQUIVOCADA] ≡ [uma reunião (9)] ≡ [a reunião (14)] ≡ [dessa reunião (17)]]

(C) [[REUNIÃO GENÉRICA] ≡ [as reuniões]] (D) [[O CONDOMÍNIO PROCURADO] ≡ [no condomínio (2) ≡o condomínio (3) ≡no

condomínio (5)]] (E) [[O APARTAMENTO PROCURADO] ≡ [o apartamento 12 (6)] ] (F) [[O APARTAMENTO EQUIVOCADO] ≡ [nesse apartamento 12 (10) ≡ [no apartamento

12 (12) ≡ [no apartamento 12 (15)]] (G) [[O BLOCO BUSCADO] ≡ [ o bloco (7)]]

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(H) [[O BLOCO EQUIVOCADO] ≡ [ o primeiro bloco (8)] ≡ [do bloco (16)]] Embora tenhamos apenas 4 itens lexicais (quatro tipos léxicos) constituindo o núcleo dos dezessete SNs, temos 8 cadeias referenciais (oito tipos referentes). É interessante como a narradora joga com repetições e, na maioria das vezes, com SN definidos, sem causar dificuldades aos seus leitores quanto à identificação das cadeias. Isto se dá pelo recurso a certos artifícios como os demonstrativos e a relação de contigüidade dos SN com outros elementos identificadores. O processo referencial é um trabalho inferencial no contexto sócio-cognitivo e nos enquadres estabelecidos e não só pela força dos conteúdos lexicais. Aspecto interessante a ser discutido seria a questão das concordâncias verbais que obedecem a um sistema cognitivo e não à morfologia como tal. Vejam-se:

- o pessoal ... procuraram... (linha 6) - a maioria das reuniões fazem... (linha 11) - o pessoal... foram... (linha 13) - ninguém notassem... (linha 23)

A congruência não se acha no plano das formas e sim da cognição. A abordagem destes dois breves exemplos já permite mostrar como se poderia tratar a progressão referencial no ensino. Além disso, evidencia um aspecto importante pouco considerado, tal como é o caso da progressão referencial. Trata-se muito dos operadores argumentativos (os conectivos) e desleixam-se os elementos lexicais que fazem as conexões tópicas. Isto é suficiente para identificar aspectos em que a Lingüística enquanto ciência pode ser relevante e ter um papel importante no ensino de língua. Este papel é essencial, tanto no ensino de língua materna como de segunda língua. 15. Os conceitos lingüísticos relevantes no trato da língua no ensino Com isto chegamos a um ponto crucial. Já vimos acima algumas das noções de língua e suas potenciais influências no trabalho com a língua em sala de aula. O que agora busco é sugerir uma bateria de conceitos que podem ser relevantes no trato da língua em sala de aula. Desde já fique claro que não é fácil identificar os conceitos lingüísticos relevantes para o ensino e mais difícil é dar-lhes o contorno teórico mais razoável. Mas o dificílimo é dar-lhe as estratégias de tratamento efetivo dentro da sala de aula. No momento, me aterei a uma enumeração desses conceitos, sugerindo uma breve definição, deixando para uma oportunidade futura a sua operacionalização.

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A determinação das noções aqui sugeridas é interessante porque pode levar a uma maior clareza quanto à montagem do que com as Diretrizes do MEC passou-se a chamar de Descritores para a avaliação.31 (1) Língua: Quanto a este aspecto, e repetindo o que ficou dispersamente dito até aqui, tomamos a língua como uma atividade interativa, social e cognitiva e não apenas como uma estrutura ou forma. Em outros termos, tomo a língua como um fenômeno cognitivo sócio-comunicativamente motivado no processo interativo. A língua é tanto uma forma de ação, como uma forma de produzir sentidos. A língua é aqui vista como um sistema não-autônomo (não significa por si mesma nem é transparente) e indeterminado, sempre situado, supondo-se uma relação bastante íntima com as faculdades mentais, estando ambas situadas no contexto da interação humana e na relação com o meio-ambiente em que os indivíduos atuam. A língua não está aí só para representar a realidade e dizer o mundo, mas ela é constitutiva do mundo. Podemos falar sobre o que existe e não existe, sobre o que está presente ou ausente. A língua é um modo de produzir discursos que geram efeitos de sentido e não apenas um instrumento para transmitir informações. Do ponto de vista das formas, a língua constitui um sistema estável, mas não estático e por isso varia e é em si indeterminada, permitindo a polissemia, metaforização, multiplicidade de sentidos e outros aspectos relevantes na produção textual e no processo de compreensão. Ter uma noção de língua clara e explícita é condição necessária para um bom dimensionamento de sua análise e seu estudo. Pois daí decorrem os demais conceitos centrais ao seu trabalho tal como se pode observar a seguir. (2) Texto: Na realidade, o fato de se tomar o texto como a base do “ensino de língua”, e não o fonema, o morfema, a palavra ou a frase como unidades básicas, traduz uma idéia interessante, ou seja, que tanto a produção como a compreensão textual não se dá quando se entendeu a palavra, a frase ou mesmo o parágrafo, pois é necessário um evento muito maior que exorbite a própria linguagem e se estenda ao contexto. Isto quer dizer que a idéia de tomar o texto como ponto de partida é ter clara a visão lingüística de que o aprendizado da língua não se dá em unidades menores e sim nos eventos discursivos ou entidades enunciativas.

31 Os conceitos de língua e texto aqui expostos foram analisados desta forma, com algumas modificações, em trabalho de Elizabeth MARCUSCHI, Luiz Antônio MARCUSCHI e Márcia MENDONÇA, realizado para a Prefeitura do Recife em análise dos descritores do SAEPE para Língua Portuguesa.

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Conceituamos o texto como um evento comunicativo (um acontecimento) em que convergem ações lingüísticas, sociais e cognitivas, tal como definido por Beaugrande (1997:10). Portanto, se a língua é atividade interativa e não apenas forma, e o texto é um evento comunicativo e não apenas um artefato ou produto, a atenção e a análise dos processos de compreensão recaem nas atividades, nas habilidades e nos modos de produção de sentido bem como na organização e condução das informações. Como o texto não é apenas um produto, mas sim um evento que se dá na relação interativa e na sua situacionalidade, sua função central não será a informativa. Os efeitos de sentido por ele produzidos ou as compreensões daí decorrentes são fruto do trabalho conjunto entre produtores e receptores em situações reais de uso. Enquanto evento, o texto se acha em estreita interação com seu contexto de produção pela mediação dos próprios atores sociais que operam com ele (escritor ou falante e leitor ou ouvinte). Neste caso, o texto apresenta um alto grau de instabilidade e indeterminação por ser um sistema muito complexo e com muitas relações que se completam na situação de uso. Podemos dizer, portanto, que textos são sistemas instáveis e sua estabilidade é sempre um estado transitório de adaptação a um determinado objetivo e contexto. (3) Produção textual: A produção textual, tanto a oral como a escrita, não pode ser isolada da compreensão (leitura), mas pode ser observada em separado neste momento. Definir texto como evento e não como seqüência de enunciados, implica que tratar da produção textual não é dar-lhe uma gramática e sim sugerir os requisitos ou princípios gerais de sua constituição a fim de que permita o acesso ao sentido. É evidente que julgamos aconselhável que se observem aspectos especiais da coesividade, progressão referencial e tópica, relações lógicas, características genéricas (já que todo texto deve dar-se em algum gênero textual). Não se pode ignorar que um texto deve ter propósitos específicos e preencher certas condições relacionadas aos receptores pretendidos, pois não se escreve ou se fala a não ser para alguém ou um auditório específico. Um texto circula numa comunidade de interesses e práticas similares. Produção é também um processo de reprodução ou retextualização contínua, pois estamos sempre situados num entrelaçamento de textos, sendo praticamente impossível produzir um texto sem que mantenha alguma relação com algum outro. A intertextualidade é outro aspecto incontornável, o que nos dá a dimensão da de extensão do fato lingüístico ao longo da história. Produzir textos é produzir propostas de sentido e não codificar informações, pois o código não é o centro da textualidade e sim o sentido e a discursividade. Os textos produzem múltiplos efeitos de sentido e estão sempre situados em

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algum contexto situacional, já que todo sentido é sentido situado. Os textos são polissêmicos e plurais em seus sentidos. (4) Compreensão textual: Compreensão textual é uma noção extremamente delicada e indubitavelmente central no processo de operação com textos. É um dos capítulos mais discutidos pela lingüística e sobre o qual já se tem grande conhecimento. É hoje tão central no “ensino de língua” que em alguns casos como nos descritores propostos pelo SAEPE (Pernambuco) todo o ensino de 1ª a 8ª Séries se concentra em atividades de compreensão textual e os próprios PCN dão-lhe grande importância. Contudo, poucos são os itens dos livros didáticos em que uma questão tão fundamental é profundamente mal entendida e trabalhada. Não vamos aqui repetir a muitas críticas a esse respeito. Em resumo, pode-se dizer que a compreensão textual não é uma habilidade natural nem pode ser suposta como simples atividade de extração de informações objetivas de um texto. A compreensão é um processo de construção de sentidos e produção de conhecimentos baseado em atividades inferenciais e investimentos de conhecimentos pessoais no confronto com conhecimentos textuais. Exige treino e trabalho demorado, pois não se pode imaginar que a simples resposta a perguntas objetivas ou que a simples memorização de um texto revele compreensão daquele texto. É precisamente da noção de compreensão como processo que decorrem vários dos descritores que constituem as matrizes propostas pelo SAEB. As perguntas mais complexas que exigem maior trabalho e reflexão são as que dizem respeito aos processos inferenciais, ou seja, a produção de conhecimento com base na relação de várias informações (textuais, contextuais, pessoais, históricas etc.). Em suma, para se compreender um texto, tem-se que ir muito além dele mesmo. O texto monitora o seu leitor para além dele e este é seu aspecto mais notável quanto aos processos de produção de sentido. Com certeza, este entendimento da compreensão traz consigo uma série de conseqüências que gostaria de enunciar aqui:

1) entender um texto não é entender palavras ou frases 2) entender as frases ou as palavras é vê-las em contexto 3) entender é produzir sentidos e não extrair conteúdos 4) conteúdos e sentidos não se equivalem 5) indivíduos diferentes podem produzir sentidos diferentes 6) entender o texto é inferir numa relação de conhecimentos vários 7) não existe uma compreensão ideal e definitiva de um texto 8) todas as compreensões do mesmo texto devem ser compatíveis

(5) Variação:

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Não é novidade alguma que todas as línguas variam, pois a variação é um fenômeno inerente a todas as línguas já que as línguas mudam e a mudança é um passo final do processo de variação. Já que a variação é normal, seria conveniente que fosse respeitada no contexto de ensino e que isso se refletisse depois no contexto da vida social. O problema que a escola deve enfrentar no caso da variação não é o de explicar como ela se dá e quais são suas motivações formais nem quais são suas derivas e justificativas. A escola deve enfrentar a questão mais profunda de que algumas variantes são mais prestigiosas que outras. Existe uma variedade de língua que opera como a norma padrão da escrita e tem enorme prestígio social; existe outra variante paralela a esta que é a norma oral culta, cujo domínio é sinônimo de “boa educação”. Mas estes não são fatos naturais e sim valorações no contexto de uma sociedade. Tanto uma como outra das duas normas tem sua decisão tomada à margem de argumentos tipicamente lingüísticos. Hoje admite-se com certa facilidade que a estandardização de uma língua é tanto um processo sócio-histórico como lingüístico. Por isso mesmo a variação não pode ser fonte de discriminação. Em geral, nos estudos escolares, as noções de língua padrão e de norma culta centram-se no código e dizem respeito ao léxico, sintaxe, e fonética e são em boa medida artificiais, já que postulam e aspiram homogeneidade para a língua em questão. Isto justificaria o prescritivismo que aspira a preservação da homogeneidade. Contudo, mesmo a norma e o padrão variam quando se buscam efeitos de sentido especiais como no caso da literatura, do cinema, do teatro e também da publicidade e, em muitos outros momentos da atividade discursiva, para não dizer em quase todos. Aspecto lingüístico de extrema relevância no ensino, a variação se verifica em todos os níveis lingüísticos e formas de manifestação. Temos a variação sociolingüística que é a mais conhecida, mas temos outros tipos de variação que vão interferir diretamente na atividade discursiva sob vários pontos de vista. Por exemplo, a variação sociolingüística mostra que não há uma só uma forma de se expressar. Em suma, a variação é outro capítulo em que a lingüística pode fornecer uma série de elementos de enorme valia para o trabalho com a língua. Vejam-se suas possibilidades: - Variação de estilo - Variação social - Variação dialetal - Variação de registros - Variação pragmática

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A variação se á tanto na fala quanto na escrita. E se manifesta nos graus de formalidade e informalidade, nas decisões de escolhas lexicais, estruturas sintáticas e assim por diante. (6) Gênero textual Um dos aspectos bastante interessantes na atual visão de língua e de ensino de língua é a tendência a trabalhar os mais diversos gêneros textuais e não apenas os que vimos aconselhados pelas antigas crestomatias e antologias que só prezavam a boa literatura e a boa prosa dos bons e consagrados autores. Hoje, inclusive o texto do aluno pode ser trabalhado em sala de aula e todos os demais textos que circulam no dia-a-dia. O que se tem em mente em todos estes casos é que os gêneros textuais são fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social. Eles resultam de um trabalho coletivo e contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas. São entidades sócio-discursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa. No entanto, mesmo apresentando alto poder preditivo e interpretativo das ações humanas em qualquer contexto discursivo, os gêneros não são instrumentos estanques e enrijecedores da ação criativa. Caracterizam-se como eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos. Surgem emparelhados a necessidades e atividades sócio-culturais, bem como na relação com inovações tecnológicas, o que é facilmente perceptível ao se considerar a quantidade de gêneros textuais hoje existentes em relação a sociedades anteriores à comunicação escrita. Na realidade, o trabalho com os gêneros permite observar tanto as características formais dos textos como as sócio-pragmáticas e interacionais. Pode-se observar a adequação do gênero de acordo com seus propósitos, sua situacionalidade, domínio discursivo, nível de linguagem e grau de formalidade. Os gêneros realizam-se com características próprias, mas permeáveis tanto na fala como na escrita. Aspecto importante neste contexto é a distinção nem sempre bem estabelecida entre gênero textual e tipo textual. Os manuais claudicam muito nesta questão e confundem. No entanto, essa distinção é fundamental em todo o trabalho com a produção e a compreensão textual. Vejamos aqui uma breve definição das duas noções:

(a) Tomamos aqui a expressão tipo textual para designar uma espécie de construção teórica definida pela natureza lingüística de sua composição{aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas}. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção.

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(b) Tomamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente

vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Se os tipos textuais são apenas meia dúzia, os gêneros são inúmeros. Alguns exemplos de gêneros textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem jornalística, aula expositiva, reunião de condomínio, notícia jornalística, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio de restaurante, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta eletrônica, bate-papo por computador, aulas virtuais e assim por diante.

Com base nestas breves observações pode-se ter uma idéia de quanto frutífera essa noção pode tornar-se em momentos diversos durante o tratamento concreto dos textos cotidianos. (7) Oralidade e escrita É evidente que a língua se dá em duas modalidades básica de realização: a sonora, bem mais antiga e a escrita, bem mais recente. Contudo, por razões sócias e econômicas, a escrita é mais prestigiada, embora continuemos essencialmente oralistas, gastando mais da metade de nosso tempo de vigília falando, mas gastamos pouco tempo por dia escrevendo. Assim, um trabalho com a natureza dessas duas modalidades é essencial. Vejamos alguns detalhes interessantes a este respeito. Um dos aspectos centrais na relação entre oralidade e escrita é que a escrita não é uma representação da fala. Mas esse mito ainda persiste na maioria dos manuais escolares que estão sendo produzidos neste exato momento. Veja-se que um manual de ensino publicado em 2002, do qual me furto dizer o autor e o título pelo tamanho da ignorância que a assertiva representa: “É fundamental não esquecer e lembrar ao aluno sempre que a escrita é uma representação d fala.” Mas logo em seguida acrescenta que “não devemos escrever como falamos”. Sabemos que uma das novidades mais notáveis dos PCN foi precisamente o fato de ter se dedicado a tratar extensamente da oralidade,incentivando o seu tratamento em sala de aula, inclusive em gêneros específicos. Correta é inclusive a posição adotada de que não há uma dicotomia estrita entre fala e escrita, mas sim uma relação contínua permeada pelos gêneros textuais.

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Preconceitos contra a oralidade em favor da escrita sugerem que a fala é o lugar do erro e do caos e que ela não tem regras, quando se sabe que a fala tem normas tal como a escrita as tem, só que podem divergir em algum detalhe até pela natureza do meio de realização. Mas uma afirmativa como esta encontrada em outro manual didático saído em 2002 é algo espantoso: “Trabalhar a oralidade na escola não é ensinar o aluno a falar bonito, certo, da maneira como escrevemos. Não é corrigir a fala errada do aluno.” Aqui se acha estampado o preconceito em sua mais notável forma. Dá a entender que a escrita é o lugar do acerto e do correto e a fala do erro. Deixa claro que o aluno fala errado. Portanto, uma noção clara de oralidade e de escrita que considera de forma natural as relações de semelhança e diferença que permeiam entre ambas, tendo em vista que a escrita não representa a fala e que nem toda a realização sonora da língua é fala, deveria ser um ponto central no ensino de língua. 16. A inegável influência da noção de língua que puxa tudo Nesta breve revoada pela Lingüística (em vôo livre de pássaro travesso), vimos alguns dos momentos importantes da Lingüística no século XX e sua relevância no ensino de língua traduzidos em cinco noções de língua. Além disso, vimos uma bateria de conceitos que poderiam ser úteis precisamente dentro de uma das noções de língua, isto é, a sócio-cognitiva comunicativa e interativamente motivada. Nessas observações, o papel da lingüística se afigura quase incontornável. A tese central era a de que, a depender da noção de língua, se dá uma diferente influência no ensino de língua. E assim é que se dão as diferentes influências no ensino a partir de:

(a) Língua como fator de identidade nacional (b) Língua como sistema de regras

(c) Língua como fenômeno social

(d) Língua como forma de ação

(e) Língua como atividade sócio-interativa

Por outro lado, foi fácil perceber como as perspectivas teóricas mais produtivas e diretamente aplicáveis são aquelas que tratam a língua em uso e no seu formato mais comum, isto é, no formato textual. Daí as perspectivas textuais-discursivas que compreendem a língua como fenômeno sócio-interativo, histórico e cognitivo, serem as mais influentes no ensino.

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Parece forçoso concluir que, apesar de a ciência lingüística ser relativamente jovem e sua consolidação mal ter começado, seus efeitos fazem-se sentir cada vez mais e com maior intensidade no ensino de língua. Tudo indica que estamos melhor sabendo como superar o dilema e o paradoxo a que aludi logo no início desta exposição. Estamos conseguindo ir além da dicotomia entre teoria e prática. Seguramente, grande parcela dos conhecimentos lingüísticos hoje disponíveis foram desenvolvidos nos últimos 50 anos. Neste período, dentre os princípios mais importantes da Lingüística contemporânea, sem ater-nos a uma ou outra corrente, e indicando só o que é de maior relevância para o ensino de língua, resumidamente, encontramos os seguintes:

a) A língua apresenta uma organização interna sistemática que pode ser estudada cientificamente, mas ela não se reduz a um conjunto de regras de boa-formação que podem ser determinadas de uma vez por todas como se fosse possível fazer cálculos de previsão infalível. As línguas naturais são dificilmente formalizáveis.

b) A língua tem aspectos estáveis e instáveis, ou seja, ela é um sistema

variável, indeterminado e não fixo. Portanto, a língua apresenta sistematicidade e variação a um só tempo.

c) A língua se determina por valores imanentes e transcendentes de modo

que não pode ser estudada de forma autônoma, mas deve-se recorrer ao entorno e à situação nos mais variados contextos de uso. A língua é, pois, situada.

d) A língua constrói-se com símbolos convencionais, parcialmente

motivados, não aleatórios mas arbitrários. A Língua não é um fenômeno natural nem pode ser reduzida à realidade neurofisiológica.

e) A língua não pode ser tida como um simples instrumento de

representação do mundo como se dele fosse um espelho, pois ela é constitutiva da realidade. É muito mais um guia do que um espelho da realidade.

f) A língua é uma atividade de natureza sócio-cognitiva, histórica e

situacionalmente desenvolvida para promover a interação humana.

g) A língua se dá e se manifesta em textos orais e escritos ordenados e estabilizados em gêneros textuais para uso em situações concretas.

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h) A língua não é transparente, mas opaca, o que permite a variabilidade

de interpretação nos textos e faz da compreensão um fenômeno especial na relação entre os seres humanos.

i) Linguagem, cultura, sociedade e experiência interagem de maneira

intensa e variada não se podendo postular uma visão universal para as línguas particulares.

Nesta exposição foram sugeridas algumas alternativas para uma ova forma de enfrentar o problema do trabalho com a língua em sala de aula. Não se trata da oferta de um novo modelo ou paradigma teórico nem da descoberta da pólvora do trabalho com a língua materna. Trata-se apenas de uma sugestão para reflexões futuras. Seria até desanimador se alguém imaginasse que aqui se propõe uma substituição de tudo o que se vem fazendo por algo novo como panacéia geral para os supostos males do ensino atual. Nada disso se pretendeu aqui. Tudo o que se disse aqui não passa de uma tentativa. E como síntese das idéias desenvolvidas, ofereço, na forma de um quadro sinóptico geral, um conjunto de elementos interessantes que podem entrar na composição dos aspectos mais relevantes da relação dos sete conceitos levantados. Contudo, é bom ter presente que este quadro não nem exaustivo nem representativo. Além disso, a terminologia que aqui aparece é apenas indicadora de uma série de orientações que devem ser minuciosamente especificadas para que se possa ter um entendimento mais adequado de sua utilização. No momento, esta relação de termos a serem ainda claramente definidos não passa de uma proposta conceitual e tentativa de arrolar uma série de indicadores muito gerais que devem ser claramente definidos para constituir, talvez, um tipo de preocupação em sala de aula, mas nunca uma metalinguagem para oferecer ao aluno. Caso isso viesse a ocorrer, incorreríamos no mesmo equívoco das propostas anteriores. Por outro lado, alerto também que não se trata da montagem de um conjunto de itens que poderiam figurar como os conhecidos “descritores” do SAEB, tal como já citei acima. Trata-se apenas de orientar a perspectiva da observação.

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MACRO-CONCEITOS RELEVANTES NO ENSINO E SEUS DESMEMBRAMENTOS ESPECÍFICOS

GRANDES

CONCEITOS ASPECTOS CENTRAIS FENÔMENOS

ESPECÍFICOS LÍNGUA

SISTEMA SOCIEDADE COGNIÇÃO

- descrição situada, léxico - padrão, norma, usos - polissemia, funcionalidade - interação, negociação, dialogicidade - historicidade, práticas sociais - discurso, práticas discursivas - indeterminação, opacidade - representações, conceitos, modos, - metáforas, sentidos, conhecimentos

TEXTO

PRODUÇÃO COMPREENSÃO

- unidade discursiva, coesão, coerência, - intertextualidade, situacionalidade - informatividade, progressão referencial - referência, tópico, discurso, contexto - inferência, interpretação, cognição - interatividade, conhecimentos mútuos

VARIAÇÃO

SOCIOLINGÜÍSTICA DIALETOLOGIA

- variante, variedade, norma, padrão - variação lexical, gramatical - variação de estilo, pragmática - variação social, dialetal - variação de registros - dialeto, socioleto, idioleto - preconceito, gíria - funcionalidade -

GÊNERO TEXTUAL

TIPOS GÊNEROS

- narração, argumentação, descrição, - exposição, injunção - estabilidade relativa, estilo, conteúdo - composição, função, situacionalidade - funcionalidade, propósitos, diversidade - comunidades discursivas,

ORALIDADE/ ESCRITA

ORALIDADE ESCRITA

- modalidades, estratégias, gêneros - características e relações mútuas - marcas, entoação, gestualidade etc.

Concluindo, diria que, não obstante as muitas análises pessimistas que até hoje foram feitas a respeito da influência da Lingüística no ensino de línguas, alguns lamentando a excessiva influência e outros lamentando a pouca influência, pode-se dizer que a Lingüística passou a ter um papel progressivamente mais visível no ensino de língua a partir dos anos 70.

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Uma análise acurada dos manuais de ensino de língua em todas as suas modalidades mostrará que de algum modo a Lingüística esteve sempre presente, algumas vezes mais e outras vezes menos; algumas vezes bem outras vezes mal assimilada. No geral, houve e continua havendo uma certa defasagem na aplicação dos princípios lingüísticos ao ensino. Mas tudo leva a crer que nunca o papel da Lingüística no ensino de línguas se fez notar tanto como hoje em dia. Fontes de Referência ALTMAN, Cristina. 1997. AUSTIN, John Langshaw. 1962. How to Do Things with Words. Oxford, Oxford University Press. (Quando Dizer é Fazer: Palavras e Ação. Trad. de D. Marcondes de Souza Filho, Porto Alegre, Ed. Artes Médicas, 1990). BEAUGRANDE, Robert de. 1997. New Foundations for a Science of Text and Discourse: Cognition, Communication, and the Freedom of Access to Knowledge of Society. Norwood, New Jersey, Ablex. BLOOMFIELD, Leonard. [1933]. Language. New York, Holt, Rinehart and Winston. BÜHLER, Karl. [1934]. Sprachtheorie. Die Darstellungsfunktion der Sprache. Stuttgart, Gustav Fischer Verlag. CHOMSKY, Noam. 2000. New Horizons in the Study of Language and Mind. Cambridge, Cambridge University Press. GRICE, H.P. 1975. Logic and Conversation. In: P. COLE & J.L. MORGAN (eds.). Syntax and SemanticsVol. 3: Speech Acts. New York, Academic Press. 1975. Pp. 41-58. GUIMARÃES, Eduardo. 1996. Sinopse dos Estudos do Português no Brasil: A Gramatização Brasileira. In: E. GUIMARÃES e E. ORLANDI (orgs.). Língua e Cidadania. O Português no Brasil. Campinas, Pontes. Pp. 127-138. GUIMARÃES, Eduardo. 2000. Os estudos da significação no Brasil: uma história entre o natural e o histórico no século XIX. Línguas e Instrumentos Lingüísticos nº 4 e 5 (2000):5-18, Editora Pontes. JASZCZOLT, Katarzyna. 1995. Contrastive Analysis. In: Handbook of Pragmatics. Ed. Por J. Verschueren, Jan-Ola Östman, J. Blommaert. Amsterdam, John Benjamins, pp. 561-565. LADO, Robert. 1957. Linguistics across cultures. University of Michigan Press. LEITE, Francisco José Monteiro, [1887] Grammatica Portugueza dos Lyceus, em que se contém toda a doutrina exigida pelo último programma official, organisado pelo Conselho Superior d’Instrução Publica. Porto, Livraria Civilisação, 1887.

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