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Transinformação, Campinas, 15(Edição Especial):75-89, set./dez., 2003 ARTIGO 1 Professor, Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Praça Imaculada 105, Vila Santa Odila, 13045-901, Campinas, SP, Brasil. E-mail: [email protected] O papel da interação humano-computador na inclusão digital The role of computer-human interaction in the digital inclusion José Oscar Fontanini de CARVALHO 1 R E S U M O O objetivo deste trabalho é divulgar a importância da interação humano- -computador para a inclusão digital. Aborda o desenvolvimento da tecnologia digital, apresentando seus benefícios sociais e destacando preocupações com relação à exclusão digital. Discute a inclusão digital, ressaltando o papel da Interação Humano-Computador em seu benefício. Apresenta a interação humano-computador, por meio de definições, objetivos, história, evolução, justificativas, importância e tendências. Evidencia a importância da interação humano-computador na recuperação da informação e propõe maior aproximação entre a Ciência da Computação e a Ciência da Informação, visando a ampliação do acesso à informação. Palavras-chave: interação humano-computador, inclusão digital, sociedade da informação, desenho universal, acessibilidade. A B S T R A C T This article main objective is to disseminate the relevance of the Computer-Human Interaction for the digital inclusion. It approaches the development of digital technology having in view its social benefits, and considers the growing concerns

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O PAPEL DA INTERAÇÃO HUMANO-COMPUTADOR NA INCLUSÃO DIGITAL

Transinformação, Campinas, 15(Edição Especial):75-89, set./dez., 2003

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ARTIGO

1 Professor, Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Pontifícia Universidade Católica de Campinas. PraçaImaculada 105, Vila Santa Odila, 13045-901, Campinas, SP, Brasil. E-mail: [email protected]

O papel da interação humano-computadorna inclusão digital

The role of computer-human

interaction in the digital inclusion

José Oscar Fontanini de CARVALHO1

R E S U M O

O objetivo deste trabalho é divulgar a importância da interação humano-

-computador para a inclusão digital. Aborda o desenvolvimento da tecnologia

digital, apresentando seus benefícios sociais e destacando preocupações com

relação à exclusão digital. Discute a inclusão digital, ressaltando o papel da

Interação Humano-Computador em seu benefício. Apresenta a interação

humano-computador, por meio de definições, objetivos, história, evolução,

justificativas, importância e tendências. Evidencia a importância da interação

humano-computador na recuperação da informação e propõe maior

aproximação entre a Ciência da Computação e a Ciência da Informação, visando

a ampliação do acesso à informação.

Palavras-chave: interação humano-computador, inclusão digital, sociedade da

informação, desenho universal, acessibilidade.

A B S T R A C T

This article main objective is to disseminate the relevance of the Computer-Human

Interaction for the digital inclusion. It approaches the development of digital

technology having in view its social benefits, and considers the growing concerns

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about digital exclusion. It examines digital inclusion and emphasizes the role of

Computer-Human Interaction in its favor. It also presents such Interaction by

means of definitions, objectives, history, evolution, justifications, importance and

tendencies. Besides evincing the value of Computer-Human Interaction in the

recovery of information, in proposes greater closeness between the Computer

and the Information Sciences, which would facilitate and spread the access to

information.

Key-words: computer-human interaction, digital inclusion, information society,

universal design, accessibility.

I N T R O D U Ç Ã O

As informações geradas atualmenteestão, cada vez mais, sendo armazenadas noformato digital. As vantagens desta forma dearmazenamento de informação são muitas,destacando-se, entre elas, a flexibilidade ofereci-da para a sua recuperação e a possibilidade dearmazenamento e veiculação em diferentes tiposde mídias.

Um bom exemplo de vantagem são oslivros em formato digital disponibilizados naInternet, conhecidos como e-books, que nãonecessitam do papel como mídia para suaviabilização. Os e-books chegam a ser vendidosna Internet por 5% do valor de seus similares,em papel, comercializados nas livrarias. Algunsprovedores de acesso à Internet chegam aoferecer, gratuitamente, livros best sellers, emformato digital, para os seus usuários.

O armazenamento e a manipulação deconteúdos digitais somente é possível por meiode máquinas com processadores específicos,sendo a mais conhecida, o computador.

O acesso a essas máquinas e a seusconteúdos digitais não tem acontecido naintensidade que se esperava. A cada evoluçãoda tecnologia digital, um contingente enorme deindivíduos deixa de ter acesso às informaçõesque são armazenadas por meio da novatecnologia. Estes indivíduos são denominadosexcluídos da sociedade da informação.

Vários são os fatores que levam taisindivíduos à exclusão digital: sociais; políticos;econômicos; educacionais; de deficiênciasfísicas ou cognitivas; entre outros. Além destes,um fator importante, porém menos discutido, nainclusão das pessoas no mundo digital é afacilidade, ou dificuldade, encontrada por elaspara a operação das máquinas digitais.

Mais especificamente com relação aossoftwares de computadores, no Livro Verde daSociedade da Informação no Brasil (TAKAHASHI,2000, p.39) lê-se:

Outro fator de dificuldade para o

usuário inexperiente é o desenhodas telas de apresentação e aestruturação das páginas, muitas

vezes pressupondo uma certafamiliaridade com ambientescomputacionais mais sofisti-

cados.

Todos conhecem pessoas que, apesar desocial, econômica, intelectual e culturalmentebem posicionadas, sentem dificuldade em operardeterminados tipos de máquinas digitais,passando a fazer parte dos excluídos dasociedade da informação.

Não existe, entre os desenvolvedores detecnologia digital, a adequada preocupação coma facilidade operativa de máquinas sofisticadas.

Em época mais recente, uma nova abor-dagem sobre o problema apresentado foi desta-cada, tornando-se um tema de pesquisa na áreada Computação, em crescente desenvolvi-

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mento, denominada Interação Humano-Com-putador (IHC)2 , que aos poucos vem sendoabsorvido pelos desenvolvedores de tecnologiadigital. A Interação Humano-Computador temcaracterística multidisciplinar e seu objetivo étornar máquinas sofisticadas mais acessíveis,no que se refere à interação, aos seus usuáriospotenciais.

Esta abordagem não é exclusiva da áreade Computação, mas é também compartilhadapela área da Ciência da Informação. PeterIngwersen, em seu livro Information RetrievalInteraction (INGWERSEN, 1992), por exemplo,dedica os capítulos cinco e seis à abordagem,citando autores consagrados da área deInteração Humano-Computador. Isto deve ser vistode maneira muito natural, uma vez que as duasáreas têm, no aspecto tratamento da informação,objetivos e raízes comuns.

Este texto visa divulgar a InteraçãoHumano-Computador, mostrando a sua importân-cia no contexto da inclusão digital.

I N C L U S Ã O D I G I T A L

Antes de abordar a inclusão digital, énecessário fazer-se uma referência ao temaSociedade da Informação. O Programa Socieda-de da Informação (SocInfo) brasileiro, coordenadopelo Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil(MCT), apresenta a seguinte definição:

A Sociedade da Informação está

baseada em tecnologias de

informação e comunicação que

envolvem a aquisição, o armaze-

namento, o processamento e a

distribuição da informação por

meios eletrônicos, como rádio,

televisão, telefone e computa-

dores, entre outros. Essas

tecnologias não transformam asociedade por si só, mas sãoutilizadas pelas pessoas em

seus contextos sociais, econô-micos e políticos, criando umanova comunidade local e global:

a Sociedade da Informação.

Em cada país, a Sociedade daInformação está se construindo

em meio a diferentes condiçõese projetos de desenvolvimentosocial, econômico e político,

segundo estratégias adequadasa cada contexto (SOCIEDADE...,2003).

Para o SocInfo, princípios e metas deinclusão e eqüidade social e econômica, dediversidade e identidade culturais, de susten-tabilidade do padrão de desenvolvimento, derespeito às diferenças, de equilíbrio regional, departicipação social e de democracia política,devem ser respeitados na construção de umasociedade da informação que possa incluir todosos brasileiros.

É no contexto de uma sociedade dainformação, que inclua todos os cidadãos, quese destaca a expressão “Inclusão Digital”. Emmaio de 2001, na Oficina Inclusão Digital emBrasília (PARAGUAY, 2001) foi apresentada aseguinte definição para a expressão:

‘Inclusão Digital’ é gerar igual-

dade de oportunidades nasociedade da informação. A partir

da constatação de que o acessoaos modernos meios de comuni-cação, especialmente a Internet,

gera para o cidadão um diferen-cial no aprendizado e na capaci-dade de ascensão financeira e

com a percepção de que muitosbrasileiros não teriam condiçõesde adquirir equipamentos e

2 Embora a expressão correta, na língua portuguesa, para traduzir o original, na língua inglesa, Computer-Human Interaction(CHI), seja “Interação Ser Humano-Computador”, o autor deste artigo irá utilizar-se da expressão “Interação Huma-no-Computador”, conforme adotada pela Sociedade Brasileira de Computação e amplamente utilizada na área, no Brasil.

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serviços para gerar este acesso,há cada vez mais o reconhe-cimento e o empenho (governa-

mental, social, técnico, econômi-co) de se encontrar soluçõespara garantir tal acesso. Com isto

pretende-se gerar um avanço nacapacitação e na qualidade devida de grande parte da

população, bem como prepararo país para as necessidadesfuturas.

Conseguir a inclusão digital não é umobjetivo fácil de ser alcançado. Não basta oreconhecimento e o empenho (governamental,social, técnico e econômico) para encontrarsoluções que viabilizem a aquisição de equipa-mentos e serviços à população. Com determi-nação política e recursos financeiros é possíveldisponibilizar equipamentos e serviços àpopulação em curto espaço de tempo3 , porém,tais facilidades são inúteis se a população nãopuder fazer uso delas, por falta de treinamento,habilidade ou incapacidade física.

O autor deste trabalho tem tido a oportuni-dade de desenvolver dispositivos, capacitar eacompanhar pessoas que necessitam de acessoaos meios digitais4 e tem constatado que nãobasta a disponibilidade de equipamentos e doalto nível intelectual ou cultural das pessoas paraa inclusão digital.

Há a necessidade de muito investimentoem capacitação específica, para que usuáriospotenciais possam se familiarizar com osdispositivos digitais. Capacitação não é um bemque pode ser adquirido de imediato, mesmo comaltos investimentos financeiros. Há necessidade

de tempo para assimilação da informação egeração do conhecimento.

O espaço, que marca a separação dacomunicação entre o ser humano e a máquina,tem a sua maior parte percorrida pelo homem,devido a sua maior capacidade para a adaptação.Ele conquista este espaço por meio dacapacitação, ficando com a maior parte do pesoda interação entre o ser humano e a máquinasobre seus ombros. Uma alternativa, é fazer comque a máquina percorra o espaço em direção aoser humano.

Negroponte (1995, p.85) afirma que amaioria dos projetistas de interfaces dedispositivos digitais “teimam em procurar tornarmáquinas idiotas mais fáceis de serem usadaspor gente inteligente”.

Se o objetivo é a inclusão, os projetistasdeverão desenvolver dispositivos com caracterís-ticas mais adequadas, que permitam sermanipuladas por pessoas menos habilitadas.

O ponto alto para a compra e venda deequipamentos eletrônicos (de som, de vídeo, eoutros) tem sido a quantidade de botões de seuscontroles remotos. Entende-se que quanto maisbotões possuem, melhor são os equipamentos.Paga-se por botões que nunca serão acionados,simplesmente por não se saber para que servemou como funcionam.

O ideal seria uma interface minimalistaque permitisse a operação do equipamento coma menor necessidade de habilidade ou conhe-cimento prévio possível. Intuitiva para qualquerpessoa. A interface ideal deve ser invisível, ouseja, passar despercebida.

3 Um bom exemplo do que a determinação política pode conseguir, é o das eleições automatizadas por urnas eletrônicas noBrasil. O país posicionou-se, com destaque, perante a comunidade internacional, por seu pioneirismo nesta área. O mesmonão acontece quando se fala de disponibilizar computadores nas escolas brasileiras. Parece tratar-se de uma façanha quaseimpossível de se conseguir, mas, ao se comparar com a votação informatizada, observa-se que uma urna eletrônica é umcomputador que deve custar, se não mais caro, pelo menos um valor semelhante ao de um computador pessoal. A estruturautilizada para as eleições automatizadas foi a das escolas dos diversos municípios brasileiros, ou seja, a mesma necessária paradisponibilizar os computadores aos estudantes.

4 Por meio de projetos voltados para a formação de jovens, adultos e pessoas da terceira idade, incluindo deficientes visuais,auditivos e motores, em empresas e entidades de ensino.

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Desta perspectiva surge o conceito deDesenho Universal5 . Segundo Steinfeld (1994),o conceito de Desenho Universal é diferente doconceito de Desenho Acessível. O DesenhoAcessível diz respeito aos produtos e constru-ções acessíveis e utilizáveis por pessoas comdeficiências. O Desenho Universal diz respeitoaos produtos e construções acessíveis eutilizáveis por todos os indivíduos, independen-temente de possuírem ou não deficiências.Apesar das definições aparentarem ter apenasdiferenças semânticas, na realidade significammuito mais do que isto. Os Desenhos Acessíveistêm uma tendência a separar as facilidadesoferecidas para as pessoas com deficiências,das oferecidas às demais pessoas, como rampasde acesso ao lado de escadas ou toaletesdiferentes para cadeirantes. O Desenho Universal,por outro lado, tem como objetivo proporcionarsoluções que possam acomodar pessoas comou sem deficiências e beneficiar pessoas detodas as idades e capacidades, sem discrimi-nações.

A elaboração de projetos visando o con-ceito de Desenho Universal é especialmentecomplexa, por envolver uma abordagemmultidisciplinar.

Para Carvalho (1994), muitas das solu-ções para projetos de interfaces, que possibilitamum maior acesso e conforto a determinadosusuários, são exatamente as que passam adificultar e, em alguns casos, impossibilitar oacesso aos mesmos por outros usuários. Umexemplo é o advento das interfaces gráficas paracomputadores, no caso dos deficientes visuais.As interfaces gráficas abrangem o conceito dainclusão de gráficos, desenhos, ícones esímbolos, em vez de textos, para o diálogo comcomputadores. Este conceito, embora pode-rosíssimo no que diz respeito à facilidade decomunicação para as pessoas sem problemasvisuais, é extremamente restritivo para os

deficientes visuais. Se tais indivíduos jáenfrentavam um sério problema de acesso aoscomputadores, com esta abordagem, dasinterfaces gráficas, passaram a enfrentar umproblema ainda maior.

Enfrentar os desafios do Desenho Univer-sal na Sociedade da Informação é um dos obje-tivos da área de Interação Humano-Computador.

I N T E R A Ç Ã OH U M A N O-C O M P U T A D O R

Segundo Carvalho (1994), o avançotecnológico transformou o computador em umaferramenta cada vez mais indispensável àsatividades humanas. É difícil encontrar umambiente onde o computador não esteja presen-te, de maneira direta ou indireta. Em muitoscasos, as pessoas são praticamente obrigadasa acessarem-no para que possam alcançaralgum intento ou, pelo menos, ter algum confortoadicional que aquelas, incapazes de o acessa-rem, não terão.

Tal fato é facilmente verificado nas ativi-dades mais simples do dia-a-dia das pessoas,como na obtenção de serviços bancários, nacompra de mercadorias em supermercados, nautilização de cartões de créditos para pagamen-tos e até mesmo no manuseio de certoseletrodomésticos, entre outras. As escolas deeducação básica (principalmente as particulares),no Brasil, incluem o computador como mais umrecurso de apoio ao ensino, colocando-o namesma categoria dos livros ou filmes educativos.Não se concebe uma instituição de nível superiorque não possa permitir aos seus alunos o amploacesso aos computadores. Está se tornandocada vez mais freqüente a exigência deconhecimentos básicos de informática, comopré-requisito para obtenção de empregos em

5 Para o autor deste trabalho, a correta tradução do vocábulo Universal Design, da língua inglesa para a portuguesa, deveria serProjeto Universal e não Desenho Universal, porém, Desenho Universal já foi assimilado pelos especialistas brasileiros.

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cargos menos especializados nas empresas.Quando se trata das atividades de lazer, ocomputador assume um papel quase semprecedentes, na forma de vídeogames, jogos esoftwares de todas as espécies, para todos osgostos e idades.

O fato é que o computador já estáintegrado na vida das pessoas e sem ele serácada vez mais difícil a adaptação das mesmasna sociedade moderna. Pode-se dizer que, comtudo isto, uma grande parte da sociedade estásendo amplamente beneficiada e o benefício serámais amplo na medida em que mais pessoasconsigam ter acesso aos equipamentos deinformática.

O fator que restringe o acesso a taisequipamentos não é apenas o financeiro, pois adificuldade encontrada por certas pessoas emacessar os computadores, por falta de treina-mento ou habilidade, é um fator restritivo tãoimportante, que faz com que um número cres-cente de cientistas e técnicos se dediquem adesenvolver projetos que facilitem o acesso aoscomputadores, por pessoas com pré-requisitocada vez menor. O objetivo destes estudiosos éproporcionar, aos potenciais usuários, interfacesde computadores que tornem o acesso a elestão simples, que qualquer pessoa sem o mínimoconhecimento prévio, habilidade ou nível deinstrução possa acessá-los.

Com referência à importância dasinterfaces nos projetos de sistemas para compu-tadores, Carvalho e Daltrini (1993, p.3) afirmamque:

Mesmo nos dias atuais, é muito

significativa a quantidade de

projetistas que concentram muito

mais esforços na tentativa de

desenvolver um produto de

excelente qualidade técnica, do

que na elaboração de uma

interface que cause satisfação aoseu usuário, esquecendo-se,muitas vezes, de que para o

usuário, que não conhece oconteúdo da caixa preta sistema,a interface é sua única interaçãocom o produto em questão.

Quantos sistemas podem serapontados como praticamenteperfeitos, tecnicamente falando,atendendo a todas as recomen-dações e exigências das maismodernas técnicas da engenha-ria de manufatura de software,porém, quando instalados parao usuário (apesar de seuacompanhamento durante odesenvolvimento do projeto),fracassam no uso do dia-a-dia.Os usuários simplesmente osrejeitam, e para tanto, encontrammil e uma justificativas. No casodos softwares prontos (pacotes),isto se torna muito mais enfático,e pode-se até afirmar que estefator seja a diferença entre osucesso ou insucesso de vendasdo produto.

Apesar da afirmação ter sido feita em1993, muito pouco foi alterado no cenárioapresentado até os dias atuais.

O desenvolvimento adequado dasinterfaces entre o ser humano e o computador éuma tarefa complexa devido ao aspecto humanodas relações. Pela sua complexidade, o estudodas características envolvidas em tal interaçãoexige uma abrangência multidisciplinar, englo-bando conhecimentos de várias áreas ligadasaos fatores humanos, além da computação.

Outro fator de complexidade aparececomo resultado de ser a área de estudos dasinterfaces entre o ser humano e o computadormuito recente, apresentando informações comdiferentes abordagens sobre o tema.

D E F I N I Ç Õ E S E O B J E T I V O S

Baecker e Buxton citados por Thakkar(1990, p.1) definem Interação Humano-Compu-

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tador como “o conjunto de processos, diálogos,e ações por meio dos quais o usuário humanointerage com um computador”.

Não existe ainda uma concordância geralsobre a abrangência desta área de estudos,porém, em 1992, a conceituada Association forComputing Machinery (ACM) publicou umcurrículo de referência para os cursos de gra-duação na área de Interação Humano-Compu-tador, desenvolvido pelo Grupo de Desenvolvi-mento de Currículo (CDG), do seu Grupo deInteresse Especial em Interação Humano-Com-putador (ACM SIGCHI). Na publicação éapresentada a seguinte definição (UNITEDSTATES...,1992, p.5) “A interação humano--computador é uma disciplina que diz respeitoao projeto, avaliação e implementação desistemas de computador interativos para usohumano e ao estudo dos principais fenômenosque os cercam”.

Do lado da máquina a publicação apontao interesse da área pelo estudo de projetos demáquinas que não são passivas e mecânicas,deixando este aspecto para o campo maisabrangente dos fatores humanos.

A mesma publicação classifica a áreacomo sendo interdisciplinar abrangendo disci-plinas como: Ciência da Computação (aplicação,projeto e engenharia de interfaces humanas),Psicologia (aplicação de teorias dos processoscognitivos e análise empírica do comportamentodo usuário de computadores), Sociologia e Antro-pologia (interações entre tecnologia, trabalho eorganização) e Projeto Industrial (produtos intera-tivos). Devido ao fato da Interação Humano-Com-putador estudar o ser humano e a máquina emcomunicação é necessário, ao estudioso da área,o conhecimento tanto de máquinas como do serhumano. Pelo lado das máquinas a área requerconhecimento de técnicas de computação

gráfica, sistemas operacionais, linguagens deprogramação e ambientes de desenvolvimento.Pelo lado do ser humano requer conhecimentosde Teoria da Comunicação, disciplinas de projetográfico e industrial, Lingüística, Ciências Sociais,Psicologia Cognitiva e desempenho humano.Além disto, é relevante que se tenha conheci-mento de métodos de projetos e de Engenharia6 .

Para Rocha e Baranauskas (2003, p.17):

Os objetivos da IHC são o deproduzir sistemas usáveis,seguros e funcionais. Esses

objetivos podem ser resumidoscomo desenvolver ou melhorar asegurança, utilidade, efetividade

e usabilidade de sistemas queincluem computadores. Nessecontexto o termo sistemas se

refere não somente ao hardwaree o software, mas a todo oambiente que usa ou é afetadopelo uso da tecnologia compu-

tacional.

Para se ter uma caracterização da Intera-ção Humano-Computador como um campo, deve-se pensar que a área se interessa pelo desem-penho conjunto das tarefas executadas pelosseres humanos e pelas máquinas; pelas estrutu-ras de comunicação entre o ser humano e amáquina; pela capacidade humana de usarmáquinas (incluindo a facilidade de entendimentodas interfaces); pelos algoritmos e programasda própria interface; pelos conceitos deengenharia aplicados ao projeto e construção deinterfaces e pelo processo de especificação,projeto e implementação de interfaces. AInteração Humano-Computador, desta forma, temaspectos de ciência, engenharia e projeto.

Do conceito de Interação Humano-Com-putador, chega-se ao conceito de InterfaceHumano-Computador. Para Carvalho (1994, p.9):

6 É interessante notar que apesar da área da Ciência da Informação tratar, assim como a área da Informática, da informação, nãoé feita referência a ela, de maneira direta, nas definições de Interação Humano-Computador. Apenas recentemente, pelomenos no Brasil, o autor deste trabalho tem testemunhado uma aproximação das duas áreas que, na sua opinião, trariaenormes benefícios se atuassem de maneira complementar.

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A expressão interface homem-computador se refere a interfaceque serve de interconexão entre

dois sistemas que trocaminformações, sendo eles: de umlado o computador e de outro, o

ser humano, aqui designadocomo homem no significadoamplo da palavra.

De acordo com Hartson e Hix (1989), asexpressões Diálogo Humano-Computador e Inter-face Humano-Computador – também conhecidacomo Interface do Usuário – são definidasseparadamente para denotar, respectivamente,a comunicação entre um usuário humano e umsistema de computador e o meio para talcomunicação. Assim um diálogo é a troca desímbolos e informações (nos dois sentidos),observável entre o ser humano e o computador,ao passo que uma interface é o apoio de softwaree de hardware por meio do qual tal troca desímbolos ocorre. As duas expressões, noentanto, estão estreitamente ligadas no processode desenvolvimento dos sistemas e são usadascomo sinônimos, na maioria da literatura sobreo assunto.

H I S T Ó R I A E E V O L U Ç Ã O

Negroponte (1995, p.86) afirma que odesenho de interfaces para computadores come-çou em março de 1960, quando J.C.R. Licklider,psicólogo experimental e especialista emacústica que se converteu à informática, publicouseu artigo “A simbiose homem-computador”.Licklider tornou-se um messias no assunto,comandando os esforços iniciais da ARPA7 .

Apesar do fato de ser recente o interessepelo campo que estuda as interações entre oser humano e o computador, muito desenvolvi-mento já foi registrado nesta área, como écaracterística de praticamente todos os assuntos

relativos ao computador. Tal desenvolvimentodecorre não somente devido às rápidas transfor-mações tecnológicas, envolvendo a máquina,mas também devido às transformações sociais,às mudanças de atitude face ao uso de taisequipamentos e, até mesmo, ao que já seconhece a respeito das interfaces em questão.

O desenvolvimento na área de InteraçãoHumano-Computador pode ser observado coma apresentação das gerações das interaçõesentre o usuário e o computador, no decorrer dostempos, feita por Walker (1990). Walker redefinea geração dos computadores sob o ponto de vistade como os usuários interagem com ele(afirmando ser este ponto de vista muito maisimportante do que o de como eles foramconstruídos), em 5 gerações:

Primeira geração: painéis com plugues,botões, mostradores e funcionamento dedicado;segunda geração: lotes de cartões de dadosperfurados e entrada de dados remota (RemoteJob Entry); terceira geração: tempo compartilha-do via teletipo (teletype timesharing); quartageração: sistemas de menus; quinta geração:controles gráficos e janelas.

Pressman (1992), entretanto, prefere

classificar a evolução das interações entre o ser

humano e o computador em apenas quatro

gerações:

Primeira geração: comandos e interfaces

de perguntas (query interfaces): a comunicação

é puramente textual e é feita via comandos e

respostas às perguntas geradas pelo sistema.

Segunda geração: menu simples: uma lista de

opções é apresentada ao usuário e a decisãoapropriada é selecionada via algum códigodigitado. Terceira geração: orientada a janela,interfaces de apontar e apanhar (point and pickinterfaces): estas interfaces são algumas vezesreferenciadas como interfaces “WIMP” (Windows,

7 A Advanced Research Projects Agency (ARPA), integrante do Sistema Militar Norte Americano, realizou o projeto ARPA-Net, quedeu origem à atual Internet.

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icons, menus, and pointing devices); trazem oconceito de mesa de trabalho (desktop). Quartageração: hypertexto e multitarefa: esta geraçãosoma, aos atributos das interfaces de terceirageração, as técnicas de hipertextos e multita-refas. A quarta geração das interfaces estádisponível na maioria dos computadores pessoaisatuais.

Apesar do avanço tecnológico na área,algumas das gerações de interface que deveriamestar descartadas encontram-se em uso atual-mente, muitas vezes por resistência de seuspróprios usuários em acompanhar a mudançade paradigma.

Nos primórdios da computação, apenaspessoas com um altíssimo nível de conheci-mento (geralmente cientistas), conseguiaminteragir adequadamente com computadores.Atualmente, crianças que ainda não foramalfabetizadas conseguem obter resultados nainteração com tais dispositivos. Inegavelmente,a evolução das Interfaces Humano-Computadorteve um papel decisivo neste processo. Nestesentido, não há como contestar a contribuiçãoda área para a inclusão digital. Apesar disto,muito ainda tem que ser feito, na área de InteraçãoHumano-Computador, a favor dos excluídos daSociedade da Informação.

Finalmente, conforme aponta Carvalho(1994), as classificações apresentadas referen-tes às interações entre o ser humano e o compu-tador têm levado em conta, sempre, a ótica daevolução do equipamento e as possibilidadesoferecidas resultantes de tal evolução. Deveriamser feitos estudos sobre a evolução das intera-ções entre os seres humanos e as máquinas,sob o ponto de vista dos seres humanos, levando

em conta a evolução social decorrente doscontatos cada vez maiores (e porque não dizerdependência em até certo ponto) com taisinterações8 .

J U S T I F I C A T I V A S EI M P OR T Â N C I A

Shneiderman (1992) afirma que ossistemas efetivos geram sentimentos positivosde sucesso, competência e clareza na comuni-dade usuária. Os usuários não se sentematrapalhados com o uso do computador, podendofazer uma previsão do que ocorrerá comoresultado de cada ação executada no mesmo.Quando um sistema interativo é bem projetado,a dificuldade na sua operação desaparece,permitindo que o usuário possa se concentrarem seu trabalho com prazer.

Justifica a importância das InterfacesHumano-Computador da seguinte maneira:

• Pesquisas têm mostrado que refazer umprojeto de Interface Humano-Computador podeproporcionar uma substancial diferença no tempode aprendizado, na velocidade de execução, nataxa de erro e na satisfação do usuário •

Projetistas da área comercial reconhecem queos sistemas que são fáceis de serem usadosgeram uma margem competitiva na recuperaçãoda informação, automação de escritório ecomputação pessoal • Programadores e equipesde garantia de qualidade estão mais atentos ecuidadosos com relação aos itens de implemen-tação, que garantam interfaces de alta qualidade• Gerentes de centros de computação estãotrabalhando no sentido de desenvolver regras quegarantam recursos de software e hardware queresultem em serviços de alta qualidade para seususuários.

Pressman (1992), considera que as inter-faces bem projetadas vão adquirindo cada vezmais importância, na medida em que o uso doscomputadores vai aumentando. Interfaces “inteli-gentes” são encontradas quando se usa umafotocopiadora, um forno de microondas, umprocessador de textos ou um sistema Computer-

8 É muito comum presenciar a diferença na habilidade de interação entre pessoas, sem treinamento prévio específico, degerações diferentes (avô e neto ou até mesmo pai e filho, como exemplo), no acesso a um mesmo equipamento utilizando amesma interface.

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-Aided Design (CAD). Do ponto de vista dousuário, é a interface que possibilita a um pilotovoar em modernos aviões, a um radiologistainterpretar o resultado de um exame e a umbanqueiro transferir milhões de dólares atravésde continentes. As interfaces são as “embala-gens” dos softwares: se são fáceis de aprendere simples de serem usadas de maneira direta, ousuário ficará inclinado a fazer bom uso do queestá dentro, caso contrário, problemas irãoinvariavelmente aparecer.

É importante levar em conta o aviso deBarfield (1993) de que um projeto de interfacepara usuário significa muito mais do que projetartelas e ícones agradáveis. É uma área vital. Anoção de conforto, individualmente, é muito maiscomplexa do que aparenta ser a princípio e ositens segurança e eficiência são partesimportantes deste contexto.

Na verdade, quando se procura umsoftware no mercado para aquisição (um editorde textos, por exemplo), espera-se que osoferecidos funcionem devidamente, o queatualmente não é difícil devido à evolução daengenharia de software, que permite que sedesenvolvam softwares cada vez mais confiáveise com bom desempenho. O fator que acaba“desempatando” dois produtos semelhantespassa a ser, muitas vezes, a interface e não aanálise das qualidades de desempenho dosoftware. Falando em termos comerciais, umaboa interface parece ser cada vez mais decisivana boa colocação de um software no mercado.Concluindo e aproveitando a citação anterior dePressman, se os produtos são semelhantes evendidos por preços também semelhantes,compra-se aquele que vem em uma “embalagem”mais agradável.

T E N D Ê N C I A S

Ao se pesquisar as interfaces entre o serhumano e o computador depara-se com diferen-tes tendências. É importante, então, que se

exponha, embora sucintamente, algumas destas

tendências ou paradigmas. Antes, porém, da

exposição de tais paradigmas, é interessante

retomar a opinião de Laurel (1990a, p.346) sobre

o assunto:

Os mais robustos paradigmascomeçaram com fantasias e

grandes “e se...”. H. G. Wellsimaginou uma missão tripuladapara a lua; Capek dramatizou a

condição dos robôs; Vinge eGibson mapearam os mares doCiberespaço. Trabalhadores

reais, no mundo real da tecnolo-gia, devem dividir estas visões -usualmente criadas por pessoas

que não são tecnólogos - emconjuntos de problemas tratáveisque rapidamente perdem sua

fascinação. Mais cedo ou maistarde, será legada para nós - aspessoas que atualmente proje-

tam as interações humano-com-putador - a reconstituição dasgrandes idéias, incorporando as

noções sobre técnica e tecnolo-gia, propósito e uso, e estraté-gias de pesquisa e desenvolvi-

mento.

Paradigma da Multimídia

Neste paradigma, conforme explana Oren(1990), o computador deixa de ser visto comoum instrumento para armazenar e manipulardados, para serem impressos posteriormente(via papel ou monitor de vídeo), e passa a servisto como um meio de comunicação, que nãose restringe simplesmente à impressão dedados. A multimídia engloba textos, vozes,músicas, gráficos, vídeos e animação.

Williams & Blair (1994) definem multimídiausando a expressão matemática: MULTIMÍ-DIA = VARIEDADE + INTEGRAÇÃO, ondevariedade se refere à diversidade de tipos demeios de comunicação (característica dos

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modernos sistemas de informação) e integraçãose refere ao modo de se tratar esta variedade.Afirmam que é necessário, ao sistema demultimídia, suportar uma variedade de tipos demeios de comunicação, que podem variar desimples combinações de texto e gráfico asofisticadas combinações de animação, áudioe vídeo, porém, qualquer um destes tiposisolados, não é suficiente para a caracterizaçãode um ambiente de multimídia. É importante,também, que as várias fontes de tipos de meiosde comunicação sejam integradas em uma únicaestrutura de sistema. Um sistema de multimídiapermite que os usuários finais possamcompartilhar, comunicar e processar umavariedade de formas de informação de maneiraintegrada. Em essência, sistemas de multimídiatentam resolver os problemas de gerenciamentode informação, integrando as várias formas demeios de comunicação em uma infra-estruturaformada por computador/comunicação.

Paradigma da Interface de LinguagemNatural

As interfaces de linguagem natural sãoaquelas que usam a habilidade de comunicaçãopor meio de uma linguagem, como a portuguesa,por exemplo.

Mountford e Gaver (1990) afirmam quecom o aumento da liberdade decorrente dasentradas e saídas dos sistemas com interfacesde manipulação direta, surgiu uma crescentedependência do uso das mãos e olhos para asentradas manuais e saídas gráficas de taisinterfaces. Em muitas situações, os usuáriossimplesmente têm muita coisa para ver ou fazer.A entrada e saída audíveis são um canal natural,disponível e sistematicamente subutilizado paramelhorar a comunicação entre o usuário e ocomputador. Para eles tais interfaces somadasas atuais interfaces visuais, aumentam osentimento de manipulação direta e o entendi-mento dos usuários.

Paradigma dos Agentes de Interface

Segundo Alan Kay citado por Laurel(1990b, p.359), a idéia de um agente teve suaorigem com John McCarthy, em meados dadécada de 1950, e o vocábulo foi adotado porOliver G. Selfridge poucos anos após, quandoambos estavam no Instituto de Tecnologia deMassachusets. Eles estavam interessados emum sistema que, ao receber um objetivo, levassea cabo os detalhes das operações de compu-tador apropriadas à obtenção do objetivo e quepudesse fazer perguntas e receber avisos, dadosem termos humanos, quando fosse necessário.Um agente deveria ser um “robô na forma desoftware”, vivendo e trabalhando dentro douniverso do computador.

Para Laurel (1990b), os agentes devemoferecer conhecimento de especialista, habilidadee trabalho. Devem necessariamente ser capazesde entender as necessidades e objetivos dousuário em relação a eles, traduzindo tais obje-tivos para um conjunto apropriado de ações eproporcionar resultados que possam ser usadospelo usuário. Devem também saber quandocertas informações são necessárias para seususuários e como fornecê-las. Na vida real, osagentes seriam secretários, jardineiros, arte-sãos, professores, bibliotecários e contadoresou qualquer pessoa que execute ações paraoutra pessoa com a sua permissão. Os agentesde interface são apropriados para executartarefas similares aos agentes da vida real, ouseja, tarefas que requeiram conhecimento,habilidade e recursos ou o trabalho necessáriopara que seu usuário atinja um objetivo, porémnão está disposto ou está impossibilitado defazê-lo.

Este paradigma depende diretamente doavanço na área de Inteligência Artificial.

Paradigma da Realidade Virtual eCiberespaço (cyberspace)

A expressão Realidade Virtual é

geralmente usada para des-

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crever sistemas que tentamsubstituir muitas ou todas asexperiências do mundo físico do

usuário, por material em trêsdimensões sintetizado tal comográficos e sons” (FEINER et al.,

1993, p.53).

O paradigma da realidade virtual visa levaro usuário a ter a impressão de que faz parte(como protagonista), do universo do software queestá sendo executado pelo computador. Estasensação é conseguida por meio de entradas esaídas que estimulam os órgãos sensoriais dousuário (como capacetes com óculos especiais,luvas e equipamentos acústicos) e permitemuma interação dinâmica com o sistema. Naverdade, o usuário passa a ter a impressão deque tudo o que está vendo e sentindo (e com oqual está interagindo), faz parte do mundo real,mesmo que fantástico.

Conforme afirma Naimark (1990, p.455)“...realidade virtual é, por definição, indistinguívelda realidade, onde todos os nossos efetores9

são estimulados e todos os nossos sensoressão afetados”.

Fisher (1990) prefere usar a expressãoAmbiente Virtual para enfatizar a habilidade deimergir completamente alguém em um espaçosimulado com sua realidade própria.

Um outro conceito, diretamente ligado aode Realidade Virtual, é o de Ciberespaço. Walker(1990) define sistemas de ciberespaço comosendo aqueles que proporcionam uma expe-riência de interação tridimensional, com a ilusãode se estar dentro de um mundo, em vez dasensação de se estar vendo uma imagem. Umsistema de ciberespaço deve permitir imagensestereoscópicas de objetos em três dimensões,sensíveis ao movimento da cabeça do usuário,readaptando as imagens em relação à novaposição da mesma e deve proporcionar modosde interação com os objetos simulados. Ciberes-

paço é uma imersão em outro mundo, um mundosimulado que pode ser visto e tocado direta-mente.

Paradigma dos ambientes aumentadospor computador

Os Ambientes Aumentados por Compu-tador estão emergindo e tomando um enfoqueoposto ao da realidade virtual, conforme apontamWellner et al. (1993). Em vez de se usar o compu-tador para encerrar as pessoas em um mundoartificial, pode-se usá-lo para “aumentar” objetosno mundo real. Pode-se fazer com que oambiente do dia-a-dia das pessoas fique sensível,por meio do uso de infravermelho, som, vídeo,calor, movimento e detectores de luz e reaja àssuas necessidades, atualizando telas, ativandomotores, armazenando dados e dirigindoatuadores, controles e válvulas. Com a visão pormeio de telas e projetores, pode-se criar espaçosnos quais os objetos do dia-a-dia ganhempropriedades eletrônicas, sem a perda das suaspropriedades físicas. O ambiente aumentado porcomputador funde sistemas eletrônicos com omundo físico, em vez de tentar substituí-lo. Oambiente do dia-a-dia passa a ser uma parteintegral destes sistemas; ele continua a funcionarcomo esperado, porém com uma nova funciona-lidade computacional integrada.

Outros nomes encontrados para definireste paradigma são: Realidade Aumentada(ADAM, 1993, p.22), e Computação Ubíqua(WEISER, 1993, p.75).

É arriscado tentar analisar paradigmas,como os apresentados, que estão (com exceçãodo paradigma da multimídia), em fase inicial depesquisas, sendo que alguns estão situadosmuito mais em níveis conceituais do que emníveis de realizações. O fato é que o avanço noscampos da Inteligência Artificial e das RedesNeurais Artificiais, apoiados pelo sempre cres-cente avanço tecnológico do hardware (aumento

9 Músculos, glândulas etc., capazes de responder a estímulos, especialmente de um impulso nervoso.

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da capacidade de armazenamento e da veloci-dade de processamento dos dados, entre outrosdesenvolvimentos), permite que se possa ter umcerto grau de credibilidade na concretização emescala comercial de tais paradigmas. O fatormais decisivo na maior ou menor difusão de cadaum dos paradigmas apresentados parece estarmais relacionado à adaptação da sociedade aeles, do que à possibilidade tecnológica e,conseqüentemente, econômica de se tornaremuma realidade cotidiana.

C O N C L U S Õ E S

A informação é a matéria prima do conhe-cimento. Uma sociedade que pretende serinserida na Era do Conhecimento necessita,como pré-requisito, estar madura como Socieda-de da Informação. Para isto, é necessário que amaioria absoluta dos que a compõem estejacontemplada com a inclusão digital. Entre osvários aspectos que levam a aumentar o índiceda inclusão digital, o relativo à tecnologia voltadapara a interação entre o ser humano e o compu-tador (máquina manipuladora de informaçõesdigitais por excelência), apesar de serfreqüentemente delegado a um segundo plano,deve ter atenção especial.

Apesar da Comissão de Especialistas daSecretaria de Ensino Superior do Ministério daEducação do Brasil sugerir que se incluam, noscursos da área de Computação, conteúdos rela-tivos à Interação Humano-Computador (BRASIL,2002), poucos são os cursos que o fazematualmente. Perde-se uma grande oportunidadede conscientizar e preparar os desenvolvedoresde dispositivos computacionais para a inclusãodigital.

Um trabalho com resultados muitosatisfatórios, neste sentido, tem sido feito noCurso de Graduação em Análise de Sistemas,da Pontifícia Universidade Católica de Campinas,onde é oferecida uma disciplina obrigatória deInteração Humano-Computador, que buscaconscientizar os seus alunos, futuros desenvolve-

dores de sistemas digitais, para o problema dainclusão digital (PELISSONI & CARVALHO,2003). Outro trabalho que se inicia na mesmauniversidade, no Programa de Mestrado emCiência da Informação, visa apresentar a Inte-ração Humano-Computador, conscientizar eorientar os seus alunos, usuários potenciais desistemas de recuperação de informação eformadores de opinião na área da Ciência daInformação, a analisarem os sistemasdisponíveis com a preocupação da inclusãodigital.

Atualmente, ao se tratar do armazena-mento e da recuperação da informação, não sedeve cometer o erro de visualizar somenteinformações textuais. Uma das grandes contri-buições da tecnologia digital para a Ciência daInformação é possibilitar o armazenamento eposterior oferecimento de informações quepossam ser acessadas pelos cinco sentidos:visão, audição, tato, olfato e paladar.

Existem dispositivos (software ehardware) que permitem armazenar e recuperarinformações que possam ser percebidas peloscinco sentidos (CARVALHO, 2003). Estasinformações não devem ser apresentadas demaneira redundante e sim complementar, deforma integrada. Este parece ser o caminho parao Desenho Universal, pois permite que pessoascom deficiência em algum dos cinco sentidospossam ter acesso à determinada informaçãopor meio dos sentidos não comprometidos.

Paradigmas devem ser quebrados. Oscientistas da informação devem se esquecer dasbibliotecas como são apresentadas atualmente(no formato de átomos), para poderem visualizarbibliotecas completamente diferentes (emformato de bits), para exigirem, dos desenvol-vedores de tecnologia, soluções mais adequadasàs suas novas realidades. As Ciências daComputação e da informação devem procuraruma aproximação maior do que a atual. Semdúvida alguma, neste novo contexto, a InteraçãoHumano-Computador exercerá um papel funda-mental.

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