o pantanal do mato grosso do sul destino para a observação de aves

18
33 Atualidades Ornitológicas On-line Nº 167 - Maio/Junho 2012 - www.ao.com.br Fernando Costa Straube didática, podemos afirmar, como fizeram vários estudiosos, que se & trata de um imenso anfiteatro virado para o oeste, nas fronteiras bra- Maria Antonietta Castro Pivatto sileiras com a Bolívia e Paraguai. Apesar da explicação resumida, esse magnífico bioma não é um fotos: gigantesco banhado, onde se pode observar animais inconfundíve- Cassiano Zaparoli Zaniboni (Zapa) is em grande quantidade. A planície pantaneira é, na realidade, for- mada por uma infinidade de paisagens naturais. Ali, além das É o sonho de consumo de qualquer observador de aves, mas tam- extensas áreas úmidas, pode-se contemplar matas ciliares e estaci- bém de todas as pessoas que apreciam a natureza. Falamos do Pan- onais, campos nativos, cerrado, buritizais e até mesmo matas de ser- tanal, lembrado por todos os brasileiros mas raramente conhecido ras. Graças a tantas características atrativas em conjunto, também é de fato, em sua essência. É a maior planície inundável de todo o um lugar sem igual para a prática de observação da natureza, com mundo, formada por uma depressão orográfica do Rio Paraguai grande destaque para as aves aquáticas. que engloba cerca de 120 mil quilômetros quadrados nos estados Isso acontece não apenas pela grande concentração de aves de do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Em uma explicação mais grande porte, que se ajuntam para se alimentar e reproduzir compon- ISSN 1981-8874 9 771981 887003 7 6 1 0 0 DESTINOS DESTINOS O Pantanal do Mato Grosso do Sul: destino para a observação de aves A maior planície alagável do mundo: quantos segredos para o observador e fotógrafo não esconde esse verdadeiro paraíso?

Upload: duongbao

Post on 07-Jan-2017

240 views

Category:

Documents


8 download

TRANSCRIPT

Page 1: O Pantanal do Mato Grosso do Sul destino para a observação de aves

33Atualidades Ornitológicas On-line Nº 167 - Maio/Junho 2012 - www.ao.com.br

Fernando Costa Straube didática, podemos afirmar, como fizeram vários estudiosos, que se & trata de um imenso anfiteatro virado para o oeste, nas fronteiras bra-

Maria Antonietta Castro Pivatto sileiras com a Bolívia e Paraguai. Apesar da explicação resumida, esse magnífico bioma não é um

fotos: gigantesco banhado, onde se pode observar animais inconfundíve-Cassiano Zaparoli Zaniboni (Zapa) is em grande quantidade. A planície pantaneira é, na realidade, for-

mada por uma infinidade de paisagens naturais. Ali, além das É o sonho de consumo de qualquer observador de aves, mas tam- extensas áreas úmidas, pode-se contemplar matas ciliares e estaci-

bém de todas as pessoas que apreciam a natureza. Falamos do Pan- onais, campos nativos, cerrado, buritizais e até mesmo matas de ser-tanal, lembrado por todos os brasileiros mas raramente conhecido ras. Graças a tantas características atrativas em conjunto, também é de fato, em sua essência. É a maior planície inundável de todo o um lugar sem igual para a prática de observação da natureza, com mundo, formada por uma depressão orográfica do Rio Paraguai grande destaque para as aves aquáticas.que engloba cerca de 120 mil quilômetros quadrados nos estados Isso acontece não apenas pela grande concentração de aves de do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Em uma explicação mais grande porte, que se ajuntam para se alimentar e reproduzir compon-

ISSN 1981-8874

9 771981 887003 76100

DESTINOSDESTINOS

O Pantanal do Mato Grosso do Sul: destino para a observação de aves

A maior planície alagável do mundo: quantos segredos para o observador e fotógrafo não esconde esse verdadeiro paraíso?

Page 2: O Pantanal do Mato Grosso do Sul destino para a observação de aves

Atualidades Ornitológicas On-line Nº 167 - Maio/Junho 2012 - www.ao.com.br34

O Pantanal corresponde à imensa área da Depressão do Rio Paraguai que, no Mato Grosso do Sul, ocupa grande parte do território estadual, na fronteira com a Bolívia e Paraguai.

À esquerda, a emblemática arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus) deliciando-se com o coquinho da bocaiúva (Acrocomia aculeata) que, além de tudo, ainda lhe oferece proteção graças ao tronco espinhento.

O maior psitacídeo do mundo é também um símbolo da preservação do Pantanal! À direita, um urubu-rei (Sarcoramphus papa) que, embora raro no Pantanal, mostra-se com altivez inigualável, enquanto observa o mundo de seu poleiro predileto.

Page 3: O Pantanal do Mato Grosso do Sul destino para a observação de aves

35Atualidades Ornitológicas On-line Nº 167 - Maio/Junho 2012 - www.ao.com.br

do grandes bandos. Sua importância biológica acaba multiplicada pau-pantaneiro (Melanerpes cactorum), da choca-do-mato-grosso por causa da enorme biomassa que depende direta ou indiretamente (Cercomacra melanaria), do joão-do-pantanal (Synallaxis albilo-desse ambiente, quase que exclusivamente brasileiro. E mais, tudo ra) e da joaninha (Paroaria capitata). Outra prova de que estamos isso acontece por causa da dinâmica natural que lá existe, como con- tratando de uma área de transição é a ocorrência, na planície panta-sequência dos ciclos climáticos, das estações do ano, sempre com neira, de espécies típicas de outros biomas, como o cerrado, o Cha-alguma relação importante com o ciclo vital das próprias espécies. co e até das florestas amazônica e atlântica.

Apesar disso, o Pantanal é um local com pequena riqueza de espé- Um aspecto interessante do Pantanal é sua grande variação de pai-cies de aves. São catalogadas ao total, cerca de 550 espécies, que é sagens e de avifauna ao longo do amplo perímetro. O que se diz um valor pouco significativo se compararmos com outras regiões serem oito ou dez pantanais, porém, nada mais é do que uma alusão brasileiras, especialmente na Amazônia, Mata Atlântica e até mes- às bacias hidrográficas de um ambiente principal, de acordo com a mo no cerrado. Mas essa condição, devemos notar, é confrontada sua localização e, eventualmente, de outras características, como com áreas de megadiversidade, tal como as citadas. Em número solo, clima e predominância de tipos vegetacionais. É exatamente mundiais, a diversidade de aves ali presente é – de fato – bastante isso que irá definir as também várias avifaunas no grande comple-alta, em especial se colocada frente a frente com outras regiões e xo pantaneiro. Aves quase que restritas à região amazônica, por mesmo países inteiros do Hemisfério Norte. exemplo, ocorrerão nas porções mais setentrionais do Pantanal;

Para as aves, o Pantanal deve ser considerado um ambiente de espécies do cerrado estarão concentradas no centro-leste e aquelas transição. Isso porque a maior parte das espécies que ali vivem, próprias da Mata Atlântica viverão nos limites meridionais desse estão presentes também em vários outros biomas brasileiros e mes- ecossistema, obedecendo um padrão geográfico bem coerente. mo em outros lugares das Américas e diversas partes do mundo. Como qualquer outro bioma, o Pantanal é composto por paisa-Dessa forma, não existem o que chamamos de endemismos, ou gens de vegetação que se modificam de acordo com as característi-seja, espécies restritas ao Pantanal; todas elas fazem desse ecossis- cas de clima, solo, relevo e vários outros parâmetros atuando em tema uma extensão de suas áreas de ocorrência. conjunto. Um rápido passeio por uma estrada pantaneira permite

Quando muito, alguns tipos de aves possuem a maior parte de observar isso com grande nitidez: cada uma das várias paisagens suas distribuições geográficas ali concentradas. É o caso, por exem- possui seus integrantes próprios.plo, do arancuã (Ortalis canicollis), do príncipe-negro (Aratinga Seguindo pelos largos e quase infinitos caminhos de terra panta-nenday), do periquitinho-da-serra (Pyrrhura devillei), do pica- neiros, é possível notar que a pista, em vários momentos, fôra cons-

As florestas pantaneiras, marcadas aqui pela palmeira licuri, são excelentes hábitats para a avifauna local.

Page 4: O Pantanal do Mato Grosso do Sul destino para a observação de aves

Atualidades Ornitológicas On-line Nº 167 - Maio/Junho 2012 - www.ao.com.br36

truída em uma altura maior do que o nível do solo. Esse é um artifí- Nessas paisagens, que alternam verdes de várias matizes com o cio que prevê justamente o período de chuvas, quando os rios trans- pintalgado branco dos pássaros, é possível notar, já de antemão, bordam e formam grandes lagoas, separadas por pequenas eleva- quatro tipos mais comuns de garças. Uma delas, de coloração pre-ções, lá chamadas de “cordilheiras”. dominantemente cinzenta, destaca-se por ser mais arredia e sempre

Esses extensos corpos d’água sazonais desprovidos de vegetação solitária. Trata-se da garça-moura (Ardea cocoi), também chamada de maior porte, incluem várias fisionomias de paisagem, sendo as de garça-cinza ou maguari. As outras três, por sua vez, são todas mais conhecidas aquelas denominadas brejos, banhados, lagoas e brancas, mas têm aspectos que permitem uma rápida distinção: a corixos. Esse é o lugar ideal para se encontrar vários tipos de aves garça-branca-grande (Ardea alba), sempre maior, possui bico inte-aquáticas grandes e visíveis. Ali, garças, socós e outros membros da iramente amarelo e as pernas pretas, enquanto a garça-branca-família dos ardeídeos, serão presença garantida, ajuntando-se às pequena (Egretta thula) tem o bico amarelo com a pontinha preta e dezenas - algumas vezes às centenas - em busca de peixinhos ou as pernas pretas, com pés amarelos; por esse motivo ganhou, em invertebrados de maior porte, como insetos, moluscos e crustáceos. alguns lugares, o apelido de garcinha-chinelo-de-ouro. Já a garça-

Os grandes agrupamentos de aves, em geral destacadas no fundo vaqueira (Bubulcus ibis) se parece com a garça-branca-grande, verde por serem predominantemente brancas, são verdadeiros car- mas tem dimensões menores e quase sempre estará acompanhando tões postais do Pantanal, repetidos muitas e muitas vezes para o via- os animais que pastam, como bois e mesmo veados-campeiros e jante. E não é por acaso que esses animais estão juntos em uma reu- capivaras, aproveitando-se da movimentação no capim para captu-nião multiespecífica. Eles convergem para pontos em que o alimento rar insetos. Daí seu nome comum. Mas há ainda várias outras espé-está disponível com mais facilidade, seja para encontrá-lo, seja para cies a serem consideradas e uma das mais belas é a garça-real (Pi-capturá-lo. É por isso que se diz que as melhores épocas para se lherodius pileatus), facilmente reconhecida pelas faces azul-observar aves no Pantanal coincidem com o tempo de estiagem, uma claras, a coroa negra e o longo penacho branco.vez que os corixos e lagoas estarão mais secos e os peixes se concen- Outros parentes desse grupo de aves aquáticas, muito comuns no tram em apenas poucos lugares atraindo grande quantidade de aves. Pantanal, são o socozinho (Butorides striata), o socó-boi (Tigrisoma

O periquitinho-da-serra (Pyrrhura devillei) (esquerda) é uma das aves características de todo o contorno do Pantanal, preferindo as matas de serra e galeria e, por esse motivo, também é muito procurado pelos observadores de aves.

À direita (acima), uma choca-do-mato-grosso (Cercomacra melanaria), que também interessa aos observadores de aves mais experientes, uma vez que, no Brasil, pode apenas ser encontrado nesta região. Abaixo dela, raro momento de observação:

um macho do uirapuru-laranja (Pipra fasciicauda) apresenta-se no meio da ramagem: quem já viu um destes no Pantanal?

Page 5: O Pantanal do Mato Grosso do Sul destino para a observação de aves

37Atualidades Ornitológicas On-line Nº 167 - Maio/Junho 2012 - www.ao.com.br

As tantas estradas que cortam o Pantanal oferecem condições únicas para a observação de aves mas também para a contemplação da natureza.

A riqueza de ambientes e de aves é possível por detalhes sutis de relevo, em conjunto com as variações climáticas e de peculiaridades de escoamento das águas ao longo do ano.

Page 6: O Pantanal do Mato Grosso do Sul destino para a observação de aves

Atualidades Ornitológicas On-line Nº 167 - Maio/Junho 2012 - www.ao.com.br38

lineatum), o socó-dorminhoco (Nycticorax nycticorax) e o arapapá todos eles com cantos típicos e inconfundíveis.(Cochlearius cochlearius), todos eles em geral solitários ou aos casa- Mais para a beira da água, estarão presentes o cafezinho (Jacana is, ocultos na paisagem, por seu colorido cinzento ou castanho. jacana), ave aquática preta e marrom, mostrando uma extensa área

Pelo contrário, destacando-se na paisagem, aparecerá um bando amarela nas asas, apenas visível em vôo. Junto a ela, nadando ou de colhereiros (Platalea ajaja), ave inconfundível pela plumagem mariscando por entre os aguapés, aparece um frango-d’água (Gal-rósea e mexendo o seu bico espatulado de um lado para o outro den- linula galeata), notável por sua plumagem negra e um interessante tro da água, à procura de pequenos organismos que lhe servem de escudo vermelho sobre o bico. Assustadiço, faz-lhe companhia o sustento. De sua família, que em geral tem bico longo e curvo, carão (Aramus guarauna), com seu típico colorido negro riscado outros integrantes somam-se à avifauna dos banhados. Ali está a de marrom e sempre à cata de moluscos e caranguejos.curicaca (Theristicus caudatus), a curicaca-pantaneira (Theristi- Pouco mais afastada e gritando um som forte parecido ao de cus caerulescens) e o corocoró (Mesembrinibis cayennensis), uma trombeta, surgirá a tachã (Chauna torquata), uma ave de

Atenta às margens de um corixo, uma garça-real (Pilherodius pileatus) (esquerda) espreita sua refeição: um pequeno peixe cairia muito bem! À direita, o colhereiro (Platalea ajaja), de porte sisudo e narcisista, remexe os aguapés, em busca de pequenos animais que são sua alimentação e que podem ser capturados graças ao bico estranhamente espatulado. A cor vermelha-viva das asas indica que está em período de reprodução.

A curicaca-pantaneira (Theristicus caerulescens) é considerada uma das aves mais características do Pantanal; seu canto marcante e alto é um dos que mais se destaca na paisagem sonora desta região.

Page 7: O Pantanal do Mato Grosso do Sul destino para a observação de aves

39Atualidades Ornitológicas On-line Nº 167 - Maio/Junho 2012 - www.ao.com.br

Imensas áreas aquáticas cobertas por aguapés compõem cenário dos mais característicos no Pantanal, servindo como ambiente onde vivem inúmeras espécies de aves.

Recantos pantaneiros estão por toda a parte. Em cada um deles é possível encontrar a rica e característica avifauna, que encanta observadores de todas as partes do mundo.

Page 8: O Pantanal do Mato Grosso do Sul destino para a observação de aves

Atualidades Ornitológicas On-line Nº 167 - Maio/Junho 2012 - www.ao.com.br40

Começam os preparativos para a reforma do ninho. Todos os anos, os tuiuiús (Jabiru mycteria) voltam para a mesma árvore para criar seus filhotes.

O belíssimo vôo do gavião-pernilongo (Geranospiza caerulescens), mostrando a característica área acastanhada da cauda. Você não gostaria de voar como ele pela planície pantaneira?

Page 9: O Pantanal do Mato Grosso do Sul destino para a observação de aves

41Atualidades Ornitológicas On-line Nº 167 - Maio/Junho 2012 - www.ao.com.br

No meio da vegetação densa dos banhados, destaca-se a presença rubro-negra do cardeal-do-banhado (Amblyramphus holosericeus), chamando a atenção pelo seu colorido vivo. Como pode tanta beleza?

Até mesmo as proximidades das habitações humanas são excelentes pontos para a observação de aves.

Page 10: O Pantanal do Mato Grosso do Sul destino para a observação de aves

Atualidades Ornitológicas On-line Nº 167 - Maio/Junho 2012 - www.ao.com.br42

grande porte, cinzenta e com uma coleira branca e preta. Essa De uma hora para a outra, a enorme silhueta de asas abertas que espécie, cujo canto marca profundamente a paisagem sonora do antes voava tranquilamente no céu aproveitando-se das correntes Pantanal, tem uma parente muito mais tímida e rara, a anhuma de ar quente ascendente, resolve descer espalhafatosamente ao (Anhima cornuta), que vive discretamente nos banhados e buriti- solo. Momento destacado no Pantanal ocorre quando o tuiuiú (Ja-zais da região. Essas aves são parentes dos patos e marrecos, os biru mycteria) passa a andarilhar pacientemente fuçando no lama-quais, são ali representados pelas irerês (Dendrocygna viduata), çal, à figura de um homem corcunda. Seus parentes, todos fazendo além da marreca-cabocla (Dendrocygna autumnalis), do pato- parte da família dos ciconídeos, poderão estar lhe fazendo compa-do-mato (Cairina moschata) e da ananaí (Amazonetta brasilien- nhia. São o carrancudo cabeça-seca (Mycteria americana) e o ele-sis). gante e tímido tabuiaiá (Ciconia maguari).

Algumas margens de rios, em vez de permitir o acúmulo de vege- Mas a paisagem aquática não é só dos pernaltas. Aproveitando-tação ribeirinha, formam verdadeiras praias de água doce, decor- se das árvores sitiadas no meio dos corixos, bem como dos galhos rente do transporte sazonal da matéria orgânica por ação das águas. que envergam-se sobre o espelho de água, outras aves são igual-Tais cordões arenosos são especialmente visíveis na estação seca, mente encontradiças. Martins-pescadores, dos quais somam-se quando o nível dos rios abaixa, expondo-os magnificamente. Nes- pelo menos quatro espécies no Pantanal, são um exemplo. Um ses areiais outros representantes da avifauna serão presença quase deles, o mais comum, é chamado de martim-pescador-grande (Me-certa. Gaivotas-brancas (Phaetusa simplex), que não são do mar, gaceryle torquata) e aproveita-se dos ramos que pendem, aguar-surgirão emitindo um grito repetitivo e agudo, muitas vezes ladea- dando a passagem de pequenos peixes para lançarem-se à água por das pelos pequenos trinta-réis (Sternula superciliaris). Acompa- meio de rápidos e certeiros mergulhos. Eventualmente é possível nham-nas na gritaria um grupo de taiamãs (Rynchops niger), tam- ver estas aves pescando pequenos peixes que foram atraídos por bém chamados de talha-mares justamente porque, para se alimen- suas fezes caídas na água, ilustrando apenas mais um dos tantos tar fazem voos rasantes sobre a água, cortando-a com a mandíbula espisódios de relações ecológicas, que fazem dessa região um sítio e fazendo com que pequenos animais acabem em suas bocas. especial para a observação de aves.Menos voadores e mais interessados em investigar os nichos da bei- Em árvores mais altas, bandos de biguás (Phalacrocorax brasili-ra d’água, o pernilongo (Himantopus melanurus), a mexeriqueira anus) se ajuntam, ora imóveis, ora abrindo as asas, expondo a plu-(Vanellus cayanus), o quero-quero (Vanellus chilensis) e o maçari- magem preta-azulada brilhantes, enquanto secam-se ao sol. Espé-co-solitário (Tringa solitaria) passeiam pela margem, chamando a cie curiosa, realiza verdadeiros ataques comunitários subaquáti-atenção pelo movimento do corpo para cima e para baixo, demons- cos, quando grupos de pouco mais de uma dezena dessas aves mer-trando curiosidade. gulham organizadamente, cercando cardumes de peixes e dando-

Esse pica-pau-pantaneiro (Melanerpes cactorum) mal sabe o quanto é raro e quantas pessoas de todo o mundo adorariam observá-lo no ambiente natural.

Page 11: O Pantanal do Mato Grosso do Sul destino para a observação de aves

43Atualidades Ornitológicas On-line Nº 167 - Maio/Junho 2012 - www.ao.com.br

lhes caça. Seu parente solitário, a biguatinga (Anhinga anhinga), brejos, outras vezes com vegetação fechadas pelos adensamentos com plumagem cinzento-escura ornada por belos desenhos bran- de taboas, piris e outras plantas típicas dos banhados. Ali se escon-cos nas asas e cauda, mostra um longo pescoço, em cuja ponto está dem pássaros pequenos, difíceis de observar, como a mariquita-do-um bico pontiagudo. Imóvel e sempre alerta ao menor sinal de peri- brejo (Certhiaxis cinnamomeus) e o japacanim (Donacobius atri-go, essa espécie às vezes parece-se com uma estátua, posta sobre os capilla), ambos denunciados pelo canto inconfundível, algumas troncos da beira d’água. Observadores distraídos dificilmente a fla- vezes emitido em dueto. Graças à sonoridade será possível detec-grarão, graças à coloração pintalgada, especial para a camuflagem. tar, ainda, o carretão (Agelasticus cyanopus) e a coleira-do-brejo

Emitindo uma gargalhada rouca, o gavião-caramujeiro (Ros- (Sporophila collaris), convivendo com o belíssimo joão-pinto-do-trhamus sociabilis) une-se a esse grupo. Com seu bico ganchoso, brejo (Amblyramphus holosericeus), destacado na paisagem por útil para retirar habilmente os moluscos de dentro de suas conchas, sua plumagem vermelho-sanguínea. Balançando-se nas gramíne-permanece pousado com tranquilidade, mostrando sua plumagem as, estará à cata de insetos, um pequeno pássaro negro com uma negra com a base da cauda branca. Com essa plumagem é possível carapuça branca, chamado de viuvinha (Arundinicola leucocepha-notar que se trata de um macho, pois as fêmeas são pardas, riscadas la) e, no arbusto próximo acima do nível da vegetação, aparece o na parte ventral. Na estação seca, formam bandos numerosos sabiá-gongá (Saltator coerulescens).migrando para áreas mais úmidas, executando coreografias fabulo- Saindo dos hábitats úmidos, passamos para as pequenas eleva-sas no céu azul. ções, que permitem um solo mais seco, embora igualmente areno-

Também apreciador de moluscos, além de peixes de pequeno por- so. Nesses locais haverá um outro tipo de paisagem, definida por te, estará presente, via de regra em posição privilegiada, o gavião- um tapete de gramíneas dourado, ora desprovido de árvores (cam-velho (Busarellus nigricollis), inconfundível pela coleira preta po), ora apresentando-as sob formas tortuosas e enrugadas. Entra-bem marcada e, principalmente, pela cabeça branca, característica mos no cerrado, a savana sulamericana. Tratam-se de ambientes que lhe deu o nome comum. Eventualmente poderá aparecer, em incomuns no Pantanal, onde uma das presenças mais marcantes é a voo, um elegante gavião-pernilongo (Geranospiza caerulescens), da ema (Rhea americana) que, embora nade com grande destreza, identificado facilmente pelo colorido cinzento e pela mancha fer- evita locais mais alagadiços. Cinzento com a base do pescoço pre-rugínea de sua cauda. ta, o grandalhão do grupo estará andando calmamente aos bandos,

Os extensos ambientes aquáticos do Pantanal favorecem uma formados por um macho adulto, várias fêmeas e filhotes. Ali mui-grande riqueza de hábitats, algumas vezes abertos, com praias ou tas vezes divide espaço com a siriema (Cariama cristata) que,

Confiante em sua camuflagem, o sonolento jacurutu ou corujão (Bubo virginianus) observa atentamente a aproximação do fotógrafo (esquerda). À direita (acima), a manga madura que, caída ao chão, jamais é dispensada pelo joão-pinto (Icterus croconotus), formando um cenário multi-colorido de belíssima composição. Abaixo, um pica-pau-de-topete-vermelho (Campephilus melanoleucos)

olhando através da janela de sua casa e guardando o ninho, sempre em buracos escavados por ele mesmo nos troncos.

Page 12: O Pantanal do Mato Grosso do Sul destino para a observação de aves

Atualidades Ornitológicas On-line Nº 167 - Maio/Junho 2012 - www.ao.com.br44

Por água ou por terra, uma infinidade de recantos, à disposição do observador de aves e das pessoas que gostam de contemplar a natureza.

O Pantanal é a terra dos psitacídeos: ali ocorre duas dezenas de espécies! Em muitos casos, grandes bandos como esse de príncipe-negro (Aratinga nenday) podem ser flagrados a todo o momento. Imagine a gritaria!

Page 13: O Pantanal do Mato Grosso do Sul destino para a observação de aves

45Atualidades Ornitológicas On-line Nº 167 - Maio/Junho 2012 - www.ao.com.br

meio ao cerrado, se denuncia pelo canto tão forte que pode ser escu- atraí-los. Convivem, então, com os populares pássaros conhecidos tado a grandes distâncias. como galo-da-campina ou cardeal (Paroaria coronata) e a joani-

Nas árvores isoladas, aguardando pelo movimento de pequenos nha (Paroaria capitata), além de pelo menos três tipos de sabiás: o animais como roedores e cobras, pode-se notar o gavião-fumaça laranjeira (Turdus rufiventris), o poca (Turdus amaurochalinus) e o (Heterospizias meridionalis), cuja presença em ambientes sertane- branco (Turdus leucomelas). Eventualmente, canários-da-terra (Si-jos lhe deu também o apelido de gavião-caboclo. Sua preferência calis flaveola), coleirinhos (Sporophila caerulescens) e tico-ticos alimentar o faz enfrentar – eventualmente com pelejas disputadís- (Zonotrichia capensis) podem unir-se ao grupo, proporcionando simas - o território alimentar com outros rapinantes, como os ali uma oportunidade única para a observação. No Pantanal, até mes-abundantes carcarás (Caracara plancus). mo nas proximidades das casas e outras edificações, estão oportu-

O Pantanal também é local próprio para se encontrar inúmeras nidades únicas para a observação de aves.espécies de pombas, bem como seus parentes, que formam a famí- Do alto de uma árvore, o joão-bobo (Nystalus striatipectus), lia dos columbídeos. A maior de todas é a asa-branca (Patagioenas movendo a cabeça pra cá e para lá, observa atento os movimentos picazuro) e a pomba-galega (Patagioenas cayennensis), mas tam- de um casal de joão-graveteiro (Phacellodomus rufifrons) empe-bém são comuns a avoante (Zenaida auriculata), a rolinha-branca nhado na construção do ninho: um grande amontoado de gravetos (Columbina picui), a caldo-de-feijão (Columbina talpacoti), a suspenso na ramagem. Na mesma fronde, está um pica-pau-de-fogo-apagou (Columbina squammata) e, especialmente, a rola- testa-branca (Melanerpes cactorum) tamborilando no tronco que, vaqueira (Uropelia campestris), típica daquelas paragens. após perfurado, permite o acesso a larvas de insetos, ocultas sob a

Enormes bandos de pássaros de cor negro-azulada muito bri- casca.lhante aparecem por ali, ora emitindo um canto melodioso, ora quie- Em outras árvores, especialmente quando têm frutos atrativos, tos pousados no chão procurando por sementes e pequenos animais presenças certas são o sangue-de-boi (Ramphocelus carbo), a saí-para comer. São os chupins (Molothrus bonariensis), algumas ra-de-chapéu-preto (Nemosia pileata), o vivi (Euphonia chloroti-vezes ladeados pelos asas-de-telha (Agelaioides badius) e, vez ou ca), o sanhaço-cinzento (Tangara sayaca) e o sanhaço-de-outra, também pelo grandão da família, a iraúna (Molothrus oryzi- coqueiro (Tangara palmarum). Com eles, também ávido pelos fru-vorus). Para quem for mais atento, é possível observar casais de tos, deverá aparecer o joão-pinto (Icterus croconotus), exibindo chupim-azeviche (Molothrus rufoaxillaris) no meio do grupo, uma linda plumagem alaranjada, contrastando com o negro da cabe-quando seu canto distinto o distingue das demais aves negras. ça, asas e cauda e, naturalmente, emitindo seu canto repetitivo que

Muitas vezes, esses bandos se misturam com várias outras aves, inspirou seu nome popular onomatopaico.chegando até bem perto das habitações humanas, para se aprovei- As cercas, construídas pelo homem para delimitar seus territórios, tar de restos de alimento ou de comida deixada especialmente para também oferecem vantagens para as aves. Os fios de arame serão

Fêmea e macho do papa-formiga-vermelho (Formicivora rufa). Muitas aves têm diferenças marcantes no colorido; neste caso o fenômeno é chamado dimorfismo sexual.

Page 14: O Pantanal do Mato Grosso do Sul destino para a observação de aves

Atualidades Ornitológicas On-line Nº 167 - Maio/Junho 2012 - www.ao.com.br46

À esquerda, um flagrante de rara beleza: o tecelão (Cacicus chrysopterus) em seu ninho. Apesar de comum no Pantanal, esse pássaro dificilmente se aproxima do ninho quando percebe a presença de estranhos. É uma forma de proteger a ninhada contra eventuais predadores.

À direita, um surucuá (Trogon curucui) que se destaca pelo colorido vivo e pelos tons brilhantes exibidos na cabeça e nas costas, bem como pelo padrão único de riscas na cauda. Quem se interessar em apreciar seu canto, também irá notar que é uma das vozes mais comuns no Pantanal.

As florestas que acompanham os rios, no Pantanal, são ambiente perfeito para algumas espécies que apenas ali poderão ser encontradas.

Page 15: O Pantanal do Mato Grosso do Sul destino para a observação de aves

47Atualidades Ornitológicas On-line Nº 167 - Maio/Junho 2012 - www.ao.com.br

poleiro certo para a noivinha-branca (Xolmis velatus) e a maria- Como já dissemos anteriormente, o que chama a atenção na avi-branquinha (Xolmis irupero), ambas se destacando fortemente pela fauna pantaneira são as aves aquáticas, especialmente porque apre-cor branca imaculada. Já os mourões poderão fornecer alimento sentam maior porte e porque vivem em ambientes abertos, de aces-para o arapaçu-do-cerrado (Lepidocolaptes angustirostris) e mes- so e visualização mais fácil. No entanto, a maior parte dela é com-mo abrigo, se devidamente escavados por um pica-pau-do-campo posta por aves pequenas, que se escondem nas matas e são vistas (Colaptes campestris) ou um quiri-quiri (Falco sparverius). apenas pelos observadores mais interessados e atentos. Nesse gru-

Uma das características mais marcantes no cenário pantaneiro, po incluem-se também as espécies dos campos e dos cerrados que, além das aves aquáticas, são os psitacídeos. Os membros dessa no fim das contas, acabam desprezadas frente à facilidade com que família são os papagaios, periquitos, maracanãs e araras, bem as aves de maior porte podem ser encontradas.conhecidos das pessoas pela plumagem colorida e pelo bico arre- Mas há inúmeros meios de se detectar pelo menos uma parte des-dondado, características singulares. Tratam-se dos mais importan- sas presenças. Um deles é pelos cantos, que surpreendentemente tes representantes da paisagem sonora da região, destacando-se por surgem para indicar-nos que há mais formas de vida - muitas delas seus cantos fortes e ruidosos, audíveis a grandes distâncias. As espé- ocultas na vegetação - do que possa parecer. O jaó (Crypturellus cies mais comuns no Pantanal, cuja presença é revelada pelos gran- undulatus), com seu piado grave repetido inúmeras vezes durante o des bandos que se deslocam promovendo uma intensa gritaria, são dia e às vezes à noite, destaca-se nesse sentido. Caminhando pelo a jandaia-estrela (Aratinga aurea), o periquitão-maracanã (Aratin- solo, remexendo o folhiço à procura de insetos e sementes, essa ave ga leucophthalma), o periquito-de-asa-amarela (Brotogeris chiri- é dificilmente observada, embora saibamos que estará por perto ri), o príncipe-negro (Aratinga nenday) e a caturrita (Myiopsitta por causa de seu chamado peculiar. Outros parentes de sua família - monachus). Ao contrário de todas as demais, que fazem ninhos ou seja, dos tinamídeos - apresentam mesmas características, des-aproveitando-se de cavidades naturais, essa última deve ser desta- tacando-se o inambu-chororó (Crypturellus parvirostris), com seu cada, por ser a única que efetivamente constrói ninho, constituído canto forte que nem parece provir de uma ave tão pequena. por um enorme aglomerado de gravetos. Eventualmente, as catur- Outro cantor poderoso que se une a esses conhecidos gritadores, ritas constroem suas colônias em meio aos enormes galhos que o é o arancuã (Ortalis canicollis), cujos bandos reúnem-se nos cre-tuiuiú emaranha no seu próprio ninho, num verdadeiro berçário púsculos, para fazer uma algazarra tamanha que pode ser escutada coletivo: os grandes filhotes da cegonha na cobertura, os pequenos a um quilômetro ou mais. Curiosamente, seu parentes próximos (fa-e barulhentos periquitos no meio da estrutura. Por precaução, será mília dos cracídeos), comuns no Pantanal, não emitem vozes comum que escolham justamente um local onde exista um vespei- potentes. A jacutinga (Aburria cumanensis), por exemplo, conten-ro, o que fornecerá a todas as famílias ali instaladas, uma eficiente ta-se com um assobio fino e baixinho, enquanto o mutum (Crax fas-proteção contra predadores! ciolata) faz um pio extremamente grave, à semelhança de um asso-

Há ainda várias outras espécies de psitacídeos como, por exem- prão dentro de uma garrafa.plo, araras-vermelhas (Ara chloropterus), ararinhas-de-colar (Pri- Emitindo um canto aflautado, o belo surucuá (Trogon curucui), molius auricollis) e maracanãs-do-buriti (Orthopsittaca manila- enquanto mostra sua magnífica plumagem azul-brilhante com a ta), além - é claro - da famosa arara-azul (Anodorhynchus hyacint- barriga vermelha, faz dueto com sua companheira, nas proximida-hinus), o maior psitacídeo do mundo, notável pela coloração azul de do ninho: uma cavidade construída em um cupinzeiro abando-escura, com a base do bico amarela. Além disso, só de papagaios nado. Contrasta, nesse sentido, com o assobio inconfundível do são mais três espécies: o verdadeiro (Amazona aestiva), o galego bico-de-agulha (Galbula ruficauda) aguardando, em um poleiro (Alipiopsitta xanthops) e a curica (Amazona amazonica), junto ao visível, por insetos voadores que são caçados habilmente ali ou nas seu parente próximo, a maitaca (Pionus maximiliani). Uma outra proximidades de pequenos rios ou córregos.espécie é conhecida por existir quase que exclusivamente no Pan- Na vegetação fechada, um gavião-mateiro (Micrastur semitor-tanal: o periquitinho-da-serra (Pyrrhura devillei). quatus) aguarda pela movimentação dos pássaros que lhe servirão

O enorme bico e a coloração ferrugem quase que uniforme são características inconfundíveis: estamos observando um arapaçu-do-campo (Xiphocolaptes major). em outros locais do Brasil, onde vamos encontrá-lo?

Page 16: O Pantanal do Mato Grosso do Sul destino para a observação de aves

Atualidades Ornitológicas On-line Nº 167 - Maio/Junho 2012 - www.ao.com.br48

"Tá olhando o quê?" pergunta a coruja-buraqueira (Athene cunicularia) no momento em que alça vôo. Afinal: quem observa quem?

de alimento. Mais ao alto, nos galhos expostos de grandes árvores, nosso foco para o topo das árvores, aparece um grupo de araçaris há um gavião-pato (Spizaetus melanoleucus), tipo raro no Pantanal (Pteroglossus castanotis), à cata de frutinhos, mas não desprezan-e cuja observação causa admiração ao observador. do ovos e filhotes de outras aves que lhe passem próximos ao longo

Vez ou outra, pode-se perceber a presença da juruva ou udu-de- e colorido bico córneo. Nisso se assemelham ao seu parente, o tuca-coroa-azul (Momotus momota) que, com sua longa cauda, exercita- nuçu (Ramphastos toco), espécie bastante comum e muito conhe-se mexendo-a em movimento pendular. Divide o sub-bosque da cida pela plumagem negra com garganta branca e longo bico ama-mata com outras várias espécies, dentre elas o becuá (Synallaxis relo.albilora), o garrinchão (Cantorchilus leucotis) e o canário-do- Nos troncos de uma mata próxima a um extenso carandazal, um mato (Basileuterus flaveolus). Meio à brenha, adensada por ramos picapauzinho (Veniliornis passerinus) tamborila, mantendo con-e galhos emaranhados, está o choró-boi (Taraba major) e a choca- tacto com os outros de sua espécie por meio dessa batucada nunca barrada (Thamnophilus doliatus), ambos à procura de insetos, sem- aleatória. Ao seu lado, um arapaçu-do-campo (Xiphocolaptes pre avidamente consumidos. Nesse mesmo lugar, aparece o tímido major) percorre o tronco usando a mesma tática, embora não bata quebra-coco (Campylorhynchus turdinus), também conhecido vigorosamente com o bico com faz seu companheiro. Arapaçus, com nicolau, cantando seu gorgolejo característico: é a voz do Pan- que formam a família dos dendrocolaptídeos, apenas catam os inse-tanal! tos utilizando-se do bico como pinças, que introduzem nas meno-

Em um outro nicho, agora formado por taquarais espinhentos res frestas e por debaixo das cascas soltas. Nisso destaca-se a que se avolumam nas baixadas e matas inundadas, está quieto o maria-seca ou arapaçu-de-bico-torto (Campylorhamphus trochili-sebinho (Todirostrum latirostre), movimentando-se pelos rami- rostris) cujo bico, extremamente longo e curvado permite a captura nhos finos e acompanhado pelo caneleiro (Casiornis rufus) e pelo de insetos quase que inacessíveis.beija-flor bico-reto-cinzento (Heliomaster longirostris). Por fim, não devemos esquecer que não é apenas durante o dia

Emitindo sons bizarros graças à sincronia de seu canto com sons que testemunhamos a exuberância das aves pantaneiras. A noite, instrumentais feitos pela fricção das penas das asas, o japuguaçu que se mantém quente, permite que, em uma simples caminhada, (Psarocolius decumanus) destaca-se, muitas vezes exibindo sua sejam flagrados ao longe os jaós e inhambus, em um cenário melan-magnífica cauda amarela em um espetáculo privativo sem igual. cólico, quase musical. Sobrevoando os céus em busca de novos ala-Junto a ele, curiosas, as gralhas-pantaneiras (Cyanocorax cyano- gados, também são notáveis os patos, marrecos e maçaricos e, nas melas) colaboram com a barulheira, cujos gritos ressaltam-se por margens dos rios estarão socós-dorminhocos e arapapás, se pro-serem emitidos, concomitantemente, por todo o bando. Subindo nunciando constantemente do poleiro escolhido para o descanso.

Page 17: O Pantanal do Mato Grosso do Sul destino para a observação de aves

49Atualidades Ornitológicas On-line Nº 167 - Maio/Junho 2012 - www.ao.com.br

Representantes noctívagos – esses sim! – são as diversas espéci- turismo rural, onde a boa infraestrutura permite conhecer o Panta-es de bacuraus, como o joão-corta-pau (Antrostomus rufus) e o nal com conforto e variedade de atividades. O público estrangeiro, bacurau-chintã (Hydropsalis parvula) que chamam atenção pelo pioneiro no interesse turístico por este atrativo natural, visita o Pan-canto que nos vem do solo, onde se assentam. Companheiros de tanal há muitas décadas em busca da rica vida selvagem, especial-vocalizações não menos impressionantes são o urutau (Nyctibius mente as aves, que apreciam com ajuda de guias especialistas loca-griseus) e o impressionante mãe-da-lua-gigante (Nyctibius gran- is ou vindos também de fora do País. Já o público brasileiro desco-dis), todos com cantos inesquecíveis, pelas tantas lendas que nos briu há poucos anos as belezas da região, como mero observador do fazem lembrar. A caminhada noturna pode ainda revelar várias ambiente natural. Entretanto, com a estabilidade econômica adqui-espécies de corujas, desde a pequenina caburé (Glaucidium brasi- rida nos últimos anos e a facilidade em se comprar equipamentos lianum) às gigantes murucututu (Pulsatrix perspicillata) e corujão fotográficos, o que temos testemunhado é a chegada de um novo (Bubo virginianus) na floresta. Nos campos e alagados é possível tipo de turista, o observador-fotógrafo de aves, que tem no Panta-ainda observar a suindara (Tyto alba), o mocho-dos-banhados nal um dos melhores destinos para praticar este novo e fascinante (Asio flammeus) e a intrigante coruja-preta (Strix huhula). hobby.

Esta breve descrição da avifauna expõe, sem dúvida, a razão pela Graças a isso, surgiram inúmeras opções para os interessados em qual hoje em dia o Pantanal é considerado um dos melhores locais conhecer um pouco mais sobre essa nossa valiosa riqueza. Espaços para a observação de vida silvestre, especialmente das aves. Trata- turísticos passaram a oferecer atividades de observação de aves em se de um verdadeiro teatro natural, onde o cenário, os atores princi- seus roteiros e planos, incluindo visitas a pontos estratégicos para pais e os figurantes se alternam de acordo com o nosso interesse e boas fotografias. Alguns deles, ainda, detêm listas de espécies, dedicação. livros, manuais e mesmo guias altamente especializados para acom-

Munidos ou não de binóculos, lunetas ou equipamento fotográfi- panhar excursões de um dia inteiro ou até vários dias. Se de início co, podemos encontrar uma grande riqueza de espécies de aves, estes guias especialistas vinham todos do Exterior, a atual demanda que vão desde as mais facilmente reconhecíveis até mesmo aquelas fez com que muitos guias locais se dedicassem ao estudo das aves, que exigem um maior esforço por parte do observador. De qualquer aumentando a oferta de profissionais nativos da região. O resultado forma teremos, no mínimo, a satisfação pelo simples contato com a de toda essa mudança pode ser avaliada pela quantidade de vezes natureza, pelos passeios exigidos nesse tipo de atividade e pelas que o Pantanal tem aparecido como destino dos sonhos de muitos magníficas paisagens visuais - e sonoras - postas à nossa disposi- observadores e fotógrafos. Basta visitar os vários sites que armaze-ção. Trata-se de uma oportunidade ímpar para o lazer. nam imagens de natureza e verificar a quantidade de imagens lá

Sensíveis a essa demanda, vários fazendeiros da região transfor- registradas oriundas do Pantanal. Vale a pena planejar cada detalhe maram suas propriedades em hotéis e pousadas especializadas em com todo o cuidado. O resto, fica por conta das aves...

No meio das belíssimas flores da piúva, onde parecia não caber mais beleza, aparece o raro gavião-pato (Spizaetus melanoleucus), dando um tom todo especial ao cenário tipicamente pantaneiro.

Page 18: O Pantanal do Mato Grosso do Sul destino para a observação de aves

Atualidades Ornitológicas On-line Nº 167 - Maio/Junho 2012 - www.ao.com.br50

Os autores recomendam!PARA LER...

PARA OUVIR...

PARA NAVEGAR...

AVES DO BRASIL: PANTANAL E CERRADO Excelente guia de campo, para observação e educação conservacionista, preparado por John Gwynne, Robert Ridgely, Guy Tudor e Martha Argel (2011), com ilustra-ções de excelente qualidade e ótimos textos sobre cada espécie. Preço acessível.

AVES DO PANTANAL Volume n° 4 da série “Coleção Aves nos Biomas Brasileiros” de autoria de Edson Endrigo (2009), con-tendo belíssimas fotos de 100 espécies de aves do Pantanal.

GUIA FOTOGRÁFICO: AVES DO PANTANALGuia de campo fotográfico, com 455 espécies retratadas por Edson Endrigo e textos de Maria Antonietta C.Pivatto e Giuliano Bernardon.

BIRD SPECIES OF PANTANAL WETLAND, BRAZILPublicado na Revista Brasileira de Ornitologia (2003), tendo como autores Darius P. Tubélis e Walfrido M. Tomas. É um estudo essencial para todos os que obser-vam aves no Pantanal pois apresenta uma lista completa de espécies até então verificadas na planície. Acesso gra-tuito

NOVOS REGISTROS DE AVES PARA O PANTANAL, BRASILPublicado na Revista Brasileira de Ornitologia (2008) por Alessandro Pacheco Nunes, Paulo Antonio da Silva e Walfrido Moraes, é uma atualização da lista anterior (acima) com novas espécies e novas localidades pesqui-sadas. Acesso gratuito

AVES DO PANTANAL CD sonoro de autoria de Jacques Vielliard, contém vozes de 68 espécies do Pantanal. Editado em 2000, é excelente para estudo e conhecimento doas cantos e das respectivas espécies emissoras.

WIKIAVES Site especializado em fotografias, sons e discus-sões sobre as aves brasileiras, contendo um acervo de milhões de imagens e cantos. Acesso gratuito.

PANTANAL CD sonoro da série "Paisagens Sonoras do Plane-ta" de autoria de Beto Bertolini, contendo um apa-nhado de sons editados e especiais para contem-plação sonora.

BONITO BIRDWATCHINGBlog de Tietta Pivatto, com notícias, informações e inúmeras conexões, todas referentes á observação de aves no Brasil, especialmente na Serra da Bodo-quena e Pantanal. Acesso gratuito.

PANTANAL: SOUTH AMERICA'S WETLAND JEWEL De autoria de Theo Allofs (2005) e editado pela Conservação Internacional, é um livro repleto de ima-gens e informações sobre o Pantanal.

PANTANAL: GUIA DE AVES (Espécies da Reserva Particular do Patrimônio Natural do SESC - Pantanal)". Obra de bela apresentação com excelentes informações e belíssimas fotografias. Autoria de Paulo de Tarso Z.Antas (textos) e Haroldo Palo-Júnior (fotos).

A ARARA-AZUL NA RPPN SESC-PANTANALUm estudo profundo e detalhado sobre uma das espécies mais emblemáticas do Pantanal,com base em pesquisas realizadas pela equipe de Paulo de Tarso Z.Antas (2010). Acesso gratuito.

DESAFIOS PARA PROTEGER O PANTANAL BRASILEIRO Artigo publicado na revista Megadiversidade (Conser-vação Internacional) em 2006, tratando das ameaças à conservação do Pantanal. Autores: Mônica B.Harris, Walfrido M.Tomas, Guilherme Mourão, Carolina J.da Silva, Erika Guimarães, Fátima Sonoda e Eliani Fachim. Acesso gratuito.

AVES AMEAÇADAS OCORRENTES NO PANTANALE-Livro de Alessandro Pacheco Nunes, Fernando A.T.Ticianelli e Walfrido M.Tomas, da série "Documen-tos" da Embrapa (2006) que trata das espécies raras ou ameaçadas que ocorrem no Pantanal. Acesso gratuito.