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107 dossi ê RESUMO Este artigo visa a analisar a expansão das religiões afro-americanas para além das barreiras étnicas e nacionais. Sua expan- são tem criado redes de parentesco ritual que têm facilitado a circulação de valores, símbolos e práticas entre as diferentes va- riantes religiosas afro-americanas, aju- dando a construir a chamada “religião dos orishas”. O artigo se concentrará na cres- cente interconexão de diferentes tradições regionais, especialmente o candomblé bra- sileiro e a santería cubana, e na influência que práticas rituais e discursivas, elabora- das em um contexto tri-continental, estão exercendo sobre práticas religiosas locais. A análise da reintrodução do culto de Ifá nas casas de candomblé e as mudanças es- truturais provocadas na hierarquia e nos processos de legitimação religiosa mostra- rão como o contexto transnacional, dentro do qual as religiões afro-cubanas e afro- -brasileiras estão evoluindo, não somente modifica como exacerba as lutas locais pe- lo poder religioso. PALAVRAS-CHAVE Candomblé. Santería. Ifá. Transnacionali- zação. Mediunidade. Gênero. Hierarquia religiosa. ABSTRACT This article is concerned with the expan- sion across ethnic and national barriers of Afro-American religions. Their spread has created transnational networks of ritual kinship that facilitate the circulation of values, symbols and practices between dif- ferent modalities of Afro-American reli- gions, helping to build the so-called “ orisha religion”. The article will focus on the growing interconnectedness between dif- ferent regional traditions, namely Brazilian Candomblé and Cuban Santería, and on the influence that ritual and discursive prac- tices, taking place in a tri-continental con- text, are having on local religious practices in the Diaspora. The analysis of the reintro- duction of Ifá worship in Candomblé hous- es, and the subsequent structural changes in hierarchy and legitimacy, will show how the transnational context in which Afro- Cubans and Afro-Brazilian religions are now evolving not only modifies the extent of local struggles for religious power but also exacerbates it. KEYWORDS Candomblé. Santería. Ifá. Transnationalism. Mediumship. Gender. Religious hierarchy. Stefania Capone O PAI-DE-SANTO E O BABALAÔ: INTERAÇÃO RELIGIOSA E REARRANJOS RITUAIS NA RELIGIÃO DOS ORISHAS 1

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    dossi

    Resumo Este artigo visa a analisar a expanso das religies afro-americanas para alm das barreiras tnicas e nacionais. Sua expan-so tem criado redes de parentesco ritual que tm facilitado a circulao de valores, smbolos e prticas entre as diferentes va-riantes religiosas afro-americanas, aju-dando a construir a chamada religio dos orishas. O artigo se concentrar na cres-cente interconexo de diferentes tradies regionais, especialmente o candombl bra-sileiro e a santera cubana, e na influncia que prticas rituais e discursivas, elabora-das em um contexto tri-continental, esto exercendo sobre prticas religiosas locais. A anlise da reintroduo do culto de If nas casas de candombl e as mudanas es-truturais provocadas na hierarquia e nos processos de legitimao religiosa mostra-ro como o contexto transnacional, dentro do qual as religies afro-cubanas e afro--brasileiras esto evoluindo, no somente modifica como exacerba as lutas locais pe-lo poder religioso.

    PalavRas-chave Candombl. Santera. If. Transnacionali-zao. Mediunidade. Gnero. Hierarquia religiosa.

    abstRact This article is concerned with the expan-sion across ethnic and national barriers of Afro-American religions. Their spread has created transnational networks of ritual kinship that facilitate the circulation of values, symbols and practices between dif-ferent modalities of Afro-American reli-gions, helping to build the so-called orisha religion. The article will focus on the growing interconnectedness between dif-ferent regional traditions, namely Brazilian Candombl and Cuban Santera, and on the influence that ritual and discursive prac-tices, taking place in a tri-continental con-text, are having on local religious practices in the Diaspora. The analysis of the reintro-duction of If worship in Candombl hous-es, and the subsequent structural changes in hierarchy and legitimacy, will show how the transnational context in which Afro-Cubans and Afro-Brazilian religions are now evolving not only modifies the extent of local struggles for religious power but also exacerbates it.

    KeywoRdsCandombl. Santera. If. Transnationalism. Mediumship. Gender. Religious hierarchy.

    Stefania Capone

    O PAI-DE-SANTO E O BABALA: INTErAO rELIgIOSA E rEArrANjOS rITuAIS NA rELIgIO DOS OrIShAS1

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    1 Introduo

    Uma das mudanas mais significativas no campo das religies afro-americanas sua recente expanso para alm das barrei-ras tnicas e nacionais. Nas ltimas dca-das, estas religies passaram de secretas e perseguidas a religies pblicas e respeit-veis, alcanando pessoas de diferentes ori-gens sociais, assim como estrangeiros, que esto importando estas religies para seus prprios pases. A expanso destas religies tem criado redes de parentesco ritual que ultrapassam as fronteiras nacionais, fazen-do surgir comunidades transnacionais de praticantes como, por exemplo, o batuque ou africanismo na Argentina e no Uruguai, e a santera ou Regla de Ocha no Mxico e nos Estados Unidos. A proliferao des-tas redes cada vez mais ativas de sacerdotes e suas tentativas de ser reconhecidos como praticantes de uma verdadeira religio uni-versal2 tornou-se um aspecto importante do conjunto das tradies dos orishas des-de a dcada de 19803.

    As religies afro-americanas so his-toricamente caracterizadas por sua extre-ma fragmentao e ausncia de uma auto-ridade superior que possa impor uma qual-quer ortodoxia a seus seguidores. No entan-

    to, nos forums internacionais, lderes reli-giosos almejam a unificao de suas prti-cas, destacando a existncia de um alicerce comum a todas as modalidades das religies afro-americanas. Desde o comeo dos anos 1980, ocorreram vrias tentativas de padro-nizar as prticas religiosas afro-americanas. As Conferncias Internacionais da Tradio dos Orixs e Cultura (tambm conhecidas co-mo COMTOC ou Congressos Mundiais dos Orishas) ajudaram a criar redes que pem em contato iniciados do candombl brasi-leiro, da santera cubana, do vodu haitiano, do orisha-voodoo norte americano e da reli-gio tradicional yoruba. Estas tentativas ge-ram novas formas de creolizao religiosa, nas quais o trabalho sincrtico a base his-trica destes tipos de religio ressignifi-cado, dando preferncia a variaes end-genas africanas ou afro-americanas em de-trimento de influncias exgenas europias ou catlicas (CAPONE, 2007b). Os emprsti-mos rituais de prticas ligadas aocandombl brasileiro na religio lucum dos cubanos ra-dicados em Miami, assim como os emprsti-mos rituais de prticas adivinhatrias origi-nrias de Cuba e da Nigria no candombl brasileiro, so exemplos desta tenso funda-dora entre unificao e fragmentao dentro destes fenmenos religiosos.

    1. Traduzido por Bruno da Silva Azevedo, mestrando em Cincias Sociais pela Universidade Federal do Maranho, do original The pai-de-santo and the babalawo: religious interaction and ritual rearrange-ments within orisha religion, com reviso tcnica de Stefania Capone.2. Retomando Max Weber, Renato Ortiz (2002, p. 82) define assim o que se entende por religio univer-sal: Geralmente define-se como religio universal as crenas (judasmo, confucionismo, bramanismo, budismo, cristianismo, islamismo) cuja compreenso do mundo prope uma tica na qual o indivduo es-colheria, com maior ou menor grau de autoconscincia, o caminho de sua salvao. 3. O termo yoruba rs (divindade) escrito de maneira diferente no Brasil (orix) e em Cuba (oricha). Em ingls, escreve-se orisha, termo que ser usado neste artigo e em todas as referncias dentro do contexto internacional dos praticantes das religies afro-americanas. Os termos orix e oricha sero mantidos quando se referirem a sistemas de crenas regionais como o candombl e a santera, tambm chamada de Regla de Ocha ou religio lucum.

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    As Conferncias Internacionais da Tra-dio dos Orixs e Cultura (COMTOC) foram as primeiras a tentar organizar uma rede in-ternacional de iniciados nas religies de ori-gem africana. Desde o seu comeo, estes en-contros tinham como objetivo reunir lderes religiosos yorubs e da dispora no intuito de unificar a tradio dos orishas4. Os prin-cipais tpicos de discusso destes fruns so as mltiples facetas da tradio, a padroni-zao das prticas religiosas e a luta con-tra o sincretismo, assuntos comuns s dife-rentes modalidades das religies afro-ame-ricanas. As redes entre praticantes, desen-volvidas durante as COMTOC, assim como sua forte presena na internet, tm facilita-do a circulao de valores, smbolos e pr-ticas entre as diferentes variantes religiosas, ajudando a construir a chamada religio dos orishas5.

    Este artigo se concentrar na crescente interconexode diferentes tradies regio-nais e na influncia que prticas rituais e discursivas, elaboradas em um contexto tri--continental, esto exercendo sobre prti-cas religiosas locais. Nos ltimos anos, esta interconexo tem envolvido duas das mais importantes religies afro-americanas: o candombl e a santera ou religio lucum. Brasileiros iniciam cubanos americanos no culto a orixs cados no esquecimento em Cuba e nos segredos do culto do or (a ca-

    bea) (CAPONE, 2007a), enquanto cubanos e nigerianos iniciam brasileiros nos segre-dos das prticas divinatorias de If. A anli-se da reintroduo do culto de If nas casas de candombl, atravs dos cursos de lngua yoruba, e as mudanas estruturais provoca-das na hierarquia e nos processos de legiti-mao religiosa mostraro como o contex-to transnacional, dentro do qual as religies afro-cubanas e afro-brasileiras esto evo-luindo, no somente modifica como exa-cerba as lutas locais pelo poder religioso. A mediunidade se torna ento um dos princi-pais pivs rituais na reorganizao da hie-rarquia religiosa, opondo os pais-de-santo (lderes do culto, babalorixs) e os babalas (os mestres das artes divinatorias)6.

    2 a volta frica ou a busca da tradio

    If, o mais elaborado dos sistemas afri-canos de adivinhao, ocupa uma posio nica no que chamado de religio tradi-cional yoruba. De acordo com J.D.Y. Peel (1990, p. 338), sua difuso no mbito da re-ligio yoruba est diretamente relacionada sua capacidade de cavalgar a onda das mudanas sociais. A atual difuso do sa-cerdcio do babalawo, o especialista da adi-vinhao de If, em vrios locais da dispo-ra, parece confirmar a flexibilidade do ba-balawo e sua capacidade de responder em

    4. Para a anlise das COMTOC ou Congressos Mundiais dos Orishas, de 1981 a 2005, ver Capone (2011, p. 271).5. Esta expresso designa o conjunto das variantes religiosas que cultuam os orishas, tanto na frica quuanto nas Amricas. Esta denominao nasceu nos fruns internacionais, especialmente as COMTOC, onde com frequncia religies afro-americanas, como o candombl, a santera e o orisha-voodoo, so con-sideradas variaes regionais de um mesmo sistema de crenas baseado no culto das divindades yorubs. Sobre o processo de formao de lorisha-voodoo, variante afro-americana da santera nos Estados Uni-dos, ver Clarke (2004) e Capone (2011).6. O termo yoruba babalwo (baba-n-awo, pai do segredo) escrito de maneira diferente no Brasil (baba-la) e em Cuba (babalao). Estes termos sero usados quando se referirem ao contexto brasileiro e cubano.

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    seus prprios termos a novas experincias (PEEL, p. 348).

    Vrios autores tm monstrado que, se as religies dos orishas se formaram num con-texto de migrao forada, elas tambm fo-ram reelaboradas no Novo Mundo atravs de viagens livremente escolhidas que tm alimentado as trocas com a Terra das ori-gens e a circulao de produtos religiosos, de especialistas e de prticas rituais entre a frica e as Amricas durante os sculos XIX e XX7. Lorand Matory (2005, p. 50), entre outros, analisou as viagens e o comrcio en-tre Brasil e frica, demonstrando como uma classe de comerciantes afro-brasileiros con-tribuiu com a elaborao da cultura e da re-ligio tradicional yoruba. Os elos entre o Brasil e a frica, especialmente a Nigria e o atual Benim, nunca foram completamente rompidos, mesmo aps o fim do trfico ne-greiro em meados do sculo XIX.

    As primeiras viagens de descendentes de africanos entre o Brasil e a frica remontam a este periodo, quando o movimento de re-torno costa oeste da frica se fortaleceu entre os escravos libertos. Este movimen-to, que comeou com a rebelio mal-suce-dida de 1835 na Bahia e a expulso dos re-beldes condenados, em breve adquiriu, pa-ra os membros do candombl, a natureza de uma jornada simblica rumo Terra das origens. Ir para a frica significava refazer o elo com a tradio religiosa que tinha sido rompido pela escravido, tornando-se rapi-damente uma poderosa fonte de prestgio para os membros do candombl.

    Vrias histrias so relembradas sobre as idas e vindas entre o Brasil e a frica das mais renomadas personalidades do candom-bl baiano. O exemplo mais conhecido , sem dvida, o de Martiniano Eliseu do Bon-fim. Principal informante de Raymundo Ni-na Rodrigues e figura lendria do candombl da Bahia, ele foi, com o seu pai, pela primei-ra vez Nigria em 1875, permanecendo em Lagos at 1886. Roger Bastide (1971, p. 233) justifica suas viagens pelo desejo de apren-der a arte da adivinhao antes de se tornar o babala mais famoso da Bahia. Com sua viagem, Martiniano do Bonfim ganhou de fa-to grande prestgio entre os membros do can-dombl e em pouco tempo tornou-se um dos babalas (adivinhos) mais procurados de Sal-vador (VERGER, 1981, p. 32). Em 1910, Mar-tiniano ajudou Me Aninha (Eugnia Ana dos Santos) a fundar o terreiro do Ax Op Afon-j, considerado um dos basties da tradio africana no Brasil. Martiniano do Bomfim, que morreu em 1943 (CARNEIRO, 1986, p. 120), geralmente considerado um dos lti-mos babalas no Brasil, assim como Felisber-to Sowzer, que era membro de uma dinastia de sacerdotes e viajantes lagosianos-brasilei-ros, a comear com o seu av adivinho [ori-ginrio] de Oyo, Manoel Rodolfo Bamgbose (MATORY, 2005, p. 47)8.

    Outros sacerdotes, j ativos no Brasil, fizeram a viagem de volta Terra das ori-gens no para aprender, mas para exercer seu conhecimento ritual. De acordo com Pe-el (1990, p. 352), Jos Felipe Meffre, que ha-via voltado do Brasil, praticava a adivinha-

    7. Ver, por exemplo, Turner (1975), Verger (1987[1968]), Cunha (1978), Cobley (1990), Capone (1998 e 2004a), Matory (1999 e 2005), Guran (2000).8. Felisberto Amrico de Souza, que tinha anglicizado seu nome para Sowzer, foi igualmente uma figura importante na fundao do candombl no Rio de Janeiro (CAPONE, 2004a). Ele foi um dos ltimos adivi-nhos da Bahia, o rival direto do clebre Martiniano Eliseu do Bonfim (VERGER, 1981: 32; ver tambm CARNEIRO, 1986, p. 121). Seu av, Bambox (Bamgbose), foi um dos fundadores da primeira casa de can-dombl, a Casa Branca ou Engenho Velho, em Salvador de Bahia.

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    o de If em Lagos na dcada de 1850 com objetos rituais que trouxera do Brasil, tor-nando-se rapidamente notvel e sem para-lelos aqui [em Badagry] e em Lagos9.

    As viagens entre o Brasil e o pas yorub exigiam, no entanto, o conhecimento das ln-guas africanas. No incio do sculo XX, Nina Rodrigues (1988, p. 129) j ressaltava o papel de lngua franca desempenhado pelo yorub (o nag) entre a populao escrava da Bahia. Contudo, ele reconhecia que confiar total-mente na memria dos descendentes de es-cravos podia s vezes induzir a erros, nos pla-nos tanto cultural quanto lingstico:

    To conhecido o fato da importncia da lngua nag na Bahia que se tem chegado mesmo ao exagero. Quando em 1899 estive-ram nesta cidade [Salvador] os missionrios catlicos que percorriam o Brasil angariando donativospara a catequese africana, foram eles aconselhados a dirigir-se populao de cor da cidade em lngua nag. O sermo pre-gado na igreja da S no dia 4 de janeiro teve completo insucesso, reunindo apenas alguns curiosos. [...] era um erro supor que entre ns se mantivesse na populao crioula uma ln-gua nag to pura que lhe permitisse enten-der o missionrio; os que falam alngua an-tes se servem de um patois, abastardado, do portugus e de outras lnguas africanas (NI-NA RODRIGUES, 1988, p. 132)10.

    No entanto, isto no impediu que Nina Rodrigues (que colaborava com Martinia-no do Bonfim, seu principal informante) en-

    fatizasse a superioridade da lngua yorub: Ela possui, mesmo entre ns, uma certa fei-o literria que eu suponho no ter tido ne-nhuma outra lngua africana no Brasil, salvo talvez o hauss, escrito em caracteres ra-bes pelos negros muulmis (NINA RODRI-GUES, 1988). Trinta anos mais tarde, o et-nlogo baiano dison Carneiro reafirmava a necessidade de estudar a lngua nag, a ln-gua latina do Sudo (CARNEIRO, 1991, p. 110). Em 1933, Carneiro tinha comeado a aprendero nag com Martiniano do Bonfim como professor e com a ajuda do Guia pr-tico de yorub ou nag, a lngua mais difun-dida na Costa ocidental da frica, da Socie-dadedas Misses Africanas de Lyon (Frana) (CARNEIRO, 1991, p. 113).

    Aprender a lngua das origens um so-nho que perdura desde ento. Em1959, a primeira cadeira de ensino do yorub na Bahia foi criada no Centro de Estudos Afro--Orientais (CEAO) da Universidade Fede-ral da Bahia. Esta cadeira foi ocupada por Ebenezer Latunde Lashebikan, um professor vindo especialmente da Nigria. Como pre-visto, muitos membros do candombl com-pareceram a esse curso, que desde 1965 co-meou a ser oferecido regularmente no CE-AO. Em 1974, foi assinado um acordo entre o governo brasileiro, a Universidade Fede-ral da Bahia e a prefeitura de Salvador, pa-ra lanar um programa de cooperao cul-tural entre o Brasil e vrios pases africanos, que visava, entre outras coisas, o desenvol-vimento dos estudos afro-brasileiros.

    9. De acordo com Matory (2005, p. 53), em 1889, um a cada sete lagosianos tinham vivido em Cuba ou no Brasil. O famoso Adechina, que tinha sido escravo em Cuba, teria retornado a frica para iniciar-se como babalao, voltando depois a Cuba para exercer a sua arte (SARRACINO, 1988).10. A linguista Yeda Pessoa de Castro revela situao idntica para o yorub tal como falado nos dias de hoje nos terreiros: Essa suposta lngua-nag falada entre os candombls no passa de uma termino-logia operacional, especfica das cerimnias religiosas e rituais [...], e apoiada em um sistema lexical de di-ferentes lnguas africanas que foram faladas no Brasil durante a escravido (1981, p. 65).

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    Esse acordo facilitou a vinda ao Brasil de vrios nigerianos, como estudantes ou co-mo professores de lngua yorub. Foi o caso, em 1976, de Olabiyi Babalola Yai, un lec-turer no Departamento de Letras africanas da Universidade de If, que esteve no Bra-sil [...] como professor de lngua yorub na Bahia (ABIMBOLA, 1976b, p. 619). A im-portncia dada aos cursos de lngua yorub pelos iniciados no candombl era a respos-ta ao que Abimbola define como um pro-blema lingustico: uma situao doloro-sa para muitos devotos dos orixs, que pa-gariam qualquer preo para adquirir a ha-bilidade lingstica [necessaria a] proporcio-nar a compreenso de seu prprio repertrio [ritual] (ABIMBOLA, 1976b, p. 634).

    A Universidade de If decidiu ento en-viar professores de yorub para o Brasil, com o objetivo de ajudar os adeptos do can-dombl a compreender, finalmente, o signi-ficado de seus cantos sagrados. Mas a dis-tncia espacial exacerbava o problema lin-gstico, porque os iniciados no culto dos orixs no Brasil tinham ficado tempo de-mais separados de seus irmos africanos. Em vista disso, Abimbola sugeriu coordenar visitas de intercmbio regulares, por meios pblicos ou privados, para facilitar o conta-to entre iniciados da frica e das Amricas (ABIMBOLA, 1976b, p. 635).

    Os cursos de lngua yorub rapidamen-te se multiplicaram, marcando presena em vrias cidades brasileiras, especialmente So Paulo e o Rio de Janeiro. Em 1977, a Uni-

    versidade de So Paulo (USP) e o Centro de Estudos Africanos organizaram o primei-ro curso de lngua e cultura yorubs, no de-partamento de Cincias Sociais. Durante dez anos, mais de seiscentos alunos, na maio-ria pais e mes-de-santo de candombl, fre-quentaram esse curso. Os estudantes nigeria-nos encarregados das aulas no demoraram a perceber queos alunos estavam mais inte-ressados nos fundamentos do culto que na lngua yorub. Com o tempo, o aprendizado da lngua passou assim para o segundo pla-no, superado pelos ensinamentos dos mitos e ritos das divindades yorubs11.

    Enquanto oficialmente ensinavam yo-rub, estes estudantes nigerianos comea-ram a dar aulas sobre os rituais dos orixs. Para isso, baseavam-se nas obras dos afri-canistas, que, graas a seu conhecimento do ingls, traduziam para o pblico brasi-leiro. Passou-se assim da transmisso oral, que tradicionalmente a base do aprendi-zado no candombl, para o estudo de um conjunto de obras sagradas, escritas, em sua maioria, por antroplogos, como Six-teen Cowries (1980) e Ifa Divination (1969) de William Bascom.

    O antroplogo Vagner Gonalves da Sil-va, que participou dos cursos da USP, des-creve assim o choque causado por essa no-va fonte de conhecimento entre os iniciados mais ligados tradio brasileira:

    No curso, descobre-se com grande entusias-mo a existncia de livros que descortinam informaes consideradas muitas vezes tabu

    11. Abimbola escreve sobre a experincia contra-aculturativa a qual Lashebikan foi submetido em Sal-vador. Ele foi o primeiro professor de yorub na Bahia e um reconhecido estudioso da lngua yorub: Mas Lashebikan era completamente ignorante no que diz respeito aos caminhos dos orixs, j que na Ni-gria ele se considerava cristo. Portanto, quando chegou ao Brasil, ele no conseguia entender as pesso-as s quais ele devia ensinar. Mas ele logo se adaptou e aprendeu mais sobre os orixs medida que en-sinava a lngua yorub a seus alunos, que eram em sua maioria babalorisa e iyalorisa (ABIMBOLA, 1976b, p. 634).

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    no interior dos terreiros. A possibilidade de aulas e contatos com africanos, alm de for-necer os rudimentos do yorub (que podem ser utilizados na traduo de cantigase no-mes dos orixs), permite relativizar questes que at ento se apresentavam como dogm-ticas ou mesmo descaracterizar um conheci-mento tido at ento como seguro. Vi em muitos dos meus amigos de curso, princi-palmente aqueles mais velhos no santo, um olhar de decepo com relao distncia que havia entre o culto brasileiro aos orixs (ao menos da forma como era praticado em seus terreiros, mesclado com outras naes, como a angola, ou tributrios de influn-cias catlicas) e aquele praticado na frica, segundo as descries dos nigerianos. Estes alunos logo abandonavam as aulas preven-do a impossibilidade de compatibilizar os en-sinamentos recebidos no terreiro com aque-les das lies na sala de aula. J os mais no-vos, ou aqueles que de certa maneira discor-davam de algumas prticas brasileiras como o sincretismo, puderam, a partir deste curso, redefinir alguns de seus conceitos religiosos e legitim-los tambm via acadmica (SIL-VA, 1992, p. 237).

    Apesar destas preocupaes legtimas, acompanhar os cursos de lngua e civiliza-o yorubs assim como os cursos paralelos sobre os fundamentos da religio tornou--se, em alguns crculos de praticantes do candombl, sinnimo de cultura e aperfei-oamento na carreira sacerdotal. Se os ve-lhos pais-de-santo eram, em sua maioria, todos analfabetos e sem educao formal, os novos iniciados, especialmente nas gran-des cidades do Sudeste do Brasil, so hoje

    educados, estudam em universidades e po-dem falar diversas lnguas. Os cursos sobre os orixs se desenvolveram assim, progres-sivamente, em instituies criadas com este propsito. A grande demanda do mercado religioso - esta sede por mais conhecimento sobre a religio - fez dos cursos um sucesso.

    3 estudar os od no Rio de Janeiro

    O primeiro Curso de Cultura Afro-Bra-sileira foi organizado no Rio de Janeiro em 1976 por Ornato Jos da Silva, um babalori-x e autor de livros sobre o candombl. Ele trabalhou em conjunto com um jovem ni-geriano, Benjamin Durojaiye Ainde Kayo-d Komolafe (Benji Kayod), que, na po-ca, era estudante de medicina na Univer-sidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Kayod se apresentava como um aw12 re-cm chegado da Nigria. Este primeiro cur-so de base para a formao de seminaristas [sic] nos cultos afro-brasileiros foi realiza-do na Congregao Espiritualista Umban-dista do Brasil (CEUB). Entre a primeira le-va de alunos, estavam duas grandes figuras que contibuiram com a difuso deste tipo de cursos no Rio de Janeiro: Ruth Moreira da Silva e Jos Beniste. Foi tambm em 1976 que a Sociedade Teolgica Yorub de Cultu-ra Afro-Brasileira foi fundada, sob a direo de Eduardo Fonseca Jr. Jornalista de pro-fisso. Fonseca organizou a primeira Sema-na de Cultura Afro-Brasileira nesse mesmo ano, contando com a presena do embaixa-dor da Nigria, Olajide Alo, que, em seu dis-curso de encerramento, enfatizou a impor-tncia de tais iniciativas para o desenvolvi-mento das relaes entre a frica e o Brasil.

    12. Iniciado no culto de If. Os adivinhos de If so mais comumente chamados de babalawo, ou pai dos segredos (...) ou simplesmente aw, segredos ou mistrios (BASCOM, 1969a, p. 81).

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    Em 1977, a Sociedade Teolgica Yorub de Cultura Afro-Brasileira contratou, como professor de yorub, outro jovem nigeria-no, Joseph Olatundi Aridemi Osho, estudan-te da Escola de Engenharia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Esta experin-cia durou at o comeo de 1979, quando ele comeou a dar aulas no Centro de Estudos e Pesquisas da Cultura Yorub, fundado em 1977 por Fernandes Portugal. A ambio do centro era reunir adeptos da religio e pes-quisadores em Cincias Sociais, especiali-zando-se no estudo da cultura afro-brasi-leira. Para tanto, foram organizadas confe-rncias em terreiros, associaes, e em uma universidade privada do Rio de Janeiro, a Estcio de S, assim como cursos de yorub no prprio centro. O pblico que frequen-tava estes cursos era formado por adeptos da religio que buscavam aprofundar seus conhecimentos da cultura yorub. Queixa-vam-se de que eram forados a isso por-que os velhos no haviam transmitido s novas geraes todo o saber de que dispu-nham e, por causa disso, era preciso ir em busca dos conhecimentos perdidos.

    Uma das prticas rituais que haviam si-do esquecidas no Brasil era a adivinhao pelos ods, isto , as configuraes (signos) que constituem a base do sistema de adi-vinhao de If13. Os dezesseis ods princi-pais chegam a formar duzentos e cinquenta e seis combinaes ligadas, cada uma delas, a uma histria (itn) do corpus de conhe-

    cimentos de If. O objetivo da adivinhao ento revelar, atravs da identificao do od e do itn correspondente a cada situa-o particular, os sacrifcios que os homens devem fazer para restaurar a harmonia en-tre o mundo material e o mundo espiritual14. Os primeiros cursos de adivinhao inclu-am assim o aprendizado do corpus de co-nhecimentos de If, combinado com o estu-do da lngua yorub.

    Em 14 de janeiro de 1978, Benji Kayo-d e Richard Yinka Alabi Ajagunna, outro estudante nigeriano da Escola de Medici-na do Rio de Janeiro, realizaram a cerim-nia de encerramento do primeiro curso de adivinhao africana, outorgando o ttu-lo de omo If (filho de If) a seus alunos. Tornar-se omo If equivale a ter recebido a mo de Orunmil (awo fakan), primeiro grau no processo de iniciao do novo ba-bala, quando um homem descobre o od que guia sua vida material e religiosa15. No final da dcada de 1970, outro babalorix, Torod de Ogum, comeou a organizar cur-sos de lngua yorub e mitologia dos orixs na sua casa de culto, o Il Ax Ogun Toro-d, no Rio de Janeiro. Aps ser confirma-do como omo If em 1978, Torod prosse-guiu sua iniciao para tornar-se babala, realizando cerimnias anuais com os nige-rianos. Aps vrios anos de estudo, Torod recebeu de Kayod o ttulo de babala e, a partir de 1984, comeou a ensinar ele mes-mo a prtica adivinhatria de If, assim co-

    13. No Brasil, aps a morte dos ltimos babalas, as mes e os pais-de-santo seguiram praticando adivi-nhao pelo dilogn ou jogo de bzios, outro sistema baseado na interpretao das cadas de dezesseis cauris. O jogo de bzios passou a ser realizado, na maioria dos casos, atravs de diversas tcnicas, nas quais a memria dos ods tinha quase completamente desaparecido.14. Os ods so tambm chamados de caminhos pelos quais vm os orixs, influenciando, de modo positivo ou negativo, suas aes sobre os homens. Os ods so considerados entidades vivas e ativas que se deve alimentar e tornar propcias pelos sacrifcios.15. Para descrio de um ritual de iniciao no culto de If, realizado em So Paulo em 1987, ver Prandi (2003, p. 151).

  • O pai-de-santo e o babala 115

    mo a cultura e os rituais yorubs. Em seu prprio terreiro, ele organizava um ou dois grupos de estudo por ano, com cerca de quarenta a cinquenta pessoas, geralmen-te iniciados interessados nas tradies afri-canas, mas a iniciao no candombl no constituia um fator decisivo para ser acei-to no curso, pois, de acordo com o prprio Torod, era possvel ser um sacerdote de If sem ser iniciado no culto dos orixs16. To-rod fala das consequncias destes cursos no meio do candombl:

    Houve um choque devido aos costumes bra-sileiros, [aos orixs] estarem sincretizados comos santos da Igreja Catlica. Quando [os nigerianos] tentaram cortar, desvincular essa situao, os mais radicais, que achavam que Santa Brbara era Ians e que Ogum era So Jorge, no se conformaram. [...] Eu achava absurdo no Brasil, no podia entender por que Ogum teria que ser, para o baiano, San-to Antnio, que era portugus. Ou So Jorge, que era Jorge da Capadcia, srio, e foi para o exrcito romano. Foi por isso que, quando o meu pai-de-santo morreu em 1971, eu tive uma curiosidade incrvel de procurar a ma-triz na frica.

    Os anos 1980 foram caracterizados por uma demanda crescente por informao so-bre os fundamentos e as prticas rituais tradicionais. Jos Beniste, autor de vrios livros sobre os orixs, lanou o Programa Cultural Afro-Brasileiro na Rdio Roquet-te Pinto e comeou a dar cursos com Ri-chard Ajagunna na zona norte do Rio de Ja-

    neiro, beneficiando da colaborao de Ru-th Moreira da Silva, que tambm ministrava um curso com ele no Instituto Brasil-Nig-ria. Desde 1990, outro curso sobre as prti-cas adivinhatrias foi dado por Adilson An-tnio Martins (Adilson de Oxal), que tinha sido iniciado em 1968 no candombl jeje. Adilson comeou a se interessar pelo culto de Orunmil (If) quando chegaram os es-tudantes nigerianos e trabalhou junto a eles em pesquisas bibliogrficas. Mas sua inicia-ocomo awo fakan foi realizada, em 1992, por um babalao cubano, Rafael Zamora Diaz, que tinha acabado de chegar ao Rio de Janeiro.

    Zamora, um ex-jornalista da TV cubana, tinha vindo ao Brasil em 1991 com o proje-to de fazer um documentrio sobre as reli-gies africanas em Cuba e no Brasil. Casa-do com uma jornalista carioca, Zamora es-tabeleceu-se no Rio e organizou, em 1992, a primeira cerimnia de awo fakan e de kof, seguindo a tradio cubana de If. Entre os membros deste primeiro grupo de iniciados estava Adilson Antnio Martins, sua espo-sa, Lcia Petrocelli Martins (que se tornou a primeira apeteb brasileira segundo a tradi-o cubana) e Alberto Chamarelli Filho.

    Em agosto de 1992, Rafael Zamora (Aw ni Orunmil If Biyi Om Od Ogunda Ke-t) iniciou em Cuba o primeiro babalao bra-sileiro, Alberto Chamarelli Filho. Anos de-pois, Adilson Antnio Martins completou sua iniciao em If com um babalawo ni-geriano, Adisa Arogunda de Adekunle, re-cebendo o nome ritual de Babalawo If-

    16. Na verdade, segundo a tradio cubana, um babala no deveria nunca ser possudo pelos orixs, ao passo que os iniciados no candombl incorporam geralemente suas divindades, com a exceo dos ogs e das equedes que no so possudos pelos orixs. Em Cuba, onde h um grande nmero de babalaos, a me-diunidade no condio indispensvel iniciaono culto dos orixs e as mulheres no podem ser ple-namente iniciadas nos segredos de If. Elas s podem receber o kof, o primeiro nvel de iniciao em If, tornando-se apetebs (assistentes) do babalao. Em outro trabalho, analisei as questes de gnero no culto de If (Capone, 2011, p. 226).

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    leke Aw ni Ornmil Om Odu Ogbe-Ba-ra17. Hoje, vrios babalaos cubanos moram no Rio de Janeiro e tm criado ramas (fa-milias religiosas de If segundo a tradio cubana) nesta cidade.

    4 Reimplantando o If no candombl

    A presena dos babalaos cubanos na ci-dade do Rio de Janeiro ofereceu novos mo-delos rituais aos iniciados do candombl, uma religio que, ao contrrio do que geral-mente se cr, est presente h muito tempo na antiga capital do Brasil (RIO, 1976; CA-PONE, 2004a). A insero do culto de If, segundo suas vertentes dominantes a ni-geriana e a cubana em um sistema ritual, como o do candombl, estruturado em tor-no de uma complexa hierarquia religiosa, na qual os pais e as mes-de-santo so as principais figuras de autoridade e a mediu-nidade altamente valorizada, no podia deixar de acarretar novas tenses no cam-po religioso afro-brasileiro. Se, em Cuba, o sacerdcio de If restrito aos homens he-terossexuais que no entram em transe, no candombl brasileiro as posies mais ele-vadas na hierarquia ritual continuam sendo o apangio de mulheres e de homens, fre-quentemente homossexuais, que incorpo-ram suas prprias divindades. Uma vez es-colhidos pelos orixs, os homens e as mu-lheres que no entram em transe ocupam funes religiosas especficas (og e ekede),

    mas sero sempre subordinados a seus pr-prios iniciadores: os pais e as mes-de-san-to de candombl. Alm disso, a mediunida-de, que a capacidade de um indivduo de entrar em transe e incorporar as divindades, uma condio necessria reproduo das linhagens religiosas. No candombl, repete--se incessantemente que, sem ter realizado os rituais de iniciao como iyaw eviven-ciado o transe dos deuses, no seria possvel iniciar outras pessoas, porque no se pode transmitir o que no se recebeu.

    O caso de um terreiro nos subrbios do Rio de Janeiro exemplar das tenses en-tre estes dois sacerdcios o pai-de-santo e o babala , determinadas pela superpo-sio de diferentes sistemas hierrquicos. Se If compartilha com o candombl, o fa-to de pertencer ao complexo cultural yo-rub, sua integrao s prticas rituais do candombl no sem consequncias, po-dendo at acarretar destruturao do gru-po religioso.

    O Il Ax Omo Alaketu um terreiro de candombl ketu18, fundado em 1975 pelo pai-de-santo Carlinhos de Od (Carlos Al-berto Assef)19. A histria de Pai Carlinhos representativa das trajetorias religiosas dos iniciados nas casas de candombl do Sudes-te do Brasil. Umbandista reconhecido por suas habilidades medinicas, ele foi inspi-rado por seus guias a aprofundar sua busca espiritual iniciando-se no candombl, uma religio considerada mais prxima das ra-

    17. Rafael Zamora faleceu em fevereiro de 2011, aps morar por mais de vinte anos no Rio de Janeiro. Em abril do mesmo ano, faleceu tambm Adilson Martins, deixando um grupo de iniciados ligados Ordem Brasileira de If (OBI), fundada por ele.18. O candombl dividido em naes: nag (ketu, efon, ijex, nag-vodun), jeje, angola, congo, cabo-clo. O conceito de nao perdeu seu significado tnico original e agora possui sentido mais poltico e te-olgico. Para uma discusso deste conceito, ver Costa Lima (1976) e Pars (2006).19. A histria desse terreiro foi reconstruida durante uma longa entrevista realizada no Rio de Janeiro com Joo Velho e Rafael Assef, dois membros desta casa de candombl. Os nomes das pessoas envolvidas no foram modificados pedido dos dois entrevistados.

  • O pai-de-santo e o babala 117

    zes africanas. Ele foi iniciado em So Pau-lo em 1975 e abriu rapidamente sua prpria casa de culto em Imbari, um subrbio po-pular do Rio de Janeiro. O terreno no qual o terreiro foi construdo foi comprado pelo ir-mo de Carlinhos, Joo, que havia sido con-firmado como og da casa por uma me-de--santo baiana, Edeuzuita de Oxogui, ini-ciada na nao ketu. Carlinhos j tinha pedido o auxlio de outros especialistas re-ligiosos para compensar a distncia do seu iniciador paulista. Outra me-de-santo, Le-tcia, o tinha ajudado em suas primeiras ini-ciaes e Edeuzita de Oxogui, que era par-te de um ax (tradio religiosa) prestgioso em Salvador, realizou a iniciao de Regina, a esposa de Carlinhos, assim como os rituais de confirmao de Joo, seu irmo. Regina tornou-se assim a me pequena do terreiro, enquanto Joo tornou-se o principal og do Il Ax Omo Alaketu20. A grande influncia de Edeuzuita teve, como resultado, a cor-reo da iniciao de Carlinhos. De acor-do com ela, Carlinhos tinha sido feito21 pe-la metade, j que deveria tambm ter sido iniciado para Oxal, orix que compartilha-va sua cabea junto a Od.

    Ao fazer isso, Carlinhos trocou as guas, colocando-se sob a superviso ritu-al de uma me-de-santo, membro de uma prestigiada nao de candombl. Trocar as guas onde a gua representa a tradi-o religiosa ou nao uma das formas mais eficientes de renegociao dos elos ri-

    tuais. Ao se colocar sob a proteo de outro pai ou outra me-de-santo, o iniciado rom-pe o vnculo de submisso com o seu terrei-ro de origem. Esta prtica, que muito co-mum no candombl, constitui de fato uma poderosa estratgia de legitimao do per-curso religioso dos iniciados.

    Esta busca por uma origem religiosa mais valorizada, mais prxima das razes da tra-dio, no uma estratgia restrita s elites do candombl baiano, mas est bem presen-te na vida quotidiana de muitos iniciados. Na prtica, no candombl, sempre se pode trocar de nao graas s obrigaes (as cerimnias rituais). Aps a feitura do san-to, momento da integrao definitiva den-tro de uma casa de candombl, o novo ini-ciado deve realizar uma srie de rituais que confirmam o seu status dentro do grupo re-ligioso. Aps a feitura, ser assim realizada a obrigao para o primeiro, o terceiro, o s-timo, o dcimo quarto e o vigsimo primeiro anos de iniciao. Cada uma destas cerim-nias rituais pode acarretar uma troca das guas, ou seja, uma mudana de afiliao religiosa. Uma pessoa pode ser assim inicia-da em um terreiro de nao angola e rea-lizar sua cerimnia ritual de um ou de sete anos em outro terreiro e com outra me ou outro pai-de-santo. Essas mudanas podem tambm ser resultado de conflitos ou incom-preenses, como acontece com frequncia nas casas de candombl, levando troca de nao ou de zelador de santo22.

    20. A me pequena a assistente direta do pai ou da me-de-santo. Ela tambm conhecida como iy keker, me pequena em yoruba. Um og um cargo ritual reservado a homens que no entram em tran-se e que atuam como protetores do grupo de culto, assim como tocadores e sacrificadores de animais. No candombl, um pai ou uma me-de-santo no pode iniciar seu prprio esposo ou seus prprios filhos. Se-ra ento preciso pedir a outro sacerdote de executar o ritual de iniciao para eles.21. No candombl, a expresso feitura de santo usada para designar a iniciao.22. A expresso zelador de santo, equivalente a pai-de-santo, possui, entretanto, significado sutilmente di-ferente. De fato, se o pai-de-santo geralmente o iniciador da pessoa, o zelador aquele que cuida de suas entidades. Assim, esta segunda expresso no envolve nenhuma noo de parentesco religioso direto.

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    Edeuzuita de Oxogui tornou-se ento a zeladora de santo de Carlinhos em um mo-mento no qual o terreiro dele estava no au-ge, com um grande nmero de iniciados e clientes. Em 1983, quando Joo Velho, que foi confirmado como og do Il Ax Omo Alaketu, comeou a participar das ativi-dades do terreiro, a casa de culto estava j no meio de um processo de reafricaniza-o. Regina, a me pequena, dava aulas aos membros do terreiro sobre os funda-mentos da religio, explicando a significa-o das palavras nag (yorub) usadas nas prticas rituais e proporcionando dados so-bre a prtica tradicional da religio yoru-b23. Joo Velho descreve assim este proces-so de reafricanizao, que consiste de for-ma geral em uma intelectualizao e racio-nalizao das prticas religiosas:

    O aspecto ritualstico era muito forte, mas no que dizia respeito tica e filosofia, ha-via uma lacuna. Eu acho que esse o pon-to fraco do modelo baiano do candombl. Eu acho que tudo vem da falta de conhecimento da lngua yorub. Estavamos realizando ce-rimnias sem saber de fato o que elas signi-ficavam. [...] A f era grande, mas estava ba-seada em uma ideologia do medo, ignorncia e submisso a um puro ritualismo. Naquela poca, ns no tnhamos nenhuma outra in-formao. No tnhamos acesso aos cubanos ou aos nigerianos. A liderana baiana era a nica a impor suas prprias regras religiosas.

    Em 1988, o falecimento da me peque-na desencadeou uma verdadeira crise den-tro do grupo religioso, levando ainda mais a aprofundar a busca pelos fundamentos. Este processo de volta s razes levou Pai Carlinhos e seu irmo Joo a organi-

    zar uma viagem frica, para rencontrar a tradio africana. Na Nigria, Joo As-sef realizou uma adivinhao com o Araba de If, o chefe do culto de If naquela cida-de, e descobriu que precisava ser iniciado nesse culto. No incio, isso causou grande incompreenso, porque o culto de If ha-via desaparecido das casas de candombl. Joo Velho explica assim o quo comple-xo esta notcia foi para os dois irmos: A religio deles era o candombl. Mas o can-dombl no tinha nada a ver com a cultura de If. Como na maioria das casas de culto brasileiras, ns no tnhamos nenhuma in-formao sobre If.

    Em 1995, os dois irmos finalmente en-contraram uma oportunidade de redesco-brir a cultura de If. Naquele momento, Rafael Zamora era o nico babalao cubano morando no Rio de Janeiro e j tinha co-meado a introduzir no candombl o siste-ma de adivinhao de If, segundo a tradi-o cubana. O primeiro membro do Il Ax Omo Alaketu que participou de uma ceri-mnia dirigida por Rafael Zamora foi o ir-mo de Pai Carlinhos, Joo Assef. Durante esse ritual, ele recebeu a mo de Orunmi-l (awo fakan), primeiro nvel de iniciao masculina no sacerdcio de If. Ao se tor-nar awo fakan, Joo abriu seu prprio ter-reiro s influncias rituais dos cubanos e de seus seguidores. Zamora j havia iniciado, como babalaos, um grupo de cinco brasi-leiros que tinham viajado a Cuba para con-cluir sua iniciao. De fato, para iniciar um novo babalao, segundo a tradio cubana, preciso reunir oito babalaos que conduziro os rituais de iniciao. Nos anos 1990, is-to era impossvel no Rio de Janeiro e a via-gem Cuba tornava-se inevitvel. Em abril

    23. Em um trabalho anterior, analisei o processo de reafricanizao no candombl (CAPONE, 2004a).

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    de 1996, Joo Assef foi ento para Cuba pa-ra se iniciar como babalao. Ao retornar, ou-tros membros de seu terreiro comearam a se interessarem pelo sistema ritual importa-do de Cuba, considerado mais prximo das tradies yorubs.

    Ao contrrio do que ocorreu com os cursos de adivinhao ministrados pelos professores nigerianos, o culto de If no atraiu os chefes dos terreiros, mas seus ogs. Os babalaos cubanos insistiam no fato de que uma iniciao em If no era com-patvel com o exerccio da mediunidade. Portanto aqueles que entrassem em transe no poderiam tornar-se babalaos. Ora, por definio, os ogs no so possudos pelos deuses. Assim, aps Joo Assef, o principal tocador (alab) da casa tambm foi iniciado no culto de If. Essa iniciao logo se tor-nou a causa de um novo drama: Eles co-mearam a brigar. Assim que foi iniciado em If, o og comeou a agir como se ele fosse mais importante que seu prprio pai--de-santo. Muita gente deixou a casa na-quela poca. Foi em 1997.

    Esta crise foi provocada pela transgres-so de uma regra tcita no candombl que quer que o lder da casa seja o nico a po-der realizar a adivinhao no terreiro, graas ao dilogn ou jogo de bzios24. No entanto, no caso do terreiro de Pai Carlinhos, a adivi-nhao j no era mais o monoplio do pai--de-santo, pois seu irmo, Joo Assef, j ti-nha se tornado o babalao da casa. De acordo com Joo Velho, este no foi o nico efeito da forte influncia cubana na casa de culto:

    A cultura cubana influenciou profunda-mente o terreiro, conseguindo modificar os rituais. Ns adotamos o coco [quatro par-tes do coco, cncavas e convexas, usadas na adivinhao], cantigas lucums [de santera] para o sacrifcio de animais, a moyuba25... eu lembro que ns freqentemente segua-mos os dois rituais durante os sacrifcios. O pai-de-santo nos dizia que, para os orixs, no fazia diferena, que poderia se esperar o mesmo efeito aps um ritual ketu ou un ritu-al lucum. Ele explicou que eram dois cami-nhos que levavam ao mesmo objetivo: entrar em contato com os orixs. Mas a maioria dos filhos-de-santo no entenda. Havia muita discusso entre ns.

    Supervisionados por Zamora e seu gru-po de babalaos, Carlinhos e Joo Assef co-mearam a cubanizar os rituais de can-dombl. A adivinhao com a noz de cola, geralmente usada no candombl, foi assim substituda pela adivinhao com os quatro pedaos de coco, chamados em Cuba de ob, o mesmo termo que designa a noz de co-la na Nigria e no Brasil. Isso foi parado-xal, j que, em Cuba, a falta de nozes de co-la tinha forado os praticantes a substituir o fruto africano por cocos. Portanto, ao in-vs de reafricanizar a religio, o que esta-va ocorrendo era um processo de cubani-zao dos rituais de candombl. Alm dis-so, quando altares individuais eram consa-grados, o nmsero de pedras (ot) no assen-tamento foi modificado para se encaixar na tradio cubana. Na mesma lgica, os ritu-

    24. O dilogn um mtodo de adivinhao no qual os deuses, atravs de Exu, falam diretamente atravs das cadas dos bzios. No Brasil, substituiu a adivinhao com o opel, a corrente adivinhatria usada em If, qual so presas oito pedaos de coco (ou de outros tipos de nozes ou sementes). Cada combinao remete a um od (signo divinatrio) do sistema de If.25. A moyuba,do yoruba mojb, a invocao que antecede todo ritual lucum. Ela honra os mortos da famlia do sacerdote assim como sua genealogia religiosa.

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    ais cubanos do lavatorio e do paritorio26 co-mearam a ser efetuados durante a inicia-o e at a adivinhao com o dilogn foi modificada. Aps realizar a cerimnia de awo fakan, que o colocou numa posio de dependncia frente ao seu iniciador cuba-no, Carlinhos tinha sido confirmado por Zamora como oriat, o especialista cuba-no da adivinhao com os bzios e mestre de cerimnias durante os rituais de inicia-o. Ele comeou ento a consultar os tra-tados de If, muito populares em Cuba, pa-ra corrigir a forma como se lm os b-zios no candombl. Na maioria das casas de candombl, os bzios so tradicionalmente considerados abertos quando o lado ma-nualmente aberto fica para cima, enquan-to em Cuba, como na Nigria, o lado natu-ralmente aberto (a fenda da concha) que re-presenta a boca pela qual o orixfala27.

    A tenso recorrente no terreiro, determi-nada por todas estas mudanas rituais, re-sultou na diviso do grupo religioso, levan-do em pouco tempo partida de alguns de seus membros mais importantes, que esco-lheram seguir o grupo de Zamora. Foi nes-sa poca que Joo Velho, og de Od, o ori-x de seu pai-de-santo, assim que Dudu, o filho de Pai Carlinhos, decidiram iniciar--se em If sob a superviso de outro cuba-no, Wilfredo Nelson, que tinha atuado como

    ojugbona28 na iniciao do irmo de Carli-nhos, Joo Assef, em Cuba. Wilfredo Nel-son exerceu assim o papel de mestre de ceri-mnias durante a iniciao e Joo foi o pa-drino em If de Dudu Assef, seu sobrinho, e Joo Velho.

    At ento, a colaborao ritual entre os dois irmos tinha se desenvolvido sem maiores problemas. Joo Assef atuava nos rituais de iniciao como babalao e era res-ponsvel pelos sacrifcios de animais. En-quanto Carlinhos realizava a adivinhao do it (no terceiro dia de iniciao) seguin-do a tradio cubana, Joo o auxiliava na interpretao do od (o signo divinatrio).

    Quando Joo Velho e Dudu Assef decidi-ram iniciar-se em If, Wilfredo Nelson via-jou para Cuba para trazer o fundamento de Olofi (o Ser supremo), sem o qual, de acor-do com a tradio cubana, nenhum babalao poderia ser iniciado. A iniciao aconteceu no ronk (igbod), o quarto das iniciaes do terreiro. O ronk e o acesso a este local sa-grado tornaram-se o piv de um novo dra-ma ritual. De fato, somente aqueles que j passaram pelo processo de iniciao podem entrar neste espao durante os rituais. O fato de Pai Carlinhos, por causa de sua mediuni-dade, no ter podido concluir sua iniciao como babalao e ter permanecido awo fakan, minava sua autoridade no lugar mais sagra-

    26. Esses dois rituais visam a dar luz as divindades. Para o lavatorio (lavagem), prepara-se o omiero (ervas maceradas na gua, s quais se acrescentam certos elementos especficos a cada divindade), noqual so lavadas as diferentes partes do altar individual. O ritual do paritorio (parto) marca o lao defiliao entre o orix que vai nascer e aquele que o engendra, que pertence de forma geral ao iniciador (pa-drino ou madrina de santera). A circulao da gua de um receptculo a outro simboliza a continuidade do lao ritual entre iniciador e iniciado.27. Hoje em dia, muitas casas de candombl tm corrigido a forma de ler os bzios, sob a influncia di-retas dos especialistas rituais nigerianos e cubanos ou dos livros sobre a adivinhao.28. O ojugbona equivale ao pai ou me criadeira no candombl. Em Cuba, ele considerado o segundo padrino do iniciado, aquele que toma conta do novio durante o perodo da iniciao.

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    do de uma casa de candombl. Se no seu ter-reiro ele comandava todas as cerimnias pa-ra os orixs, ele no era aceito em um ritual de If, ao qual seu irmo Joo, ao contrrio, poda legtimamente participar. A hierarquia religiosa do terreiro estava assim sendo pro-fundamente desafiada, j que o status reli-gioso de Joo Assef era diferente no can-dombl e em If. Na prtica, se a sua posio como og de candombl o tornava inferior a seu irmo, seu papel como babalao o torna-va superior na hierarquia de If. Isto s po-deria levar a novas tenses na casa de culto.

    Joo e seu filho Rafael Assef entraram progressivamente em contato com nigeria-nos, descobrindo, segundo o prprio Rafa-el, novas informaes, que apontavam pa-ra a distoro cultural na tradio cuba-na. Da mesma forma, Joo Velho comeou a pesquisar sobre If na internet, descobriu os escritos de William Bascom e de Wan-de Abimbola, e inscreveu-se num curso de lngua yorub ministrado por um estudante nigeriano. Este confronto entre vrios mo-delos de tradio levou gradualmente o gru-po a se emancipar da tutela dos cubanos. Joo Velho analisa assim esse novo pro-cesso: Eu comecei a trazer informao da frica que ia de encontro tradio cuba-na. Eles no eram os donos da verdade co-mo ns pensvamos. Ns comeamos uma nova pesquisa, que nos ajudou a reavaliar o que eles nos ensinaram.

    Esta busca pelos verdadeiros princ-pios da religio yorub levou fundao de um novo terreiro: o Il As Igba Asuko, no subrbio de Itabora (Estado do Rio de Janeiro). A principal mudana que ocorreu

    nos rituais foi a instalao de altares cole-tivos para os orixs, de acordo com a tra-dio nigeriana. Isto levou a novas divises dentro do terreiro e outros iniciados decidi-ram deixar a casa de culto, inconformados com as novas mudanas de rumo.

    Em agosto de 2000, Rafael Assef viajou para a Nigria para ser iniciado como baba-lawo em Ibadan. Ele foi apresentado diante da sociedade Ogboni e da sociedade femini-na das Gelds. De volta ao Rio, ele juntou as influncias nigerianas s tradies cuba-nas. Pai Carlinhos ainda usava os tratados de If cubanos para interpretar os ods du-rante as adivinhaes, enquanto acrescen-tava rezas nigerianas aos rituais. Foi decidi-do que se deveria voltar a usar as nozes de cola, como se fazia na frica, e o coco pa-rou de ser utilizado na casa de culto. O pai de Rafael, Joo Assef, que tinha sido inicia-do como babalao em Cuba, fundou um tem-plo de If em Terespolis, no estado do Rio de Janeiro, onde comeou a realizar as ce-rimnias de kof para as mulheres e de awo fakan para os homens. A criao desse tem-plo marcou uma nova fratura entre os dois irmos. Eles eram agora rivais, em parti-cular quando se tratava da adivinhao e da prescrio dos ebs, os sacrifcios ritu-ais. Estas tenses s podiam ser resolvidas por uma clara separao dos espaos rituais. Na prtica, o grupo religioso se dividiu em dois centros, de acordo com as necessida-des rituais: o terreiro de candombl s tra-taria dos rituais para os orixs, enquanto o templo se concentraria nos rituais para If. Dentro da prtica ritual, os dois sacerdcios estavam definitivamente separados29.

    29. Estas duas casas de culto foram fechadas como conseqncia da morte de Joo Assef, seguida pela de seu irmo Carlinhos.

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    5 hierarquia, mediunidade e conflito

    O encontro de duas tradies distintas da religio dos orishas parece reforar as ca-ractersticas estruturais de ambas. A reli-gio dos orishas constitui-se assim como um verdadeiro espao conflitual, dentro do qual as tenses agem, de forma parado-xal, como um fator de equilbrio entre su-as diferentes vertentes. Para muitos estudio-sos yorubs, If representa um amplo arqui-vo cultural, um concentrado da filosofia yo-rub, que fundamenta as interpretaes das prticas e das instituies yorubs. Mas, a maioria destes autores raramente salientam o papel da adivinhao na micro-poltica da existncia social (PEEL, 1990, p. 340). Na realidade, onde quer que aparea, If tende a ocupar uma posio hegemnica no mbito religioso e filosfico. Na Nigria, If conseguiu assim tornar-se o ponto de arti-culao dos cultos dos outros orixs: o ba-balawo desempenha um papel que, segun-do Peel (PEEL, 1990, p. 342), anlogo ao do rei, que lidera todos os cultos, exercen-do sua mediao entre seu povo e os orixs.

    As tenses rituais destacadas na hist-ria da casa de candombl de Pai Carlinhos constituem um caso exemplar dessa capa-cidade, caracterstica do sistema de If, de ocupar novos espaos, modificando profun-

    damente o equilbrio interno das hierarquias religiosas. Quando sobreposto a um sistema de crenas como o do candombl, no qual a mediunidade desempenha um papel mui-to importante e as posies mais elevadas so ocupadas, de forma geral, por mulheres ou homens homossexuais, o sacerdcio de If, cujas aspiraes hegemnicas so prin-cipalmente expressas pela dominao mas-culina no nivel ritual, pode causar uma srie de dramas rituais devidos s mudanas na hierarquia religiosa30. O monoplio da adi-vinhao, assim como o exerccio da me-diunidade, tornam-se ento a principal are-na desses dramas rituais.

    No entanto, estas tenses no so carac-tersticas somente do encontro entre o can-dombl e If. Em Cuba, esta mesma tenso estrutural dentro da prtica ritual se ex-pressa na relao entre duas figuras ritu-ais, o oriat e o babalao, cujos papis so, ao mesmo tempo, complementares e rivais. O termo santera se refere geralmente, em Cuba, a duas reglas (sistemas rituais) dife-rentes: a Regla de Ocha e a Regla de If. A maioria dos adeptos so conscientes da di-ferena entre as duas Reglas e se conside-ram alternativamente membros da comu-nidade dos olochas (os iniciados no culto dos orixs) ou dos babalaos31. David Bro-wn (1989) tem analisado o perodo de pro-

    30. Se, na Regla de Ocha, a orientao sexual no um fator de excluso, permitindo aos homossexuais que progridam em suas carreiras religiosas, o culto de If, ao contrario, aberto somente aos homens he-terossexuais. As mulheres podem tornar-se madrinas (chefes de culto) e ter um certo nmero de afilhados/as (ahijados), enquanto os homens podem seguir seu itinerrio religioso at serem iniciados no culto de If ou confirmados como oriats, os especialistas dos rituais de iniciao e da adivinhao pelos bzios. Este cargo ritual, antes mantido por mulheres (RAMOS, 2003), hoje a exclusividade dos homens. Uma sante-ra pode receber o kof, tornando-se apeteb (a assistente do babalao), mas ela no poder exercer as mes-mas funes que um homem plenamente iniciado em If.31. Um olocha pode tambm ser iniciado no culto de If, tornando-se em Cuba um oluwo, ou seja um ba-balao que antes passou pelos rituais de iniciao da Regla de Ocha. Mas, uma vez iniciado em If, ele se identificar na maioria dos casos como babalao e no mais como olocha, destacando dessa forma a iden-tidade religiosa mais prestigiosa.

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    fissionalizao do sacerdcio, que vai em Cuba desde a independncia (1989) at a dcada de 1950, quando o oriat torna-se uma das principais figuras de autoridade no seio das religies afro-cubanas.

    O papel ritual do oriat retoma o anti-go sonho de estabelecer um modelo de orto-doxia para a religio. De acordo com Lydia Cabrera (1980, p. 184), os babalaos cubanos detinham tradicionalmente algumas prerro-gativas rituais sobre os olochas, mesmo as-sim deve-se concordar que os antigos ba-balaos eram muito despticos e queriam do-minar os santeros, quem acabavam saindo de seu jugo. Segundo esta autora, o papel do oriat emergiu ento como sendo o novo Ob (rei) da Regla de Ocha, assumindo ta-refas rituais antes a cargo do babalao32. Em Cuba, assim como nos Estados Unidos, onde a religio lucum muito difundida, a pre-sena de um oriat ou de um babalao nos rituais , ainda hoje, sujeita a negociaes complexas sobre suas respetivas competn-cias rituais33. Apesar das controvrsias so-bre a maneira ortodoxa de realizar os ri-tuais, estes dois especialistas religiosos de-fendem a legitimidade de sua autoridade ri-tual atravs das mesmas revendicaes tradio africana. A multiciplicidade das razes dessa tradio propicia a formao das mltiples variaes ao seio da religio dos orishas.

    Em Cuba e nos Estados Unidos, a orga-nizao das atividades rituais na religio

    lucum segue assim dois modelos diferen-tes, que Brown (1989, p. 214) define como dois campos opostos: o oriat-centered e o Orula-centered. Nas casas dirigidas por um babalao (Orula-centered) ou que depen-de de seus servios, o iniciado em If ocupa-r sempre na hierarquia um lugar mais al-to do que o de um olocha, independente de quando ele foi iniciado. Portanto, um baba-lao, com dois anos de iniciao, ser mais velho que um olocha com trinta anos de iniciao34. De acordo com os babalaos, esta seria a consequncia lgica da posio do-minante ocupada por Orula (Orunmil) em relao aos outros orixs, uma posio do-minante que com frequncia questionada nas casas oriat-centered, onde os oriats so a mais alta autoridade ritual.

    Nas casas de culto dirigidas por baba-laos, os adeptos recebem os colares sagra-dos (eleks) das mos de seu padrino ou ma-drina na Ocha (correspondentes ao pai ou me-de-santo de candombl). O babalao, que se torna seu padrino em If, d a eles os guerreros Ogun, Oxossi e Osun, que repre-senta a existncia individual, acompanha-dos por Elegu (nome dado a Exu em Cuba). Uma vez obtidos estes resguardos, o adep-to pode realizar a primeira iniciao no cul-to de If, recebendo a mo de Orula (Orun-mil) (awo fakan para os homens e kof para as mulheres). Ele se v assim inserido em uma rede de parentesco religioso, que o conecta a diversos ils ou ramas (linhagens

    32. Willie Ramos (2003) defende, ao contrrio, a primazia dos oriats sobre os babalaos cubanos, apresen-tando novas evidncias histricas que questionam as informaes dada pelos babalaos Lydia Cabrera nos anos 1970.33. Em outro trabalho (CAPONE, 2011), analisei os conflitos entre babalaos e oriats nos Estados Unidos. Estes conflitos sintetizam as tenses existentes no campo das religies afro-cubanas.34. Tanto o candombl quanto a santera so baseado no princpio de senioridade que estrutura as re-laes hierrquicas nos grupos de culto. A idade do indivduo depende da data de sua iniciao idade de santo e os mais novos devem mostrar uma attitude de respeito face aos mais velhos.

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    religiosas). O papel desempenhado pelo ba-balao na vida religiosa de seu afilhado (ahi-jado) depender ento dos laos j estabele-cidos na sua casa com o culto de If.

    Mas a iniciao no culto de If de um olo-cha (ou olorisha, o iniciado no culto dos ori-xs) implica, de forma geral, o rearranjo das relaes rituais entre iniciador e iniciado. Co-mo vimos, segundo a tradio cubana, o ba-balao ocupa sempre em uma posio supe-rior de um olocha, independente da idade de iniciao de cada um. O novo babalao po-de, portanto, ocupar uma posio mais alta na hierarquia que seu prprio padrino (inicia-dor), caso esse ltimo ainda no tenha sido iniciado no culto de If. Da mesma forma, ele pode deixar de demonstrar sua submisso ri-tual ante seus irmos mais velhos:

    Embora aquele afilhado seja mais novo na Ocha, o novo sacerdote de Orula est acima de sua madrina ou padrino e de todos os seus irmos, no que diz respeito casa de Orula. Assim, esta inverso de status pode provocar muitos problemas nas relaes pessoais en-tre eles. Uma regra de respeito entre as duas Reglas reconhece o espao especial que pa-drinos ou madrinas ocupam na vida do novo babalao, independente de sua nova posio (BROWN, 1989, p. 188).

    A histria do terreiro de Pai Carlinhos ressalta esta mesma inverso na ordem hie-rrquica. Durante sua iniciao em If, foi dito a Joo Velho que ele havia se tornado um rei (Ob sendo o ttulo ritual concedi-do a um babalao) e que ele poderia at pe-dir a seu prprio pai-de-santo que se pros-trasse ante ele em sinal de respeito. Foi tam-bm dito que mesmo os orixs mostrariam

    este tipo de considerao, prostrando-se em frente ao novo babalao. De fato, alguns de seus irmos-de-santo, uma vez possu-dos por seus orixs, comearam a agir des-ta maneira, demonstrando publicamente seu respeito ao novo iniciado. No entanto, os orixs demonstram geralmente esse ti-po de respeito diante do pai ou da me-de--santo que iniciou seus cavalos. Prostrar--se diante de um recm-iniciado, que aca-bou de realizar seus ritos de iniciao em If, torna-se assim claramente uma maneira de questionar a ordem hierrquica estabele-cida dentro do grupo religioso.

    Os estudos da globalizao da religio yorub tm assim que levar em considera-o esses rearranjos rituais e as tenses que eles provocam35. O sistema de If e seu cor-pus de conhecimentos podem ajudar a lidar com estas novas situaes, fruto do encon-tro entre modelos distintos de tradio. An-tes da sua viagem ao Brasil, Rafael Zamo-ra descobriu, no signo divinatrio que regia a sua vida, a razo ltima da sua misso nesse pas. O od Ogunda Ket explica como todas as religies podem conviver em har-monia. Um dia, Orunmil (Orula), o deus do orculo de If, recebeu a visita de um ho-mem incomodado com a intolerncia reli-giosa que dividia seu povo. As pessoas no conseguiam se entender e todos acredita-vam ser os donos da verdade. Aps consul-tar If, Orunmil declarou que o problema desapareceria quando as pessoas compreen-dessem que todas as religies convergem ao mesmo objetivo: a paz que no pode ser ob-tida sem a real compreenso do Outro.

    Seguindo os ensinamentos de seu sinal adivinhatrio, Zamora fez de sua Socieda-

    35. Sobre este assunto ver, entre outros, Oro e Steil (1997), Clarke (2004), Olupona e Rey (2008) e Capone (2001-2002; 2004b; 2011).

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    de de If e Cultura Afro-Cubana no Brasil, uma excelente ferramenta para a promo-o das trocas rituais entre o culto de If e o candombl, duas religies irms, na sua viso, intimamente conectadas. De acor-do com ele, estas no so religies diferen-tes ou divergentes, mas dois galhos de uma mesma rvore, que cultuam as mesmas di-vindades e tm as mesmas origens cultu-rais. Esta idia se refere claramente a outro od, Ogbe Odi, que explica como o conheci-mento foi distribudo entre todos os homens da terra. Cada um deles possui assim algum fragmento deste conhecimento sagrado. A cooperao religiosa , portanto, possvel e necessaria, porque Olofi, o ser supremo, compartilhou o conhecimento entre todas as cabeas (MENNDEZ, 1995).

    No entanto, esta diviso no traz har-monia ao mundo, porque, segundo os ba-balawos nigerianos, no a paz que gover-na o universo: A questo mais importan-te na nossa parte do cosmos o conflito. O conflito a ordem do dia, em detrimento da paz (ABIMBOLA, 1997, p. 3). Somente o sacrifcio capaz de reequilibrar as foras do universo. Mas, para que isto seja poss-vel, torna-se necessrio reunir os diversos fragmentos deste conhecimento ancestral que foram dispersos pelo mundo.

    6 concluso

    A tendncia a preservar o conhecimen-to ancestral e a compensar as perdas ritu-ais o que historicamente alimenta as re-ligies afro-americanas. Fragmentos desta tradio foram preservados em Cuba, Brasil e Nigria. Nas ltimas dcadas, o processo de fortalecimento das razes envolve a bus-ca pela re-africanizao atravs de cursos de lngua e civilizao yorubs, assim como as viagens aos centros tradicionais do culto

    aos orixs, so entendidas como um retorno a um passado imutvel, verdadeira tra-dio africana. A reconstituio desta uni-dade perdida uma tentativa de reencon-trar uma tradio e um passado comparti-lhados, ambos indispensveis criao de uma comunidade de praticantes da religio dos orishas.

    Este encontro entre religies irms baseado na idia da existncia de uma base cultural comum. Melville Herkovits (1941) foi o primeiro a declarar a existncia de uma gramtica cultural, comum aos di-versos povos da frica ocidental, que per-mitiu a formao das culturas afro-ame-ricanas. Esta idia da persistncia de um substrato africano, no qual a religio de-sempenha um papel fundamental, tambm pode ser encontrada no modelo das rapid early synthesis da creolizao, desenvolvi-do por Mintz e Price (1992). Neste mode-lo expressa-se o mesmo tipo de tenso, pre-sente no trabalho de Roger Bastide (1971; 1974), entre a frica e as Amricas: de um lado, as orientaes cognitivas africanas, que permitiram ao escravo adaptar-se sua nova terra, dando origem s culturas afro--americanas; e do outro lado a idia de um ncleo duro da cultura africana, imune a influncias externas, que teria permitido a preservao das tradies africanas no No-vo Mundo. Esta idia de uma unidade de base da cultura africana tem inspirado v-rios projetos de unificao das prticas reli-giosas afro-americanas.

    Na busca pelos fundamentos perdidos na Passagem do Meio (a viagem nos navios negreiros), o sincretismo entre religies ir-ms candombl, Regla de Ocha e If torna-se um bom sincretismo, um sin-cretismo positivo que abre caminhos rumo re-africanizao (CAPONE, 2007b). O que se busca hoje no Brasil uma tradio

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    Os intercmbios entre religies irms, como o candombl brasileiro e a santera cubana, tm portanto como objetivo o res-tabelecimento de um sistema de crenas co-mum, no qual elementos de distintas reli-gies afro-americanas se fundem. Mas as tentativas de readquirir esta unidade per-dida devem tambm levar em considerao as tenses estruturais que abalam esse uni-verso religioso, assim como a multiplicidade dos modelos de tradio que constituem o que hoje se chama de religio dos orishas.

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    nota sobRe a autoRa

    Stefania Capone Directrice de recherche no Centre National de Recherche Scientifique (CNRS) e ensina no Departamento de Antropolo-gia da Universidade de Paris-Nanterre (Frana). a autora de A busca da Africa no candombl. Tradio e poder no Brasil (Rio, Pallas, 2004; ed. original, Paris, Karthala, 1999, tambm traduzi-do para o ingls, Duke University Press, 2010) e de Os Yoruba do Novo Mundo: religio, etnicida-de e nacionalismo negro nos Estados Unidos (Rio, Pallas, 2011; ed. original, Paris, Karthala, 2005). Ela se consagra atualmente ao estudo dos pro-cessos de transnacionalizao religiosa e da ex-panso das religies afro-americanas na Europa e nas Amricas, tendo coordenado varios nme-ros especiais sobre estes temas em revistas inter-nacionais, assim como um livro coletivo, La reli-gion des orisha: un champ social en plein recom-position (Paris, Hermann, 2011).

    Recebido em: 25.03.11aprovado em: 02.09.11