o olhar de ted hughes
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Fátima Alice Rodrigues Moniz
O Olhar do Falcão:
Para Uma Análise do Pormenor e da Visão na Poesia de Ted Hughes
Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Outubro 2001
Agradecimentos:
Gostaria de agradecer, em primeiro lugar, ao Professor Doutor Rui Carvalho Homem
por todo o seu trabalho de orientação desta dissertação, por todos os seus valiosos comentários
críticos e por toda a disponibilidade demonstrada. Em segundo lugar, gostaria de agradecer à Dra
Glória Vasconcelos pelos seus conselhos, pela sua persistência e amizade. Ainda uma palavra de
agradecimento à Secretaria Regional de Educação - Centro de Formação Profissional da Madeira
por todo o apoio financeiro prestado.
Ao Belarmino e aos meus pais
índice
I - Introdução 5
II - A questão do Ambiente: A Causa e a Escrita 26
III - Retratos de Pormenor 47
IV - Conclusão 106
Bibliografia 118
I - Introdução
O Olhar do Falcão
I.
Esta tese ocupar-se-á da representação visual de pequena escala na poesia sobre animais
da autoria de Ted Hughes. Nas páginas que se seguem dedicarei algum espaço à legitimação do
aparelho conceptual que adoptarei no tratamento da referida temática. Sublinho, contudo, que
não o farei de forma exaustiva, já que não é propósito primordial desta dissertação examinar
posições conceptuais, mas sim 1er a poesia hughesiana de uma perspectiva que por elas se deixe
informar.
Por dedicar todo o terceiro capítulo desta tese à análise das formas assumidas pela
representação visual de pormenor tendo em vista os textos por mim escolhidos, parece-me
necessário desde já aqui esclarecer que o sentido de "representação" em que este trabalho se
apoiará se reporta à transmissão de uma imagem mental e individual relativa a um dado objecto
ou fenómeno apreendido do meio circundante de um indivíduo. Mas representar é também
oferecer a outrem um contributo do nosso entendimento individual e subjectivo do mundo já que,
para essa representação, contribuem, sem dúvida, os nossos gostos pessoais, anseios e vivências.
Desta forma subscrevo aqui as palavras de Helena Carvalhão Buescu:
[...] toda a questionação moderna da percepção sublinha o
carácter eminentemente selectivo, compósito e produtor de sentido.
1 Este entendimento apoia-se, em particular, nas seguintes referências: Helena Carvalhão Buescu, Incidências do Olhar: Percepção e Representação (Lisboa: Editorial Caminho, 1990); James A. W. Heffernan, Museum of Words: The Poetics ofEkphrasisfrom Homer toAshbery (Chicago: The University of Chicago Press, 1993) e ainda Salim Kemal, and Ivan Gaskell, eds, Landscape, Natural Beauty and the Arts (Cambridge: Cambridge University Press, 1993).
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O Olhar do Falcão
Perceber é sempre optar por "ver" alguns elementos, em detrimento de
outros; perceber é uma actividade sempre determinada pelo
conhecimento prévio do mundo e pelas expectativas por ele
condicionadas; perceber é, afinal conceber o mundo como entendível
pelo sujeito, através do estabelecimento de uma estrutura de sentido
formulada no interior da própria percepção.2
A expressão "representações visuais", tal como será usada ao longo deste texto, referir-
se-á à forma como Hughes percepciona a realidade que o circunda bem como à forma assumida
pelos enunciados verbais que o poeta adopta para representar o mundo exterior. Atentarei, em
especial, na condução do olhar do autor para o pormenor. Em mais do que um momento o
estudo desses processos na poesia de Hughes aproximar-se-á do que, noutro enquadramento
genérico, poderíamos designar por "ponto de vista"3. Contudo, a incidência quase exclusiva dos
estudos de "ponto de vista" ou "focalização" no texto narrativo4 leva-me a não invocar este
conceito num estudo cujo corpus é exclusivamente de poesia lírica, optando por me apoiar em
2 Buescu, Incidências do Olhar, 226. Sublinhado meu.
3 Há uma discussão acesa entre os especialistas em teoria da literatura relativamente à terminologia a usar no campo da perspectiva do narrador; entre outros termos, ora falamos de ponto de vista, ora de focalização. Gérard Genette, por exemplo, substituiu a terminologia "ponto de vista" por "focalização" por achar que este último termo é mais rigoroso. Não obstante, a sua substituição não deixa de ser discutível, uma vez que este autor advoga que não existe diferença alguma de focalização numa história contada por um autor omnisciente e numa em que é a própria personagem principal que conta a sua história. Aguiar e Silva alerta que "[...] num caso e noutro, é bem diversa sob o ponto de vista psicológico, ético e ideológico." (Vítor Manuel de Aguiar e Silva, Teoria da Literatura, 8a ed. (Coimbra: Livraria Almedina, 1996) 767.)
4 Em jeito de corroboração desta minha afirmação cito Helena Buescu quando esta defende que o ponto de vista é uma questão "[...] estruturadora de uma determinada forma de organização romanesca" (Buescu, Incidências do Olhar, 71.), assim como Aguiar e Silva, que afirma: "Um dos elementos mais importantes da estruturação da diegese é constituído pelo ponto de vista, ou foco narrativo, ou focalização. A focalização compreende as relações que o narrador mantém com o universo diegético e também com o leitor (implícito, ideal e empírico), o que equivale a dizer que representa um factor de relevância primordial na constituição do texto narrativo." (Aguiar e Silva, Teoria da Literatura, 765. Sublinhado meu.)
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O Olhar do Falcão
expressões como "referências visuais" ou "condução do olhar", não vinculativas a um quadro
teórico tão específico.
Hughes vê a poesia como fruto das experiências individuais, experiências essas que
produzem mudança momentânea ou permanente no comportamento do sujeito que as vive. E o
próprio Hughes quem revela: "Poetry is not made out of thoughts or casual fancies. It is made
out of experiences which change our bodies, and spirits, whether momentarily or for good."5 Para
essa apreensão da realidade é fundamental o papel dos sentidos, pretendendo este trabalho
demonstrar a centralidade da visão para os desígnios autorais de Hughes.
Etimologicamente, o substantivo visão deriva do verbo latino "vedere" e o seu
significado implica não só ver a forma exterior de determinado objecto ou corpo como ainda ver
para além da configuração que esse objecto ou corpo ostenta.6 É por isso que o acto de ver pode
ser entendido como um processo que está longe de ser passivo. Autores como John Berger, por
exemplo, defendem que a visão humana das coisas é incessantemente activa, recriada e
reproduzida e que a leitura de uma imagem varia consoante o contexto em que aparece e
consoante aquilo que o leitor anteriormente viu, ouviu ou sentiu. Partilhando da mesma opinião
quanto à actividade que o acto de ver implica, Gyorgy Kepes advoga: "[...] to perceive an image
is to participate in a forming process; it is a creative act."7 O papel da visão assume ainda maior
5 Ted Hughes, Poetry in the Making: An Anthology of Poems and Programmes from 'Listening and Writing' (London & New York: Faber and Faber, 1967) 32.
6 Ver Nicholas Davey, "The Hermeneutics of Seeing", ed. Ian Heywood, and Barry Sandywell, Interpreting Visual Culture: Explorations in the Hermeneutics of the Visual (London: Routledge, 1999) 3 - 29.
7 Gyorgy Kepes, Introduction, Education of Vision by Gyorgy Kepes (New York: George Braziller, 1965) i. Também o capítulo intitulado "Individual, Social and Cultural Variations in Perceptual Organisation" inserido na obra Paul Rookes, and Jane Willson, Perception: Theory, Development and Organisation (London: Routledge, 2000) dá conta do processo criativo que o acto de ver implica bem como dos factores que poderão ter influência
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O Olhar do Falcão
relevância na concepção do mundo exterior quando associado à verbalização desse mundo
apreendido. Berger, uma vez mais aqui mencionado, defende que o acto de ver antecede
imperativamente a verbalização8 oferecendo para tal uma justificação muito simples: "The child
looks and recognizes before it can speak."9
Para melhor se entender a capacidade de criação associada à visão é necessário perceber
como funciona o complexo mecanismo fisiológico da visão10. Este é descrito pelos físicos como
envolvendo uma série de etapas. O olho, cujos elementos básicos são a lente e a retina, recebe
através da lente a luz emitida ou reflectida pelos objectos no ambiente. A retina, uma estrutura
nervosa complexa, converte essa luz em energia química e activa os nervos que conduzirão as
mensagens captadas pelo olho até ao centro da visão, no cérebro. Uma vez que os olhos estão
colocados numa posição ligeiramente diferente um do outro, a imagem de um objecto em ambas
as retinas é também distinta, mas o cérebro combina-as de tal forma que essa distinção parece
ser inexistente.
A fotografia, uma forma de registo do mundo externo que se revela como tendo um
funcionamento semelhante ao mecanismo da visão, é tida em regra como um meio "fidedigno"
no sujeito que percepciona.
8 Pode ler-se no original "Seeing comes before words." [John Berger, Ways of Seeing (London: Penguin Books, 1972) 7.]
9 Berger, Ways of Seeing, 7.
10 Ver Rookes, and Willson, Perception: Theory, Development and Organisation. A leitura desta obra é, no meu entender, fundamental para quem pretenda um conhecimento mais alargado do funcionamento do mecanismo fisiológico da visão. Recomendo, igualmente, a leitura de Semir Zeki, Inner Vision: An Exploration of Art and the Brain (Oxford: Oxford University Press, 1999) e ainda Martha J. Farah, The Cognitive Neuroscience of Vision (Oxford: Blackwell Publishers, 2000).
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O Olhar do Falcão
e privilegiado de representar o real.11 O fotógrafo, ora desenvolvendo vim trabalho de perícia e
agilidade, ora beneficiando de acasos, tem plena consciência de que a fotografia é resultado do
momento certo na hora certa. Hughes, através das palavras, como ficará evidente na análise dos
poemas por mim escolhidos, apresenta e representa o mundo e a realidade que o circunda de uma
forma que se oferece produtivamente à analogia fotográfica, o que constitui uma das formas de
o seu discurso poético construir um sentido do verídico. Acrescente-se ainda que essa
apresentação e representação, em muitos casos, é ajudada por procedimentos comparáveis a uma
objectiva que permite a ampliação das imagens.
É esse um estímulo importante para que o meu objecto de trabalho seja constituído
pelos poemas hughesianos que incidem particularmente no pormenor da natureza visualizada.
Esta incidência na particularização guia o leitor para um mundo que, devido às suas dimensões,
passa habitualmente despercebido. Mas Hughes, que mais parece retratar o contemplado com
o auxílio de uma lupa, transforma o usualmente inobservado em objecto primordial de
representação. Refiro-me, naturalmente, a alguma poesia, porque considero que nem todos os
poemas hughesianos se oferecem a esta leitura. Assim, não referirei nem incluirei no corpus
poemas que apenas nalguns momentos assumam as características apontadas, uma vez que
11 Esta não é somente a minha opinião. A fotografia oferece uma leitura extremamente próxima da existência que retrata e, por este motivo, muitos são os críticos que a elegem como a mais importante forma de representar o mundo externo. Rudolf Arnheim, por exemplo, defende: "Recording by photography, the most faithful method of image-making, has not really supersed human craftsman, and for good reasons. Photography is indeed more authentic in the rendering of a street scene, a natural habitat, a texture, a momentary expression. What counts in these situations is the accidental inventory and arrangement, the overall quality, and the complete detail rather than formal precision." [Rudolf Arnheim, Art and Visual Perception: A Psychology of the Creative Eye (Berkeley: University of California Press, 1974) 157.] Roland Barthes, referindo-se à veracidade da fotografia, também declara: "[...] a fotografia traz sempre consigo o seu referente." [Roland Barthes, A Câmara Clara, trad. Manuela Torres (Lisboa: Edições 70,1980) 18,19.] Para o leitor que defenda o filme como o meio mais fidedigno para representar o real, relembro que este não é mais que um conjunto de fotografias passadas a uma determinada velocidade, criando a ilusão de movimento.
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O Olhar do Falcão
somente me importam os poemas que consistentemente têm esse cariz. Poderá parecer
surpreendente o facto de a particularização visual ser o que mais cativou a minha atenção e a
questão primordial do estudo aqui apresentado, mas parece-me ser um aspecto da obra de Ted
Hughes até agora insuficientemente estudado.
II.
Os críticos que tomam como epicentro do seu estudo as questões biográficas vêem em
Ted Hughes o seu trabalho grandemente simplificado, uma vez que o percurso individual de
Hughes é por ele mesmo delineado em muitas das suas entrevistas e nalguns dos seus livros.
Edward James Hughes, de seu nome completo, nasceu a 17 de Agosto de 1930 em
Mytholmroyd, uma zona rural de Inglaterra. Desde muito novo Hughes aponta uma relação entre
o visual e o verbal nos seus esforços de representação das formas animais. Isto é particularmente
evidente quando em Poetry in the Making afirma:
[...] my interest in animals began when I began. My memory goes back pretty clearly to my third year, and by then I had so many of the toy lead animals you could buy in shops that they went right round our flat-topped fender, nose to tail, with some over.
I had a gift for modelling and drawing, so when I discovered plasticine my zoo became infinite, and when an aunt bought me a thick green-backed animal book for my fourth birthday I began to draw the glossy photographs. The animals looked good in the photographs, but they looked even better in my drawings and were mine. I can remember very vividly the excitement with which I used to sit staring at my drawings, and it is a similar thing I feel nowadays
11
O Olhar do Falcão
with poems.12
Quando tinha cerca de oito anos de idade mudou-se, com a família, para uma zona
industrial em South Yorkshire, mas a sua ligação ao meio natural não é de todo relegada para
um plano inferior. Graças a uma quinta que descobriu nas proximidades do local onde habitava,
Hughes vivia repartido entre o mundo rural e o mundo industrial, mas o importante para ele era
não perder o contacto com a natureza que até à mudança de residência havia sido constante na
sua vida.13 É ainda por este motivo que Hughes caracterizou as suas vivências desta fase como
sendo pertencentes a uma vida de carácter duplo.
A descoberta da escrita por parte de Hughes ocorreu igualmente neste período, no
espaço escolar, quando constatou que os seus textos faziam o deleite dos seus colegas e até,
nalgumas ocasiões, dos professores. A escrita deste estádio é qualificada por Hughes como
consequência directa das leituras de revistas na época categorizadas como sendo para rapazes
e que estavam disponíveis na loja que os seus pais mantinham. Paralelamente, Hughes lia livros
de carácter mais científico sobre a vida animal no seu estado selvagem, ou melhor, no seu
habitat.14
12 Hughes, Poetry in the Making, 15, 16.
13 É Hughes quem, uma vez mais, relata: "I soon discovered a farm in the nearby country that supplied all my needs, and soon after, a private estate with woods and lakes. My friends were town boys, sons of colliers and railwaymen, and with them I led on my life, but all the time I was leading this other life on my own in the country. I never mixed the two lives up, except once or twice disastrously." ( Hughes, Poetry in the Making, 16.)
14 Ted Hughes, em jeito de exposição autobiográfica, fala daquilo que podemos designar como sendo as suas origens como poeta bem como do seu variado percurso até 1957, altura em que publicou aquele que é o seu primeiro livro e que estampa a sua entrada no mundo da poesia inglesa do século XX: The Hawk in the Rain. Assim, numa fase inicial marcada pelo interesse pelos animais, Hughes informa o leitor acerca das suas preferências formais: "I found that rhymes were more satisfying to write. They were more special. But for two or three years they were no more than an occasional game." [Ted Hughes, Winter Pollen: Occasional Prose, ed. William Scammel (London: Faber and Faber, 1995) 4.] Essa simpatia pela rima manteve-se e, durante algum
12
O Olhar do Falcão
A sua atitude relativamente aos animais sofreu, contudo, uma alteração quando aos
quinze anos começou a ver-se como elemento perturbador dessa vida animal que tantas vezes
anteriormente observara. Deixou de contemplar os animais como até então fizera e principiou
o processo de condução e educação do seu olhar com o intuito de haver uma exploração de
empatias e uma projecção do poeta nos animais observados.
Hughes virá a surgir no meio literário em 1957 com a obra The Hawk in the Rain e,
desde logo, se distingue dos poetas do chamado Movement, que grande destaque encontrara na
década de cinquenta. O Movement é um movimento literário que surgiu cronologicamente em
1954 com a publicação de um artigo intitulado "In the Movement". Neste artigo dava-se atenção
a um grupo de escritores britânicos - essencialmente os poetas Donald Davie e Thorn Gunn e os
romancistas Kingsley Amis, Iris Murdoch e John Wain - que surgiam no mundo literário como
tendo preocupações novas face àquelas até ao momento apresentadas pelos escritores britânicos.
Nos dois anos seguintes, através de antologias poéticas, novos nomes - nomeadamente Elizabeth
Jennings e Philip Larkin - eram mencionados, alargando-se, assim, a lista inicial. Blake Morrison
argumenta que existiam divisões dentro do próprio grupo e que, por este motivo, estava muito
longe de ter uma poética homogénea. Alguns sectores da crítica não pouparam ataques ao
movimento e A. Alvarez, embora de uma forma mais branda, referiu que os poetas ligados ao
tempo, o seu interesse poético estava circunscrito a "[...] long lines, a rhythmical heavy beat, and deadlock rhymes." (Hughes, Winter Pollen, 5.) Numa outra rase, graças à descoberta da obra de Yeats, Hughes começa a interessar-se pelas lendas e mitos do folclore irlandês e, simultaneamente, descobre as obras de Eliot e Hopkins. Todos estes vultos da literatura são, certamente, apontados como influências na obra hughesiana. Não me debruçarei em particular sobre estes temas pois considero-os suficientemente vastos para informarem outras dissertações. Para uma leitura mais detalhada acerca das diferentes fases do percurso poético inicial do autor veja-se Hughes, Winter Pollen, 4-1.
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O Olhar do Falcão
Movement pareciam não conseguir lidar com as pressões do mundo moderno . E neste contexto
que a poesia de Hughes irrompe com um sentido de novidade: enquanto a escrita dos poetas do
Movement se pautava por um registo de urbanidade e de contenção emocional, a escrita de
Hughes é sensorialmente intensa e virada para estados naturais e selvagens. A. Alvarez também
se refere a Hughes como sendo um poeta que se distingue dos poetas do Movement e comenta:
"Hughes was more self-assured, a man who knew where he was coming from, solidly based, and
in the world he inhabited wild animals figured a great deal more prominently than people."16
Como constata Keith Sagar, o crítico que mais tempo e espaço dedicou à publicação
de estudos sobre Hughes, este é constantemente rotulado pela crítica literária como poeta da
natureza ou, mais particularmente, como poeta que escreve sobre animais. Aliás, os próprios
títulos dos poemas deixam antever ao leitor que, salvo algumas excepções - nomeadamente os
poemas aqui em estudo, caracterizados pela natureza olhada num pormenor quase microscópico
-, estará em presença de textos sobre animais predadores. Não obstante, a crítica hughesiana
defende que esses seres são muito mais que meras imagens da natureza animal observada no seu
habitat e fala dos poemas que os representam como metáforas da vida. De facto, quase sempre
esses animais são metáforas para a representação da força interior do poeta que poderá ser
estendida à força interior e contraditória de todo o ser humano. Sagar, por exemplo, fala dos
poemas como boletins da batalha das forças interiores não só de Hughes como do homem em
geral. Muitos dos poemas deixam transparecer, para além do fascínio pelos animais - presente,
15 Sobre o Movement ver Blake Morrison, The Movement: English Poetry and Fiction of the 1950s (Oxford: Oxford University Press, 1980).
16 Nick Gammage, ed. The Epic Poise: A Celebration of Ted Hughes (London: Faber and Faber, 1999) 208.
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O Olhar do Falcão
por exemplo, em "Hawk Roosting"- a quase inveja do autor relativamente à simplicidade da
existência animal. É que o mundo destes oscila unicamente entre a vitalidade ou luta pela
sobrevivência e a morte, enquanto que o mundo do ser humano é muito mais complexo e a
realidade é quase sempre objecto de questionação ou insatisfação por parte deste.
Pela escolha dos animais, quase sempre predadores, sendo os mais emblemáticos da sua
obra o falcão, a raposa, o lobo e o jaguar, a poesia hughesiana é frequentemente adjectivada de
violenta. Em entrevista a Ekbert Faas e questionado sobre a violência da sua poesia, Hughes
afirmou:
The role of this word 'violence' in modern criticism is very
tricky and not always easy to follow. (...) poetry is nothing if not that,
the record of just how the forces of the Universe try to redress some
balance disturbed by human error.17
Ainda relativamente à questão da violência, Terry Gifford e Neil Roberts declaram em tom de
defesa de Hughes:
The reason for the problem about 'violence' in Hughes's work
is his determination to acknowledge the predatory, destructive
character of nature, of which man is a part, and not to moralise about
it.18
Apesar de este trabalho se debruçar sobre um outro aspecto da poesia hughesiana é inevitável
abordar aqui a questão da violência, já que esta surge, embora de forma menos evidente, em
17 Ekbert Faas, Ted Hughes: The Unaccommodated Universe (Santa Barbara: Black Sparrow Press, 1980) 197, 198.
18 Terry Gifford, and Neil Roberts, Ted Hughes: A Critical Study (London: Faber and Faber, 1981) 14.
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O Olhar do Falcão
alguns dos poemas do corpus. Não obstante, saliento que, ainda que da minha leitura da obra de
Hughes resulte inegável que alguma poesia oferece uma imagem violenta da natureza animal,
se me afigura que essa aparente violência não é mais que a descrição de um mundo em que, de
facto, a sobrevivência é uma questão que a todo o momento se coloca. Penso que a violência de
que Hughes é acusado está perfeitamente equilibrada por um sentido de fragilidade e
vulnerabilidade nos seres observados, nomeadamente na delicadeza de uma borboleta ou de uma
libelinha, figuras de destaque em alguns poemas que neste trabalho serão objecto de estudo.
Podemos conjecturar, por aquilo até aqui exposto, que a obra de Hughes gira em torno
de um único assunto: os animais. Mas falar de Hughes não é só falar da sua poesia sobre animais.
Irene Worth, designadamente, entende que Hughes não escreve sobre a Natureza, mas que fala
de dentro dessa Natureza.19 Por outro lado, Michael Schmidt afirma:
Hughes is hardly an animal poet. His animals, sometimes
accurately portrayed, are usually out of focus, or rather, refocused to
illuminate some specific metaphorical rather than complex natural
truth. They are emblems, analogues, images, the quintessence of the
poetic fallacy.20
Outros temas ganham ainda evidência na obra poética de Hughes, tal como a mitologia oriental
presente em Wodwo (1967), fruto dos conhecimentos adquiridos aquando do seu estudo de
19 A este respeito veja-se o que diz a autora: "The poet deals with emotion and words alone. Ted's words and the way they lie on the paper nourish us as nature nourished him. He does not write about nature but within nature. He picks up a badger's tooth, bleached and beautiful, is bitten by a mosquito, understands the law in the country of the cats." (Gammage, ed., The Epic Poise, 157.)
20 Michael Schmidt, An Introduction to Fifty Modern British Poets (London: Pan Books, 1979) 385,386.
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antropologia em Cambridge, ou a mitologia da criação patente em Cave Birds (1975). Também
o xamanismo faz parte da lista dos temas presentes na obra poética deste autor. Para Hughes
existe uma ligação profunda entre as experiências poéticas e as experiências xamânicas. O
xamanismo é assim definido por Hughes:
[...] it's the whole procedure and practice of becoming and performing as a witch-doctor, a medicine man, among primitive people. The individual is summoned by certain dreams. The same dreams all over the world. A spirit summons him... usually an animal or a woman. If he refuses, he dies... or somebody near him dies. If he accepts, he then prepares himself for the job... it may take years.21
Durante a entrevista a Ekbert Faas, Hughes acrescenta que, habitualmente, o poeta recusa esse
chamamento, e menciona Edgar Cayce como um dos raros poetas que o aceitou. Creio que
Hughes também entende ter recebido um chamamento para um desempenho como xamã já que,
se atentarmos no seu relato acerca de como surgiu o seu primeiro poema sobre animais - "The
Thought-Fox" - este é, certamente, o sonho que evidencia as características do apelo para a
admissão no mundo xamânico. Hughes não aceitou, porém, esse chamamento e a sua escrita
parece ser marcada pela convicção de que a não aceitação desse mesmo chamamento terá sido
duramente paga, já que o próprio autor interpreta desastres da sua vida pessoal - nomeadamente
o suicídio de Sylvia Plath, sua esposa do primeiro casamento - desse modo22.
Keith Sagar aponta os meados da década de sessenta como correspondendo a uma
21 Faas, Ted Hughes, 206. 22 Ver Leonard M. Scigaj, ed., Critical Essays on Ted Hughes (New York: Macmillan, 1992) 21 e Keith
Sagar, ed., The Achievement of Ted Hughes (Manchester: Manchester University Press, 1983) 44.
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mudança de intuito na obra de Hughes no que diz respeito à representação da Natureza: esta
começa a ser vista de uma perspectiva ecológica. Sagar aproxima a posição do autor da posição
dos ambientalistas que defendem e elegem a educação do ser humano como meio predilecto para
alcançar a valorização e respeito do espaço natural.23 Apesar de esta posição se manter desde
então como um dos traços mais evidentes na poesia de Hughes, creio que a obra que melhor
espelha as preocupações ecológicas deste autor é River. Datada de 1983, em co-autoria com o
fotógrafo Peter Keen, River coloca o leitor em presença de poemas acompanhados de fotografias
de um mundo ainda virgem relativamente à presença humana e que levam a afirmar com todo o
sentido que Hughes é um autor com preocupações ambientalistas. Aliás, os patrocinadores da
obra foram o Countryside Commission e o British Gas - apresentado num pequeno texto nas
páginas introdutórias da obra como uma empresa que se esforça por manifestar preocupação
quanto às questões do ambiente.24 As preocupações ecológicas de Hughes são também apontadas
por Leonard M. Scigaj25 que descreve a forma como desde a década de sessenta Hughes escreveu
poemas ecológicos, assim como permitiu leilões de alguns dos seus manuscritos como forma de
angariar fundos para salvar plantas e animais em vias de extinção.
23 É Sagar quem afirma: "Hughes's poetry shares a basic premise with ecologists and environmentalists: the only way to save this planet is to change the perceptions of its human inhabitants about Nature." [Keith Sagar, ed., The Challenge of Ted Hughes (New York: St. Martin's Press, 1994) 160.] Sagar declara, ainda, sobre a obra poética de Hughes: "Though there are wonderful poems from both before and after, the body of work on which Hughes' reputation should stand (his equivalent of what Shakespeare got into his plays) is almost everything he wrote in the seventies and early eighties - the poems collected in Season Songs (1974), Cave Birds (1975), Gaudete (1977), Remains of Elmet (1979), Moortown (1979) and River (1983). These books contain the inestimable healing gifts which are Hughes' legacy to us all." [Keith Sagar, The Laughter of Foxes: A Study of Ted Hughes, by Keith Sagar (Liverpool: Liverpool University Press, 2000) xi.]
24 Ver Ted Hughes (Poems), and Peter Keen (Photographs), River (London & Boston: Faber and Faber, 1983)4.
25 Ver Leonard M. Scigaj, Critical Essays on Ted Hughes (New York: Macmillan, 1992.)
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O Olhar do Falcão
As preocupações ecológicas são, contudo, uma das vertentes de uma personalidade
poética que nem sempre fez de Hughes uma figura querida de todos os auditórios. A dimensão
institucional e pública da sua condição de Poeta Laureado parecia talhada para uma imagem de
afabilidade que Hughes soube cultivar. Mas a relação que a crítica feminista com ele estabeleceu
não poderia oferecer maior contraste. Numa perspectiva radical adoptada pelas feministas,
Hughes é apontado como responsável pela morte de Sylvia Plath e todo o seu mérito pessoal e
poético parece desaparecer face a esse acontecimento. O que me parece, e não querendo alongar-
me relativamente a este assunto pois não é uma das áreas eleitas pelo meu trabalho, é que a
crítica feminista parece esquecer que, a acreditar em Ekbert Faas, pelo menos uma parcela da
obra de Plath se deve à convivência com Hughes. Faas entende mesmo que Hughes ensinou a
Plath a forma de desprender a sua imaginação e, em consequência, tê-la-á ajudado a libertar-se
de alguns dos seus maiores pesadelos26. Aliás, o relacionamento de Hughes com Plath foi sempre
um assunto gerador de questionações tanto no público como na crítica: só com a publicação de
Birthday Letters (1998) Hughes afastou o véu sobre aquele que foi o primeiro casamento do
autor.
O percurso de Hughes no mundo literário passa também pela escrita de livros infantis.
São cerca de dezassete os livros para crianças. De entre estas obras constam títulos como The
26 Faas declara ainda: "Apparently unfamiliar with similar creeds held by American poets, Sylvia Plath for a time became the disciple of her husband. Her letters abound with praise of all the things she learned in this all-absorbing working partnership: how she sharpened her impressionistic perceptions according to Hughes' photographic vision, how she enriched her imagination [...] or how she learned to break through a writing block". (Faas, Ted Hughes, 41.) Também Keith Sagar refere sobre este mesmo assunto: "[...] the most important effect Hughes had on her [Sylvia] was to increase her concentration on poetry and to supply her with a fully worked out belief in the poetic mythology of Robert Graves' The White Goddess." [Keith Sagar, The Art of Ted Hughes (Cambridge: Cambridge University Press, 1975) 11.]
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Earth Owl (1963), How the Whale Became (1963), What is the Truth (1984), Frangs the
Vampire Bat and the Kiss of Truth (1986), The Cat and the Cuckoo (1987), Meet My Folks!
(1987), entre outros. Alguns dos poemas que serão objecto de estudo nesta dissertação foram
originalmente publicados em volumes destinados ao auditório infantil.
Para além disto, Hughes também se dedicou ao drama, tendo publicado dezoito peças
de teatro, aproximadamente, entre 1960 e 1971. Porém, o próprio Hughes não se considera um
dramaturgo e, tal como declara Fred Rue Jacobs27, a opinião da crítica parece ir de encontro à
do autor quando este último afirma que as suas peças só têm valor pelos poemas que lá surgem
ou então pela forma como, de algum modo, deram origem a outros textos poéticos.
Um outro papel que Hughes assumiu foi o de crítico literário e este apresenta já uma
posição mais importante.28 Foram muitos os textos de Hughes acerca de autores do seu tempo
ou de outros, como é o caso de Shakespeare. A partir de 1964 Hughes inicia o processo de
familiarização com a obra de alguns poetas da Europa de Leste. Assim, em 1966 publica na
revista Critical Survey um artigo sobre Vasco Popa no qual apresenta a obra deste ao público
britânico29. Três anos mais tarde, poetas de todo o mundo vêm a Londres participar no então
chamado "Poetry International", uma espécie de congresso que, juntamente com outras entidades
do meio, teve o cunho e o forte empenho de Ted Hughes no que diz respeito à sua organização
27 Ver Fred Rue Jacobs, "Hughes and Drama", The Achievement of Ted Hughes, ed. Keith Sagar, 154 -170.
28 Keith Sagar, referindo-se à importância de Hughes como crítico literário, afirma: "The versatility of Ted Hughes does not end with poetry, fiction and drama; he is also a very fine literary critic. His criticism is scattered through numerous introductions, essays and book reviews. When the best of them are collected, the rare quality of his critical sensitivity and expression will appear." [Keith Sagar, Ted Hughes (London: Longman, 1972) 43.] "
29 Ted Hughes, "The Poetry of Vasco Popa", Critical Survey Summer 1966: 211 - 214.
20
O Olhar do Falcão
e realização. Foi graças a Hughes, e em consequência dos artigos por ele publicados, que muitos
poetas da Europa de Leste viram o seu trabalho divulgado na Inglaterra e, posteriormente,
noutros países da Europa Ocidental. Com estes poetas Hughes partilhava a consciência profunda
dos malefícios da guerra, malefícios esses que o seu pai lhe havia relatado e cuja consequência
poética pôde encontrar também nas obras de Wilfred Owen e de Keith Douglas, poetas
respectivamente da I e II Guerra Mundial. Michael Parker, ainda debruçando-se sobre o
relacionamento Hughes - Plath, reforça a importância da obra poética dos autores da Europa de
Leste no período pós-suicídio de Plath:
His discovery of the poets of eastern Europe was crucial at this
time in providing models for survival, through whose experience he
was able to come to terms with his own experience and his sense of
responsibility.30
Além disso, Hughes assimilou de tal forma a escrita destes poetas que, nomeadamente em Crow
(1970), é visível a sua influência no que diz respeito à criação de fábulas e mitos31.
Hughes é nomeado Poeta Laureado a 19 de Dezembro de 1984. A notícia desta sua
consagração originou uma subida ciclópica no que diz respeito à venda dos seus livros e, em
muitos jornais e revistas do meio literário, é desenhado o seu perfil como poeta. E ainda na
semana que é nomeado Poeta Laureado que Hughes publica o conhecido poema "Rain-Charm
Sagar, ed., The Achievement of Ted Hughes, 44.
31 Sobre este assunto leia-se o artigo de Michael Parker intitulado "Hughes and the Poets of Eastern Europe" inserido na obra Sagar, ed., The Achievement of Ted Hughes, 37-51.
21
O Olhar do Falcão
for the Duchy: A Blessed, Devout Drench for the Christening of Prince Harry" .
III.
Até ao momento, embora muito superficialmente, apresentei algumas das temáticas mais
discutidas da obra e da personalidade poética hughesiana. O trabalho que aqui se segue é fruto
da minha leitura da obra poética de Hughes e de algum conhecimento da sua recepção. E meu
intuito mostrar os processos pelos quais este autor direcciona o olhar do leitor para uma natureza
animal considerada ao nível do pormenor.
A escolha de Ted Hughes, bem como o interesse pessoal por este mesmo autor, vêm
na sequência de um Seminário de Mestrado sobre Literatura Inglesa do Século XX. Devo aqui
revelar que o fascínio que agora a obra do poeta Ted Hughes exerce sobre mim não foi imediato.
De início fiquei pouco encantada com as suas descrições violentas dos animais pois parecia-me
um mundo demasiado cruel para ser registado em versos. Contudo, encontrei algum tempo
depois numa estante aquele que é, graficamente e visualmente falando, um dos seus mais belos
trabalhos: River. As fotografias de Peter Keen, habilmente seleccionadas para a ilustração dos
poemas, captaram de imediato a minha atenção. Ao 1er os poemas não tive qualquer dúvida de
que estava perante o retrato da Natureza na sua existência eternamente cíclica. O herói - o
salmão - mais não me evocou que o próprio homem na sua incessante luta pela sobrevivência.
Ao aprofundar algumas leituras de poemas e recorrendo à leitura de alguns textos críticos, pude
32 Ted Hughes, "Rain-Charm for the Duchy: A Blessed, Devout Drench for the Christening of Prince Harry" Observer 23 December 1984: 7.
22
O Olhar do Falcão
modificar a minha primeira impressão: não era somente o salmão a oferecer-se-nos como
projecção do ser humano; todos os animais predadores sobre os quais havia lido e cuja descrição
havia considerado demasiado acre eram uma metáfora da força interior humana.
Apesar de me agradar a obra hughesiana em geral, resolvi somente tomar como objecto
de estudo os poemas que incidem no pormenor, uma vez que achei cativante a forma quase
microscópica com que Hughes leva o leitor a visualizar a Natureza, em geral, e a natureza animal,
em particular. Além disso, como já referi, pretendo com este trabalho abordar um aspecto da
obra de Hughes que me parece que até ao momento não foi devidamente discutido. Contudo,
surgiram-me algumas dificuldades, primeiramente de foro bibliográfico, devido a uma quase
inexistência de bibliografia em Portugal tanto da obra de Hughes como da crítica hughesiana e,
seguidamente, dificuldades relacionadas com a própria localização dos poemas. Deparei com o
facto de Hughes publicar muitas vezes os mesmos poemas em obras diferentes, chegando até a
alterar os seus títulos. A tarefa de localização da obra em que foram originalmente publicados
tornou-se um trabalho exaustivo, só facilitado quando algum tempo depois tive acesso à
bibliografia organizada por Keith Sagar e Stephen Tabor33 que considero indispensável para
qualquer estudioso da obra de Hughes.
Tendo em conta o número de estudos publicados recentemente e a atenção dedicada
pelos críticos à vida e obra de Ted Hughes, a projecção da obra poética deste autor continua a
um nível elevado. Para além de alguns nomes já neste texto referidos, quero salientar as opiniões
de Nick Gammage, nomeadamente, que comenta o sentimento de profunda perda que o mundo
33 Keith Sagar, and Stephen Tabor, Ted Hughes: A Bibliography 1946 -1995, 2nd ed. (London & New York: Mansell, 1998.)
23
O Olhar do Falcão
literário experimentou com a morte de Hughes em 1998. No entender deste crítico e estudioso,
essa perda é marcante precisamente pelas suas características singulares: "[...] the unique force
of his poetic imagination, his reverence for language, and his super-sensitive way of seeing and
feeling."34 Também Ann Skea, um nome igualmente importante dos estudos hughesianos,
comenta:
Hughes' descriptions are precise and vividly sensual; the
images and symbols which he uses most powerfully are those which
derive directly from his own experience; and his creatures have a
characteristic energy even whilst they serve symbolic purposes.35
Nas páginas em que desenvolverei a temática já apresentada, encontrará o leitor um
primeiro capítulo em que abordarei uma questão já aqui na introdução mencionada e que é fulcral
quando se fala da poesia hughesiana: a importância dada pelo autor às questões de defesa e
preservação do meio ambiente. Assim, numa primeira secção do capítulo, referir-me-ei à
importância da paisagem natural na poesia de Hughes, importância essa justificada tanto pelos
críticos como pelo próprio autor; numa segunda secção exemplificarei e mostrarei, com algum
pormenor, algumas das obras hughesianas em que o tema da paisagem natural é central. Uma
primeira secção do segundo capítulo deste trabalho será dedicado à apresentação das figuras
animais em destaque no corpus por mim seleccionado e, numa segunda secção, de dimensões
mais extensas e de cariz mais analítico, apresentarei ao leitor as estratégias de representação
visual adoptadas por Hughes no corpus escolhido. Devo desde já referir que o corpus desta
34 Gammage, Editor's Note, The Epic Poise, by Gammage, ed., xiii.
35 Ann Skea, Ted Hughes: The Poetic Quest (Armidale: The University of New England Press, 1994) 10,11.
24
O Olhar do Falcão
dissertação é composto por vinte e três títulos.36
36 Os poemas que fazem parte do corpus são: "Bees", "The Honey Bee", "Buzz in the Window", "The Fly", "Mosquito", "Gnat-Psalm", "Caddis", "The Mayfly is Frail", "Saint's Island", "A Cranefly in September", "Dragonfly", "Performance", "In the Likeness of a Grasshopper", "Eclipse", "Spider", "Two Tortoiseshell Butterflies", "The Red Admiral", "Sandflea", "Ants", "Ragworm", dois poemas sob o título de "Worm" (um publicado em What is the Truth? e outro que surgiu em 1987 na obra The Cat and the Cuckoo) e "Snail".
25
II - A Questão do Ambiente: A Causa e a Escrita
Hughes's work is a landscape.
Yehuda Amichai37
Hughes ' [England] is a primeval landscape where stones
cry out and horizons endure.
Seamus Heaney31
When something abandons Nature, or is abandoned by
Nature, it has lost touch with its creator, and is called an
involuntary dead-end.
Ted Hughes39
37 Gammage, ed., The Epic Poise, 212. 38 Sagar, ed., The Achievement of Ted Hughes, 15.
39 Hughes, Winter Pollen, 129.
O Olhar do Falcão
I.
Para entendermos a obra hughesiana existe, na minha opinião, um aspecto da poesia
deste autor de abordagem imperativa: a importância dada por Hughes ao meio ambiente. E por
este motivo que, antes de apresentar e analisar o corpus que está na génese da definição temática
desta dissertação, apresento este capítulo cujo primeiro propósito é mostrar momentos em que
Hughes se referiu explicitamente à defesa do meio ambiente e, num segundo momento, mostrar
como essa importância por ele dada ao meio ambiente é a temática principal de algumas das suas
obras.
Poetry in the Making (1967), obra que discute e que propõe algumas respostas a
questões que se prendem com a escrita de poesia40, é um dos textos em que Hughes evidencia
a importância do espaço natural e o fascínio que este exerce sobre o homem. É nele que afirma:
"Who is to say that we are not all secretly in love with grass and trees, preferably out of sight of
houses, or if there are houses then they have to be a country style house, a cottage or a manor."41
Será igualmente em Poetry in the Making, num capítulo intitulado "Writing About
Landscape", que Hughes apela para a necessidade de o ser humano se refugiar na Natureza por
breves períodos de tempo. Esse refúgio torna-se para este autor imprescindível quando se fala
daqueles que habitam nos meios urbanos, justificando Hughes esta sua posição da seguinte
40 Hughes anuncia na Introdução que Poetry in the Making poderá ser usado "as a text and anthology for the class, or as a general handbook for the teacher." (Hughes, Poetry in the Making, 13.) Keith Sagar refere acerca deste: "Poetry in the Making is the best book I know about the writing (and reading) of poetry in schools. It is about poetry as a natural and common activity; about the fun, but also the seriousness, the centrality, of this activity". (Sagar, Ted Hughes, 19.)
41 Hughes, Poetry in the Making, 75.
28
O Olhar do Falcão
forma: "It is only there that the ancient instincts and feelings in which most of our body lives can
feel at home and on their own ground. It is almost as though these places were generators where
we can recharge our run-down batteries."42 Esta afirmação leva-me a concluir que o refugio do
ser humano no meio natural funciona para Hughes como a expressão de um desejo de regresso
às comunidades humanas primitivas em que o contacto com a Natureza era mais forte. Do meu
ponto de vista, este refúgio no meio natural é para este poeta uma espécie de ritual cujo
propósito é a purificação humana de toda a confusão e poluição dos ambientes citadinos. Em
forma de conclusão desta sua posição Hughes adopta uma postura que acarreta alguma
esperança na Natureza como uma orientadora persistente: "Nature's obssession, after all, is to
survive. As far as she is concerned, every new baby is a completely fresh start. If Westernized
civilized man, the evolutionary error, is still open to correction, presumably she will correct him.
If he is not open enough, she will make the attempt."43
Adoptando um tom exclamativo, Hughes constata ainda em Poetry in the Making:
"What a curious fascination landscape must hold for us, if so many of our very greatest painters
have spent their lives trying to capture in paint the essence of one landscape after another."44 A
verdade é que não podemos circunscrever aos pintores esta tentativa de captura da Natureza uma
vez que está também evidenciada na escrita de Hughes e na de tantos outros escritores. Hughes,
porém, distingue-se de alguns destes autores uma vez que não se limitou a retratar a Natureza,
como se evidencia na sua adopção de uma postura de tipo ambientalista patente na sua reflexão
42 Hughes, Poetry in the Making, 76.
43 Hughes, Winter Pollen, 135.
44 Hughes, Poetry in the Making, 75.
29
O Olhar do Falcão
crítica sobre The Environmental Revolution de Max Nicholson.
Hughes inicia o seu texto oferecendo ao leitor uma clara definição daquilo que é para
ele "Environmental Revolution"45 para, seguidamente, traçar uma breve resenha histórica na qual
mostra a razão pela qual a relação homem/Natureza é considerada catastrófica no momento da
escrita deste seu texto:
The subtly apotheosized misogyny of Reformed Christianity is
proportionate to the fanatic reflection of Nature, and the result has
been to exile man from Mother Nature - from both inner and outer
nature. The story of the mind exiled from Nature is the story of
Western Man. It is the story of his progressively more desperate search
for mechanical and rational and symbolic securities, which will
substitute for the spirit-confidence of the Nature he has lost.46
Hughes, após ter denominado Max Nicholson de profeta precisamente por prever o estado de
declínio na relação homem/Natureza,47 formula a seguinte crítica: "The public ignorance is also
a deep resistance, of course. We have a biologically inbuilt amnesia against the fears of
extinction. And hunger and greed will always sacrifice almost anything."48 Mas as críticas não
45 Pode ler-se no original: "Basically, it is a history of Conservation, worldwide and from the beginning. It includes a detailed survey of the movement in modern times in the US and in Britain, where most of the pioneering work was done." (Hughes, Winter Pollen, 128.)
46 Hughes, Winter Pollen, 129.
47 Hughes alerta o leitor para o facto de Nicholson ter escrito durante toda a sua vida como um cientista, apoiado em métodos científicos e mantendo sempre uma fé inabalável na tecnologia. Relativamente a este assunto Hughes termina advogando: "Yet he is actually a prophet, and all his dedication has been based on a sure intuition of what language would finally carry the weight, when he came to tell his vision." (Hughes, Winter Pollen, 134.)
48 Hughes, Winter Pollen, 129.
30
O Olhar do Falcão
são apenas dirigidas aos cidadãos e, mais adiante no seu texto, revestem-se de um tom
profundamente acusatório contra os governos:
In so far as the earth's life is being murdered, it is in the hands
of Government and departamental committees. If Government could
feel the crisis of it, or if the public could make Government feel the
experience of it, the industrial poisoning of the water-systems in and
around England, for instance, could be cut to something negligible
very quickly. A crash programme of legislation and subsidies, of
applying technological means already well researched, would cost no
more than a few strikes, and would not require much more
Government time and attention than did Rhodesia.49
Pelas leituras por mim efectuadas creio ser correcto afirmar que Hughes, tal como
Nicholson, acredita que o ser humano, em geral, e o súbdito britânico, em particular, precisa de
ser educado na forma como olha para a Natureza, e que esta será a única maneira de resolver os
problemas de cariz ambiental.50 Contudo, para que essa educação seja possível, e referindo-se
explicitamente ao caso inglês, Hughes apela à mudança no sistema educativo do seu país,
mudança essa que, do seu ponto de vista, não acontecerá enquanto os economistas da sociedade
industrial revelarem ignorância e não oferecerem incentivos ao conhecimento da Natureza. Em
jeito de conclusão desta sua reflexão da obra de Nicholson, Hughes, tal como anteriormente
49 Hughes, Winter Pollen, 131. 50 É de salientar que Nicholson defende a educação não só da sociedade em geral como dos próprios
agricultores. É por este motivo que Hughes declara: "He [Nicholson] emphasizes the urgent need to educate farmers. Not just our food, but the life of that nine inches of soil, and of much else, is in their case." (Hughes, Winter Pollen, 131.)
31
O Olhar do Falcão
aquele o havia feito, lança um alerta quanto à urgência em salvar o meio ambiente e evitar, assim,
não só a sua destruição como a de toda a humanidade. O final deste texto de Hughes dá ênfase
ao tom esperançoso com que Nicholson termina a sua obra:
He [Nicholson] makes it very clear that we may well be too late,
that our civilization may be too strong for us for too long. In spite of
that, he leaves the reader feeling that the wonderful thing might be
possible, that the earth can be salvaged, that we are hopelessly in the
grip of our abstractions, our stupidity and greed, and our shiftless,
imbecile governments.51
II.
Esta importância elevada que Ted Hughes dá à Natureza faz com que autores como
Leonard M. Scigaj52 o caracterizem como tendo uma visão biocêntrica da Natureza, ou mesmo
que o rotulem como autor da Natureza. Scigaj aponta como factores determinantes para esta
visão o facto de Hughes ter passado grande parte da sua infância no Yorkshire bem como ter
51 Hughes, Winter Pollen, 134. Sublinhado meu.
52 Para uma análise mais detalhada desta posição de Scigaj leia-se "Ted Hughes and Ecology: A Biocentric Vision", capítulo inserido em Sagar, ed., The Challenge of Ted Hughes. O autor refere que a visão biocêntrica, contrariamente à visão antropocêntrica, se caracteriza pelo facto de ver o homem como apenas mais um dos muitos elementos que existem dentro de um ecossistema. Scigaj advoga que Hughes, como se poderá concluir após análise das suas obras, passou por várias etapas: a questionação do antropocentrismo em Wodwo, a crítica desse mesmo antropocentrismo em Crow e, finalmente, desde Gaudete até Wolfwatching, um desenvolvimento e amadurecimento da visão biocêntrica da Natureza patente nas publicações que se seguiram. Scigaj defende que essa visão biocêntrica é particularmente evidente em Moortown Elegies, Remains ofElmet e River.
Outros autores também evidenciam a importância da Natureza na obra hughesiana e chegam a metaforizar esta naquela, como podemos verificar através das epígrafes que estão no início deste capítulo. Para uma exploração desta posição veja-se o estudo "Ted Hughes's Poetry", de Yehuda Amichai, inserido em Gammage, ed., The Epic Poise, 212, 213.
32
O Olhar do Falcão
estudado antropologia aquando da sua passagem por Cambridge. Seja por um ou outro motivo,
o que daqui importa evidenciar é que os estudiosos da obra hughesiana não podem deixar de
referir o papel de destaque que a Natureza ostenta na maioria dos seus poemas.
Nem todos os estudiosos se concentram na vertente ecológica e biocêntrica da poesia
hughesiana; há aqueles que, após análise detalhada da obra poética deste autor, nela encontram
outros tratamentos da Natureza. Neil Corcoran, por exemplo, enquadra a produção poética de
Hughes em dois tipos fundamentais:
Hughes writes, essentially, two separable kinds of poem. The
first, running through his entire career, and reaching its apogee, to my
mind, in the "Moortown" sequence (1979), is the individual lyric
which revises a tradition of English "nature" poetry, and specifically
animal poetry, towards a discovery within the natural world of forces,
energies and instincts which always implicitly, and sometimes
explicitly, criticise the rational human intellect.
[...] the second type of characteristic Hughes poem, [is] the
longer sequence with mythical or metaphysical ambitious, of a kind
possibly encouraged by Vasko Popa's long poem-cycles.53
Como anteriormente nesta dissertação já foi lembrado, é em 1957, com a obra The Hawk in the
Rain, que Hughes começou a publicar. Seguiram-se outros títulos de igual modo importantes,
como é o caso de Lupercal (1960) e Wodwo (1967). Estas obras iniciais são sobretudo marcadas
por uma Natureza quase em estado selvagem e cujos animais se encontram em luta pela
sobrevivência. Esta impetuosidade da Natureza é adivinhada nalguns dos títulos dos poemas
53 Neil Corcoran, English Poetry Since 1940 (London: Longman, 1993) 116, 117.
33
O Olhar do Falcão
desta fase - como "The Jaguar", "Vampire", "Hawk Roosting" ou "Second Glance at a Jaguar"-
e Keith Sagar, por exemplo, refere-se à temática desta poesia declarando:
In nearly all his poems Hughes strives to find metaphors for his
own nature. And his own nature is of peculiar general interest not
because it is unusual, but because it embodies in an unusually intense,
stark form the most typical stresses and contradictions of human
nature and of Nature itself.54
É Keith Sagar quem aponta a década de sessenta como o ponto de viragem na poesia
hughesiana, defendendo este crítico que o poeta começa então a preocupar-se em descrever a
Natureza de uma perspectiva ecológica. Esta mudança é igualmente acentuada por outros
autores, como é o caso de Leonard M. Scigaj que sustenta: "Hughes's poetry since the mid-
1960s has been intimately concerned with viewing Nature from an ecological perspective."5'
Sagar advoga ainda que esta "nova" Natureza hughesiana passa a ser celebrada como deusa56 e
54 Sagar, Ted Hughes, 4. 55 Sagar, ed., The Challenge of Ted Hughes, 160. Mais adiante neste mesmo capítulo, Scigaj prossegue:
"Hughes in his poetry has been suggesting such a change for the past twenty years. Reverence for the nurturing powers of organic Nature and respect for the intrinsic worth of all of Nature's creations have led Hughes to adopt a biocentric vision." (Sagar, ed., The Challenge of Ted Hughes, 179.) Jonathan Bate também se refere a este assunto declarando: "[...] Hughes in his later years became increasingly angry about the violence wrought by man upon nature. He cared deeply about the pollution of the countryside and the decimation of Britain's wildlife population." [Jonathan Bate, The Song of the Earth (Cambridge & Massachusetts: Harvard University Press, 2000) 27.]
56 Dennis Walder, num capítulo intitulado "Back to Mother Nature", fala também desta viragem da poesia hughesiana. Walder fala de "(...) [a] delightful, vividly sensual celebration of the goddess Nature in Season Songs". [Dennis Walder, Open Guides to Literature: Ted Hughes (Philadelphia: Open University Press, 1987) 82.] O autor prossegue defendendo Hughes perante a crítica que o aponta como poeta da violência e argumenta: "In effect what he [Hughes] was doing, was taking us back to the goddess Nature: the aggressive, masculine, satiric view so forcibly embodied in these sequences [Crow, Gaudete and Cave Birds]is countered by a lighter, gentler and more feminine strain, which emerges with the publication of Season Songs". (Walder, Open Guides to Literature, 80.)
Também Craig Robinson caracteriza a Natureza hughesiana chamando-a: "[...] the goddess we meet everywhere in River and in Hughes' later vision of nature." [Craig Robinson, Ted Hughes as Shepherd of Being
34
O Olhar do Falcão
como elemento criador em detrimento de uma caracterização da Natureza como elemento
masculino e destruidor que havia apresentado até então.
III.
Apesar de a Natureza ser um tema recorrente na produção poética de Hughes, existem
quatro obras em que os críticos - e daqui destaco Leonard M. Scigaj - são unânimes em afirmar
que a Natureza é vista especificamente de uma perspectiva biocêntrica ou ainda ecológica:
Season Songs (1976), Remains ofElmet (1979)57, River (1983) e Flowers and Insects (1986).
Essa abordagem do tema é feita de dois modos distintos: ora pela divinização da Natureza em
oposição à quase insignificância da presença humana nos espaços naturais, ora ainda pelo
lamento dos malefícios causados pelo ser humano sobre aqueles.
Season Songs, a colectânea primeira deste conjunto e pelos críticos catalogada como
literatura infantil, exemplifica a posição biocêntrica que a Natureza por vezes ocupa na obra
hughesiana. Brian Patten destaca-a relativamente a outras construções poéticas de Hughes,
valorizando no poeta a sua capacidade de observação dos espaços naturais e a transmissão aos
menos atentos daquilo que foi observado:
(New York: St. Martin's Press, 1989) 207.] 57 Esta obra foi posteriormente publicada sob outro título: Elmet. Fay Godwin, num capítulo intitulado
"Ted Hughes and Elmer traça a história da publicação de Elmet: "In 1994, in spite of Faber's reluctance, because of the cost of reproducing the photographs, a completely new edition called Elmet was published, with about one-third new pictures and poems, much better designed and produced." (Gammage, ed., The Epic Poise, 106.) E ainda Godwin, no mesmo artigo, quem relata a posição de Hughes relativamente a Elmet: "that's our classic so we'll keep it in print."
35
O Olhar do Falcão
In Hughes's nature poems - specially those in Season Songs -
there is an intensity of seeing (...)• To see the natural world so closely
and to be able to pass this information on to the less observant in a
way that is memorable is one of his major gifts, and one that those of
us whose vision is blunted by hurry or enclosed in an urban
environment ought to be grateful for.58
Também Craig Robinson realça essa mesma capacidade de observação de Hughes e refere:
"March Morning Unlike Others", in Season Songs (1976),
offers a mood new in Hughes. It starts with the poetry of observation,
simple registrations, aiming only to offer up such particulars as seem
noteworthy and necessary to the definition and evocation of the
essence of this day.59
Do meu ponto de vista, de facto Season Songs oferece retratos pormenorizados de uma Natureza
pouco ou nada hostil, como na primeira fase da obra poética hughesiana, e evidencia uma
Natureza com características singulares em quatro momentos distintos - na Primavera, no Verão,
no Outono e no Inverno. Esta divisão em momentos desiguais foi feita pelo próprio autor que
se preocupou em agrupar os textos líricos tendo as estações do ano como delimitadoras e
diferenciadoras desses momentos. Os poemas divinizam a Natureza, em geral, ou certos
elementos desta, em particular, de forma a mostrar toda a sua magnitude face ao homem. Há
ainda a sobrelevar o facto de os elementos naturais se encontrarem em harmonia e a Natureza
evidenciar uma capacidade de regeneração sublime, nomeadamente no poema "March Morning
Unlike Others", do qual cito a última estrofe:
58 Gammage, ed., The Epic Poise, 72.
59 Robinson, Ted Hughes as Shepherd of Being, 199.
36
O Olhar do Falcão
The earth invalid, dropsied, bruised, wheeled
Out into the sun,
After the frightful operation.
She lies back, wounds undressed to the sun,
To be healed,
Sheltered from the sneapy chill creeping North wind,
Leans back, eyes closed, exhausted, smiling
Into the sun. Perhaps dozing a little.
While we sit, and smile, and wait, and know
She is not going to die.60
Também a importância da união harmoniosa do ser humano com a Natureza não foi esquecida
e esta última é vista como figura maternal ou como fonte de vida para com o primeiro. E isto que
expressa, por exemplo, o poema "The Golden Boy":
In March he was buried
And nobody cried
[...]
But the Lord's mother
Full of her love Found him underground
And wrapped him with love As if he were her baby
Her own born love She nursed him with miracles
And starry love And he began to live
And to thrive on her love61
60 Ted Hughes, Season Songs (London & Boston: Faber and Faber, 1985) 17. Versos 13-22.
61 Hughes, Season Songs, 51, 52. Versos 1 - 20.
37
O Olhar do Falcão
De resto, relativamente à presença humana, esta é quase inexistente, exceptuando algumas
referências num número reduzido de poemas. É o caso do final da obra através de "The Warm
and the Cold". Este poema, cujo título anuncia um contraste que será desenvolvido no seu
corpus, retrata um entardecer invernal - "Freezing dusk"62 - e enumera quase exaustivamente
animais e outros elementos do espaço natural enquadrados de forma harmoniosa na Natureza.
Os três versos finais, antagonicamente ao até então referido no poema, expressam: "The sweating
farmers/Turn in their sleep/Like oxen on spits."63 Como se pode concluir após leitura do excerto,
há aqui uma certa sugestão da insignificância e impotência da presença humana relativamente ao
espaço natural. O sono desassossegado destes agricultores contrasta com o aconchego
encontrado pelos animais na Natureza e, através da comparação "Like oxen on spits", revela-se
um certo desenquadramento por parte do homem no espaço natural.
A segunda obra deste conjunto - Remains of Elmet64 - também é objecto de referência
como exemplificativa da Natureza tratada de forma biocêntrica e ecológica. Uma vez mais cito
62 Hughes, Season Songs, 88. Verso 1.
63 Hughes, Season Songs, 88. Versos 41 - 43.
64 O título escolhido por Ted Hughes é objecto de estudo por parte de alguns críticos. Elmet é um topónimo particularmente importante pois é uma antiga designação celta para uma parte do West Yorkshire, local onde Hughes passou muito tempo da sua infância (ver Sagar, ed. The Challenge of Ted Hughes, 171.) O próprio Ted Hughes, em notas a Ted Hughes (Poems), and Fay Godwin (Photographs), Elmet (London & Boston: Faber and Faber, 1994) 9 e Ted Hughes, Three Books: Remains of Elmet, Cave Birds, River (London: Faber and Faber, 1993) 181, explicou: "Elmet is still the name on maps for a part of West Yorkshire that includes the deep valley of the upper Calder and its watershed of Pennine moorland. These poems confine themselves to the upper Calder and the territory roughly encircled by a line drawn through Halifax (on the east), Keighley (on the north-east), Colne (on the north-west), Burnley (on the west), and Littleborough (on the south-west): an 'island' straddling the Yorks-Lancs border, though mainly in Yorkshire, and centred, in my mind, on Heptonstall. Elmet was the last independent Celtic kingdom in England and originally stretched out over the vale of York. I imagine it shrank back into the gorge of the upper Calder under historic pressures, before the Celtic survivors were politically absorbed into England."
Leonard M. Scigaj refere-se ainda ao significado de "Elmet" para Hughes ao afirmar: "Elmet [...] became in Hughes's imagination a live ecological system that imprinted its landscape and weather upon all inhabitants." (Sagar, ed., The Challenge of Ted Hughes, 171.)
38
O Olhar do Falcão
Leonard M. Scigaj que salienta:
In Remains of Elmet the ecology of the Pennines, not the
human observer, is the protagonist. A main theme concerns the hope
that the decomposition cycle in the ecosystem will one day turn all
evidence of the Industrial Revolution and its penurious culture into
fertile soil for future renewal. [...]
In Remains of Elmet Hughes expresses the hope that the strong
base of Nature's pyramid can outlast the ecologically unsound myths
that direct contemporary Western culture.65
Contrariamente a Season Songs, o que Hughes oferece em Remains of Elmet é um lamento pela
ascensão da Revolução Industrial e, resultante desta, o declínio das indústrias tradicionais e
colapso das comunidades que eram responsáveis por essas mesmas indústrias. O poema
"Shackleton Hill", o qual evidencia imagens de abandono das quintas e consequente inactividade
nas mesmas, exemplifica esta posição hughesiana:
Dead forms, dead leaves Cling to the long Branch of world.
Stars sway the tree Whose roots Tighten on an atom.
The birds, beautiful-eyed, with soft cries,
The cattle of heaven,
Visit
65 Sagar, ed., ne Challenge of Ted Hughes, 171.
39
O Olhar do Falcão
And vanish.'
"The Sheep Went on Being Dead" também se aproxima tematicamente do poema supracitado.
Como o próprio título anuncia, este texto lírico é um relato de morte no espaço natural, morte
essa descrita da seguinte forma:
It was a headache To see earth such a fierce magnet Of death. And how the sheep's baggage
Flattened and tried to scatter, getting flatter
Deepening into that power And indrag of wet stony death.
Time sweetens The melting corpses of farms The hills' skulls peeled by the dragging climate -67
De forma semelhante, outros poemas vão mostrando vestígios de um espaço natural que foi
gradualmente morrendo devido à acção humana. É o caso de "First, Mills" que se refere
explicitamente aos danos provocados pelo comboio sobre a Natureza:
[...] Then the bottomless wound of the railway station
That bled this valley to death.
66 Hughes, Three Books, 41. Versos 1-10. 67 Hughes, Three Books, 31. Versos 9 -17. Em Elmet o poema é ilustrado com uma fotografia do cadáver
daquilo que aparenta ser uma ovelha. Ver Hughes (Poems), and Godwin (Photographs), Elmet, 62.
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O Olhar do Falcão
The fatal wound.
[...]
Then the hills were requisitioned
For gravemounds.
The towns and the villages were sacked.68
Antagonicamente a Remains ofElmet, a terceira obra de destaque neste capítulo - River
-, celebra a vida e a renovação da Natureza sobretudo centrada no espaço fluvial69 e, como
aponta Craig Robinson, essa Natureza é descrita como sendo um elemento feminino : "The female
personification of the landscape is frequent, especially in River (1983)".70 Outras considerações
se tecem em torno de River: Leonard Scigaj defende que a obra é fruto de duas décadas de
meditação por parte de Hughes sobre o significado e a importância da Natureza nas vivências do
ser humano71; outros estudiosos da obra hughesiana apontam apenas os interesses comerciais do
patrocinador de River no uso da imagem ambientalista deTed Hughes. É o caso de Tom Paulin
que advoga:
68 Hughes, Three Books, 8. Versos 4 - 12. Em Elmet, Fay Godwin ilustrou este poema com uma fotografia de um espaço que lembra unicamente a morte: túmulos cobertos de neve. [Hughes (Poems), and Godwin (Photographs), Elmet, 23.]
69 A corroborar esta minha afirmação leia-se o que Leonard M. Scigaj constata: "The sequence celebrates ecological renewal in the hydrological cycle as well as the conservation and renewal of spiritual energy in the life-and-death cycle shared by all Nature. [...] Each poem in River contains images of unspoiled Nature." ( Sagar, ed., The Challenge of Ted Hughes, 173.) Outro crítico - Craig Robinson - advoga que River tern as suas origens nas primeiras obras hughesianas já que o fascínio deste autor pela água se fez sentir ao longo da consolidação do seu papel como autor (Veja-se Robinson, Ted Hughes as Shepherd of Being, 203.)
Dennis Walder fala de River como tendo na sua génese uma expedição ao Alaska - feita por Hughes e pelo seu filho - com o objectivo de pescar. (Ver Walder, Open Guides to Literature, 87 - 88.)
70 Robinson, Ted Hughes as Shepherd of Being, 201.
71 Scigaj, ed., Critical Essays on Ted Hughes, 27.
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O Olhar do Falcão
This ambitious wish to draw together history, the natural
environment and human enterprise can be seen most clearly in River, a collection of poems by Hughes which was published in 1983 with
funding from British Gas and the Countryside Commission. The
volume is a commercial for British Gas's environment friendliness,
though it also celebrates fish-farming, a process now regarded as
ecologically damaging. The glossy appearance of River and the colour
photographs it contains make it resemble a coffee-table book.72
Penso que, de facto, a obra pode ter sido usada com o propósito que acusa Paulin, mas, no que
concerne à posição do seu autor, ela assume-se como materialização das preocupações
ambientais do cidadão Ted Hughes.
Embora de forma menos evidente - porque o autor não efectuou uma divisão dos
poemas tal como havia feito em Season Songs - em River a vida é semelhantemente celebrada
de forma cíclica. A agitação no rio e nas suas margens é retratada nas diferentes estações do ano,
iniciando-se e tenriinando no Inverno. A exaltação da capacidade de renovação da Natureza faz
com que esta se apresente ao leitor como eterna e o poema "The Vintage of River is Unending"
testifica esta minha afirmação:
Grape-heavy woods ripen darkening
The sweetness.
Tight with golden light
The hills have been gathered.
72 Tom Paulin, "Ted Hughes: Laureate of the Free Market?", The Kenneth Allott Lectures, Liverpool, 1 Nov. 1990, 18. Sublinhado meu.
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O Olhar do Falcão
Granite weights of sun.
Tread of burning days.
Unending river
Swells from the press
To gladden men.73
É ainda de destacar que é no poema de fecho da obra - "Salmon Eggs" - que Hughes inclui o
tantas vezes citado verso que caracteriza River. "Only birth matters". O final mostra também o
triunfo da Natureza na entidade personificada do rio. A acompanhar "Salmon Eggs" está uma
fotografia de Peter Keen e, nas últimas páginas da obra, em jeito de notas explicativas das
fotografias, um pequeno texto revela que é possível a convivência homem/Natureza sem qualquer
malefício mútuo74. Ann Skea refere-se a esta fotografia final como: "[...] a fitting conclusion to
the River sequence, Keen's photograph of the unscarred serenity of the River Exe [...] beautifully
demonstrates that people can work in harmony with Nature".75 Contudo, a crítica não é unanime
relativamente a este assunto. É o caso de Dick Davis que advoga: "[...] the Peter Keen color
photographs [...] contribute little to the reader's appreciation or understanding of the poems,
unlike the Baskin drawings of the flayed, afflicted spirit in Cave Birds or Fay Godwin's austere,
brooding black-and -white photographs in Elmet."76
73 Ted Hughes (Poems), and Peter Keen (Photographs), River (London & Boston : Faber and Faber, 1983) 66. Versos 1 - 9.
74 Na nota que acompanha a fotografia pode ler-se o seguinte: "The River Exe at a British Gas pipeline crossing. In this case, as with all other river crossings, no scars are evident in the landscape and great care is taken not to disturb the life-cycle of the river bed." [Hughes (Poems), and Keen (Photographs), River, 128.]
75 Skea, Ted Hughes, 234.
76 Scigaj, ed., Critical Essays on Ted Hughes, 27.
43
O Olhar do Falcão
Relativamente à última das obras deste conjunto - Flowers and Insects77 - há igualmente
a concepção da Natureza vista de uma perspectiva biocêntrica apontada, designadamente, por
Scigaj.78 Porém, quando comparada com outras obras, há algo que a distingue e que autores
como Craig Robinson apontam: "In Flowers and Insects the blooms, like animals in other
collections, function as the representatives of the goddess [Nature]."79 É o que mostra o poema
"Sketch of a Goddess" que, tal como em outras obras poéticas hughesianas, também retrata
relações de força entre seres:
We have one Iris. A Halberd Of floral complications. Two blooms are full, Floppily opened, or undone rather.
Royal Seraglio twin sisters, contending For the Sultan's eye. Even here One is superior. Rivalry has devastated Everything about them except The womb's temptation and offer.80
77 A edição aqui usada foi Ted Hughes (Poems), and Leonard Baskin (Drawings), Flowers and Insects: Some Birds and a Pair of Spiders (London & Boston: Faber and Faber, 1986.) Tal como anteriormente aconteceu noutras obras, Hughes faz acompanhar dos poemas desenhos de Leonard Baskin que, como se indica na capa desta edição oferecem uma visão paralela e complementar dos textos: "The sequence of drawings by Leonard Baskin expresses an equally powerful vision, parallel and complementary to that of the poems it accompanies."
78 "[...] in recent collections his [Hughes's] biocentric vision remains strong and unwavering. The poems of Flowers and Insects (1986), [...], do not relegate Nature to a function of human perception [...]. Instead the humble inquiry into the survival struggles ofNature' s non-human species continues." ( Sagar, ed., The Challenge of Ted Hughes, 175.)
79 Robinson, Ted Hughes as Shepherd of Being, 211.
80 Hughes (Poems), and Baskin (Drawings), Flowers and Insects, 36. Versos 1 - 10.
44
O Olhar do Falcão
Não se quer com isto afirmar que em Flowers and Insects a Natureza deixa de ser representada
por animais, até porque são anunciados no próprio título da colecção; o que se pretende afirmar
é que as flores têm nos poemas um papel de maior destaque: elas são os elementos naturais
preferidos para celebrar a vida no espaço natural e para mostrar a Natureza como deusa.
Os críticos referem sobre os poemas aquilo que pode ser visto como caracterizador da
obra: "The poems express intimate connections between human personae and non-human species,
most often to reveal a community of joy, suffering and mortality without condescension or
sentimentality."81 O espaço natural é celebrado em toda a sua plenitude, sem quaisquer vestígios
da intervenção humana, como demonstra, por exemplo, o poema de abertura "Narcissi":
The Narcissi shiver their stars In the green-gold wind of evening sunglare.
Their happiness is weightless. Their merriment is ghostly.
[...]
The Narcissi are untouchable
They will never be hurt.82
Este tratamento ecológico e biocêntrico a que se oferece a leitura das obras hughesianas
mencionadas leva alguns críticos a reconhecê-las como tendo vima importante componente
81 Sagar, ed., The Challenge of Ted Hughes, 176.
82 Hughes (Poems), and Baskin (Drawings), Flowers and Insects, 9. Versos 1-21.
45
O Olhar do Falcão
didáctica, a apontar-lhes a ambição de intervir na formação humana. É por este motivo que
Scigaj declara: "His [Hughes's] poetry, a beacon directing us towards ecological and spiritual
renewal, is vitally important for the survival of our planet."83 Neste contexto, a obra de Ted
Hughes atinge o objectivo a que se propos o autor numa segunda fase da sua obra poética:
sensibilizar e educar o leitor para as questões ecológicas e de preservação do meio ambiente.
Sagar, ed., The Challenge of Ted Hughes, 179.
46
Ill - Retratos de Pormenor
7/ is one of those curious facts that when two things
are compared in a metaphor or simile, we see both of them
much more distinctly than if they were mentioned separately
as having nothing to do with each other.
Ted Hughes84
Hughes seems happy simply to let his eyes rest where
they are drawn and then to list what he has seen.
Craig Robinson85
84 Hughes, Poetry in the Making, 44.
85 Robinson, Ted Hughes as Shepherd of Being, 200.
O Olhar do Falcão
I.
Como anteriormente se indicou, esta dissertação tem como objectivo estudar na
poesia hughesiana a representação visual de um real considerado nas suas formas animais
mais diminutas. Não obstante, antes de fazê-lo optei por introduzir uma secção breve cujo
propósito é apresentar aquelas presenças animais que são as figuras de destaque dos poemas
que constituem o corpus desta dissertação, bem como caracterizar o tipo de relação
estabelecida entre estas e o espaço natural em que são retratadas. Assim, centrar-me-ei nesta
secção numa apresentação do corpus, para seguidamente dirigir a minha atenção para a
representação desses animais.
Para proceder à apresentação já aqui mencionada optei, quando possível, por formar
pequenos grupos de poemas. Esta formação de grupos, preparando embora a leitura de
pormenor nas páginas que se seguem, não terá de ser observada de modo rigoroso e
absoluto no estudo particularizado dos poemas: o meu propósito nesta secção introdutória
é, tão somente, apontar grandes vectores da leitura.
As presenças animais nos poemas do corpus são, para além de dimensionalmente
diminutas, bastante variadas. O leitor está em presença de animais das mais variadas espécies
começando pela borboleta - nos poemas "The Red Admiral"86 e "Two Tortoiseshell
86 A edição usada foi Ted Hughes (Poems), and Chris Riddell (Illustrations), The Iron Wolf '(London & Boston: Faber and Faber, 1995) 31. Devo referir que este foi um poema originalmente publicado em Ted Hughes (Poems), and R. J. Lloyd (Paintings), The Cat and the Cuckoo (s. 1.: Sunstone Press, 1987).
49
O Olhar do Falcão
Butterflies"87 - e terminando, por exemplo, na abelha - "The Honey Bee"88 e "Bees"89 -, mas
sem deixar de passar pela libelinha e outros dos seus parentes - "Dragonfly"90,
"Performance"91, "A Cranefly in September"92, "Saint's Island"93 e "The Mayfly is Frail"94
-, pelo gafanhoto - "In the Likeness of a Grasshopper"95-, pelo caracol - "Snail"96 -, pela
formiga e a pulga - "Ants"97 e "Sandflea"98 -, pela mosca e o mosquito - "Caddis"99, "The
87 Hughes (Poems), and Baskin (Drawings), Flowers and Insects, 19-21.
88 Hughes (Poems), and Baskin (Drawings), Flowers and Insects, 39.
89 Ted Hughes (Poems), and Lisa Flather (Illustrations), What is the Truth? (London & Boston: Faber and Faber, 1995)51,52.
90 Hughes (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 31. Poema primeiramente publicado em Hughes (Poems), and Lloyd (Paintings), The Cat and the Cuckoo.
91 Ted Hughes, A March Oz//(London & Boston: Faber and Faber, 1995) 70, 71. Este poema é uma versão ligeiramente alterada do poema "Last Act" [Hughes (Poems), and Keen (Photographs), River, 96.] Esta versão aqui por mim usada foi primeiramente publicada em Hughes, Three Books.
92 Hughes, A March Calf, 84, 85. O poema foi pela primeira vez publicado em Ted Hughes, Season Songs (London: The Rainbow Press, 1974).
93 Hughes, (Poems), and Baskin (Drawings), Flowers and Insects, 26-31.
94 Hughes, A March Calf, 94. Poema publicado inicialmente em Hughes, Three Books.
95 Hughes, (Poems), and Baskin (Drawings), Flowers and Insects, 41.
96 Hughes, (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 30. Poema pela primeira vez publicado em Hughes (Poems), and Lloyd (Paintings), The Cat and the Cuckoo.
97 Hughes, (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 58, 59.
98 Hughes, (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 6. Poema originalmente publicado em Ted Hughes (Poems), and R. J. Lloyd (Watercolours), The Mermaid's Purse (s. 1.: Sunstone Press, 1993).
99 Hughes, A March Calf, 48. Publicado primeiramente em Ted Hughes, Three River Poems (s. 1. : The Morrigu Press, 1981).
50
O Olhar do Falcão
Fly"100, "Buzz in the Window"101, "Gnat-Psalm"102 e "Mosquito"103-, pela aranha -
"Eclipse"104 e "Spider"105 - e, finalmente, pela minhoca - dois poemas sob o título de
"Worm"106 e "Ragworm"107.
Relativamente ao primeiro grupo de poemas mencionado - sobre a borboleta - esta
é sobretudo louvada pela sua beleza física, mas não deixa também de ser engrandecida num
momento particular da sua existência: em todo o processo de sedução que se desenrola em
torno do acto de acasalamento. Esta união entre dois seres e o erotismo envolvido é
retomada no poema "Eclipse" sendo, desta vez, duas aranhas as entidades escolhidas. A
união chega ainda a tomar forma no casamento que se metaforiza no poema "Bees", em que
Hughes usa a imagem do casamento para celebrar o congregar das abelhas no processo final
do fabrico de mel, celebração essa uma vez mais recuperada no outro poema sobre este
mesmo animal.
100 Hughes (Poems), and Riddell (Illustrations), What is the Truth?, 61-63.
101 Hughes, A March Calf, 89, 90. Poema pela primeira vez publicado na obra Ted Hughes, Moortown (London & Boston: Faber and Faber, 1979).
102 Ted Hughes, The Thought-Fox (London & Boston: Faber and Faber, 1995) 7 - 9. Este poema foi pela primeira vez publicado em Ted Hughes, Wodwo (London: Faber and Faber, 1967).
103 Hughes, A March Calf, 14. Este poema surgiu pela primeira vez em 1980 e foi publicado isoladamente; a segunda vez que veio a público foi através da obra Ted Hughes (Poems), and Leonard Baskin (Drawings), Under the North Star (New York: The Viking Press, 1981).
104 Hughes (Poems), and Baskin (Drawings), Flowers and Insects, 46- 51. Este poema foi originalmente publicado isolado.
105 Hughes (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 81.
106 Este título refere-se a dois poemas distintos: Hughes (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 25 [a sua primeira publicação ocorreu em Hughes (Poems), and Lloyd (Paintings), The Cat and the Cuckoo] e Hughes (Poems), and Riddell (Illustrations), What is the Truth?, 111,112.
107 Hughes (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 14. Primeiramente publicado em Hughes (Poems), and Lloyd (Watercolours), The Mermaid's Purse.
51
O Olhar do Falcão
Nos poemas que dizem respeito à libelinha e aos seus parentes, há a evidenciar,
para além da beleza destes seres, a sua capacidade de metamorfose e o deslumbramento do
sujeito poético perante o engenho de sobrevivência de seres aparentemente frágeis num
ambiente natural deveras hostil. Este deslumbramento manifesta-se na valorização desses
animais, não só na forma como são descritos, mas também na própria aparência gráfica,
como os substantivos redigidos com letra maiúscula, prática esta pouco usual em língua
inglesa. A temática da capacidade de sobrevivência de seres aparentemente frágeis é ainda
retomada no poema "Mosquito" no qual as transmutações e os ambientes hostis são
obstáculos superados no final do texto lírico.
Não obstante, nem sempre as descrições dos seres se limitam a salientar a sua
beleza, chegando a existir circunstâncias em que Hughes se preocupou em descrever figuras
deselegantes. É o caso do poema "In the Likeness of a Grasshopper" bem como do poema
"Caddis", onde as figuras animais descritas são retratadas como desajeitadas ou mesmo
obstáculos à sua própria existência.
Sobressaem ainda do corpus desta dissertação alguns momentos em que a surpresa
resulta da representação como belo do que habitualmente é visto como incomodativo. Se
pensarmos nos movimentos importunos do mosquito e no poema "Gnat-Psalm" esta
afirmação faz todo o sentido, já que a agitação desta presença animal é representada
simultaneamente como dança e como cântico. Também por vezes o autor parte do que em
regra é desagrado - como o facto de a maioria das pessoas sentir vima certa repugnância
por aranhas - para contrariar esse juízo e a correspondente expectativa. "Spider" exemplifica
esta afirmação centrando-se, a dada altura do poema, naquele que é considerado como um
52
O Olhar do Falcão
dos artefactos naturais mais belos: a teia da aranha. Outras vezes há ainda um tom irónico,
mas simultaneamente inovador, na forma como determinada presença animal é descrita. E
o caso do poema "The Fly", o qual inverte aquele que é o retrato do inspector sanitário
comummente aceite e o projecta no animal que dá título ao poema enquanto vai
enumerando alguns aspectos que justificam a analogia.
Noutros momentos do corpus há uma valorização de um mundo no qual os mais
fortes se sobrepõem aos mais fracos. Este assunto é claro no poema "Buzz in the Window"
o qual mostra a morte como consequência da intrusão de uma mosca no território de uma
aranha, bem como um certo êxtase por parte desta última quando o seu instinto predador
é concretizado.
Ted Hughes centra-se, por vezes, nos movimentos frenéticos de alguns seres no seu
ambiente natural, como acontece no poema "Ants" e, pela escolha dos verbos e adjectivos,
o próprio poema assume um tom frenético. Noutros momentos, os poemas são meros relatos
de algo harmonioso no reino animal presenciado pelo eu poético. Isto é visível num poema
publicado em What is the Truth? - que intitulei "Worm". Outras vezes, o autor dá voz aos
animais retratados e o poema é, nestes casos, percepcionado como a canção desse animal.
Isto é particularmente evidente em "Sandflea", um canto de tons exacerbados e alegres, em
"Worm" e "Ragworm", poemas que contrastam com o anterior por adoptarem um tom de
lamento, tristeza e mesmo alguma melancolia.
Algo de recorrente na obra hughesiana e nalguns poemas do corpus, em particular,
é o recurso a elementos gigantescos do reino animal para contrastar com as figuras
reduzidas descritas. Isto é particularmente notório em "Snail" que, logo de início, aproxima
53
O Olhar do Falcão
o caracol da baleia estabelecendo o autor semelhanças entre a pele destes dois animais de
dimensões antinómicas. Este elemento de comparação causa de imediato estranheza no leitor
pois, como é do conhecimento geral, o caracol é um de entre um grupo restrito de animais
que não têm pele.
Embora variadas, todas estas formas de apresentação e representação animal
evidenciam a capacidade de Hughes em retratar minuciosamente um mundo que
habitualmente é inobservado e usá-lo como representativo da Natureza. Os animais dos
poemas do corpus distinguem-se sobretudo pelas suas características singulares, mas também
pela relação que estabelecem com o espaço natural. Essa relação toma contornos muito
distintos nos vários poemas. Existem alguns - "Eclipse", "Buzz in the Window" e "The Fly"
- nos quais o espaço onde os animais estão inseridos não é natural, mas sim criado pelo
homem, tal como antecipa o segundo destes dois títulos. Contudo, este espaço em nada é
prejudicial à actividade das figuras dos poemas e a presença humana não é vista como
elemento perturbador. Mas esta não é a posição predominante nos textos do corpus e, por
vezes, a presença humana é perturbadora da harmonia da relação animal/Natureza. É o que
evidencia o poema "Worm":
And I was like Satan, for they suddenly took fright.
Their loving was chilled at the touch of my stare -
O I almost could hear it, their cry of despair108
Hughes (Poems), and Flather (Illustrations), What is the Truth?, 112.
54
O Olhar do Falcão
Outros poemas existem nos quais o espaço no qual as presenças animais se
movimentam nem sequer é nomeado ou referido. E o caso de "The Red Admirai",
"Ragworm", "Spider", "Ants" e "Bees". Isto porque o mais importante nestes textos líricos
é o louvor atribuído à beleza destes animais ou a algumas tarefas particulares por eles
efectuadas. O espaço natural surge, por vezes, como acolhedor, um espaço no qual as
entidades representadas no poema estão em harmonia e completamente inseridas. São disso
exemplo os poemas "Two Tortoiseshell Butterflies", "Worm", "Snail", "The Honey Bee" e
"In the Likeness of a Grasshopper" nos quais, do meu ponto de vista, a Natureza é vista
no seu papel de mãe e protectora.
Outras configurações da Natureza há ainda aqui a destacar: por vezes, o espaço
natural retratado é um local muito específico. Em "Dragonfly", "The Mayfly is Frail",
"Caddis" e "Performance", por exemplo, o espaço escolhido foi o rio; outras vezes a
Natureza é retratada como agressiva, mas, face à capacidade de sobrevivência do ser, este
rende-se àquela - "Mosquito"; outras vezes ainda é o próprio animal que desafia as forças
naturais, mas no final é revelada a sua inferioridade - "Sandflea"; também por vezes a
Natureza é vista como o local predilecto para recuperar energias - "A Cranefly in
September".
Apresentadas estas caracterizações e formas distintas de ver os animais no espaço
natural, passo a desenvolver, já de seguida, as diferentes formas usadas por Hughes para
representar esses mesmos animais.
55
O Olhar do Falcão
II.
Esta segunda secção deste capítulo tem como propósito oferecer, de uma forma mais
sistemática, uma leitura dos poemas que compõem o corpus desta dissertação na perspectiva da
representação das figuras em destaque nos poemas, perspectiva esta que mais parece ser
auxiliada por uma câmara. Não obstante, o tratamento que darei aos poemas não visa esgotar
a sua leitura, e a forma como foram agrupados é uma das possíveis num vasto leque de escolha.
Devo alertar, porém, que, do meu ponto de vista, estes poemas não podem ser estudados
isoladamente, uma vez que uma leitura atenta mostra que existem assuntos e perspectivas de
representação recorrentes: os animais, para além de serem de dimensões reduzidas - devo
acrescentar que, por vezes, são quase invisíveis a olho nú - estão quase sempre inseridos num
espaço e num tempo específicos. A minha preocupação nesta secção é unicamente a de agrupar
os poemas e mostrar as técnicas de representação adoptadas por Ted Hughes.
Hughes adopta várias estratégias para representar os animais de dimensões mais
diminutas. Num primeiro grupo de poemas constituído por "Eclipse", "Buzz in the Window" e
"Two Tortoiseshell Butterflies", o leitor está perante descrições tão pormenorizadas que podem
até ser vistas como produto da ajuda de uma lupa ou da focagem de uma câmara que ora se vai
aproximando, ora distanciando da cena observada. "Eclipse" revela, desde o seu início, um eu
poético que observa, não tendo as figuras observadas consciência da presença do observador:
"For half an hour, through a magnifying glass,/!'ve watched the spiders making love
undisturbed,/Ignorant of the voyeur, horribly happy." (1 - 3). O poema constrói-se, então, em
torno daquilo que foi observado. A descrição evidencia a preocupação do autor em mostrar ao
56
O Olhar do Falcão
leitor a ordem exacta dos acontecimentos que foi presenciando. Isto é particularmente evidente
na forma como inicia a representação: "First in the lower left-hand corner of the window/I saw
an average spider stirring." (4, 5)109 Há depois o desvio do olhar do sujeito poético e a
concentração no ambiente de onde surge uma das presenças animais, chegando este ambiente
a lembrar mesmo um cemitério:
There
In a midden of carcases, the shambles
Of insects dried in their colours,
A trophy den of uniforms, reds, greens,
Yellow-striped and detached wing-frails, last year's
Leavings, parched a winter, scentless-heads,
Bodices, corsets, leg-shells, a crumble of shards
In a museum of dust and neglect, there
In the crevice, concealed by corpses in their old wrappings,
A spider has come to live.110
Não esquecendo, porém que o número de animais referidos neste poema é dois, a estrofe
seguinte dá conta do aparecimento da outra figura em destaque no poema: "I saw her moving.
Then a smaller,/Just as ginger, similar all over,/Only smaller. He had suddenly appeared." (1-3).
Introduzidas as figuras animais no cenário há seguidamente uma descrição minuciosa dos
movimentos que se assemelham a uma dança, como refere o próprio poema:
Upside down, she was doing a gentle
109 Sublinhado meu.
110 Hughes (Poems), and Baskin (Drawings), Flowers and Insects, 46. Versos 5 - 14.
57
O Olhar do Falcão
Sinister dance. All legs clinging
Except for those leading two, which tapped on the web,
[...] Upside down, head under, belly towards her.
Motionless, except for a faint And just-detectable throb of his hair-leg tips.
She came closer, upside down, gently,
And enmeshed his forelegs in hers.111
Apesar de esta descrição ser já, do meu ponto de vista, extremamente meticulosa, o
verso 39 revela uma maior aproximação da cena por parte do sujeito poético: "I got closer to
watch." A explicação para tal atitude prende-se com a dificuldade de percepção por parte do
observador face ao observado: "Something/Difficult to understand, difficult/To properly observe
was going on." (39 - 41) É então que surge, uma vez mais, a descrição de algo quase impossível
de observar a olho nu, dirigindo-se o olhar, ora para os gestos da fêmea, ora para os do macho:
Her two hands seemed swollen, like tiny crab-claws.
[...]
He convulsed now and again.
Her abdomen pod twitched - [...]
Under his abdomen he had a nozzle -
Presumably his lumpy little cock,
As soon as she had it
A bubble of glisteny clear blue
Ballooned up from her nipper, the size of her head,
Then shrank back, and as it shrank back
She wrenched her grip off his cock
Hughes (Poems), and Baskin (Drawings), Flowers and Insects, 46, 47. Versos 21-37.
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O Olhar do Falcão
As if it had locked there, and doubled her fistful
Of shining wet to her jaw-pincers
And rubbed her mouth and underskin with it,
Six, seven stiff rubs, while her abdomen twitched,
Her tail-tip flirted, and he hung passive.
Then out came her other clutcher, on its elbow,
And grabbed his bud, and the gloy-thick bubble
Swelled above her claws, a red spur flicked
Inside it, and he jerked in his ropes.112
É importante ainda aqui destacar no poema a combinação de horror e sedução, de fascínio e
repulsa perante a fêmea devoradora. Esta leitura torna-se particularmente importante se
pensarmos nas relações complexas de Hughes com a feminilidade e na sua reputação de
misoginia.113
Tal como adiante é referido no poema, toda esta acção teve uma duração de meia hora.
No entanto, o real significado de toda esta agitação ainda é pouco claro para o observador: "It
was still obscure/Just what was going on."(83, 84) Quando, finalmente, o acto de acasalamento
parece ter chegado ao fim é com uma certa ansiedade que o eu poético deseja ver a famosa cena
de assassinato do macho protagonizada pela fêmea. Não obstante, o que realmente acontece não
se aproxima sequer do esperado: a fêmea, adoptando um procedimento de concentração do olhar
semelhante ao do observador, concentra-se num outro ponto particular - "she was
112 Hughes (Poems), and Baskin (Drawings), Flowers and Insects, 48,49. Versos 42 - 77.
113 Edward Larrissy fez um estudo minucioso da misoginia na obra de Hughes e concluiu:"There is much mysoginy in Hughes's earlier writings. It is in mysoginy that the misanthrope of 'Soliloquy of a Misanthrope' (from The Hawk in the Rain) finds the best reason for welcoming death." (Edward Larrissy, Reading Twentieth-Century Poetry: The Language of Gender and Objects (Oxford: Basil Blackwell, 1990) 127.) Mais adiante, Larrissy destaca: "The attitude to women remains markedly negative right up to the time, however, when Gaudete was written. Hughes's horrified fascination is well represented by 'Fragment of an Ancient Tablet', from Crow." (Larrissy, Reading Twentieth-Century Poetry, 129.)
59
O Olhar do Falcão
concentrating/On a V of dusty white" (97, 98). Desiludido, há um afastamento por parte do eu
do poema em relação a tudo aquilo que havia observado atentamente, mas apenas por breves
momentos: "So I stopped watching./Ten minutes later they were at it again." (123, 124)
Os últimos dez versos do poema, propostos como uma reflexão que decorre em
simultâneo com a limpeza dos vestígios da acção no cenário junto à janela, revelam uma
estratégia diferente de representação, pois concentram-se apenas nas interrogações do sujeito
poético: "Is she devouring him now?/Or are there still some days of bliss to come/Before he joins
her antiques." ( 128,130) É de salientar que, apesar de o poema ser o produto de algo observado,
há sempre a inclusão das reacções e juízos do sujeito poético face àquilo que vai descrevendo.
Isto está evidente em expressões como: "I thought" (24 e 88), "I imagined" (38). A acompanhar
este texto lírico, o desenho da autoria de Baskin mostra, de forma idêntica àquilo que foi
revelado no poema, aquele que parece ser um retrato ampliado e pormenorizado da figura
minúscula que é na realidade uma aranha.
Figura 1 '
Hughes (Poems), and Baskin (Drawings), Flowers and Insects, 47, 49.
60
O Olhar do Falcão
Num cenário semelhante ao do poema anterior, tal como o título deixa antever, "Buzz
in the Window" inicia-se com o olhar do sujeito poético centrado no cenário onde tudo irá
ocorrer e transmitindo ao leitor a ideia de que está perante algo que lembra um cemitério: "Fly
down near the corner/The cemetery den." (2, 3) Dirigindo o olhar para um ponto particular, é
então apresentada uma primeira presença animal do poema: "A big blue-fly/Is trying to drag a
plough, too deep" (3,4) Seguidamente, uma segunda presença animal é chamada à acção e, com
uma estratégia de representação semelhante à do poema anterior, o olhar do sujeito poético
concentra-se unicamente nas figuras em destaque no poema e uma descrição pormenorizada do
que se segue é oferecida:
The spider has gripped its anus. Slender talons Test the blue armour gently, the head Buried in the big game. He tugs Tigerish, half the size of his prey. A pounding Glory-time for the spider.115
À medida que o leitor vai avançando na leitura do poema descobre que este não é mais que a
descrição minuciosa do aprisionamento e consequente morte de uma mosca que é vencida por
uma aranha. Está Hughes neste poema a relatar algo que é comum na Natureza em geral, e no
reino animal em particular: a derrota dos mais fracos pelos mais fortes; mais do que isso, a
cedência do mais fraco, a sua entrega ao despedaçamento e à morte. Esta entrega salienta a
terrível sedução do ser predatório - a aranha - que, neste caso específico, é mais pequeno que a
presa - a mosca. Esta sedução e entrega pode ainda ser articulada com a relação proposta para
115 Hughes, A March Calf, 89. Versos 8 - 12.
61
O Olhar do Falcão
macho e fêmea evidenciada no poema anterior. Também a coberto de uma descrição e de um
relato aparentemente objectivos, Hughes projecta nestes poemas uma leitura das forças naturais -
e, indirectamente, das relações humanas - que atravessa toda a sua obra, como mostra o seguinte
excerto, no qual tem lugar a imputação aos insectos de atitudes humanas:
The blue-fly,
Without changing expression, only adjusting
Its leg-stance, as if to more comfort.
Undergoes ultimate ghastliness. Finally agrees to it.
The spider tugs, retreating. The fly
Is going to let it do everything. Something is stuck.
The fly is fouled in web. Intelligence, the spider,
Comes round to look and patiently, joyfully,
Starts cutting the mesh.116
O final do poema revela a satisfação do ser mais forte por, certamente, uma vez mais ter provado
a sua superioridade e ter consumado os seus instintos predatórios: "Returns/To the haul -
homeward in that exhausted ecstasy" (30, 31).
Enquanto nestes dois poemas o sujeito lírico se preocupou em retratar, logo de início,
as presenças animais no espaço físico, o último dos poemas deste grupo inicia-se mostrando ao
leitor a referência temporal: "Mid-May" (1). A expectativa primaveril que esta referência
comporta é contrariada pelos vestígios de uma austeridade invernal: "after May frosts that killed
the Camellias,/After May snow. After a winter/Worst in human memory, a freeze" ( 1 - 3). E após
esta descrição gélida do cenário que surge a apresentação das figuras em destaque no poema -
116 Hughes, A March Calf, 89. Versos 22 - 30. Sublinhado meu.
62
O Olhar do Falcão
"Now two/Tortoiseshell butterflies" (11,12)117 - que mais adiante o autor anuncia como sendo
um casal: "She drunk with the earth-sweat, and he/Drunk with her"( 13,14) 'I8. Há seguidamente
a adopção de uma estratégia de representação diferente; é como se o sujeito poético, ajudado por
uma objectiva, se centrasse nos espaços particulares por onde o casal apresentado vai circulando,
seguindo-o:
She prefers Dandelions,
Settling to nod her long spring tongue down
[...]
He settling behind her, among plain glistenings
Of the new grass119
É a partir daqui que ao leitor é oferecido um retrato bastante pormenorizado daquele que é o
ritual de cortejo de duas borboletas, para o qual o sujeito poético parece ter recorrido à técnica
cinematográfica de aproximação da câmara com o propósito de concentrar a atenção do leitor
em determinada cena:
Quivering to keep her so near, almost reaching
To store her abdomen with his antennae -
Then she's up and away, and he startingly
Swallowlike overtaking, crowding her, heading her
Off any escape. She turns that
117 A borboleta em destaque neste poema é uma Aglais urticae. Esta borboleta cujas cores são o preto, o laranja, o amarelo e o vermelho é a mais conhecida das borboletas coloridas na Grã-Bretanha pois é uma presença assídua nos jardins. Ver Michael Easterbrook, Butterflies of the British Isles: The Nymphalidae (Aylesbury: Shire Publications Ltd, 1987) 2 - 4.
118 Sublinhado meu.
119 Hughes (Poems), and Baskin (Drawings), Flowers and Insects, 19, 20. Versos 15 - 20.
63
O Olhar do Falcão
To her purpose, and veers down
Onto another Dandelion, attaching
Her weightless yacht to its crest.120
A fêmea escolhida não se deixa render a este macho que tenta galanteá-la tão pertinazmente:
"She ignores him" (34). Há aqui a evidenciar a capacidade de sedução desta fêmea que, de forma
semelhante à apresentada nos poemas anteriores, faz com que o macho não dê quaisquer sinais
de desistência, mas sim de insistência:
Where he edges to left and to right, flitting
His winds open, titillating her fur With his perfumed draughts, spasming his patterns,
His tropical, pheasant appeals of folk-art,
[.»] Trembling with inhibition, nearly touching -121
Uma vez mais o macho é rejeitado pela fêmea - "And again she's away, dithering blackly." (41)
Persistentemente continua o macho a cortejar a fêmea quando esta subitamente muda de local
-" [...] she clamps to/This time a Daisy." (43, 44) Apesar de não ser referido directamente, ao
final do poema subjaz a ideia de que a fêmea acaba por aceitar aquele parceiro que lhe foi
sorteado aleatoriamente pela natureza - "She's been chosen,/Courtship has claimed her. And he's
been conscripted" (44, 45) - e os preparativos desta última para acolher uma nova união: "[...]
the first/Caresses of the wedding coming, the earth/Opening its petals" (51 - 53). A dimensão
120 Hughes (Poems), and Baskin (Drawings), Flowers and Insects, 20. Versos 23 - 30.
121 Hughes (Poems), and Baskin (Drawings), Flowers and Insects, 20. Versos 35-40.
64
O Olhar do Falcão
visual desta presença animal ganha mais significado e é complementada com a ilustração colorida
de Baskin que prende de imediato a atenção do leitor.
Figura 2
III.
Se os poemas que agora considerávamos parecem, pela sua própria extensão, textos
bastante elaborados, creio ser importante destacar que, por vezes, Hughes recorre a formas
simples para representar os animais. Há poemas em jeito de cantigas construídos de maneira
bastante singela e facilmente memorizáveis pelo leitor. "The Red Admiral", "Dragonfly" e
"Worm"123 são os títulos que corroboram esta minha afirmação. O primeiro destes textos líricos,
um louvor à mais comum das espécies de borboletas nos jardins britânicos124, é composto por
122 Hughes (Poems), and Baskin (Drawings), Flowers and Insects, 19, 20.
123 O poema não tem qualquer título no original, mas no Volume 2 da colectânea intitulada Collected Animal Poems que a Faber and Faber publicou em 1995, ele surge com o título "Worm" no índice de Hughes (Poems), and Flather (Illustrations), What is the Truth?.
124 A figura em destaque neste poema tem como nome científico Vanessa Atalanta. Esta é uma borboleta que ostenta três cores: o preto, o vermelho e o branco. Destas, a que predomina é o preto, uma vez que parece servir de pano de fiindo para as outras cores apenas visíveis em pequenas manchas ou nos extremos das asas
65
O Olhar do Falcão
quatro dísticos que retratam as capacidades ornamentais desta borboleta, primeiro no passado -
"This butterfly/Was the ribbon tie/On the Paradise box" (1 - 3) - e, já no final do poema, no
presente, quando a borboleta é justaposta à figura humana.
O where's the girl
Who wouldn't go bare
As a thistle to wear
Such a bow in her hair?125
Esta aptidão ornamental parece ser também a função mais importante da borboleta se atentarmos
na ilustração que acompanha o poema (Figura 3)m, ilustração esta que capta o olhar do leitor
e que pode ser vista como uma outra forma de representar aquilo de que se ocupa o texto lírico,
ou mesmo uma extensão do próprio poema.
Figura 3
(como é o caso do branco) ou a meio destas em manchas de dimensões um pouco superiores (como é o caso do vermelho). Ver Easterbrook, Butterflies of the British Isles, 6.
125 Hughes (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 31. Versos 5 - 8.
Hughes (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 31.
66
O Olhar do Falcão
O segundo poema deste grupo, tal como o anterior, constrói a sua sonoridade sobre
rima emparelhada, o que ajuda a dar-lhe condições lúdicas. "Now let's have another try/To love
the giant Dragonfly" (1,2) são os versos de abertura daquele poema que é, uma vez mais, um
louvor a uma presença animal - a libelinha - e que acarreta alguma ironia na caracterização inicial
deste insecto pois, antagonicamente ao seu tamanho real, é caracterizado como gigante. Após
a personificação desta libelinha - através da grafia do substantivo com letra maiúscula - Hughes
estabelece o cenário - "beside the peaceful water" (3) - e parte para o louvor da agilidade de
movimentos da figura em destaque no poema: "Suddenly he's gone. Suddenly back. A/Scary
jumping cracker -" (9, 10) O olhar do sujeito poético acompanha os movimentos ágeis da
libelinha que se movimenta em torno da segunda pessoa que o poema interpela - "Here! Right
here!/An inch from your ear!" (11, 12) -, entidade esta directamente desafiada a ter voz no
poema quando no final deste texto lírico é referido: "Now say: 'What a lovely surprise!'" (16).
Da descrição da presença animal no poema há ainda a salientar a incidência do sujeito poético
nas componentes físicas da libelinha que são de dimensões muito pequenas. Um dos elementos
que chama a atenção do leitor consiste nos olhos: "and his eyes pop" (6); "Out of the huge
cockpit of his eyes -!" (15). O outro elemento, embora não referido directamente, é constituído
pelas asas, como podemos verificar nalguns versos: "he whizzes to a dead stop" (5); "Sizzling
in the air/And giving you a stare" (13, 14). Devo ainda destacar que, como exemplifica este
poema, apesar de esta dissertação se concentrar na representação visual de figuras animais de
dimensões reduzidas na obra poética de Ted Hughes, por vezes a representação auditiva se
relaciona com a visual de fornia a complementar o retrato apresentado de alguns animais. Assim,
torna-se importante referir o valor onomatopaico das sibilantes - particularmente de IzJ e /s/ - em
67
O Olhar do Falcão
relação ao voo da libelinha, presente nos seguintes vocábulos: "whispy", "whizzes", "snaky",
"stripes", "sting", "scary", "sizzling". A figura que ilustra o poema dá realce aos olhos e às asas
deste insecto e, desta forma, parece uma extensão do próprio poema.
Figura 4 w /
Em "Worm", tal como em "The Red Admirai", o poeta retira efeitos particulares do uso
da rima emparelhada. Ao leitor é dada inicialmente a referência temporal, técnica esta já usada
em "Two Tortoiseshell Butterflies" - "O early one dawn I walked over the dew" (1). Tal como
acontecera no poema anterior, é também de destacar que a entidade leitor é nomeada
directamente no poema quando o sujeito poético declara: "And I saw a strange thing I will now
tell to you."(2)128 Este relato inicia-se oferecendo ao leitor a referência ao espaço físico: "Where
mud had been trampled at a trough by the cattle/[...] Till it looked like the field of the famous
Somme battle" (3,4). Devo referir que, este excerto particular do poema, alude a uma batalha
que decorreu na Flandres, um dos piores episódios da I Guerra Mundial, e no qual morreram
milhares de soldados. O início do poema é característico da balada popular e a justaposição do
Hughes (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 29.
Sublinhado meu.
68
O Olhar do Falcão
registo idílico - "dawn", "dew" - à evocação da lama do Somme é, do meu ponto de vista, uma
mescla perturbadora. Técnica recorrente é depois a preocupação do sujeito poético em descrever
detalhadamente ao leitor os contornos exactos daquilo que foi presenciado: "I saw two bare
creatures, stark naked were they/Full length in the mud [...]./They were big blue-nosed
lobworms" (5 - 7). À medida que ao leitor vai sendo oferecida a descrição do observado há uma
inveja implícita nas palavras do eu do poema, inveja essa pelo facto de não haver qualquer tipo
de preocupação naqueles seres observados: "And they had not a care for the world and its
wrongs." (10) Há também a manifestação de um certo êxtase por parte do eu do poema: "And
that was a wonder to watch in the dawn/In the world wet with dew, like a garden newborn." (13,
14)
A estrofe seguinte metaforiza a cena observada através da alusão ao episódio bíblico da
queda do homem: "It was Adam and Eve in the earliest light -/And I was like Satan, for they
suddenly took fright." (15,16) Só a partir deste momento é que há a consciência nas figuras em
destaque no poema que estão a ser objecto de observação. O poema adquire novos contornos
e a perturbação destes seres reflecte-se no seu comportamento:
Their loving was chilled at the touch of my stare -OI almost could hear it, their cry of despair
As like snapping elastic, they whipped back apart And I can still feel it, the shock and the smart129
129 Hughes (Poems), and Flather (Illustrations), What is the Truth?, 112. Versos 17-20.
69
O Olhar do Falcão
O final do poema, com o olhar do sujeito poético sempre centrado nas minúsculas presenças
animais, mostra a separação das duas entidades "As they vanished in earth, each alone to its den."
(21). Há igualmente um enlevo expresso na afirmação do sujeito lírico que singulariza a cena
observada: "And I've never seen such a marvel again." (22)
IV.
Continuando com presenças animais de dimensões diminutas e que habitualmente
passam despercebidas, o terceiro grupo de poemas mostra outra estratégia de representação por
parte de Hughes: como forma de atribuir uma peculiar veracidade à representação ou como
forma de engrandecer estes seres de formas reduzidas, Hughes personifica as figuras de alguns
poemas e é o próprio discurso destas que maior relevo tem na construção poética. Gostaria de
aqui sublinhar que essa peculiar veracidade passa pela sensação do contacto imediato com a
"consciência" dos seres em causa, que assim são constituídos na(s) máscaras, através das quais
a enunciação se nos propõe. É precisamente isto que acontece em "Sandflea", "Snail", "Worm"
e até mesmo "Ragworm", este último com características um pouco distintas dos primeiros,
como mais adiante neste texto se verificará. O primeiro destes poemas, composto por apenas
duas estrofes, poderia ser dividido em duas partes, sendo a primeira a correspondente à cantiga
desta figura animal. Esta cantiga com tons exacerbados - "The Sandflea cries" (2) - espelha um
certo narcisismo:
'O see my eyes!'
70
O Olhar do Falcão
[■■■]
'So beautiful,
So blue, they make
The sea seem dull.'130
Para além do narcisismo que esta canção expressa, há ainda a referir que o início desta canção
leva o leitor a se centrar num pormenor particular desta pulga marinha: os olhos.O início da
segunda estrofe, através da conjunção adversativa "But", contrasta com a exaltação do eu
oferecida no início da primeira. O sujeito lírico mostra ao leitor que uma espécie de medo se
apodera da figura em destaque no poema: "But then she hides/Beneath the wrack." (6, 7). Será
a cantiga de tom narcisista anteriormente citada que dará origem à resposta do mar naquela que
é a segunda estrofe do poema e aquela que, em meu entender, é também a segunda parte deste
texto lírico: "Give back/That China blue/I lent to you" (9-11). Esta segunda parte leva ainda ao
desvio da concentração do olhar do leitor: do pormenor particular inicialmente apresentado no
poema - os olhos da presença animal - passa-se ao espaço físico e, portanto, mais geral, de onde
tudo aconteceu: "Across the sands." (14) A ilustração do poema ironiza as pretensões
manifestadas na voz do insecto, uma vez que realça a sua insignificância - enquanto que a voz
do sandflea exulta no que entende ser a superioridade da sua beleza:
Hughes (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 6. Versos 1-5.
71
O Olhar do Falcão
Figura 5 131
"Snail", tal como havia acontecido no poema anterior, personifica não só a sua figura
de destaque, mas também os elementos naturais que à sua volta se encontram. O início do poema
poderá causar alguma estranheza no leitor devido à forma como é apresentado o caracol. É que,
tal como havia acontecido no poema anterior, é estabelecida uma comparação entre dois seres
de dimensões opostas - o caracol e a baleia:
With skin all wrinkled
Like a Whale
On a ribbon of sea
Comes the moonlit Snail.132
Esta aproximação é ainda singular pelo elemento de comparação - a pele - visto que este não é,
na realidade, pertencente ao caracol. Não obstante, o que aqui importa vincar é que, embora a
131 Hughes (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 6.
132 Hughes (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 30. Versos 1 - 4.
72
O Olhar do Falcão
informação zoológica a contrarie, esta comparação é permitida pela semelhança visual que, à
partida, pode ser estabelecida entre um caracol e uma baleia.
O observador começa por mostrar ao leitor um pormenor da figura em destaque no
poema - a pele - para de seguida deslocar o seu olhar para o espaço físico. Pelo meio, vai dando
voz aos elementos naturais e registando as diferentes reacções provocadas pela deslocação do
caracol: primeiro na couve - "The Cabbage murmurs:/T feel something's wrong!"' (5, 6) - e
depois na rosa - "The Rose shrieks out:/' What's this? O what's this?'" (9,10). O final do poema
mostra, uma vez mais, uma nova deslocação do olhar para mostrar como que um plano geral do
espaço físico onde tudo ocorreu - "[...] the whole garden" (13). É como se o poeta recorresse
a uma câmara com a qual registasse, em alternância, grandes planos e imagens em close-up. A
todos estes elementos há ainda a acrescentar um auto-engrandecimento do eu do poema pois
as suas respostas mostram que ele se afirma como individualidade que partilha do divino:
'"Shhh!/I am God's tongue.'" (7,8) e ainda "'Shhh!/I am God's kiss.'" (11,12) A grandiosidade
com que é apresentado este caracol é paralela à ilustração que o acompanha, já que esta ocupa
quase metade da página do livro em que o poema está impresso.
73
O Olhar do Falcão
Figura 6
A última estrofe - "So the whole garden/[...] / Suffers the passion/Of the Snail." (13 - 16)134 -,
pela escolha verbal do autor, mostra a aceitação desta figura, que se apresenta como divina, por
parte do espaço natural e dos seus elementos.
A celebração do eu até aqui evidente nos dois primeiros poemas deste grupo contrasta
com a humildade cantada pela figura em destaque no poema "Worm". De realçar que, nos três
breves primeiros versos, o autor se concentra de imediato na descrição física da presença animal
do poema - "A pink, wet worm" (2) -, informa o leitor daquilo que está a efectuar e desloca o
seu olhar para situá-la espacialmente - "Sings in the rain" (3) - e ainda descreve a forma como
o lamento desta é efectuado - "Lowly, slowly" (1). Logo de seguida dá voz a esta minhoca, voz
essa que é um lamento pela sua fealdade e a expressão de uma procura intensa de alguns
elementos capazes de proporcionar elegância e beleza a si própria:
133 Hughes (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 30.
134 Sublinhado meu.
74
O Olhar do Falcão
I'm searching hard.
If I could find
My elbow, my hair,
My hat, my shoe,
I would look as pretty
As you and you.'135
Este final tem um tom triste pois este desejo da figura em destaque no poema é algo impossível
de alcançar, tal como se exprime pelo uso do segundo condicional: "I'd look". Contrariamente
ao texto lírico que dá ênfase ao lamento da figura em destaque no poema pela sua fealdade, a
ilustração concentra-se no destaque ao espaço físico - mencionado no terceiro verso - no qual
se desloca a entidade aqui retratada.
Figura 7 136
135 Hughes (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 25. Versos 7 - 12.
136 Hughes (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 25.
75
O Olhar do Falcão
"Ragworm" - poema que mostra a fixação do olhar daquele que observou unicamente
na presença animal em destaque - está incluído neste conjunto de poemas porque, apesar de não
evidenciar graficamente o discurso directo através das aspas, pela leitura do poema entende o
leitor que este é também proposto na voz da figura nomeada no título. Isto é particularmente
manifesto na última estrofe: "Return the world/To me, the Worm." (15, 16) O poema mostra
ecos da grandiosidade da figura em destaque numa época passada - "Ragworm once/Was all the
rage." (1, 2).0 texto lírico prossegue com o lamento desta minhoca marinha pela existência de
novas modas ou tendências - "rage" (2), "age" (4) e "fashion" (6) - e o facto de ter sido
substituída por outra figura: "This foolish age/Offish is in." (4, 5)137 Devo aqui acrescentar que
as relações de força entre animais, tema recorrente na poesia hughesiana, estão aqui patentes na
forma como o sujeito poético retrata o sucumbir do mais fraco perante o mais forte - neste caso
ragworm e os peixes, respectivamente - espécies estas pertencentes ao ambiente marinho.
O poema é, simultaneamente, um retrato saudosista que a figura principal oferece de
uma época passada e um grito de esperança numa época futura que trará novamente domínio:
Let future time Be soon unfurled.
Bring all such schools To end of term.
Return the world
Sublinhado meu.
76
O Olhar do Falcão
To me, the Worm.'38
A ilustração - Figura 8 m -, que funciona aqui como que sendo um complemento do texto pois
concentra-se na descrição visual desta presença animal, retrata os elementos que distinguem este
ser de outros da mesma espécie e que facilitam a sua deslocação: os anéis e as patas.140
Figura 8
V.
Uma característica recorrente dos poemas hughesianos, como já foi visto nalguns
poemas do corpus desta dissertação, é o facto de o seu autor louvar e engrandecer as figuras
representadas. "Mosquito", "Spider" e "The Mayfly is Frail" evidenciam esta característica de
forma bem explícita. Recorrendo o autor ao uso de pleonasmo, o início do poema "Mosquito"
fala de sucessivos actos de renascimento: "To get into life/Mosquito died many deaths." (1,2)
138 Hughes (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 14. Versos 11-16.
139 Hughes (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 14.
140 The Oxford English Dictionary, 2nd ed., Vol. Ill (Oxford: Clarendon Press, 1989) 1113.
77
O Olhar do Falcão
O avançar da leitura mostra a adopção de um tom irónico por parte do sujeito poético aquando
da enumeração das dificuldades do meio natural pelas quais a figura em destaque no poema teve
de passar:
The slow millstone of polar ice, turned by the galaxy,
Only polished her egg.
Sub-zero, bulging all its mountain power,
Failed to fracture her bubble.
The lake that squeezed her kneeled,
Tightened to granite - splintering quartz teeth,
But only sharpened her needle.141
O clímax deste tom irónico é atingido no décimo verso quando o sujeito lírico, recorrendo uma
vez mais ao uso de relações de força, mostra a Terra como elemento que sucumbe à presença
animal do poema: "Till the strain was too much, even for Earth." (10) Há novamente a
enumeração de relações de força entre os elementos naturais e mosquito, assim como a
personificação daqueles: "The stars drew off, trembling./The mountains sat back sweating./The
lake burst." (11 - 13) O final do poema, deixando de lado toda a referência até então dada a
alguns elementos naturais, mostra a atenção do sujeito poético e a do leitor centrada unicamente
no mosquito. Segue-se, então, a celebração da grandiosidade desta entidade de dimensões
minúsculas, entidade esta que é metaforizada na figura de um astro e cujos movimentos são
Hughes, A March Calf, 14. Versos 3 - 9.
78
O Olhar do Falcão
descritos da seguinte forma: "Mosquito/Flew up singing, over the broken waters -/A little haze
of wings, a midget sun." (14 - 16)
"Spider" tece igualmente louvores à figura retratada, mas diferencia-se do poema
anterior tanto por não adoptar um tom irónico, como por incluir no seu texto a admiração
expressa da voz autoral pela figura do poema. Assim, este inicia-se com uma constatação: "On
the whole, people dislike spiders." (1) Esta posição é imediatamente distinguida da posição do
eu do poema que se apresenta como alguém coleccionador e devoto deste ser: "[...] a passionate
heart" (3), "[...] dedicated priest of the spider." (4) A segunda estrofe enumera os motivos para
tamanha admiração, motivos estes que, graças ao olhar atento do sujeito poético, se prendem
com a própria anatomia deste ser de dimensões reduzidas. A admiração passa também pela
perícia da aranha na construção do artefacto que é a teia, artefacto este que, comparativamente
ao seu criador, pode atingir extensões colossais:
The anatomy - so prodigal in wonders! And the strategies for reproduction, For gratifying the hungers, beggar belief.
The web is part acronym, part phone, Part boutique front for the real business -A sparkle of his virtuoso wit Cast over triffles, to beguile fools.142
A última estrofe -
Hughes (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 81. Versos 5-15.
79
O Olhar do Falcão
Even so, he's ignorant of his best art,
Which is to dangle, on his invisible harness,
On to my page, from my hair.
Then the thought 'Thank God - I'm in for some luck!'
Really startles me.
And for a whole hour after, I feel much better
And, though he doesn't feel it, I love him.143 -
alude àquela que o sujeito poético designa como "a melhor das suas artes" e esta afirmação
poderá ter, na minha opinião, duas leituras: uma delas está relacionada com o livro de que fala
o coleccionador de aranhas mencionado no início do poema. Neste caso, estaria assim justificada
a última afirmação do poema - "I love him." - pois este sentimento prende-se com o facto de ter
conseguido mais um exemplar para a colecção; a outra interpretação poderá estar relacionada
com as questões da escrita e, neste caso, a página referida poderá significar a página em que está
impresso o poema e o louvor à teia poderá ainda estar relacionado com o facto de ser motivo
para a redacção de um poema. Além disso a teia poderá ter um sentido metapoético: se
atentarmos na impressão gráfica do texto e na gravura que o acompanha, o que me parece ser
retratado é que o próprio poema é a teia na qual está presa a aranha, como se pode constatar ao
olhar para a página.144
Hughes (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 81. Versos 16-22
Hughes (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 81.
80
O Olhar do Falcão
Spider
On the whole, people dislike spiders. Where is my hoc* of spiders? A book of devotions Penned by a passionate heart, By a dedicated priest of the spider.
The anatomy - so prodigal in wonders! And the strategies for reproduction, For gratifying the hungers, beggar belief. Web-weaving Is the slightest of the spider's talento Compared to the feats of prestidigitaBon That usher his offspring to their independence. The web is part acronym, part phone, Part boutique front for the real business - .. c ( A sparkle of his virtuoso wit Cast over trifles, to beguile fools.
Even so, he's ignorant of his best ai%,t „ > Which is to dangle, on his Invisible" harness, On to my page, from my hair. Then the thought Thank God - I'm in for some
luck!' ,,. Really startles me. And for a whole hour after, I feel much better And, though he doesn't feel ft, 1 love him.
W
Figura 9
Relativamente à técnica de representação usada neste poema, é importante destacar que, o início
do poema mostra o olhar do sujeito poético centrado na aranha, e o final revela um desvio desse
mesmo olhar que deixa de parte a presença animal e passa a se centrar no próprio sujeito poético,
como se pode verificar através da leitura dos últimos versos do poema:
On to my page, from my hair.
Then the thought 'Thank God - I'm in for some luck!'
Really startles me.
And for a whole hour after, I feel much better
81
O Olhar do Falcão
And, though he doesn't feel it, I love him.
Certamente devido à própria vivência da efémera que, após atingir o estado adulto, vive
apenas algumas horas porque deixa de se alimentar146 e igualmente devido às dimensões pequenas
deste parente da libelinha, a fragilidade anunciada no título de "The Mayfly is Frail" pode, à
primeira vista, induzir o leitor em erro. Isto porque, enquanto no título e no primeiro verso o
olhar do sujeito poético se centra na libelinha e fala da sua fragilidade, a partir da segunda
estrofe aquele centra-se numa outra descrição: "Erupting floods, flood-lava drag across
farms,/Oak-roots cartwheeling -/The inspiration was seismic." (2 - 4) O poema prossegue
fazendo referência a um artista - "Some mad sculptor" (5) - que, do meu ponto de vista, não é
mais que a metaforização da figura animal em destaque no poema. Segue-se uma descrição
daquela que foi a actividade deste escultor, ou melhor, da efémera:
In frenzy remaking the river's rooms
Through days and nights of bulging shoulders
And dull bellowing - cooled with cloudbursts -
Needed all his temperament.147
O verso décimo demarca duas partes distintas no poema, graças ao uso do advérbio de tempo
"Now". Este marca uma primeira parte no poema com o olhar do sujeito poético centrado na
actividade, um tanto ou quanto duradoura - "Through days and nights" (7) -, da efémera, e uma
145 Hughes (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 81. Versos 18-22.
146 Ver Discovery Channel, Insects and Spiders (London: Discovery Books, 2000) 82.
147 Hughes, A March Calf, 94. Versos 6 - 9.
82
O Olhar do Falcão
segunda parte que transporta o leitor para o presente - "Now he sprawl" (10) - e que mostra o
olhar do sujeito lírico que se desloca e se centra no espaço onde a efémera se movimenta: "[...]
the river's opened side." (18) É ainda de realçar que, porque inicialmente neste poema se falava
de fragilidade, este final revela uma entidade antagónica àquela que o título do poema apresenta:
"A shimmering beast" (17).
VI.
Ao famiïiarizarmo-nos com a obra de Ted Hughes notamos, por vezes, que o autor
também mostra o lado caricato e irónico das figuras em destaque nos poemas. Antagonicamente
aos poemas até agora analisados, nos quais as dimensões físicas minúsculas contrastavam com
a grandiosidade do ser, neste grupo de construções poéticas Hughes continua a representar
animais de tamanho diminuto, mas esse tamanho é agora retratado como caracterizador da
própria existência dos seres representados. É o que acontece em "Caddis","In the Likeness of
a Grasshopper" e "The Fly".
A figura inicial apresentada no poema "Caddis" surge perante o leitor como débil e,
simultaneamente, de traços estranhos e até depreciáveis:
Struggle-drudge - with the ideas of a crocodile
And the physique of a foetus.
Absurd mudlark - living your hovel's life -
83
O Olhar do Falcão
Yourself your own worst obstacle.148
Estes primeiros versos mostram um sujeito poético cujo olhar está centrado na descrição da
figura em destaque no poema. Não obstante, o sétimo verso - "Under the river's hurricane." -
evidencia que o seu olhar também não deixa de lado o espaço onde esta mosca-de-água se
movimenta. O sujeito poético prossegue e continua retratando este insecto, primeiro proferindo
uma espécie de juízo de valor carregado de desalento - "You should have been a crab. It's no
good." (8) - e, de seguida, centrando o seu olhar num aspecto físico particular: "Wasp-face"
(11). O tom de desalento é nos versos catorze e quinze substituído por um tom afável, diria
mesmo que quase paternal - "You can nip my ringer but/ You are still a baby.", - justificado pela
criação de analogias aparentes entre esta figura de dimensões reduzidas e outras figuras de forças
grandiosas: "Your alfresco Samurai suit of straws,/Your Nibelungen mail of agates, affirms/Only
fantasies of fear and famine." (16 - 18) Este quadro adquire um cenário diferente no final do
poema quando o sujeito poético, após a apresentação deste ser pequeno, frágil e fraco, faz um
apelo dirigido à participação na abundância da Natureza. Esta chamada acarreta um sentido
imperativo conforme com o modo verbal escolhido: "Hurry up. Join the love-orgy" (19).
Antagonicamente ao início do poema que mostra o olhar do sujeito lírico centrado na figura
animal, o final revela esse mesmo olhar, igualmente concentrado no pormenor, mas desta vez do
próprio espaço natural: "Up here among leaves, in the light rain,/Under a flimsy tent of dusky
wings." (20, 21)
Hughes, A March Calf, 48. Versos 1 - 4.
84
O Olhar do Falcão
O segundo poema deste grupo - "In the Likeness of a Grasshopper" - deixa antever pelo
seu próprio título que irá retratar algo que ostenta a forma de um gafanhoto. Esta será, aliás, a
única vez que a figura em destaque no poema é referida directa e expressamente neste. O início
do poema mostra o olhar do sujeito poético centrado em algo ainda pouco definido num espaço
físico: "A trap/Waits on the field path." (1, 2) O avançar da leitura esclarece que este é um
dispositivo pouco consistente, devido aos seus traços físicos: "A wicker contraption, with
working parts,/Its spring tensed and set./So flimsily made" (2- 4) Tal como em "Dragonfly" em
que Hughes recorre à representação auditiva, também aqui se mostra um apelo a outros sentidos
que não exclusivamente a visão: primeiro o olfacto e, seguidamente, a audição:
Along comes a love-sick, perfume-footed Music of the wild earth.
The trap, touched by a breath, Jars into action, its parts blur -
149 And music cries out.
A parte final deste poema mostra uma mudança de tom por parte do eu poético que aqui
abandona a descrição da figura em destaque no poema como sendo desajeitada e chega mesmo
a descrevê-la positivamente: "the beautiful trapper" (16). Mantém-se, porém, o apelo à audição
e chega-se a metaforizar os sons produzidos por esta armadilha no campo: "And takes out the
Song, adds it to the Songs/With which she robes herself, which are her wealth." (18, 19) O
149 Hughes (Poems), and Baskin (Drawings), Flowers and Insects, 41. Versos 9-13.
85
O Olhar do Falcão
poema termina, de forma semelhante ao início deste, como olhar do sujeito poético concentrado
no dispositivo e no espaço físico onde este está inserido: "Sets her trap again, a yard further on."
(20) A contrastar com o tamanho real deste insecto, Baskin ilustrou o poema com uma figura
de dimensões grandes, que ocupa duas páginas do livro.
Figura 10 o u
O poema "The Fly", profundamente carregado de ironia e uma vez mais descrevendo
ao pormenor, causa no leitor alguma estranheza logo após a leitura dos dois primeiros versos:
"The Fly/Is the Sanitary Inspector." (1,2) Segue-se, no poema, a explicação para esta afirmação
surpreendente: "He detects every speck/[...]/Detects it, then inspects it" (2 - 4) Dos versos
subsequentes, é de salientar a alusão directa à própria anatomia da mosca e às partes que são
usadas para auxiliar na detecção de sujidade: "Through his multiple spectacles. You see him
150 Hughes (Poems), and Baskin (Drawings), Flowers and Insects, 42, 43.
86
O Olhar do Falcão
everywhere/Bent over his microscope."(5, 6)151 Esta capacidade da mosca em fixar a atenção
no pormenor em tudo se revela semelhante àquela que será usada mais adiante no poema pelo
eu poético que parecerá ajudado por instrumentos para ampliar o real considerado. A ironia aqui
já anunciada cresce com a progressão do poema pois o sujeito poético, criticando questões
económicas, quiçá criticando a própria sociedade capitalista, advoga o baixo custo deste
inspector sanitário.
He costs nothing, needs no special attention, Just gets on with the job, totting up the dirt.
All he needs is a lick of sugar
Maybe a dab of meat -Which is fuel for his apparatus. We never miss what he asks for. He can manage
With so little, you can't even tell
Whether he's taken it. 152
Será a partir do décimo quinto verso que, tal como anunciei anteriormente, o sujeito lírico,
centrando o seu olhar na presença animal do poema, esboça o retrato físico e minucioso deste
ser, dando particular evidência a aspectos que lhe permitem ser bem sucedido na execução da
sua tarefa. Repare-se que a descrição minuciosa em tudo parece ter sido ajudada por uma lupa
ou um outro instrumento para ampliar:
Sublinhado meu.
Hughes (Poems), and Flather (Illustrations), What is the Truth?, 61. Versos 7 - 14.
87
O Olhar do Falcão
In his black boiler suit,
With his gas-mask,
His oxygen pack,
His crampons, He can get anywhere, explore any wreckage,
Find the lost -153
A estrofe seguinte continua a descrição de um retrato detalhado e que, à partida, parece
nauseabundo - "[...] the rot, the stink, and the goo" (25) - da acção deste inspector sobre os seres
mortos: "He'll leave you the bones and the feathers - souvenirs/Dry-clean as dead sticks in the
summer dust." (26, 27) Porém, o que estes dois últimos versos transcritos revelam é que a
mosca, efectivamente, anula o que é nauseabundo, deixando, com a sua passagem, tudo limpo.
Tal como aconteceu anteriormente nos poemas pertencentes a este grupo, o final deste texto
lírico mostra uma mudança de tom por parte do sujeito poético parecendo implicar, em
simultâneo, uma acusação ao ser humano e uma defesa da mosca: "Panicky people misunderstand
him -/Blitz at him with nerve-gas puff guns,/Blot him up with swatters." (28 - 30) O desfecho
do poema, centrando uma vez mais o olhar do sujeito poético em pormenores físicos da mosca,
mostra o engrandecimento e a aceitação plena desta presença animal por parte daquele: "Just
let him be. Let him rest on the wall there,/Scrubbing the back of his neck. This is his rest-minute."
(39, 40) Há ainda a destacar o apelo à visão do leitor na apresentação da beleza, grandiosidade
e magnitude que o retrato final salienta:
Once he's clean, he's a gem.
Hughes (Poems), and Flather (Illustrations), What is the Truth?, 61. Versos 15-19.
88
O Olhar do Falcão
A freshly barbered sultan, royally armoured
In dusky rainbow metals.
A knight on a dark horse.154
VII.
Como já várias vezes referi, a presença da paisagem natural é uma característica
fundamental da obra hughesiana e, algumas vezes, a atenção que lhe é dedicada por Hughes faz
com que adquira o mesmo grau de importância dos animais. Isto é visível em "Performance" e
"Gnat-Psalm".
O primeiro destes poemas centra-se inicialmente no cenário em que a acção irá decorrer
e metaforiza o espaço natural da beira-rio na imagem do teatro, em cujo palco actuará a figura
principal do poema: "Just before the curtain falls in the river/The Damselfly, with offstage,
inaudible shriek/Reappears weightless." ( 1 - 3 ) Concentrando o seu olhar num aspecto mais
pormenorizado, parte depois o sujeito lírico para a descrição minuciosa deste insecto:
Hover-poised, in her snake-skin leotards,
Her violet-dark elegance.
Eyelash-delicate, a dracula beauty,
In her acetylene jewels.
Hughes (Poems), and Flather (Illustrations), What is the Truth?, 63. Versos 41 - 44.
89
O Olhar do Falcão
Her mascara smudged, her veils shimmer-fresh -
Logo de seguida, porém, o olhar do sujeito poético retoma a sua atenção na Natureza. Começa
por situar temporalmente - "Late August" (9) - para em seguida descrever todo o ambiente do
final do Verão e indícios da chegada do Outono:
Some sycamore leaves
Already in their museum, eaten to lace.
Robin song bronze-touching the stillness
Over posthumous nettles. The swifts, as one,
Whipcracked, gone. Blackberries.156
Depois de referido o cenário há uma concentração do sujeito poético num aspecto particular da
paisagem. É então que aquele se dá conta de uma metamorfose da presença animal, metamorfose
essa que parece ser justificada pela intervenção do insecto numa peça particular: "still in her
miracle play" (17).157 É talvez ainda devido a esta metamorfose que, no início do poema, a figura
em destaque é anunciada como "Damselfly" (2) e após a transformação é referida já sob outra
designação - "Phaedra Titania" (21)-, designação esta que nada tem a ver com o nome científico
deste insecto.158 O que esta designação particular parece revelar é a capacidade criativa de
155 Hughes, A March Calf, 70. Versos 4 - 8. 156 Hughes, A March Calf, 70. Versos 9-13.
157 O chamado "miracle play" é considerado uma vertente tardia do chamado "mystery play". Este tipo de teatro retratava a vida dos santos e lendas de acções milagrosas ou até mesmo milagres feitos pela Virgem Maria. O final da peça mostra sempre uma intervenção milagrosa. Veja-se A. C. Cawley, ed., "Everyman" and Medieval Miracle Plays (London: Everyman Paperbacks, 1993).
158 Ver Dan Powell, A Guide to the Dragonflies of Great Britain (Essex: Arlequin Press, 1999) 46-73.
90
O Olhar do Falcão
Hughes que, ao juntar duas acepções distintas - Fedra/fragilidade e Titânia/força - traça, assim,
o retrato de características antinómicas do damselfly que, apesar de alguma força até aqui
evidenciada, o final do poema revela caminhar para a sua morte: "Stepping so magnetically to
her doom!" (25) Através do relato do observado pelo eu poético, ocorre então uma nova
deslocação do seu olhar para um outro cenário, não sendo especificado qual - "Switches her
scene elsewhere." (29) Contudo, uma leitura atenta dos últimos quatro versos do poema revelam
um olhar atento ao pormenor, como já vem sendo habitual nos poemas do corpus desta
dissertação:
(Find him later, halfway up a nettle, A touch-crumple petal of web and dew -
Midget puppet-clown, tranced on his strings,
In the nightfall pall of balsam.)
"Gnat-Psalm"160 inicia-se, como o próprio poeta esclarece, com uma epígrafe que é
simultaneamente um excerto de um provérbio hebraico: "The Gnat is of more ancient lineage
than man." O início do poema situa o leitor temporalmente pois fala das acções da figura em
destaque num tempo específico: "[...] at evening" (1). Essas acções são então listadas e
159 Hughes, A March Calf, 169. Versos 31-34.
160 Peter Redgrove fez um estudo comparativo e aproximou tematicamente este poema a "The Thought-Fox" (Ver Gammage, ed., The Epic Poise, 47 - 51.) Redgrove concluiu: "I think of the 'Gnat-Psalm' as the flip side of 'The Thought-Fox'. The fox is bone and flesh before it is a printed page, it is concentrated, intense, egoistic; the gnats are horny ampoules, brimming with elixir; self-forgetful, they have the sun running in their veins and by kinship with the sun are a portion of deity. They, like the thought-fox, are writing, but writing as a cabala of improvisation in their dance. The fox is a stealthy phallus; the gnats are starting a contmual orgasm of life. As an animal, the fox can live and die, insects however metamorphose continually and these are rapidly becoming the sun itself." (Gammage, ed., The Epic Poise, 49.)
91
O Olhar do Falcão
apresentadas de forma minuciosa, como já vem sendo habitual, recorrendo o autor ao uso do
gerúndio de forma a atribuir uma certa duração à acção e, pelo meio, intercalando essas mesmas
acções com descrições do espaço físico:
Scribbling on the air, sparring sparely,
Scrambling their crazy lexicon,
Shuffling their dumb Cabala,
Under leaf shadow
Leaves only leaves
Between them and the broad swipes of the sun
[...]
Dancing
Dancing
Writing on the air, rubbing out everything they write
Jerking their letters into knots, into tangles161
O leitor é seguidamente levado a desviar o olhar deste espaço e a centrar-se naquela que é vista
como a canção da presença animal do poema, canção esta marcada pelo manifesto egocentrismo
desta:
singing
That the cycles of this Universe are no matter
That they are not afraid of the sun
That the one sun is too near
[...]
That they are their own sun
161 Hughes, The Thought-Fox, 7. Versos 2 - 1 3 . Sublinhado meu.
92
O Olhar do Falcão
Their own brimming over
At large in the nothing
[...]
That they are the nails
In the dancing hands and feet of the gnat-god
That they hear the wind suffering
Through the grass And the evening tree suffering162
O olhar do observador e, consequentemente do leitor, concentra-se depois no ambiente que
circunda todo este cenário movimentado : "The wind bowing with long cat-gut cries/And the long
roads of dust/Dancing in the wind" (31 - 33). A estrofe seguinte louva a agilidade deste ser e
antecede uma concentração na descrição de pequenos pormenores físicos: "Their little bearded
faces/Weaving and bobbing on the nothing/[...]/And their feet dangling" (45 - 48). O final do
poema, continuando a descrever os movimentos quase estonteantes da dança, louva a figura em
destaque e atribui-lhe dimensões divinas: "And God is an Almighty Gnat!/You are the greatest
of all the galaxies!" (53,54) Há ainda a salientar a referência explícita à relação eu poético/figura
do poema através dos pronomes possessivos:
My hands fly in the air, they are follies My tongue hangs up in the leaves My thoughts have crept into crannies
Your dancing
Your dancing
162 Hughes, The Thought-Fox, 7, 8. Versos 16 - 30.
93
O Olhar do Falcão
Rolls my staring skull slowly away into outer space.163
O final, como podemos concluir pela leitura do excerto anterior, confirma um certo estado de
êxtase demonstrado pelo sujeito poético. Além disso, o olhar do sujeito poético que havia
observado e retratado minuciosamente a dança da figura em destaque no poema, desloca-se para
um local menos restrito e mais amplo como o espaço referido nas palavras com que se encerra
o poema: "[...] into outer space."
VIII.
Ted Hughes usa por vezes figuras animais de dimensões reduzidas como uma espécie
de pretexto para discutir questões relacionadas tanto com o ser social como com o indivíduo
isolado - "Ants"e "Bees'VThe Honey Bee", respectivamente - ou então para falar de
nascimento e morte - "Saint's Island" - ou até representar o fim da vida no meio natural, como
acontece em "A Cranefly in September".
O início do poema "Ants" lança questões -
Can an Ant love an Ant?
Can a scissor-face
Kiss a scissor-face?
Can an Ant smile? 164 -
163 Hughes, The Thought-Fox, 8, 9. Versos 55 - 60.
164 Hughes (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 58. Versos 1 - 4.
O Olhar do Falcão
às quais o quarto verso responde: "It can't." Seguindo a mesma estratégia, a estrofe seguinte
também se inicia com uma questão, questão esta que se prende com a agitação de um
formigueiro: "Why all that coming and going?" (5) Há seguidamente uma concentração do olhar
no formigueiro e o resultado é a descrição dos movimentos das formigas. Nesta descrição o autor
recorre ao uso de verbos que vêm reforçar a ideia de constante agitação no formigueiro - "They
run, they wave their arms, they cry -"l65 (6) - e todo este formigueiro, embora dando destaque
a um único elemento, é ilustrado no poema, apresentando-se como pano de fundo.
Figura 11
Os versos 7 e 8 oferecem ao leitor uma metáfora - "The Ants' nest is a nunnery/Of holy
madwomen." - que será entendida e completada na estrofe seguinte: "They race out, searching
for God./They race home: 'He's not there!'" (9, 10). É importante perceber que se alude aqui
à procura de Cristo no sepulcro por um grupo de mulheres [São Mateus (28:1) fala de "Maria
165 Sublinhado meu.
166 Hughes (Poems), and Riddell (Illustrations), The Iron Wolf, 59.
95
O Olhar do Falcão
Madalena e a outra Maria"], no terceiro dia após a sua morte.167 O não encontro da entidade
divina provoca uma reacção primeiro de negação e depois de desespero: "And their mad heads
nod, nod, nod,/And they stagger in despair." (11,12) As dimensões do desespero são elevadas,
mas servem também para descrever um ser, por um lado, a tender para o frágil - "[...] a body
that's / Part hard little knots" (18,19) - e, por outro lado, com um valor dilacerante e incendiário
metaforizado na gota de cobre: "And part a scalding blob/Of molten copper trickling/Through
a burning house." (20 - 22) Após a atenção centrada nos movimentos particulares deste
formigueiro, o final do poema, a contrastar com toda a agitação anteriormente descrita expressa
pela conjunção adversativa "But", mostra que o olhar daquele que observou e o do leitor recai
agora no ambiente terreno. Este ambiente revela-se calmo, um tanto ou quanto indiferente a toda
aquela agitação: "But the Sun's great yokel, Earth, only yawns and/scratches the tickling." (24,
25)
"Bees", poema que não é mais que o louvor ao produto de uma colmeia - o mel - e a
valorização do trabalho feito em comunidade para atingir este fim, retrata, tal como o poema
anterior, uma comunidade em constante movimento e agitação num momento muito particular
e especial:
At a big wedding
The bees are busy.
Everywhere there are bridesmaids
167 A este respeito ver São Mateus, 28:6 ("Não está aqui: ressuscitou como disse. Vinde e vede o lugar em que ele repousou"), São Lucas, 24:6 ("Não está aqui, mas ressuscitou. Lembrai-vos do que ele vos disse, quando ainda estava na Galileia") e ainda São Marcos, 16:6 ("Ele falou-lhes: 'Não tenhais medo. Buscais Jesus de Nazaré, que foi crucificado? Ele ressuscitou, já não está aqui. Eis o lugar onde o depositaram.'") Sublinhados meus.
96
O Olhar do Falcão
Almost brides.168
O espaço físico em que se concentra o olhar do sujeito poético também é sintomático de agitação
e dos ruídos circundantes: "And the air/All round the May hive/Twangs" (5 - 7). Há,
seguidamente, uma imagem de submissão e reverência - "The bees fall/On to their knees, and
humbly head-down crawl" ( 13 -14) - e a configuração da colmeia como um local sagrado : "[...]
crammed church" (15). Este templo tem papel importante para as abelhas, como refere de
seguida o sujeito lírico: "Where they are fattening/With earth's root-sweetness" (16, 17). O
poema refere ainda a figura mais importante para esta comunidade que, inicialmente, é vista
como "The One" ( 19) para no final do poema, através da deslocação do olhar do eu poético para
um cenário minucioso, ser nomeada de forma mais explícita:
The orchard is dizzy with bells. [...]. The rumbling, mumbling
Priestly bee, in a shower of petals, Glues Bride and Groom together with honey.169
O tecer de elogios ao fabrico do mel, embora indirectamente, é um dos assuntos
retomados em "The Honey Bee" e este surge sob a forma da figura da comparação - "The Honey
Bee/Brilliant as Einstein's idea" (1, 2). Este louvor contrasta com aquilo que transmite, de
168 Hughes (Poems), and Flather (Illustrations), What is the Truth?, 51. Versos 1 - 4.
169 Hughes (Poems), and Flather (Illustrations), What is the Truth?, 51, 52. Versos 21 - 24. Sublinhado meu.
97
O Olhar do Falcão
seguida, o verbo modal na forma negativa: "Can't be taught a thing" (3).170 Tal como já
aconteceu, nomeadamente em "Snail", o autor recorre à comparação entre dois seres de
dimensões antinómicas: a abelha e o sol - "Like the sun, she's on course forever." (4) -, sendo
esta comparação sobretudo um pretexto para celebrar aquele ser dimensionalmente pequeno.
Recorrendo à técnica da concentração do olhar em determinado pormenor tantas vezes neste
texto referida, a segunda estrofe mostra, desta vez, não o olhar do sujeito poético, mas sim o da
abelha centrado naquelas que podem ser vistas como fornecedoras da matéria-prima para o
fabrico do mel: as flores.
As if nothing else at all existed
Except her flowers. No mountains, no cows, no beaches, no shops. Only the rainbow waves of her flowers
[...]
A flying carpet of flowers
- a pattern
Coming and going - very loosely woven -
Out of which she works her solutions.171
A centralidade das flores no mundo da abelha contrasta com a importância que usualmente é
atribuída ao sol, o outro elemento em destaque no poema, e que é tido como fonte de vida. É por
170 Sublinhado meu.
171 Hughes (Poems), and Baskin (Drawings), Flowers and Insects, 39. Versos 4 - 13. Sublinhado meu.
98
O Olhar do Falcão
este motivo que o sujeito poético declara: "But the Honey Bee/Cannot imagine him [the Sun],
in her brilliance" (17, 18). Apesar desta afirmação, o final do poema mostra o reconhecimento
da presença do Sol no mundo natural - sobretudo sobre as flores - por parte do sujeito lírico:
"Though he's a stowaway on her carpet of colour-waves" (20). As dimensões pequenas da
abelha são esquecidas quando o leitor atenta na ilustração minuciosa de Baskin, concebida
particularmente para este poema. É que à ilustração foi reservada uma página do livro, espaço
este quase por inteiro preenchido.
Figura 12 m
"Saint's Island" é um poema cuja temática poderá ser apresentada numa frase simples:
o nascimento e o anúncio da morte das efémeras. Este nascimento é apresentado de forma
indirecta, mas com conotações positivas - "This is a day for small marvels." (1) - e o motivo é
logo apontado: "The Mayflies are leaving their Mother" (2). O sujeito poético centra então a sua
atenção no ventre que alberga estes seres - o lago -, como mostra o seu relato sobre este espaço
172 Hughes (Poems), and Baskin (Drawings), Flowers and Insects, 38.
99
O Olhar do Falcão
observado: "The ridgy Lough/Weird womb." (4, 5). As efémeras são, de seguida, descritas
como pequenos monstros que em conjunto são aqui chamados "The Green Drake" (8) e cuja
única vontade é a de nascer: "But today - it wants to be born." (15) Continuando com o olhar
centrado no lago, há a partir do nono verso uma associação da vida à matéria grosseira que é a
lama e que também se encontra no mesmo ventre de onde irão nascer as efémeras. Salienta-se
depois, naquele que é uma espécie de refrão do poema, a temática central: "The Mayflies are
leaving their Mother." (27)
Com o objectivo de descrever ao leitor este nascimento de forma mais pormenorizada,
o sujeito poético, utilizando de forma explícita no seu discurso a analogia fotográfica, aproxima-
se um pouco mais de toda a cena: "I glimpse one labouring - a close-up/In the brow of a wave./I
glimpse the midget sneeze -" (28 - 30)173. Esta aproximação parece também ter sido efectuada
por Baskin que ilustrou o poema com uma figura bastante pormenorizada e de dimensões
grandes já que ocupa quase por completo duas páginas do livro.
Sublinhado meu.
Hughes (Poems), and Baskin (Drawings), Flowers and Insects, 28, 29.
100
O Olhar do Falcão
Esta aproximação relembra ao sujeito lírico algo passado, cuja contemplação o poema regista
entre parêntesis, como um aparte:
(One time I found one had failed.
It wallowed in the oil of light.
I saw through my lens a tiny leech
Corkscrewed into its head.)175
Após análise do excerto, uma vez mais podemos verificar a referência explícita tanto à analogia
da câmara como, através do adjectivo "tiny", a alusão às dimensões reduzidas dos elementos
observados. É então que ocorre finalmente o nascimento que até aqui havia sido anunciado: "And
there they go. The Lough's words to the world./This is what it thinks./This is what it aspires to,
finally." (44 - 46) Tendo em mente a curta vida das efémeras logo após o seu nascimento, o eu
poético interroga-se sobre este desprendimento da efémera relativamente à Natureza ser ou não
uma libertação que conduzirá à vida: "Into life?" (49). É a partir daqui que um poema que era
aparentemente sobre o nascimento e, por isso, celebração da vida, passa a ser um poema que fala
de morte. Há seguidamente uma preocupação do sujeito poético em indicar o rumo seguido pela
figura em destaque no poema: "Toward the Island" (58). Será neste espaço físico que as
efémeras se amontoarão - "They crowd in under the boughs,/Keels under every leaf (60, 61) -
e a resposta à questão apresentada no verso 49 - "Into life?" - será oferecida, com referência
explícita à morte:
Hughes (Poems), and Baskin (Drawings), Flowers and Insects, 27. Versos 34-37.
101
O Olhar do Falcão
this isn't their world
Their world is over.
Their feastings are complete. Their jaws are tied up.
This is their underworld,
Their beach-head in death, because they are already souls -176
É com esta referência à morte que o sujeito poético desvia o seu olhar das efémeras e passa a
centrar a sua atenção em outros pormenores do espaço natural, espaço esse que evidencia traços
de decomposição e que, por isso, caminha para a morte: "Everywhere under the leaves/You see
their mummy moulds" (86,87) Esta imagem, anunciada através da conjunção adversativa "But",
contrasta com a imagem oferecida no verso seguinte, novamente com o olhar do eu poético
centrado nas efémeras: "But they've gone up into sunlight, a wet shimmer" (91). É de salientar
que o retrato de morte até então anunciado deixa de ser mencionado e, após se apontar no poema
a referência temporal - "All day till evening" (95) - é mencionado o poder do sol, fonte de vida,
naquela que é uma espécie de ressurreição da figura em destaque no poema:
And they are coming out!
But now like Dervishes, truly they are like those,
Touched by God,
Drunk with God, they hurl themselves into God -
[■■■]
They are casting themselves away, They abandon themselves, they soar out of themselves,
176 Hughes (Poems), and Baskin (Drawings), Flowers and Insects, 29. Versos 65 - 69.
102
O Olhar do Falcão
Space can't hold them.177
No final, e porque o objecto de observação do sujeito poético desapareceu deste cenário - "The
wind carries them out." (129) - há o desvio do olhar do eu do poema que passa a concentrar-se
num outro ser desta paisagem: "The big trout" ( 131 ). O poema termina com uma partilha entre
o eu poético e o leitor. Trata-se do lançamento de uma questão existencial - "(What are we doing
on earth?)" (135) - e termina retratando o espaço natural onde tudo ocorreu: "All round
us/Fanatics faint and wreck shuddering, gently,/Onto the face of evening." (136 -138) Este final
sumaria também as temáticas discutidas ao longo de todo o poema: na Natureza há, lado a lado,
espaço para a vida e para a morte.
O título "A Cranefly in September" oferece ao leitor duas referências: a entidade do
poema e a referência temporal. O início deste mostra o olhar do sujeito poético centrado na
actividade e no espaço por onde se desloca essa entidade que depois é nomeada como "she":
She is struggling through grass-mesh - not flying,
[...] Rocking like an antique wain, [...] Across mountain summits (Not planing over water, dipping her tail)
But blundering [...]
Aimless in no particular direction178
Hughes (Poems), and Baskin (Drawings), Flowers and Insects, 31. Versos 114 - 126.
Hughes, A March Calf, 84. Versos 1 - 9.
103
O Olhar do Falcão
Após a descrição dos movimentos errantes que o título do poema apresenta como sendo de uma
típula, há a partir do verso 18 uma concentração do eu poético na presença animal do poema.
É então que ocorre um retrato físico minucioso desta recorrendo aquele ao uso de analogias
tanto do meio natural - plantas e animais -, como do meio já com vestígios da passagem humana:
Her jointed bamboo fuselage,
Her lobster shoulders, and her face Like a pinhead dragon, with its tender moustache, And the simple colourless church windows of her wings.
[...] The monstruous excess of her legs and curly feet179
As analogias estabelecidas no poema espelham o olhar do eu poético centrado primeiramente no
corpo do insecto - visto como uma carcaça e aproximado visualmente do bambu - e, de seguida,
dirigido para a descrição de pormenores particulares: primeiro os ombros - com analogia à
lagosta -, depois a face - comparada a um dragão - e, particularizando ainda mais, há uma
aproximação da face para ter lugar a alusão ao bigode. Distanciando-se, de seguida, um pouco,
as asas tornam-se então no objecto de concentração do olhar do sujeito poético. Tendo como
elemento comum a cor, ou melhor, o facto de não ostentarem qualquer cor, é estabelecida uma
afinidade entre as asas e os vitrais de uma igreja. Todos estes elementos descritos são usados
com o propósito de expressar uma certeza do sujeito lírico: " [It] Will come to an end, in mid-
search, quite soon./Everything about her, every perfected vestment/Is already superfluous." (22 -
Hughes, A March Calf, 84. Versos 19-25.
104
O Olhar do Falcão
24) Após a referência do caminhar para a morte por parte da típula há, uma vez mais, o olhar do
eu do poema centrado no corpo do animal para, desta vez, falar das pernas e das patas.
Abandonada a descrição física deste ser, há novamente a atenção centrada no espaço
natural, espaço este que evidencia abandono e também traços de morte: "The frayed apple leaves,
the grunting raven, the defunct tractor" (29) O final do poema mostra a figura em destaque
abandonada pela própria Natureza: "The sky's northward September procession, [...]/Abandons
her" (32 - 34). Este abandono é, do meu ponto de vista, a libertação deste ser para cumprir
aquilo que ao longo do poema foi anunciado: a morte.
105
IV - Conclusão
There are no words to capture the infinite depth of crowiness in the crow's flight. All we can do is use a word as an indicator, or a whole bunch of words as a general directive.
Ted Hughes1
Capturing the object was Hughes's earliest aim.
Edward Larrissy"
180 Hughes, Poetry in the Making, 119.
181 Larrissy, Reading Twentieth-Century Poetry, 125.
O Olhar do Falcão
A julgar pela primeira epígrafe aqui transcrita, Hughes parece ser de opinião que as
palavras se revelam insuficientes para a captura e consequente representação de um real.
Sublinho parece porque, se atentarmos na poesia hughesiana e em particular na temática desta
dissertação, esta afirmação de Hughes não fará qualquer sentido. Um dos louvores tecidos pela
crítica literária à obra poética de Ted Hughes é precisamente a sua genialidade na capacidade de
observar e representar o real bem como a sua perícia na forma como conduz o olhar do leitor e
o leva a centrar-se unicamente naquilo que deseja colocar sob observação. As palavras com que
Hughes prossegue a afirmação em parte transcrita na epígrafe contrastam igualmente com os
conteúdos da afirmação uma vez que na escolha do vocabulário nada foi deixado ao acaso e em
tudo se revela mestria verbal:
But the ominous thing in the crow's flight, the bare-faced,
bandit thing, the tattered beggarly gipsy thing, the caressing and
shaping yet slightly clumsy gesture of the down-stroke, as if the wings
were both too heavy and too powerful, and the headlong sort of
merriment, the macabre pantomime ghoulishness and the undertaker
sleekness - you could go on for a very long time with phrases of that
sort and still have completely missed your instant, glimpse knowledge
of the world of the crow's wingbeat. And a bookload of such
descriptions is immediately rubbish when you look up and see the crow
flying.182
É técnica recorrente na poesia hughesiana o autor oferecer ao leitor descrições tão
pormenorizadas que se cria neste a ilusão de estar a presenciar a cena no momento em que tudo
Hughes, Poetry in the Making, 119, 120.
108
O Olhar do Falcão
ocorre. Este tipo de descrição em que nada parece ser esquecido tem ainda como objectivo fazer
com que o leitor como que visualize aquilo que o olhar de Hughes outrora registou. Esta prática
ganha ainda maior evidência por centrar-se quase exclusivamente no observado, como que
elidindo do poema a instância autoral e os sinais de um propósito face ao leitor.
Ao longo desta dissertação procurei mostrar que, em determinados momentos, esta
condução do olhar leva o leitor a fixar a sua atenção em realidades de dimensões reduzidas e que
habitualmente não são objecto de qualquer atenção. Começo, então, por destacar aquele que foi
o primeiro grupo de poemas analisado no segundo capítulo: "Eclipse", "Buzz in the Window"
e "Two Tortoiseshell Butterflies". Neste conjunto há o olhar do sujeito poético que observa e
descreve minuciosamente duas aranhas na consumação do acto de acasalamento, uma aranha e
uma mosca - predador e ser devorado, respectivamente - num acto instintivo de sobrevivência
em que se estabelecem relações de força, e duas borboletas no acto de cortejo onde, tal como
no primeiro poema deste grupo, se referem as capacidades sedutoras da fêmea. Esta
concentração nas figuras animais em destaque nos poemas feita de forma exaustiva pelo eu
poético e em que se mostram pormenores físicos quase invisíveis a olho nú, é o motivo pelo qual
reafirmo que Hughes adopta um procedimento que parece só ser possível graças ao uso de um
instrumento de ampliação.
A acompanhar estas estratégias de captura e condução do olhar do leitor não pode ser
esquecida a particular eficácia do autor no uso da linguagem. A linguagem é, de acordo com o
próprio Ted Hughes, a ferramenta usada para pôr em prática as suas técnicas de representação
do real. Hughes advoga sobre a linguagem: "Words are tools, learned late and laboriously and
easily forgotten, with which we try to give some part of our experience a more or less permanent
109
O Olhar do Falcão
shape outside ourselves."183 A linguagem usada na poesia hughesiana revela-se quase sempre
simples e clara, propondo-se persuasivamente como se fosse uma apropriação linear e literal do
real que representa. Esta minha apreciação da simplicidade da linguagem hughesiana é partilhada
por Keith Sagar, por exemplo, que fala da linguagem poética usada pelo autor em estudo nesta
dissertação da seguinte forma: "The West Riding dialect has remained Hughes' stable poetic
speech, concrete, emphatic, terse, yet powerfully, economically eloquent. It is a speech in which
a spade is called a spade."184 Sobre o mesmo assunto, também Nick Bishop salienta: "[...] the
common denominator [of Hughes's language] is an obsessive preoccupation with words-as-
words, with the expressive resources of language - language almost as world-unto-itself."185
Assim, devo aqui destacar dois grupos de poemas do corpus nos quais a já referida eficácia do
autor no uso da linguagem é preponderante. O primeiro - composto por "The Red Admirai",
"Dragonfly" e "Worm" - evidencia uma construção linguística simples à qual a sonoridade da
rima emparelhada ajuda a dar condições lúdicas; o segundo - "Sandflea", "Snail", "Worm" e
"Ragworm" - personifica as próprias presenças animais que, através do discurso directo,
celebram a sua beleza física ou lamentam a sua fealdade. Claro que estes aspectos não podem
deixar de ser referidos em conjunto com a técnica de representação recorrente de particularização
ou concentração do olhar no pormenor. Por vezes até, o autor usa outras formas de dimensões
gigantescas para, através do contraste, evidenciar estes seres dimensionalmente pequenos. É isto
visível neste conjunto de poemas nomeadamente em "Sandflea" e "Snail".
183 Hughes, Poetry in the Making, 119.
184 Sagar, The Art of Ted Hughes, 7.
185 Sagar, ed., The Challenge of Ted Hughes, 1.
110
O Olhar do Falcão
Como pudemos constatar, a poesia de Ted Hughes - sobretudo nos poemas do corpus -
tem como objecto dominante de apreensão o reino animal. Gifford and Roberts justificam: "[...]
animal vitality is seen to be part of the same cycle of conflicting forces at work in the landscape.
The creative - destructive tension in animals is a natural part of the larger cycle of the forces in
the universe."186 É por este motivo que uma das temáticas recorrentes em alguns dos poemas do
corpus é a representação de relações de força no espaço natural e, enquanto se retratam essas
mesmas relações de força, o sujeito poético louva as presenças animais em destaque. Exemplifica
esta minha afirmação o quarto grupo de poemas analisado no segundo capítulo: "Mosquito",
"Spider" e "The Mayfly is Frail". Nestes - em particular no primeiro e no terceiro poemas - há
a valorização das capacidades de sobrevivência e da força destes seres aparentemente frágeis -
se pensarmos nas suas dimensões pequenas - que se revelam capazes de superar fenómenos
gigantescos do meio natural. Outras vezes, tal como evidencia o segundo poema deste grupo,
há a admiração pela capacidade de construção de artefactos - por exemplo, a teia.
Mas a concentração na anatomia destes seres dimensionalmente pequenos nem sempre
é usada para os louvar; por vezes serve para mostrar as suas limitações ou, através da ironia,
fazer com que o leitor reconheça a sua importância. É isto que acontece em "Caddis", "In the
Likeness of a Grasshopper" e "The Fly". Os dois primeiros poemas deste conjunto retratam as
presenças animais como geringonças frágeis e inseridas no seu próprio habitat: o ambiente da
beira-rio e o campo. Esta opção é justificada com o concentrar do olhar do sujeito poético
seguido de descrição física , uma vez mais minuciosa, destes insectos. Já o terceiro poema,
Gifford, and Roberts, Ted Hughes, 75.
I l l
O Olhar do Falcão
igualmente centrando-se em partes específicas da mosca - em particular aquelas que ajudam na
sua excelente capacidade de detecção de sujidade - e metaforizando-a na figura do inspector
sanitário, procura incutir no leitor a importância de um animal associado à sujidade na limpeza
da Natureza. Quero aqui ainda vincar que o reino animal retratado na poesia hughesiana por
vezes é muito mais que uma mera descrição ou louvor daquele já que, como anteriormente nesta
dissertação foi referido, os críticos são unânimes em afirmar que os animais funcionam na obra
poética de Hughes como uma extensão da força e vitalidade interior humana. É por isso que o
conjunto que formou o sétimo grupo de poemas analisado no segundo capítulo funciona como
uma espécie de pretexto para discutir questões sobretudo relacionadas com a valorização do
trabalho na comunidade animal que pode ser estendido às comunidades humanas, ou para discutir
questões que se prendem com a existência humana - como as questões da vida e da morte. E o
que revelam os poemas "Ants", "Bees", "The Honey Bee", "Saint's Island" e "A Cranefly in
September". O primeiro destes poemas retrata a agitação habitual no formigueiro, agitação esta
necessária à sobrevivência deste; também o segundo poema descreve, de forma semelhante, os
movimentos das abelhas na colmeia de modo a obter o mel; o terceiro mostra a centralidade do
olhar da abelha nas flores devido à sua importância para o fabrico do mel; o quarto e quinto
poemas apresentam retratos minuciosos do meio natural que apresenta vestígios de morte,
vestígios esses sintomáticos da própria morte destes insectos.
Hugh Underbill, referindo-se ao real apreendido e retratado por Ted Hughes, constatou
o seguinte: "It seems a general problem in the world of Hughes's poetry that the human
communities implicated are almost always those of farm or village, not the communities in which
112
O Olhar do Falcão
most modern people live."187 De facto, nos raros momentos em que Hughes fala de comunidades
humanas na sua poesia, estas situam-se sempre no espaço da quinta, aquele que segundo
Underhill é o espaço por excelência para o homem e a Natureza se encontrarem.188 Isto deve-se
ao facto de haver uma preocupação por parte deste poeta em aproximar o homem da Natureza
tal como acontecera no passado, antes mesmo da Revolução Industrial ou do desabrochar da
época moderna. Aliás, num dos grupos de poemas analisados - "Performance" e "Gnat-Psalm" -
a atenção dedicada às figuras animais em destaque nos poemas atinge o mesmo nível de
importância que o ambiente natural por onde se deslocam e o olhar do sujeito poético dá
destaque a pormenores dos animais e da paisagem. Há ainda a percepção do ambiente como
responsável pela metaforização da presença animal na figura do actor - como mostra o primeiro
poema -, ou sintomático da alegria e agitação que caracterizam a presença animal retratada no
segundo poema. Como igualmente mostrei nesta dissertação, a causa ambientalista é uma outra
vertente da personalidade de Ted Hughes e o corpus aqui apontado mostra uma chamada de
atenção do autor para a beleza do meio natural, beleza essa também presente nos seus elementos
mais minúsculos.
Esta apreensão da beleza do reino animal evidenciada na poesia de Hughes remonta à
captura de animais a que o autor se dedicou inúmeras vezes durante a sua infância, como ele
mesmo recorda e reconhece: "There are all sort of ways of capturing animals and birds and fish.
187 Hugh Underhill, The Problem ofConsciousness in Modern Poetry (Cambridge: Cambridge University Press, 1992)288.
188 Pode ler-se no original: "[...] the farm is the place where man and nature most intimately do meet." (Underhill, The Problem of Consciousness in Modern Poetry, 296.) Esta concepção da quinta é quase exaustivamente discutida por Craig Robinson quando se refere à obra Moortown Elegies, capítulo inserido em Sagar, ed., The Achievement of Ted Hughes, 257 - 284.
113
O Olhar do Falcão
I spent most of my time, up to the age of fifteen or so, trying out many of these ways and when
my enthusiasm began to wane, as it did gradually, I started to write poems." 189 Aliás, o próprio
Hughes aproxima a escrita de um poema da captura de um animal, como é evidenciado em
Poetry in the Making no capítulo intitulado "Capturing Animals".190 Esta mudança no método
de captura - abandono das armadilhas para uso das palavras como forma de prender esses
mesmos animais e o espaço no qual se movimentam - só posteriormente foi reconhecida pelo
autor:
Now I have no doubt. The special kind of excitement, the slightly mesmerized and quite involuntary concentration with which you make out the stirrings of a new poem in your mind, then the outline, the mass and colour and clean final form of it, the unique living reality of it in the midst of the general lifelessness, all that is too familiar to mistake. This is hunting and the poem is a new species of creature, a new specimen of the life outside your own.191
Por retratar sobretudo a vitalidade animal como extensão do dinamismo humano, é
comum os críticos falarem da poesia hughesiana estabelecendo comparações entre esta e os
animais. Contudo, esta analogia foi originalmente criada pelo próprio autor que afirmou:
189 Hughes, Poetry in the Making, 15. Após estudo da obra hughesiana, Keith Sagar concluiu que o primeiro animal capturado num poema por Ted Hughes foi o jaguar: "The jaguar [...] was the first of Hughes' beasts to be captured in all its vivid otherness in a poem." (Sagar, The Art of Ted Hughes, 9.)
190 Ver Hughes, Poetry in the Making, 15-31.
191 Hughes, Poetry in the Making, 17. Sublinhado meu.
114
O Olhar do Falcão
[...] I think of poems as a sort of animal. They have their own
life, like animals, by which I mean that they seem quite separate from
any person, even from their author, and nothing can be added to them
or taken away without maiming and perhaps even killing them. And
they have a certain wisdom. They know something special...
something perhaps which we are very curious to learn.192
Hughes, mostrando alguma empatia com o leitor, questiona posteriormente esta analogia para
logo de seguida explicá-la:
How can a poem, for instance, about a walk in the rain, be like
an animal? Well, perhaps it cannot look much like a giraffe or an emu
or an octopus, or anything you might find in a menagerie. It is better
to call it an assembly of living parts moved by a single spirit. The
living parts are the words, the images, the rhythms. The spirit is the
life which inhabits them when they all work together. [...] So, as a
poet, you have to make sure that all those parts over which you have
control, the words and rhythms and images, are alive. [...] Words that
live are those which we hear, like 'click' or 'chuckle', or which we
see, like 'freckled' or 'veined', or which we taste, like 'vinegar' or
'sugar', or touch, like 'prickle' or 'oily', or smell, like 'tar' or 'onion'.
Words which belong directly to one of the five senses.193
A leitura deste excerto evidencia a materialidade da linguagem na poética hughesiana, mas para
que ela complete os seus objectivos, os cinco sentidos - e, para os propósitos desta dissertação,
192 Hughes, Poetry in the Making, 15.
193 Hughes, Poetry in the Making, 17.
O Olhar do Falcão
em particular a visão - adquirem igualmente contornos elevados. Esta importância da visão está
presente não só nos poemas como também nas figuras que acompanham alguns desses poemas
a que aludi quando no segundo capítulo as usei como exemplificativas da representação visual
do detalhe. Estas ilustrações dos textos líricos podem ser importantes por vários motivos: por
evidenciar pequenos aspectos mencionados nos poemas, por complementar a leitura dos mesmos,
para contrastar com a leitura, ou ainda para engrandecer o papel da visão. Obviamente os outros
sentidos também têm papel de destaque nalguns momentos, mas esses aspectos poderão ser
objecto de estudo num futuro trabalho de investigação.
A questão da representação visual a nível do pormenor foi usada como perspectiva
orientadora da selecção do corpus e da sua leitura. Enunciei ao longo desta dissertação, e em
particular no segundo capítulo, as várias formas eleitas por Ted Hughes para representar
visualmente a nível da minúcia muitos dos animais por ele eleitos, assim como aquelas que podem
ser designadas como técnicas usadas pelo autor para capturar o real. No que diz respeito às
questões de representação muito mais havia a referir, até porque é uma concepção complexa e
geradora de questionações e problemáticas entre os estudiosos, mas o propósito desta
dissertação foi apenas mostrar como em certos momentos da poesia hughesiana a representação
visual e em particular do pormenor visual ganha um destaque que a torna de abordagem
imperativa. Esta abordagem revela-se necessária para ummelhor entendimento e um alargamento
da compreensão de alguma poesia de Hughes e da sua riqueza retórica, estilística e semântica.
Anthony Thwaite descreve da seguinte forma o mundo retratado na poesia de Hughes:
"The Hughes' world was one that was turbulently full of predatory animals, primitive violence,
116
O Olhar do Falcão
and moments of extreme human endurance - a bloody world ruled by impulse and instinct."194
Nesta dissertação procurei demonstrar que nem sempre a poesia hughesiana pode ser
caracterizada desta forma. É inegável que por vezes demonstra estes traços, mas o que aqui me
importou evidenciar foi a forma distinta como Hughes retrata o meio natural e a centralidade da
visão para tal. Por tudo isto afirmo que, recorrendo à estratégia de condução do olhar do leitor
para a singularidade e para a beleza das presenças animais de dimensões minúsculas, o grande
propósito da poesia hughesiana é engrandecer a Natureza.
194 Anthony Thwaite, Twentieth-Century English Poetry: An Introduction (London: Heinemann, 1978) 111.
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