o ofício de etnólogo roberto da mata

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PRÉ HISTÓRIA DA ANTROPOLOGIA A questão colocada na época do renascimento era saber se os que acabaram de serem descobertos eram, ou não humanos. Esboça-se duas ideologias: recusa pelo Estrangeiro: pela boa consciência de si e de sua sociedade Fascinação pelo estrangeiro: pela má consciência de si e de sua sociedade A FIGURA DO MAU SELVAGEM E DO BOM CIVILIZADO Diversidade era entendida como uma aberração. Uso dos termos Bárbaro, Natural e selvagens, primitivos e por fim subdesenvolvidos isso expulsava de nossa natureza todos aqueles que não participavam da nossa cultura. O selvagem era exatamente o inverso do civilizado. Critérios utilizados a partir do séc. XIV: A aparência física: estão nus, ‘peles de animais’. Comportamentos alimentares: comem carne crua. A Inteligência: eles falam uma língua ininteligível... A FIGURA DO BOM SELVAGEM E DO MAU CIVILIZADO A Figura do BOM selvagem e do MAU civilizado. O bom selvagem ‘nascerá’ no rousseauísmo do séc. XVIII. Aqui inverte-se os valores. Critica à civilização e elogio a “ingenuidade”. Diz Lery que nós os superamos em babárie. Depois esse fascínio passa-se ao idílico. Malinowski diz que o estudo das formas primitivas seria nosso refúgio, uma fuga da nossa cultura uniformizada. O SÉCULO XVIII A evidência do cogito, fundador da ordem do pensamento clássico, exclui da razão o louco, a criança, o selvagem, enquanto figuras da anormalidade. Será preciso esperar o século XVIII para que se constitua o projeto de fundar uma ciência do homem, isto é, de um saber não

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Resumos das ideias de Roberto da Mata

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Page 1: o Ofício de Etnólogo Roberto Da Mata

PRÉ HISTÓRIA DA ANTROPOLOGIA

A questão colocada na época do renascimento era saber se os que acabaram de serem descobertos eram, ou não humanos. Esboça-se duas ideologias: recusa pelo

Estrangeiro: pela boa consciência de si e de sua sociedade Fascinação pelo estrangeiro: pela má consciência de si e de sua sociedade

A FIGURA DO MAU SELVAGEM E DO BOM CIVILIZADO

Diversidade era entendida como uma aberração. Uso dos termos Bárbaro, Natural e selvagens, primitivos e por fim subdesenvolvidos isso expulsava de nossa natureza todos aqueles que não participavam da nossa cultura. O selvagem era exatamente o inverso do civilizado.

Critérios utilizados a partir do séc. XIV:

A aparência física: estão nus, ‘peles de animais’. Comportamentos alimentares: comem carne crua. A Inteligência: eles falam uma língua ininteligível...

A FIGURA DO BOM SELVAGEM E DO MAU CIVILIZADO

A Figura do BOM selvagem e do MAU civilizado. O bom selvagem ‘nascerá’ no rousseauísmo do séc. XVIII.

Aqui inverte-se os valores. Critica à civilização e elogio a “ingenuidade”. Diz Lery que nós os superamos em babárie. Depois esse fascínio passa-se ao idílico. Malinowski diz que o estudo das formas primitivas seria nosso refúgio, uma fuga da nossa cultura uniformizada.

O SÉCULO XVIII

A evidência do cogito, fundador da ordem do pensamento clássico, exclui da razão o louco, a criança, o selvagem, enquanto figuras da anormalidade.

Será preciso esperar o século XVIII para que se constitua o projeto de fundar uma ciência do homem, isto é, de um saber não mais exclusivamente especulativo, e sim positivo sobre o homem. O projeto antropológico (e não a realização da antropologia como a entendemos hoje) supõe:

1. A construção de um certo número de conceitos, começando pelo próprio conceito de homem, não apenas enquanto sujeito, mas enquanto objeto do saber.

2. A constituição de um saber que não seja apenas de reflexão, e sim de observação. Assim começa a constituição dessa positividade de um saber empírico (e não mais transcendental) sobre o homem enquanto ser vivo (biologia), que trabalha (economia), pensa (psicologia) e fala (linguística)...

3. Uma problemática essencial: a da diferença. Rompendo com a convicção de uma transparência imediata ao cogito, coloca-se pela primeira vez no século XVIII a

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questão da relação ao impensado, bem como a dos possíveis processos de reapropriação dos nossos condicionamentos fisiológicos, das nossas relações de produção, dos nossos sistemas de organização social...

4. Um método de observação e análise: o método indutivo. Os grupos sociais (que começam a ser comparados a organismos vivos), podem ser considerados como sistemas ‘naturais’ que devem ser estudados empiricamente, a partir da observação de fatos, a fim de extrair princípios gerais, que hoje chamaríamos de leis.

O projeto de um conhecimento positivo do homem – é, de um estudo de sua existência empírica considerada por sua vez como objeto do saber:

Examinemos o que mudou desde o séc. XV.

Trata-se em primeiro lugar da natureza dos objetos observados. Os relatos dos viajantes dos séculos XVI e XVII eram mais uma busca cosmográfica do que uma pesquisa etnográfica.

Simultaneamente, o destaque se desloca pouco a pouco do objeto de estudo para atividade epistemológica, que se torna cada vez mais organizada. Não basta mais observar, é preciso processar a observação. Não basta mais interpretar o que é observado, é preciso interpretar interpretações.

O cientista naturalista deve ser ele próprio testemunha ocular do que observa, pois a nova ciência – qualificada de “ciência do homem” ou “ciência natural” – é uma “ciência de observação”, devendo o observador participar da própria existência dos grupos sociais observados.

O obstáculo maior ao advento de uma antropologia científica está ligado a dois motivos essenciais:

1. A distinção entre o saber científico e o saber filosófico.

O conceito de homem tal como é utilizado no “século das luzes” permanece ainda muito abstrato, isto é, rigorosamente filosófico.

2. O discurso antropológico do século XVIII é inseparável do discurso histórico desse período, isto é, de sua concepção de uma história natural, liberada da teologia e animando a marcha das sociedades no caminho de um progresso universal.

Os primeiros teóricos da Antropologia - Durkheim e Mauss

Durkheim (1858- . Sua preocupação maior é mostrar que existe uma especificidade do social, e que convém consequentemente emancipar a sociologia, ciência dos fenômenos sociais, dos outros discursos sobre o homem, e, em especial, do da psicologia. Se não nega que a ciência possa progredir por seus confins, considera que na sua época é vantajoso para cada disciplina avançar separadamente e construir seu próprio objeto. Essa irredutibilidade do social aos indivíduos tem para Durkheim a seguinte consequência: os fatos sociais são “coisas” que só podem ser explicados sendo relacionados a outros fatores sociais...

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Marcel Mauss (1872-1950) Um dos conceitos maiores forjados por Marcel Mauss é o do fenômeno social total, consistindo na integração dos diferentes aspectos (biológico, econômico, jurídico, histórico, religioso, estético...), constitutivos de uma dada realidade social que convém apreender em sua integralidade.

Ora, prossegue Mauss, os fenômenos sociais são “antes sociais, mas também conjuntamente e ao mesmo tempo fisiológicos e psicológicos” (tendência multidisciplinar).

Não podemos portanto alcançar o sentido e a função de uma instituição se não formos capazes de reviver sua incidência através de uma consciência individual, consciência esta que é parte da instituição e portanto do social.

Finalmente, para compreender um fenômeno social total, é preciso apreendê-lo totalmente, isto é, de fora como uma “coisa”, mas também de dentro como uma realidade vivida.

O OFÍCIO DE ETNÓLOGO OU COMO TER “ANTRHOPOLOGICAL BLUES”

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Roberto Da Mata

Etnologia (Ramo das ciências humanas que tem por objeto o conhecimento do conjunto dos caracteres de cada etnia, a fim de estabelecer as linhas gerais da estrutura e da evolução das sociedades) tem 3 fases:

Fase teórico-intelectual: marcada pelo “divórcio” entre o futuro pesquisador e o seu objeto de trabalho, isso não significa ignorância, pelo contrário significa um excesso de conhecimento, no entanto, um conhecimento, teórico mediatizado pelo abstrato e não vivenciado, como livros, ensaios e artigos, não se baseia na experiência. COMPETÊNCIA ACADÊMICA

Fase período prática: antevéspera da pesquisa, onde deve-se planejar o que vai levar. PERTURBAÇÃO DE UMA REALIDADE

Fase pessoal ou existencial: é a própria experiência em si, deve ser globalizadora e integradora, deve sintetizar a biografia com a teoria, a prática do mundo com a do ofício. LIÇÕES QUE DEVO EXTRAIR DO MEU PRÓPRIO CASO. Entra em contato com outra cultura além da sua própria, e é se colocando como tradutor da mesma que começa o ofício.

Durante muito tempo a antropologia social esteve preocupada em estabelecer com maior precisão suas rotinas de pesquisa ou exercício do ofício. Os professores de antropologia falavam da importância de coletar um bom material para que deste nascessem novas teorias. Disso nasceram livros ensinando a realizar da melhor maneira tais rotinas. Da Mata não pretende denegrí-las e reconhece a importância das mesmas, no entanto diz que as rotinas são um mal necessário.

Ele diz que rotinas são um mal necessário por que elas delimitam atitudes impecáveis, que dizem respeito apenas aos objetos de trabalho e não mostram de fato o que está por trás de toda a rotina. Coisas vividas, emoções sentidas, dores, alegrias, impressões, dificuldades, tudo “por trás” de toda a pesquisa. Essas coisas que por mais que inerente às pesquisas não são explicitadas.

É como se lançasse mão de todas esses detalhes para que se siga infalivelmente a rotina aprendida na graduação. Esses detalhes são chamados de românticos ou anedóticos. A antropologia social é uma disciplina da mudança/mediação e com isso estabelece uma ponte entre dois universos, e para isso se utiliza de aparatos institucionais ou instrumentos de mediação. E isso é feito com todos os “ingredientes” das pessoas e do contato humano. Esses pontos anedotários, no entanto, são os pontos mais importantes para serem, simplesmente, depositados num lado obscuro da pesquisa. Esse é um modo, digamos infantil, de esconder a parte humana e fenomenológica da disciplina, com temor de revelar o quanto existe de subjetivo nas mesmas, esse temor aumenta quanto mais aumenta a preocupação com o rigor da disciplina. É não assumir o ofício, é não assumir a sensação do “antrhopological blues”.

Antrhpological Blues se quer cobrir e descobrir os aspectos interpretativos do ofício. Incorporar no campo das rotinas oficiais, aqueles aspectos extraordinários que surgem no relacionamento humano.

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Esquema:

Antropologia social – exótico – distância social – marginalidade (relativa ou absoluta) – segregação – estar só – e tudo termina na liminaridade e no estranhamento. Ser etnólogo, ou exercer etnologia, significa realizar uma dupla tarefa de:

Transformar o exótico em familiar: Essa primeira transformação corresponde ao próprio movimento original da disciplina que era o esforço na busca de enigmas sociais de seu tempo incompreendidos pelos meios sociais. Eles transformavam e reduziam coisas incompreendidas num sistema compreensível.

Transformar o familiar em exótico: corresponde ao momento presente, voltando-se para nossa própria sociedade. É tirar a capa de um membro de sociedade e de um grupo social específico para então, como etnólogo, estranhar alguma regra social e familiar e descobrir o exótico que foi petrificado (pelos mecanismos de legitimação) em nós.

É preciso a presença dos dois termos em ambos os casos que representam dois universos de significações e apenas um sujeito disposto a captá-los e apanhá-los. Essas duas transformações carregam em si uma relação homóloga (algo semelhante) e sempre conduzem a um encontro em si.

A primeira transformação leva ao encontro do que sua cultura identifica como bizarro, dessa forma a viagem do etnólogo é dividida em três partes:

1. Saída da sua cidade2. Encontro com o outro3. Retorno “triunfal”

O pesquisador é o ultimo agente da sociedade por que busca os imponderáveis (que não se pode medir, que não se pode ter certeza absoluta) da vida social.

Na segunda transformação, a viagem é como no xamanismo (viagem pradentro ou para cima), não se sai do lugar. Conduz ao encontro com o outro e ao estranhamento.

Essas duas transformações estão relacionadas e ambas não são perfeitas. O exótico nunca pode se tornar familiar e o familiar não pode deixar de ser exótico. Elas indicam:

Um ponto de chegada: momento em que o pesquisador consegue se familiarizar com a cultura diferente e obtém competência sobre a mesma. Isso é realizado por meio do intelecto.

Um ponto de partida: Tornar algo familiar em exótico. Necessita de um desligamento emocional, pois tudo o que foi apreendido da cultura não foi obtido por meio do intelecto e sim por coerção socializadora.

É na transformação que devemos encontrar a definição precisa de Antrhopological Blues, demarcando-a como elemento que aparece na prática etnológica mas que não estava sendo esperado. Blues por causa da repetição se suas frases para tornar-se perceptível a tristeza e a saudade expressas em suas letras. Essas coisas são refletidas na obra do etnólogo causando-lhe surpresa. O sentimento e a emoção (SUBJETIVIDADE) se insinuam ao etnólogo e são hospedes não convidados, como

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bem diz Lévi-Strauss. Essa intrusão é um dado que pertence a todo o sistema de pesquisas e, se manifesta de diversas formas, que mostram a surpresa do etnólogo diante de um assalto de emoções. Isso acontece por que tais pesquisas não são realizadas num vazio, em qualquer lugar pode-se ouvir o antrhopological blues.

Ainda entre esses dois momentos a chegada e a partida há outro ponto importante: a descoberta etnográfica. Até no momento da descoberta, onde o intelecto avança, aparecem as emoções, a vontade de compartilhar o gosto da vitória. No entanto o etnólogo está sozinho. Para descobrir precisa se relacionar e quando descobrem se isolam em seu mundo. O oposto ocorre também quando usa por diversas vezes a razão para neutralizar os seus sentimentos e continuar de fora. De acordo com os manuais se coloca apenas o problema do fato de o pesquisador identificar-se com os nativos e não se coloca o contrário, os nativos se identificarem com o pesquisador. Tudo é fundado na alteridade, só existe antropólogo se existir um nativo informante. E só há dados se houver um processo de empatia.

Isso indica que o pesquisador não está só. E quando o trabalho termina volta com sua pesquisa, no entanto agora está longe daqueles nativos, e ao lembra-los novamente sente uma ligação nostálgica, o que denominamos de antrhopological blues.

CONCLUINDO:

Em antropologia precisa-se recuperar as relações pesquisador/nativo que constitui o aspecto mais humano da pesquisa, é o que permite escrever uma boa etnografia. Sendo que sem ele é impossível distinguir, por exemplo, piscadelas, como diz Geertz. E é isso que distingue a descrição densa (antropológica) da inversa (fotográfica, mecânica do viajante ou missionário). Para isso cruza-se com os caminhos da subjetividade, emoções, etc.

Antropologia social é uma ciência interpretativa para confrontar e tratar a subjetividade. É admitir o antrhopological blues e o romantismo de toda a pesquisa e de que o homem não vive sozinho, que ele precisa do outro como seu espelho, como seu guia.

OBSERVANDO O FAMILIAR

Gilberto Velho

Ciências sociais exigem uma certa distancia para que haja objetividade, além de um olhar imparcial, evitando envolvimentos. O que gerou o método quantitativo que seria

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mais “neutro” e “científico”. Nem todos os acadêmicos partilham dessa ideia, tanto que a noção de que o envolvimento com o objeto de estudo não é sinônimo de imperfeição já foi dita.

Antropologia identificou-se com os métodos qualitativos (observação, contato direto, entrevista etc). Para se conhecer certas áreas ou dimensão social é preciso um tempo razoavelmente longo, pois existem coisas não explicitadas em determinadas sociedades que exigem um esforço maior, um tempo maior. No entanto pôr-se no lugar do outro para captar vivências e experiências é complexo demais para ser delimitado em tempo. Trata-se da distância social e psicológica. E isso foi bem explicitado em Da Matta.

O fato de dois indivíduos estarem próximos fisicamente não quer dizer que são mais próximos que se fossem de sociedades diferentes, no entanto essa proximidade física os aproxima também em gostos, hábitos, idiossincrasias (o temperamento de cada indivíduo e a influencia do outro).

O que diferencia o sócio-cultural do psicológico? Bom, podemos dizer que a esfera psicológica é ter assuntos, experiências, vivências em comum. A unidade seria dada não apenas por língua e cultura em comum, mas por uma vivência ou experiência em comum. Essa divisão em países e culturas é algo produzido, fabricado e fez com que achássemos tudo o que vem “de fora” estranho, diferente, intruso, etc. Não é ser nacionalista ou internacionalista, mas é compreender que a categoria distância é muito complexa.

Voltando ao Da Mata, o que sempre vemos pode ser familiar, mas não conhecido, e o que não vemos pode ser exótico mas, até certo ponto, conhecido. O problema é que nos baseamos nessa familiaridade e exotismo como fonte de conhecimento e desconhecimento. Dentro de uma mesma sociedade há descontinuidades de culturas, entre o “mundo” do pesquisador e outros “mundos”, fazendo com que ele tenha estranheza comparável às viagens que faz a regiões “exóticas”. Isso não acontece com todas as pessoas quando a sociedade é hierarquizada. Por que dispomos de um mapa que nos familiariza com cenários, situações sociais, dando lugar, posição e nome aos indivíduos isso, no entanto, não quer dizer que conheçamos de fato tais pessoas, suas regras e motivações que dão continuidade à cultura.

Logo o pesquisador estando inserido nessa sociedade é inevitável a questão de seu lugar e as possibilidades de relativiza-lo ou transcende-lo para poder pôr-se no lugar do outro.

O pesquisador está inserido numa sociedade hierarquizada, com poderes estabelecidos ou seja interesses políticos desiguais, relações desiguais, divisão de classes e, além disso, como homem, tem suas emoções e sentimentos (subjetividade), e todas essas coisas permeiam o fazer científico, sendo impossível desprezá-las, logo não existe imparcialidade ou neutralidade.

É importante lembrar que, mesmo em sociedades mais hierarquizadas, há momentos onde é possível a relativização ou o rompimento com a hierarquia. Há sempre o

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dissenso e o conflito e a realidade vai sendo negociada pelos indivíduos que apresentam interesses diferentes. Embora haja mecanismos de acomodação o desvio e a contestação põem em cheque os valores dominantes. É nesse contexto que surge a ciência social como um meio crítico de analisar a sociedade e nessa tentativa ocorrem analogias com a psicanálise, para identificar mecanismos conscientes e inconscientes que dão continuidade a determinadas situações.

O grau de familiaridade varia e não é igual ao grau de conhecimento e pode se tornar um impedimento se não for relativizado. Isso por que meu conhecimento pode estar baseado em estereótipos. Até mesmo os pesquisadores atuam com classificações.

Geertz, quando enfatiza a interpretação em antropologia, diz que o processo de conhecimento da sociedade implica em subjetividade, o que torna o caráter aproximativo e não definitivo. Uma interpretação dentre muitas.

O objeto de estudo escolhido pelo pesquisador envolve a interpretação e um grau de subjetividade. A realidade é sempre filtrada por um ponto de vista do pesquisador que é diferenciada, isso não implica o fim do rigor científico mas a importância de conceber a objetividade mais ou menos ideológica e sempre interpretativa. Esse movimento de relativizar e ter noções de distância e objetividade torna o pesquisador mais modesto e permite observar o familiar sem paranoias de não conseguir imparcialidade e neutralidade. Por mais que os pesquisadores tentem ao máximo reunir dados verdadeiros e objetivos sua subjetividade sempre estará presente, trata-se de uma interpretação dos fatos sociais.

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CULTURA UM CONCEITO ANTROPOLÓGICO

Roque de Barros Laraia

Discute-se no livro o dilema da conciliação entre a unidade biológica e a diversidade cultural da espécie humana. Mesmo os homens derivando do mesmo tipo primitivo possuem modos e comportamentos diversificados.

Ao tomar nossa cultura como base para julgamentos a outras culturas e, além disso, nos convencermos de que ela é melhor do que as outras estaremos agindo de forma etnocêntrica. Montaigne tomado pelo sentimento de relativismo cultural diz que tomamos como bárbaro o que não praticamos em nossa terra. Ao julgar o outro não podemos nos tornar cegos em relação a nossa própria cultura.

Relação do etnocentrismo com o exótico do Da Mata: Na verdade o etnocentrismo se relaciona de forma clara com a noção que temos de exótico. Só tomamos uma cultura por exótica se ela for diferente da nossa própria cultura, e isso significa que estamos tomando nossa cultura como base para julgamentos, comparações e críticas, o que caracteriza o etnocentrismo.

Há tempo tenta-se encontrar explicações para diferenças culturais. No começo explicava-se pela variações dos ambientes físicos. No entanto essas explicações não foram suficientes. Para observar as diferenças existentes entre diferentes culturas basta observar nossos contemporâneos, de países diferentes, ou de um mesmo país e/ou região. Pode-se concluir que as diferenças de comportamento não podem ser explicadas por diversidades somatológicas (referente ao homem) ou mesológicas (referente ao ambiente).

DETERMINISMO BIOLÓGICO

Velhas teorias dizem que existem capacidades, características inatas à raça humana ou a grupos humanos. No entanto os antropólogos estão convencidos de que diferenças genéticas não determinam diferenças culturais. Felix Keesing disse que não existe relação entre a distribuição genética e comportamentos culturais, provando que qualquer criança poderia se adaptar a qualquer cultura se colocada na mesma desde seu nascimento.

A UNESCO juntamente com antropólogos, pesquisadores, físicos... elabora em 1950 uma declaração que dizia:

Genética não constitui um valor de importância para distinguir diferenças culturais, essas diferenças são explicadas pela história cultural de cada grupo. O que representa um fator importante aos homens é a possibilidade de aprender e sua plasticidade.

Não foi provada a tese que diz que grupos humanos se diferem uns dos outros por características psicológicas inatas. Pois aptidões mentais são quase as mesmas em todos os grupos étnicos.

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A espécie humana se diferencia por sexos diferentes (homem e mulher). No entanto essa diferença não determina diferença de comportamentos. Para provar isso temos exemplos de atividade que em uma cultura é atribuída a mulher noutra ao homem. A divisão do trabalho se baseia em características culturais e de costume e não desrespeito a características biológicas.

O comportamento dos indivíduos depende do aprendizado do processo de endoculturação. Meninos e meninas agem diferente não por suas características hormonais mas pela maneira como foram ensinados.

DETERMINISMO BIOLÓGICO

Considera que as diferenças do ambiente condiciona a diversidade cultural. Essa idéia esteve muito presente no séc. XIX – XX. Huntington dizia que a latitude interferia no progresso. Depois de 1920 os antropólogos refutaram esse determinismo e mais, disseram que é possível que num mesmo ambiente físico existam diferentes culturas.

Não é possível admitir a ação mecânica das forças naturais do ambiente sob o individuo receptor. Nós dentro da cultura podemos selecionar meios de recriar o ambiente além do que é oferecido por ele.

ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO CONCEITO DE CULTURA

Kultur era utilizado para representar aspectos espirituais. E a palavra civilization se referia as realizações materiais de um povo. Tylor sintetizou esses termos em Culture que é todo esse complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costume, ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem. Com uma definição Tylor abrangia todas as possibilidades de realização humana. E com isso marcava a característica de aprendizagem da cultura em oposição a idéia de que era inata ou biologicamente determinada.

Tylor foi o primeiro a sintetizar o termo cultura que já vinha crescendo na cabeça das pessoas. Até mesmo antes de John Locke quando disse que somos como uma caixa vazia dotada apenas para obter conhecimento através da endoculturação. Locke refutou princípios e características inatas e hereditárias e falou sobre relativismo cultural quando disse que os homens são governados por práticas e regras bem diferentes um dos outros.

Harris reflete a importância da obra de Locke quando diz que nenhuma ordem social é baseada em verdades inatas, mudança no ambiente resulta numa mudança no comportamento.

Algumas definições de cultura aparecem, mesmo que o próprio nome não seja usado com frequência.

Turgot diz que o homem é possuidor de um tesouro de signos que devem ser retidos e transmitidos. Essa definição foi reformulada por muitas pessoas

Rousseau diz que a educação é a possibilidade de transpassar de um macaco a um homem.

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Essas inúmeras definições pós Tylor, servem para admitir que até hoje não se chegou a um consenso sobre a definição de cultura, que permanece cada vez mais amplo. Tanto que Geertz diz que a maior tarefa da antropologia é diminuir essa amplitude de significação da cultura e faze-la um instrumento mais especializado e mais poderoso.

Tylor definiu cultura como todo o comportamento aprendido e que independe de uma transmissão biológica. Kroeber rompeu com o biológico e disse que a cultura tem supremacia sobre ele.

A primeira conquista do homem foi romper com o sobrenatural a segunda é o afastamento do natural e cultural.

As tentativas de clarear o conceito de cultura acabaram desconstruindo-a e construí-la novamente é uma das tarefas primordiais da antropologia moderna.

O DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE CULTURA

Tylor disse que cultura é um fenômeno natural que possui causas e regularidades por isso pode ser estudado e formularem leis sobre o processo cultural e sua evolução. Ele vai contra a ideia de natureza sagrada do homem, afirma igualdade da natureza humana podendo ser estudada e comparada com raças do mesmo grau de civilização. Se preocupa com a diversidade cultural, mas também com a igualdade existente na humanidade. Diversidade pra ele é explicada como resultado da desigualdade de níveis existentes na civilização. E era tarefa da antropologia estabelecer esses níveis colocando a sociedade europeia no extremo superior e tribos no extremo inferior. Para entender essas idéias de Tylor precisamos entender o contexto em que viveu, sendo época do apogeu do evolucionismo unilinear de Darwin. Ou seja, prevalecia a idéia de que cultura passava por transformações uniformes.

Stocking critica Tylor por deixar de lado a noção de relativismo cultural, no entanto Tylor não poderia pensar diferente, ele acreditava ser o desenvolvimento ou evolução do homem era linear, como comum em sua época e o relativismo cultural partia do pressuposto que o desenvolvimento ou evolução do homem era uma multilinear.

Tylor não cai no difusionismo (onde a cultura se desenvolve dentro de outras coisas que foram criadas). Ele acredita numa unidade psíquica da humanidade. Mas falha ao não assumir a multilinearidade dos caminhos da cultura. O mérito de Tylor está na crítica as pesquisa feita por viajantes, onde as afirmações feitas se baseavam em evidências erradas e não conclusivas.

Reacionário ao evolucionismo, temos Boas. No qual atribui a antropologia as seguintes tarefas.

Possibilidade de entender a história de um povo dentro de si mesma. Comparação de povos cujo desenvolvimento obedece a mesma lei.

Disse que comparações devem ser feitas por meio estudos históricos, das condições psicológicas e do ambiente. Desenvolveu o particularismo histórico, onde cada cultura segue seus próprios caminhos em função de sua história, ou seja, só pode ser multilinear.

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Kroeber disse que a cultura atua sobre o homem, e graças a ela o homem distanciou-se do mundo animal, onde há o acúmulo de conhecimento e a possibilidade de manipula-los, está acima de suas limitações orgânicas.

Kroeber reconhece a importância do aparato orgânico, nosso corpo, no entanto diz que para se manter vivo, independentemente do sistema cultural, precisamos satisfazer necessidades, e a forma de satisfazê-las é algo totalmente cultural. E a variação de formas de satisfação é que nos faz considerar o homem extremamente cultural. Algumas coisas são determinadas biologicamente/hereditariedade, outras nada tem a ver com hereditariedade. O comportamento é uma questão de aprendizado.

O homem em sua evolução, foi dotado de um instrumento de adaptação que ampliou seus sentidos, e não sofreu quase nenhuma modificação anatômica. O homem foi capaz de criar novas capacidades. O homem criou seu próprio processo evolutivo sem modificar seu sistema biológico. O homem tem a terra como seu habitat. Ao adquirir cultura perde sua característica animal. O homem diferente dos animais se adapta conforme a cultura em que for criado, o jeito e com quem for criado. A pesar de comum invocarmos a crença nas qualidades que supomos inatas o homem é resultado do meio cultural em que foi socializado. Não basta a natureza criar seres inteligente se não dispuser a esses seres materiais necessários à descoberta. Essa descoberta pode ser parecida ou mesmo igual em lugares completamente diferentes ou distantes com pessoas desconhecidas. Isso se explica pelo fato de que para alguns problemas existem limitações de alternativas que possibilitam invenções iguais ou parecidíssimas.

Concluindo a contribuição de kroeber para o desenvolvimento de cultura

Mais do que herança genética determina e justifica o comportamento humano. O homem age de acordo padrões culturais, seus instintos foram anulados. A cultura é o meio de adaptação aos diferentes ambientes. Sem que seja preciso

modificação no seu aparato orgânico. Em decorrência disso foi capaz de romper com limites ambientais, toda terra é seu

habitat Adquirindo cultura depende mais do aprendizado do que genética Processo de aprendizagem da cultura que determina seu comportamento Cultura é um processo cumulativo que depende da experiência histórica Gênios são indivíduos que usam o todo conhecimento que tem para criar coisas

novas.

Discussão de controvérsias do senso comum

Dizer que todos nossos instintos foram anulados, o que é falso, podendo ser comprovado o instinto em várias fases do desenvolvimento do criança.

Instinto materno, filial, de conservação, feminino são padrões culturais. Pois se fossem de fato instintos em toda a humanidade deveria se agir igualmente diante delas. Tudo o que o homem faz aprendeu com seus semelhantes e não decorre de imposições fora da cultura.

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Cultura como um processo acumulativo. Diferente dos animais toda experiência humana não morre com ele, é transmitidas aos outros, criando um interminável processo de acumulação.

A comunicação é um processo cultural. A linguagem é produto da cultura ao mesmo tempo que não existiria cultura se não existisse linguagem.

IDÉIA SOBRE A ORIGEM DA CULTURA

Preocupação em como o homem adquiriu cultura. Uma explicação simplificada seria dizer que o homem produziu cultura quando seu cérebro possibilitou tal feito. Uma resposta insuficiente que remete a outra pergunta: como então o cérebro se desenvolveu a ponto de chegar na posição de homem.

Lewin e Leackey explicam pelo fato da vida arborícola, onde necessitava da visão, que combinou-se com a utilização das mãos, abriu-se para o primata uma possibilidade tridimensional, de observar o objeto e atribuir significado, forma e cor.

Pilbeam relaciona o bipedismo um fator importante, que se desenvolveu por meio de pressões, para parecer maior e intimidar, para transportar alimentos, para utilizar armas etc.

Oakley destaca a posição erecta proporcionando maiores estímulos ao cérebro e consequentemente o desenvolvimento do cérebro. Cultura resultado de um cérebro mais volumoso e complexo.

Lévi-Strauss disse que cultura começou a existir quando criou-se a primeira regra o norma. Que seria o incesto.

Para Lesli White diz que a passagem do estado animal para o humano aconteceu quando o cérebro humano foi capaz de gerar símbolos. Esses símbolos não podem ser compreendidos pelos sentidos é necessário conhecer a cultura que o criou.

De todas essas explicações para cultura podemos extrair que é como se o homem tivesse dado um salto em relação a cultura, um ponto crítico, o auge, o surgimento. Assim como Kroeber em suas palavras disse em eclosão da cultura como um acontecimento súbito. Assim como para pensadores católicos que a cultura surgiu quando recebeu do criador uma alma imortal. E isso só aconteceu quando o corpo estava pronto para receber uma alma e uma cultura.

Geertz vem dizendo que o corpo humano se formou aos poucos. A duvida gerada pelo ponto critico está em que se diz que o homem era primitivo ainda, era capaz de receber alguns elementos da cultura, mas não todos, seu cérebro era 1/3 do atual e isso nos faz crer que o desenvolvimento de cultura é que o desenvolvimento do cérebro foi posterior a cultura. O desenvolvimento cultural vinha se processando bem antes de findar o desenvolvimento orgânico. O homem é produtor e produto da cultura e esta desenvolveu-se simultaneamente com o equipamento biológico. Por isso é considerada característica da espécie.

TEORIAS MODERNAS SOBRE CULTURA

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O maior desafio da antropologia tem sido a reconstrução do conceito de cultura. Kessing fez um esquema com todas as tentativas de obter-se uma precisão conceitual.

Primeiramente relaciona as teorias que consideram cultura como um sistema adaptativo.

Culturas são comportamentos transmitidos socialmente que servem para adaptar o homem aos seus embasamentos biológicos.

Mudança cultural é um processo de adaptação equivalente a seleção natural Os elementos da organização social, tecnologia, economia são os domínios

adaptativos da cultura. Os componentes ideológicos dos sistemas culturais podem ter consequências

adaptativas

Em segundo lugar fala das teorias idealistas da cultura que divide em três abordagens:

Os que consideram cultura como um sistema cognitivo Os que consideram cultura como um sistema estrutural Os que consideram cultura como um sistema simbólico

Geertz: todos nós nascemos com com equipamento para vivermos mil vidas e terminamos tendo vivido uma só.

Os antropólogos sabem de fato o que é cultura mas divergem bastante no modo de exterioriza-la.

A CULTURA CONDICIONA A VISÃO DE MUNDO DO HOMEM

Para Rute Benedict, cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo. Homens de cultura diferentes usam lentes diferentes e por isso tem visões desencontradas das coisas.

Nossa herança cultural (modo de ver o mundo, apreciações, comportamentos sociais, posturas corporais, que são resultado da operação de uma determinada cultura) nos faz agir de forma depreciativa com aqueles em que o comportamento se desvia da cultura padrão.

Individuos de culturas diferentes podem ser reconhecidos por diversas características comuns. Até atividades fisiológicas podem ser diversas em culturas diferentes pois são condicionadas por padrões culturais, que se diferem de homens para mulheres dentro de uma mesma cultura. Todos recebemos um equimamento anatômico, que é o corpo em si, no entanto a forma de utilizá-lo varia muito e depende dos padrões culturais vindos da herança cultural do grupo.

Keesing, refletindo sobre a condição humana diz que o homem perde muito de seu tempo separado em pequenos grupos, cada um com seus costumes e comportamentos.

O fato do homem ver o mundo através da sua cultura, é consequente achar-se melhor e mais correto. ETNOCENTRISMO, que é responsável por muitos conflitos sociais. É um fenômeno nacional é comum a crença de que a própria sociedade é o centro do

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universo. O etnocentrismo tem os germes do racismo, intolerância e é justificado para praticar violências. Etnocentrismo também está expresso na oposição de “nós e os outros”, os da família e os não familiares. De forma ampla pode ser o nacionalismo com xenofobia, aversão ao estrangeiro. Etnocentrismo pode ocorrer dentro de um mesmo país também e se exprime por apreciações negativas de padrões culturais diferentes.

Concluindo: a cultura interfere na satisfação das necessidades fisiológicas. (risada, parto, maneira de comer, etc.)

A CULTURA INTERFERE NO PLANO BIOLÓGICO

Como

Reação oposta ao etnocentrismo é apatia. Perda de crença nos valores e quebra da união. (Nostalgia mortal ou patológica dos escravos negros africanos levados para longe da sua terra). (Indios que perderam a crença em seus deuses pelo poder de dominação do homem branco). Exemplos de atuação da cultura sobre o psicológico.

Reação com a morte pela crença forte em algo. Pelto diz que a morte é causada por um choque psicofisiológico. Doenças psicossomáticas que tem sua causa nos processos mentais de pensamento e sentimento. (oque o nosso pensamento cria e de fato sente, o poder da mente associado a “crenças” ou mitos da sociedade). Cultura capaz de provocar cura de doenças.

OS INDIVÍDUOS PARTICIPAM DIFERENTEMENTE DE SUA CULTURA

A participação do individuo em sua cultura é sempre limitada. Não tem como o individuo participar de todos os elementos de sua cultura. (distribuição de gênero, idade por, exemplo são um limite). A nossa cultura utiliza-se de faixas etárias para determinar atitudes, hora são compreensíveis, noutra não.

Qualquer que seja a sociedade é impossível o individuo dominar todos os aspetos de sua cultura. Não existe sociedade perfeita. Nem indivíduos totalmente socializados. No entanto é necessário um grau mínimo de conhecimento de cultura para que possam se articular. Nem mesmo esse conhecimento mínimo garante a previsão de 100% dos casos, no entanto, na maioria dele é possível prever o resultado pois são regularidades. (agradecimentos, termos de parentesco, noções mínimas de etiqueta social) Não é necessário conhecer todo o sistema cultural, mas é necessário conhecimento mínimo para operar sobre ele.

A CULTURA TEM UMA LÓGICA PRÓPRIA

A visão existente de que existem sociedades pré-lógicas e sociedades lógicas já passou. Cada cultura tem sua lógica própria, e pensar diferente seria ver todas as culturas sob nossa lógica e considerar todo o resto irracional, visão completamente etnocêntrica. A coerência de um hábito só pode ser analisado na cultura em que pertence. (feitiçaria, (contribuição de Lévi-Strauss refutando a idéia de um evolucionismo onde os pensamentos mágico é o nível simples do pensamento cientifico. Ao invés da continuidade magia, religião e ciência, temos processos

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distintos e não sucessivos. O sábio não dialoga sozinho, está inserido em um meio e dispõe também de materiais.

Needham: Quando o etnólogo inicia seu estudo em um povo estranho, numa sociedade desconhecida, fica como um cego que vagarosamente começa a enxergar. O que ele quer dizer é que a cultura dá uma ordenação e sentido a essas situações embaraçadoras. Esse é um sistema de classificações.

Todas as sociedades dispõem de um sistema de classificação do mundo natural. E essas classificações são diversas. Entender a lógica de um sistema sociológico, depende das categorias (juízos, raciocínio) a que estão submetidos. Essas categorias não são necessariamente explicitas. Isso é relativismo cultural!

A CULTURA É DINÂMICA

A tendência é dizermos que a cultura de alguns povos é estática. Existe sim a mudança por que homens diferente dos insetos tem a capacidade de questionar e modificar, ainda que o ritmo seja menos acelerado. Qualquer sistema cultura está num contínuo processo de mudança. E existem dois processos de mudança:

Interna: resultante do próprio sistema cultural, quase imperceptível, pode ser dada por uma catástrofe, uma inovação tecnológica.

Resultado do contado de um sistema cultural com o outro: pode ser rápido e brusco como uma catástrofe ou não, sem danos nenhum.

É quase impossível um sistema cultural em que ocorra mudanças apenas internas. Para atender a questão externa surgiu um termo conceitual: aculturação (Processo de absorção de ou adaptação a uma cultura, por parte de um indivíduo). Essas mudanças comprovam o caráter dinâmico da cultura. Isso que faz com exista um abismo entre a cultura do pai e do filho. O tempo é um elemento importante na análise da cultura. Essas mudanças não ocorrem com facilidade, geram conflitos. Isso causa também opiniões diversas. É importante a compreensão das diferenças dentro da nossa própria cultura.