o novo brasil – as conquistas políticas, econômicas, sociais e nas relações internacionais

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Albert Fishlow condensa seu conhecimento nesta obra de valioso teor histórico, que reflete a complexidade dos acontecimentos econômicos e políticos dos últimos 25 anos no país.

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AS CONQUISTAS

POLÍTICAS, ECONÔMICAS,

SOCIAIS E NAS RELAÇÕES

INTERNACIONAIS

O novo BRASIL

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O Novo Brasil – As conquistas políticas, econômicas, sociais e nas relações internacionais

© 2011 Saint Paul Editora Ltda.1a Edição – 2011

1a reimpressão – 2011

Coordenação Editorial: José Cláudio SecuratoTradução: Paulo Migliacci Revisão: Bianca C. Fratelli

Capa: Karine Hermes Diagramação: Raquel Arruda

Saint Paul Editora Ltda.R. Pamplona, n. 1.616, portão 3 - Jardim Paulista - São Paulo - SP - Brasil

CEP 01405-002 www.saintpaul.com.br – [email protected]

Saint Paul Editora Ltda. é uma empresa do Grupo Saint Paul Institute of Finance S. P. Ltda.

Edição revisada conforme o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

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AS CONQUISTAS

POLÍTICAS, ECONÔMICAS,

SOCIAIS E NAS RELAÇÕES

INTERNACIONAIS

O novo BRASIL

Albert Fishlow

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O Novo Brasil – As conquistas políticas, econômicas, sociais e nas relações internacionais

Impresso no Brasil / Printed in Brazil.

Depósito Legal na Biblioteca Nacional conforme Lei n. 10.994, de 14 de dezembro de 2004.

Todos os Direitos Reservados – É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos do autor (Lei n. 9.610/1998) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

ISBN: 978-85-8004-012-8

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Fishlow, Albert O novo Brasil : as conquistas políticas, econômicas, sociais e nas relações internacionais / Albert Fishlow. -- São Paulo : Saint Paul Editora, 2011.

Bibliografia

1. Brasil - Aspectos econômicos 2. Brasil - Aspectos políticos 3. Brasil - Aspectos sociais 4. Brasil - Relações exteriores 5. Brasil - Relações internacionais I. Título.

10-11483 CDD-320.81

Índices para catálogo sistemático:

1. Brasil : Globalização política : História sociopolítica 320.81

Para Harriet, minha esposa e amiga eterna.

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PREFÁCIO

O Novo Brasil destina-se a ocupar um lugar singular na historiografia econômica do país. Tra-ta-se de uma radiografia do Brasil desde o fim do regime militar até os dias de hoje. Um verda-deiro tour de force, em que Albert Fishlow disseca a evolução da política, da economia, da área social e da política externa do país nos últimos vinte e cinco anos. Como nos quadros dos gran-des pintores, impressiona nesta obra, tanto o cuidado com análise factual, como a profundidade da perspectiva histórica e comparativa. Um estudo detalhado sobre a evolução da política, da sociedade e da economia desde 1985, O Novo Brasil passa a ser leitura indispensável não só para os estudantes universitários, como para todos profissionais interessados em compreender a história do país desde a redemocratização.

Livros assim não se fazem da noite para o dia. Para entender suas origens, é preciso recuar no tempo, pois o envolvimento de Albert Fishlow com o Brasil já dura 45 anos. Tudo começou em 1965, quando, jovem professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, ele aportou no Rio de Janeiro para coordenar o grupo de economistas estrangeiros que trabalhavam no Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada – EPEA, hoje IPEA – ligado ao Ministério do Planejamen-to. Naquela época, a pesquisa econômica apenas engatinhava no país. No Instituto Brasileiro de Economia, sob a batuta de Isaac Kerstenetzky e Annibal Villela, o esforço de pesquisa se concentrava na produção das contas nacionais e nos índices de preços. No Centro de Aperfei-çoamento de Economistas – embrião da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas –, Mario Henrique Simonsen priorizava a habilitação de estudantes brasileiros para seguirem cursos de pós-graduação nos EUA. Na Universidade de São Paulo, que tinha uma forte tradição de história econômica, Delfim Neto apenas dava partida ao Instituto de Pesquisas Econômicas. No escritório da Cepal no Rio de Janeiro, sob a direção do chileno Aníbal Pinto, a ênfase era na formação de técnicos em desenvolvimento econômico.

Foi nesse contexto que, ao lado de João Paulo dos Reis Velloso, Fishlow organizou as atividades de pesquisa do EPEA. Ele ficou no Brasil por dois anos, depois retornou para a Universida-de da Califórnia em Berkeley, onde continuou seus estudos sobre o país. O tempo que aqui passou foi o suficiente para implantar uma tradição de pesquisa econômica aplicada, que viria a transformar o IPEA no principal centro de estudos sobre a economia brasileira, para isso contando inclusive com a contribuição de diversos economistas brasileiros que se doutoraram em Berkeley, sob a orientação de Fishlow.

A partir de sua experiência no EPEA, nas décadas seguintes Fishlow produziu uma série de estudos clássicos sobre a economia brasileira, que incluem análises da inflação, da distribui-ção de renda, da política de comércio exterior, da dívida externa e do processo de industria-lização do país. Em dois desses artigos, Fishlow analisou a evolução da política econômica ao longo do regime militar, de 1964 a 19851. O Novo Brasil segue assim uma ilustre linha de pesquisa, mas nela ocupa um lugar especial, pois se trata de uma visão geral e integrada sobre o Brasil redemocratizado.

1 Alguns desses artigos estão incluídos em Albert Fishlow, Desenvolvimento no Brasil e na América Latina: uma perspectiva histórica. São Paulo: Paz e Terra, 2004.

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O Novo Brasil – As conquistas políticas, econômicas, sociais e nas relações internacionais

O texto se divide em duas partes. Na primeira parte, Fishlow analisa em quatro capítulos o difícil retorno para a democracia, envolvendo participação civil e social mais ampla, presença internacional e, após sucessivos planos de estabilização fracassados, o alcance da estabilidade de preços com o Plano Real. Na segunda e mais longa parte do livro, organizada, como a pri-meira, em torno de quatro grandes temas, a saber, política interna, economia, área social e polí-tica externa, Fishlow lida com os últimos quinze anos, cobrindo as administrações de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.

Por sua abrangência e profundidade, este é um livro de porte acadêmico, cujos argumentos são documentados e ancorados no que de melhor se produziu no país e no exterior sobre os temas abordados. Mas isso não quer dizer que a linguagem seja hermética, ao contrário, a prosa flui escorreita, e o prazer da leitura nunca se perde. Além disso, os diversos capítu-los têm independência temática. Assim, leitores interessados somente em política externa poderão concentrar-se nos capítulos 5 e 9. A evolução política e institucional do país é tratada nos capítulos 2 e 6. Temas econômicos são discutidos nos capítulos 3 e 7. O desen-volvimento social – na educação, saúde, previdência e assistência social – ocupa os capítulos 4 e 8. Em cada caso, o primeiro dos capítulos abrange o período de 1985 a 1994, e o segundo, o de 1995 a 2010. O capítulo 1, introdutório, e o décimo, de conclusões, fornecem ao leitor um panorama do conteúdo do livro e de suas principais conclusões.

Sob a Nova República, o Brasil experimentou mudanças transformadoras. Com o fim do regime militar, uma nova Constituição foi promulgada, a participação popular no processo eleitoral se expandiu e os partidos políticos passaram a se alternar no poder. Na economia, depois de um tur-bulento período inicial, com o Plano Real as regras ganharam permanência e o avanço ficou mais regular. Na área social, importantes avanços ocorreram, a partir de condições iniciais precárias. A política externa deixou de ser apenas para especialistas, e se tornou tema relevante, tanto no debate interno como por seu impacto externo. Faltava um intérprete, com sólida formação, profundo conhecimento, distanciamento crítico e, por que não dizer, amor confesso pelo país, para explicar como se deu essa transformação. Agora o temos. É Albert Fishlow com O Novo Brasil.

Rio de Janeiro, 23 de setembro de 2010.

Edmar Lisboa Bacha Diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica Casa das Garças

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APRESENTAÇÃO

Quando os ensaios de Desenvolvimento no Brasil e na América Latina foram publicados no Brasil, em 2004, me desculpei na introdução porque o texto não continha nada sobre o período da Nova República. Isso não aconteceu porque eu tivesse deixado de acompanhar os acontecimento no país, ou mesmo escrever sobre alguns deles. Assumi, naquela introdução, o compromisso de aceitar esse desafio. No entanto, responsabilidades acadêmicas de alguma forma impediram que eu produzisse um ensaio importante, de escopo semelhante aos que escrevera em duas ocasiões passadas, a primeira nos anos 1960 e a segunda nos anos 1970 e começo dos 1980.

Agora, por ter me aposentado dois anos atrás da Universidade Columbia, tive a oportunidade de cumprir a promessa. Para compensar pela demora, fui além: produzi um livro que abarcasse mais que a economia, ou mesmo a economia política, e abrangesse também política, política social e relações internacionais. Não vou fingir que domino todos esses assuntos tão diversi-ficados. De fato, devo confessar que em determinados momentos surgiram temores –os quais ainda persistem ocasionalmente– de que as ambições do trabalho excedessem minha capacida-de. Eis o produto final, para que a audiência brasileira o julgue. Por decisão deliberada, o texto será publicado primeiro em português.

Os últimos 25 anos viram mudanças dramáticas em todo o mundo: o final do domínio sovié-tico sobre a Europa Oriental; a crescente importância da China e da Índia; a criação da União Europeia e de sua moeda unificada, o euro; o relativo declínio econômico do Japão; e, de forma alguma menos importante, a ascensão de um Brasil vibrante em meio a esse novo mundo.

É isso que tento explicar, buscando formular e testar hipóteses –em alguns casos de forma explícita e em outros de forma implícita– sobre esse processo evolutivo. Como resultado, o trabalho contém muitas tabelas e diagramas. Continuo a ser mais empírico que teórico, e usei e me beneficiei do grande volume de pesquisas brasileiras sobre cada um desses importantes tópicos, como as notas ao texto revelarão. Embora nem todo mundo deva aceitar alegremente todas as minhas conclusões, espero que a maioria dos leitores se satisfaça com elas pelo menos parcialmente.

Sou grato a José Cláudio Securato, o diretor da Saint Paul Editora, por sua excepcional disposi-ção em permitir meu envolvimento ativo no processo de publicação. Ele me concedeu liberdade rara no que tange a realizar mudanças. Gostaria de agradecer a assistência paciente e prestativa de Karine Hermes e Bianca Fratelli, ao longo da produção do livro. Paulo Migliacci, que traduzia minhas colunas para a Folha de S. Paulo, uma vez mais produziu um texto capaz de satisfazer aos meus exigentes padrões. Ofereço um agradecimento especial a Teresa Aguayo, que trabalhou comigo por mais de 13 anos no Council on Foreign Relations e na Universidade Columbia. Ela me ofereceu ajuda acima da comum, não apenas neste como em muitos outros projetos.

Acumulei grandes dívidas de gratidão nos anos transcorridos desde minha primeira visita ao Brasil, em 1965. Meus orientandos brasileiros de mestrado e doutorado foram muitos, e muito contribuíram para o meu desenvolvimento intelectual. Tornaram-se amigos pessoais e instrutores apreciados, e o mesmo se aplica a outros brasileiros, de todas as profissões, que tive a sorte de conhecer e com os quais pude aprender. Essa lista, incluindo alunos e

professores de instituições acadêmicas e representantes do setor de negócios, do governo, das ONGs e de ainda outros grupos, chega aos milhares de nomes. Alguns deles generosa-mente ofereceram suas reações, no prefácio e para a quarta capa, pelo que agradeço. Outros, na América Latina, Estados Unidos e outras partes, são também numerosos demais para que os destaque. Nas minhas instituições acadêmicas, Berkeley, Yale e Columbia, meus co-legas e alunos também tiveram influência positiva. Mas os erros factuais e de interpretação que venham a restar são meus apenas.

Por fim, nessa categoria, vem minha família. A ordem lhes parecerá apropriada. Ao longo dos anos, meus três filhos e nove netos vieram a aceitar e compreender meu compromisso para com o Brasil, e as consequentes ausências frequentes, tanto físicas quanto mentais. Acima de tudo, dedico este volume à minha esposa Harriet, com minha apreciação e profundo amor. O volume é um contraponto, 45 anos mais tarde, ao meu primeiro livro sobre as ferrovias dos Estados Unidos antes da Guerra Civil. Sem seu apoio, oferecido de tantas maneiras, nenhum dos dois livros, e tampouco minha evolução rumo ao sul no período interveniente, teria sido possível.

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SUMÁRIO

Capítulo 1 Introdução ................................................................................................................. 13

Capítulo 2 Mudança política ....................................................................................................... 31

Capítulo 3Em busca do crescimento econômico ........................................................................ 53

Capítulo 4 A dívida social herdada .............................................................................................. 87

Capítulo 5 Política externa em um mundo em mutação ............................................................ 115

Capítulo 6 A democracia se aprofunda ...................................................................................... 137

Capítulo 7Começa o avanço econômico ................................................................................... 165

Capítulo 8 Política social seguramente implantada .................................................................... 201

Capítulo 9 Brasil como protagonista mundial ............................................................................ 241

Capítulo 10 Olhando para o futuro ............................................................................................. 273

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O Novo Brasil – As conquistas políticas, econômicas, sociais e nas relações internacionais

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Introdução

Capítulo 1

“Diretas Já” era o grito cada vez mais ouvido no Brasil, no final de 1983 e início de 1984. Grandes multidões saíram às ruas em São Paulo e no Rio de Janeiro, bem como em outros locais do país, em busca de um retorno das eleições diretas para determinar o sucessor do presidente Figueiredo. Em abril, aconteceu a votação decisiva na Câmara. Embora a emenda constitucional tenha sido aprovada por esmagadora maioria de 298 a 65 votos, ficou 22 votos abaixo dos 60% requeridos. A abstenção de 112 membros forçou a rejeição. Mas aquela foi apenas a primeira salva na batalha.

A despeito do fracasso, o PMDB, então o mais importante partido político brasileiro, decidiu lançar um candidato nas eleições indiretas marcadas para o ano seguinte. À primeira vista, a tentativa pare-cia fútil. De acordo com as regras anteriores, que continuavam em vigor, haveria uma clara maioria para Paulo Maluf, o candidato do PDS, antiga ARENA. No entanto, devido a uma forte cisão nas fileiras supostamente governistas − em consequência da seleção de José Sarney como candidato à vi-ce-presidência −, Tancredo Neves, governador de Minas Gerais e anteriormente primeiro-ministro, foi eleito presidente em 15 de janeiro de 1985, por votação de 480 a 180 votos. Esse evento, acima de qualquer outro, marca o encerramento de mais de duas décadas de governo autoritário no Brasil.

Parte IO retorno à democracia não teve coisa alguma de automático. Uma primeira tragédia foi a súbita e grave doença que atingiu Tancredo Neves na véspera de sua posse. Depois de intensa pesquisa cons-titucional, Sarney, o vice-presidente eleito, assumiu a presidência provisoriamente em nome de seu companheiro de chapa, em 15 de março de 1985. Todos ficaram à espera de um milagre médico. Mas Tancredo jamais se recuperou, e morreu pouco mais de um mês depois, em 21 de abril. Sarney tomou as rédeas do governo, com um ministério selecionado integralmente por Tancredo, e isso levou a um direcionamento um tanto divergente para o processo de mudança, como resultado da longa experiên-cia do novo presidente como líder conservador. Havia necessidade de enfrentar seriamente uma série de questões − econômicas, políticas e sociais − que haviam sido adiadas por tempo demasiado.

Teoria e prática divergiram já desde o início. O presidente Sarney por muito tempo se havia identificado com a direita, como líder da ARENA e partidário da ditadura militar. Ao assu-mir, se tornou membro do PMDB, o partido situacionista, mas de maneira alguma seu líder. Como exemplo, basta uma história simples extraída de um relato autobiográfico de Fernando Henrique Cardoso, que viria a ser presidente posteriormente: Ulysses Guimarães, o líder do

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PMDB, presidiu uma reunião do ministério, no início do governo, da qual estiveram ausentes não apenas Sarney como o ministro da Fazenda, o conservador Francisco Dornelles.1

Em certa medida, a história revela a dificuldade que as lideranças políticas tradicionais encontra-vam, durante o regime autoritário e mesmo depois dele, para enfrentar as questões econômicas. Estas não se haviam tornado parte da agenda política regular. O Brasil em 1985, apesar de uma re-tomada do crescimento naquele ano, enfrentava taxas anuais de inflação que excediam os 200%. A vida cotidiana era construída, intrinsecamente, em torno de maneiras de minimizar as perdas reais inerentes a essas circunstâncias. As pessoas mais pobres, por não disporem de contas bancárias que pagassem juros sobre seus depósitos, eram portanto incapazes de evitar o tributo inflacionário so-bre suas modestas reservas de caixa. E não estavam sozinhas: a aceleração dos preços era um fardo também para os produtores. Resolver esse problema era a mais premente necessidade política, e não simplesmente um exercício que requeresse exóticas feitiçarias tecnocráticas.

Consequentemente, menos de um ano se passaria antes da formulação do Plano Cruzado. Por um breve período, no começo de 1986, o Brasil, nas supostas palavras do então ministro da Fa-zenda Dilson Funaro, se transformou em Suíça. Tornou-se possível uma vez mais fazer política em sua forma mais pura – não que ela tivesse sido realmente deixada de lado. Os legisladores apreciavam o processo de debate, e desde o início houve atenção constante à necessidade de uma nova Constituição adequada à Nova República tão recentemente surgida.

A tarefa não demorou a ser atribuída ao novo Congresso eleito em novembro de 1986. Uma nova Constituição foi enfim promulgada, depois de longos debates, quase dois anos mais tarde. Àquela altura, o PMDB, que havia contrariado seu retrospecto e conquistado a maioria dos assentos no Congresso em 1986, passou por uma profunda cisão com relação a diversas questões constitucionais referentes aos poderes do Executivo. Um novo partido político, o PSDB, emergiu como força polí-tica importante. Foi uma das diversas novas agremiações que terminaram sendo criadas no período. O sistema multipartidário resultante é uma herança continuada daqueles anos tumultuados.

A Constituição continha garantias quanto à provisão das necessidades sociais básicas: educação, saúde e previdência social. Atender a esses direitos sociais recentemente concedidos provaria ser uma importante tarefa, que continuaria a dominar os debates ao longo do período subsequente. Uma importante dificuldade era o sistema federal inerente ao Brasil, ainda mais complicado pelas vastas diferenças de padrão de vida e tradições políticas que existiam entre as regiões. E os direitos sociais básicos foram afirmados inicialmente em uma economia na qual a inflação voltara a surgir, e dotada de recursos inadequados para cumprir as obrigações adquiridas.

Em 1987, o Brasil teve de decretar uma moratória sobre sua dívida junto a credores privados. O investimento estrangeiro virtualmente desapareceu. A despeito de alguns esforços para conter a inflação, as medidas adotadas passaram a ter efeito cada vez menor. As expectativas adversas não demoravam a torpedear as diferentes medidas adotadas. Depois de congelamentos tempo-rários de uma e de outra espécie, os preços não demoravam a se acelerar uma vez mais. Dadas as circunstâncias, o desempenho econômico real se deteriorou. O desemprego estava em alta, e havia uma sensação generalizada de frustração. Os anos 1980 se tornaram uma verdadeira “Década Perdida”, com a crise de dívida surgida na primeira metade do período seguida por uma sucessão de tentativas fracassadas de estabilização na segunda.

1 Fernando Henrique Cardoso, A arte da política: a história que vivi. São Paulo, 2006, p. 105.

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Capítulo 1 – Introdução

As relações internacionais não foram desconsideradas, mesmo em meio aos problemas inter-nos recorrentes. O Itamaraty passou a atribuir ao relacionamento bilateral com a Argentina importância central em sua agenda. Grandes avanços foram realizados, com progressos no tratamento de questões nucleares, econômicas e políticas. Os presidentes Alfonsín e Sarney foram pioneiros de esforços cooperativos posteriormente expandidos para acomodar outros países vizinhos. Em outros campos, as negociações com o GATT avançaram, em uma arena na qual o Brasil havia começado a exibir maior importância, e isso resultou no lançamento da Rodada Uruguai, em 1986. Avanços menores, e até mesmo alguns retrocessos, aconteceram no relacionamento com os Estados Unidos. A despeito da crise regional de dívida, nos primeiros anos do retorno brasileiro à democracia não houve assistência especial norte-americana.

Somadas, essas circunstâncias dificilmente ofereciam o clima ideal para a primeira eleição presiden-cial direta no Brasil desde a de 1961, da qual Jânio Quadros saiu vencedor. Grande número de can-didatos disputou o primeiro turno, em novembro de 1989, como reflexo da diversidade política cada vez mais ampla que se havia manifestado com a redação e aprovação do novo texto constitucional. Muitas dessas novas lideranças estavam envolvidas na política nacional já há algum tempo. Apenas os dois candidatos mais votados sobreviveriam para disputar o segundo turno, semanas mais tarde.

E os dois candidatos assim escolhidos eram ambos jovens ativistas que prometiam futuros muito diferentes para o Brasil. Os dois eram fortemente críticos ao governo Sarney, que su-postamente representava apenas o passado e portanto se havia provado incapaz de atender às necessidades correntes do país. Mas era essa a única semelhança entre eles. Luiz Inácio Lula da Silva era o candidato de esquerda, pelo Partido dos Trabalhadores (PT), criado não muito antes da eleição. Defendia um Estado intervencionista, para beneficiar especialmente os pobres há muito oprimidos. Fernando Collor de Melo, governador do Estado do Alagoas, no Nordes-te, o candidato da direita, tampouco dispunha de base partidária tradicional. Propunha uma abrangente modernização como a solução requerida.

Collor venceu, por fim, mas não com vantagem esmagadora. Ele enxergava de maneira precisa os muitos problemas que o Brasil estava enfrentando, mas sua autoconfiança excedia seu senso crítico. Muitos de seus principais assessores eram jovens e inexperientes. Collor prometeu demais, e rápido demais, e jamais conseguiu atrair o apoio dos mais importantes líderes do Congresso, pro-cedimento muito necessário à aprovação das diversas medidas requeridas por seu ambicioso pro-grama. Em pouco tempo, o tiro certeiro − em suas palavras − que ele havia desferido para destruir a inflação se desviou consideravelmente dos objetivos pretendidos. A produção caiu; os aumentos de preços simplesmente passaram por uma pausa e em breve voltaram a se acelerar. A política social não pôde avançar muito, tanto por falta de recursos fiscais quanto por uma redução na base legisla-tiva que defendia sua expansão. Apenas nos assuntos internacionais houve mudanças significativas. O Mercosul avançou para a implementação. A moratória que ainda persistia sobre a dívida externa foi resolvida. Em nível mundial, e com ativa participação brasileira, a Rodada Uruguai chegou a uma conclusão bem-sucedida. O Itamaraty, depois de resolver algumas diferenças internas, termi-nou adquirindo papel nacional mais importante.

Collor, que estava sob ameaça de um processo formal de impeachment, se viu forçado a se afas-tar do cargo no final de setembro de 1992, e renunciou, pouco antes da votação final do Senado sobre sua remoção, no final de dezembro. Seu sucessor, o vice-presidente Itamar Franco, de

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Minas Gerais, era um político brasileiro tradicional que chegara ao Senado depois de uma longa e variada carreira marcada por uma série de eleições bem-sucedidas em seu Estado.

Itamar tinha pouca influência no governo Collor, e ao suceder seu predecessor tentou recomeçar do zero. Seu ministério era maior e incluía representantes de virtualmente todos os diversificados interesses políticos brasileiros. No entanto, suas intenções programáticas não eram inteiramente claras. Itamar herdou uma orientação de governo que tentava avançar simultaneamente em duas direções, potencialmente incompatíveis.

De um lado, a liberalização havia sido iniciada e estava lentamente começando a se fazer sen-tir no Brasil. Esforços iniciais de privatização foram conduzidos, tarifas protetoras reduzidas e investimento estrangeiro obtido. A globalização começava a afetar a política nacional. Por outro lado, a Constituição havia expandido uma ampla gama de direitos sociais, que requeriam implementação legal e gastos públicos expandidos com educação, saúde, previdência social e ainda outros objetivos. A margem de manobra para qualquer decisão orçamentária já havia sido estreitada por garantias legislativas anteriores de alocação de recursos públicos a necessi-dades específicas. A inflação continuada refletia com precisão a incapacidade de manter esses dois conjuntos de mudanças em curso ao mesmo tempo.

Fernando Henrique Cardoso, senador pelo PSDB de São Paulo e intelectual internacional-mente renomado, preencheu essa lacuna. De sua intervenção emergiu o Plano Real, processo que envolveu muitos dos intelectuais anteriormente responsáveis pelo Plano Cruzado. Mas na nova tentativa, porque não era necessário o substancial compromisso político que o esforço anterior envolvera, e com a benção de reservas cambiais acumuladas que permitiram uma alta imediata das importações, a inflação iniciou uma queda rápida e continuada, em julho de 1994, quando o real foi introduzido como a nova moeda brasileira.

Essa única, e nada modesta, realização garantiu a eleição de Fernando Henrique como sucessor de Itamar, no primeiro turno da eleição de outubro daquele ano. Seu oponente, de novo Lula, não acreditava que a política do rival continuaria a funcionar, porque diversos esforços precedentes haviam fracassado, e fez campanha criticando o real. A campanha do PT enfatizava a conversão de FHC à doutrina do neoliberalismo. Anteriormente, ele costumava ser identificado como um crítico perceptivo do capitalismo, em seu popular livro Dependência e desenvolvimento na América Latina, de 1969. E esse antagonismo se havia firmado ainda mais nos anos subsequentes.

Parte IIEssa difícil transição, que envolve participação civil e social mais ampla, presença internacional e, no final do período, estabilização bem-sucedida de preços, de 1985 ao início de 1995, corres-ponde à primeira parte do livro.

O Capítulo 2 se concentra na evolução da política interna no período de restauração da demo-cracia. A discussão é orientada à preparação e posterior promulgação da Constituição de 1988. Os poderes alocados ao Executivo, Legislativo e Judiciário ocupam posição central na questão. A presidência foi fortemente favorecida pela concessão do poder de governar por decreto, na forma de medidas provisórias. Esse poder se provou um instrumento excepcional para ação

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Autores: Albert Fishlow

Número de páginas: 288

Edição: 1.ª | Ano: 2011

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