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REVISTA DA ESMESE, Nº 16, 2012 - DOUTRINA - 209 O NEOCONSTITUCIONALISMO E A DIMENSÃO ÉTICO-MORAL DO DIREITO Pryscila Barreto Passos. Advogada. Ex-assessora do Ministério Público do Estado de Sergipe. Especialista em Direito Processual Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia (UFBA). RESUMO: Este trabalho aborda a necessidade do restabelecimento da ética e da moral na aplicação do Direito após uma reformulação conceitual operada pelo Neoconstitucionalismo. Nele buscou-se abordar, primeiramente, a concepção pós-positivista na interpretação do ordenamento jurídico, com vistas a identificar na normatividade dos princípios uma supremacia axiológica da Constituição Federal. Após, esquadrinhou-se, resumidamente, os novos paradigmas propostos pela nova Teoria dos Princípios, baseando- se, para tal mister, em fundamentos propostos por Ronald Dworkin e Robert Alexy, onde restou consignada a importância de se formular critérios específicos a fim de evitar que uma interpretação axiológico-normativa do ordenamento jurídico desague em arbitrariedade. PALAVRAS-CHAVE: Neoconstitucionalismo; ética; moral; teoria dos princípios. ABSTRACT: This paper addresses the need to restore ethics and morality in applying the law after a conceptual reformulation operated by Neoconstitutionalism. Nelo sought to address, first, the post-positivist conception of legal interpretation, in order to identify the normative principles of an axiological supremacy of the Constitution. After, scanned, briefly, the new paradigm proposed by the new theory principles, relying, for such a task, on grounds proposed by Ronald Dworkin and Robert Alexy, where he remained enshrined the importance of formulating specific criteria to avoid an axiological-normative interpretation of the legal drainage in arbitrariness. KEYWORDS: Neoconstitutionalism; ethics; moral theory of the principles.

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REVISTA DA ESMESE, Nº 16, 2012 - DOUTRINA - 209

O NEOCONSTITUCIONALISMO E A DIMENSÃO ÉTICO-MORAL DO DIREITO

Pryscila Barreto Passos. Advogada. Ex-assessora do Ministério Público do Estado de Sergipe. Especialista em Direito Processual Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia (UFBA).

RESUMO: Este trabalho aborda a necessidade do restabelecimento da ética e da moral na aplicação do Direito após uma reformulação conceitual operada pelo Neoconstitucionalismo. Nele buscou-se abordar, primeiramente, a concepção pós-positivista na interpretação do ordenamento jurídico, com vistas a identificar na normatividade dos princípios uma supremacia axiológica da Constituição Federal. Após, esquadrinhou-se, resumidamente, os novos paradigmas propostos pela nova Teoria dos Princípios, baseando-se, para tal mister, em fundamentos propostos por Ronald Dworkin e Robert Alexy, onde restou consignada a importância de se formular critérios específicos a fim de evitar que uma interpretação axiológico-normativa do ordenamento jurídico desague em arbitrariedade.

PALAVRAS-CHAVE: Neoconstitucionalismo; ética; moral; teoria dos princípios.

ABSTRACT: This paper addresses the need to restore ethics and morality in applying the law after a conceptual reformulation operated by Neoconstitutionalism. Nelo sought to address, first, the post-positivist conception of legal interpretation, in order to identify the normative principles of an axiological supremacy of the Constitution. After, scanned, briefly, the new paradigm proposed by the new theory principles, relying, for such a task, on grounds proposed by Ronald Dworkin and Robert Alexy, where he remained enshrined the importance of formulating specific criteria to avoid an axiological-normative interpretation of the legal drainage in arbitrariness.

KEYWORDS: Neoconstitutionalism; ethics; moral theory of the principles.

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1. INTRODUÇÃO

Um dos maiores estorvos para o Direito cinge-se à própria noção de Justiça. Afinal, o que seria uma decisão justa? Em verdade, a resposta para tal questionamento envolve não apenas um aspecto de subsunção entre fato e norma; requer, também, um exame fecundo, lastreado, principalmente, em embasamentos que envolvam discussões éticas e morais acerca da aplicação de determinada lei ao caso concreto, sob pena de, em assim não o sendo, o Direito perder a sua fundamentalidade.

Nesse toar, o principal objetivo deste trabalho é abordar, sinteticamente, o ressurgimento da dimensão ética e moral no Direito operado pelo Neoconstitucionalismo e por toda a Teoria dos Princípios que surge no âmbito pós-positivista.

O tema é de extrema importância para toda a sociedade na medida em que expõe a necessidade de uma compreensão acerca da evolução paradigmática pela qual a aplicação das leis e da própria Constituição Federal vem passando.

A pesquisa em testilha terá como limitação a ausência de um consenso doutrinário acerca do tema, uma vez que sua delimitação teórica ainda encontra-se em desenvolvimento.

A par dessas questões, o presente trabalho mostra-se exequível pela vasta percepção constitucionalista inspirada por conceituados doutrinadores que, a partir de um estudo minudente e responsável, estimulam o legislador e o julgador a traçarem novas perspectivas para a história do constitucionalismo brasileiro.

Dessa guisa, o artigo que ora se apresenta procura dar uma visão do pensamento de uma nova hermenêutica constitucional que traz uma preocupação diretamente relacionada a uma maior racionalização na aplicação de uma decisão, buscando, assim, o controle do voluntarismo na concretude da norma através de comandos éticos e morais.

2. BREVES NOTAS ACERCA DO NEOCONSTITUCIONALISMO E DA SUPREMACIA AXIOLÓGICA DA CONSTITUIÇÃO

A supremacia da Constituição, enquanto pressuposto de existência e validade de todas as normas e de todos os atos emanados do Poder Público, é fundamento imprescindível para a sustentação do Estado Democrático de Direito, pois ergue como um de seus princípios a atuação do governo na

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efetivação dos direitos fundamentais e sociais por ela consignados.O debate constitucional que hoje vem sendo desenvolvido por toda

a doutrina constitucionalista moderna traz consigo o surgimento de um novo paradigma que tem sido designado como neoconstitucionalismo, constitucionalismo pós-moderno ou pós-positivismo.

Cônsono com o escólio de Sarmento, a palavra neoconstitucionalismo se refere a um conceito formulado na Espanha e na Itália cujo embasamento se encontra em doutrinadores das mais diversas linhas, a exemplo de Ronald Dworkin, Robert Alexy, Peter Härbele, Gustavo Zagrebelsky, Luigi Ferrajoli e Carlos Santiago Nino1.

Ana Paula Barcellos ensina que o prefixo neo indica o surgimento de uma nova teoria interpretativa do direito, como se o constitucionalismo que hoje é vivenciado estivesse substancialmente afastado das bases sob as quais foram erguidas o seu passado histórico. A autora alumia que:

[...] De fato, é possível visualizar elementos particulares que justifiquem a sensação geral compartilhada pela doutrina de que algo diverso se desenvolve diante de nossos olhos, e, nesse sentido, não seria incorreto falar de um novo período ou momento do direito constitucional.2

Pretende-se, dentro dessa nova conjuntura, buscar vincular o constitucionalismo não mais à ideia de uma limitação do poder político3, mas sim a uma nova realidade que busca precipuamente a concretização da Constituição, afastando-se, com isso, de um caráter meramente retórico de todo o seu texto.

Nesse segmento, mister trazer à baila comentário elucidativo do doutrinador Daniel Sarmento, onde, analisando as mudanças surgidas com essa novel ordem constitucional, assim apascentou:

[...] Estas mudanças, que se desenvolvem sob a égide da Constituição de 88, envolvem vários fenômenos diferentes, mas reciprocamente implicados, que

1 SARMENTO, Daniel. O Neoconstitucionalismo No Brasil: Riscos e Possibilidades. In: NOVELI-NO, Marcelo (org). Leituras complementares de direito constitucional. Teoria da Constituição. Salvador, Editora JusPodivm, 2009, p. 32-33.2 BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas pú-blicas. Disponível em < http://www.mundojuridico.adv.br/cgi-bin/upload/texto853.pdf>. Acesso em 05/10/2010.3 CUNHA JÚNIOR. Dirley. Controle de constitucionalidade: teoria e prática. Salvador: Jus Podium, 2006, p. 32.

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podem ser assim sintetizados : (a) reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e valorização da sua importância no processo de aplicação do Direito; (b) rejeição ao formalismo e ao recurso mais frequente a métodos ou “ estilos” mais abertos de raciocínio jurídico: ponderação, tópica, teorias da argumentação, etc.; (c) reaproximação entre o Direito e a Moral, com a penetração cada vez maior da Filosofia nos debates jurídicos; e (e) judicialização da política e das relações sociais, com um significativo deslocamento de poder da esfera do Legislativo e do Executivo para o Poder Judiciário.(sem grifo no original)4

Vê-se, pois, que o neoconstitucionalismo tem como uma de suas marcas a “concretização das prestações materiais prometidas pela sociedade, servindo como ferramenta para a implantação de um Estado Democrático Social de Direito” 5, razão pela qual a leitura clássica do princípio da separação dos poderes vem cedendo espaço para uma maior integração entre os poderes na busca de uma verdadeira democracia substantiva, afastando-se, com isso, do mito do legislador negativo, expressão que ganhou força com o positivismo normativista de Kelsen e que propugnava por uma maior valorização da lei enquanto fonte do Direito6.

Passa-se a reconhecer a força normativa da Constituição e de seus princípios que, gize-se, são revestidos de uma elevada carga axiológica, a exemplo da dignidade da pessoa humana, solidariedade social, igualdade, função social da propriedade, entre outros, possibilitando, com isso, o desenvolvimento de um debate ético e moral acerca do papel do Judiciário frente à aplicação dessas verdadeiras cláusulas gerais7, de modo a evitar que

4 SARMENTO, op. cit., p. 31-325 Walber de Moura Agra, apud, LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 14ª edição.rev.atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010, p.55.6 PAULA, Daniel Giotti de. Intranquilidade, Positivismo Jurisprudencial e Ativismo Jurisdicional na Prática Constitucional Brasileira. In: NOVELINO, Marcelo (org). Leituras complementares de direito constitucional. Teoria da constituição. Salvador, Editora JusPodivm, 2009, p.321.7 Judith Martins-Costa, apud, Barroso informa que “[A] cláusula geral constitui uma disposição nor-mativa que utiliza , no seu enunciado, uma linguagem de tessitura intencionalmente “ aberta”, “ flui-da” ou vaga, caracterizando-se pela ampla extensão do seu campo semântico. Esta disposição é dirigida ao juiz de modo a conferir-lhe um mandato( ou competência) para que, à vista dos casos concretos, crie, complemente ou desenvolva normas jurídicas, mediante o reenvio para elementos cuja concre-tização pode estar fora do sistema” In: BARROSO, Luis Roberto. Novos Paradigmas e Categorias da Interpretação Constitucional. In: NOVELINO, Marcelo (org). Leituras complementares de direito constitucional. Teoria da Constituição. Salvador, Editora JusPodivm, 2009, p. 146.

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a utilização de uma dogmática fluida8 venha desaguar no arbítrio judicial.Para Paolo Comanducci, o neoconstitucionalismo estaria sistematizado em

três vertentes: teórico, ideológico e metodológico9. O neoconstitucionalismo teórico relaciona-se com o processo de constitucionalização do direito; o ideológico, por sua vez, traz a ideia de um modelo axiológico de interpretação da Constituição, demonstrando a necessidade de os poderes públicos protegerem os direitos e as garantias fundamentais; para tanto, defende a especificidade de uma hermenêutica diferenciada das normas constitucionais em relação às demais leis. Por fim, o metodológico sustenta a necessária conexão entre o Direito e a Moral, afastando-se, com isso, do positivismo metodológico10.

Écio Oto11, entremeando as vertentes do neoconstitucionalismo, explicita alguns de seus principais aspectos, dentre os quais se destaca o judicialismo ético. Nesse diapasão, o autor desenvolve a noção de que “essa tese propugna que a dimensão de justiça pretendida pela aplicação judicial comporta a conjunção de elementos éticos aos elementos estritamente jurídicos”. Partindo-se de tal ilação, ter-se-ia que os juízes não mais estariam limitados ao método de subsunção na aplicação do direito; neste ponto, a utilização de preceitos morais passa, também, a ser legítima para justificar o seu posicionamento12.

Barroso perfilha o entendimento segundo o qual a ética e a moral

8 ROSA, Alexandre Morais da. O direito flexível em Zagrebelsky Disponível em: <http://alexan-dremoraisdarosa.blogspot.com/2010/05/o-direito-flexivel-em-zagrebelsky-por.html>. Acesso em 06/10/2010.9 TAVARES, Rodrigo de Souza. Neoconstitucionalismo e positivismo inclusivo: uma análise sobre a refor-mulação da teoria do positivismo jurídico hartiano. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9897>. Acesso em 05/10/2010.10 Comanducci, apud, ROSSI, Amélia Sampaio. Introdução. Constitucionalismo contemporâneo x positi-vismo jurídico. A realização dos direitos fundamentais sob a perspectiva neoconstitucionalistas. Conclusão. Disponível em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/amelia_do_carmo_sam-paio_rossi.pdf. Acesso em 06/10/2010.11 Oto, apud, Rossi, op. Cit.12 Analisando a evolução da técnica de interpretação e aplicação do direito, Barroso ensina que “Por muito tempo, a subsunção foi o raciocínio padrão na aplicação do Direito. Como se sabe, ela se desen-volve por via de um raciocínio silogístico, no qual a premissa maior – a norma- incide sobre a premissa menor- os fatos-, produzindo um resultado, fruto da aplicação da norma ao caso concreto. Como já assinalado, esse tipo de raciocínio jurídico continua a ser fundamental para a dinâmica do Direito. Mas não é suficiente para lidar com as situações que envolvam colisões de princípios ou de direitos fundamentais.” BARROSO, Luis Roberto. Novos Paradigmas e Categorias da Interpretação Consti-tucional. In: NOVELINO, Marcelo (org). Leituras complementares de direito constitucional. Teoria da constituição. Salvador, Editora JusPodivm, 2009, p. 165.

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materializam-se em princípios que estejam albergados na Constituição, seja de forma explícita ou implícita, de modo que estando o conteúdo constitucional imerso em preceitos éticos, o modelo subsuntivo de aplicação das normas jurídicas que vigorava no modelo positivista, não seria suficiente para fundamentar uma decisão, ipsis litteris:

[...] Com o avanço do direito constitucional, as premissas ideológicas sobre as quais se erigiu o sistema de interpretação tradicional deixaram de ser integralmente satisfatórias. Assim: (i) quanto ao papel da norma, verificou-se que a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontra no relato abstrato do texto normativo. Muitas vezes só é possível produzir a resposta constitucionalmente adequada à luz do problema, dos fatos relevantes, analisados topicamente; (ii) quanto ao papel do juiz, já não lhe caberá apenas uma função de conhecimento técnico, voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. O intérprete torna-se co-participante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis. (sem grifo no original)13

À guisa de tal conclusão, há de se adscrever que, muito embora seja dado ao juiz a possibilidade de realizar um leitura moral da Constituição, tem-se que tal atividade não pode levar a um arbítrio judicial, sendo essa uma das preocupações de Daniel Sarmento, ao enfatizar que, ad litteras et verbas:

[...] como foi destacado acima, um dos eixos centrais do pensamento neoconstitucionalista é a reabilitação da racionalidade prática no âmbito jurídico, com a articulação de complexas teorias da argumentação, que demandam muito dos intérpretes e sobretudo dos juízes em matéria de fundamentação de suas decisões.[...] A tendência atual de invocação frouxa e não

13 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. JUSNAVIGAN-DI. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547> Acesso em: 05/10/2010.

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fundamentada de princípios colide com a lógica do Estado Democrático de Direito, pois amplia as chances de arbítrio judicial, gera insegurança jurídica e atropela a divisão funcional de poderes, que tem no ideário democrático um dos seus fundamentos[ ...] (sem grifo no original)14

Assim, técnicas de interpretação e de aplicação do direito foram sendo desenvolvidas objetivando o resgate da ética e de princípios morais, a fim de viabilizar o desenvolvimento de uma nova teoria dos princípios, que propõe uma maior racionalização destes na concretização do direito, seja em razão de sua normatividade, seja em razão do caráter aberto de seu conteúdo axiológico. A teoria acima relatada tem como principais expoentes Ronald Dworkin e Robert Alexy, cujas doutrinas buscam comprovar não somente a normatividade dos princípios, como também a necessidade de uma dimensão ético - moral do Direito. É o que se passa a analisar, sinteticamente, no tópico subsequente.

3. A TEORIA DOS PRINCÍPIOS EM RONALD DWORKIN E ROBERT ALEXY: FUSÃO DOS PLANOS DEONTOLÓGICOS E AXIOLÓGICOS. 15

O plano social vivenciado atualmente traz a necessidade de um debate constitucional mais amplo, voltado necessariamente à resolução de questões complexas, afinal, já “não é possível examinar com seriedade os problemas contemporâneos sob um único ponto de vista ou oferecer-lhes uma resposta simples e direta, já que, com frequência, eles envolvem valores e interesses diversificados e conflitantes.”16

Nesse paradigma, e considerando, ainda, o papel da Constituição na

14 SARMENTO, op. cit., p. 60-63.15 Tendo em vista o objetivo principal do presente trabalho, será realizada apenas uma breve abordagem acerca do tema apresentado neste tópico. Adscreva-se, contudo, que o assunto é de extrema relevância acadêmica e doutrinária requerendo, por tal razão, um estudo mais aprofundado por parte daqueles interessados em aprender um pouco mais destas doutrinas que, certamente, influenciarão a nossa juris-prudência pátria na busca por decisões mais justas.16 Barcelos, apud, CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza, OLIVEIRA, Felipe Faria de. A Teoria da Ponde-ração de Valores e Os Direitos Fundamentais: Avanços e Críticas. In: NOVELINO, Marcelo (org). Leituras complementares de direito constitucional. Teoria da constituição. Salvador, Editora JusPodivm, 2009, p. 188.

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implantação de uma democracia substantiva, onde a inércia dos Poderes executivos e legislativos17 impõe uma postura mais ativa do Poder Judiciário, é que exsurge a necessidade de reflexões acerca da postura ética do magistrado quando da aplicação do Direito, evitando que a discricionariedade termine por estabelecer um arbítrio judicial.

O Neoconstitucionalismo, ao estabelecer a normatividade dos princípios, ampliando, assim, as opções valorativas na interpretação das normas, não impede que as decisões judiciais sejam desprovidas de racionalidade e justificação, pelo contrário. O que se busca é a tentativa de equilibrar o discurso moral e a aplicação do direito ao caso concreto.

A nova teoria dos princípios buscará manter esta preocupação em sua metodologia. É o que se extrai do pensamento de Ronald Dworkin, ao propor uma leitura moral da Constituição18. Referido autor demonstra que valores como a liberdade, igualdade e solidariedade devem servir de fundamentos para o ordenamento jurídico, e que a produção e aplicação das disposições normativas devem ter por substrato esses valores democráticos, inserindo sua doutrina no campo de um liberalismo ético.

Antônio Maia, apud, Rosário19 aduz que por querer atribuir uma valoração jurídica aos princípios, a posição de Dworkin, por vezes, é caracterizada como uma espécie de retorno ao jusnaturalismo; no entanto, Maia afasta essa tese sob o argumento de que, para aquele autor, a justificação principiológica de uma decisão não se afastaria de uma moral objetiva, uma vez que os “juízes devem submeter-se à opinião geral e estabelecida acerca do caráter do poder que a Constituição lhes confere. A leitura moral lhes pede

17 SOARES, op.cit., p. 134 esclarece que “Sendo assim, a concepção de uma Constituição como norma afeta diretamente a compreensão das tarefas legislativas e jurisdicional. De um lado, o caráter voluntarista da atuação do legislador cede espaço para a submissão ao império da Constituição. De outro lado, o modelo dedutivista de aplicação da lei pelo julgador, típico da operação lógico-formal da subsunção, revela-se inadequado na concretização dos princípios, abrindo margem para o recurso da operação argumentativa da ponderação” 18 Vicente Barretto, esquadrinhando o pensamento de Ronald Dworkin acrescenta que a ideia de uma leitura moral da constituição esta “vinculada à concepção da democracia como um regime político que se fundamenta em valores morais da pessoa humana[...]. O sentido da leitura constitucional torna-se moral na medida em que esses valores são encarados não como simples arranjos políticos-institucioa-nais, mas sim como dimensões morais do cidadão a serem implementados na sociedade política.” In. BARRETTO, Vicente. A leitura ética da Constituição. Disponível em :<http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/VIVE.pdf>. Acesso em: 06/10/2010.19 ROSÁRIO, Luana Paixão Dantas do. Neoconstitucionalismo, a teoria dos princípios e a dimensão ético--moral do direito. Disponível em <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/Anais/sao_paulo/2357.pdf >. Acesso em 06/10/2010.

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que encontrem a melhor concepção dos princípios morais constitucionais”20.Portanto, vê-se que, para Dworkin, a função da interpretação judicial

está diretamente jungida à necessidade de racionalizar o dado ordenamento jurídico partindo-se de uma moralidade dinâmica21. Em assim sendo, ele justifica o ativismo judicial na medida em que cabe ao magistrado se orientar por uma moral social cambiante, a fim de promover a evolução e reconstrução do ordenamento vigente com fulcro nos conteúdos assimilados pelos princípios.22

Robert Alexy, assim como Ronaldo Dworkin, compartilha a preocupação de se buscar alternativas para conter a discricionariedade judicial, enfatizando a necessidade de correção de um raciocínio judiciário que, eventualmente, esteja em desacordo com o caráter deontológico dos princípios jurídicos23.

Alexy ressalta, entretanto, que Dworkin não apresenta nenhum procedimento capaz de demonstrar como se obter a única resposta correta, uma vez que ele defendia a ideia de um “Juiz Hércules”, ou seja, aquele juiz munido de todas as capacidades e informações necessárias ao desempenho de sua tarefa24.

Nessa perspectiva, Alexy desenvolve um sistema jurídico objetivando complementar a teoria de Dworkin; para tanto, desenvolve uma técnica de ponderação de valores, fortemente lastreada no princípio da proporcionalidade25. O que mais importa nesta técnica é que ela traz alguns nortes de como solucionar as colisões quando estas envolverem princípios fundamentais.

Barroso, apud, Menezes apascenta que:

[...] A ponderação, como mecanismo de convivência de normas que tutelam valores ou bem jurídicos contrapostos, conquistou amplamente a doutrina e já repercute nas decisões dos tribunais. A vanguarda

20 Dworkin, apud, MENEZES, Luciana. O neoconstitucionalismo e a interpretação do direito. Disponí-vel em: < http://www.webartigos.com/articles/4197/1/Neoconstitucionalismo-E-A-Interpretacao-Do--Direito/pagina1.html>. Acesso em 05/10/2010. 21 Diferente da moralidade na versão jusnaturalista que é estática.22 Maia, apud, ROSÁRIO, op.cit.23 CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza, OLIVEIRA, Felipe Faria de. A Teoria da Ponderação de Valores e Os Direitos Fundamentais: Avanços e Críticas. In: NOVELINO, Marcelo (org). Leituras comple-mentares de direito constitucional. Teoria da Constituição. Salvador, Editora JusPodivm, 2009, p. 188.24 Maia, apud, ROSÁRIO, op.cit.25 CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza, OLIVEIRA, Felipe Faria de. A Teoria da Ponderação de Valores e Os Direitos Fundamentais: Avanços e Críticas. In: NOVELINO, Marcelo (org). Leituras comple-mentares de direito constitucional. Teoria da Constituição. Salvador, Editora JusPodivm, 2009, p. 188.

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do pensamento jurídico dedica-se, na quadra atual, à busca de parâmetros de alguma objetividade, para que a ponderação não se torne uma fórmula vazia, legitimadora de escolhas arbitrárias. É preciso demarcar o que pode ser ponderado e com sê-lo.26

Consoante enuncia Alexy, o Direito promove uma correção, sendo o seu elemento central a justiça. Dessa maneira, é empreendida uma necessária vinculação entre o Direito como ele é, e o Direito como ele deve ser, com isso, aproximam-se as noções ente Direito e Moral27.

Vê-se, pois, que o autor alemão se preocupava demasiadamente em conter o arbítrio judicial, por tal razão, “é possível identificar uma subdivisão do princípio - ou postulado - da proporcionalidade para abarcar três outros subprincípios ou máximas a serem seguidos de forma necessária e subsequente para a correta utilização da ponderação de valores”28, que podem ser traduzidos na adequação, necessidade e proporcionalidade.

Em que pese algumas críticas a respeito da teoria da ponderação de valores na jurisprudência pátria, já é possível identificar alguns julgados no STF que acolhem suas diretrizes.

Prisão Preventiva para Fins de Extradição: Bons Antecedentes e Princípios da Proporcionalidade-2

Asseverou-se que, apesar da especificidade das custódias para fins extradicionais e a evidente necessidade das devidas cautelas em caso de seu relaxamento ou de concessão de liberdade provisória, seria desproporcional o tratamento ora dispensado ao instituto da prisão preventiva para a extradição no contexto normativo da CF/88. Diante disso, afirmou-se que a prisão preventiva para fins de extradição haveria de ser analisada caso a caso, sendo, ainda, a ela atribuído limite temporal, compatível com o princípio da proporcionalidade,

26 MENEZES, op.cit.27 ROSÁRIO, op.cit.28 CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza, OLIVEIRA, Felipe Faria de. A Teoria da Ponderação de Valores e Os Direitos Fundamentais: Avanços e Críticas. In: NOVELINO, Marcelo (org). Leituras comple-mentares de direito constitucional. Teoria da Constituição. Salvador, Editora JusPodivm, 2009, p. 192.

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quando seriam avaliadas suas necessidade, sua adequação e sua proporcionalidade em sentido estrito. Tendo em conta os bons antecedentes do paciente e a necessidade de ser verificada a compatibilidade da custódia com o princípio da proporcionalidade, a fim de que esta seja limitada ao estritamente necessário, entendeu-se que, na hipótese, estariam presentes os requisitos autorizadores da concessão do habeas corpus[...] Vencidos os Ministros Menezes Direito e Marco Aurélio que indeferiam o writ, mantendo a jurisprudência da Corte no sentido de que a prisão preventiva para fins de extradição constitui requisito de procedibilidade do processo extradicional e deve perdurar até o julgamento final da causa (Lei 6.815/80, art. 84, parágrafo único). HC 91657/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 13.09.2007. (HC-91657) (sem grifo no original)29

À guisa da pequena abordagem acerca da Teoria dos Princípios aqui realizada, intruje-se que os postulados ora apresentados são instrumentos que auxiliam o magistrado a proceder de forma ética na aplicação e na interpretação do ordenamento jurídico, evitando, através de seus preceitos, a ocorrência de decisões que estejam equidistantes da Moral, da Ética e do próprio Direito.

Entretanto, há de se pontuar que, por se estar diante de algo que vem inovar sobremaneira a forma de aplicar o Direito, as teorias neoconstitucionalistas acima alinhavadas enfrentam uma série de questionamentos por parte de alguns doutrinadores que veem o constitucionalismo contemporâneo como antidemocrático, na medida em que o reconhecimento da normatividade dos princípios envolve uma valoração moral muito grande nas decisões jurídicas, o que geraria uma insegurança maior aos jurisdicionados.

Fato é que no neoconstitucionalismo ainda não existe um consenso doutrinário acerca das técnicas que são utilizadas no processo de argumentação dos juízes; entrementes, não se pode descurar da importância de seus preceitos para o progresso e desenvolvimento do direito, pois, ao menos, ele buscou demonstrar a necessidade de superar uma “leitura

29 A utilização da técnica de ponderação de valores também pode ser identificada em outras decisões, a exemplo do RE- AgR 376749; IF 2127/SP.

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matemática” da Constituição, defendendo o retorno da dimensão ético-moral na aplicação das normas.

4. CONCLUSÃO

O Neoconstitucionalismo propõe uma nova abordagem na aplicação do direito preocupando-se, sobretudo, com a legitimidade das decisões judiciais. Nesse diapasão, promove o retorno do Direito à ética embasando-o em conceitos que tragam o “bom”, o “correto” e o “justo” como premissas para sua fundamentalidade, de modo a alcançar uma maior proteção à integridade moral do homem.

Tais conceitos, entretanto, não são dados, são construídos na prática. Propostas teóricas que venham a balizar a construção de novos procedimentos serão sempre desenvolvidas; contudo, de nada adianta a ciência se o homem não souber ou não tiver em seu coração a convicção de que é necessário ousar, libertar-se de arcaicos dogmas e enfrentar novos paradigmas com a sapiência de que a evolução da sociedade está diretamente unida à capacidade de se empreende profundas reformas, não para prejudicar, mas para facilitar a vida e promover a dignidade de todos, pois este é o principal escopo do Direito.

O fato é que hoje se vive em país onde o menoscabo aos direitos fundamentais retira cada dia a confiança e o prestígio na Constituição, levando o povo brasileiro a desvanecer na esperança de que possa um dia existir como verdadeiros cidadãos.

Por tal razão, vê-se a necessidade de ultrapassar os limites de uma interpretação literal se se quiser buscar o verdadeiro sentido e os reais valores morais e éticos das normas. Somente desta maneira conseguir-se-á fornecer à Constituição Federal o seu real propósito: a defesa da sociedade.

5. REFERÊNCIAS

BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas. Disponível em < http://www.mundojuridico.adv.br/cgi-bin/upload/texto853.pdf>. Acesso em 05/10/2010.BARRETTO, Vicente. A leitura ética da Constituição. Disponível em:<http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/VIVE.pdf>. Acesso em: 06/10/2010.BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização

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