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PROJETO LEITURA E DIDATIZAÇÃO O NAVIO NEGREIRO E OUTROS POEMAS CASTRO ALVES Possíveis dialogismos trabalhados neste Projeto: 1. Amor e morte (Leitura 1) I. Eros II. Tanatos 2. A poesia social (Leitura 2) I. Denúncia e esperança II. Canção da América III. Consciência social 3. Influências (Leitura 3) I. Lord Byron II. Victor Hugo 4. Outros encontros (Leitura 4) I. Bahia e Romênia II. Ecos castroalvianos LEITURA 1 AMOR E MORTE I. Eros Duas vertentes principais se distinguem na poesia de Castro Alves: a feição lírico-amorosa, mesclada da sen- sualidade, e a feição social e humanitária, em que alcança momentos de fulgurante eloqüência épica. Como poeta lí- rico, Castro Alves se caracteriza pelo vigor da paixão, pela intensidade com que exprime o amor. A paixão pela atriz Eugênia da Câmara inspirou alguns dos seus mais belos Por Claudio Blanc 1

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PROJETO LEITURA E DIDATIZAÇÃO

O NAVIO NEGREIRO E OUTROS POEMASCASTRO ALVES

Possíveis dialogismos trabalhados neste Projeto:

1. Amor e morte (Leitura 1)I. ErosII. Tanatos

2. A poesia social (Leitura 2)I. Denúncia e esperançaII. Canção da AméricaIII. Consciência social

3. Influências (Leitura 3)I. Lord ByronII. Victor Hugo

4. Outros encontros (Leitura 4)I. Bahia e RomêniaII. Ecos castroalvianos

LEITURA 1

AMOR E MORTE

I. Eros

Duas vertentes principais se distinguem na poesia de Castro Alves: a feição lírico-amorosa, mesclada da sen-sualidade, e a feição social e humanitária, em que alcança momentos de fulgurante eloqüência épica. Como poeta lí-rico, Castro Alves se caracteriza pelo vigor da paixão, pela intensidade com que exprime o amor. A paixão pela atriz Eugênia da Câmara inspirou alguns dos seus mais belos Por Claudio Blanc

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poemas. Outros amores e encantamentos constituem igualmente o ponto de partida de diversos poemas. Em Castro Alves, o amor é tratado como um encantamento da alma e do corpo, diferentemente do desespero ansio-so, quase doentio, como esse sentimento era retratado até então. Os textos a seguir ajudam a refletir sobre como o tema é elaborado por Castro Alves e por James Joyce, poe-ta que pertenceu ao Modernismo.

TEXTO 1O VÔO DO GÊNIO

Um dia, em que na terra a sós vagavaPela estrada sombria da existência,Sem rosas – nos vergéis da adolescência,Sem luz d’estrela – pelo céu do amor;Senti as asas de um arcanjo erranteRoçar-me brandamente pela fronte,Como o cisne, que adeja sobre a fonte,Às vezes toca a solitária flor.

E disse então: “Quem és, pálido arcanjo!Tu, que o poeta vens erguer do pego?Eras acaso tu, que Milton cegoOuvia em sua noite erma de sol?Quem és tu? Quem és tu?” – “Eu sou o gênio”,Disse-me o anjo, “vem seguir-me o passo,Quero contigo me arrojar no espaço,Onde tenho por c’roas o arrebol”.

“Onde me levas, pois?...” – “Longe te levoAo país do ideal, terra das flores,Onde a brisa do céu tem mais amoresE a fantasia – lagos mais azuis...”E fui... e fui... ergui-me no infinito,Lá onde o vôo da águia não se eleva...Abaixo – via a terra – abismo em treva!Acima – o firmamento – abismo em luz!

“Arcanjo! arcanjo! que ridente sonho!”– “Não, poeta, é o vedado paraíso,Onde os lírios mimosos do sorrisoEu abro em todo o seio, que chorou,Onde a loura comédia canta alegre,Onde eu tenho o condão de um gênio infindo,Que a sombra de Molière vem sorrindoBeijar na fronte, que o Senhor beijou...”

“Onde me levas mais, anjo divino?”– “Vem ouvir, sobre as harpas inspiradas,O canto das esferas namoradas,Quando eu encho de amor o azul do céu,Quero levar-te das paixões nos mares.Quero levar-te a dédalos profundos,Onde refervem sóis... e céus... e mundos...Mais sóis... mais mundos, e onde tudo é meu...”

“Mulher! mulher! Aqui tudo é volúpia:A brisa morna, a sombra do arvoredo,A linfa clara, que murmura a medo,A luz que abraça a flor e o céu ao mar.Ó princesa, a razão já se me perde,És a sereia da encantada Cila,Anjo, que transformaste-te em Dalila,Sansão de novo te quisera amar!

“Porém não paras neste vôo errante!A que outros mundos elevar-me tentas?Já não sinto o soprar de auras sedentas,Nem bebo a taça de um fogoso amor.Sinto que rolo em báratros profundos...Já não tens asas, águia da Tessália,Maldição sobre ti... tu és Onfália,Ninguém te ergue das trevas e do horror.

“Porém silêncio! No maldito abismo,Onde caí contigo, criminosa,Canta uma voz, sentida e maviosa,

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Que arrependida sobe a Jeová!Perdão! Perdão! Senhor, p’ra quem soluça,Talvez seja algum anjo peregrino...... Mas não! inda eras tu, gênio divino,Também sabes chorar, como Eloá!

“Não mais, ó serafim! suspende as asas!Que, através das estrelas arrastado,Meu ser arqueja louco, deslumbrado,Sobre as constelações e os céus azuis.Arcanjo! Arcanjo! basta... Já contigoMergulhei das paixões nas vagas cérulas...Mas nos meus dedos – já não cabem – pérolas –Mas na minh’alma – já não cabe – luz!...”

ALVES, Castro. Espumas flutuantes / Os escravos. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

1. Como Castro Alves descreve o momento em que foi tocado de paixão?

2. Castro Alves lança mão de recursos estilísticos caracterís-ticos da terceira geração romântica. Você pode identificá-los através do texto 1?

TEXTO 2CABELOS D’AREIA

Agora você verá como um autor de outro movimento literá-rio, o Modernismo, aborda o mesmo tema do amor.

Surja na janela,Cabelos d’Areia,Ouço-te cantarAlegre ária.

Meu livro está fechado;Não leio mais, não.

Assistindo à dança do fogoSobre o chão.

Deixei meu livro,Saio donde vivo,Pois ouço-te cantarAtravés da escuridão.

Cantando e cantandoAlegre ária,Surja na janelaCabelos d’Areia.

JOYCE, James. Chamber Music. Penguin Books, 1998

(traduzido para esta edição por Claudio Blanc).

3. James Joyce escreveu os poemas de Música de câmara, dos quais Golden Hair (Cabelos d’Areia, na tradução para esta edição) é o canto V, quando tinha 17 anos, em 1905 (39 anos depois de Castro Alves ter composto O vôo do gênio, aos 19 anos). Compare:

a) Que recursos estilísticos Joyce emprega?

b) Como esses recursos estilísticos diferem daqueles usados por Castro Alves?

4. Há um jogo de luz e sombra, alegria e tristeza no poema de Joyce. Em que versos isso pode ser constatado?

James Joyce O irlandês James Augustine Aloysius Joyce (1882–1941) é consi-derado um dos autores de maior relevância do século XX. Suas obras mais conhecidas são o livro de contos Dublinenses (1914) e os romances Retrato do artista quando jovem (1916), Ulisses (1922) e Finnegans Wake (1939). Joyce é ao mesmo tempo um dos mais cosmopolitas e um dos mais particularistas dos autores modernistas de língua inglesa.

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5. Joyce faz alusão apenas à voz da mulher que o encanta, capaz de transportá-lo da tristeza à alegria. Como sabemos que o poeta sabe quem é, de fato, que está cantando e o encantando?

II. Tanatos

Castro Alves faz parte do terceiro momento romântico, a chamada geração condoreira, pois buscava, com sua poe-sia, promover causas sociais, alçando as alturas da liberdade onde voa o condor. No entanto, seus poemas ligados à morte o aproximam da segunda geração romântica, chamada de “mal do século”. Tuberculoso desde os 16 anos, pressentia que sua doença seria fatal. Como outros poetas românticos que o influenciaram, principalmente o inglês Lord Byron, ti-nha consciência de que somente a morte vai a par das idéias de Deus, alma, amor, natureza e a libertação do homem, te-mas freqüentes na obra do baiano. Os textos a seguir têm como tema a morte.

TEXTO 3QUANDO EU MORRER

Quando eu morrer... não lancem meu cadáverNo fosso de um sombrio cemitério...Odeio o mausoléu que espera o mortoComo o viajante desse hotel funéreo.

Corre nas veias negras desse mármoreNão sei que sangue vil de messalina,A cova, num bocejo indiferente,Abre ao primeiro a boca libertina.Ei-la a nau do sepulcro – o cemitério...Que povo estranho no porão profundo!Emigrantes sombrios que se embarcamPara as plagas sem fim do outro mundo.

Tem os fogos – errantes – por santelmo.Tem por velame – os panos do sudário...

Por mastro – o vulto esguio do cipreste,Por gaivotas – o mocho funerário...

Ali ninguém se firma a um braço amigoDo inverno pelas lúgubres noitadas...No tombadilho indiferentes chocam-seE nas trevas esbarram-se as ossadas...

Como deve custar ao pobre mortoVer as plagas da vida além perdidas,Sem ver o branco fumo de seus laresLevantar-se por entre as avenidas!...

Oh! perguntai aos frios esqueletosPor que não têm o coração no peito...E um deles vos dirá: “Deixei-o há poucoDe minha amante no lascivo leito.”

Outro: “Dei-o a meu pai”. Outro: “Esqueci-oNas inocentes mãos de meu filhinho”...... Meus amigos! Notai... bem como um pássaroO coração do morto volta ao ninho!...

ALVES, Castro. Espumas flutuantes / Os escravos. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

6. A idéia de que a morte seria o caminho certo à liberdade domi-nava o pensamento dos românticos e, particularmente, o pensa-mento de Castro Alves, o que acabou influindo sobre a concep-ção de diversos poemas. Isso pode ser constatado nesse poema?

7. Messalina foi uma imperatriz romana famosa por sua lascívia. Conta-se que, insaciável, promovia orgias intermináveis. Que relação Castro Alves traça entre essa personagem e a morte?

8. Que imagem poética Castro Alves tece para descrever a viagem final que o morto empregaria?

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TEXTO 4ÚLTIMA VONTADE

O corpo num lençol, e assim metidoEm minha mãe, donde nasci, a terra.Nada do som do bronze, um som que aterra,Que descontenta um delicado ouvido.

Ninguém ouse soltar um só gemidoJunto da cova que o meu corpo encerra:Longe, a minh’alma em outros mundos erra,Dêem-lhe a paz de um sentimento olvido.

Nada de luto, de safenas pretas;Onde eu fique, um recôndito jardim,Onde ela, a mais divina das Julietas,

Se por acaso se lembrar de mim,Possa colher um ramo de violetasCom que inflore o seu peito de cetim.

PENHA, João. Livro dos sonetos. Porto Alegre: L&PM, 1997.

9. Compare o sentido que esses dois últimos autores atri-buem à morte.

10. João Penha, embora contemporâneo de Castro Alves, pertence ao Parnasianismo, movimento que surgiu em contraposição ao ideal e à estética românticos. Que dife-renças podem ser apontadas com relação aos estilos dos dois poetas?

João Penha João Penha de Oliveira Fortuna (1838–1919), poeta português, foi considerado, juntamente com Gonçalves Crespo e António Feijó, um dos expoentes do Parnasianismo português.

LEITURA 2

A POESIA SOCIAL

A poesia social, que fincou raízes na poesia internacional, encontrando forte expressão entre os modernistas – espe-cialmente os latino-americanos –, tem em Castro Alves um dos seus precursores. Uma parte significativa da obra do poeta contém a visão do pensamento fundamental dos objetivos utópicos do século XIX, concretizados no século XX: a liberdade e o respeito ao homem e aos direitos do ho-mem. Castro Alves foi um autor social extremamente sen-sível às inspirações revolucionárias e liberais do seu tempo, vivendo com intensidade os grandes episódios históricos da época. Foi o maior porta-voz da abolição da escravatura no Brasil, o que lhe valeu a alcunha de “poeta dos escravos”.

I. Denúncia e esperança

Embora a poesia social denuncie os agravos e as injustiças de um tempo e/ou de uma sociedade, em geral oferece tam-bém a esperança. Analise esses aspectos nos textos a seguir:

TEXTO 5O SÉCULO

O século é grande... No espaçoHá um drama de treva e luz.Como Cristo – a liberdadeSangra no poste da cruz.Um corvo escuro, anegrado,Obumbra o manto azulado,Das asas d’águia dos céus...Arquejam peitos e frontes...Nos lábios dos horizontesHá um riso de luz... É Deus.

Às vezes quebra o silêncioRonco estrídulo, feroz.

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Será o rugir das matas, Ou da plebe a imensa voz?...Treme a terra hirta e sombria...São as vascas da agoniaDa liberdade no chão?...Ou do povo o braço ousado Que, sob montes calcado,Abala-os como um Tritão?!...

Ante esse escuro problemaHá muito irônico rir.P’ra nós o vento da esp’rançaTraz o pólen do porvir.E enquanto o ceticismoMergulha os olhos no abismo,Que a seus pés raivando tem,Rasga o moço os nevoeiros,P’ra dos morros altaneirosVer o sol que irrompe além.

Toda noite – tem auroras,Raios – toda a escuridão.Moços, creiamos, não tardaA aurora da redenção.Gemer – é esperar um canto...Chorar – aguardar que o prantoFaça-se estrela nos céus.O mundo é o nauta nas vagas...Terá do oceano as plagasSe existem justiça e Deus.

No entanto inda há muita noiteNo mapa da criação.Sangra o abutre – tiranoMuito cadáver – nação.Desce a Polônia esvaída,Cataléptica, adormida,À tumba do Sobieski;Inda em sonhos busca a espada...

Os reis passam sem ver nada...E o Czar olha e sorri...

Roma inda tem sobre o peitoO pesadelo dos reis;A Grécia espera chorandoCanaris, Byron talvez!Napoleão amordaçaA boca da populaçaE olha Jersey com terror,Como o filho de Sorrento,Treme ao fitar um momentoO Vesúvio aterrador.

A Hungria é como um cadáverAo relento exposto nu;Nem sequer a abriga a sombraDo foragido Kossuth.Aqui – o México ardente,– Vasto filho independenteDa liberdade e do sol –Jaz por terra... e lá soluçaJuarez, que se debruçaE diz-lhe: “Espera o arrebol!”O quadro é negro. Que os fracosRecuem cheios de horror.A nós, herdeiros dos Gracos,Traz a desgraça – valor!Lutai... Há uma lei sublimeQue diz: “À sombra do crimeHá de a vingança marchar”.Não ouvis do Norte um grito,Que bate aos pés do infinito,Que vai Franklin despertar?

É o grito dos CruzadosQue brada aos moços – De pé!É o sol das liberdadesQue espera por Josué!...

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São bocas de mil escravosQue transformaram-se em bravos Ao cinzel da abolição.É a voz dos libertadores –Reptis, que saltam condoresA topetar n’amplidão!...

E vós, arcas do futuro,Crisálidas do porvir,Quando vosso braço ousado Legislações construir,Levantai um templo novo,Porém não que esmague o povo,Mas lhe seja o pedestal.Que ao menino dê-se a escola,Ao veterano – uma esmola...A todos – luz e fanal.

Luz!... sim; que a criança é uma ave,Cujo porvir tendes vós;No sol – é uma águia arrojada,Na sombra – um mocho feroz.Libertai tribunas, prelos...São fracos, mesquinhos elos...Não calqueis o povo-rei!Que este mar d’almas e peitos,Com as vagas de seus direitos,Virá partir-vos a lei.

Quebre-se o cetro do Papa,Faça-se dele – uma cruz!A púrpura sirva ao povoP’ra cobrir os ombros nus.Que aos gritos do Niágara– Sem escravos, – GuanabaraSe eleve ao fulgor dos sóis!Banhem-se em luz os prostíbulos,E das lascas dos patíbulosErga-se a estátua aos heróis!

Basta!... Eu sei que a mocidadeÉ o Moisés do Sinai;Das mãos do Eterno recebeAs tábuas da lei! – Marchai!Quem cai na luta com glória,Tomba nos braços da história,No coração do Brasil!Moços, do topo dos Andes,Pirâmides vastas, grandes,Vos contemplam séculos mil!

ALVES, Castro. O navio negreiro e outros poemas. São Paulo: Saraiva, 2007

(Clássicos Saraiva).

O poema acima é um marco na obra de Castro Alves. Foi esse texto que o projetou, quando ele ainda era estudan-te. Conforme o crítico Eugênio Gomes, em “O século” “já estava o pensamento central, que Alves iria desenvolver de outras [poesias] do mesmo teor humano e social, alguns em forma de odes ou de pequenas epopéias hugoanas”. As per-guntas a seguir exploram esses e outros aspectos.

1. Os primeiros versos do poema já denunciam a injustiça que ameaça a liberdade. No entanto, na segunda estrofe, há uma in-dicação da esperança. Em que versos isso pode ser confirmado?

2. Em que versos o poeta sugere que a presença de Deus se manifesta?

3. Sabe-se que, quando Castro Alves recitou “O século” na Fa-culdade de Direito do Recife as idéias que a embasavam, a polí-tica de redenção e libertação do homem foram vistas de viés. a) Cite uma estrofe onde essas idéias estão claras. b) Justifique sua escolha.

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4. “O século” é um poema de filosofia política que espelha a crença na história libertária. Castro Alves imprime ao texto um dos motivos-chave de sua obra, o amor à juventude, a juventude como idéia-força, a juventude do mundo, e a juventude do Brasil, especificamente. Destaque o trecho onde isso pode ser ilustrado.

TEXTO 6A FLOR E A NÁUSEA

Preso à minha classe e a algumas roupas,vou de branco pela rua cinzenta.Melancolias, mercadorias espreitam-me.Devo seguir até o enjôo?Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:Não, o tempo não chegou de completa justiça.O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.O tempo pobre, o poeta pobrefundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.Sob a pele das palavras há cifras e códigos.O sol consola os doentes e não os renova.As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Vomitar este tédio sobre a cidade.Quarenta anos e nenhum problemaresolvido, sequer colocado.Nenhuma carta escrita nem recebida.Todos os homens voltam para casa.Estão menos livres mas levam jornaise soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?Tomei parte em muitos, outros escondi.Alguns achei belos, foram publicados.

Crimes suaves, que ajudam a viver.Ração diária de erro, distribuída em casa.Os ferozes padeiros do mal.Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.Ao menino de 1918 chamavam anarquista.Porém meu ódio é o melhor de mim.Com ele me salvoe dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.Uma flor ainda desbotadailude a polícia, rompe o asfalto.Façam completo silêncio, paralisem os negócios,garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.Suas pétalas não se abrem.Seu nome não está nos livros.É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tardee lentamente passo a mão nessa forma insegura.Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. Rio de Janeiro: Record, 2001.

Carlos Drummond de AndradePoeta mineiro, nascido em Itabira, em 1902, e falecido em 1987. Um dos mais importantes nomes da literatura brasileira e repre-sentante do Movimento Modernista no país. Além de poesia, es-creveu livros infantis, contos e crônicas. Sua obra poética abrange a poesia social, a poesia irônica e a poesia metafísica.

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5. No título do poema de Drummond pode-se notar a dico-tomia que o poeta vive entre a razão e a emoção. O poeta puro perambula pela cidade, observando a sociedade. Em que verso fica claro essa pureza atribuída ao poeta?

6. Nessa poesia social, Drummond coloca suas observações sobre o mundo injusto, feio. De onde vem o nojo a que o poeta se refere no título?

7. Ao longo dos versos, surge um fato que poderá alterar a situação de “tédio, nojo e ódio”, expresso pelo poeta com emoção, anunciando uma mudança na atmosfera do poema. Aqui, Drummond, como Castro Alves, ex-pressa uma certa esperança. Que imagem introduz essa esperança?

8. A flor do título é a poesia de Drummond, que pretende transformar “o coração dos homens”. Quais elementos fa-zem brotar a flor?

II. Canção da América

Mais que um poeta brasileiro, o canto de liberdade de Castro Alves vai além do seu país e de sua época, refletindo também a perspectiva ibero-americana.

TEXTO 7PROMETEU

Inda arrogante e forte, o olhar no sol cravado,Sublime no sofrer, vencido – não domado,Na sublime agonia arqueja Prometeu.O Cáucaso é seu cepo; é seu sudário – o céu,Como um braço de algoz, que em sangueira se nutre,Revolve-lhe as entranhas o pescoço do abutre.

P’ra as iras lhe sustar, corta o raio a amplidão,E em correntes de luz prende, amarra o Tritão.

Agonia sublime!... E ninguém nesta horaConsola aquela dor, naquela angústia chora.Ai! por cúm’lo de horror!... O Oriente golfa a luz,No Olimpo brinca o amor por entre os seios nus.De tirso em punho o bando das lúbricas bacantes,Correm montanhas e val em danças delirantes;E ao gigante caído... a terra e o céu (rivais!...)Prantos lascivos dão, suor de bacanais.

Mas não! Quando arquejante em hórrido granitoSe estorce Prometeu, gigantesco precito,Vós, Nereidas gentis, meigas filhas do mar!O oceano lhe trazei, p’ra em prantos derramar...

Povo! povo infeliz! Povo, mártir eterno,Tu és do cativeiro o Prometeu moderno...Enlaça-te no poste a cadeia das Leis,O pescoço do abutre é o cetro dos maus reis.Para tais dimensões, p’ra músculos tão grandes,Era pequeno o Cáucaso... amarram-te nos Andes.E enquanto, tu, Titã, sangrento arcas aí,O século da luz olha... caminha... ri...Mas não! mártir divino, Encélado tombado!Junto ao Calvário teu, por todos desprezado,A musa do poeta irá – filha do mar –O oceano de sua alma... em cantos derramar...

ALVES, Castro O navio negreiro e outros poemas. São Paulo: Saraiva, 2007

(Clássicos Saraiva).

9. Na mitologia grega, Prometeu foi o titã que criou a hu-manidade. Depois disso, para beneficiar sua criação, ele roubou o fogo dos deuses do Olimpo e o entregou aos ho-mens. Com o fogo, os humanos conquistaram um poder

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reservado aos imortais e se tornaram quase tão poderosos quanto os deuses. Por isso, Zeus, o deus supremo dos an-tigos gregos, castigou cruelmente Prometeu. Acorrentando o titã a uma rocha, condenou-o a ter seu fígado devorado por um abutre durante toda a eternidade. Depois, foi a vez dos homens. Para abrandar a arrogância dos mortais, Zeus criou a primeira mulher, Pandora, e deu a ela uma caixa que continha todos os males do mundo. Pandora foi viver entre os homens, que, curiosos, abriram a caixa e liberta-ram sua própria maldição.

a) Quem é o Prometeu de Castro Alves?

b) Quais versos exprimem isso?

10. Em Prometeu, Castro Alves canta as dores do povo ex-plorado e de povos antigos agora subjugados. Que esperan-ça ele apresenta para eles?

TEXTO 8CASTRO ALVES DO BRASIL

Castro Alves do Brasil, para quem cantaste?Para a flor cantaste? Para a água,cuja formosura diz palavras às pedras? Cantaste para os olhos, para o perfil cortadoDaquela que então amaste? Para a primavera?

Sim, mas aquelas pétalas não tinham orvalho,aquelas águas negras não tinham palavras,aqueles olhos eram os que viram a morte,ardiam ainda martírios atrás do amor,a primavera estava salpicada de sangue.

– Cantei para os escravos, sobre os barcoscomo o cacho escuro da vinha da iraviajaram, e no porto o navio sangroudeixando-nos o peso do sangue roubado.

– Cantei naqueles dias contra o inferno,contra as afiadas línguas da cobiça,contra o ouro embebido de tormento,contra a mão que empunhava o látego,contra os mestres da escuridão.

– Cada rosa tinha um morto em suas raízes.A luz, a noite, o céu se cobriam de pranto,os olhos se apartavam das mãos feridase minha voz era a única que enchia o silêncio.

– Eu quis que do homem fôssemos salvos, Eu cria que a estrada passava pelo homem,E que dali tinha que sair o destino.Eu cantei para aqueles que não tinham voz.Minha voz golpeou as portas então trancadaspara que, combatendo, a Liberdade entrasse.

Castro Alves do Brasil, que, hoje, teu livro purovolte a nascer para a terra livre,deixe-me, poeta de nossa pobre América,coroar tua cabeça com o laurel da cidade.Tua voz se uniu à eterna e alta voz dos homens.Cantaste bem. Cantaste como se deve cantar.

NERUDA, Pablo. Canto general. Buenos Aires: Debolsillo, 2003

(traduzido para esta edição por Claudio Blanc).

Pablo NerudaPablo Neruda, pseudônimo de Neftalí Reyes Basoalto, nasceu em 12 de julho de 1904, em Parral, no Chile. Diplomata, serviu em diversos países. Durante a guerra civil espanhola estava a serviço de Madri. Os horrores desse conflito marcaram sua vida e definiram sua opção ideológica em favor do comunismo, chegando inclusive a se eleger senador pelo Partido Comunista chileno. Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1971. Morreu em 23 de setembro de 1973, em Santiago, onze dias após a queda do Governo da Unidade Popular e da morte de seu amigo Salvador Allende, que ele havia ajudado a eleger presidente. Entre suas várias obras publica-das, estão: Confesso que vivi; Cadernos de Temuco; Fulgor e morte de Joaquín Murieta; Para nascer, nasci; O rio invisível e Os versos do capitão.

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11. Canto geral, de onde o poema “Castro Alves do Brasil” foi retirado, foi escrito em circunstâncias adversas, quando Ne-ruda, por ser membro do Partido Comunista, era perseguido pela polícia do presidente chileno González Videla (o que o obrigou a cruzar a Cordilheira dos Andes e se refugiar no ex-terior, onde terminou de escrever o livro). Lançado em 1950, Canto geral tem caráter enciclopédico, reunindo os mais variados temas, gêneros e técnicas. O livro nasceu marca-do pelo sofrimento e é um testemunho do grande amor de Neruda tanto pelo Chile e por seu povo, quanto pelos povos oprimidos da América Latina.

a) Que relações você pode traçar, a partir do texto 8, entre os objetivos da obra dos dois poetas?

b) Você pode destacar pelo menos um trecho do poema a Castro Alves onde esse traço comum aos dois poetas pode ser visto?

12. Em seu poema, Neruda refere-se à idéia de Homo homini lupus, ou seja, O homem é o lobo do homem, da qual precisa-mos ser salvos. Em qual verso ele diz isso?

III. Consciência social

Os textos a seguir refletem a busca dos autores no sen-tido de despertar a consciência de seus leitores para os ex-cluídos.

TEXTO 9O NAVIO NEGREIRO

V

Senhor Deus dos desgraçados!Dizei-me vós, Senhor Deus!Se é loucura... se é verdade

Tanto horror perante os céus?!Ó mar, por que não apagasCo’a esponja de tuas vagasDe teu manto este borrão?...Astros! noites! tempestades!Rolai das imensidades!Varrei os mares, tufão!

Quem são estes desgraçadosQue não encontram em vósMais que o rir calmo da turbaQue excita a fúria do algoz?Quem são? Se a estrela se cala,Se a vaga à pressa resvalaComo um cúmplice fugaz,Perante a noite confusa...Dize-o tu, severa Musa,Musa libérrima, audaz!...

São os filhos do deserto,Onde a terra esposa a luz.Onde vive em campo abertoA tribo dos homens nus...São os guerreiros ousados,Que com os tigres mosqueadosCombatem na solidão.Ontem simples, fortes, bravos...Hoje míseros escravosSem luz, sem ar, sem razão...

São mulheres desgraçadas,Como Agar o foi também.Que sedentas, alquebradas,De longe... bem longe vêm...Trazendo com tíbios passos,Filhos e algemas nos braços,N’alma – lágrimas e fel...Como Agar sofrendo tanto,

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Que nem o leite de prantoTem que dar para Ismael.

Lá nas areias infindas,Das palmeiras no país,Nasceram – crianças lindas,Viveram – moças gentis...Passa um dia a caravana,Quando a virgem na cabanaCisma da noite nos véus...... Adeus, ó choça do monte,... Adeus, palmeiras da fonte!...... Adeus, amores... adeus!...

Depois, o areal extenso...Depois, o oceano de pó.Depois no horizonte imensoDesertos... desertos só...E a fome, o cansaço, a sede...Ai! quanto infeliz que cede,E cai p’ra não mais s’erguer!...Vaga um lugar na cadeia,Mas o chacal sobre a areiaAcha um corpo que roer.

Ontem a Serra Leoa,A guerra, a caça ao leão,O sono dormido à toaSob as tendas d’amplidão!Hoje... o porão negro, fundo,Infecto, apertado, imundo,Tendo a peste por jaguar...E o sono sempre cortadoPelo arranco de um finado,E o baque de um corpo ao mar...

Ontem plena liberdade,A vontade por poder...Hoje... cúm’lo de maldade,

Nem são livres p’ra morrer...Prende-os a mesma corrente– Férrea, lúgubre serpente –Nas roscas da escravidão.E assim zombando da morte,Dança a lúgubre coorteAo som do açoite... Irrisão!...

Senhor Deus dos desgraçados!Dizei-me vós, Senhor Deus,Se eu deliro... ou se é verdadeTanto horror perante os céus...Ó mar, por que não apagasCo’a esponja de tuas vagasDo teu manto este borrão?Astros! noites! tempestades!Rolai das imensidades!Varrei os mares, tufão!...

ALVES, Castro. O navio negreiro e outros poemas.

São Paulo: Saraiva, 2007 (Clássicos Saraiva).

13. O trecho acima é o canto V de “O navio negreiro”, um dos poemas mais significativos do Romantismo brasileiro. Esta-beleça uma comparação entre a temática abordada por Castro Alves e os tópicos recorrentes na segunda fase da poesia ro-mântica, o chamado “mal do século”.

TEXTO 10O AÇÚCAR

O branco açúcar que adoçará meu cafénesta manhã de Ipanemanão foi produzido por mimnem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puroe afável ao paladarcomo beijo de moça, água

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na pele, florque se dissolve na boca. Mas este açúcarnão foi feito por mim.

Este açúcar veioda mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira,dono da mercearia.Este açúcar veiode uma usina de açúcar em Pernambucoou no Estado do Rioe tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era canae veio dos canaviais extensosque não nascem por acasono regaço do vale.

Em lugares distantes, onde não há hospitalnem escola,homens que não sabem ler e morremaos vinte e sete anosplantaram e colheram a canaque viraria açúcar.

Em usinas escuras,homens de vida amargae duraproduziram este açúcarbranco e purocom que adoço meu café esta manhã em Ipanema.

GULLAR, Ferreira. Toda poesia. Rio de Janeiro:

José Olympio, 2006.

14. Observa-se no poema a presença de uma relação de apro-ximação e, ao mesmo tempo, distanciamento entre o lugar de enunciação do eu poético e o da temática enunciada. Ca-racterize esse procedimento, retirando passagens do texto que justifiquem a sua resposta.

LEITURA 3

INFLUÊNCIAS

Castro Alves foi muito influenciado por dois poetas estran-geiros: o inglês Lord Byron e o francês Victor Hugo. A obra e a personalidade romântica de George Gordon Noel Byron – Lord Byron (1788-1824), um dos principais poetas ultra-ro-mânticos – a geração do “mal do século” – tiveram, no iní-cio do século XIX, grande projeção no panorama literário internacional e exerceram enorme influência em seus con-temporâneos. Já de Victor Hugo (1802–1885), Castro Alves herdou sua veia social. José de Alencar foi o primeiro a notar a influência do mestre francês no poeta baiano. Defensor de uma democracia liberal e humanitária, Victor Hugo preco-nizava que “onde o conhecimento está apenas num homem, a monarquia se impõe. Onde está num grupo de homens, deve fazer lugar à aristocracia. E quando todos têm acesso às luzes do saber, então vem o tempo da democracia”.

Os textos a seguir ajudam a perceber essa influência na construção da poesia de Castro Alves.

I. Lord Byron

TEXTO 11O DERRADEIRO AMOR DE BYRON

INum desses dias em que o Lorde errante,Resvalando em coxins de seda mole...A laureada e pálida cabeçaSentia-lhe embalar essa condessa,Essa lânguida e bela Guiccioli...

IINesse tempo feliz... em que RavenaVia cruzar o Childe peregrino,

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Dos templos ermos pelo claustro frio...Ou longas horas meditar sombrioNo túmulo de Dante – o Gibelino...

IIIQuando aquela mão régia de MadonaTomava aos ombros essa cruz insana...E do Giaour o lúgubre segredo,E esse crime indizível do ManfredoMadornavam aos pés da Italiana...

IVNuma dessas manhãs... Enquanto a moçaSorrindo-lhe dos beijos ao ressábio,Cantava como uma ave ou uma criança...Ela sentiu que um riso de esperançaAbria-lhe do amante lábio e lábio.

VA esperança! A esperança no precito!A esperança nesta alma agonizante!E, mais lívida e branca do que a cera,Ela disse a tremer: – “George, eu quiseraSaber qual seja... a vossa nova amante”.

VI– “Como o sabes?...” – “Confessas?” – “Sim! confesso...”– “E o seu nome...” – “Qu’importa?” – “Fala, alteza!...”– “Que chama douda teu olhar espalha,És ciumenta?...” – “Mylord, eu sou da Itália!”– “Vingativa?...” – “Mylord, eu sou Princesa!...”

VII– “Queres saber então qual seja o arcanjoQue inda vem m’enlevar o ser corrupto?O sonho que os cadáveres renova,O amor que o Lázaro arrancou da cova,O ideal de Satã?...” – “Eu vos escuto!”

VIII–“Olhai, Signora... além dessas cortinas,O que vedes?...” – “Eu vejo a imensidade!...”– “E eu vejo a Grécia... e sobre a plaga errante,Uma virgem chorando...” – “É vossa amante?...”– “Tu disseste-o, Condessa!... É a Liberdade!!!...”

ALVES, Castro. O navio negreiro e outros poemas.

São Paulo: Saraiva, 2007 (Clássicos Saraiva).

1. Em “O derradeiro amor de Byron”, Castro Alves expressa claramente sua identificação com o poeta inglês, motivo da sua admiração por ele. Byron era um amante sensual, mas também defensor apaixonado dos desvalidos – elementos que caracterizam o próprio Castro Alves. De que forma ele trabalha essas características no seu poema a Byron?

2. As estrofes IV e V se referem a uma mudança de ânimo em Byron e ao ciúme de sua amante. O que desperta nela essa emoção?

TEXTO 12A UMA TAÇA FEITA DE UM CRÂNIO HUMANO

Uma história sobre Lord Byron dá conta de que vizinho à sua residência havia o cemitério de uma velha abadia. Não raro, quando os jardineiros revolviam a terra, encontravam ossos humanos. Certa vez, desenterraram um crânio huma-no. Imediatamente os empregados o levaram a Lord Byron, que o mandou a um joalheiro para transformá-lo numa taça macabra, cravejada de jóias. Esse costume era comum entre os vikings e os reis lombardos da Idade Média. Inspirado nes-ta taça, Byron escreveu um poema sinistro, traduzido para o português por Castro Alves.

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“Não recues! De mim não foi-se o espírito...Em mim verás – pobre caveira fria –Único crânio que, ao invés dos vivos,

Só derrama alegria.

Vivi! amei! bebi qual tu: Na morteArrancaram da terra os ossos meus.Não me insultes! empina-me!... que a larvaTem beijos mais sombrios do que os teus.Mais val guardar o sumo da parreiraDo que ao verme do chão ser pasto vil;– Taça – levar dos Deuses a bebida,

Que o pasto do reptil.

Que este vaso, onde o espírito brilhava,Vá nos outros o espírito acender.Ai! Quando um crânio já não tem mais cérebro

... Podeis de vinho o encher!

Bebe, enquanto inda é tempo! Uma outra raça,Quando tu e os teus fordes nos fossos,Pode do abraço te livrar da terra,

E ébria folgando profanar teus ossos.

E por que não? Se no correr da vidaTanto mal, tanta dor aí repousa?É bom fugindo à podridão do lodoServir na morte enfim p’ra alguma cousa!...”

BYRON, Lord. As trevas e outros poemas.

São Paulo: Saraiva, 2007 (Clássicos Saraiva).

3. A obra de Byron exprime o pessimismo romântico, reve-lado em revolta e numa tendência do poeta de se voltar con-tra a sociedade e contra aquilo sobre o qual não tem poder. Como isso pode ser constatado no texto 12?

4. Castro Alves sabia que iria morrer. De que forma o poeta baiano pode ter encontrado um veículo para suas emoções na tradução do poema de Byron?

II. Victor Hugo

TEXTO 13PERSEVERANDO

Traduzido de Victor Hugo

A águia é o gênio... Da tormenta o pássaro, Que do monte arremete altivo píncaro, Qu’ergue um grito aos fulgores do arrebol, Cuja garra jamais se pela em lodo, E cujo olhar de fogo troca raios

– Contra os raios do sol.

Não tem ninho de palhas... tem um antro – Rocha talhada ao martelar do raio, – Brecha em serra, ante a qual o olhar tremeu... No flanco da montanha – asilo trêmulo, Que sacode o tufão entre os abismos

– O precipício e o céu.

Nem pobre verme, nem dourada abelha,Nem azul borboleta... sua prole Faminta, boquiaberta, espera ter... Não! São aves da noite, são serpentes, São lagartos imundos, que ela arroja

Aos filhos p’ra viver.

Ninho de rei!... palácio tenebroso, Que a avalanche a saltar cerca tombando!... O gênio aí enseiva a geração... E ao céu lhe erguendo os olhos flamejantes Sob as asas de fogo aquenta as almas

Que um dia voarão.

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Por que espantas-te, amigo, se tua fronte Já de raios pejada, choca a nuvem?... Se o réptil em seu ninho se debate?... É teu folgar primeiro... é tua festa!... Águias! P’ra vós cad’hora é uma tormenta,

Cada festa um combate!...

Radia!... É tempo!... E se a lufada erguer-se Muda a noite feral em prisma fúlgido! De teu alto pensar completa a lei!... Irmão! – Prende esta mão de irmão na minha!Toma a lira – Poeta! Águia! – esvoaça!

Sobe, sobe, astro rei!...

De tua aurora a bruma vai fundir-se Águia! faz-te mirar do sol, do raio; Arranca um nome no febril cantar. Vem! A glória, que é o alvo de vis setas, É bandeira arrogante, que o combate

Embeleza ao rasgar.

O meteoro real – de coma fúlgida –Rola e se engrossa ao devorar dos mundos...Gigante! Cresces todo dia assim!...Tal teu gênio, arrastando em novos trilhosNo curso audaz constelações de idéias,Marcha e recresce no marchar sem fim!...

ALVES, Castro. Espumas flutuantes / Os escravos. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

5. Como você interpretou o símbolo que a águia do poema de Victor Hugo representa?

6. Destaque uma estrofe onde esse significado é sugerido. Justifique.

7. Há contrapontos que demonstram a dificuldade que a águia, isto é, o símbolo que ela representa, enfrenta. Em quais versos isso pode ser visto?

8. Explique o título do poema.

TEXTO 14CANTO DO BUG-JARGAL

Traduzido de Victor Hugo

Por que foges de mim? Por que, Maria?E gelas-te de medo, se me escutas?Ah! sou bem formidável na verdade,Sei ter amor, ter dores e ter cantos!Quando, através das palmas dos coqueiros,Tua forma desliza aérea e pura,Ó Maria, meus olhos se deslumbram,Julgo ver um espírito que passa.E se escuto os acentos encantados,Que em melodia escapam de teus lábios,Meu coração palpita em meu ouvidoMisturando um queixoso murmúrioDe tua voz à lânguida harmonia.Ai! tua voz é mais doce do que o cantoDas aves que no céu vibram as asas,E que vem no horizonte lá da pátria.Da pátria onde era rei, onde era livre!Rei e livre, Maria! e esqueceriaTudo por ti... esqueceria tudo– A família, o dever, reino e vingança.Sim, até a vingança!... ainda que cedoTenha enfim de colher este acre fruto,Acre e doce que tarde amadurece.

(...)

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Oh! treme, branca filha de Espanhola,Treme, breve talvez tenhas em tornoO uragã e o deserto. Então, Maria,Lamentarás o amor que hoje puderaTe conduzir a mim, bem como o kata– Da salvação o pássaro ditoso –Através das areias africanasGuia o viajante lânguido à cisterna.E por que enjeitas meu amor? Escuta:Eu sou rei, minha fronte se levantaSobre as frontes de todos. Ó Maria,Eu sei que és branca e eu negro, mas precisaO dia unir-se à noite feia, escura,Para criar as tardes e as auroras,Mais belas do que a luz, mais do que as trevas!

ALVES, Castro. O navio negreiro e outros poemas.

São Paulo: Saraiva, 2007 (Clássicos Saraiva).

9. O poema é o canto de um rei pela mulher que o rejeita. No entanto, é possível relacionar o texto com a causa aboli-cionista defendida por Castro Alves?

LEITURA 4

OUTROS ENCONTROS

I. Bahia e Romênia

O movimento romântico foi força significativa, a ponto de inspirar poetas que viviam tão distantes e pertenciam a cul-turas tão distintas, como Castro Alves e o romeno Mihai Eminescu (1840-1889), a produzir uma obra muito pareci-da, não só no tema, como na forma. A semelhança não ter-mina apenas no ímpeto da poesia que criaram. Conforme aponta o escritor e tradutor Luciano Maia, há curiosas coin-cidências também na vida dos dois poetas: ambos viveram pouco, começaram a escrever versos ainda adolescentes,

iniciaram-se com poemas em louvor dos seus professores, viveram amores atribulados, cantaram o amor e a morte e defenderam a liberdade. Até mesmo fisicamente os dois – com a cabeleira negra, o porte de ator e o olhar profundo – se pareciam. Veja, nos dois textos a seguir, como esses poetas, tão distantes no espaço mas próximos em intenção, tratam a liberdade.

TEXTO 15A CRUZ DA ESTRADA

Caminheiro que passas pela estrada,Seguindo pelo rumo do sertão,Quando vires a cruz abandonada,Deixa-a em paz dormir na solidão.

Que vale o ramo do alecrim cheirosoQue lhe atiras nos braços ao passar?Vais espantar o bando buliçosoDas borboletas, que lá vão pousar.É de um escravo humilde sepultura,Foi-lhe a vida o velar de insônia atroz.Deixa-o dormir no leito de verdura,Que o Senhor dentre as selvas lhe compôs.Não precisa de ti. O gaturamoGeme por ele, à tarde, no sertão.E a juriti, do taquaral no ramo,Povoa, soluçando, a solidão.

Dentre os braços da cruz, a parasita,Num abraço de flores, se prendeu.Chora orvalhos a grama, que palpita;Lhe acende o vagalume o facho seu.

Quando, à noite, o silêncio habita as matas,A sepultura fala a sós com Deus.Prende-se a voz na boca das cascatas,E as asas de ouro aos astros lá nos céus.

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Caminheiro! do escravo desgraçadoO sono agora mesmo começou!Não lhe toques no leito de noivado,Há pouco a liberdade o desposou.

ALVES, Castro. O navio negreiro e outros poemas.

São Paulo: Saraiva, 2007 (Clássicos Saraiva).

1. O texto 15 exprime a paz alcançada na morte por um escravo.

a) Quem vela pelo escravo em seu túmulo?

b) Em quais versos isso fica evidente?

2. De que forma o poeta encontra a liberdade neste poema?

3. Que imagens o poeta usa para assegurar que o escravo morto está em paz e acolhido?

TEXTO 16A LENDA DA TÍLIA

– “Branca, sabes que de amorsem lei nasceste, mas istofez-me jurar desde entãoque esposarás Jesus Cristo!

Vestindo o hábito de monja,Indo a um mundo mais sublime,Redimirás tua mãe,Me libertarás de um crime.”

– “Deste mundo, caro pai,quem quiser dele se mude;a minh’alma é tão alegre,radiosa a juventude!

A dança, a música, o bosque,Isto é o que minh’alma preza;Não um catre solitárioOnde chorando se reza!”

– “Sei o que melhor te serve,como eu disse assim será;À viagem de amanhã,Te prepara desde já!”

Mãos aos olhos leva Branca,Tudo em sua mente se aduna;A cabeça ardendo, louca...Só lhe resta esta fortuna?

Seu cavalo branco, amigo,Selado lá fora, espera;Ela põe o pé no estribo,Ir ao bosque delibera.

A noite vem do arvoredoCujo perfume a embevece;O céu as estrelas mostra,Doce anúncio se oferece.

Ela nos bosques penetraAté a velha tília, onde,Com flores que vêm ao solo,Fonte mágica se esconde.

Embalada à voz das águas,Canta a trompa, um som incerto.Forte... cada vez mais forte...Perto... cada vez mais perto...

E a fonte, presa em magia,Brotando, um rumor espraia – Sobre os bosques das colinas,Lua branda de atalaia.

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Como em sonho, Ela deliraE ao olhar, pasma, ao seu lado,Vê um garboso manceboEm corcel negro montado...

Será que os olhos lhe mentem?Ou será verdade pura?Flores de tília ao cabelo,Trompa de prata à cintura.Ela então os olhos baixa,Passa a mão na fronte e um gozoO seu coração lhe inundaDe um encanto doloroso.

Ele se chega mais perto,Infantil e suplicante;Dela a alma se inebria,Cerra os olhos, neste instante.

Com uma mão tenta afastá-lo,Mas sente presos seus braçosDe uma dor, de uma doçura No seu peito em fortes laços.

Gritaria... mas não ousa,Sua fronte cai-lhe ao ombro;Seus beijos sem conta a bocaDele sorve, em desassombro.

Carinhoso, ele a interrogaMas ela a face lhe esconde.E com voz doce, baixinho,Pouco a pouco lhe responde.

Vão juntos, em cavalgada,A ninguém ouvidos dando,E no amor, vão um ao outro

Nos olhos se devorando.

E sempre vão mais alémPor sombras, de vale em vale;E a melancólica trompaSoa doce, soa grave.

O seu brando som se espalhaPelos vales ressoante,Mais suave... mais suave...Mais distante... mais distante...Sobre os pinhos das colinasSegue a lua de atalaia.E a fonte, presa em magia,Brotando, um rumor espraia.

Mihai Eminescu. In: www.revista.agulha.nom.br/eminescu1.html#alenda

(tradução de Luciano Maia). Acesso em agosto de 2007.

4. O poema trata da liberdade de escolha, de uma jovem que foge para não se tornar freira.

a) Em que verso isso pode ser caracterizado?

b) O que oprime a liberdade pessoal aspirada por Eminescu?

5. Quando jovem, Eminescu fugiu de casa para acompa-nhar um circo. Seu espírito era livre e não conhecia limites. Por não se conformar às normas sociais, foi internado algu-mas vezes em hospícios. O final deste poema indica uma mensagem para aqueles que se arriscam a desobedecer às convenções sociais.

a) Qual seria essa idéia?

b) Que símbolo empregado por Eminescu representa tal perspectiva?

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6. O que o poeta propõe neste poema para encontrar a liberdade?

7. Trace um paralelo entre a maneira como Castro Alves abor-da a liberdade (no texto 15) e a de Eminescu (no texto 16).

II. Ecos castroalvianos

Castro Alves deu vazão à voz do jovem que não se con-forma com as injustiças do mundo. Essa tendência é vista também em outras expressões artísticas do século XX, es-pecialmente na música popular. Os textos a seguir demons-tram o mesmo desejo de Castro Alves ecoando nas vozes de artistas das gerações pós-modernas.

TEXTO 17O POVO AO PODER

Quando nas praças s’eleva Do Povo a sublime voz... Um raio ilumina a treva O Cristo assombra o algoz...

Que o gigante da calçada De pé sobre a barrica Desgrenhado, enorme, nu Em Roma é catão ou Mário,

É Jesus sobre o Calvário, É Garibaldi ou Kosshut.

A praça! A praça é do povo Como o céu é do condor É o antro onde a liberdade Cria águias em seu calor!

Senhor!... pois quereis a praça? Desgraçada a populaça

Só tem a rua seu... Ninguém vos rouba os castelos Tendes palácios tão belos... Deixai a terra ao Anteu. Na tortura, na fogueira... Nas tocas da inquisição Chiava o ferro na carne Porém gritava a aflição. Pois bem...nest’hora poluta

Nós bebemos a cicuta Sufocados no estertor; Deixai-nos soltar um grito Que topando no infinito

Talvez desperte o Senhor. A palavra! Vós roubais-la Aos lábios da multidão Dizeis, senhores, à lava Que não rompa do vulcão. Mas qu’infâmia! Ai, velha Roma, Ai cidade de Vendoma, Ai mundos de cem heróis, Dizei, cidades de pedra, Onde a liberdade medra Do porvir aos arrebóis.

Dizei, quando a voz dos Gracos Tapou a destra da lei? Onde a toga tribunícia Foi calcada aos pés do rei? Fala, soberba Inglaterra, Do sul ao teu pobre irmão; Dos teus tribunos que é feito? Tu guarda-os no largo peito Não no lodo da prisão.

No entanto em sombras tremendas Descansa extinta a nação

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Fria e treda como o morto. E vós, que sentis-lhes o pulso Apenas tremer convulso Nas extremas contorções... Não deixais que o filho louco Grite “oh! Mãe, descansa um pouco Sobre os nossos corações”.

Mas embalde... Que o direito Não é pasto de punhal. Nem a patas de cavalos Se faz um crime legal... Ah! Não há muitos setembros, Da plebe doem os membros No chicote do poder, E o momento é malfadado Quando o povo ensangüentado Diz: já não posso sofrer.

Pois bem! Nós que caminhamos Do futuro para a luz, Nós que o Calvário escalamos Levando nos ombros a cruz, Que do presente no escuro Só temos fé no futuro, Como alvorada do bem, Como Laocoonte esmagado Morreremos coroados Erguendo os olhos além.

Irmão da terra da América, Filhos do solo da cruz, Erguei as frontes altivas, Bebei torrentes de luz... Ai! Soberba populaça, Dos nossos velhos Catões, Lançai um protesto, ó povo, Protesto que o mundo novo Manda aos tronos e às nações.

ALVES, Castro. Poesias coligidas. In: Castro Alves –

Literatura comentada. São Paulo: Abril, 1980.

8. Como você interpreta os versos “A praça é do povo / Como o céu é do condor”?

9. O texto 17 viria a espelhar as idéias de alguns movimentos de contracultura do século XX. Com quais movimentos eles podem ser relacionados?

TEXTO 18PODER PRO POVO

Poder pro povoPoder pro povoPoder pro povoPoder pro povoPoder pro povoPoder pro povoPoder pro povoPoder pro povo, já!

Diga, você quer uma revolução,Então é melhor levantar jáFique de péE ganhe a praça da sé

Cantando poder pro povoPoder pro povoPoder pro povoPoder pro povo, já!

Um milhão de operários trabalhando pra nadaÉ melhor dar-lhes o que lhes pertenceVamos arrasar,Na cidade entrar

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Cantando poder pro povoPoder pro povoPoder pro povoPoder pro povo, já!

Tenho de perguntar, irmãos e camaradas,Como vocês tratam sua mulher em casa?Ele tem de ser o que bem querPra poder se libertar

Cantando poder pro povoPoder pro povoPoder pro povoPoder pro povo, já!

John Lennon. In: Plastic Ono Band, Rycodsc, 1970

(traduzido para esta edição por Claudio Blanc).

10. Qual formato Lennon busca parodiar ao estruturar a letra da sua canção da forma como a compôs?

11. O que tanto John Lennon como Castro Alves procuram provocar em seus ouvintes e leitores com os versos dos tex-tos 18 e 17, respectivamente?

12. Que versos do texto 17 exprimem essa idéia?

TEXTO 19UM FREVO NOVO

13. O texto abaixo é a letra de uma música composta por Caeta-no Veloso, paródia do famoso poema de Castro Alves “O povo ao poder”. Leia e compare:

A praça Castro Alves é do povoComo o céu é do avião

Um frevo novo, um frevoUm frevo novoTodo mundo na praçaManda a gente sem graça pro salão

Mete o cotoveloE vai abrindo caminhoPegue no meu cabeloPra não se perderE terminar sozinhoO tempo passaMas na raça eu chego láÉ aqui nessa praçaQue tudo vai ter que pintar

VELOSO, Caetano. In: Caetano... Muitos carnavais... Polygram, 1977.

a) A que evento popular Caetano Veloso atribui um caráter democrático?

b) Em que espaço esse exercício democrático deve aconte-cer? Justifique.

14. A Praça Castro Alves é um importante ponto cultural em Salvador, Bahia. Como você interpreta a paródia dos versos de Castro Alves, evocando também a praça: “A Praça Castro Alves é do povo/Como o céu é do avião”?

15. A canção de Caetano Veloso apresenta um desejo de ex-clusão, por parte do povo, daqueles que se mantêm à parte, distantes do processo social, sem se misturar.

A paródia é uma imitação, muitas vezes cômica, de uma com-posição literária. Trata-se de uma nova interpretação, uma re-criação da obra existente, em geral consagrada. O objetivo da paródia é adaptar o texto original a um novo contexto. 22

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a) Destaque os versos em que isso pode ser percebido.

b) Que espaço essas pessoas que se colocam à distância de-vem ocupar?

c) Para você, o que representa esse espaço?

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