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I. BERNARD COHEN O nascimento de uma nova física De Copérnico a Newton m EDART-S a O PAULO — LIVRARIA EDITORA LTDA. SAO_RAIII.fi

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O Nasctmento de wma Nova Física é um assuntorelacionado com o interésse profissional de I. BernardCohén, da Universidade de Harvard. Asconseqüencias históricas, científicas ¿"culturáis dasgrandes descobertas de Sir Isaac Newton tiverampara o Professor Cohén, durante anos, um interésseespecial. Autor de Franklin e Newton (1956), deEscritos de Isaac Newton sobre Filosofía da, Natureza(1957), o Professor Cohén dedicou os quatroúltimos veróes á leitura de tudo quanto póde encontrar,escrito por Newton ou sobre Newton, nosarquivos de manuscritos das grandes academias daInglaterra, Holanda, Franqa e Itália. Seus estudosculminaram por fim com a primeira ediqao críticae comentada, dos Principia Mathematica de Newton,ainda nao publicada.A Elipse e o Universo de Kepler. As Tres Leis — Aplicagóes da Terceira, ou Lei Harmónica — Kepler versus adeptos de Copérnico — A Contribuigáo de Kepler.

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I. BERNARD COHEN

O nascimento de uma nova física

De Copérnico a Newton

mE D A R T -S a O PAU LO — LIV R A R IA EDITORA LTDA.

SAO_RAIII.fi

A SÉRIE ESTUDOS DE CIÉNCIA

A Série Estudos de Ciencia (The Science Study Series) oferece aos estudantes e ao público em geral obras de autores famosos, que tratam dos assuntos mais excitantes e fundamentáis da Ciéncia, desde a menor das partículas conhecidas até o Uni­verso inteiro. Alguns dos livros tratam do papel que a Ciéncia desempenha no mundo do homem, sua tecnología e civilizaqáo. Outros sao de cunho biográfico, contando as historias fascinantes dos grandes descobridores e de suas descobertas. Cada autor foi escolhido pela competéncia dentro de sua especialidade e por sua habilidade em comunicar de maneira interessante seus conhecimentos e seus próprios pontos de vista. A finalidade primordial désses livros é apresentar uma visáo geral de cada assunto dentro das possibilidades tanto do estudante como do homem comum. Fazemos votos para que muitos désses livros encoragem o leitor a fazer suas próprias investigares sobre os fenómenos naturais.

Esta série, que agora apresenta tópicos sobre to­das as ciéncias e suas aplicagóes, teve inicio num projeto de revisáo do programa de Física das esco­las secundárias. No Instituto de Tecnología de Massachusetts, durante o ano de 1956, um grupo de físicos, de professóres secundarios, de jornalistas, de desenhistas de aparelhos, de produtores de fil­mes e de outros especialistas organizaram o Comité de Estudos de Física (Physical Science Study Committee, PSSC) que agora funciona como parte

do “ Educational Services Incorporated” , Water- town, Massachusetts. Todas essas pessoas canali- zaram seus conhecimentos e suas experiéncias para planejamento e criaqáo de meios que auxiliassem o aprendizado da Física. Desde o inicio seus esforqos tiveram o auxilio financeiro da Fundáqáo Nacional de Ciéncia, que continua a auxiliar o programa. A Fundaqao Ford, o Fundo para o Progresso da Educaqáo e a Fundaqáo Alfred P. Sloan também tém ajudado. O Comité organizou um livro, uma extensa série de filmes, um laboratorio piloto, aparelhos especialmente desenhados, e um Guia para o Professor.

A Série é dirigida por uma junta de editores constituda por:

Paul F. Brandwein, de “ The Conservation Foundation” e da “ Harcourt, Brace & Co.”

John H. Durston, Educational Services In- corporated.

Francis L. Friedman, do Institudo Tcno- lógico de Massachusetts

Samuel A. Goudsmit, do Laboratorio Na­cional de Brookhaven

Bruce F. Kingsbury, Educational Services Incorporated.

Philippe LeCorbeiller, da Universidade de Harvard

Gerard Piel, do “ Scientific American”

Herbert S. Zim, da “ Simón and Schuster, Inc.”

BIOGRAFIA DO AUTOR

O Nasctmento de wma Nova Física é um assunto relacionado com o interésse profissional de I. Ber- nard Cohén, da Universidade de Harvard. As conseqüencias históricas, científicas ¿"culturáis das grandes descobertas de Sir Isaac Newton tiveram para o Professor Cohén, durante anos, um interésse especial. Autor de Franklin e Newton (1956), de Escritos de Isaac Newton sobre Filosofía da, Natu­reza (1957), o Professor Cohén dedicou os quatro últimos veróes á leitura de tudo quanto póde encon­trar, escrito por Newton ou sobre Newton, nos arquivos de manuscritos das grandes academias da Inglaterra, Holanda, Franqa e Itália. Seus estudos culminaram por fim com a primeira ediqao crítica e comentada, dos Principia Mathematica de Newton, ainda nao publicada.

O Professor Cohén nasceu em Far Rockway, Nova York, em 1914. Recebeu o grau de bacharel em Ciéncia, em Matemática, cum laude, em 1937 em Harvard, e realizou trabalhos correspondentes a ésse grau em Física, Astronomía e Historia da Cién­cia, na mesma Universidade. Recebeu o grau de Ph. D. em Historia da Ciéncia, em 1947 e é agora professor desta última cadeira.

Durante seis anos o Professor Cohén foi diretor- -secretário e durante outros seis anos (1953-59) diretor editor de Isis, o jornal trimestral e oficial da Sociedade de Historia da Ciéncia. É autor de A Ciencia, Escrava do Homem (1948) e outros livros, e escreveu artigos para o Jornal da Historia das Idéias, Isis, Scientific American e para publicares francesas, italianas e espanholas. Foi especialmente

convidado para realizar conferéncias no Uni- versity College de Londres, na Sorbonne em Paris, em Oxford, em Florenqa, e em numerosas Uni­versidades americanas. É vice-presidente da Socie- dade de Historia da Ciéncia nos Estados Unidos e compareceu como delegado ao Nono Congresso In­ternacional de Historia da Ciéncia ( Barcelona - Madrid).

Longe dos seus arquivos e da máquina de escre- ver, o Professor Cohén é um ardoroso viajante e escalador de torres, entusiasmo éste compartilhado por sua filha mais moga. (Uma vez quase ficou entalado nos degraus espiralados do Mosteiro de York, na Inglaterra.) Outra das suas ocupaqoes de amador ñas horas vagas é fotografar castelos e bar­cos, especialmente barcos de pesca.

A pesquisa do Professor Cohén sobre a influén- cia das idéias científicas na sociedade é particular­mente relacionada com o fermento educacional que a América está agora experimentando. Na Historia da Ciéncia éle vé “ uma unidade de toda a capaci- dade criadora humana e um meio pelo qual a Ciéncia pode recuperar as dimensóes humanizadoras táo freqüentemente perdidas em apresentaqóes pura­mente formáis” .

Outras obras de I. Bernard CohénExperiencias de Benjamín Franklin Roemer e a Primeira Determinagao da Velocidade

da LuzManual de Laboratorio de Física A Ciéncia, Escrava do Homem Educagao Geral em CiénciaBenjamín Franklin, Sua Contribuigáo á Tradigao

AmericanaEscritos de Isaac Newton sobre Filosofia Natural Franklin e Newton

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PREFÁCIO

O fim a que se propóe éste livro náo é apresentar uma Historia “ popular” da Ciéncia, nem mesmo mostrar ao leitor comum alguns dos recentes resul­tados da pesquisa na Historia da Ciéncia. A inten- <jáo é explorar um aspecto daquela grande revoluqao científica que ocorreu durante os séculos X V I e X V II para esclarecer alguns aspectos fundamen­táis do desenvolvimento da Ciéncia moderna. Um tema importante é o efeito da estrutura intimamen­te entrelazada das Ciéncias Físicas sobre a formaqao de uma ciéncia do movimento. Desde o século X V II temos visto repetidamente que uma modificado de vulto em qualquer parte das Ciéncias Físicas acaba por produzir modificares em todo o ámbito dessas Ciéncias; outra conseqiiéncia é a impossibi- lidade de testar ou provar uma afirmacao cientí­fica isoladamente ou completamente por si mesma, sendo cada teste náo apenas uma verificadlo da proposito particular em discussáo, mas de todo o sistema das Ciéncias Físicas.

A principal e talvez única propriedade da Cién­cia moderna é o seu aspecto dinámico, o modo pelo qual as mudanzas ocorrem constantemente. Infeliz­mente, as necessidades de apresentaqao lógica nos livros de texto elementares e trabalhos gerais sobre Ciéncia, impedem o estudante e leitor de obter uma idéia verdadeira desta particular propriedade diná­mica. Disso decorre que outro dos principáis pro­pósitos déste livro é tentar mostrar como uma só idéia pode ter tanta fórqa, que a sua adoqáo pode alterar toda a estrutura da Ciéncia.

Gostaria de externar minha gratidao ao Professor Alexandre Koyré, da École Pratique de Hautes Etudes (Paris) e Institute for Advanced Study (Princeton), nosso mestre na sábia arte da análise conceptual. A Professóra Marjorie Hope Nicolson, da Universidade de Columbia, nos féz apreender bem a vasta significado intelectual da “ nova Astrono­mía” , e particularmente das descobertas telescópicas de Galileu. Durante mais de uma década, com gran­de alegría e proveito, discutí muitas destas questóes com o Professor Marshall Clagett, da Universidade de Wisconsin. Sou particularmente grato a Stillman Drake, que foi mais do que generoso, ao permitir­me ver seus estudos galileanos antes de publicados, ao responder-me perguntas e ao proceder á leitura crítica dos origináis déste livro. Acima de tudo, registro aquí meu entusiasmo pelo Physical Science Study Committee do Educational Services Incorpo- rated, (principalmente os professóres Jerrold Zacha- rias e Francis Friedman, do M .I.T.) sob cujos auspi­cios foi concebido éste livro. Tenho consciéncia do privílégio de ter contribuido com pequeña parte nesta grande emprésa de reformar o ensino da Física, no nivel da escola secundária. É difícil achar palavras capazes de exprimir tantas obrigaqóes aos compo­nentes do PSSC (notadamente Bruce Kingsfoury) que por todos os modos facilitaram cada passo no longo caminho da preparaqáo déste livro. Em par­ticular, encontrei em John H. Durston um redator compreensivo, cuja auxilio reduziu meu próprio trabalho a proporqóes fáceis.

Agradeqo aos editores, que deram permissáo para citar material publicado. Os livros sáo citados no Guia para Leituras Posteriores, no fim déste vo-Iume' I.B.C.Widener Library 189 Harvard University

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I N D I C E

A Série Estudos de Ciéncia ...................................... V IIBiografía do Autor ......................................................... IXPrefácio' ............................................................................. X ICap. 1. A Física de Uma Terra em M ovim ento... 1

Onde caira isto? — Respostas Alternativas— A Necessidade de Uma Nova Física

Cap. 2. A Velha Física ............................................... 12A Física do Senso Comum de Aristóteles— O Movimento “ Natural ” dos Objetos — Os Céus “ Incorruptíveis ” — Os Fatóres do Movimento: Fórga, Resisténcia, Veloci­dade, Distáncia e Tempo — Movimento deCorpos que Caem através do A r — A Impossibilidade de Uma Terra em Movi­mento.

Cap. 3. A Terra e o Universo .................................. 28Copérnico e o Nascimento da Ciéncia Mo­derna — O Sistema das Esferas Concén­tricas — Ptolomeu e o Sistema de Epiciclos e Deferentes — Inovagóes de Copérnico — Copérnico versus Ptolomeu — Vantagens e Desvantagens de um Universo de Copérnico.

Cap. 4. Explorando as Profundezas do Universo.. . 59 Evolu?ao da Nova Física ■— Galileu Galilei— O Telescopio: Um Passo Gigantesco —A Paisagem da Lúa — O Brilho da Terra— Aglomerados de Estrélas — Júpiter como Evidencia — Um Novo Mundo.

Cap. 5. Caminhando para uma Física Inercial........ 88O Movimento Retilíneo Uniforme — Uma Chaminé de Locomotiva e um Navio em Movimento — A Dinámica de Galileu: Inércia. Movimento Uniformemente Acele­rado de Galileu — Formulando a Lei da

Inércia — Dificuldades e Realizagóeh de Galileu.

Cap. 6 . A Música Celestial de Kepler .................... 135A Elipse e o Universo de Kepler — As Tres Leis — Aplicagóes da Terceira, ou Lei Harmónica — Kepler versus adeptos de Copérnico ■— A Contribuigáo de Kepler.

Cap. 7. Um Grande Designio — Uma Nova Física 159 Antecipagóes Newtonianas — Os “ Princi­p ia” — Formulagáo Final da Lei da Inér­cia — “ O Sistema do Mundo” — O Golpedo Mestre: A Gravitagáo Universal __ AGrandeza do Feito.

XIV

C a p ít u l o I

A FÍSICA DE UM A TERRA EM M OVIM EN TO

Por estranho que pareqa, as noyóes da maioria das pessoas a respeito do movimento sáo partes de um esquema da Física, que foi proposto há mais de 2000 anos, e experimentaknente demonstrado inexato e insuficiente, pelo menos há 1 400 anos atrás. É fato que, mesmo hoje, homens e mulheres, presumivelmente bem educados tendem a pensar a respeito do mundo físico como se a Terra estivesse em repouso, ao invés de estar em movimento. Com isto náo quero afirmar que tais pessoas acreditem realmente que a Terra esteja em repouso; se per- guntadas, responderáo que naturalmente sabem que a Terra dá uma volta por día em torno do seu eixo, e ao mesmo tempo se move numa grande órbita anual ao redor do Sol. Todavía, quando se trata de explicar certos acontecimentos físicos comuns, tais pessoas sáo incapazes de dizer como é que ésses fenómenos cotidianos podém se dar, como vemos que éles se dáo, numa Terra em movimento. Em particular, ésse mal-entendido da Física tende a centralizar-se no problema da queda dos objetos, no conceito geral do movimento. Vemos assim exem- plificado o velho preceito: “ Ignorar o movimento é ignorar a Natureza” .

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Onde cairá ele?

Na sua falta de habilidade ao tratar das questóes do movimento em relaqao a uma Terra que se mo­ve, o homem medio está na mesma posigáo de alguns dos maiores dentistas do passado, o que Ihe pode ser fonte de grande conforto; contudo, a maior di­ferencia é que para o dentista do passado a incapa- cidade para resolver estas questóes era um sinal do seu tempo, ao passo que para o homem moderno tal incapacidade é um distintivo de ignoráncia. Ca­racterísticas déstes problemas estáo numa gravura em madeira do século X V II (Gravura I) mostrando um canháo apontando para o alto. Observem a per­gunta feita: “ Retombera-t-il?” (Cairá de novo?). Se a Terra estivesse em repouso, náo haveria dúvi- das de que a bala do canháo, disparada em linha reta para cima, no ar, voltaria por fim diretamente para dentro do canháo. Mas, acontecerá isto numa Terra em movimento? Caso afirmativo, por qué?

Passemos em revista todos os argumentos. Há os adeptos da teoría de que a Terra pode se mover, desde que o ar também se mova solidário comí ela e, assim sendo, uma flecha lanzada no ar seria arrastada com éste. Replicariam os adversários: Embora possamos admitir o ar em movimento — uma hipótese difícil porque náo há causa aparente para o ar se mover com a Terra — náo poderia éle mover-se muito mais lentamente que a Terra, já que é táo diferente em substancia e qualidade? E, mesmo assim, náo seria a flecha deixada para trás? E o que dizer da ventania que seria sentida por uma pessoa numa torre alta?

A fim de examinar éstes problemas de um ponto de vista mais ampio, ignoremos por um momento a própria Terra. Nesta altura, a mulher e o homem

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medio podem muito bem replicar: Posso náo ser capaz de explicar como uma bola deixada cair de uma torre atinge o chao ao pé da torre, mesmo com a Terra em movimento. Mas eu sei que uma bola deixada cair desee verticalmente, e sei que a Terra está em movimento. Assim, deve haver algu- ma explicagáo, embora eu náo a conheqa.

Consideremos agora uma outra situaqáo. Admi­tamos simplesmente que podemos construir uma espécie de veículo que se mova muito rápidamen­te, táo rápidamente que sua velocidade possa atingir 30 quilómetros por segundo. Um experimentador está postado na extremidade désse veículo, numa plataforma de observaqáo do último carro, se fór um trem. Enquanto o trem se lanqa para a frente, á velocidade de 30 quilómetros por segundo, éle tira do bolso uma bola de ferro de cérca de meio quilo, e a lanqa verticalmente no ar, a uma altura de 5 metros. Ela leva mais ou menos um segun­do para subir e outro tanto para descer. Até onde se moveu o homem na extremidade do trem? Se sua velocidade era de 30 quilómetros por segundo, éle viajou 60 quilómetros, a partir do ponto em que lancou a bola ao ar.

Como o homem que desenhou a gravura do canháo disparando a bola no ar, perguntamos: Onde cairá ela? Voltará a bola para atingir o trilho em um ponto muito perto do lugar donde foi arremessada? Ou conseguirá a bola, de um ou de outro modo, baixar táo perto das máos do homem que a lanqou, que éle possa agarrá-la, embora o trem se mova a uma velocidade de 30 quilómetros por segundo? Se vocé responder que a bola atin­girá a linha férrea vários quilómetros atrás do trem, entáo vocé náo entende claramente a Física da Terra em movimento. Mas, se vocé acredita que o homem na extremidade do trem agarrará a

bola, entáo, terá de enfrentar a seguinte pergunta: Que fórqa faz a bola mover-se para a frente a uma velocidade de 30 quilómetros por segundo, embora o homem que a lanqou lhe desse uma fórqa verti­cal e náo uma fórqa na direqáo dos trilhos? (Os que se preocuparem com a possibilidade de atrito com o ar, podem imaginar que a experiéncia foi realizada dentro de um vagáo do trem.)

A crenqa de que uma bola lanqada em linha reta, para cima, do trem em movimento, continuará a mover-se em linha reta, para cima e para baixo, de modo a atingir a linha férrea num ponto bem para trás, está intimamente ligada a uma outra cren­qa acérca de objetos em movimento. Ambas fazem parte do sistema da Física de há cerca de 2000 anos atrás. Examinemos por um momento éste se­gundo problema, porque acontece que as mesmas pessoas que náo entendem como objetos parecem cair verticalmente numa Terra em movimento, tam­bém náo estáo inteiramente certas do que acontece quando caem objetos de pesos diferentes. Todo mundo sabe, naturalmente, que a queda de um corpo no ar depende da sua forma. Isto pode ser fácil­mente demonstrado se fór feito um pára-quedas com um lenqo, amarrando-se os quatro cantos do lenqo a quatro cordéis e atando os quatro pedaqos do cordel a um pequeño corpo. Enrole éste pára- quedas de maneira a formar uma bola, lance-o ao ar; vocé observará que éle cai f lutuando lentamente. Faqa déle novamente uma bola, tome um fio de séda e amarre-o ao redor do pára-quedas e do objeto, de modo que o pára-quedas náo possa abrir­se no ar. Vocé verá que o mesmo objeto cairá verticalmente para a Terra. Mas o que acontecerá com objetos de mesmo formato e pesos diferentes? Suponha que vamos ao topo de uma alta torre, ou ao terceiro andar de uma casa, e que deixemós cair

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daquela altura dois objetos de forma idéntica, duaa bolas, pesando uma 10 quilos e a outra) U cufrlei Qual délas,tocaría o solo em primeiro lugar? E quanto tempo antes da outra o faria? Se a rela- qáo entre os dois pesos, neste caso uma razáo de dez para um tivesse influéncia, seria observada a mesma diferenqa em tempo de queda, se os pesos fóssem respectivamente 10 quilos e 100 quilos? E se fóssem 1 miligrama e 10 miligramas?

Respostas alternativas

Em geral, o conhecimento de Física nesse assunto se desenvolve mais ou menos assim: primeiramente há uma crenqa de que, se soltarmos simultánea­mente uma bola de 1 quilo e outra de 2 quilos, da mesma altura, a de 2 quilos atinge primeiro o solo; além disso, supóe-se, em geral, que a de 1 quilo leva o dóbro do tempo gasto pela de 2 quilos. Se- gue-se entáo um estágio de maior sofisticaqáo, no qual é de presumir-se que o estudante tenha apren­dido num livro de texto elementar, ser totalmente insustentável a conclusáo acima e que a verdadevra resposta é que ambas atingiráo o solo ao mesmo tempo, quaisquer que sejam os respectivos pesos. A primeira resposta pode ser chamada a “ opiniáo de Aristóteles” , porque se ajusta aos principios formulados pelo filósofo grego Aristóteles, cérca de 400 anos antes da Era Crista. Podemos chamar a segunda, a do “ manual elementar” , por ser encon­trada em muitos désses livros. Algumas vézes se diz mesmo que esta segunda opiniáo foi “ provada” no século X V I pelo cientista italiano Galileu Galilei. Uma versáo típica desta historia é que Galileu “ fez cair, da Torre inclinada de Pisa, bolas de diferentes tamanhos e materiais, no mesmo instante. Éles (seus auxiliares e amigos) viram as bolas partir juntas, cair juntas, e ouviram-nas bater juntas no

solo. Alguns se convenceram, outros voltaram aos seus aposentos para consultar os livros de Aristóte­les. a fim de discutir a evidencia.”

Tanto a opiniáo aristotélica quanto a do “ ma­nual elementar” estáo erradas, como é sabido por experiéncia, pelo menos há 1 400 anos. Voltemos ao século VI, quando Joannes Philoponus (ou Joáo o Gramático), um ehldito bizantino, andava estu- dando esta questáo. Philoponus argumentava que a experiéncia contradiz as opinióes comumente acei­tas sobre a queda. Adotando o que poderíamos chamar uma atitude bastante “ moderna” , éle dizia que um argumento baseado na “ observagáo real” é muito mais convincente que “ qualquer espécie de argumento verbal” . Eis o seu argumento, baseado na experiéncia:

“ Porque, se vocé deixar cair da mesma altura dois corpos, um dos quais é muitas vézes mais pesado que o outro, verá que a razáo dos tempos gastos no movimento náo depende da razáo dos pesos, mas que a dife- renga em tempo é muito pequeña. E, assim, se a diferenga em pesos náo é considerável, a saber, se um é, digamos, o dóbro do outro, náo haverá diferenga, ou entáo uma diferenga imperceptível em tempos, embora a diferenga em péso náo seja de modo algum desprezível, com um corpo pesando duas vézes mais que o outro.”

Nesta afirmagáo encontramos a prova experi­mental de que a opiniáo “ aristotélica” é errada porque objetos que diferem grandemente em péso atingiráo o solo quase ao mesmo tempo. Mas observe-se que Philoponus também sugere que a opiniáo do “ manual elementar” é incorreta porque éle verificou que corpos de pesos diferentes caem

ó

da- mesma altura em tempos diferentes. Um mile­nio mais tarde o engenheiro, físico e matemático flamengo Simón Stevin realizou experiéncia seme- lhante. Consta do seu relato:

“ A experiéncia que contradiz Aristóteles é a seguinte: Tomemos (como o ilustre Sr. Jan Cornets de Groot, grande investigador dos se- gredos da Natureza e eu próprio fizemos) duas esferas de chumbo, uma dez vézes maior e mais pesada que a outra e deixemo-las cair juntas, de uma altura de 10 metros numa tábua ou em alguma coisa sobre a qual elas produzam um som perceptível. Verificar-se-á entáo que a mais leve náo levará dez vézes mais tempo no seu caminho do que a mais pesada, mas que elas caem práticamente juntas sobre a tá­bua, a ponto de seus dois sons parecerem uma única pancada seca” .

Stevin estava obviamente mais interessado em provar o érro de Aristóteles do que em tentar veri­ficar se havia uma diferenga bastante exigua, a qual teria sido de certo modo acentuada, se éle tivesse deixado cair os corpas de maior altura. Sua informaqáo náo é, portanto, táo exata com a que deu Philoponus no fim do século VI.

Galileu, que tinha realiiado esta particular expe­riéncia com maior cuidado que Stevin, relatou-a em forma final:

Mas, eu, Simplicio, que fiz a experiéncia, posso lhe assegurar que uma bala de canháo, pesando cinqüenta ou cem quilos, ou mesmo mais, náo atingirá o solo um palmo á frente de uma bala de mosquete pesando só meio quilo, contanto que ambas sejam sóltas de uma altura de 200 cóvados (antiga unidade

de comprimento) . . . a maior se avantaja á menor de uma distáncia de dois dedos, isto é, quando a primeira atinge o solo, a outra está mais atrás a uma distáncia de dois dedos” .

A Necessidade de uma Nova Física

Que tem a ver, pode-se ainda imaginar, a veloci­dade relativa da queda de objetos leves e pesados com um universo em que a Terra está em movi­mento, ou com o sistema anterior em que a Terra esta va em repouso? A resposta está no fato de que o velho esquema da Física, associado ao nome de Aristóteles, era um sistema completo de Física, de­senvolvido para um universo em cuio centro a Terra se achaya em repouso portanto, para derru- bar aquéle sistema, admitindo-se a Terra em mo­vimento, houve necessidade de uma nova Física. Está claro que, se se pudesse mostrar que a velha Física era inadequada, ou mesmo que ela levava a conclusóes erradas, dever-se-ia ter um argumento muito poderoso para rejeitar o velho modelo do universo. Inversamente, para fazer a gente aceitar um novo sistema, seria necessário fornecer a éste uma nova Física./ Eu concordo, é natural, que o leitor déste livro

aceite o ponto de vista “ moderno” , o qual admite que o Sol está em repouso e que os planétas se movem ao redor déle. Náo indaguemos, no momen­to, o que entendemos pela afirmagáo de que “ o Sol está em repouso” , ou como o podemos provar, mas concentremo-nos simplesmente no fato de que a Terra está em movimento. Com que rapidez ela se move? A Terra dá uma volta em torno do seu eixo uma vez em cada vinte e quatro horas. No equador, a circunferencia da Terra é de aproxima­damente 38 500 quilómetros e, assim, a velocidade de rotaqáo de um observador no equador da Terra

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é de 160 quilómetros por hora, isto é, uma velo­cidade linear de cérca de 450 metros por segundo. Imagine-se a seguinte experiéncia: Uma pedra é atirada em linha reta para cima, no ar. O tempo durante o qual ela se eleva é de, digamos, dois se­gundos, enquanto igual tempo é gasto para a desci­da. Durante quatro segundos a rotaqáo da Terra terá movido o ponto do qual o objeto foi lanzado a uma distáncia de uns 1 800 metros. Mas a pedra náo atinge a Terra a essa distancia do ponto inicial; ela atinge a Terra muito próximo do ponto do qual foi arremessada. Perguntamo-nos: como pode isto ser possível? Como pode estar a Terra girando com essa respeitável velocidade de 160 quilómetros por hora, e todavia náo ouvimos o vento assobiar á medida que a Terra deixa o ar para trás? Ou, para aceitar uma das outras objeqóes clássicas á idéia de uma Terra em movimento, consideremos um pássaro empoleirado no galho de uma árvore. O pássaro vé um verme na Terra e deixa a árvore. Nesse ínterim, a Terra vai girando nessa veloz mar­cha, e o pássaro, embora batendo as asas táo for- temente quanto possa, nunca atingirá velocidade su­ficiente para alcanzar o verme, a menos que esteja éste localizado a oeste. Mas é um fato confirma­do que os pássaros voam das árvores á térra e co- mem vermes que se acham tanto a leste como a oeste. *

Vocé só poderá se considerar realmente familia­rizado com a Física moderna se fór capaz de en­contrar imediatamente soluqáo para ésses problemas ; caso contrário, a afirmagáo de que a Terra gira em tomo de seu eixo, dando uma volta em 24 horas, na realidade náo tem significado para vocé.

Se a rotacáo diaria apresenta um sério problema, pensemos no movimento anual da Terra em sua ór­bita. Computemos a velocidade com que a Terra

se move em sua órbita ao redor do Sol. Há 60 segundos num minuto e 60 minutos numa hora, ou 3 600 segundos numa hora. Multiplique-se éste nú­mero por 24, para obter 86 400 segundos num dia. Multiplique-se isto por 365 1/4 dias, e o resultado é um pouco mais de 30 milhóes de segundos num ano. 'Para achar a velocidade com que a Terra se move ao redor do Sol, temos que calcular o tamanho da órbita terrestre e dividi-lo pelo tempo que a Terra gasta para descrevé-la. Esta trajetória é, aproxi­madamente um círculo com raio de mais ou menos 150 milhóes de quilómetros e circunferéncia de cérca de 928 milhóes de quilómetros (a circunferéncia do círculo é igual ao raio multiplicado por 2 n ). Isto equivale a dizer que a Terra percorre 900.000.000.000 de metros cada ano. Assim, a ve­locidade é

900.000.000.000 metros------------------------------------- = 30.000 m/seg.

30.000.000 segundos

Qualquer das questóes levantadas quanto á rota- qáo da Terra, pode ser de novo aventada, em rela- gáo ao movimento da Terra ao longo de sua órbita. Esta velocidade de 30.000 metros por segundo mos- tra-nos a grande dificuldade encontrada no coméqo do capítulo. Fagamos a pergunta: É possível para nós, movermo-nos á velocidade de 30 quilómetros por segundo e náo nos apercebemos disto ? Suponha que deixamos cair um objeto de uma altura de 4£» metros; éle leva cérca de 1 segundo para atingir o solo. De acórdo com nossos cálculos, enquanto éle cai, a Terra, abaixo déle se afasta rápidamente e o objeto deveria tocá-la a uns 30 quilómetros de distáncia do ponto em que éle foi lanqado. E quan­to aos pássaros ñas árvores? Se um pássaro em- poleirado num galho de repente levanta vóo, deveria

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perder-se para sempre no espago. Todavía, o fato é que os pássaros náo se perdem no espago, mas continuam a habitar a Terra e a voar.

Éstes exemplos mostram como i é realmente difí­cil encarar as conseqüéncias de uma Terra em movi­mento. É perfeitamente claro que nossas observa- góes comuns sao improprias para explicar os fatos observados da experiéncia quotidiana sobre uma Terra que tanto se move em sua órbita, como gira em torno do seu eixo. Náo deveria, pois, haver dúvida que a mudanga do conceito de uma Terra estacionária para uma Terra em movimento, impli­caría necessáriamente no nascimento de uma nova Física.

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C a p ít u l o 2

A VELH A FISICA

A velha Física é conhecida ás vézes como a Física' do senso comum, porque é a espécie de Física em que a maioria das pessoas acredita e pela qual se guia intuitivamente, ou a espécie de Física que pa­rece interessar e agradar a qualquer pessoa que use sua natural inteligéncia mas náo tenha aprendido os modernos principios da Dinámica. Acima de tudo, é uma espécie de Física particularmente bem adaptada aos conceitos de uma Terra em repouso. É algumas vézes conhecida como Física aristotéli­ca, porque sua principal exposiqáo, na Antiguida- de, vem do filósofo e cientista Aristóteles que vi- veu na Grecia no quarto século antes de Cristo. Aristóteles foi discípulo de Platáo, e foi, por sua vez, mestre de Alexandre Magno, que, como Aristó­teles, viera da Macedónia.

A Física do Senso Comum de Aristóteles

Aristóteles foi figura importante no desenvolvi- mento do pensamento, e náo sómente pelas suas contribuiqoes á Ciéncia. Seus escritos sobre Polí­tica e Economía sáo obras-primas, e seus traba- lhos sobre Moral e Metafísica desafiam ainda os fi­lósofos. Aristóteles é considerado o fundador da Biología e há cem anos rendeu-lhe Charles Darwin esta homenagem: “ Cuvier e Lineu, embora tenham

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sido os meus dois deuses, nenhum déles pode om- brear com o velho Aristóteles” . Foi Aristóteles quem primeiro introduziu o conceito da classifica- gao dos animais, e também elevou bem alto o méto­do da observagáo controlada ñas Ciéncias biológi­cas. Um assunto que éle estudou foi a embriolo­gía do pinto; ambicionava descobrir a seqüéncia do desenvolvimento dos órgáos. Metódicamente, a ca­da dia, abria uns tantos ovos dos que estavam sendo chocados e fazia comparares cuidadosas para descobrir a seqüéncia dos estágios através dos quais o pinto se desenvolve, de um embriáo náo formado até um pinto perfeitamente formado. Foi também Aristóteles o primeiro a formular o processo do ra­ciocinio dedutivo, na forma do silogismo:

Todos os homens sao moríais.Sócrates é um homem.Logo, Sócrates é mortal.

Aristóteles frisou que o que torna tal seqüéncia de trés afirmaqóes uma progressáo válida, náo sáo os vocábulos particulares “ homem” , “ Sócrates” e “ mor­tal” , e sim a forma. Outro exemplo: todos os mi- nerais sáo pesados, o ferro é um mineral, logo o ferro é pesado. É esta uma das muitas formas vá­lidas de silogismo descritas por Aristóteles no seu grande tratado sobre lógica e raciocinio, compreen- dendo tanto a deduqáo como a indwqáo.

Aristóteles insistiu na importáncia da observagáo em outras ciéncias que náo a Biología, notadamente na Astronomía. Por exemplo, um dos muitos argu­mentos que usou para provar que a Terra é mais ou menos esférica foi a forma da sombra lanzada pela Terra sobre a Lúa, como se observa durante um eclipse. Se a Terra é urna esfera, entáo sua sombra é um cone; assim, quando a Lúa entra na sombra da Terra, a forma da sombra será aproxi­

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madamente circular. Pode ser observado que um eclipse da Lúa só ocorre quando esta é cheia, e que o contorno da sombra náo é exatamente um cír­culo. A explicaqáo dada é que a sombra projetada da Terra é a intersecqáo de uma esfera e um cone, o que náo nos aparece como um círculo perfeito. Mas se a Terra fósse um disco chato, ao invés de um corpo aproximadamente esférico, entáo a sombra náo teria sempre a forma aproximada de um círculo. Vejamos a descriqáo de Aristóteles, do arco-iris lunar:

“ O arco-iris é visto de dia, e anteriormente se pensava que éle nunca aparecía de noite, como arco-iris lunar. Essa opiniáo era devida á raridade da ocorréncia; ela náo era observa­da, porque, embora aconteqa, é muito rara. A razáo é que náo é fácil ver as cores no escuro, e que muitas outras condiqóes sáo ne- cessárias, e tudo isto num só dia do més. Para ocorrer um arco-iris lunar, é necessário que ha ja lúa cheia, e que a lúa esteja nascen- do ou se pondo. Assim, em mais de cinqüen- ta anos encontramos sómente dois casos de arco-iris lunar.”

Éstes exemplos sáo suficientes para mostrar que Aristóteles náo pode ser descrito puramente como um filósofo de gabinete” . É entretanto verdade que Aristóteles náo submeteu cada afirmaqáo sua ao teste da experiéncia. Está fora de dúvida que éle acreditou no que lhe tinham dito seus mestres, exa­tamente como geraqóes sucessivas acreditaram no, que disse_ Aristóteles. Isto serve muitas vézes de base para criticar Aristóteles e também os cientistas que o sucederam. Mas dever-se-ia ter em vista que em geral o estudante nunca verifica todas as afirma- qóes que lé em livros de texto e manuais. A vida é curta demais para permitir isso.

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O Movimento “ Natural” dos Objetos

Examinemos agora as afirmacóes de Aristóteles sobre o movimento. |Para a discussáo de Aristóte-j les,"era básico o principio de que todos os objetosl que encontramos na Natureza sao com postosdgf “ quatro elementos” : ar. térra, fogo. água.I Sao estes os elementos de que falamos na conversaqáo ordinária, quando dizemos que alguém numa “ tor­menta “ desafiou os elementos” . Queremos dizer que tal pessoa estéve num vendaval, numa tempes- tade de areia ou chuva e assim por diante, e náo que éle lutou através de um tornado de puro hidrogénio ou flúor.lObservou Aristóteles que alguns objetos na Terra sao leves e outros pesados. Atribuía éle a propriedade de ser leve ou pesado segundo a per- centagem em que néle figurava cada um dos dife­rentes elementos, sendo a térra “ naturalmente pe­sada” e o fogo “ naturalmente leve” , e a água e. o ar intermediários entre os dois extremos.{Qua[ — perguntou éle, seria o movimento “ natural de tal objeto? Respondeu que, se fósse pesado, seu movimento natural seria para baixo, ao passo que, se fósse leve, seu movimento natural seria para cima. A fumaqa, sendo leve, sobe em linha reta a náo ser que seja soprada pelo vento, enquanto que uma pedra, uma maqá, ou um pedaco de ferro cai para baixo em linha reta, q u a n d o^ a b a n d on a d o^ porjconseguintejpara Aristóteles, ^"natural (ou náo impulsionado) movimento de um objeto terres­tre é uma linha reta para cima ou para baixo, sen­do o sentido para cima e para baixo determinado ao longo de uma linha reta passando_ pelo centro da Terra e pelo oblservadfllJ

Aristóteles, naturalmente, percebia que muitíssi- mas vézes os objetos se movem de outros modos di­ferentes dos que acabam de ser descritos. Por

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exemplo, uma seta atirada de um arco cometa o vóo aparentemente numa linha reta que é mais ou menos perpendicular a uma linha tirada do centro da Terra até o observador. Uma bola na extremi- dade de um cordel pode ser movida em círculo. Uma pedra pode ser lanzada para cima em linha reta. Tal movimento, segundo Aristóteles, é “ violento” ou contrário á natureza do corpo. Tal movimento se verifica sómente quando alguma fórqa está atuando para produzir e conservar o corpo em movimento contrário á sua natureza. Uma pedra atada a um cordel pode ser movida para cima, e assim estar sujeita a um movimento violento, mas, no momento em que se rompe o cordel, a pedra comeqará a cair num movimento natural, procurando seu lugar na­tural.

Consideremos agora o movimento de objetos ce­lestes, as estrélas, planétas e o próprio Sol. Ésses corpos parecem mover-se em círculo ao redor da Terra; o Sol, a Lúa, os planétas e as estrélas ele- vando-se a leste, viajando pelos céus e pondo-se a oeste (exceto as estrélas circumpolares, que se mo- vem em pequeños círculos ser nunca ficar abaixo do horizonte). I Segundo Aristóteles, os corpos celestes náo sáo constituidos dos mesmos quatro elementos dos corpos terrestres. Sáo formados de um “ quin­to elemento” , ou “ éter” . O movimento de um cor­po composto de éter é circular, de modo que o observado movimento circular dos corpos celestes é o seu movimento natural, de acórdo com sua nature­za, exatamente como o movimento para cima e para baixo em linha reta é o movimento natural de um objeto terrestre.!

Os Céus “ Incorruptvveis”

> Na filosofia aristotélica os corpos celestes tém uma ou duas propriedades que interessam. O éter

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de que sao feitos é material imutável, ou para usar a velha palavra, “ incorruptível” . Isto está em con­traste com os quatro elementos que encontramos na Terra; — éles estáo sujeitos a mudar, ou sao “ cor- ruptíveis” . Assim, na Terra, encontramos o apa- recimento, ou “ surgimento em ser” , a “ decaden­cia” e o “ desaparecimento” ; o nascer e o mor- rer das coisas. Mas nos céus nada muda nunca, tudo continua o mesmo; as mesmas estrélas, os mes­mos eternos planétas, o mesmo Sol, a mesma Lúa.* Os planétas, as estrélas e o Sol eram considerados “ perfeitos” , e através dos séculos eram freqüente- mente comparados a eternos diamantes ou pedras preciosas, por causa das suas imutáveis qualidades. O único objeto celeste em que qualquer espécie de mudanga ou “ im perfecto” podia ser descoberta era a Lúa; mas a Lúa, afinal, era o corpo celeste mais próximo da Terra, e uma espécie de marco divisorio entre a regiáo terrestre da mudanga (cor- ruptibilidade) e a regiáo celeste da permanencia e da incorruptibilidade.

Deve ser observado que neste sistema todos os objetos celestes que circundam a Terra sao mais ou menos semelhantes entre si e todos diferentes da Terra ñas características físicas, composigáo e “ pro- priedades essenciais” . Assim se podia compreen- der porque a Terra ficava firme e náo se movia, en- quanto os objetos celestes se moviarft. Ainda mais, a Terra náo só nao tinha “ movimento local” , ou movimento de um lugar para outro, como também náo se supunha que girasse ao redor do seu eixo. A principal razáo física para isto, segundo o velho sistema, é que náo era “ natural” que a Terra ti- vesse um movimento circular; seria contrário á sua natureza tanto um movimento em órbita ao redor do Sol, quanto uma rotagáo diária ao redor do pró­prio eixo.

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Examinemos agora um pouco mais de perto a Fí­sica aristotélica do movimento dos corpos terres­tres. Em todo movimento, dizia Aristóteles, há dois fatóres principáis: a fórqa motriz, que desig­naremos aqui por F e a resisténcia, que designare­mos por R. Para que ocorra movimento, segundo Aristóteles, é necessário que a fórqa motriz seja maior que a resisténcia. Por conseguinte, nosso primeiro principio do movimento é

F > R (1 )

ou, a fórqa deve ser maior que a resisténcia. Exa­minaremos agora os efeitos de diferentes resistén- cias, conservando sempre constante a fórqa motriz. Nossa experiéncia será realizada com corpos, cada um deixado cair livremente, partindo do repouso, através de um meio resistente diferente. A fim de considerar as condiqóes constantes, tomaremos es­feras para todos os corpos que caem, de modo que o efeito de sua forma sobre o seu movimento seja o mesmo. Aristóteles, é natural, sabia perfeitamente que a velocidade de um objeto, sendo iguais todas as outras condiqóes, geralmente depende de sua for­ma, fato que já demonstramos com o nosso pára- quedas,

Em nossa experiéncia, usaremos duas bolas de aqo idénticas, com a mesma forma, tamanho e péso. Deixaremos cair as duas simultáneamente, uma através do ar, e a outra através da agua. Para fazer esta experiéncia, é necessário um cilindro comprido cheio de água; segure as duas bolas uma ao lado da outra, uma na água, a outra da mesma altura, mas fora da coluna de água. (Fig. 1). Quan­do sáo sóltas simultáneamente, vemos que náo há

Os Fatóres do Movimento

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___ponto de partida

>ar

F ig. 1

dúvidas de que a velocidade da que se move através do ar é muitíssimo maior que a velocidade da que cai através da água. Para provar que os resulta­dos da experiéncia náo derivam do material com que as bolas sáo feitas ou do seu determinado peso, podemos repetir a experiéncia usando bolas de ago menores, um par de bolas de vidro ou de ago, e assim por diante. Em menor escala, qualquer pes­soa pode repetir esta experiéncia com duas “ boli- nhas” de vidro e um copo grande cheii» de água até a borda. O resultado desta experiéncia pode ser escrito em forma de uma expressáo matemática que traduz o fato de que, sendo iguais todas as outras condigóes, a velocidade na água (que resiste ou di­ficulta o movimento) é menor que a velocidade no ar (que náo dificulta o movimento tanto quanto a água):

1F ce -

R(2)

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ou a velocidade é inversamente proporcional á re­sisténcia do meio através do qual se move o corpo. É experiéncia comum que a água dificulta o movi­mento; qualquer pessoa que tenha tentado correr através da água á beira da praia, sabe quanto a água resiste ao seu movimento, em. comparado com o ar.

A experiéncia será agora realizada com dois ci­lindros, um cheio de água e outro cheio de óleo (Fig. 2 ). O óleo resiste ao movimento ainda mais

que a água; quando as duas esferas idénticas de ago sao largadas simultáneamente, a da água atingeo fundo muito antes da que cai através do óleo. Como a resisténcia R0 do óleo é maior que a resis­téncia Ra da água, podemos agora predizer que se deixarmos cair qualquer par de objetos idénticos através déstes líquidos, o que cair através da água atingirá uma determinada altura, mais depressa que

«— ponto de partida — -

F ig. 2

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o que cai através do óleo. Esta previsáo pode fá­cilmente ser verificada. A seguir, já que se achou que a resisténcia R„, da água é maior que a resis­téncia Rar do ar,

R» > Ra(3)

Ra ~Z> Rar

a resisténcia do óleo deve necessáriamente ser maior que a do ar,

Ro > R ar (4 )

Isto pode ser também verificado, repetindo-se a experiéncia inicial, com um cilindro cheio de ar em vez de água.

Examinemos em seguida os efeitos de diferentes fórgas motrizes. Nesta experiéncia usamos de novo um cilindro comprido cheio de água. Deixamos cair néle uma bola de ago pequeña e uma grande, simultáneamente. Verificamos que a bola grande de ago, a mais pesada das duas, alcanga o fundo antes da mais leve. Pode-se alegar aqui que o ta- manho poderia produzir algum efeito, mas se algum efeito se verificasse, a bola maior deveria encontrar uma resisténcia maior do que a pequeña. Náo obs­tante, o resultado é válido. Evidentemente, quanto maior a fórga para vencer uma resisíéncia determi­nada, tanto maior a velocidade. Esta experiéncia pode ser repetida, desta vez com uma bola de ago e outra de vidro, de maneira que as duas tenham exatamente o mesmo tamanho mas pesos diferentes. Uma vez mais se verifica que a bola mais pesada pa­rece muito mais apta a vencer a resisténcia do meio; e assim chega ao fundo em primeiro lugar, ou atinge a maior velocidade. A experiéncia também pode ser feita em óleo e varios outros líquidos: álcool,

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leite e assim por diante produzindo o mesmo re­sultado geral. Em forma de expressóes matemáti­cas podemos afirmar as conclusóes desta experién­cia, como segue:

ou, sendo iguais todas as outras condigóes, quanto maior a fórga, maior a velocidade.

Podemos agora combinar as Expressóes (2 ) e (5 ) numa só, da seguinte maneira:

ou seja, a velocidade é proporcional á fórga motriz e inversamente proporcional á resisténcia do meio; ou, a velocidade é proporcional á fórga dividida pela resisténcia. Esta expressáo é freqüentemente co- nhecida como a lei aristotélica do movimento. De- ver-se-ia notar que o próprio Aristóteles náo escre- veu seus resultados sob a forma de equagóes, meio moderno de expressar tais relagóes. Aristóteles e a maior parte dos antigos cientistas, inclusive Galileu, preferiam comparar velocidades com velocidades, fórgas com fórgas e resisténcias com resisténcias. Assim, ao invés de escrever a Expressáo (5 ) como fizemos, teriam éles preferido a proposigáo:

V vidro • ^ ago : : F vidro * F ago

A razáo das velocidades das bolas de vidro e de ago é comparada com a razáo das fórgas com as quais essas bolas se movem para baixo. Isto equivale á proposigáo geral de que a velocidade da bola de vidro está para a velocidade da bola de ago assim

V oc F (5 ).

F V CC

R(6)

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como a fórqa motriz da bola de vidro está para a fórqa motriz da bola de aqo.

Estudemos agora a expressáo (6 ), a fim de des- cobrir algumas das suas limitaqóes. É claro que esta expressáo náo pode ser aplicada de um modo geral, porque, se a fórqa motriz igualasse a resistén­cia, a equaqáo náo daria o resultado de que a velo­cidade V seria igual a zero; nem dá um resultado igual a zero quando a fórqa F é menor que a resis­téncia R. Por conseguinte, a expressáo (6 ) está sujeita á limitaqáo imposta pela expressáo (1 ), e só é verdadeira quando a fórqa é maior que a resistencia . Mas isto equivale a dizer que aquela expressáo náo é uma afirmaqáo universal das con- diqoes do movimento.

Sustenta-se algumas vézes que esta expressáo pode ter surgido do estudo de uma balanqa de bra- qos desiguais, digamos, com pesos iguais ñas extremi­dades dos dois braqos, ou talvez de uma balanqa de braqos iguais com pesos desiguais ñas extremidades dos dois braqos. Neste caso é impossível que F seja menor que R, porque o maior péso é sempre a fórqa motriz, ao passo que o menor péso é sempre a resisténcia. Mais ainda, na balanqa de braqos iguais, se F — R náo náo haverá movimento.

Há dois últimos aspectos da lei ^o movimento que devemos aprepentar, antes de deixar o assunto. O primeiro é que a própria lei nada nos diz a res- peito dos estágios pelos quais um objeto que cai, a partir de uma posiqáo de repouso, adquire a veloci­dade V. A lei só nos diz alguma coisa sobre a pró­pria velocidade, obviamente algo sobre velocidade “ média” , ou velocidade “ final” , já que ela é ava- liada pelo tempo gasto para percorrer determinada distáncia

DV ce - (7)

T

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que é válida para a velocidade média ou para mo­vimento com velocidade constante, mas náo para movimento em que haja aceleraqáo, isto é, que te- nha velocidade em constante mudanqa. Náo era do conhecimento de Aristóteles que a velocidade de um corpo que cai partindo do repouso atinge, por estágios gradativos, seu valor final?

Movimento dos Corpos que caem através do ArTalvez tenha para nós maior significado do que

qualquer dos argumentos anteriores, o resultado de uma outra experiéncia. Até aqui temos dado tipos de experiéncias positivas que nos fariam confiar na lei aristotélica do movimento, mas omitimos uma experiéncia verdaderamente crucial. Voltemos a considerar dois objetos do mesmo tamanho, da mes­ma forma, mas de pesos diferentes, ou de diferentes fórqas motrizes F. Dissemos que, se fóssem deixa- dos cair simultáneamente através da água ou do óleo, seria observado que o mais pesado desceria mais rápidamente. (O leitor — antes de continuar a 1er o resto déste capítulo e déste livro — deverá parar, e fazer por si mesmo essas experiéncias). Chegamos agora á última experiéncia daquela seqüéncia ante­rior: consiste ela em deixar cair dois objetos do mesmo tamanho mas de péso desigual, no mesmo meio, mas tomando o ar para meio. Admitamos que o péso de um dos nossos objetos é exatamente o dóbro do péso do outro, o que implicaría, na ve- lha opiniáo, em que a velocidade do objeto mais pesado seria exatamente o dóbro da velocidade do mais leve. Para uma distáncia constante de queda, a velocidade é inversamente proporcional ao tempo, de modo que

1V oc — (8 )

Tou

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isto é, as velocidades sao inversamente proporcionáis aos tempos de queda. Conseqüentemente, o tempo de queda da bola mais pesada deveria ser exata­mente metade do tempo de queda da menor. Para realizar a experiéncia, fique de pé sobre uma cadeira e deixe cair juntamente os dois objetos de modo que batam no chao nu. Uma boa maneira de os deixar cair é segurá-los horizontalmente entre o primeiro e o segundo dedos de uma das maos; abrindo entáo bruscamente os dois dedos, as duas bolas comegaráo a cair juntas. Qual o resultado desta experiéncia?

Ao invés de descrever os resultados da mesma, permita-me sugerir que a faqa por si mesmo. Com­pare entáo o seu resultado com os obtidos por Joáo, o Gramático, com a descriqáo dada por Stevin no sáculo X V I, e finalmente com a que foi dada por Galileu no seu famoso livro Duas Novas Ciencias, há pouco mais de 300 anos.

Uma pergunta que, neste ponto, vocé deveria fa- zer a si mesmo é a seguinte: Evidentemente a ex­pressáo (6 ) náo é válida para o ar, mas vale real­mente para os outros meios que exploramos? A fim de ver se a expressáo (6 ) é uma afirmaqáo quantitativa exata, pergunte a si mesmo se ela era meramente uma definidlo de “ resisténcia” , ou se há algum outro meio de medir a “ resisténcia” , como sáo medidas as velocidades. É suficiente, para me­dir a velocidade, usar a expressáo (8 ), e medir o tempo de queda?

Em todo caso, a maioria das pessoas, creio, terá achado que, com exceqáo da experiéncia de dois ob­jetos desiguais caindo através do ar, o sistema aris­

totélico parece bastante razoável e pode ser aceito. Náo há para nós motivo para condenar indevida- mente, seja Aristóteles, seja qualquer físico aristo­télico que nunca tivesse realizado a experiéncia de soltar no ar dois objetos de pesos desiguais.

A Impossibilidade de wma Terra em Movimento

Mas, podemos aínda perguntar — o que tem a ver tudo isto com o fato de estar a Terra em repouso ao invés de em movimento? Para obter a resposta, voltemo-nos agora para o livro de Aristóteles Nos Céus. Ali se acha a afirmaqáo de que alguns con­sideran! que a Terra está em repouso, enquanto ou­tros consideram que ela se move. Há, contudo, muitas razóes pelas quais a Terra náo se pode mo­ver. flA fim de ter uma rotaqáo ao redor de um eixo, cada parte da Terra teria de se mover num círculo, diz Aristóteles; mas o estudo do comporta- mento real de suas partes mostra que o movimento terrestre natural é ao longo de uma linha reta, em diregáo ao centro. “ O movimento, portanto, sendo forjado (violento) e antinatural, náo poderia ser eterno; mas a ordem do.mundo é eterna” . O mo­vimento natural de todas as partículas da materia terrestre é em direcáo ao centro do universo, que coincide com o centro da Terra. Como “ prova” de que os corpos terrestres se movem de fato em di- reqáo ao centro da Terra, diz Aristóteles, “ vemos que os corpos que se movem em diregáo á Terra náo se movem em linhas paralelas” , mas aparente­mente sob algum ángulo, uns em relacao aos outros. “ As nossas razóes anteriores” , nota éle entáo, “ po­demos acrescentar que objetos pesados, se lanqados para cima em linha reta, com emprégo da fórqa, vol- tam ao seu ponto de partida, mesmo que a fórqa os arremesse a uma distáncia ilimitada” . Assim, se um corpo fósse lanqado para cima em linha reta, e

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depois caisse em linha reta, estas diregóes determina­das em relagáo ao centro do universo, éle náo tocaría a Terra exatamente no ponto em que foi langado, se a Terra se movesse, se se afastasse durante o intervalo de tempo. É isto uma conseqüéncia direta da qualidade “ natural” do movimento em linha reta para objetos terrestres.

Os argumentos precedentes mostram como os principios aristotélicos de movimento natural e vio­lento (antinatural), podem ser aplicados para pro­var a impossibilidade de movimento terrestre. E a respeito da “ lei de movimento” aristotélica, dada na expressáo (6 ) ou na equaqáo (9) ? Como se rela­ciona isso específicamente com o fato de estar a Terra em repouso? A resposta é dada claramente no coméqo do “ Almagesto” de Ptolomeu, o antigo trabalho padráo sobre Astronomía geocéntrica. Ptolomeu escreveu, seguindo os principios de Aris­tóteles, que, se a Terra tivesse movimento, “ ela se adiantaria em relagáo a qualquer outro corpo que caisse, em virtude da sua enorme diferenga de tama- nho, e os animais e todos os pesos separados serr n deixados paja tras flutuando no ar, enquanto a Terra, por sua vez, com a sua grande velocidade, cairia fora do próprio universo” . Isto decorre ple­namente da nogáo de que os corpos caém com velo­cidades proporcionáis aos seus respectivos pesos. E muito dentista deve ter concordado com o comentá- rio final de Ptolomeu: “ Na verdade, basta pensar um po- ,o nessa possibilidade, para ver que ela é completamente ridicula” .

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C a p ít u l o 3

A TERRA E O UNIVERSO

Muito freqüentemente considera-se o ano de 1543 como o ano de nascimento da Ciéncia moderna. Nesse ano foram publicados dois livros de grande importancia, que levaram a mudanqas significativas no conceito humano da Natureza e do mundo :^um foif 'S ó ire a Revolugño dq¿-Esferas Qelestes” , do clérigo polonés Nicolau Copérnico e outro “ Sobre a fístrutura do Corpo Humano” , do flatnengo An- dré Vasalius. O último tratou do corpo humano sob o ponto de vista da exata observaqáo anatómica, e assim reintroduziu na Fisiología e na Medicina o esprito de experimentaqáo que tinha caracterizado os escritos dos anatomistas e fisiologistas gregos, dos quais o último e o maior tinha sido Galeno. í O li­vro de Copérnico introduziu um novo sistema de Astronomía, que se chocava com as noqóes geral- mente aceitas de que a Terra estava em repouso^ Será nosso propósito aqui discutir sómente alguns aspectos escolhidos do sistema de Copérnico, nota- damente' algumas conseqüéncias de considerar a Terra, animada de movimento. Náo consideraremos com qualquer pormenor as vantagens ou desvanta- gens do sistema como um todo, nem mesmo compa­raremos os seus méritos, passo a passo, com os do sistema mais antigo. Nossa primeira consideraqáo é explorar que conseqüéncias teve o conceito de uma Terra em movimento, para o desenvolvimento de uma nova ciéncia — a Dinámica.

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Copérnico e o Nascimento da Ciencia Moderna

Mesmo na antiga Grecia foi sugerido que a Ter­ra poderia ter uma rotagáo diária em torno do seu eixo e fazer uma revolugáo anual numa vasta órbita ao redor do Sol.

Proposto por Aristarco no século III A.C., éste sistema do universo foi vencido por outro, segun­do o qual a Terra estava em repouso. Mesmo quan­do, quase 2000 anos depois, Copérnico publicou sua explicaqáo de um sistema do universo baseado nes- ses dois movimentos terrestres, náo houve assenti- mento geral. Por fim, naturalmente, o livro de Copérnico provou ser a semente de toda a revolugáo científica que culminou na magnífica fundamenta- gáo da Física de Isaac Newton. Olhando para trás, podemos ver como a aceitagáo do conceito formula­do por Copérnico, de uma Terra em movimento im- plicava necessáriamente numa Física náo-aristotéli- ca. Por que nenhuma destas conseqüéncias apare- ceu diante dos olhos dos contemporáneos de Copér­nico? E por que o próprio Copérnico náo propor- cionou essa revolugáo científica, que a tal ponto alterou o mundo, que ainda náo percebemos comple­tamente todas as suas conseqüéncias? Vamos expli­car neste capítulo estas questóes e em particular veremos porque a proposigáo de Copérnico, de um sistema do mundo em que se sustentava estar a Terra em movimento e o Sol em repouso náo era por si só suficiente para a rejeigáo da velha Física.

De inicio devemos deixar bem claro que Copérni­co (1473-1543) era, sob vários aspectos, mais um conservador que um revolucionário. yMuitas das idéias que éle introduziu já existiam na literatura, e repetidamente seu avango foi tolhido pelo fato de que éle era incapaz de ir além dos principios bási­cos da Física aristotélica. & Quando hoje falamos do “ Sistema de Copérnico” , entendemos comumente

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um sistema do universo completamente diferente do que vem descrito na sua obra “ De revolutionibus orbium caelestium” , para dar o título original la­tino do livro. A razáo de tal procedimento está em que desejamos honrar Copérnico pelas suas ino- vaqóes, e o fazemos á custa da exatidáo, referin- do-nos ao sistema/heliocéntrico, como “ Sistema de Copérnico” .

0 Sistema das Esferas Concéntricas

Porém, antes de descrever o sistema de Copérni­co, estabeleqamos alguns aspectos básicos dos dois principáis sistemas anteriores. Um, atribuido a Eu- dóxio, foi melhorado por um outro astrónomo gre- go, Callipus, e recebeu de Aristóteles os retoques fi­náis. É éste o sistema conhecido como o das “ esfe­ras concéntricas” . Nesse sistema, cada planéta, o Sol e a Lúa, eram considerados como fixos aos equadores de esferas separadas, que giravam em torno de seus eixos, ficando a Terra estacionária no centro. Enquanto cada esfera girava, as extremida­des do eixo de rotaqáo estavam fixas em outra es­fera, que também girava com um período diferente e em torno de um eixo que náo tinha a mesma orientaqáo que o eixo da esfera interior.

Para alguns planétas poderia haver até quatro es­feras, cada uma envolvida na seguinte, com o resul­tado de que haveria vários tipos de movimento. Por exemplo, uma dessas esferas poderia ser responsável pelo fato de que, qualquer que fósse a posiqáo do planéta entre as estrélas, éle seria levado a dar uma volta ao redor da Terra em cada 24 horas. Have­ria outra esfera idéntica para mover o Sol na sua aparente revoluqáo diária, outra para a Lúa, e ou­tra para as estrélas fixas. O conjunto de esferas interiores para cada planéta explicaría o fato de que um planéta náo parece mover-se através dos

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céus sórnente com um movimento diário, mas tam- bérn muda sua posigáo día a dia, relativamente ás estrélas fixas. “ Assim, um planéta é visto algu- mas vézes, ora numa constelado, ora em outra. Como éles viam os planétas a vagar entre as estré­las fixas, de noite para noite, atribuíram a origem dt> nome “ planéta” ao vocábulo grego que significa “ vagar” . Uma das características observadas désse “ vagar” é que a diregáo náo é constante. A dire­gáo habitual do movimento é progredir lentamente em diregáo leste, mas, uma vez ou outra, o pla­néta interrompe o seu movimento para leste (che- gando a um ponto estacionário) e entáo (Fig. 3)

se move num curto espago de tempo em diregáo oeste, até atingir outro ponto estacionário, após o qual retoma a originária diregáo para leste através dos céus. O movimento paras leste é conhecido como “ direto” e o movimento para oeste, “ retró­

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grado” . Por uma conveniente combinaqáo de es­feras, Eudóxio pode construir um modélo para mostrar como combinaqoes de movimentos circula­res podiam produzir o movimento observado dos planétas, direto e retrógrado. É o mesmo con­junto de “ esferas” que aparece no título do livro de Copérnico.

Após o declínio da Grecia, a Ciencia caiu ñas máos dos astrónomos islámicos ou árabes. Alguns apu- raram os trabalhos de Eudóxio e Aristóteles, e in- troduziram muitas outras esferas, a fim de fazer com que as previsóes do sistema concordassem mais exa­tamente com a observado. Essas esferas, ganhan- do realidade, acreditava-se que fóssem de cristal; o sistema recebeu o título de “ esferas cristalinas” . Como se sustentava que a orientaqáo das estrélas e planétas tinha influéncia considerável nos negocios dos homens, acreditou-se que a influéncia do pla­néta emanava, náo do próprio objeto, mas da esfera a que esta va ligado. Nesta crenqa podemos ver a origem da expressáo “ esfera de influéncia” , ainda hoje usada em sentido político e económico.

Ptolomeu e o Sistema de Epiciclos e Deferentes

O outro grande sistema rival da Antiguidade foi elaborado por Cláudio Ptolomeu, um dos maiores astrónomos do mundo antigo, e era baseado, de cer- to modo, em conceitos que tinham sido introduzidos pelo geómetra Apolónio de Perga e o astrónomo Hiparco. O produto acabado, geralmente conhecido como sistema de Ptolomeu, ou ptolomaico, em con­traste com o sistema de esferas homocéntricas (de centro comum) de Eudóxio-Aristóteles tinha enor­me flexibilidade e, em conseqüéncia, enorme com- plexidade. Os dispositivos básicos eram usados em várias combinaqóes. Antes de tudo, consideremos um ponto P movendo-se uniformemente em círculo,

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perigeu

Fie. 4

ao redor do ponto E, como na Fig. 4A. Aqui está uma ilustradlo de movimento circular uniforme que náo permite pontos estacionários nem de retroaqáo. Nem explica o fato de que os planétas náo tém velo­cidade constante, quando parecem mover-se em tor­no da Terra. Quando muito, tal movimento só po­dia ser observado no comportamento das estrélas fi­xas, porque Hiparco tinha visto o próprio Sol moc ver-se com velocidade variável, observaqáo esta liga- gada ao fato de que as estaqóes náo tém a mesma dura gao. Na Fig. bB, a Terra náo est í exatamen­te no centro C do círculo, mas excéntrica, no ponto E. É entáo claro que, se o ponto P corresponde a um planéta (ou ao Sol), náo parecerá mover-se uni­formemente em relaqáo as estrélas fixas quando vis­to da Terra, embora seu movimento ao longo do círculo seja de fato uniforme.

Se a Terra e os corpos celestes formassem um tal sistema excéntrico, ao invés de um sistema^homo- céntrico, haveria períodos em que o Sol ou o planéta estariam muito perto da Terra (perigeu), e perío­dos em que o Sol ou o planéta estariam muito longe da Terra (apogeu). Assim, devemos esperar uma

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variaqáo no brilho dos planétas, o que de fato é observado.

A seguir, apresentaremos um dos principáis arti­ficios de Ptolomeu para explicar o movimento dos planétas. Vamos admitir que, enquanto o ponto P se move uniformemente num círculo, ao redor do centro C (Fig. 5), um segundo ponto Q se move

Fig. S. O esquema de Ptolomeu para explicar os desvíos dos planétas admitia uma complicada combinagáo de movi­mentos. O planéta Q viajava ao redor de P num círculo (linhas pontilhadas), ao passo que P se movía em círculo ao redor de C. A linha cheia com lagos é o caminho que seguiría Q no movimento combinado.

num círculo ao redor do ponto P. O resultado será gerar uma curva, com uma série de laqos ou cúspi­des. O grande círculo em que se move P é chama­do o círculo de referéncia. ou o deferente, e o pe­queño círculo em que se moye Q é chamado epici-

/ ' Epiciclo

y ^ deferente♦_____ •

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cío. Assim, o sistema ptolomaico é muitas vézes descrito como baseado no deferente e no epiciclo. É claro que a curva resultante da combinadlo de epi­ciclo e deferente é uma curva em que o planéta algu- mas vézes está mais perto do centro do que outras; nela há também pontos estacionários e quando o planéta está na parte interior de cada arco, um observador em C vé-lo-á mover-se com movimento retrógrado. Para que o movimento concorde com o que se observa, basta escolher os tamanhos rela­tivos do epiciclo e deferente, e as relativas veloci­dades de rotaqáo dos dois círculos, de modo a tor- ná-los concordes com as aparéncias.

Resulta claramente do livro, que Ptolomeu nunca se empenhou na questáo de saber se havia “ real­mente” verdadeiros epiciclos e verdadeiros deferen­tes nos céus. Como podemos concluir da leitura, parece muito mais provável que para éle o sistema que descreveu era um “ modélo” do universo, e náo necessáriamente a “ verdadeira” descriqáo — seja o que fór que estas palavras possam significar. Isto é, era o ideal grego, atingindo seu ponto mais alto nos escritos de Ptolomeu, de construir um mo­délo que habilitasse o astrónomo a predizer as observares ou — para usar a expressáo grega — “ salvar as aparéncias” .

Embora freqüentemente menos elaborada, esta maneira de encarar a Ciéncia é muito semelhante á do físico do século X X , cuja ambiqáo é também produzir um modélo que resulta em equaqáo capa- zes de predizer os resultados da experiéncia — e muitas vézes éle é obrigado a se contentar com equaqóes, na auséncia de um “ modélo” , que possa ser construido.

Alguns outros aspectos do velho sistema de Pto­lomeu podem ser abreviadamente ressaltados. A Terra náo precisa estar no centro do círculo deferen­te ou, em outras palavras, o círculo deferente (Fig.

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©

© ®

Fig. 6. Com epiciclo e deferente (e engenho) os as­trónomos podiam descrever quase todos os movimentos observados nos planétas, sem sair dos limites do sistema ptolomaico. Em (A ) o ponto P se move num círculo com centro em C, o qual se move num círculo menor, com centro em X. Em (B ) o efeito da combinado de deferente e epiciclo é mudar o centro aparente da órbita de P, de C para C’. Em (C ) a combinado gera uma curva elíptica. A figura em (D ) é o caminho de P , movendo-se ao longo de um epiciclo; o centro do círculo de P é R, que se move num círculo, cujo centro Q está num círculo cujo centro é C.

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6A) poderia ser excéntrico em vez de homocéntrico, isto é, com um centro diferente do centro da Terra. Mais aínda, embora o ponto P se mova no grande círculo de referéncia, ou deferente (Fig. 6B), seu centro C podia estar se movendo num pequeño cír­culo, combinagáo que náo precisa produzir retroagáo, mas que poderia ter o efeito de deslocar o círculo ou mudá-lo de posiqáo, ou produzir movimento elíptico (Fig. 6C). Finalmente, havia um artificio chama­do “ equante” (Fig. 7). Era éste um ponto, nao

Fig. 7. O equante era um artificio ptolomaico para explicar aparentes mudangas na velocidade de um planéta. Embora o movimento de P, de A para A', de B a B’ e de C a Cv náo seja uniforme relativamente ao centro do círculo, C, sé-lo-ia relativamente a um outro ponto, T, o equante, porque os ángulos a,(5,y sao iguais. O planéta percorre os arcos A A ’, BB ’, CC’, em intervalos de tempos iguais, porém, obviamente, com diferentes velocidades.

? /

no centro do círculo, ao redor do qual o movimento podia ser “ uniformizado” . Isto é, considere-se um ponto P, movendo-se num círculo com centro em C. O ponto P move-se de tal modo que uma reta de P ao enquante varre ángulos iguais em tempos iguais; isto é equivalente a dizer que P só parece se mover uniformemente ao longo do seu caminho circular para um observador que esteja localizado no equan­te. Éstes artificios podiam ser usados em muitas combinares diferentes. O resultado era um siste­ma de muita complexidade. Muito homem de saber nao podia crer que um sistema de quarenta ou mais “ rodas dentro de rodas” poderia talvez estar rodan­do no céu, que o mundo fósse táo complicado. Con- ta-se que Afonso X, rei de Lelo e Castela, chamado Afonso o Sabio, que manteve um famoso grupo de astrónomos, náo podia acreditar que o sistema do universo fósse táo intrincado. Quando a principio lhe ensinaram o sistema ptolomaico, comentou éle, segundo a lenda “ Se o Senhor Todo Poderoso me tivesse consultado antes de comegar a criaqáo, eu teria recomendado alguma coisa mais simples.

Em parte alguma foram táo claramente expressas as dificuldades de entender o sistema de Ptolomeu, como aconteceu com o poeta John Milton no seu famoso poema “ O Paraíso Perdido” .

Milton tinha sido professor, tinha ensinado real­mente o sistema de Ptolomeu, e conhecia portanto aquilo sobre o que escrevia. Nestes seus versos o anjo Rafael está respondendo ás perguntas de Adáo

^sóbre a construqáo do universo e dizendo que Deus certamente deve achar graga ñas atividades dos ho­mens :

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. . . quando quiserem construir um modelo do céuE estudar as estrélas, como irao tratar O grandioso sistema, como irao construir, demolir, maquinarPara salvar as aparéncias, como irao cingir o universo,Com tragados de círculos concéntricos e excéntricos,Ciclo e Epiciclo, Órbita em Órbita.. .

< Antes de abordarmos as inovaqóes de Copérnico, faremos algumas observaqóes fináis sobre o velho sistema de Astronomía. Em primeiro lugar, é claro que parte da complexidade surge do fato de que as curvas que representam os movimentos aparentes dos planétas (Fig. 5) sao combinaqóes de círculos. Se se pudesse ter usado uma equaqáo para uma curva com cúspide, tal como a lemniscata, o trabalho teria sido grandemente simplificado. Deve-se con- tudo ter em mente que nos dias de Ptolomeu náo havia Geometría analítica nem se usavam equaqóes para representar curvas e que se tinha criado uma tradiqáo, sancionada tanto por Aristóteles como por Platáo, de que o movimento dos corpos celestes deve ser explicado em termos de um sistema natural de movimento, talvez pelo argumento de que um movi­mento circular náo tinha,coméqo nem fim, e era portanto mais adequado para os imutáveis, incor- ruptíveis planétas, eternamente em movimento. Em todo caso, como veremos, a idéia de explicar o mo­vimento planetário sómente por combinaqóes de círculos, continuou em Astronomía por longo tempo.

A parte o fato de que o sistema ptolomaico fun- cionou ou poderia ter funcionado, náo é desprezível a circunstáncia de que éle se ajustava perfeitamente também ao sistema da Física aristotélica. As es­trélas, planétas, Sol e Lúa, moviam-se em círculos ou em combinaqóes de círculos, seu “ movimento na­

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tural” , enquanto a Terra náo participava do movi­mento, estando no seu “ lugar natural” , no centro do universo, e em repouso. No sistema ptolomaico náo havia assim necessidade de procurar um novo sistema de Física, diferente daquéle que se ajustava ao sis­tema de esferas homocéntricas. Éstes dois siste­mas sáo algumas vézes descritos como “ geostáti- cos” , porque em ambos a Terra está em repouso; a expressáo mais comum é “ geocéntricos” , porque em ambos os sistemas a Terra está no centro do universo.

© Q q © y óSol Mercurio Venus Terra Lúa Marte

y fe | ^ BJúpiter Saturno Urano Netuno Plutáo

F ig. 8. As origens dos mais velhos símbolos planetarios se perdem na antiguidade, mas as derivagóes comumente aceitas sao originárias das Mitologías latina e grega. O símbolo do Sol representava provávelmente um escudo com saliéncia central O símbolo de Mercurio representava o seu caduceu, seu bastáo, ou o seu barrete alado. O símbolo de Venus era o espelho, associado á deusa do Amor e da Beleza. Para o símbolo de Marte, deus da Guerra, foi tomada uma reprodugáo, ou da cabera de um guerreiro com o elmo e a pluma ondeante, ou um dardo e escudo. O símbolo de Júpiter também tem derivagóes alternadas, ou um grosseiro hieróglifo da águia, “ ave de Jove” , ou a primeira letra de Zeus, o nome grego de Júpiter. O símbolo de Saturno é uma antiga foice, emblema do deus do Tempo. O símbolo de Urano é a primeira letra de seu descobridor, Sir William Herschel (1738-1822), com o planéta suspenso da barra transversal. O tridente foi sempre carregado por Netuno, deus do Mar. O símbolo de Plutáo é obviamente um monograma. É interessante notar que os alquimistas usavam o símbolo de Mercúrio para o metal mercurio, e o símbolo de Venus para o cobre. Hoje, os geneticistas designam a fémea com o símbolo de Vénus e o macho com o símbolo de Marte.

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Inovagdes de Copérnico

O sistema de Copérnico, de acórdti com a descri- qáo do próprio autor, tem muitas semelhanqas com o sistema de Ptolomeu. Copérnico admirava enor­memente Ptolomeu; na organizado do seu livro, na ordenaqáo dos capítulos e na escolha da seqüén­cia em que sao apresentados os vários tópicos éle seguiu o de Ptolomeu.

A transferéncia de um sistema geostático para um sistema .heljostático (Sol imóvel) envolvía certas ex­planares novas (Fig. 8A ). Piara verificá-las, come-

Fig. 8 - a . Éste diagrama do sistema de Copérnico foi extraído de “ A Perfit Description of the Caelestial Orbes” de Thomas Digges, (1576), que dá uma trad u jo em inglés de uma parte do De Revolutionibus de Copérnico. Digges acrescentou ao sistema mais urna característica, tornando infinita a esfera das estrélas fixas.

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cemos como o féz Corpérnico, por considerar a mais simples forma do universo heliostático.

O Sol está no centro, fixo e imóvel, e ao seu redor, movendo-se em círculo, nesta ordem: Mer­curio, Vénus, a Terra com sua lúa, Marte, Júpiter, Saturno. Corpérnico explicou os movimentos diá- rios aparentes do Sol, Lúa, estrélas e planétas com fundamento no giro da Terra em torno do seu eixo, uma vez por dia. Outros fatos mais importantes derivavam, dizia éle, de um segundo movimento da Terra, que era uma revoluqáo orbital ao redor do Sol, exatamente como as órbitas dos outros planétas. Cada planéta tem um período diferente de revolu- qáo, sendo tanto maior o período quanto mais afas- tado o planéta está do Sol. Assim, o movimento retrógrado é fácilmente explicável. Consideremos Marte (Fig. 9 ), que se move mais lentamente que a Terra ao redor do Sol. Sete posiqóes da Terra e de Marte sáo mostradas, numa situaqáo em que a Terra está passando Marte, estando Marte em oposiqáo, isto é, quando uma linha do Sol a Marte passa através da Terra. Ver-se-á que uma linha tirada da Terra a Marte, em cada uma das suces- sivas posigóes mover-se-á primeiro para a frente, depois para trás, e de novo para a frente. Assimi, Copérnico náo só podia explicar “ naturalmente” de que maneira ocorre o movimento retrógrado, como tamibém mostrar porque esta retroaqáo é observada sámente quando Marte está em oposiqáo, o que é equivalente ao fato de que o planéta transpóe o meridiano, á meia-noite. Em oposiqáo, o planéta está no lado oposto ao da Terra em relaqáo ao Sol. É por isso que éle atingirá a posiqáo mais alta no céu á meia-noite, ou atravessará o meridiano á meia-

■^noite. De maneira semelhante (Fig. 10) pode-se ver que, para um planéta inferior (Mercurio ou Vénus), a retroaqao só ocorreria numa conjunqáo

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inferior, o que corresponde á travessia do meridiano pelo planéta ao meio-dia. (Quando Vénus ou Mer­curio se encontra numa linha reta entre a Terra e o Sol, a posigáo se chama conjungáo. Ésses pla­nétas estáo no centro de retroagóes em conjungáo inferior quando se encontram entre a Terra e o Sol. Atravessam entáo o meridiano juntamente com o Sol ao meio-dia). Éstes dois fatos fazem sentido perfeito num sistema heliocéntrico ou he- liostático, mas se a Terra fósse o centro do movi­mento, como no sistema ptolomaico, por que de­pendería a retroagáo dos planétas da sua orientagáo relativamente ao Sol?-

Atendo-nos ainda ao modelo simplificado de órbitas circulares, observemos, a seguir, que Co­pérnico pode determinar a escala do sistema solar. Consideremos Vénus (Fig. 11). Vénus é visto sómente como estréla da tarde ou estréla da manhá, porque está um pouco adiante ou um pouco atrás do Sol, mas nunca 180 graus afastado do Sol, como pode estar um planéta superior. O sistema de Ptolo­meu (Fig. 11 A ) levara isto em conta sómente pela hipótese arbitrária de que os centros dos epiciclos de Vénus e Mercurio estavam permanentemente fixados numa linha da Terra ao Sol; o que equi­vale a dizer que as deferentes de Mercurio e Vé­nus, exatamente como o Sol, moviam-se ao redor da Terra uma vez em cada ano. No sistema de Copérnico, tínhamos meramente que admitir que as órbitas de Vénus e Mercurio (Fig. 11B) estives- sem dentro da órbita da Terra.

No sistema de Copérnico, além disso, poderíamos computar a distáncia de Vénus ao Sol. Observagoes feitas noite após noite indicariam quando Vénus podia ser vista na sua mais afastada elongagáo (distáncia angular) do Sol. Quando ocorresse éste

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© ©F ig. 11

evento, a separaqáo angular podia ser determinada. Como se pode ver na Fig. 12, ocorre a elongaqáo máxima quando uma linha da Terra a Vénus é tangente á órbita de Vénus e, assim, perpendicular a uma linha do Sol a Vénus. Por simples trigono­metría podemos escrever esta equaqáo e, de uma tábua de tangentes, calcular fácilmente o compri­mento TS.

VS---------- = seno a (1)

TS

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S //órbita de

^ Vénus

\\

^'^v.orbita da T erra

Fig. 12. Calcular a distáncia de Vénus ao Sol, tornou-se possivel no sistema de Copérnico. Quando a distáncia angular (isto é, o ángulo a de Vénus a partir do Sol) atinge o máximo, a linfaa de visada da Terra a Vénus (T V ) é tangente á órbita de Vénus e, portanto, per­pendicular ao raio VS. Calcular VS é um problema fácil de trigonometría elementar. Em qualquer outra orientado, digamos V ’, a distáncia anguláf náo é máxima.

A distáncia TS, ou o tamanho médio do raio da órbita da Terra, no sistema de Copérnico é conhe- cida como “ unidade astronómica” . Assim, a Equa- qáo (1 ) pode ser reescrita como

VS = (seno de a) X 1 U A (2)

Pelo uso déste método simples, Copérnico podia determinar as distancias planetárias (em unidades

astronómicas) com grande exatidáo, como podemos ver na tabela seguinte, que mostra os valores de Copérnico e os valores atualmente aceitos para as distancias dos planétas ao Sol.

C O M P A R A gA O DOS VALORES DE COPÉRNICO E M ODERNOS P A R A OS ELEM ENTOS DO

SISTEM A SO LAR

Planfta

Período Si­nódico (* )

MédioPeríodoSideral

Distáncia Média ao Sol (**)

C M C M C M

Mercurio .... 116d 116d 88d 87,9 Id 0,36 0,391Venus .......... 584d 584d 225d 225,00d 0,72 0,721Terra ____ 365 l/4d 365,26d 1,0 1,000Marte .......... 780d 780d 687d 686,98d 1,5 1,52Júpiter ___.. 399d 399d 12a 11,86a 5 5,2Saturno . . . .. 378d 378d 30a 29,51a 9 9,5

Além disso, Copérnico pode determinar com igual exatidáo o tempo necessário a cada planéta para completar uma revolugáo de 360 graus ao redor do Sol, ou o seu período sideral. Como Copérnico conhecia os tamanhos relativos das órbitas planetá­rias e os períodos siderais dos planétas, éle era ca­paz de predizer com érro tolerável as posigóes futuras dos planétas. No sistema de Ptolomeu, as distancias dos planétas náo representavam papel algum, uma vez que náo havia meio de determiná- las por observagóes. Desde que os tamanhos reía-

(*) Períodos sinódicos sao os tempos entre conjuncoes dos mesmos corpos.

(**) Expresso em unidades astronómicas.

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tivos e períodos relativos de movimento sobré'a deferente e o epiciclo fóssem os mesmos, as obser­vares ou aparéncias seriam idénticas, como pode­mos ver na Fig. 13.

F ig. 13. No sistema de Ptolomeu, as previsoes das posigóes planetarias se assentavam na medida dosVLngulos, nao ñas distancias. Esta ilustragáo mostra que as observagoes seriam as mesmas independentemente da distáncia, se os períodos relativos de movimento fóssem os mesmos.

Que o sistema ptolomaico tratava principalmente com ángulos ao invés de distáncias, pode ser visto muito claramente no exemplo da Lúa. Era um dos principáis aspectos do sistema ptolomaico, que a posiqáo aparente da Lúa podia ser descrita com grau relativamente alto de exatidáo. Mas isto requería um artificio especial, e se a Lúa tivesse realmente

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seguido tal caminho, deveria sofrer uma enorme variaqáo no seu tamanho aparente, muito maior do que o observado.

Dissemos antes que o sistema de um só círculo para cada planéta, com um único círculo para a Lúa, e dois movimentos diferentes para a Terra, constituía uma versáo simplificada do sistema de Copérnico. O fato é que tal sistema náo está de acórdo com a observaqáo, a náo ser de um modo grosseiro. A fim de tornar seu sistema mais exato, Copérnico achou necessário introduzir um certo número de complexidades, muitas das quais recor- dam os artifcios do sistema ptolomaico. Por exem­plo, era obvio para Copérnico (como o inverso tinha sido obvio para Hiparco) que a Terra náo se pode mover uniformemente segundo um círculo, tendo o Sol no centro.* Assim, Copérnico colocou o Sol, náo no centro da órbita da Terra, mas afasta- do, a certa distáncia. O centro do sistema solar e do universo, no sistema de Copérnico, nao era assim o Sol, e sim um “ sol medio” , ou o centro da órbita da Terra. Daí ser preferível chamar ao sistema de Copérnico, sistema heliostático ao invés de sis­tema heliocéntrico. * Copérnico féz sérias objeqóes ao sistema do equante, introduzido por Ptolomeu. Para o seu sistema era necessário, como o tinha sido para os antigos astrónomos gregos, que os planétas se movessem uniformemente ao longo de círculos. A fim de imaginar órbitas planetárias ao redor do Sol, que dessem resultados conformes com a observaqáo real, Copérnico acabou por introduzir círculos movendo-se em círculos, de modo muito se- melhante ao que Ptolomeu tinha feito.#, A principal diferenqa aqui, é que Ptolomeu tinha introduzido tal combinagáo de círculos também para levar em conta o movimento retrógrado, enquanto que Co- pémico (Fig. 14) levava em conta o movimento

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retrógrado, pelo fato de que os planétas se movem em suas respectivas órbitas com velocidades dife­rentes (* ) . Uma comparado das duas figuras re­presentando os sistemas de Ptolomeu e de Copérnico náo mostra que um era, á primeira vista, “ mais simples” que o outro.

Copérnico versus Ptolomeu

í^ u a is eram as vantagens e desvantagens do sis­tema de Copérnico, comparado ao de Ptolomeu? Em primeiro lugar, uma decidida vantagem do sistema de Copérnico era a relativa facilidade com que explicava o movimento retrógrado ,dos plané­tas e mostrava porque suas posiqSes, relativamen­te ao Sol, determinavam o movimento retrógrado. Uma segunda vantagem do sistema de Copérnico era que éle forneceu uma base para determinar as dis­tancias dos planétas ao Sol, bem como a Terra, if

Diz-se algumas vézes que o sistema de Copérnico foi uma grande simplificado, mas isto é baseado num mal-entendido. Se o sistema de Copérnico for considerado sob a forma rudimentar de um só círculo para cada planéta ao redor do Sol, entáo a suposigáo será válida, mas quando consideramos que éle teve que usar círculo sobre círculo, exata­mente como o féz Ptolomeu, entáo a simplificado maior é que os círculos necessários para as rotaqóes diárias aparentes do Sol, estrélas, planétas e Lúa, no sistema de Ptolomeu, podiam ser eliminados admitindo-se que a Terra gire diariamente ao re­

(*) Uma complexidade final do sistema do Copérnico surgiu das dificuldades que. éle experimentou ao levar em conta o fato de que o eixo da Terra girante permanece fixo na sua orienta<;áo com relacáo ás estrélas, embora a Terra se mova na sua órbita. O ‘‘movimento” introduzido por Copérnico, verifícou-se que era desnecessário. Galileu mostrou, posteriormente, já que nenhuma fórga está atuando para fazer girar o eixo da Terra, que éle náo se move, mas permanece sempre paralelo a si mesmo.

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dor do seu eixo — mas quase todos os outros cír­culos permaneciam. E quais eram as desvantagens do sistema de Copérnico? A primeira, era a au­séncia de qualquer paralaxe anual das estrélas fi­xas. O fenómeno da paralaxe se refere ao des­vio que ocorre quando um mesmo objeto é visto de duas posigoes diferentes. É éste o principio sobre o qual sao construidas as algas de mira para artilharia e cámaras fotográficas. Consideremos o movimento da Terra no sistema de Copérnico. Se as estrélas forem examinadas com seis meses de intervalo, isto equivale a fazer observagoes das extremidádes de uma linha de base de comprimento igual a 320 milhóes de quilómetros (Fig. 15), por-

Fig. 15. A paralaxe anual de uma estréla é o ángulo p, por meio do qual a distáncia do Sol á Terra pode ser calculada. As posigoes da Terra, com intervalos de seis meses, sao indicadas por Tx e Ts. A distáncia 7\ Tu dá uma linha de base de 320.000.000 de quilómetros de com­primento, de onde se pode observar a estréla P sob o ángulo TyPT-í o u 2p.

que o raio da órbita da Terra ao redor do Sol é de cerca de 148 milhóes de quilómetros. Já que Co­pérnico e os astrónomos do seu tempo náo podiam determinar nenhuma paralaxe das estrélas fixas, por

Tz

P

Ti

meio dessas observares semestrais, tinha-se que admitir que as estrélas estavam enormemente afas- tadas, se em verdade a Terra se movesse ao redor do Sol. Era muito mais simples dizer que a au­sencia de qualquer paralaxe anual das estrélas fixas observada, tendía a contradizer toda a base do sis­tema de Copérnico.

Da falha da observadlo astronómica passemos, a seguir, para a falha da Mecánica. Como explicou Copérnico o movimento dos corpos em uma Terra em movimento? Foram éstes os problemas que dis­cutimos no primeiro capítulo, nenhum dos quais foi adequadamente explicado por Copérnico. Admitiu éle que, de um modo ou de outro, o ar ao redor da Terra com esta se movia, e que éste ar era de algum modo ligado á Terra. Foi admitindo isto que éle pensou que os objetos no ar eram levados enquanto a Terra se movia, uma espécie de teoria da gravitaqáo bastante grosseira, mas de modo al­gum adequada ao problema.' Mas havia outra situacáo, de certo modo aínda

mais difícil de levar em conta — a natureza do próprio sistema solar. Já que Copérnico ainda se atinha aos principios da Física aristotélica — e nunca inventou uma nova Física para tomar o lu­gar da aristotélica — como podia éle explicar o movimento de rotaqáo diária da Terra e uma órbita circular anual, ambas contrarias á sua natureza ¡-De fato, Copérnico foi forqado a dizer que a Terra, movendo-se ao redor do Sol era “ meramente um outro planéta” , mas, dizer que a Terra era “ mera­mente um outro planéta” , era negar o principio aristotótellco de~~qúé a Terra e os planétas eram constituidos de materias dijereníes. suieitos a dife­rentes,. tipos de leis físicas, comportando-se 3e ma- neiras diferentesr Dizer que a Terra descrevia uma órbita ao redor do Sol significa va dizer que a Terra^

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estava sofrendo movimento violento.4(EVi3éntémen- te, Copérnico tinha um. sentimento instintivo de que alguma espécie de raios de fórga, emanando do Sol, fazia a Terra e os planétas mover-se juntos, mas éle nunca elaborou ésse conceíto de fórga num siste­ma de Física que “ funcionasse” ,

Os que leram Copérnico, sem dúvida ficaram in­trigados com a sua afirmaqáo de que a Terra deve ter uma rotagáo em torno do seu eixo, como tam­bém um movimento num grande círculo ao redor do Sol, decorrente do fato de ter ela, forma esférica. Como entáo podia Corpérnico afirmar também que o Sol, que tem forma esférica, fica firme, náo gira em torno do seu eixo, nem se move numa revolugáo anual ?

Um problema final, de natureza mecánica, que Copérnico náo pode resolver, envolvía a Lúa. Se a Terra se move ao redor do Sol como o fazem os outros planétas, e se por qualquer motivo os objetos que caem podem continuar a cair diretamente para baixo, e se os passáros náo se perdem porque o ar está de certo modo vinculado á Terra, como é pos- sível que a Lúa continué a mover-se ao redor da Terra enquanto esta se langa táo rápidamente através do espago? Aqui náo era uma questáo do ar ligado á Terra, mas sim de alghma espécie de lago que impede que a Lúa se desprenda.

Até aqui restringimos nossa atengáo a dois as­pectos do sistema de Copérnico: o fato de que era pelo menos táo complexo como o sistema ptolomaico e o fato de problemas de Física, aparentemente insolúveis, surgirem, se aceitarmos o seu sistema. Se acrescentarmos a estas objegóes algumas dificul­dades gerais no sistema de Copérnico, podemos ime- ditamente verificar que a publicagáo do seu livro em 1543 náo constituiu uma revolugáo no pensamento físico ou astronómico.

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Vantagens e Desvantagens de um Universo de Copérnico

Deixando de lado os problemas puramente cien­tíficos, o conceito de uma Terra em movimento suscitou dúvidas terrivelmente sérias para o pensa­mento dos dias de Copérnico. Convenhamos que é bem mais confortador pensar que a nossa morada está fixa no espago e tem um lugar de destaque no esquema das coisas, ao invés de uma insignificante partícula girando, provávelmente sem destino, num vasto, e talvez mesmo infinito, universo. A singu- laridade aristotélica da Terra, baseada na sua su- posta posigáo fixa, dava ao homem um senso de orgulho, que difícilmente podia emergir do fato de estar éle num planéta bastante pequeño (com­parado a Júpiter ou Saturno), numa posigáo bem insignificante (posigáo 3 ou 4 em 7 órbitas plane­tárias sucessivas). Dizer que a Terra é “ simples- mente um outro planéta” sugere que ela pode náo ter mesmo a distingáo de ser o único globo habitado, o que implica em náo ser único o próprio homem terreno. Talvez outras estrélas sejam sois com outros planétas, e em cada um déles haja outras espécies de homens. A maioria dos homens do século X V I náo estava preparada para tais perspectivas, e as provas dadas por seus sentidos náo eram de mol­de a provocar uma mudanga de atitude. Planéta, simplesmente! Qualquer um que olhe para um planéta — Vénus, Marte, Júpiter ou Saturno — “ verá” imediatamente que éle é “ outra estréla” e náo “ outra Terra” ! O fato de que essas “ estrélas” planetárias sao mais brilhantes que as outras, va- gueiam urnas em relagáo ás outras, e podem ter um ocasional movimento retrógrado, náo as torna de modo algum semelhante a esta Terra em que nos achamos. E se náo fósse bastante todo o “ sen-

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so comum” rebelar-se á idéia de ser a Terra “ sim- plesmente um outro planéta” há a prova da Escri­tura. A Escritura Sagrada repetidamente menciona um Sol em movimiento e uma Terra fixa. Mesmo antes da publicado do De revolutionibus, Martinho Lutero ouviu falar a respeito das idéias de Copér­nico e as condenou violentamente, por contradize- rem a Biblia. E todos bem sabem que Galileu, por defendter o novo sistema foi levado a um conflito com a Inquisiqáo Romana.

Deveria estar claro, portanto, que a alterado do modélo do universo, proposta por Copérnico náo se podia realizar sem abalar toda a estrutura da Ciéncia e do pensamento do homem a respeito de si mesmo. Mas havia uma curiosidade que acompanha- va o pensamento humano, sobre a natureza do uni­verso, e a respeito da Terra, que afinal levaría a uma profunda transformado no pensamento da- queles dias. É nesse sentido que podemos datar de 1543 a revoluqao científica. Os problemas levanta­dos e suas conseqüéncias penetraram nos próprios alicerces da Física e da Astronomía. Do que até aquí foi dito, o modo como as mudanzas numa parte da Ciéncia Física afetam todo o corpo da Ciéncia deve ter ficado claro. Os dentistas estáo hoje familiarizados com éste fenómeno, tendo tes- temunhado o crescimento da moderna Ciéncia Ató­mica e da teoria dos “ quanta” . Todavia, em parte alguma pode ser melhor vista a unidade da Ciéncia, do que no fato de o sistema de Copérnico, em sua forma simples ou complexa, náo ter podido susten- tar-se por si mesmo, tal como foi exposto por éle. Necessitou modificado das idéias comumente acei­tas a respeito da natureza da matéria, natureza dos planétas, do Sol, da Lúa, das estrélas, e da natureza e agóes da fórqa em relado ao movimento. Foi

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afirmado que a grandeza de Copérnico está, náo tanto no sistema que propós, como no fato de que o sistema que propós póde gerar a grande revolu- qao na Física que nós associamos a nomes como os de Galileu, Johannes Kepler e Isaac Newton.

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C a p ít u l o 4

EXPLORAN DO AS PRGFUNDEZAS DO UNIVERSO

A marcha da Ciencia tem ritmos náo muito dife­rentes dos ritmos musicais. Como ñas sonatas, cer- tos temas se repetem numa sucessáo de variaqóes mais ou menos ordenadas. O lugar de Copérnico na Historia pode bem ilustrar éste processo. Se bem que o seu sistema náo fósse táo simples ou táo revolucionario como é freqüentemente apresentado, seu livro levantou as questóes que tinham ficado ocultas por trás de cada esquema, desde a Antigui- dade. As complicadas “ provas” que Aristóteles e Ptolomeu tinham dado da imobilidade da Terra nun­ca puderam ocultar inteiramente de qualquer leitor, que uma outra opiniáo era possível, mesmo que Aristóteles e Ptolomeu a tivessem condenado.

Evolugao da Nova Física

Como em toda composiqáo musical bem estrutu- rada, o tema principal de Copérnico aparece em partes separadas. Um homem na Antiguidade, He- racleides de Pontus, levantou o problema de uma rotaqáo da Terra, mas náo de um movimento orbital, ao passo que Aristarco tinha um esquema no qual a Terra se movia ao redor do seu eixo e fazia uma revoluqáo ao redor do Sol, como o fazem os plané­tas. Na Idade Média Latina, anteriormente a Copér­nico, náo era incomum achár pensadores como o francés Nicole Oresme e o alemao Nicolau Cusanus, que consideravam os possíveis movimentos da Ter-

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ra, e teria sido verdaderamente extraordinário que o tema da Terra em movimento náo se manifestasse de novo, depois de Copérnico. O De Revolutioni- bus continha a mais completa exposígáo de um uni­verso heliostático até entáo apresentada, e propunha algo novo e importante para o especialista em As­tronomía e para o interessado em Cosmología. Do mesmo modo como a lógica de uma sonata conduz a exposiqáo original de um tema através de suces- sivas variaqóes, mas náo especifica como deveráo ser essas variaqóes, assim a lógica de desenvolvi- mento da Ciéncia nos capacita a predizer algumas das conseqüéncias da revoluqao científica de 1543. Mas só o conhecimento da própria Historia reve­laría que a gradual aceitaqáo das idéias de Copér­nico por um ou outro erudito, foi rudemente in­terrompida em 1609, quando um novo instrumento científico mudou o nivel e o tom de discussáo dos sistemas de Copérnico e Ptolomeu, de tal modo que aquéle ano féz sombra ao de 1543, no desen- volvimento da moderna Astronomía.

Foi em 1609 que o homem comeqou a usar o telescopio para fazer estudos sistemáticos do céu. Provaram as revfilaqoeSi que Ptolomeu cometeu erros específicos e erros importantes, que o sistema de Copérnico parecía ajustar-se aos novos fatos de observaqáo, e que a Lúa e os planétas eram na realidade, sob vários aspectos, muito semelhantes á Terra e eram por sua vez muito diferentes das es­trélas.

Após 1609, qualquer discussáo dos méritos dos dois grandes sistemas do mundo forzosamente^ tinha de girar em torno de fenómenos que iam além do alcance, e mesmo da imaginaqáo, tanto be Ptolomeu quanto de Copérnico.

E depois que se verificou ter o sistema heliocén­trico uma possível base na realidade, éste fato deveria

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levar á busca de uma Física que se aplicasse com igual exatidáo a uma Terra em movimento e a todo o universo. A introducto do telescopio teria bastado por si mesma para mudar o curso da Ciencia, mas um outro processo em 1609 acelerou ainda mais a re- voluqáo. Johannes Kepler publicou sua Astronomía Nova, que náo só simplificou o sistema de Copér­nico, desembaraqando-o de todos os epiciclos, mas também estabeleceu firmemente duas leis do movi­miento planetário, como veremos em capítulo se- guinte.

Galileu Galilei -O cientista que foi o principal responsável pela

introduqáo do telescopio como instrumento científi­co, e que lanqou os fundamentos da nova Física foi Galileu Galilei. Em 1609 éle era professor na Uni- versidade de Pádua, na República de Veneza; tinha quarenta e cinco anos, o que excede considerável- mente a idade propicia, na maioria dos homens, para descobertas científicas de significado profun­da. O último grande italiano, com exceqáo de no- bres e reis, a ser conhecido pela posteridade pelo seu primeiro nome, Galileu, nasceu em Pisa, Itália, em 1564, quase no dia da morte de Miguel Angelo e no ano do nascimento de Shakespeare. Seu pai mandou-o para a universidade de Pisa, onde sua combatividade sarda logo lhe granjeou a alcunha de “ discutidor” . Embora seu primeiro pensamento fósse estudar Medicina, logo descobriu que náo era esta a sua vocagáo. Descobriu a beleza da Matemática e a esta, á Física e á Astronomía, desde entáo de- dicou sua vida. Náo sabemos exatamente quando ou como se tornou adepto da teoría de Copérnico, mas pelo seu próprio testemunho isto aconteceu an­tes de 1597.

Galileu deu a sua primeira contribuido á Astro­nomía antes de usar o telescopio. Em 1604 uma

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“ nova” , isto é, urna estréla nova, apareceu repen­tinamente na constelagáo do Serpentário. Galileu mostrou que aquilo era uma “ verdadeira” estréla, situada nos espagos celestes, e náo dentro da es­fera da Lúa, isto é, Galileu descobriu que essa nova estréla náo tinha paralaxe mensurável e estava por­tanto muito longe da Terra. Vibrou assim um belo golpe no sistema aristotélico de Física, por­que provou que podiam ocorrer mudanzas no céu, apesar de haver Aristóteles sustentado que os céus eram imutáveis e haver limitado á Terra e suas circunvizinhangas a regiáo onde podiam ocorrer tno- dificagoes. A prova de Galileu lhe parecía tanto mais decisiva quanto era a segunda nova estréla a ser observada sem se encontrar paralaxe mensu­rável. A anterior, de 1572, na constelagáo Cassio- péia, tinha sido estudada pelo astrónomo dinamar­qués Tycho Brahe (1546-1601), a maior figura na Ciencia astronómica, entre Copérnico e Galileu. Entre os resultados conseguidos por Tycho Brahe contavam-se o projeto e construgáo de instrumentos para o ólho nu, e o estabtelecimento de novos pa- droes de precisáo ñas observagóes astronómicas. A “ nova” de Tycho, rivalizando com o brilho de Vé­nus no seu auge, e depois apagando-se gradualmen­te, brilhou durante 16 meses. Como essa estréla náo tinha paralaxe que se pudesse medir, e todavia náo participava de movimento planetário, mas per­manecía numa orientagáo constante relativamente as outras estrélas fixas, Tycho concluiu que poderia. ocorrer mudanga na regiáo das estrélas fixas, náo obstante o que Aristóteles ou qualquer dos seus seguidores tivesse dito. As observagóes de Tycho contribuíram para mais uma prova cumulativa con­tra Aristóteles, mas o golpe esmagador tinha que esperar pela noite em que Galileu pela primeira vez voltou o seu telescopio para as estrélas.

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A historia do telescopio é, por si mesma, um assunto interessante. Alguns eruditos tentaram pro­var que ésse instrumento tinha sido inventado na Idade Média. Aparentemente, um instrumento se- melhante ao telescopio fóra descrito por Leonard Digges, que morreu por volta de 1571, e um teles­copio com inscriqáo afirmando ter sido construido na Itália em 1590, estava de posse de um cientista holandés em 1604. Que efeito, se é que o tiveram, ésses antigos instrumentos vieram a ter no desen- volvimento dos telescopios, náo o sabemos; talvez seja um exemplo de invenqáo feita e depois perdida de novo, mas em 1608 o instrumento foi reinven- tado na Holanda, e há pelo menos tres reclamantes da honra de ter sido o autor do “ primeiro” . Quem realmente merece o crédito, pouco nos importa aqui, porque o nosso principal problema é aprender como o telescopio mudou o curso do pensameqto científico. Algum tempo antes de 1609 Galileu ouviu um relatório sobre o telescopio, mas sem nenhuma informado específica sobre a maneira de construir o instrumento. Éle próprio nos diz como isso aconteceu:

“ . . . Um relatório chegou ^os meus ouvi- dos de que um certo flamengo tinha construi­do um óculo de alcance, por meio do qual objetos visíveis, embora muito distantes do ólho do observador, eram distintamente vistos como se estivessem próximos. Déste feito, verdadeiramente notável, várias experiéncias eram relatadas, as quais algumas pessoas de- vam crédito, enquanto outras as negavam. Al­guns dias depois o relato me foi confirmado em carta de um nobre francés d'e París, Jac- ques Badovere (antigo aluno de Galileu), o

O Telescopio: Um Passo Gigantesco.

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que me féz dedicar-me com todo o afinco aos meios pelos quais eu poderia chegar á inven- qáo de um instrumento semelhante. Isto o fiz pouco depois, sendo mínha base a teoria da refraqáo. Primeiro preparei um tubo de chumbo, a cujas extremidades ajustei duas lentes de vidro, ambas planas d'e um lado ao passo que do outro lado, uma era esférica­mente convexa e a outra cóncava. Colocan­do entáo meu ólho perto da lente cóncava per- cebi objetos satisfatóriamente grandes e pró­ximos, porque pareciam trés vézes mais perto e nove vézes maiores do que quando vistos a ólho nu. A seguir construí outro, mais aper- feicoado, que representava objetos aumenta­dos mais de sessenta vézes. Finalmente, sem poupar trabalho nem despesas, conseguí cons­truir para mim um instrumento táo excelente, que os objetos vistos por seu intermédio apa- reciam aproximadamente mil vézes maiores e mais de trinta vézes mais próximos do que quando olhados com a vista desarmada” .

Galileu náo foi o único observador a apontar o novo instrumento para os céus. É mesmo possível que dois observadores — Thomas Harriot na In­glaterra e Simón Marius na Alemanha ■— o tenham precedido. Mas parece haver geral acórdo em que o crédito por ter usado em primeiro lugar o teles­copio para fins astronómicos — pode ser dado a Galileu, pelo “ modo persistente pelo qual éle exami- nou objeto após objeto, sempre que parecía haver perspectiva razoável de posteriores resultados, pela energía e grandeza com que seguiu cada indica­d o , pela independéncia de espirito com que inter- preton suas observaqóes, e sobretudo pela penetra­

da

gao com que compreendeu sua importancia astro­nómica” . como disse Arthur Berry, historiador británico de Astronomía.

É impossível exagerar os efeitos das descobertas telescópicas sobre a vida de Galileu, táo profun­dos foram éles. Náo sómente é isto verdadeiro quanto á vida pessoal e ao raciocinio de Galileu, mas tamibém quanto á influéncia na historia do pensamento científico. Galileu tinha a experiéncia de contemplar os céus como élesi realmente sao, tal­vez pela primeira vez, e onde quer que olhasse en- contrava provas em apoio do sistema de Copérnico contra o de Ptolomeu, ou pelo menos provas que enfraqueciam a autoridade dos antigos. Essa des­truidora experiéncia — de observar as profundezas do universo, de ser o primeiro mortal a saber como é realmente o céu — formou uma impressáo táo profunda em Galileu, que sómente considerando os acontecimentos de 1609 ñas suas devidas proporgóes é que pederemos compreender a subseqüente dire- gáo de sua vida. E é só desta maneira que podemos compreender como surgiu aquela grande revolugáo na ciencia da Dinámica, que podemos com proprie- dade dizer que marca o comégo da Física Mo­derna.

Para ver como ocorreram ésses acontecimentos, voltemo-nos para a narrativa feita por Galileu, das suas descobertas, num livro que éle denominou Sidereus Nuncius, (O mensageiro das Estrélas, ou A Mensagem das Estrélas). Em seu subtítulo diz que o livro revela “ grandes, incomuns e notáveis espetáculos, abrindo-os á consideragáo de todos os homens e especialmente dos filósofos e astróno­mos” . Os fenómenos observados de maneira nova, declarava á página de título do livro, seriam en­contrados “ na superficie da Lúa, em inúmeras es­trélas fixas, em nebulosas, e sobretudo em quatro

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planétas em revoluqáo rápida próximo a Júpiter, a diferentes distancias e com diferentes períodos, e de ninguém conhecidos antes que o Autor recen- temente os descobrisse e decidisse que éles deve- riam ser chamados Estrélas Medicianas” .

A Paisagem da Lúa

Imediatamente após descrever a construgao e uso do telescopio, voltou-se Galileu para os resultados. Éle iría “ rever as observaqóes feitas durante os dois últimos meses, uma vez mais chamando a aten- qáo de todos os que estáo grandemente interessados pela verdadeira Filosofia, para os primeiros passos de táo importantes contemplares” .

O primeiro corpo celeste a ser estudado fóra a Lúa, o mais eminente objeto no céu (exceto o Sol), e o mais próximo de nós. As cruas gravuras em madeira que acompanham o texto de Galileu náo podem transmitir o sentimento de maravilha e deleite que éste novo quadro da Lúa despertou néle. A pai­sagem lunar, vista através do telescopio (Gravuras II e III) se nos apresenta como um mundo morto— um mundo sem cór, e até onde o ólho pode al­canzar, um mundo sem qualquer vida. Mas a carac­terística que ressalta mais claramente em fotografías, e assim impressionou Galileu em 1609, é o fato de que a superficie da Lúa parece uma paisagem que é uma espécie de fantasma da paisagem terrestre. Ninguém que olhe para essas fotografías, e nin­guém que olhe através de um telescopio, pode fu- gir ao sentimento de que a Lúa é uma Terra em miniatura, por mais morta que pareqa, e que há nela montanhas e vales, océanos e mares com ilhas. Até hoje nos referimos a essas regióes semelhan- tes a océanos, como “ mares” , embora sabendo, como Galileu posteriormente descobriu, que náo há nenhuma água na Lúa, e que aquéles mares náo sáo verdadeiros, de modo algum.

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As manchas da Lúa, apesar do que sobre elas se possa ter dito antes de 1609, foram fríamente vistas por Galileu sob uma luz nova e diferente (Gravu- ra IV ). Éle descobriu “ que a superficie náo é lisa, uniforme e precisamente esférica, como um grande número de filósofos acreditava, (assim como os outros corpos celestes), mas é desigual, áspera e cheia de cavidades e protuberancias, náo sendo di­ferente da face da Terra, com suas cadeias de mon- tanhas e vales profundos” . Como exemplo do estilo de Galileu, ao descrever a qualidade terrena da Lúa, leia-se o seguinte:

“ Também náo só se véem as regióes de sombra e luz desiguais e ondulaqóes, mas ain­da mais espantosamente, muitos pontos bri- lhantes aparecem dentro da porgáo escureci- da da Lúa, completamente distintos e sepa­rados da parte iluminada e a uma distáncia considerável desta. Depois de algum tempo, éles gradualmente aumentam em tamanho e brilho, e uma hora ou duas mais tarde se jun- tam com o resto da parte iluminada que tem entáo seu tamanho aumentado. Entretanto, surgem cada vez mais picos, como se brotas- sem, ora aqui, ora ali, iluminándo-se dentro da parte escura; éstes aumentam de tamanho, e finalmente éles também se unem áquela mesma superficie luminosa, que se alarga. E na Terra, ao nascer do Sol, náo sao os mais altos picos das montanhas iluminadas pelos raios solares enquanto as planicies ficam na sombra? Náo vai a luz se espraiando á me­dida que maiores partes dessas montanhas se tornam iluminadas? E quando o Sol fi­nalmente se elevou, nao se tornam finalmente iluminadas as colinas e planicies? Mas na Lúa, a variedade de elevaqóes e depressóes

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M N

M N

Fie. 16. A medida feita por Galileu, da altura de montanhas da Lúa, era simples mas convincente. O ponto N i . a fron- teira entre as porgóes iluminada e náo iluminada da Lúa. O ponto M é um ponto brilhante observado na regiáo de sombra; Galileu admitiu, corretamente, que o ponto M era um pico de montanha cuja base permanecía ensombrada pela curvatura da Lúa. Éle podia calcular a distáncia NM através do seu telescopio. Entáo, pelo teorema de Pitágoras, ___ 2 ____ 2 ____2CM — M N + CN ou, sendo R o raio e x a altura do pico,

_____ 2(R + x ) 2 = R2 + MN ou

— 2R 2 + 2Rx + .1-2 = R2 + MN ou

____ 2x 2 + 2Rx - M N = 0

o que resol ve fácilmente para x, a altura do pico.

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parece ultrapassar de muito a aspereza da superficie terrestre, como demonstraremos adiante” .

Náo só descreveu Galileu a aparéncia das monta- nhas na Lúa, mas também as mediu. É caracterís­tico de Galileu, como cientista da escola moderna, que logo que éle descobria qualquer espécie de fenó­meno, quería medi-lo. Está muito bem nos dizerem que o telescópico nos revela que há montanhas na Lúa, do mesmo modo que há montanhas na Terra. Mas quanto mais extraordinário e quanto mais con­vincente, dizerem-nos que há montanhas na Lúa e que tém exatamente a altura de quatro mil metros! A determinado da altura das montanhas existentes na Lúa, feita por Galileu, suportou o teste do tempo, e hoje concordamos com a sua estimativa da altura máxima. (Para os interessados, o método de Galileu para calcular a altura dessas montanhas en- contra-se na Fig. 16).

Para se ver a enorme diferenga que havia entre a descricáo realista da Lúa feita por Galileu, mui­to parecida com a descriólo que um aviador po­deria dar dá Terra vista do ar, e a opiniáo aceita na época, leiam-se as seguintes linhas da Divina Comédia, de Dante. Escrito no s¿culo X IV , ésse trabalho é geralmente considerado a suprema ex­pressáo da cultura medieval. Nesta parte do poe­ma, Dante chega á Lúa e discute certos aspectos déla com Beatriz, que lhe fala com “ voz divina” . É esta a idéia que tem da Lúa ésse viajante me­dieval do espago:

“ Pareceu-me que uma nuvem nos envolvia, brilhante, densa, firme e polida, como um dia­mante iluminado pelo Sol. A peróla eterna nos receben dentro de si mesma, como a água recebe um raio de Sol, sem se entreabrir” . ..

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Dante pergunta a Beatriz:“ Mas, diga-me o que sáo estas manchas

escuras sobre éste corpo, que 1 á em baixo, na Terra fazem o povo narrar a historia de Caim?

Ela sorriu ligeiramente e disse“ E se a opiniáo dos moríais náo fór corre-

ta e a chave dos sentidos náo descobre a solu- qáo, na realidade as lancas da especulaqáo náo devem mais te ferir, pois mesmo quando os sentidos constituem a principal viga de apoio, tu vés que a razáo tem asas demasiado cur­tas. . . ”

Dante havia escrito que os sentidos humanos o enganavam, que a Lúa é realmente perfeita e eter­na e absolutamente esférica e homogénea. Náo se deve confiar na razáo, acreditava éle, já que a mente humana náo é inteiramente capaz de compre- ender os mistérios do Cosmos. Galileu, por outro lado, confiara na revelaqáo dos sentidos aumenta­da pelo telescopio, e concluiu:

“ Assim, se alguém desejasse reviver a velha opiniáo de Pitágoras, de que a Lúa é como uma outra Terra, sua parte mais brilhante po­deria muito adequadamente representar a su­perficie das térras e sua regiáo mais escura a da água. Eu nunca duvidei de que, se nosso globo fósse visto de longe, quando banhado pelo Sol, as regióes cobertas de térra apa- receriam mais brilhantes e as regióes cobertas de água mais escuras... ”

Deixando de lado a afirmaqáo a respeito da água, que Galileu corrigiu mais tarde, o que é importante nesta conclusáo é que Galileu viu que a superficie da Lúa fornecia a prova de que a Terra náo é única.

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Como a Lúa se assemelha á Terra, éle tinha demons­trado que pelo menos o mais próximo corpo celeste náo goza daquela perfeigáo atribuida a todos os cor- pos celestes pelas autoridades clássicas. Galileu náo féz disto uma referéncia de passagem; voltou á idéia mais tarde em livro, quando comparou uma ponjáo da Lúa a uma regiáo específica da Terra: “ No cen­tro da Lúa há uma cavidade maior que todas as ou­tras e de forma perfeitamente redonda... Quanto ao que diz respeito aos contrastes de luz e sombra, oferece o mesmo aspecto que uma regiáo como a Boémia, se fósse cercada por todos os lados por montanhas muito elevadas, dispostas perfeitamente em círculo.”O Brilho da Terra

Neste ponto, Galileu apresenta uma descoberta mais espantosa: o brilho da Terra. Éste fenómeno pode ser visto na fotografía reproduzida na Gra- vura V. Da fotografía resulta claramente, como se vé, quando a Lúa é examinada através de um te­lescopio, que existe o que Galileu chamou uma ilu­minado “ secundária” da superficie escura da Lúa, a qual, pode-se demonstrar geométricamente, con­cordar, de modo perfeito, com a luz do Sol refle- tida pela Terra ñas regioes escura^ da Lúa. Náo pode ser luz própria da Lúa, ou uma contribuido de luz de alguma estréla porque nesse caso ela se mostraría durante os eclipses, o que náo se verifica. Nem pode ela vir de Vénus ou de outra fonte planetária. Quanto ao fato de ser a Lúa iluminada pela Terra, pergunta Galileu: “ Que há nisto de táo notável? A Terra, em troca leal e grata, retri­buí á Lúa uma iluminado semelhante á que recebe déla, através de quase toda a mais negra escuridáo da noite” .

Aqui termina Galileu sua descrido da Lúa. O assunto, disse aos seus leitores, éle o discutiría mais

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completamente no seu livro sobre o Sistema do Mundo. “ Nesse livro” , disse éle, “ por uma multi- dáo de argumentos e experiéncias, a reflexáo solar da Terra será mostrada como inteiramente real — contra aquéles que argumentam que a Terra deve ser excluida do turbilháo danzante das estrélas (ou corpos celestes) pela razáo específica de que é isenta de luz e movimento. Provaremos que a Terra é um corpo errante, excedendo a Lúa em esplendor, e náo o depósito de todo o estúpido refugo do universo; isto sustentaremos por uma infinidade de argumentos, tirados da Natureza” . Éste foi o pri­meiro anúncio feito por Galileu, de que éle estava escrevendo um livro sobre o sistema do mundo, trabalho adiado por muito anos e que — quando por fim publicado — resultou no processo de Gali­leu diante da Inquisiqáo Romana.

Mas observemos o que Galileu provou até agora. Mostrou que os antigos estavam errados ñas suas descriqóes da Lúa; a Lúa náo é o corpo perfeito que éles pintaram, mas se assemelha á Terra; que esta, portanto, náo se pode dizer que seja única, e por conseguinte, diferente de todos os objetos ce­lestes. E se isto náo fósse suficiente, os seus es- tudos da Lúa tinham mostrado que a Terra brilha. Náo era mais válido dizer que a Terra náo é um objeto brilhante como os planétas. E se a Terra brilha exatamente como o faz a Lúa, talvez pos- sam também os planétas brilhar da mesmíssima ma­neira, refletindo a luz do Sol! Devemos nos lem- brar que em 1609 era ainda questáo náo decidida se os planétas brilham por luz interna, como o Sol e as estrélas, ou por luz refletida, como a Lúa! Como veremos dentro em pouco, foi uma das maiores descobertas de Galileu, provar que os pla­nétas brilham por luz refletida, e que circundam o Sol em suas órbitas.

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Antes de nos voltarmos para tal assunto, va­mos expor abreviadamente algumas outras des­cobertas de Galileu. Quando olhava para as estré­las fixas, descobriu que elas, como os planétas, “ parecem náo ser aumentadas pelo telescopio, na mesma proporqáo em que éle amplia outros corpos e mesmo a própria Lúa” . Além disso, Galileu chamou atencáo para “ as diferencas entre a aparén- cia dos planétas e das estrélas fixas” no telescopio. “ Os planétas mostram seus globos perfeitamente redondos e bem definidos, parecendo pequeñas lúas, esféricas e iluminadas; as estrélas fixas nunca sao vistas limitadas por uma periferia circular, e sim pelo aspecto de chamas cujos raios vibram e cintilam consideravelmente. Aqui estava a base de uma das grandes respostas de Galileu aos detratores de Copérnico. Manifestamente, as estrélas devem es­tar a enormes distancias da Terra, comparadas com os planétas, uma vez que um telescopio pode au­mentar os planétas e fazé-los parecer discos, mas náo pode fazer o mesmo com as estrélas fixas.

Galileu narrou como éle “ ficou estupefacto pela vasta quantidade de estrélas” , tantas, que éle achou “ mais de quinhentas estrélas novas distribuidas en­tre as velhas dentro dos limites cfé um ou dois graus do arco” . As trés estrélas plenamente conhe- cidas no cinturáo de Órion e seis na espada (Fig. 17), éle acrescentou “ oitenta estrélas vizinhas” . Em varios desenhos apresentou os resultados de suas observagóes com grande número de estrélas, des­cobertas por entre as velhas. Embora Galileu náo declare explícitamente éste ponto, está implícito que difícilmente se pode ter fé nos antigos, já que éles nunca viram a maioria das estrélas, e falavam baseados em provas que náo mais se sustentavam. Uma fraqueza da observaqáo a ólho nu foi ex-

Abundancia de Estrélas

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F ig . 17. O cinturáo e a espada de Órion, vistos através do telescápio de Galileu demonstraran» a existencia de mais oitenta estrélas (pelo menos) do que podia ser discernido a ólho nu.

posta por Galileu em termos de “ a natureza e o material da Via Látea” . Com o auxilio do te­lescopio, escreveu éle, “ a via Látea foi vasculhada táo diretamente e com tal grau de confianza que todas as disputas que tém preocupado os filósofos através de tantas épocas foram resolvidas, e esta­mos por fim livres de debates oráis a seu respei-

to” . Vista através do telescopio, a Via Látea “ nada mais é que uma reuniáo de inumeráveis es­trélas enfeixadas em grupos. Para qualquer parte déla que se dirija o telescopio, uma vasta multidáo de estrélas imediatamente se apresenta á vista” . E isto era verdade náo sómente quanto á Via Látea, ñas também quanto “ ás estrélas que tém sido cha­madas ‘nebulosas’ por vários astrónomos até o pre­sente” , e que “ mostram ser grupos de estrélas muito pequeñas, dispostas de maneira máravilho- sa” . Agora, vamos ás grandes novas:

“ Já resumimos as observaqóes feitas até aqui, relativamente á Lúa, ás estrélas fixas e á Via Látea. Resta a matéria que em minha opiniáo merece ser considerada a mais impor­tante de todas, a descoberta de quatro PLA­NÉTAS nunca vistos desde a criagáo do mun­do até o nosso tempo, juntamente com o fato de eu ter descoberto e estudado suas disposi- qoes, e as observares feitas de seus movimen­tos e alterares durante os dois últimos meses. Convido todos os astrónomos a que se dedi- quem a examiná-Ios e determinar seus perío­dos, coisa que até o presente foi iwteiramente impossível completar, devido ao curto lapso de tempo. Uma vez mais, contudo, previno que será necessário dispor de um telesco­pio bem construido, tal como descrevemos no inicio déste discurso” .

É interessante observar que Galileu chamou os novos objetos descobertos “ estrélas medicianas” em­bora pudéssemos chamá-las lúas ou satélites de Jú­piter. Devemos nos lembrar que, nos dias de Gali­leu, quase todos os corpos celestes eram chamados estrélas —■ térmo que podia incluir tanto estrélas fixas como planétas (ou estrélas errantes). Daí

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serení chamados estrélas os objetos recentemente descobertos, que eram “ errantes” , e portanto uma espécie de planétas. Grande parte do livro de Galileu é de fato dedicado as suas metódicas observagóes de Júpiter e das “ estrélas” próximas déle. Eram vistas algumas vézes a leste e algumas vézes a oeste de Júpiter, mas nunca muito longe do planéta. Acompanhavam Júpiter em “ ambos os seus movi­mentos, retrógado e direto, de maneira constante” , sendo portanto evidente que estavam de algum modo ligadas a éle.

Júpiter como Evidencia

As primeiras hipóteses, de que estas pode- riam ser simplesmente algumas novas estrélas, pró­ximo as quais se via Júpiter, foram afastadas quando Galileu observou que ésses objetos recentemente descobertos continuavam a mover-se juntamente com Júpiter. Foi também possível a Galileu mostrar que os tamanhos de suas respectivas órbitas ao redor de Júpiter eram diferentes e que da mesma forma os períodos eram diferentes. Deixemos Ga­lileu apresentar com suas próprias palavras as con­clusóes que tirou dessas observares:

sfS‘ Temos aquí um belo e elegante argumento para tirar as dúvidas dos que, embora aceitan­do com a mente tranquila as revoluqóes dos pla­nétas em torno do Sol, no sistema de Copérni­co, ficam grandemente perturbados em ter só- mente a Lúa a mover-se ao redor da Terra e a acompanhá-la numa rotaqáo anual ao redor do Sol. Acreditaram alguns que esta estrutura do universo deveria ser rejeitada como impossível. Mas agora náo temos só um planéta girando ao redor de outro, enquanto ambos percorrem uma grande órbita ao redor do Sol; nossos

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próprios olhos nos mostram quatro estrélas que viajam ao redor de Júpiter como o faz a Lúa ao redor da Terra, enquanto todos jun­tos tragara uma grande revolugáo ao redor do Sol no espago de doze anos” .

Júpiter,, modélo em pequeña escala de todo o sistema de Copérnico, no qual quatro pequeños objetos se movem ao redor do planéta, exatamente como os planétas se movem ao redor do Sol brilhan- te, dava resposta a uma das maior es objegóes ao sistema de Copérnico. Neste ponto, Galileu náo podia explicar como era que Júpiter podia mover-se em sua órbita sem perder os quatro acompanhan- tes que o circundam, como também nunca seria capaz de explicar como podia a Terra mover-se através do espago sem perder a própria Lúa que a circunda. Mas, soubesse éle ou náo a razáo, era perfeitamente claro que em qualquer sistema do mundo que ainda tivesse de ser concebido, Júpiter teria de'ser considerado movendo-se em uma órbita, e, se éle assim podia fazer e náo perder suas quatro lúas, por que náo podia se mover a Terra sem perder uma só lúa? Mais ainda, se Jú­piter tem quatro lúas, é difícil considerar a Terra com a sua única lúa, como um objeto singular, único nos céus.

Embora o livro de Galileu termine com a descri- gáo dos satélites de Júpiter, será conveniente, antes de explorarmos as conseqüéncias da sua pesquisa, discutir trés outras descobertas astronómicas, feitas por Galileu com o seu telescopio.

A primeira foi a descoberta de que Vénus apre- senta fases. Por muitas razóes Galileu exultou com essa descoberta. Em primeiro lugar, isto prova que Vénus brilha por luz refletida, e náo por luz própria; isto significa que Vénus é como a Lúa

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quanto a ésse fato, e também como a Terra (a qual Galileu tinha anteriormente mostrado brilhar por luz refletida do Sol). Aqui havia outro ponto de seme- melhanqa entre os planétas e a Terra, outro enfra- quecimento da antiga barreira filosófica entre a Ter­ra e os corpos celestes. Mais ainda, como podemos ver na Fig. 18A, se Vénus se move numa órbita ao

F ig. 18. As fases de Vénus, observadas pela primeira vez por Galileu, eram um poderoso argumento contra a antiga Astronomía. Em (A ) podemos ver como a existéncia de fases está de acórdo com o sistema de Copérnico, e como a mudanza do diámetro aparente de Vénus ajpóia o conceito de ter o planéta uma órbita solar. Em (B ) vemos porque o fenómeno seria -impossível no sistema de Ptolomeu.

o'rbitd de Venus

©órbita do Sol

G kavura IT. Uma paisagem seraelhante a da Terra, porém morta, foi o que impressionou Galileu na primeira vez que éle dirigiu seu telescopio para a Lúa.

G r a v u r a IIr. Galileu foi o primeiro a ver as crateras da Lúa. Suas observares destruiram a crenga antiga de que a Lúa era lisa e perleramente esférica.

G k a u r a I V Lcsenho da Lúa, feito pelo próprio Galileu e aqu, repronuzido de cabega p:'.ra baixo, de acórdo com a l- < ica ex mostiar iotografias astronómicas. As cámaras telescópicas captam unía figura invertida.

redor do Sol, náo só Venus passará por um ciclo completo de fases mas, sob constante aumento, as diferentes fases pareceráo ser de diferentes tama- nhos, por causa da mudanza na distáncia entre Ve­nus e a Terra. Por exemplo, quando Venus está numa posigao em que podemos ver um disco com­pleto ou quase completo, correspondente á Lúa Cheia, o planéta está no lado oposto á Terra na sua órbita ao redor do Sol, ou seja, é visto na sua maior distáncia á Terra. Quando Vénus exibe um semicírculo iluminado, corresponde á Lúa Min- guante, e náo está táo longe da Terra. Finalmente, quando mal vemos um desmaiado crescente, deve estar Vénus no ponto mais próximo da Terra. Por conseguinte, deveríamos esperar que, quando Vénus mostrasse um pálido crescente, deveria parecer mui­to grande; quando Vénus mostrasse a aparéncia da Lúa miguante, deveria ter tamanho moderado; quan­do víssemos todo o disco, Vénus deveria estar muito pequeño.

Segundo o sistema de Ptolomeu, Vénus (como Mercurio) nunca deveria ser visto longe do Sol, e por conseguinte deveria ser observado sómente como estréla matutina ou estréla vespertina^ perto do lu­gar onde o Sol nasce ou se póe. O centro do epici­clo da órbita estaría permanentemente alinhado com o centro da Terra e o centro do Sol e se movería ao redor da Terra com o período de um ano, exata­mente como o Sol. Mas é perfeitamente claro, como se pode ver na Fig. 18B, que nesse caso nós nunca poderíamos ver a completa seqüéncia de fa­ses que Galileu observou — e que podemos obser­var. Por exemplo, a possibilidade de ver Vénus como um disco surge sómente se Vénus está mais afastado da Terra do que do Sol, o que nunca pode acontecer de acórdo com os principios do sistema de Ptolomeu.

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Náo precisamos falar muito de duas outras des­bertas de Galileu, porque tiveram menos importan­cia que as anteriores. A primeira foi a descoberta de que Saturno as vézes parecía ter um par de “ orelhas” , e que essas “ orelhas” de vez em quando mudavam de forma e mesmo desapareciam. Galileu nunca pode explicar essa estranha aparéncia, por­que o seu telescopio náo tinha poder de resolugáo para estudar os anéis de Saturno. Mas pelo menos tinha provas para demonstrar qüáo erróneo era fa­lar de planetas como corpos celestes perfeitos, quan­do podiam ter formas táo estranhas. Uma de suas observagóes mais interessantes foi a das manchas do Sol, descritas num livro que tinha como título Historia e Demonstragoes Relativas as Manchas do Sol e seus Fenómenos (1613). Náo só o apareci- mento dessas manchas provava que o Sol náo era o corpo celeste perfeito descrito pelos antigos, como Galileu pode mostrar que pelas observagóes dessas manchas podia-se provar a rotagáo do Sol e mesmo calcular a velocidade com que éle gira em torno do seu eixo. Embora o fato de que o Sol gira em torno do seu eixo se tornasse extremamente impor­tante na própria Mecánica de Galileu, náo implica- va, como éle parece ter acreditado, que deve seguir­se daí a revolugáo anual da Terra ao redor do Sol.

Um Novo MundoComo se pode imaginar, a agitagáo causada por

essas novas descobertas se comunicava de pessoa a pessoa e espalhou a fama de Galileu. Chamar os satélites de Júpiter “ estrélas medicianas” , te ve o desejado efeito de obter para Galileu o posto de matemático do Gráo-Duque Cosmo, da Casa dos Médicis, e lhe permitiu voltar a Florenga, sua térra natal. A descoberta de novos planétas foi saudada como a descoberta de um novo mundo, e Galileu

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aclamado como um novo Colombo. Náo sómente cientistas e filósofos se excitaram com as novas descobertas, mas todos os homens de saber e inteli­gencia, poetas, cortesáos e pintores, reagiram do mesmo modo. Um quadro do artista Cigoli, para uma capela em Roma, teve como tema as descober­tas telescópicas de Galileu, referentes á Lúa. Num poema de Johannes Faber, recebe Galileu éste elo­gio:

“ Ceda Vespúcio, e que Colombo ceda.[Qualquer um destes, é verdade,

Tragou o seu caminho através do mar[desconhecido. . .

Mas tu, Galileu, sozinho deste a raga humana [a seqüéncia das estrélas,

Novas constelagoes do céu” .

Um poema, em louvor as descobertas de Galileu foi escrito por Mafeo, Cardeal Barberini, que mais tarde — como Papa Urbano VIII — ordenou que Galileu fósse julgado pela Inquisiqáo; dizia a Ga­lileu que se propunha “ aumentar o tpilho das mi- nhas poesías, associando-as ao seu nome” . Ben Johnson escreveu uma máscara* em verso, tratando das descobertas de Galileu, e chatnou-a Newes from the New World — náo o novo mundo das Américas, mas os céus trazidos para perto pelo telescopio de Galileu. Para se ter idéia da maneira pela qual esta noticia era espalhada, leia-se o seguinte extrato de uma carta, escrita no dia em que o Sidereus Nuncius de Galileu apareceu em Veneza a 13 de margo de 1610, por Sir Henry Wotton, eiribaixador inglés em Veneza:

(*) Representado teatral muito apreciada na córte inglesa, em fins do sécalo"XVI e comégo do século XVII. (N. T.)

“ Agora, com referencia. as ocorréncias atuais, mando incluso a Sua Majestade a mais estranha noticia (como posso chamá-la com justeza) que jamais recebeu de qualquer parte do mundo; é o livro anexo (que saiu neste mesmo dia) do Professor de Matemática de Pádua, o qual, com ajuda de um instrumento ótico (que náo só aumenta como aproxima o objeto) primeiro inventado em Flandres, e aperfeigoado por éle próprio, descobriu qua­tro novos planétas, rodando perto da esfera de Júpiter, além de muitas outras estrélas fixas; do mesmo modo, a verdadeira causa da Via Latea há tanto tempo procurada; e em último lugar, que a Lúa náo é esférica, mas dotada de muitas protuberancias, e o mais estranho de tudo, iluminada pela luz solar, por meio de reflexáo na Terra, como éle parece dizer. Com isso éle derrubou inicialmente toda a Astrono- mia anterior — porque devemos ter uma nova teoria para salvar as aparéncias — e em segui­da a Astrologia. Em virtude da descoberta désses novos planétas, o nosso conceito do uni­verso deve sofrer modificagóes, e por que náo prever mais modificagóes ainda? Sobre estas coisas ousei assim expor a V. Exa., pois aqui todos os cantos estáo cheios délas. E o autor correu o risco de se tornar extremamente fa­moso ou extremamente ridículo. Pelo pró­ximo navio V. Exa. de mim receberá um dos instrumentos acima citados, tal como é, me- lhorado por ésse homem” .

Quando Kepler escreveu sobre as descobertas de Galileu no prefácio da sua Dióptrica, éle mais pa­recía um poeta do que um dentista: “ E agora, caro leitor, que faremos do nosso telescopio? Faremos um caduceu para com éle atravessar o líquido éter

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e, como Luciano, conduzir uma colonia á desabitada estréla vespertina, atraídos pela depura do lugar? Ou o faremos uma seta de Cupido, que entrándo­nos pelos olhos, transpasse nossa mente mais pro­funda, e nos incendeie com o amor de V énus?... Enlevado, escreveu Kepler: “ O telescopio, instru­mento de múltiplas utilidades, mais precioso que qualquer outro! Náo se torna reí e senhor dos trabalhos de Deus aquéle que o tem ñas máos?”

Em 1615, James Stephens podía chamar sua amante “ meu óculo de perspectivas, através do qual vejo a vaidade do mundo” . E André Marvell es­creveu a respeito da descoberta das manchas sola­res por Galileu:

E assim, sua intrépida luneta o homem ao Sol dirigiu.E manchas desconhecidas das próprias estrélas luminosas descreveu;Embora parecendo atormentá-lo quando " próximas“ o fascinam...Embora parecendo suas escravas Sao, na realidade, sua obsessao.Através do seu telescopio parecm-lhe ouvir o planéta e, desde entáo, a éle associou \sua carreira.

John Milton estava bem a par das descobertas de Galileu. Milton, cujas opinióes sobre o epiciclo foram citadas no Cap. 3, afirmou que, quando es- tivera na Italia, “ encontrou e visitou o famoso Galileu, envelhecido prisioneiro da Inquisigáo” . No seu “ Paraíso Perdido” , mais de uma vez se refere ao “ óculo de Galileu” , ou ao “ vidro óptico” , do “ artista toscano” , e ás descobertas feitas com o instrumento. Escrevendo sobre a Lúa, em térmos de outros fenómenos descobertos por Galileu, Mil­ton se referiu ás “ novas térras, ríos ou montanhas

o?

no seu globo manchado” ; e a descoberta dos saté­lites de Júpiter sugeriu que outros planétas podiam também ter seus satélites “ . . . e outros sois, talvez com suas respectivas lúas, tu has de descrever.” Mas, a par de referencias específicas ás descobertas astronómicas de Galileu, o que principalmente im- pressionou Milton foi a vastidáo do universo e as estrélas inumeráveis descritas por Galileu:

.. .estrelasNumerosas, e talvez cada estrila um mundoDestinado a ser habitado.

Isto trazia o apavorante pensamento a respeito da imensidao do espado, e o fato de que a Terra em movimento, um ínfimo ponto nesse espago, sem lu­gar fixo, estava perdida.

Dentro de alguns anos, a partir da publicaqáo do livro de Galileu, uma sensível reacáo apareceu em relagáo a éle nos trabalhos do poeta John Donne. As pesquisas e descobertas de Galileu afloram repetidamente nos escritos de Donne, e em particular The Sidereal Messenger é objeto de discussáo num trabalho intitulado Ignatius His Conclave, no qual Galileu é descrito como “ aquéle que há pouco intimou o outro mundo, as estrélas, a vir para perto déle para que éle as descrevesse” . Posteriormente, Donne se refere a “ Galileu, o florentino, . . . que nestes tempos tinha-se instruido inteiramente sobre todas as colinas, bosques e cida- des do novo mundo, a Lúa. E tanto conseguiu com seus primeiros óculos, e viu a Lúa táo próxima, que a si mesmo deu conhecimento de todas, e das menores partes déla, quando agora, tendo atingido mais perfeiqáo em sua Arte, construiu novos óculos, e . . . pode éle trazer a Lúa, como um navio flu- tuando sobre a agua, táo perto da Terra quanto queira.”

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Antes de 1609 o sistema de Copérnico parecia aos homens mera especulagáo matemática, proposta feita para “ explicar as aparéncias” . A suposigáo básica de que a Terra era “ simplesmente um outro planéta” , tinha sido táo contrária a tudo quanto ditava a experiéncia e o senso domum, que muito poucos homens tinham encarado de frente as apavorantes conseqüéncias do sistema héliostático. Mas, depois de 1609, quando os homens descobri- ram, através dos olhos de Galileu, como era o uni­verso, tiveram de aceitar o fato de que o telescopio mostrava que o mundo era náo-potolomaico e náo- aristotélico, pois que a posigáo única atribuida á Terra (e a Física baseada nessa suposta singulari- dade) náo se ajustava aos fatos. Só se abriam duas possibilidades: uma era recusar olhar através do telescopio ou recusar aceitar o que se via quando alguém o fazia; outra, era rejeitar a Física de Aris­tóteles e a Astronomía de Ptolomeu.

Neste livro nos preocupamos mais com a rej ei<;.áo da Física aristotélica do que com a rejeiqao da Astronomía de Ptolomeu, exceto quanto ao fato de que uma se foi com a outra. A Física aristotélica, como vimos, baseava-se em dois postulados que náo puderam resistir aos argumentos de Copérnico: um era a imobilidade da Terra; outro era a distinqáo entre a Física dos quatro elementos terrestres e a Física do quinto elemento, o celeste, Podemos assim entender que, depois de 1610, tornou-se cada vez mais claro que a Velha Física tinha de ser abando­nada a uma Nova Física estabelecida — uma Fí­sica que se ajustasse á Terra em movimento, reque­rida no sistema de Copérnico.*

(*) As observares de Galileu sobre as fases e tamanhos relati­vos de Vénus e da fase aparente de Marte, provaram que Vénus, e presumivelmente os outros planétas, se movera em órbitas ao redor do Sol. Náo há nenhunia observagáo planetária pela qual nós na Terra possamos provar que ela está se movenda numa órbita ao redor do

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^Para muitos homens de pensamento ñas décadas que se seguiram as observares de Galileu com o telescopio, a preocupadlo náo era tanto quanto á necessidade de um novo sistema de Física, como quanto a um novo sistema do mundo. Tinha desa­parecido para sempre o conceito de que a Terra ocupava um ponto fixo no centro do universo; em vez disso, ela passou a ser concebida como estando em movimento, náo se encontrando nunca no mesmo lugar em quaisquer dois instantes ¡mediatamente sucessivos. Também desaparecera o confortável pensamento de que a Terra era um objeto á parte, de que ela era um corpo único sem nenhuma seme- lhanga com parte alguma do universo, que a singu- laridade do homem tinha dado singularidade á sua habitagáo. Havia outros problemas que logo surgi- ram, dos quais um é o tamanho do universo. Para os antigos, o universo era finito, sendo cada uma das esferas celestes, inclusive a das estrélas fixas, de um tamanho finito, e movendo-se no seu diutur- no movimento, de tal modo que cada uma de suas partes tinha uma velocidade finita. Se as estrélas estivessem a uma distáncia infinita, náo se pode- riam mover com um movimento circular diário ao redor da Terra, com uma velocidade finita, porque a trajetória de um objeto a uma distáncia infinita deve ser infinitamente longa, e o tempo que levaría para mover-se numa distáncia infinita é infinito. Por conseguinte, no sistema geostático, as estrélas fixas náo podiam estar infinitamente separadas. Mas

Sol. Assim, todas as descobertas de Galileu com o telescopio podem-se acomodar ao sistema inventado por Tycho Brahe pouco antes que Galileu comegasse suas observares do céu. Nesse sistema de Tycho Brahe, os planétas Mercurio, Venus, Marte, Júpiter c Saturno, movem-se em órbitas ao redor do Sol, ao passo que o Sol circula numa órbita ao redor da Terra em um ano. Além disso, a rotagao diária dos céus é comunicada ao Sol e aos planétas, de maneira que a própria Terra nem gira nem faz uma revoluto numa órbita. O sistema de Tycho Brahe agradava aos que procuravam salvar a imobilidade da Terra, embora aceitando algumas inova^oes introdu- zidas por Copérnico.

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no sistema de Copérnico, as estrélas fixas nao eram só fixas urnas relativamente ás outras, mas eram realmente consideradas fixas no espago, e náo ha- via limitagao para as suas distancias.

Nem todos os adeptos da teoria de Copérnico consideravam o universo infinito, e o próprio Co­pérnico considerava, de certo, o universo finito, como o féz Galileu. Mas outros viram as des­cobertas de Galileu como indicadoras da presen­ta de inumeráveis estrélas a distancias infinitas, e a própria Terra reduzida ao ¡tamanho de um “ ponto” . Em nenhum lugar pode-se ver rnelhor o esfacelamento déste pequeño mundo do homem, e o que se chamou “ a compreensáo de quáo insignifi­cante parte éste mundo representa num universo aumentado e engrandecido” — do que nestas linhas de um pastor e poeta, John Donne:

E a nova Filosofia deixa tudo em dúvida,O elemento fogo é súbitamente arrancado O Sol perdido, e a Terra, e ninguém sabe Como bem dirigir-se, onde encontrá-los.E os homens livremente confessam

esta ruina do mundo

Quando nos Planétas e FirmamentoÉles investigam tantas coisas novas; e véemTudo se desintegrando novamente em seus

[Atomos.Todos os conceitos e toda a coeréncia caem, se esvaem;Todos nós justamente suplicamos, e toda a

[Criagño.

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C a p ít u l o 5

CAM INHANDO PARA UM A FÍSICA INERCIAL

Depois da segunda década do sáculo XVII, a realidade do sistema de Copérnico já náo era es­peculado ociosa. O próprio Copérnico, compre- endendo a natureza de seus argumentos, tinha afirmado de modo inteiramente explícito, no pre­facio de Sobre as Revolugoes das Esferas Celestes, que “ a Matemática é para os matemáticos” . Outro prefácio, náo assinado, deu énfase ao desmentido. Inserido no livro por Osiander, clérigo alemáo, a cujas máos a impressáo fóra confiada, dizia o segundo prefácio que o sistema de Copérnico náo foi apresentado para abrir polémica sobre o falso ou verdadeiro mas era simplemente um processo de cálculo. Tudo isto estava muito bem, até que Galileu fez suas descobertas com o telescopio; tor- nou-se entáo premente resolver os problemas da Física de uma Terra em movimento. Galileu dedi- cou a tal fim porqáo considerável de sua energía intelectual e com fecundo resultado, porque lanqou os alicerces científicos da moderna Dinámica. Tentou resolver dois problemas distintos: primeiro, levar em conta o comportamento de corpos caindo sobre uma Terra em movimento aparentemente como se a Terra estivesse em repouso e, em segundo lugar, estabelecer novos principios gerais para o movimento dos corpos que caern.

Comecemos por um problema particular: o do movimento retilíneo uniforme. Por isto se entende o movimento cuja trajetória é uma linha reta, de tal modo que quaisquer que sejam dois intervalos iguais de tempo que consideremos, a distáncia per- corrida nesses dois intervalos é sempre a mesma. É esta a definiqáo que Galileu deu ao seu último e talvez maior livro, Discurso e Demonstragoes Con- cernentes a Duas Novas Ciencias, publicado em 1638, após seu julgamento e condenado pela Inqui- siqáo Romana. Nesse livro, Galileu apresentou suas opinióes mais amadurecidas sobre a Dinámica, isto é, a relaqáo entre a fórqa e o movimento por ela pro- duzido. Frisou éle, particularmente, o fato de que, ao definir o movimento uniforme, é importante a in- clusáo da palavra “ qualquer” , porque, de outro modo, disse éle, a definiqáo náo teria sentido. Nisso estava certamente criticando alguns dos seus con­temporáneos e predecessores, e merecidamente.

Suponhamos que haja tal movimento na Nature- za; podemos perguntar com Galileu, que experién- cias poderíamos imaginar para demonstrar a sua natureza? Se estivermos num navia ou carro que se move uniformemente em linha reta, o que real­mente acontecerá a um corpo que se deixe cair livremente? A resposta, a experiéncia o provará; é que, em tais circunstáncias, a queda será em linha reta para baixo, em relaqáo ao sistema de referen­cia (digamos a cabina de um navio, ou o interior de um vagáo), e assim será, quer ésse sistema de referéncia esteja imóvel, relativamente ao meio exterior, quer se mova para a frente em linha reta, com uma velocidade constante. Em outras palavras, podemos estabelecer a conclusáo geral de que nenhuma experiéncia poderá ser realizada dentro

O Movimento Retilíneo Uniforme

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de um quarto fechado que se mova em linha reta com uma velocidade constante, que lhe permita con­cluir se vocé está em repouso ou em movimento. Na experiencia real, podemos distinguir freqüente- mente se estámos imóveis ou em movimento, porque podemos ver através de uma janela se há qualquer movimento relativo entre nós e a Terra. Se o quarto náo estiver herméticamente fechado, pode­mos sentir o ar se movimentando e produzindo vento. Ou podemos sentir a vibragáo do movimento ou ou- vir as rodas girando num carro, automóvel ou vagáo de estrada de ferro. Uma especie de relatividade está aqui envolvida, e isto foi afirmado muito cla­ramente por Copérnico, porque era essencial para o seu argumento estabelecer que, quando dois obje­tos, tais como o Sol e a Terra se movem um relativamente ao outro, é impossível distinguir qual o que está em repouso e qual o que está em movi­mento. Copérnico podia apontar o exemplo de dois navios no porto, um afastando-se do outro. Um homem num navio pergunta qual dos dois, se isto acontece a algum déles, está ancorado e qual se move para fora com a maré? O único meio de distinguir é observar a térra ou um terceiro navio ancorado. Em térmos atuais poderíamos usar para éste exem­plo dois trens de ferro em trilhos paralelos, dirigi­dos em sentidos opostos. Todos nós já tivemos a experiencia de olhar para um trem na linha adya­cente e pensar que estamos em movimento, e sómente quando o outro trem deixa a estagáo, veri­ficamos que estivemos todo o tempo em repouso,

Uma Chaminé de Locomotiva e um Navio em Movimento.

Antes de prosseguirmos na discussáo déste ponto, uma experiéncia se faz necessária. Esta demons-

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traqáo se utiliza de um trem de brinquedo, viajando ao longo de uma linha reta, num movimento que mui­to de perto se aproxima de um movimento uniforme. A chaminé da locomotiva contém um pequeño canháo, acionado por uma mola, de tal ruaneira cons­truido, que pode disparar verticalmente no ar uma bola de aqo ou de gude. Quando o caminháo está carregado e a mola preparada, um dispositivo situado sob a locomotiva atua sobre um pequeño gatilho. * Na primeira parte da experiéncia o trem permanece parado na linha. A mola é preparada, a bola colocada no canháozinho e o mecanismo de libertaqáo ligado ao gatilho é acionado. Na Gravura V I-A uma cena de sucessivas fotografías estro- boscópicas nos mostra a posiqáo da bola, a inter­valos de tempo constantes. Observe-se que ela viaja para cima em linha reta, atinge o máximo e cai em linha reta sobre a locomotiva, tocando-a quase no mesmo ponto de que foi disparada. Na segunda experiéncia, o trem é posto em movimento uniforme e a mola mais uma vez é libertada. A Gravura VI-B mostra o que acontece. Uma com­parado das duas figuras nos convencerá, radical­mente, de que as partes ascendente e descendente do movimento sao iguais nos dois casos, e sao independentes do fato de estar a locomotiva em repouso ou em movimento para a frente. Volta- remos a isto, mais adiante neste capítulo, mas no momento estamos diretamente interessados no fato de que a bola continuou a mover-se para a fren­te, com o trem, e de que caiu na locomotiva, exatamente como o féz quando o trem estava em repouso. Logo, esta experiéncia, pelo menos no que diz respeito a saber se a bola volta ou náo ao canháo, nunca nos revelará se o trem está em re­pouso, ou em movimento em linha reta e com velo­cidade constante.

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Mesmo aqueles que nao podem explicar esta expe­riéncia, podem tirár uma conclusáo importantíssima. A incapacidade, por parte de Galileu, de explicar como Júpiter podia mover-se, sem perder seus saté­lites náo destruía a sua relagáo como fenómeno com a resposta aos que perguntavam como a Terra podia mover-se sem perder a Lúa. Justamente como nossa experiéncia do trem — mesmo que fósse inexplicável — seria resposta suficiente contra o argumento de que a Terra deve estar em repouso, porque de outro modo uma bola que cai náo cairia verticalmente para tocar o chao num ponto exata­mente em baixo, e uma bala de canháo, disparada verticalmente para cima nunca voltaria ao canháo.

Devemos observar, e é éste um ponto importante ao qual voltaremos, que a experiéncia que acabamos de descrever náo está exatamente relacionada com a verdadeira situaqáo de uma Terra em movimento, porque na rotagáo diaria da Terra, cada ponto de sua superficie se move num círculo, e na sua órbita anual, a Terra descreve uma elipse gigantesca. É verdade entretanto, que, para uma experiéncia ordi­naria em que o movimento de queda ocupa usual­mente poucos segundos ou no máximo alguns mi­nutos, o movimento de qualquer ponto da Terra afasta-se táo pouco de uma linha reta, que podemos mesmo despresar ésse afastamento.

Galileu teria feito um sinal de aprovaqáo á nossa experiéncia. Em seus dias, as experiéncias eram discutidas, mas náo freqüentemente realizadas. O sistema de referéncia geralmente usado era um navio em movimento. Era éste um teste tra­dicional, introduzido por Galileu no seu famoso Diálogo Relativo aos Dois Principáis Sistemas do Universo, como meio de abalar as crenqas aristoté­

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licas. No decorrer da discussáo, Galileu diz "a Simplicio (personagem que, no Diálogo, representa o aristotélico tradicional),^ que, na sua opiniáo, um objeto deixado cair do mastro de um navio toca-lo-á um pouco atrás do mastro, ao longo do convés. *A primeira pergunta, admite Simplicio nunca ter rea­lizado a experiéncia, mas está convencido e o diz, que éle admite ter Aristóteles ou um dos aristoté­licos feito a experiéncia, senáo isto náo seria mencionadoji ■— Ah, náo, diz Galileu, isto é de certo uma suposiqao falsa, porque é claro que éles nunca realizaram a experiéncia. Como pode éle estar táo certo disso? pergunta Simplicio, e recebe como réplica: — A prova de que essa expe­riéncia nunca foi realizada consiste no fato de que foi obtida a resposta errada. Galileu deu a resposta certa. O objeto cairá ao pé do mastro, e o fará, esteja o navio em movimento ou em repouso. De passagem, Galileu afirmou em outra parte de sua obras haver realizado tal experiéncia, embora náo o diga em seu tratado. Diz, ao invés disso: “ Eu, sem observaqáo, sei que o resultado deve ser como digo, porque é necessário” .

Por que é que um objeto sólto do mastro de um navio parado, ou de um navio em njovimento reti­líneo uniforme cai no mesmo ponto? Para Galileu, náo era bastante que isto fósse assim; exigía algum principio, que seria básico numa espécie de Diná­mica que levasse em considerado os fenómenos observados numa Terra em movimento.

A Dinámica de Galileu

Nossa experiéncia com o trem de brinquedo, á qual de novo nos referiremos no último capítulo, ilustra trés aspectos principáis do trabalho de Gali­leu em Dinámica. Em primeiro lugar, há o princi­pio de inércia, com o qual se preocupou éle,

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mas que, como veremos no capítulo final, teve de aguardar o génio de Isaac Newton para a sua definitiva formulaqáo moderna. Em segundo lugar, as fotografías das distancias da descida da bola, após sucessivos intervalos de tempo iguais, ilustram os seus principios do movimento uniformemente ace­lerado. Finalmente, do fato de que a razáo da queda, durante o movimento para a frente é a mesma que a razáo da queda a partir do repouso, podemos ver um exemplo do famoso principio de Galileu, da composiqáo das velocidades.- Examinaremos ésses trés tópicos, considerando em primeiro lugar os estudos de Galileu sobre o movi­mento acelerado em geral; a seguir, seu trabalho relativo á inercia e, finalmente, sua análise dos movimentos complexos.

Ao estudar o problema da queda dos corpos, Galileu, sabemos, féz experiencias ñas quais deixou cair objetos de elevaqóes — e, nos dias de sua mo- cidade em Pisa — duma torre. Náo podemos dizer se esta foi a famosa Torre inclinada de Pisa, ou alguma outra; os assentamentos que féz nos dizem meramente que foi de uma torre. (Posteriormente, seu biógrafo Viviani, que conheceu Galileu nos seus últimos anos, contou uma historia fascinante, que desde entáo criou raízes como uma lenda sobre Galileu.

Segundo Viviani, Galileu, desejando refutar Aris­tóteles, subiu á Torre inclinada de Pisa, “ na pre- senqa de todos os outros professóres e filósofos e de todos os estudantes” , e, “ por experiéncias repe­tidas” provou “ que na velocidade de corpos em mo­vimento constituidos do mesmo material e de massas desiguais, movendo-se através do mesmo meio, os tempos de queda náo sáo inversamente proporcio- mais ás suas massas como afirmara Aristóteles, mas

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B 1 3 3 Üque eles se movetn com igual velocidade. . . Já que náo há documento escrito dessa demonstrado pública em nenhuma outra fonte, os estudiosos tendem a duvidar désse acontecimento, especialmen­te porque na sua habitual e repetida narrado, torna­se éle cada vez mais fantasioso. Se Viviani o inventou, ou se Galileu lho contou na velhice, sem realmente se lembrar do que tinha acontecido muitas décadas antes — náo o sabemos. Mas o im­portante é que os resultados náo concordam com os dados do próprio Galileu, porque, como menciona­mos em capítulo anterior, explicou Galileu muito cui­dadosamente que corpos de tamanhos desiguais náo atingem exatamente a mesma velocidade, alcanzandoo mais pesado dos dois a Terra, um pouco antes do mais leve.

Tal experiéncia, se realizada, só poderia ter o objetivo de provar o érro de Aristóteles. Nos dias de Galileu, provar que Aristóteles estava errado a respeito de uma coisa apenas náo era um grande fei- to. Pierre de la Ramée (ou Ramus), algumas déca­das antes, tornara-se conhecido por afirmar que tudo era anticientífico na Física de Aristóteles. As impre- cisóes na lei aristotélica do movimento tinham-se tornado evidentes pelo menos duratfte quatro sáculos, e durante ésse tempo um corpo considerável de crítica se tinha acumulado.

Embora vibrassem novo golpe em Aristóteles, as experiencias da Torre de Pisa ou outra qualquer, nao revelaram certamente a Galileu uma lei nova e correta sobre a queda dos corpos . Entretanto, a formulado da lei foi um dos seus grandes feitos.

Para apreciar totalmente a natureza das desco­bertas de Galileu devemos compreender a importan­cia do pensamento abstrato, da sua utilizado por Galileu como ferramenta, utilizado esta que, no

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estágio mais refinado, provou ser muito mais revo­lucionaria do que o próprio telescopio. Galileu mostrou como a abstracto se pode relacionar com 0 mundo da experiéncia; como, do pensamento soBre _“ a natureza das coisas” , pedemos deduzir leis relar cionadas com a observaqao direta. Para ver como éle féz isto, esbocemos os principáis estágios dos seus processos de pensamento como éle os descreveu para nós em Discursos e Demonstragoes Concernen- tes a Duas Novas Ciencias.

Diz Galileu:

“ Náo há talvez, na Natureza, nada mais ve- lho que o movimento, a cu jo respeito os livros escritos por filósofos náo tém sido poucos nem pequeños; náo obstante isso, eu desco- bri algumas propriedades déle, que valem a pena ser conhecidas, e que até aqui náo foram observadas nem demonstradas” .

Galileu reconheceu que também outros tinham observado que “ o movimento natural de um corpo pesado que cai é continuamente acelerado” . Mas, disse éle, fóra seu intento “ determinar como ocorre esta aceleraqáo” . Orgulhava-se de ser éle quem pela primeira vez tinha descoberto “ que as distancias percorridas durante intervalos de tempo iguais por um corpo que cai partindo do repouso, estáo entre si na mesma razáo que os núme­ros impares a partir da unidade. Demonstrou ain­da que “ objetos arremessados e projéteis” náo des- crevem simplesmente “ uma trajetória curva qual­quer” , mas que a trajetória é de fato uma parábola.

Em primeiro lugar, Galileu discute as leis do mo­vimento uniforme, em que a distáncia é proporcio-

^ nal ao tempo, sendo portanto constante a velocidade. Volta-se em seguida para o movimento acelerado.

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Considera como problema fundamental “ encontrar e explicar uma definido que melhor se ajuste aos fenómenos naturais” . Qualquer pessoa pode “ in­ventar um tipo arbitrário de movimento” , diz éle, mas sua ambi<jáo era “ considerar os fenóme­nos da queda dos corpos com uma aceleragáo tal como ocorre na Natureza e fazer essa definido apresentar aspectos essenciais dos movimentos acele­rados observados” . Galileu diz mais que, na investi­gado do movimento naturalmente acelerado, somos levados, como se fóssemos conduzidos pela máo, se- guindo o hábito e costumes da própria Natureza em todos os seus outros varios processos, a empregar só aquéles meios que sao mais comuns, simples e fáceis” . Estava Galileu invocando aqui um famoso principio, que na realidade é mais simples até queo de Aristóteles, principio segundo o qual a Natu­reza age sempre do modo mais simples possível, ou com um mínimo de esfór^o. Diz Galileu:

“ Quando... observo uma pedra, inicial­mente em repouso, caindo de uma posido ele­vada e continuamente adquirindo novos incre­mentos de velocidade, por que náohei de acre­ditar que tais aumentos ocorram de maneira que é extremamente simples e obvia para qualquer pessoa? Se agora examinamos a matéria cuidadosamente, náo achamos adigáo ou incremento mais simples do que aquéle que se repete sempre do mesmo modo” .

Prosseguindo com o principio de que a Natureza é simples, de maneira que a mais simples mudanqa é aquela em que a variado é constante, afirma Galileu que se há um aumento igual de velocidade em cada sucessivo intervalo de tempo, éste é cla­

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ramente o mais simples movimento acelerado. Pou- co depois Galileu féz Simplicio (o aristotélico) di- zer que se atém a uma crenga diferente, isto é, que um corpo que cai tem uma “ velocidade que aumenta proporcionalmente ao espago” , e nós, como leitores críticos, devemos admitir isto como táo “ simples” quanto a definigáo de Galileu, do movimento ace­lerado. Das duas possibilidades qual a mais sim­ples? Náo sao ambas

exemplos de “ um incremento... que se repete sem­pre do mesmo modo” , ou seja, o mesmo aumento de velocidade em intervalos de tempo iguais, ou o mesmo aumento em espaqos iguais ? Sao igualmen­te simples porque ambas sao equaqóes do primeiro grau, ou seja proporcionalidades simples. Ambas sao portanto muito mais simples do que qualquer das seis possibilidades seguintes

V oz T ( 1 )

(2)

1( 3 )

T

1V « ( 4 )

T2

V oz T2 ( 5 )

1V CC (6)

D

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V.

V oc ------ (7) D2

V oc D2----------------------------------(8)

Com que fundamento podemos rejeitar a relagáo sugerida por Simplicio e dada na Equagáo (2) ? Já que cada uma das Equagóes (1) e (2 ) é for­malmente táo simples como a outra, Galileu foi forjado a introduzir um outro critério para sua escolha. Éle afirma que a possibilidade N.° 2 — a velocidade aumenta proporcionalmente á distáncia percorrida na queda — levará á inconsistencia lógica, o que náo acontece com a relaqáo dada na Equagáo(1 ). De onde se evidencia que, se uma das supo- siqóes “ simples” leva a uma inconsisténcia. o que náo acontece com a outra, a única possibilidade é de que os corpos que caem tém velocidades que aumentam proporcionalmente ao tempo de queda.

Esta conclusáo, tal como foi apresentada no último e mais amadurecido trabalho de Galileu, tem um interésse especial para o historiador, porque o argumento pelo qual Galileu “ prova” que uma inconsisténcia lógica deriva da Equa^áo (2) con­tém um erro. Náo há aquí inconsisténcia “ lógica” : o problema é simplesmente que essa relagáo é in- compatível com a hipótese de o corpo partir do re­pouso. O historiador está também interessado em descobrir que, no cometo de sua vida, Galileu escreveu ao seu amigo Fra Paolo Sarpi, sobre ésse mesmíssimo assunto, de modo totalmente diferente. Nessa carta, Galileu admitiu que a lei correta da queda livre dos corpos é aquela na qual a velocida­de aumenta proporcionalmente á distáncia percor­rida na queda. Partindo desta hipótese Galileu erróneamente acreditou poder deduzir que a dis-

1

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táncia percorrida na queda deveria ser proporcional ao quadrado do tempo, ou que admitida a Equagáo(2) seríamos levados a

D ce T2 (9)

Continua entáo Galileu dizendo que a proporciona- lidade entre a distáncia e o quadrado do tempo é “ bem conhecida” . Entre a carta escrita a Sarpi e o aparecimento de A s Duas Novas Ciencias Galileu corrigiu o seu erro.

De qualquer modo, Galileu prova que a relaqáo mostrada na Equaqáo (9 ) deriva da Equaqáo (1 ) : E o faz por meio de um teorema auxiliar, como segue:

“ Teorema I. Proposiqáo I. O tempo gasto por um corpo para percorrer determinado es­pago, partindo do repouso e com movimento uniformemente acelerado, é igual ao tempo em que o mesmo espago seria percorrido pelo mes­mo corpo movendo-se com velocidade unifor­me cujo valor é a média das velocidades inicial e final” .

Usando éste teorema e os demais sobre o movimen- uniforme, continua Galileu com o

“ Teorema II. Proposiqáo II. Os espaqos percorridos por um corpo que cai, partindo do repouso, com um movimento uniformemente acelerado, estao entre si como os quadrados dos intervalos de tempo gastos em percorrer essas distancias” .

É ésse o resultado expresso na Equaqáo (9) de onde segue o Corolário. 1. Nesse corolário, Galileu

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mostra que, se um corpo cai, partindo do repouso, com movimento uniformemente acelerado, os es- pagos D¡, D 2, Ds que éle percorre a inter­valos de tempo iguais e consecutivos “ estáo entre si como os números impares, 1, 3, 5, 7 Galileu se apressa em frisar que esta sucessáo de números impares deriva do fato de que as distancias percorridas, no primeiro intervalo de tempo, nos dois primeiros intervalos de tempo, nos trés primei- ros intervalos de tempo. . . se sucedem como os quadrados, 1, 4, 9, 16, 25 . . . ; as diferengas entre éles sao os números impares..* A conclusáo é de especial interésse para nós, porque era parte da tradicáo platónica acreditar que as verdades funda­mentáis da Natureza eram reveladas pelas relagoes das figuras geométricas regulares e pelas relagoes entre os números — ponto de vista ao qual Galileu exprime seu apréqo em parte anterior do livro. Diz Simplicio: “ Acredita-me, se tivesse de comecar de novo meus estudos, seguiría o conselho de Platáo e cometaria com a Matemática, ciéncia que avanga muito cautelosamente e nada admite como estabele- cido até que tenha sido rigorosamente demonstra­do” . Para Galileu é um sinal evidente da corregáo de sua discussáo da queda dos corpos w fato de poder éle concluir: ./‘ Portanto, durante intervalos iguais de tempo, as velocidades aumentam como os números naturais; os aumentos ñas distáncias percorridas du­rante ésses intervalos de tempos iguais estáo entre si como os números impares, comegando pela uni­dade” . \

Embora o aspecto numérico da investigagáo seja satisfatório para Salviati, o personagem que em As Duas Novas Ciencias fala por Galileu, e para Sagredo, o homem de educaqáo ge ral e boa vontade que habitualmente apóia Galileu, éste último reco- nhece que éste ponto de vista platónico difícilmente

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pode satisfazer um aristotélico. Galileu, entáo co­loca nos lábios de Simplicio: “ Estou convencido de que os fenómenos sao como foram descritos, uma vez aceita a definigáo do movimento uniformemen­te acelerado. Mas, quanto a ser esta aceleragáo aquela que se observa na Natureza no caso da que­da dos corpos, ainda estou em duvida; e me parece, náo só a mim, mas a todos os que pensam como eu, que éste seria o momento apropriado para introduzir uma dessas experiéncias — e há muitas délas ao que sei — que ilustram de vários modos as’ conclusóes alcanzadas” . Galileu entáo prossegue descrevendo uma famosa experiéncia. Deixemo-lo descrevé-la com suas próprias pala- vras :

“ Tomou-se um pedaqo de madeira de mais ou menos 6 metros de comprimento, 25 centí­metros de largura e tres dedos de espessura; na sua borda cavou-se um canal de pouco mais de um dedo de largura; tendo feito éste sulco bem reto, liso e polido, e tendo-o forrado com pergaminho, também táo liso e polido quanto possível, fizemos rolar ao longo déle uma bola de bronze, dura, lisa e bem redonda. Colo­cando éste bloco em posiqáo inclinada, levan­tando uma das extremidades 50 centímetros ou um metro mais ou menos acima da outra, fi­zemos rolar a bola, como eu estava dizendo, ao longo do canal, anotando, da maneira a ser descrita daqui a pouco, o tempo necessário pa­ra realizar a descida. Repetimos esta experi­éncia mais de uma vez a fim de medir o tem­po com tal exatidáo que o desvio entre duas observares nunca excedesse um dé­cimo de uma pulsaqáo. Tendo realizado esta operagáo e nos assegurado da confianza que podía merecer, fizemos entáo rolar a bola só-

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6 1 3 3 2

mente num quarto do comprimento do canal; e tendo medido o tempo de sua descida, achamos que éle era precisamente a metade do primeiro. Experimentamos, a seguir, novas distancias, comparando o tempo para o comprimento total com o da metade, ou com o de dois terqos, ou de trés quartos, ou em verdade com o de qual­quer fraqáo; ¿em tais experiéncias, repetidas uma boa centena de vézes, sempre achamos que os espaqos percorridos estavam uns para os outros como os quadrados dos tempos de­corridos,ske isto era verdade para todas as in­clinares do plano, isto é, do canal, ao longo do qual fazíamos rolar a bola. Também ob­servamos que os tempos da descida, para vá- rias inclinaqóes do plano, mantinham uns para com os outros precisamente a relaqáo que, como veremos mais tarde, o autor tinha pre- dito e demonstrado

“ Para a medida do tempo empregamos um ' grande vaso d’água, colocado em posiqao ele­

vada; no fundo do vaso foi soldado um tubo de pequeño diámetro, dando um pequeño jato que recolhíamos num copo durante o tempo de cada descida, tanto para toda a^extensáo do canal, como para uma parte; a agua assim recolhida era pesada após cada descida, numa balanca muito sensível; as diferenqas e ra- zóes désses pesos deram-nos as diferenqas e razóes dos tempos, e isto com tal precisáo que, embora a operagáo fósse repetida muitas e muitas vézes, náo havia discrepáncia apreciá- vel nos resultados” .

A isso replica Simplicio: “ Gostaria de ter estado presente a essas experiéncias; mas sentindo con­fianza no cuidado com que vocé as realizou, e na fidelidade com que as relata, estou satisfeito e as aceito como verdadeiras e válidas” .

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O processo de Galileu, tal como o descrevemos, assemelha-se ao usado pelos maiores dentistas, mas difere radicalmente do que é comumente descrito nos compendios elementares como “ método cien­tífico” . Em geral dizemos que o primeiro passo é “ coletar todas as informaqoes importantes” , e assim por diante. O método usual de proceder, dizem-nos, é colhér um grande número de observares, ou rea­lizar uma serie de experiencias, depois classificar os resultados, generalizá-los, procurar uma relaqáo matemática e, finalmente, descobrir uma lei. Mas Galileu procede sentando-se á sua mesa com papel e lápis, pensando e criando idéias. Comeqa com uma convicqáo fundamental de que a Natureza c simples, de que é lícito construir modelos abstratos da Natureza, procurar as relagoes numéricas sim­ples do primeiro grau e procurar a relagáo mais sim­ples que náo leve a uma contradicáo. A experiéncia é relatada como réplica ás exigencias dos aristotéli­cos, seus críticos, e é apresentada num parágrafo que nos será proveitoso examinar com algum de- talhe:

“ O pedido que vocé faz, como homem de ciencia, é cabível; é um costume — e muito razoável — naquelas ciencias em que demons­trares matemáticas se aplicam a fenómenos naturais, como se vé no caso em perspectiva, na Astronomía, Mecánica, Música e outras, onde os principios, uma vez estabelecidos por experiencias bem escolhidas se tornam os ali- cerces de toda a super-estrutura. Considero portanto perda de tempo, discutirmos demora- damente a primeira e fundamental questáo da qual derivam numerosas conseqüéncias, das quais temos neste livro sómente pequeño nú­mero, ali colocadas pelo autor, que tanto féz para abrir um caminho até aqui fechado ás

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mentes de inclinadlo especulativa. No que diz respeito ás experiencias, elas náo foram ne- gligenciadas pelo autor; e, muitas vézes, em sua companhia, tentei da seguinte maneira as- segurar-me de que a aceleraqáo realmente ex­perimentada pelos corpos que caem é a que acima foi descrita” .

Torna-se claro, do que foi exposto, que o objetivo das observares e experiéncias, tais como a do plano inclinado, náo era a formuladlo de uma lei, mas simplesmente certificar-se que de fato tais acelera­re s , como as discutiu Galileu, podem realmente ocorrer na Natureza. Além disso, o que está de­monstrado nessa série de experiéncias náo é que a velocidade é proporcional ao tempo, mas sómente

i que a distáncia é proporcional ao quadrado do tem­po. Como éste resultado decorre do fato de a ve- lo^idade ser proporcional ao tempo, podemos admi­tir que a experiéncia também justifica o principio de que a velocidade é proporcional ao tempo.

E devemos ainda notar que Salviati, ao apresen- ( tar as experiéncias, diz que éle próprio tinha feito

esta série particular de observaqóes em companhia de Galileu, “ para assegurar-me de q\ie a aceleraqáo realmente adquirida pelos corpos que caem é a que foi acima descrita” . E entretanto, esta série parti­cular de experiéncias de bolas rolando (para baixo) em planos inclinados, aparentemente nada tem a ver com um corpo caindo livrémente. Nessas experién-

* cias a aqáo de queda da gravidade é “ diluida” everifica-se que a distáncia é proporcional ao qua­drado do tempo, qualquer que seja a inclinaqáo que se dé ao plano, por íngreme que seja As ex­periéncias estáo relacionadas com a queda livre porque podemos admitir que no caso limite, no qual o plano é vertical, a lei ainda se aplique. Mas, nesse caso limite, da queda livre, a bola náo rolará no

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seu movimento descendente, como o faz ao longo do plano inclinado — ponto que Galileu náo mencio­na em nenhum lugar. E todavia o fato-de haver rolamento é uma condiqáo importantíssima porque, sabemos hoje, graqas á Mecánica Analítica, que éste é um fator principal, que poderia invalidar as con- clusóes obtidas das experiéncias descritas por Gali­leu, do modo como éle as descreveu. Éle idealizou, de certo, as condÍQoes da sua experiéncia, quando informou que em todas as circunstancias “ náo havia apreciável discrepancia nos resultados” ou que “ os tempos da descida, para várias inclinaqóes do plano, mantinham-se uns para com os outros precisamente na razáo que . . . o autor tinha predito e demons­trado” . A precisáo da experiéncia foi “ tal que o desvio entre duas observares nunca excedeu um décimo de uma pulsadlo” .

Galileu nunca computou a aceleragáo de um cor­po em queda livre tomando o limite do movimento num plano inclinado. Éle disse que tinha medido o tempo de um corpo em queda livre, deixado cair de uma torre. Uma bola de ferro pesando cinqüen- ta quilos, disse éle, “ em repetidas experiéncias cai de uma altura de nove metros em cinco segundos” . Éstes dados contém um erro de cérca de cem por cento. Podemos compreender que, quando um con­temporáneo de Galileu, Padre Mersenne, tentou re­petir essas experiéncias, verificou que nunca podia obter o mesmo resultado que Galileu tinha informa­do. Éle só podia concluir que Galileu, ou náo tinha feito as experiéncias, ou náo expusera os resultados com exatidáo.

Em retrospecto, é para nós claro que Galileu es- tava usando a experiéncia do plano inclinado sómen-

^ te como uma espécie de grosseira verificaqáo — para ver se os principios por éle deduzidos pelo má: todo da abstragáo e da Matemática realmente se

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'■* 4 o o ^ 0 1 O O ¿

ajustavam ao mundo físico. Como éle próprio di- ziá, a veracidade da sua lei da queda dos corpos era garantida pelas suas exemplificaqóes da simplicida- de da Natureza e pelas relagoes dos números intei- ros, e náo simplesmente uma série de experiéncias ou observagóes.

Galileu mostrava aqui a mesma atitude que em sua discussáo da queda de um objeto do mastro de um

' navf». onde de novo eram a natureza das coisas erelagoes necessárias o que pesava mais que séries particulares de experiéncias. O resultado correto deve ser mantido, segundo Galileu, mesmo frente á prova dos sentidos (sob a forma de experiéncias ou observagóes) — que pode conduzir a interpreta- góes falsas. Em parte alguma expressou Galileu

■ mais fortemente ésse ponto de vista do que quandodiscutiu a prova dos sentidos contra o movimento da Terra. “ Os argumentos contra a rotagáo da Terra, que já examinamos, sao muito plausíveis como vi­mos” , escreveu Galileu, “ e o fato de que os ptolo- maicos e aristotélicos e todos os seus discípulos os

f consideraram concludentes, é em verdade um forteargumento para o meu ponto de vista. Mas as expe­riéncias que abertamente contradizen¿ o movimento anual sao em verdade táo superiores em sua fórga aparente que, repito, náo há limites para o meu espanto, quando pensó que Aristarco e Copérnico foram capazes de fazer a razáo predominar de tal maneira sobre os sentidos que, em desafio a estes últimos, a primeira se tornou suporte das suas afir- magóes” .

Para recapitular, Galileu demonstrou matemáti­camente que um movimento, partindo do repouso, no qual a velocidade sofre a mesma mudanga a inter-

valos de tempo iguais (chamado movimento unifor­memente acelerado) corresponde a percorrer dis- táncias que sáo proporcionáis aos quadrados dos

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tempos decorridos. A seguir, Galileu mostrou, me­diante experiéncias, que esta lei ideal é exempli- ficada — dentro de certos limites, devemos acres- centar — pelo movimento num plano inclinado. Désses dois resultados, Galileu raciocinou que, na auséncia de qualquer resisténcia do ar, o movimento de um corpo caindo livremente será sempre acelera­do segundo essa lei. Se Galileu nos apresentou éste resultado como sendo mais exatamente confir­mado na sua experiéncia do plano inclinado do que a observado poderia possívelmente provar, pode­mos certamente perdoá-lo por ter admitido entu­siasmo que sobrepujasse a exatidáo de seus dados. Quando Robert Boyle, uns trinta anos mais tarde, pode fazer o vácuo num cilindro, mostrou que ai todos os corpos caem com idénticas velocidades, quaisquer que sejam as suas formas. Provou-se assim a assercao de Galileu — juma extrapolado oriunda da experiéncia — segundo a qual, na au­séncia da resisténcia do ar, todos os corpos caem com a mesma aceleraqáo. Hoje conhecemos o valor exato dessa aceleragáo que é de cérca de 9,8 metros por segundo em cada segundo. Por conseguinte, a velocidade de um corpo em queda livre, afastado o quase negligenciável fator da resisténcia do ar, de­pende sómente da duraqáo do tempo durante o qual éle cai, e náo do seu peso ou da fórqa que o impul- siona, como tinha suposto Aristóteles. Éste resulta­do, que constitui a correta análise da queda livre, é tido freqüentemente como uma das maiores realiza­r e s de Galileu na Física. Disto, quanto se originou com Galileu?

Os Predecessores de Galileu

Se quisermos avaliar com propriedade a estatura 'de Galileu, devemos medi-la em confronto com seus contemporáneos e predecessores. Quando, no ca­

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pítulo final, virmos como Newton dependeu do feito de Galileu, teremos adquirido alguma compreensáo da sua importancia histórica. Neste ponto veremos exatamente o que éle significou, por meio de uma apreciado mais realista da sua oríginalidade, do que se encontra na maioria dos compéndios e his­torias. Relembremos que um aspecto da Física gre- ga da última fase (alexandrina e bizantina), foi cri­ticar Aristóteles ao invés de aceitar cada palavra sua como verdade absoluta. O mesmo espirito crítico caracterizou o pensamento científico islámico e os escritos do Ocidente Latino. Assim, Dante, cu jos trabalhos sao lidos freqüentemente como supra-su- mo da cultura européia medieval, critícou Aristóte­les por acreditar “ que nao havia mais que oito céus (esferas)” e que “ o céu (esfera) do Sol vinha em seguida ao da Lúa, isto é, que éle era o segundo a partir de nós” .

Sábios submeteram a lei do movimento de Aris­tóteles a várias correqóes, de que eram aspectos prin­cipáis :

1.°) concentrado nos estágios graduais pelos quais o movimento muda, isto é, aceleraqáo; 2.°) re- conhecimento de que, ao descrever um movimento que muda, sómente se pode falar da velocidade num dado instante; 3 ° ) cuidadosa definiqáo do movi­mento uniforme — condiqáo descrita num sumário de 1369 (por Joáo de Holanda) como aquéle em que “ o corpo atravessa espaqos iguais em intervalos de tempos iguais” in omni parte equali temporis (o que contradiz a afirmaqáo de Galileu, de que foi éle o primeiro a definir assim o movimento uni­forme) ; 4.° reconhecimento de que o movimento acelerado podia ser tanto de maneira uniforme como náo uniforme, como está esquematizado no diagrama seguinte :

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movimento unifor­memente acelerado

oumovimento nao uni­

formemente acele­rado

Na sua apresentaqao, Galileu empenhou-se nesse mesmo tipo de análise. O movimento mais simples, disse éle, é uniforme (o que éle definiu á maneira dos escolásticos do século X I V ) ; vem a seguir o mo­vimento acelerado que pode ser uniformemente ou náo uniformemente acelerado. Éle escolheu o mais simples e a seguir investigou se a aceleraqáo é uni­forme em relaqáo ao tempo ou á distáncia.

Ao considerar como pode mudar uniformemente a velocidade, os professóres do século X IV prova- ram o que ás vézes é conhecido como “ a regra da velocidade media.” S Ela estabelece que o efeito (distáncia) de um movimento uniformemente ace­lerado, durante qualquer intervalo de tempo, é exata- mento o mesmo que ¿averia se durante ésse intervalo, o corpo em movimento estivesse sujeito a um movi­mento uniforme cuja velocidade fósse a média arit­mética das velocidades alcanzadas em movimento ace­lerado^ Vejamos agora esta regra expressa em sím­bolos. Durante um certo intervalo de tempo T, supo- nhamos que um corpo esteja uniformemente acelera- rado, a partir de alguma velocidade inicial Vu até uma velocidade final V2. Qual a distáncia (D ) per- corrida por éle? Para achar a resposta, determinemos a velocidade média V, durante o intervalo de tempo ; sabemos que a distáncia D seria ajnesma se o corpo tivesse uma velocidade constante V durante o tempo T, ou D = V T . Além disso, como o movimento tem aceleraqáo constante, a velocidade média V, durante

movimento uniformemovimento ou

movimento náo uni­forme (acelerado)

110

o intervalo de tempo é a média aritmética das veloci­dade inicial e final, de modo que

Vt + V, V =

2

É éste precisamente o teorema usado por Galileu para provar sua própria lei, que relaciona a dis­táncia ao tempo decorrido no movimento acelerado. Como o provavam os homens do sáculo X IV ? As primeiras provas foram produzidas no Merton Col- lege, Oxford, usando-se uma espécie de “ Álgebra de palavras” , mas, em Paris, Nicole Oresme pro­vou o teorema geométricamente, usando o mesmíssi- mo diagrama (Fig. 19) que Galileu!

velocid a d e.

Vz

2

T ( t e m p o )

Fiii. 19. Nicole Oresme, de Paris, usou ^ Geometría para provar que um corpo uniformemente acelerado, a partir de uma velocidade inicial Vi até á velocidade final Vi, percor- reria a distáncia D 110 intervalo de tempo T em que o íaria se se tivesse movido com velocidade constante V, média aritmética de Vi e Va. Admitiu que a área sob o gráfico da velocidade em fungáo do tempo seria a distáncia D. Para o movimento uniformemente acelerado, a apresen- tagáo seria uma linha inclinada, e para o movimento uniforme seria uma reta paralela ao eixo dos tempos. A área sob a primeira seria a de um triángulo, ou 1/2 T x V-¿. A área sob a segunda seria a área do retán- gulo, ou T x 1/2 V a altura do triángulo sendo duas vézes a do retángulo. As áreas, e portanto as distán- cias percorridas, seriam iguais.

1119 — F.

A única diferenga de vulto entre as apresentagóes de Galileu e de Oresme é que a última foi lanqada em torno de qualquer “ qualidade” variável, que pu- desse ser expressa por meio de números — incluin- do “ qualidades” físicas tais como velocidade, desloca- mento, temperatura, brancura, peso, etc., mas tam- bém “ qualidades” nao físicas como amor, caridade e graqa. Mas náo há exemplo de que ésses homens do século X IV verificassem seus resultados, como o féz Galileu a fim de ver se se aplicavam ao mundo real da experiéncia. Para aquéles homens, o exercício ló­gico de provar “ a regra da velocidade média” era por si só uma experiéncia satisfatória. Por exem­plo, tanto quanto sabemos, os cientistas do século X IV nunca exploraram a possibilidade de dois obje­tos de péso desigual caírem práticamente juntos. Todavía, se os escolásticos do século XIV , que des- cobriram a “ regra da velocidade média” , náo apli- caram éles próprios o conceito de uma aceleraqáo uni­forme no tempo aos corpos em queda, seus sucesso- res o fizeram. Por volta do século X V I a afirma­d o de que a velocidade dos corpos que caem aumen­ta continuamente, como funqáo do tempo, foi im- pressa repetidamente no livro, largamente usado, do espanhol Domenico de Soto, no qual a “ regra da velocidade média” era prontamente encontrada.

Outro conceito medieval de importancia para a compreensáo do pensamento científico de Galileu éo do “ ímpetus” . É éle uma propriedade que se su- punha ser conservada por projéteis em movimento, depois de terem deixado o “ propulsor” . O Ímpe­tus se assemelha tanto ao momentum quanto á ener-

^ gia cinética, e realmente náo tem equivalente na Dinámica moderna. Era um longínquo antepassa- do do conceito de inércia, de Galileu, da qual se de-

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senvolveu por sua vez a moderna concepgáo newto­niana.

A originalidade de Galileu era portanto diferente da que éle jactanciosamente declarou. Já náo pre­cisamos mais acreditar em coisa táo absurda como náo ter havido progresso na compreensáo do movi­mento, entre o tempo de Aristóteles e o de Galileu. E podemos ignorar muitos relatos que fazem pare­cer que Galileu inventou a moderna Dinámica, sem nada dever a qualquer predecessor medieval ou an- tigo.

Era éste um ponto de vista sustentado pelo pró­prio Galileu, mas que poderia ser admitido de mo­do mais justificável há cinqüenta anos atrás do que hoje. Uma das mais frutíferas áreas de pesquisa na Historia da ciéncia no último meio século — aberta principalmente pelo cientista francés Pier- re Duhem — tém sido as “ ciéncias exatas” da Ida- de Média. Estas investigares desvendam uma crí­tica a Aristóteles, que preparou o caminho para as próprias contribuiqóes de Galileu. Apurando com exatidáo aquilo que Galileu deveu aos seus predeces­sores, podemos delinear mais exatamente suas pró­prias proporqóes heroicas. Além disso, tornamos assim mais real a historia da vida de Galileu, porque sabemos que, no avanqo das ciéncias, cada um cons- trói sobre o trabalho dos seus predecessores. Nunca éste aspecto do empreendimento científico foi me- lhor expresso do que ñas seguintes palavras de Lord Rutherford (1871-1937), o fundador da Física Nu­clear :

“ . . . Náo está na natureza das coisas, que um só homem faga uma violenta e repentina descoberta; vai a Ciéncia passo a passo, e ca-

da homem depende do trabalho de seus pre- decessores. Quando se ouve de uma deseo- berta inesperada e repentina — como se fósse um relámpago no azul — pode-se estar certo, sempre, de que ela se desenvolveu pela in­fluencia de um homem sobre outro, e é esta mutua influencia que faz a enorme possibili- dade do avanqo científico. Os cientistas náo dependem das idéias de um só homem e sim de milhares de homens, todos pensando no mesmo problema, e cada um fazendo o seu pouquinho, para ser acrescentado á grande es- trutura do conhecimento que está sendo le­vantada gradativamente.”

Acreditaremos que Galileu representa menos típica­mente do que Lord Ruthford o espirito científico?>Todavia foi Galileu quem, pela primeira vez, mos-

trou como resolver o movimento composto de um projétil em dois componentes separados e diferentes — um uniforme e o outro acelerado f — e foi Gali- ,, * 1leu quem primeiro submeteu as leis escolásticas do - movimento ao teste da experiéncia, e provou que elas podiam ser aplicadas ao mundo real ou cotidia­no. Caso isto parega um pequeño feito, recorde­mos que os principios enunciados por Galileu sob forma mais precisa e usados como parte da Física ao invés de como parte da Lógica, eram conhecidos desde os meados do século XIV , mas que ninguém mais, nesse intervalo de 300 anos, tinha tido a in- tuiqáo para relacionar abstraqóes com o meio ambiente. Talvez a maior característica do seu gé­nio esteja no combinar a visáo matemática do mun­do com a visáo empírica, obtida pela observad0. pela experiéncia crítica e pela correta experimentado.

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Formulando a Lei da Inércia

^"Exploremos um pouco mais a contribuido de Ga- fiileu á metodología científica-, éolS^sSalmsisténcia /sobre uma'relaqáo exata entre abstraqóes matemáti-i cas e 'o mundo da experiencia. í Por exemplo, a 'maioría das leis do movimento, tais como foram anunciadas por Galileu, seriam verdadeiras sómente no vácuo, onde náo houvesse resisténcia do ar. Mas no mundo real é necessário tratar do movimento dos corpos em várias especies de meios, nos quais há re­sisténcia. Por conseguinte, se os resultados que Galileu obteve pelo método da. abstraqáo matemática devessem ser aplicados no mundo real que éle tinha ao redor de si, era-lhe necessário saber exatamente qual o efeito que teria a resisténcia do meio. Em particular, Galileu pode mostrar que, para os corpos de certo péso e náo construidos para oferecer resis- téncias enormes ao movimento através do ar, o efeito do ar era quase desprezível. Era o ínfimo fator da resisténcia do ar o responsável pelas pequeñas dife- renqas nos tempos de queda de objetos leves e pe­sados, de uma altura dada. Esta diferenqa era im­portante porque ela indicava que o ar opóe alguma resisténcia, mas a insignificancia da diíerenqa mos- trava quáo ínfimo é realmente o efeito dessa resis­téncia.

Galileu póde demonstrar que um projétil descreve uma parábola, porque o projétil tem simultáneamen­te uma combinado de dois movimentos indepen- dentes: um movimento uniforme em diredo hori­zontal ou para a frente, e um movimento uniforme­mente acelerado, para baixo, na direqáo vertical.

Comentando ésse resultado, Galileu faz Simplicio argumentar corretamente: “ Náo vejo como é pos- sível evitar a resisténcia do meio, que deve destruir a uniformidade do movimento horizontal e mudar a

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lei de aceleraqáo dos corpos em queda. Essas vá- rias dificuldades tornam altamente improvável que um resultado derivado de hipóteses táo restritivas se verificasse verdadeiro na prática” . Dá-se entáo a réplica: “ Garanto que essas conclusóes provadas por abstraqáo seráo falhas quando aplicadas a um caso real, ou seja, nem o movimento horizontal será uniforme, nem a aceleraqáo natural estará na razáo considerada, nem a trajetória do projétil será a pa­rábola, etc.” . Prossegue Galileu para provar: “ No caso désses projéteis que nós usamos, feitos de ma­terial denso e forma arredondada ou de material mais leve e de forma cilindrica, tais como setas ar- remessadas por uma funda ou arco, o desvio de uma trajetória exatamente parabólica é inteira- mente desprezível. Verdaderamente, se me permi- tern liberdade um pouco maior, posso mostrar-lhes, por duas experiéncias, que as dimensóes do nosso aparelho sao táo pequeñas que essas resisténcias ex­ternas e incidentais, entre as quais a do meio é a mais considerável, sáo difícilmente observáveis” .

Numa das experiéncias, Galileu usou duas bolas, pesando uma, dez ou doze vézes mais do que a ou­tra, “ uma, digamos de chumbo, a outra de madeira de carvalho, ambas sóltas de uma elevaqáo de 75 ou 100 m. Segundo Galileu, a experiéncia demonstra que chegaráo á Terra com insignificante diferenqa em velocidade, mostrando-nos que em ambos os ca­sos o retardamento causado pelo ar é pequeño; por­que, se as duas bolas partem no mesmo momento e da mesma altura, e se a de chumbo fósse retardada de modo insignificante e a de madeira grandemente retardada, entáo a primeira deveria chegar á Terra

■v com considerável avanqo em distáncia sobre a últi­ma, embora dez vézes mais pesada. Mas isto náo acontece; verdaderamente, o ganho em distáncia de uma sobre a outra náo chega á centésima parte de

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toda a queda. E no caso de uma bola de pedra pe­sando só um térgo ou a metade de uma de chumbo,

^ a diferenga nos seus tempos de alcanzar a Terraserá dificicilmente notada.”*

A seguir, Galileu mostra que, á parte o peso, “ a resisténcia do ar para um corpo que se move rápi­damente náo é muito maior que para um que se mova lentamente” . Admitiu éle que “ a resisténcia que o ar oferece aos movimentos por nós estudados pertiírba-os todos numa infinita variedade de manei- ras correspondentes á infinita variedade na forma, péso e velocidade do p ro jé til...” “ Com relaqáo á velocidade, quanto maior ela fór, tanto maior será a resisténcia oferecida pelo ar . . .Assim sendo, embo- ra o corpo em queda devesse deslocar-se proporcio­nalmente ao quadrado da duraqáo do seu movimento, (qualquer que seja o seu péso) se éle cai de altura muito considerável, a resisténcia do ar tornar-se-á tal que impedirá qualquer aumento na velocidade e tor­nará o movimento uniforme; e, quanto menor fór a densidade do corpo em movimento, tanto mais rá­pidamente será atingida essa uniformidade, e após queda mais curta” . »

Nesta interesantíssima conclusáo, diz Galileu que, se um corpo cai durante longo tempo, a resisténcia do ar aumentará em certa proporqáo relativamente á velocidade, até que essa resisténcia se iguale e contrabalance o péso que impele o corpo para baixo, para a Terra. Se dois corpos tém o mesmo tama­nho, e a mesma resisténcia porque tém forma seme- lhante, o mais pesado acelerará durante maior tempo, porque tem maior péso. Continuará a acelerar-se até que a resisténcia proporcional á velocidade, que portanto é proporcional ao tempo, iguale o péso. O que nos interessa náo é tanto éste importante resul­tado, como a conclusáo geral de Galileu: quando a resisténcia. se torna táo grande que iguala o péso do

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r

corpo que cai, a resisténcia do ar “ evitará qualquer aumento em velocidade e tornará o movimento uni­forme” . Isto equivale a dizer que se a soma de todas as fórqas atuando sobre o corpo (neste caso fórqa para baixo do péso e fórqa para cima da re­sisténcia) se equilibram ou sao equivalentes a uma resultante nula, o corpo, náo obstante isso, continua-

Fig. 20. Para ver como Galileu analisou o movimento do projétil, consideremos uma bala disparada horizontalmente por um canháo, na crista de um rochedo, com a velocidade de 50 pés por segundo (* ) . Os pontos A , B, C, D mostram onde a bala estaría ao fim de sucessivos segundos, se náo houvesse resistencia do ar e nenhum componenté de cima para baixo. Neste caso, haveria um movimento horizontal

(*) Nao con vertemos os dados para o sistema métrico porque,sendo a aceleragáo da gravidade, no sistema inglés, 32 pés/seg.2, oscálculos tornam-se mais simples e estamos interessados em fatos enáo em resultados numéricos. (N. do Revisor.)

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rá a mover-se, e com movimento retilíneo e unifor­me. Tal afirmativa é anti-aristotélica, porque Aris­tóteles sustentava que, quando a fórqa motriz iguala a resistencia, a velocidade é zero. Trata-se, em for­ma restrita, de uma afirmaqáo da 1.a lei do movi­mento de Newton, ou principio da inércia.

uniforme e a bala percorreria SO pés por segundo. Na diregáo de cima para baixo, há. um movimento acelerado. Os pontos a, b, c, d mostram onde estaría a bala, se caísse sem resisténcia do ar e sem movimento no sentido horizon­tal. Posto que a distáncia é calculada segundo a lei

D = 1/2 AT2

e a aceleragáo A é 32 pés/seg2, as distancias corresponden­tes a ésses tempos sao

T T 2 1/2 A T 2 D

1 seg. 1 seg.2 16 ipés/seg.2 x 1 seg.2 16 pés2 seg. 4 seg.2 16 pés/seg.2 x 4 seg.2 64 pés3 seg. 9 seg.2 16 pés/seg.2 x 9 seg.2 144 pés4 seg. 16 seg.2 16 pés/seg.2 x 16 seg.2 256 pés

Como a bala tem realmente os dois movimentos simultá­neamente, a trajetória exata é mostrada pela curva.

Para os que apreciam um pouco de Álgebra, seja v a velocidade horizontal constante e x a distáncia horizontal, de modo que x = vt. Na diregáo vertical, seja y a dis­táncia percorrida, de modo que y = 1/2 Ata. Logo, x2 — i f l ¿2 ou

• x2 — = 0 V2

2y — = f2 A

x2 /2e — = — ou y = ------ x 2, o que é da forma y — kx2, em

ij2 A 2vZque k é uma constante, e esta é a equagáo clássica da parábola.

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jf Segundo éste principio, a auséncia de uma fórqa externa permite a um corpo, ou mover-se em linha reta em velocidade constante, ou ficar em repouso, e assim estabelecer uma equivalencia entre movi­mento retilíneo uniforme e repouso — principio que pode ser considerado como um dos principáis fun­damentos da moderna Física newtoniana.*

Mas é realmente o principio de Galileu o mesmo que o de Newton? Observe-se que, na afirmaqáo de Galileu, náo há referéncia alguma a uma lei geral de inércia, mas sómente ao caso particular do movi­mento para baixo. Trata-se de um movimento li­mitado porque só pode continuar até que o corpo em queda toque a Terra. Náo há possibilidade, por exemplo, de tal movimento continuar uniformemen­te em linha reta para sempre, como se pode inferir da afirmaqáo mais geral de Newton.

VNos Discursos e Demonstragoes Concernentes a Duas Novas Ciéncias, Galileu encarou o problema da inércia principalmente em relaqáo ao seu estudo da trajetória de um projétil, que éle quería mostrar ser uma parábola (Fig. 20). Considera Galileu um corpo que parte em direqáo horizontal. Éle terá, portanto, dois movimentos distintos e independente?,. Na direqáo horizontal éle se moverá com velocidade uniforme, exceqáo feita do pequeño efeito retavda- dor da resisténcia do ar. Ao mesmo tempo, seu movimento para baixo será acelerado, exatamente como é acelerado um corpo em queda livre. É a combinaqáo déstes dois movimentos a causa de ser

^parabólica a trajetória. Para o seu postulado de que o componente descendente do movimento é o mesmo que seria o de um corpo em queda livre, Ga­lileu náo deu prova experimental, se bem que indi- casse a possibilidade dessa prova. Inventou éle uma

’ > i ó á '¿

pequeña máquina, com a qual, sobre um plano in­clinado (Fig. 21) era projetada uma bola horizon­talmente, para se mover em trajetória parabólica.

Fig. 21. O aparelho simples de Galileu, para demonstrar o movimento do projétil, era uma cunha. Uma bola, partindo com movimento horizontal do tópo da cunha, percorre uma tragetória parabólica.

Podemos hoje em dia demonstrar fácilmente esta conclusáo, atirando horizontalmente uma bola, e dei- xando cair outra livremente da mesma altura e ao mesmo tempo que a primeira. A Gravura VII mos­tra o resultado de tal experiéncia. Uma série de fo­tografías, tomadas estroboscopicamente em instantes sucessivos, mostra que, embora uma das bolas se mova para a frente enquanto a outra cai vertical­mente, as distáncias percorridas em segundos su­cessivos sao as mesmas para ambas. É*a situagáo de uma bola que cai ftum trem que se move com ve­locidade constante, ao longo de uma linha retilínea. Ela cai verticalmente, segundo após segundo, exata­mente como faria se o trem estivesse em repouso. Mas como se move também horizontalmente, com a mesma velocidade uniforme do trem, sua verdadeira trajetória relativamente á Terra é uma parábola. Outro exemplo ainda, moderno, é o de um aviao vo- ando horizontalmente com velocidade constante e soltando uma bomba ou torpedo, em que a queda para baixo é a mesma que se daria se a bomba ou torpedo tivessem sido largados, da mesma altura de um corpo em repouso, digamos, de um ladráo cativo

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em dia calmo. Ao cair do aviáo, a bomba ou tor­pedo continuará a mover-se para a frente com a velocidade horizontal uniforme do aviáo, e conti­nuará, exceto quanto aos efeitos do ar, diretamente debaixo do aviáo. Mas, para um observador em repouso na Terra, a trajetória será uma parábola

Consideremos finalmente uma pedra deixada cair de uma torre. Em relaqáo á Terra (e para uma queda táo curta o movimento da Terra pode ser con­siderado retilíneo e uniforme) ela cai em linha reta para baixo mas, relativamente ao espaqo determina­do pelas estrélas fixas, ela mantém o movimento partilhado com a Terra, no momento em que foi sólta, e portanto a sua trajetória é uma parábola.

Estas análises de trajetórias parabólicas sao todas baseadas no principio de Galileu, da decomposigáo de um movimento complexo em dois movimentos (ou componentes) em ángulo reto, um relativamente ao outro. É certamente uma medida do seu génio o fato de ter éle compreendido que um corpo pode ter simultáneamente uma componente horizontal de velo­cidade, uniforme ou náo acelerada, e uma componente vertical acelerada — nenhuma tendo efeito algum sobre a outra. Em cada um désses casos, a compo­nente horizontal exemplifica a tendéncia de um cor­po, que é mover-se em linha reta com velocidade constante, e continuar a fazé-lo, mesmo que perca o contato físico com a fonte original désse movimento uniforme. Isto pode ser também descrito como a tendéncia de todo corpo em resistir a qualquer mu­danza no seu estado de movimento, propriedade ge- ralmente conhecida, desde os dias de Newton, como

^ inércia de um corpo. Como a inércia é táo importan­te para a compreensáo do movimento, examinemos um pouco mais profundamente as concepqóes de Ga­lileu — náo tanto para mostrar suas limitagóes, mas

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para ilustrar como era difícil formular rigorosa­mente a lei da inércia e derrubar os últimos ves-

tígios da velha Física.

Dificuldades e Realizagoes de Galileu

Na parte final de seus Discursos e Demonstra- goes Concernentes a Duas Novas Ciencias, Galileu trata do movimento do projétil, da maneira seguinte:

y ’

“ Suponhamos um corpo qualquer, lanqado ao longo de um plano horizontal, sem atrito; sabemos. . . que ésse corpo se moverá inde­finidamente ao longo désse mesmo plano, com um movimento uniforme e perpétuo, se tal plano fór ilimitado.

' Mas, no mundo da Física de Galileu pode haverum “ plano ilimitado” ? No mundo real, certamen- te éle náo existe.

Ao discutir o movimento ao longo de um plano, admite Galileu as dificuldades levantadas por Sim­plicio: “ Uma destas (dificuldades) é que nós su-

pomos que o plano horizontal, isto é, náo ascenden­te nem descendente, é representado por uma linha reta, como se cada ponto dessa linha fósse igual­mente distante do centro, o que náo é o caso; se alguém parte do centro (da reta) e vai para qual­quer uma das extremidades, afasta-se cada vez mais do centro (da Terra) e está portanto subindo cons-

i tantemente” . Assim, se ela se está movendo aolongo de qualquer plano, tangente á superficie da Terra, de dimensóes consideráveis, uma bola co- meqará a subir, o que destruirá a uniformidade do seu movimento. Mas, no mundo real das experién­cias as coisas sao diferentes, daí a afirmagáo de Ga-

t lileu: “ Nossos instrumentos e as distancias conside­radas sao táo pequeños em comparado com a enor-

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me distáncia ao centro da Terra que podemos con­siderar um minuto de arco num grande círculo como uma linha r e ta ...” Galileu explica o que signifi­cará considerar um arco como uma linha reta: “ Arquimedes e outros consideravam-se colocados a uma distáncia infinita do centro da Terra e, nesse caso, o que éles admitiam náo era falso e portanto suas conclusóes eram corretas. Quando desejamos aplicar nossas conclusóes a distancias que, embora finitas, sáo muito grandes, é-nos necessário infe­rir, na base da verdade demonstrada, que correqáo deve ser feita pelo fato de que nossa distáncia ao centro da Terra náo seja verdadeiramente infinita, mas únicamente muito grande em comparaqáo com as pequeñas dimensóes do nosso aparelho” . Como na sua discussáo da resisténcia do ar, Galileu quer sa­ber aaui sómente qual pode ser o efeito de um fator que éle deseja ignorar. Qual o érro derivado de se considerar plana uma pequeña porqáo da Terra? Muito pequeño, para a maioria dos problemas.

Anteriormente, ao apresentar o pensamento de Ga­lileu sobre as velocidades fináis, chamamos a aten- qáo para o fato de que a resisténcia do ar aumenta quando a velocidade aumenta. Por conseguinte, de- pois de cair por algum tempo, pode um corpo gerar uma resisténcia igual ao seu péso, e náo sofrer ne- nhuma aceleraqáo posterior. Sob a agáo de uma fórqa externa exatamente igual a zero, o corpo se moverá em linha reta com velocidade constante. É esta uma demonstraqáo clara de como o principio de inércia aparece no movimento de queda. O pro­jétil parecía exemplificar o principio de inércia, de modo semelhante, em seu movimento horizontal, com a componente da velocidade ao longo da Terra. Mas agora nos dizem que, se o movimento é ho- rizontal, éle é feito ao longo de um plano tangente á Terra; ésse movimento náo pode verdadeiramen-

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te ser inercial, uma vez que, em qualquer diregáo a partir do ponto de tangencia, e movendo-se o cor­po, embora ainda ao longo do plano, estará indo para cima! Evidentemente, devemos aceitar a con­clusáo de que se tal movimento fór inercial e con­tinuo com uma velocidade constante sem fórga ex­terna. o “ plano” no qual se move o corpo náo é de modo algum um verdadeiro plano gemétrico, mas uma porgáo da superficie da Terra, que pode ser considerada plana sómente por ser o raio da Terra relativamente grande. Para Galileu isto seria o principio da inércia aplicado a objetos movendo-se para baixo, ao longo de segmentos de reta, termi­nando na superficie da Terra e ao longo da própria superficie da Terra. Nao sendo o último movi­mento verdadeiramente ao longo de uma linha reta,o conceito de Galileu é as vézes referido como uma espécie de “ inércia circular” .

Para esclarecer o ponto de vista de Galileu, pode­mos voltar ao seu Diálogo Concernente aos Dois Principáis Sistemas do Mundo. Nesse trabalho éle escreve sem ambigüidade sobre a inércia como um principio circular ao invés de linear Aqui como ñas Duas Novas Ciéncias — éle discute um movimento composto de dois movimentos distinto^ e indepen- dentes: o movimento uniforme e o movimento ace­lerado ao longo de uma linha reta, em diregáo ao centro da Terral A razáo pela qual Galileu pensava em termos de inércia circular parece ter sido o dese- jo de explicar como, numa Terra em rotagáo, um corpo caindo continuará sempre a cair em, diregáo descendente, exatamente como se a Terra estivesse em repouso. Evidentemente, a queda retilínea de um corpo pesado sobre uma Terra em rotagáo implicava, para Galileu, em que o corpo pesado em queda deve- ria continuar a girar com a Terra. Assim, éle conce­bía que uma bola, caindo de uma torre, continuaría^

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a móver-se através de arcos circulares iguais em tempos iguais (como faz qualquer ponto da Terra), embora descendo de acórdo com a lei dos corpos uniformemente acelerados, em direqáo ao centro da Terra.gHá um lugar no Diálogo, em que á primeira vis­

ta parece que Galileu enunciou o principio da inér­cia. Salviati pergunta a Simplicio o que acontecería a uma bola colocada num plano inclinado para baixo. Concorda Simplicio que ela seria acelerada espon­táneamente. De modo análogo, numa inclinaqáo para cima, seria necessária uma fórqa para “ lan- qá-la ao longo do plano inclinado ou mesmo para manté-la imóvel” . Que acontecería se tal corpo fósse “ colocado sobre uma superficie sem inclinaqáo para cima ou para baixo” ? Diz Simplicio que nao haveria nem “ tendéncia natural para o movi­mento” , nem “ resisténcia ao movimento” . Con- seqüentemente, o objeto permanecería estacionario ou em repouso. Salviati concorda que isto é o que acontecería se a bola fósse colocada suavemente, mas se lhe fósse dado um impulso em qualquer di­reqáo o que acontecería? Explica Simplicio que ela se moveria naquela direqáo, e que nao have­ria “ causa para aceleraqáo ou desaceleraqáo já que náo há inclinaqáo para cima ou para baixo” . Náo há causa para “ o retardamento da bola” , nem “ para que ela volte ao repouso” . Salviati entáo pergunta até onde a bola continuaría a mover-se. Nestas cir­cunstancias a resposta é “ até onde a superficie se estender sem se elevar ou cair” . A seguir, diz Salviati: “ Entáo se tal espaqo fósse infinito, o mo­vimento prolongar-se-ia indefinidamente, isto é, se­ria perpétuo” , — com o que concorda Simplicio.

Neste ponto poderia parecer que Galileu postu- lou a moderna fórmula do principio da inércia, se­gundo a qual um corpo posto em movimento sobre

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um plano infinito continuaría a mover-se uniforme­mente para sempre. Isto é acentuado quando Sim­plicio diz que o movimento seria “ perpetuo” se o corpo fósse de matéria durável. Mas Salviati entáo lhe pergunta o que pensa éle seja “ a causa da bola mover-se espontáneamente no plano inclinado para baixo, mas só pela fórga num plano inclinado para cima?” Simplicio responde que “ a tendéncia dos corpos pesados é mover-se em diregáo ao centro da Terra, e mover-se para cima da sua superficie só- mente por agáo de uma fórga” , sendo postos em movimento violento. Salviati diz entáo: “ Neste ca­so, a fim de que uma superficie náo seja inclinada nem para baixo, nem para cima, todas as suas partes devem ser igualmente distantes do centro. Há algu- ma superficie como esta no mundo” ? Simplicio retruca: “ Uma quantidade délas. Seria assim a su­perficie do nosso globo terrestre, se éle fósse liso e náo áspero e montanhoso como é. Mas há a superfcie da água, quando está plácida e tranquila” . Salviati diz a seguir que entáo “ um navio, quando se move num mar calmo, é um désses móveis que se deslocam sobre uma superficie que náo é inclinada nem para cima nem para baixo, e se todos os obstáculos externos e acidentais fóssem removidos, éle deveria mover-se continua e uniformemente, a partir de um impulso uma vez recebido” ? Simpli­cio concorda, “ de fato devia ser assim, ao que parece” .

Assim, claramente, o que pareceu ser a principio um plano infinito, reduziu-se na discussáo a um trecho da superficie esférica da Terra. E aquéle movimento que se dizia “ perpetuo” , e parecia ser movimento uniforme ao longo de um plano infinito, termina por ser o movimento de um navio em mar calmo, ou de qualquer outro objeto que se move ao longo de uma esfera lisa como a Terra. E é preci-

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sámente éste ponto que Galileu desejava provar por­que éle poderia agora explicar que uma pedra sólta de um mastro continuará a mover-se ao redor da Terra, como se move o navio, e assim caira do mas- tro ao pé déste. “ Isto, quanto á pedra que está no topo do mastro. Náo se move ela, carregada pelo na­vio, indo ambos ao longo da circunferéncia do círcu­lo, ao redor do seu centro? E, conseqüentemente, náo há nela um movimento intrínseco, removidos que sejam todos os agentes externos? E náo é ésse movimento táo rápido quanto o do navio?” Deixe- mos que Simplicio tire sua própria conclusáo: Vocé quer dizer que a pedra, movendo-se com um movi­mento que lhe foi conferido e do qual ela é insepará- vel, náo deixará o navio (em movimento), mas se- gui-lo-á, e finalmente cairá no mesmo lugar em que caiu quando o navio esta va imóvel” .^Uma das razoes pelas quais Galileu faria obje- qóes ao principio da inércia em sua forma newto­niana, é que éle implica num universo infin itólo principio newtoniano da inércia diz que um corpo, movendo-se sem a aqáo de nenhuma fórqa, continua­rá a mover-se sempre em linha reta com velocidade constante, e se éle se move para sempre com velo­cidade constante deve ter a faculdade de se mover através de um espaqo que é imenso e ilimitado^ Mas Galileu afirma, na sua conclusáo dos Dois Sistemas do Mundo que “ Todo corpo em repouso, mas na­turalmente capaz de movimento, mover-se-á quando posto em liberdade sómente se tiver uma tendéncia natural em direqáo a algum lugar determinado” . Por conseguinte, um corpo náo se pode mover sim- plesmente para jora de um lugar, mas sómente em direqáo a um lugar. Afirma éle também, sem equí­vocos: “ Além disso, o movimento retilíneo, sendo por natureza infinito (porque uma linha reta é infinita, e indeterminada), é impossível que qualquer

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coisa tenha por natureza o principio de se mover ■jtinuma linha reta; ou, em outras palavras, em diregáo

a um lugar onde é impossível chegar, náo havendo fim finito. Porque a Natureza, como bem diz o próprio Aristóteles, nunca empreende o que náo pode ser feito, nem tenta mover-se para onde é impossível chegar” . assim claro que, quando Galileu fala sobre movimento retilíneo, éle entende movimento ao longo de uma porqáo limitada de uma linha reta, ou, como diríamos técnicamente ao longo de um segmento de reta. Para Galileu, como para os seus predecessores medievais, movimento aínda significava “ movimento local” , uma translaqáo de um lugar para outro, um movimento para um destino fixo e náo um movimento que meramente continua numa direqáo especificada, para sempre — salvo quanto a movimentos circulares.

A primeira referéncia de Galileu a uma espécie de inércia (referéncia publicada) aparece na sua famosa Historia e Demonstragoes Concernentes ás Manchas Solares e Seus Fenómenos, publicada em 1613 em Roma, quatro anos depois que éle comeqou suas observaqóes com o telescopio. Falando a res- peito da rotagáo das manchas ao redor do Sol, éle estabeleceu um principio de*“ inércia circular” , sus­tentando que um objeto posto em trajetória circular continuará para sempre nessa trajetória, com velo­cidade constante ao longo de um círculo, a náo ser que haja agáo de uma fórga externa. Eis o que éle diz:

“ A mim me parece ter observado que os cor- pos físicos tém tendéncia física para algum movimento (como os corpos pesados para bai­x o ), movimento que é por éles efetuado me­diante uma propriedade intrínseca, sem neces- sidade de um agente particular externo, sem­pre que náo sejam impedidos por algum obstá­culo. E para outro movimento éles tém repug-

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náncia (como os mesmos corpos pesados para movimento para cima), e portanto nunca se movem dessa maneira, a menos que sejam lanqados violentamente por um agente exter­no” .

“ Finalmente, a alguns movimentos éles sao indiferentes, como sao ésses mesmos corpos pe­sados ao movimento horizontal, para o qual nao tém nem inclinaqáo (já que náo é dirigido ao centro da Terra), nem repugnancia (visto que éle náo os carrega para longe daquele centro). E portanto, removidos todos os im­pedimentos externos, um corpo pesado, sobre uma superficie concéntrica com a Terra, será indiferente ao repouso ou a movimentos diri­gidos a qualquer parte do horizonte. E man- ter-se-á no estado em que uma vez tenha sido colocado; isto é, se colocado em estado de repouso, conservá-lo-á; e se colocado em movi­mento na direqáo oeste (por exemplo), manter- se-á nesse movimento. Assim, um navio, por exemplo, tendo uma vez recebido algum impulso através de um mar tranquilo, mover-se-ia continuamente ao redor do nosso globo, sem nunca parar; e posto em repouso, permanecería perpetuamente em repouso se no primeiro caso pudessem ser removidos todos os impedimentos externos e, no segundo caso, se nenhuma causa externa de movimento fósse acrescentada” .

A limitaqáo de Galileu quanto á inércia circular -foi atribuida, alguns parágrafos atrás, a um desejo de evitar as conseqüéncias de um universo infinito, e também á necessidade de explicar porque um corpo cai verticalmente sobre uma Terra em rotaqáo. Maso problema se torna mais complicado pelo fato de que Galileu estava sem dúvida procedendo de acórdo |com as idéias do seu tempo, em que um lugar espe-

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i

i» -i i\ rI cial era dado aos movimentos circulares.

verdadeiro náo sómente na Física de Aristóteles, mas também na maneira de Copérnico considerar o uni-

*" verso. Copérnico, fazendo-se eco de uma idéia neo- platónica, tinha dito que o universo é esférico, “ ou porque essa figura é a mais perfeita.. . ou porque é ela a de maior capacidade (isto é, de todos os sóli­dos possíveis, uma esfera tem o maior volume para uma dada superficie externa), e portanto melhor apropriada para aquilo que é destinado a conter e conservar todas as coisas; ou ainda porque todas as suas partes perfeitas, a saber, o Sol, a Lúa, as estrélas, sao assim formados; ou porque todas as coisas tendem a assumir essa forma, como se ve no caso das gotas d’água e corpos líquidos em geral, se formados livremente” . Já que a Terra é esférica,

„ perguntou Copérnico, “ Por que entáo hesitar ematribuir á Terra ésse poder de movimento natural- á sua forma (esférica) ao invés de supor um desliza- mento circular de todo o universo, cujos limites sao desconhecidos e incognoscíveis” ? Galileu féz-se eco de tais idéias a respeito de círculos, ao advogar o sis­tema de Copérnico.

Se Galileu é visto como criatura do seu tempo, ainda préso aos principio de circularid¿de em Física, podemos observar até que ponto os moldes do pen­samento geral de uma era podem limitar homens do maior génio. E as conseqiiéncias no caso de Galileu sáo particularmente interessantes no contexto déste livro. Chamaremos a atenqáo para duas délas, que

■ seráo discutidas no capítulo seguinte. Antes de maisnada, o apégo de Galileu aos círculos para as órbitas planetárias impediu-o de aceitar o conceito de órbi­tas planetárias elípticas, a notável descoberta de Ke­pler, publicada em 1609, justamente quando Galileu estava apontando o telescopio para o céu. Em

i segundo lugar, já que Galileu restringía o principioda inércia, tal como o concebía, a corpos em rotaqáo

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e a corpos pesados movendo-se livremente sobre esferas lisas com o mesmo centro que a Terra (com excegáo de objetos terrestres movendo-se em segmen­tos retilíneos) éle nunca conseguiu realizar uma verdadeira mecánica celeste. Aparentemente éle nunca tentou explicar o movimento orbital dos pla­nétas, mediante qualquer espécie de principio atuan- te de inércia circular e, como bem disse Stillman Drake, o principal perito norte-americano no estudo de Galileu, éste “ náo tentou nenhuma explicagáo da causa dos movimentos planetários, exceto para admi­tir implícitamente que, se a natureza da gravidade fósse conhecida, também isso poderia ser descober- to” . Isto foi um empreendimento reservado para Newton.

Veremos que Newton estabeleceu uma Física iner­cial que oferece uma dinámica dos corpos celestes tanto como dos objetos terrestres, e na qual só há inércia linear e de modo algum inércia circular. Grande parte do génio de Newton se revela de fato na sua análise do movimento circular, provando que ali existe uma componente inercial, no sentido linear, combinada com uma queda continua, da linha reta para a trajetória circular. Por conseguinte, ao con­trario de Galileu, Newton mostrou que o movimento ao longo de um círculo é náo-inercial, e assim sendo, requer uma fórga. No movimento circular uniforme, Newton e seu contemporáneo Christian Huygens mostraram que há uma aceleragáo que náo é unifor­me e, portanto, de uma espécie que estava além do alcance de Galileu.

Alguns eruditos encararam a carreira científica de Galileu como se toda ela exemplificasse sua batalha em prol do sistema de Copérnico. Sua guer-

^ ra contra Aristóteles e Ptolomeu tinha certamente o propósito de destruir tanto o conceito de um univer­so geostático como a Física néle baseada. O telescó-

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pió permitiu-lhe sacudir os alicerces da Astronomía ptolomaica, e suas investigares sobre Dinámica o levaram a um novo ponto de vista, partindo do qual um acontecimento numa Terra em movimento teria a mesma aparéncia que numa Terra estacionária. Galileu realmente náo explicou como a Terra se po­dia mover, mas teve éxito ao demonstrar porque ex­periéncias terrestres, tais como a queda livre de pesos, náo podem provar nem negar o movimento da Terra.

A unidade da vida ciéntifica de Galileu, combinan­do a Astronomía de observaqáo e a Física matemá­tica, provém da sua dedicaqáo a um universo tendo o Sol como centro — dedicaqáo de um certo modo reforjada a cada grande descoberta por éle feita, ora na Física, ora na Astronomia. Tendo sido o instru­mento pelo qual os gloriosos aspectos da criaqáo nos céus foram pela primeira vez plenamente revelados a um mortal, Galileu deve ter tido um especial senso de urgéncia em converter todos os seus semelhantes á verdade — isto é, ao sistema do universo de Copér­nico. Seu conflito com a Igreja Católica Romana surgiu porque na profudidade de seu coraqáo Galileu era um verdadeiro crente. Náo havia para éle ne- nhum meio-térmo, maneira alguma ■de formular cosmologias separadas, uma teológica e outra secular. Se o sistema de Copérnico era verdadeiro, como éle acreditava, que outra coisa podia fazer entáo Ga- lileu, senáo lutar, como todas as armas do seu arsenal de lógica, retórica, observagáo científica, teoria matemática e aguda perspicácia, para fazer sua Igreja aceitar um novo sistema do universo? Infelizmente para Galileu, aquéle náo era o mo­mento certo para a Igreja fazer essa mudanga, ou entáo assim pareceu de acórdo com o Concilio de Trento, e sua insistencia na interpretado li­teral das Escrituras. Náo havia como evitar o conflito* e as conseqüéncias ecoam em torno de nós,

133

numa infindável controversia literária. No contraste entre a heroica firmeza, com que Galileu tentou re­formar a base cosmológica da Teología ortodoxa, e a sua humilde genuflexáo qundo desmentiu ser adepto de Copérnico, podemos perceber as tremen­das fórqas que assistiram ao nascimento da Ciéncia moderna. E podemos vislumbrar o espirito désse ho­mem quando pensamos néle, após o seu julgamento e condenaqao, vivendo sob uma espécie de prisáo domiliar ou vigilancia, tal como o viu Milton em Arcetri, completando o seu maior trabalho cientí­fico, Discursos e Demonstrad es Concernentes a Duas Novas Ciencias. Éste livro foi a base de onde Newton comeqou sua grande exploraqáo dos prin­cipios da Dinámica de um universo que tem o Sol como centro.

C a p í t u l o 6

A MÚSICA CELESTIAL DE KEPLER

Desde os tempos dos gregos tém os dentistas insistido em dizer que a Natureza é simples. Uma das máximas familiares de Aristóteles era “ A Na­tureza náo faz, em váo, nada supérfluo” . Uma outra expressáo desta filosofía chegou até nós, de um monge e erudito inglés do século X IV , Gui- lherme de Oecam. Conhedda como sua “ lei de parcimónia” ou “ Navalha de Occam” (talvez pelo implacável corte do supérfluo) afirma ela “ Enti­dades náo sao para ser multiplicadas sem necessi- dade” . “ É váo fazer com mais, o que pode ser feito com menos” , talvez resuma esta atitude.

Vimos Galileu adotar um principio de simplicidade na sua considerado do problema do movimento acelerado, e a ciéncia física moderna apresenta outros exemplos sem conta. Na verdade, a Física atual está em crise, ou pelo menos num estado de mal-estar, porque as “ partículas elementares” , re- centemente descobertas, apresentam uma teimosa relutáncia em obedecer a leis simples. Há apenas algumas décadas, os físicos consideravam compla- centemente que o próton e o eléctron eram as únicas partículas de que éles precisavam para expli­car o átomo. Mas, agora, uma “ partícula elementar” após outra foi entrando lentamente para ésse rol até que se patenteasse que pode haver tantas délas quantos sao os elementos químicos. Ao defrontar-se com essa estonteante lista, o físico medio é tentado a fazer-se eco de Afonso o Sábio, lamentando náo ter sido-antes consultado.

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F ig. 22. A elipse, desenhada pelo método indicado em ( A ) , pode ter todas as formas mostradas em ( B) , se usar- mos o mesmo barbante, mas variarmos a distáncia entre os alfinétes, como em F¡, F», Fi, etc.

Qualquer pessoa que examine a Fig. 14, verá ¡mediatamente que nem o sistema de Ptolomeu, nem o de Copérnico, era " simples ”, em qualquer sentido

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da palavra. Sabemos hoje porque faltava simplici- dade a ésses sistemas: a restrigáo do movimento

, celeste ao círculo introduzia muitas curvas e centrosde movimento desnecessários. Se os astrónomos se tivessem utilizado de outras curvas, especialmente a elipse, um menor número délas seria um melhoi modelo. Uma das grandes contribuigóes de Keplei foi ter reconhecido esta verdade.

A Elipse e o Universo de Kepler

A elipse nos habilita a centralizar o sistema solar no verdadeiro Sol, ao invés de um “ sol médio” ou no centro de órbita da Terra, como o féz Copérnico, Assim, o sistema de Kepler apresenta um universo de estrélas fixas no espago, um Sol fixo, e uma

. única elipse para a órbita de cada planéta, com umaadicional para a Lúa. Na realidade, ,1 malaria dessas elipses, exceto quanto á órbita de Mercurio, tanto se parecem com círculos, que á primeira vista o sistema de Kepler parece ser o sistema de Copérnico simplificado, mostrado na Fig. 14, á página 51 do

} terceiro capítulo: um círculo para cada, planéta quese move ao redor do Sol, e outro para a Lúa.

Uma elipse (Fig. 22) náo é usía curva táo “ sim­ples como um círculo, conforme veremos. Para desenhar uma elipse (Fig. 22-A), fixemos dois alfinétes ou percevejos numa tábua, e néles as extremidades dum pedaqo de fio de linha. A se­guir, desenhemos a curva movendo um lápis dentro

> da alga de fio, de maneira que éste fique sempreesticado. Do método de desenhar a elipse surge a seguinte definigáo: Cada ponto P da elipse tem a propriedade de que a soma das suas distancias a dois outros pontos Fx e F2, conhecidos como focos, é constante (a soma é igual ao comprimento do

f fio ). Para cada par de focos, o comprimento dobarbante escolhido determina o tamanho e a forma

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da elipse, que pode também variar, para um dado comprimento de fio, pela colocagáo dos alfinétes perto ou longe um do outro. Assim, uma elipse (Fig. 22-B), pode ter a forma aproxima de um ovo, um charuto, ou uma agulha, ou ser quase redonda como um círculo. Mas, diferentemente do verdadeiro ovo, charuto ou agulha, a elipse deve sempre ser simétrica (Fig. 23) relativamente aos eixos, um dos quais (o eixo maior) é uma linha tragada dum lado a outro da elipse, passando pelos

T..;i

eixo menor

iF ig. 23. A elipse é sempre simétrica, relativamente áos seus eixos maior e menor.

focos, e o outro (o eixo menor), uma linha que corta a elipse ao longo da mediatriz do eixo maior. Se fizermos coincidir os dois focos, a elipse tornar- -se-á um círculo; outra maneira de dizer isto é que o círculo é uma forma “ degenerada” de uma elipse.

V As propriedades da elipse foram descritas na An- tiguidade por Apolónio de Perga, o geómetra grego que criou o esquema de epiciclos usado na Astrono-

138

mia de Ptolomeu. Mostrou Apolónio que a elipse, a parábola (a trajetória de um projétil, segundo a Mecánica de Galileu), o círculo, e uma outra curva chamada hipérbole, podem ser obtidas (Fig. 24) fa- zendo passar planos com inclinagóes diferentes atra­vés de um cone reto, ou cone de revoluqáo. Mas, até o tempo de Kepler e Galileu, ninguém tinha mostrado que as seqóes cónicas ocorrem em fenóme­nos naturais, notadamente nos fenómenos do movi­mento.

Fig. 24. As segóes cónicas sao obtidas, cortando-se um cone como indica a figura. Note-se cfue, para o círculo, o corte é paralelo á base do cone, e para a parábola éle é paralelo a uma geratriz.

Neste trabalho náo discutiremos os estágios atra­vés dos quais Johannes Kepler chegou ás suas desco­bertas. Náo que o assunto náo desperte interésse. Longe disso! Mas agora estamos interessados no aparecimento de uma Nova Física tal como vem rela­tado nos escritos da Antiguidade, da Idade Média,

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da Renascen^a e do século XVII. Os livros de Aristóteles eram muito lidos, bern como os escritos de Galileu e Newton. Os homens estudavam cuida­dosamente o Almagesto de Ptolomeu e o De Revolu- tionibus de Copérnico. Mas a obra escrita por Kepler nao era geralmente táo lida. Newton, por exemplo, conheceu os trabalhos de Galileu, mas pro- vávelmente nao leu os livros de Kepler. Pode mesmo ter adquirido seu conhecimento das leis de Kepler em segunda máo, muito provávelmente no compendio de Astronomía de Seth Ward. Mesmo hoje nao há trabalho importante de Kepler que se possa encontrar numa tradugáo completa inglesa, francesa ou italiana.

Esta negligencia quanto aos textos de Kepler nao é difícil de se compreender. A linguagem e estilo eram de inimaginável dificuldade e prolixidade, as quais, em contraste com a clareza e vigor de cada palavra de Galileu, pareciam tremendamente insu- portáveis. Isto era de esperar, urna vez que o escrito reflete a personalidade do autor. Kepler era um místico torturado, que chegou as suas gran­des descobertas por um estranho tatear, o que levou o seu mais recente biógrafo* a chamá-lo “ sonámbu­lo” . Tentando provar urna coisa, descobria outra, e nos seus cálculos cometeu erro após erro, que se cancelaram mutuamente. Era inteiramente diferente de Galileu e Newton; e nunca a busca deliberada da verdade déstes últimos poderá ser descrita como o caminhar de um sonámbulo. Kepler, que escreveu pequeñas descri^óes de si mesmo na terceira pessoa, dizendo que se tornou adepto de Copérnico ainda es- tudante, e que “ havia tres coisas em particular, a sa­ber. o número, as distancias e os movimentos dos cor- pos celestes as quais eu (Kepler) procurei saber ze-

(*) Arthur Koestler — Oí Sonámbulos, Hutchinson & Cía., Londres, 1959.

140\

losamente por que motivo eram como eram e nao di­ferentemente” . A respeito do sistema heliocéntrico, de Copérnico, em outra ocasiáo escreveu Kepler "Sei de certo que a ele devo esta obrigaijáo: que desde que reconheci a sua verdade no mais profundo de minh’al- ma e contemplei sua beleza com incrível e deslum­brante deleite, deveria defendé-lo públicamente pe- rante meus leitores, com toda a fórqa de que dispo- nho” . Mas nao era bastante defender o sistema: ele decidiu dedicar toda sua vida á descoberta de uma lei ou de um conjunto de leis que mostrassem como o sistema é auto-consistente e porque os planetas mo- vem-se ñas órbitas em que sao encontrados, e por­que se movem désse modo.

A primeira parte désse programa, publicada em 1596, quando Kepler tinha 25 anos, intitulava-se O Precursor das Disserta^oes sobre o Universo, con- tendo o Misterio do Universo. Nesse livro, Kepler anunciou o que ele considerava uma grande desco­berta, relativa as distancias dos planetas ao Sol. A descoberta nos mostra quanto estava Kepler arrai­gado á tradiqáo platónico-pitagórica, quando pro- curou encontrar na Natureza as regularidades dos modelos matemáticos. Os geómetras gregos tinham descobertos que há cinco “ sólidos regu^res” , como nos mostra a Fig. 25. No sistema de Copérnico há seis planetas: Mercurio, Venus, Terra, Marte, Jú­piter, Saturno. Entáo ocorreu a Kepler que os cin­co sólidos regulares poderiam separar as seis órbi­tas planetárias.

Come^ou ele com o mais simples désses sólidos, o cubo. Um cubo pode ser circunscrito por uma única esfera, exatamente como uma única esfera pode ser inscrita num cubo. Conseqüentemente, po­demos ter um cubo que é circunscrito pela esfera n.° 1 e contém a esfera n.° 2. Esta esfera n.° 2 contém exatamente o sólido regular seguinte o te-

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Tetraedro Cubo Octaedro

Dodecaedro IcosaedroFig. 25. Os poliedros regulares. O tetraedro tem quatro faces que sao triángulos equiláteros. O cubo tem seis faces, que sao quadrados. O octaedro tem oito faces cada urna délas um triángulo equilátero. As doze faces do dodecaedro sao pentágonos regulares. As vinte faces do icosaedro sáo todas triángulos equiláteros.

traedro, que por sua vez contém a esfera n.° 3. Esta esfera n.° 3 contém o dodecaedro, que contém por sua vez a esfera n.° 4. Ora, acontece que neste esquema os raios das esferas sucessivas estáo mais ou menos na mesma proporqáo que as distancias médias dos planetas no sistema de Copérnico, exceto quanto a Júpiter, o que nao é de surpreender, dizia Kepler, considerando quáo longe está Júpiter do sol. O primeiro esquema de Kepler (Fig. 26) era éste.

Esfera de Saturno Cubo

Esfera de Júpiter T etraedro

Esfera de Marte Dodecaedro

Esfera da Terra Icosaedro

Esfera de Venus Octaedro

Esfera de Mercurio

“ Dispus-me a provar” , disse ele, “ que Deus, ao criar o Universo e ao regular a ordem do Cosmos, tinha em vista os corpos regulares da Geometría, tais como sao conhecidos desde os dias de Pitágoras e Platáo, e que ele fixou, de acórdo com aquelas di- mensóes, o número de céus, suas proporqóes, e as relaqóes dos seus movimentos” . Mesmo que ésse livro nao tenha sido suficiente para conseguir éxito sem restrigóes, estabeleceu contudo a reputaqáo de Kepler como inteligente matemático e homem que realmente sabia alguma coisa sobre Astronomia. Com base nessa realizadlo Tycho Brahe ofereceu-lbe um emprégo. -----------------

Tem-se dito de Tycho Brahe (1546-1601), que foi o reformador da observaqáo astronómica. Usan­do instrumentos enormes e bem construidos, tinha de tal modo aumentado a exatidáo das determi­nares a ólho nu das posiqoes planetárias e das localizares das estrélas, relativamente urnas as outras, que tornou-se claro nao poder o sistema de Ptolomeu nem o de Corpénico explicar os fenóme­nos celestes. Além disso, em contraste com os as­trónomos anteriores, Tycho nao observava sómente urna vez ou outra os planetas, para fornecer dados a urna teoría ou verificar tal teoría; em vez disso, observava um planeta sempre que éste estivesse vi- sível, noite após noite. Quando Kepler se tornou

143

F ig. 26. O modelo do universo, de Kepler. Ésse estranho aparelho, consistindo dos cinco sólidos regulares encaixa- dos uns nos outros, era mais caro a seu coragáo do que as tres leis sobre as quais repousa a sua fama. De Christoforus Leibfried (1597).

144

por fim o sucessor de Tycho, herdou a maior e mais exata colegio de observaqóes planetárias — notadamente para o planeta Marte, até éntáo reu­nida. Tycho, devemos recordar, nao acreditava nem no sistema de Ptolomeu, nem no de Corpérnico, mas tinha apresentado um sistema geocéntrico de sua própria invengáo. -4Kepler, fiel á promessa que tinha feito a Tycho, tentou ajustar os dados déste último sobre o planéta Marte ao sistema tychoniano. Falhou, como também falhou ao ajustar os dados ao sistema de Copérnico. Mas vinte e cinco anos de labor produziram urna teoria nova e melhorada do sistema solar-

Kepler apresentou os seus primeiros grandes re­sultados num trabalho intitulado Comentário sobre os Movimentos de Marte, publicado em 1609, ano em que pela primeira vez Galileu apontou o seu telescopio para o céu^Kepler tinha feito setenta ten­tativas diferentes para ajustar os dados obtidos por Tycho aos epiciclos de Copérnico e aos círculos de Tycho, mas falhava sempre^ Era evidentemente ne- cessário abandonar todos os métodos admitidos de computar as órbitas planetárias, ou rejeitar como inexatas as observares de Tycho. O fracasso de Kepler pode nao parecer já o desalenta­dor como ele aparentemente pensava. Após calcular excéntricas, epiciclos e equantes em combinagóes 'íngenhosas, conseguiu éle obter um acórdo entre previsóes teóricas e as observagóes de Tycho com urna diferenga de apenas 8 minutos (8 ') de ángulo. O próprio Copérnico nunca esperava atingir urna aproximagáo superior a 10' e as Tábuas Prussianas, computadas por Reinhold, com base nos métodos de Copérnico, chegavam a se afastar 5o. Em 1609, an­tes da aplicacáo do telescopio á Astronomía, nao era grande um ángulo de 8' que é exatamente o dóbro da separagáo mínima que um ólho pode distinguir entre duas estrélas.

145

Mas Kepler nao era homem para se satisfazer com qualquer aproximado. Acreditava ele no siste­ma de Copérnico, centralizado no Sol, e também acreditava na exatidáo das observares de Tycho. Assim, escreveu:

“ Como a bondade divina nos deu em Tycho Brahe um cuidadosíssimo observador, sendo que éste cálculo apresenta o erro de 8' em re- laqáo áquelas observagóes . . . é “ justo que nós reconheqamos com gratidáo ésse dom di­vino e usemos esta dáviva de D eus.. . Porque se eu considerasse os 8' como desprezíveis, ja teria corrigido suficientemente a hipótese... revelada no capítulo X V I. Mas como nao podiam ser desprezados, estes 8' sózinhos mos- traram o caminho para a completa reforma da Astronomía, e se tornaram o objeto de grande parte déste trabalho” .

^Comegando de novo, Kepler deu por fim o passo revolucionário de rejeitar inteiramente os círculos, experimentando uma curva oval, e finalmente a elipse. Para apreciar quao revolucionário era na realidade ésse passo, lembremo-nos de que tanto Aristóteles como Platáo insistiram em que as órbitas planetárias tinham que ser combinadas a partir de círculos, e que éste principio era lugar comum, tanto no Almagesto de Ptolomeu quanto no De Revolutionibus de Copérnico.^ Galileu, amigo de Kepler, ignorou polidamente a estranha aberraqao. Mas a vitória final foi de Kepler. Éle nao somente se desembaraqou de círculos inumeráveis, necessitan- do apenas de uma curva oval para cada planeta, co­mo tornou preciso o sistema e descobriu uma rela- qáo completamente nova a insuspeitada entre a loca- lizaqáo de um planeta e sua velocidade orbital.

146

As Tres LeisO problema de Kepler nao era sómente deter­

minar a órbita de Marte, mas achar ao mesmo tempo a órbita da Terra. A razáo é que nossas observa­r e s de Marte sao feitas da Terra, que por sua vez nao se move uniformemente num círculo perfei- to, no sistema de Copérnico. Contudo, felizmente a órbita da Terra é quase circular. Kepler afastou a idéia de Copérnico, de que todas as órbitas planetá­rias seriam centralizadas no ponto medio da órbita terrestre. Em vez disso, afirmou que a órbita de cada planeta é em forma de elipse, com o Sol locali­zado num dos focos. Éste principio é conhecido como a primeira lei de Kepler.

A segunda lei de Kepler nos fala da velocidade com que um planeta se move em sua órbita. Afirma esta lei que em quaisquer intervalos iguais de tempo, uma linha tragada do planeta ao Sol varrerá áreas iguais. A Fig. 27 mostra áreas iguais para tres

PeriélioFig. 27. A lei das áreas iguais, de Kepler. Já que um planeta percorre os arcos A B , CD e EF em tempos iguais (porque as áreas SAB, SCD e SBF sao iguais), ele caminha mais depressa no ¡periélio, cfuando está mais próximo do Sol, e mais devagar no afelio, quando está mais afastado do Sol. A forma desta elipse é a da órbita de um cometa. As elipses planetárias sao mais aproximadamente circulares.

X

J

regióes de uma órbita planetária. Como as trés regióes sombreadas tém áreas iguais, os planetas devem mover-se mais depressa quando mais perto do Sol e mais devagar quando mais longe do Sol. Esta segunda lei nos diz ¿mediatamente que a apa­rente irregularidade na velocidade com que os plane­tas se movem em suas órbitas é uma variaqáo que obedece a uma condiqáo geométrica simples.

A primeira e segunda leis mostram plenamente como Kepler simplificou o sistema de Copérnico. Mas a terceira lei, também conhecida como lei har­mónica, é ainda mais interessante. É chamada lei harmónica porque o seu descobridor pensou que ela traduzisse verdadeira harmonia celeste. Kepler até intitulou o livro em que a anunciou A Harmonia do Mundo (1619). A terceira lei estabelece uma rela- gáo entre os tempos em que os planetas completam suas órbitas ao redor do Sol e suas distancias médias ao Sol. Fagamos uma tabela dos períodos (T ) e distancias médias ( D ). Nessa tabela e no texto seguinte, as distáncias sao dadas em unidades astronómicas. Uma unidade astronómica é, por de- finigáo, a distáncia média da Terra ao Sol.

M ercurio Venus Terra Marte Júp iter Saturno

Tempo de uma revoluto T (em anos)

0,24 0,615 1,00 1,88 11,68 29,457

Distáncia mé­dia ao Sol D (em unid, astronómicas) 0,387 0,723 1,00 1,524 5,203 9,539

Essa tabela nos mostra que nao há nenhuma relagáo simples entre D e 7\ Kepler, portanto, experimentou ver o que acontecería se ele tomasse os quadrados désses valores, D2 e T2. Éstes podem ser tabulados da seguinte maneira:

14£

Mercurio Venus T erra Marte Júpiter SaturnoT2 0,058 0,38 1,00 3,54 140 868D 2 0,147 0,528 1,00 2,323 27,071 90,792

Aínda nao se pode discernir nenhuma relaqao entre D e T2 ou entre D2 e T, ou mesmo entre D2 e T2. O comum dos mortais teria desistido neste ponto. Kepler nao. Táo convencido estava de que estes números deveriam estar relacionados entre si, que nunca desistiría. A potencia seguinte é o cubo. T3 revela-se inútil, mas D3 fornece os números seguin- tes. Observe-os e volte á tabeela dos quadrados.

Mercurio Venus Terra Marter Júpiter Saturno D 3 0,058 0,38 1,00 3,54 140 868

Aquí estáo portanto as harmonías celestes, a terceira lei que afirma que os quadrados dos tempos de re- volugao de quaisquer dois planetas ao redor do Sol (a Terra inclusive) sao proporcionáis aos cubos das suas distancias medias ao Sol.

Em linguagem matemática podemos dizer que “ T2 é sempre proporcional a D 3” os

lD3

------ = K,J~2

onde K é urna constante. Se adotarmos como uni­dades para D e T a unidade astronómica e o ano, entáo K tem como valor numérico a unidade. (Mas se as distancias fóssem medidas em quilómetros e o tempo em segundos, o valor da constante K nao se­ria a unidade). Outra maneira de expressar a ter­ceira lei de Kepler é

149

ZV Lh3 ZV

Ti2 T.? 1\2 Ti2

onde Dx e Tlt D% e T<¿, . . . , sao as respectivas dis­tancias e períodos de revoluqáo de qualquer planeta no sistema solar.

Para vermos como esta lei pode ser aplicada, supo- nhamos que um novo planeta fósse descoberto, a uma distáncia media de 4UA do Sol. Qual o seu período de revoluqáo? A terceira lei de Kepler nos diz que a razáo D 3/T2 para éste novo planeta deve ser a mesma que a razáo D03/T02 para a Terra.Isto é,

D3 { \ U A y

T2 (1 ano) 2

Como D = 4 UA,

(4 U A ) 3 (1 U A ) 5

T2 (1 ano)2

64 1

T2 (1 ano)2

T2 = 64 X (1 ano)2

T = 8 anos

Também pode ser resolvido o problema inverso.Qual é a distáncia ao Sol, de um planeta que tenha o período de revolugáo de 125 anos?

D3 ( l U A y------ = ---------------- t

T2 (1 ano)2

150 _

D3 (1 U A ) 3

T2 ( la ñ o )2

i • -f ■ ) « ! « « 0 I ¿ o -

¡. Z33 (1U A )3

125 X 125 (1 ano)2

D 3 = 25 X 25 X 25 X (1 ) 3

D = 25 UA

Problemas semelhantes podem ser resolvidos para qualquer sistema de satélites. A significado desta terceira lei é que ela é urna condiqáo necessária isto é, ela afirma que em qualquer sistema de satélites é impossível estes se moverem com qualquer veloci­dade a qualquer distancia. Urna vez escolhida a dis­tancia, está determinada a velocidade. No nosso sistema solar esta lei implica em que o Sol fornece a fórqa que governa, que mantém os planetas mo- vendo-se como o fazem. De nenhum outro modo podemos explicar o fato de que a velocidade seja táo precisamente relacionada com a distancia ao Sol. Kepler pensava que a aqáo do Sol era magnética, pelo menos em parte. Era sabido em seus dias que um ímá atrai outro ími mesmo que distancia con- siderável os separe. Kepler tinha conhecimento de que um físico da Rainha Elizabeth, William Gilbert (1544-1603) tinha mostrado que a Terra é um imenso ímá. Se todos os objetos do sistema solar apresentam mais semelhangas do que diferengas, como mostrou Galileu, por que nao seriam o Sol e os outros planetas ímás como a Terra?

A hipótese de Kepler, por tentadora que seja, nao leva diretamente a explicar porque os planetas se movem em elipses e varrem áreas iguais em tempos iguais. Nem nos diz porque a relaqáo particular distáncia-período, que ele encontrou, realmente se

151

I-

mantém. Nem parece ela relacionada de modo a1- gum a problemas tais como a queda dos corpos — segundo a lei de Galileu — sobre uma Terra estacionária ou em movimento, visto que a ro­cha ou um pedago de madeira comuns nao sao magnéticos. E ainda assim veremos que Newton, que finalmente respondeu a todas estas questóes, baseou suas descobertas ñas leis encontradas por Kepler e Galileu.

Kepler versus adeptos de CopérnicoPor que nao foram universalmente aceitos pelos

adeptos de Copérnico os belos resultados de Kepler? Entre o tempo da sua publicagáo (I, II, 1609, III, 1619) e a publicado dos Principia de Newton em 1687, há muito poucas referencias as leis de Kepler. Galileu, que recebeu copia dos livros de Kepler e que estava cíente da proposta das órbitas elípticas, nunca se referiu nos seus escritos científicos a qual- quer das leis de Kepler, se ja para elogiá-las, seja para criticá-las. Em parte, a reaqao de Galileu deve ter sido Coperniciana, prendendo-se á crenga na circularidade, como está implícito no próprio título do livro de Copérnico: Sobre a Revolugao das Es­feras Celestes. Ésse trabalho comega com um teo­rema : 1. O Universo é esférico. Os argumentos de Copérnico eram dados no fim do último capítulo A isto se segue a discussáo do tópico “ O movimento dos corpos celestes é uniforme, circular e perpétuo, ou composto de movimentos circulares” . O argu­mento principal é o seguinte:

“ A rotagáo é o movimento natural de uma esfera e, por ésse próprio ato, sua forma é ex- pressa. Pois aqui nos ocupamos com a forma mais simples de corpo, no qual nem comégo nem fim podemos distinguir, nem se ele gira

152

sempre no mesmo lugar, podemos distinguir um do outro.

“ Devemos concluir (a despeito de quaisquer irregularidades aparentemente observadas, tais como movimento retrógrado dos planetas) que os movimentos désses corpos sao sempre cir­culares ou compostos de círculos. As pró- prias irregularidades estáo sujeitas a urna lei determinada e aparecem a intervalos de tempo regulares, e isto nao poderia acontecer se os movimentos nao fóssem circulares, porque sómente descreyendo um círculo pode um cor- po retornar ao lugar de onde partira. Assim,o Sol, por urna composigáo de movimen­tos circulares, mantém sempre repetidos, os dias e as noites e as quatro estaqóes do ano” .

Portanto, Kepler procedía de maneira notoria­mente náo-Coperniciana, nao admitindo que as ór­bitas planetárias fóssem ou “ círculos” , ou “ compos­tas de círculos” ; além disso, chegou á sua conclusáo, em parte pela reintrodugáo de um aspecto da Astro­nomía de Ptolomeu fortemente impugnado por Co­pérnico, o equante. Dizia Kepler que urna linha pas- sando por qualquer planeta e pelo foco da sua elipse nao ocupado pelo Sol (Fig. 28) gira uniformemen­te, ou que tal linha varreria ángulos iguais em tem­pos iguais porque ésse outro foco é o equante. (P o­demos observar, a título de informado, que esta úl­tima “ descoberta” de Kepler nao é verdadeira).

De todos os pontos de vista, as elipses devem ter parecido contestáveis. Que espécie de fórqa poderia agir sobre um planeta ao longo de urna trajetória elí- tica, de modo que a varia<jao conveniente de velocida­de seja a exigida pela lei das áreas? Nao reprodu- ziremos a discussáo de Kepler sobre éste ponto, mas

153

F ig . 28. A lei do equante, de Kepler. Se um planeta se move de tal maneira que em tempos iguais varre ángulos iguais, relativamente ao foco F nao ocupado pelo Sol/*S /-Sele percorrerá os arcos AB e CD em tempos iguais, porque os ángulos a e P sao iguais. De acórdo com esta lei, o planeta se move mais rápidamente ao longo do arcoAB (em periélio) do que ao longo do arco CD (em afélio), como prevé a lei das áreas iguais. Nao obstante, esta lei é falsa.

limitaremos nossa atengáo a um de seus aspectos.Kepler supunha que alguma especie de fórqa ou e- .manaqáo provinha do Sol e movia os planetas. “ Es- sa fórqa algumas vézes chamada anima motrix — nao agiría em todas as direqóes, a partir do Sol.Qual o motivo? Antes de tudo sua funqao é mover os planetas, e os planetas se situam todos quase num único plano, o plano da eclílica. Sendo assim, supós Kepler que essa anima motrix agisse sómente no plano de.eclítica. Kepler tinha descoberto que a luz, 1que se propaga em todas as direqóes, diminuí em intensidade na razao inversa do quadrado da distán­cia, isto é, se há certa intensidade ou brilho a tres metros de uma lámpada, o brilho a seis metros de distáncia é um quarto do primeiro, porque qua tro é o quadrado de dois, e a nova distáncia é duas 4vézes a primeira. Em linguagem matemática,

154

intensidade « --------------------1 (distancia)2

Kepler sustentava que a fórqa solar nao se propaga em todas as diregóes, de acórdo com a lei do inver­so do quadrado da distancia, como o faz a luz solar, mas sómente no plano da eclitica, segundo lei intei-

v ramente diversa. É desta suposigáo duplamente er­rónea que Kepler deduziu sua lei das áreas — e isto antes de descobrir que as órbitas plentárias sao elip­ses! A diferenqa entre o processo de Kepler e o que nós consideraríamos “ lógico” , é que Kepler nao achou em primeiro lugar a verdadeira trajetória de Marte ao redor do Sol, para entáo computar sua ve-

( locidade em termos da área varrida por um segmen­to de reta que vai do Sol a Marte. Éste é apenas um exemplo da dificuldade em seguir Kepler atra- vés do seu livro sobre Marte.

A Contrihuigdo de Kepler

Galileu tinha particular aversáo á idéia de que emanagóes solares ou fórqas misteriosas, agindo á distancia, poderiam afetar a Terra ou” qualquer de suas partes. Éle nao apenas rejeitou a sugestáo de Kepler, de que o Sol podia ser a origem de urna fórga de atraqáo, que movia a Terra e os planetas (na qual se baseavam as duas primeiras leis de Ke­pler), mas especialmente repeliu a sugestáo déste último, segundo a qual urna fórga ou emanagáo li­near poderia causar as marés. Assim, escreveu éle:

“ Mas entre todos os grandes homens que tém filosofado sobre éste notável efeito, mais

; me admira Kepler do que qualquer outro. Adespeito de sua mente aberta e aguda, e embo-

1

155

ra tenha na ponta dos dedos os movimentos atribuidos á Terra, nao obstante deu ouvidos e o seu assentimento ao dominio da Lúa sobre as águas, e propriedades ocultas e outras pue­rilidades” .

Quanto á lei harmónica, ou terceira lei, podemos perguntar através da voz de Galileu e seus contem­poráneos: Isto é ciencia ou numerologia? Kepler já se tinha comprometido em obra impressa, com a crenqa de que o telescopio havia de revelar nao só os quatro satélites de Júpiter, descobertos por Gali­leu, como dois de Marte e oito de Saturno. A ra­záo para ésses números particulares de satélites era a crenqa entáo existente de que o número de saté­lites por planéta deveria crescer segundo uma progressáo geométrica um (para a Terra), dois (para Marte, quatro (para Júpiter), oito (para Saturno). Nao era a relaqáo de Kepler, distan­cia-período, digamos assim, muito mais uma pres- tidigitagáo numérica do que ciencia? E nao era prova do aspecto nao científico de todo o livro de Kepler a maneira como ele tentou acomodar os aspectos numéricos dos movimentos e localizares dos planetas dentro das questóes colocadas no ín­dice do Livro Quinto da sua Harmonia do Mundo ?

“ 1. Sobre os cinco sólidos geométricos regu­lares.

2. Sobre a relaqáo entre éles e as razóes harmó­nicas.

3. Sumario da doutrina astronómica necessária para a especuladlo sobre as harmonías celes­tes.

4. Em que coisas pertinentes aos movimentos planetários foram expressas consonancias simples e sobre o fato de que todas as con- sonáncias musicais sao encontradas nos céus.

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5. Que as chaves da escala musical, ou os tons do sistema, e os géneros de consonancia, maior e menor, estao expressos em certos movimentos.

6 . Que os Tons ou Modos musicais estao, de certo modo, expressos pelos planétas.

7. Que os contrapontos ou harmonías univer- sais de todos os planétas podem existir e ser diferentes uns dos outros.

8 . Que os quatro tipos de vozes estao expressos nos planétas: soprano, contralto, tenor e baixo.

9. Demonstradlo de que, a fim de assegurar esta disposiqáo harmónica, aquelas mesmas excen­tricidades planetárias, que cada planéta tem em particular, tinham de existir.

10. Epílogo, relativo ao Sol, por meio de hipóte- ses muito férteis” .Abaixo sao mostrados “ cantos” entoados pelos planétas, no esquema de Kepler.

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-*

Saturno Júpiter M arte

J

Terra Venus MercurioF ig . 29. A música dos planétas, segundo Kepler, no seu livro Harmonía do Mundo” . Nao é de estranhar que tim

homem como Galileu se aborrecesse com tal leitara!

157

De certo, um homem da tempera de Galileu acharia difícil considerar tal livro uma contribuido séria para a Astronomía.

O último dos grandes livros de Kepler foi um Epítome da Astronomía de Copérnico, pronto para publicadlo nove anos antes da sua morte em 1630. Defendeu néle suas divergencias corno o sistema original de Copérnico. Porém o mais interessante para nós, é que, neste livro, como na Harmonia do Mundo (1609), Kepler de novo e orgulhosamente apresenta a sua mais antiga descoberta, relativa aos cinco sólidos regulares e os seis planetas. Era esta, sustentava ele aínda, a razáo para ser seis o nú­mero de planetas existentes.

Deve ter sido táo trabalhoso extrair as leis de Kepler do resto de seus escritos, quanto refazer as descobertas. Kepler merece considerado por.-ler sido o primeiro dentista a reconhecer que o con- ceito de Copérnico, da Terra como planeta, e as descobertas de Galileu, exigiam a existencia de uma só Física, aplicável igualmente aos objetos celestes e aos_ corpos terrestres comuns.. Mas, infelizmente; Kepler permaneceu táo vinculado á Física de Aris­tóteles que, quando tentou pro jetar uma Física ter­restre nos céus, esta era ainda aristotélica. Assim, o principal objetivo de sua Física nao foi alcanzado, e a primeira Física viável para o ceu e a Terra pro- vém, nao de Kepler, mas de Galileu e ganhou for­ma sob a direqáo magistral de Isaac Newton.

158

C a p í t u l o 7

UM GRANDE DESIGNIO — UMA NOVA FISICA

A publicagáo, em 1687, dos Principia de Isaac Newton, foi um dos mais notáveis acontecimentos em toda a historia da Física. Néles se encontram sintetizados milhares de anos de luta pela compre- ensáo do sistema do mundo, dos principios de fór- 9a e movimento, e da Física dos corpos que se mo- vem em meios diferentes. E nao é pequeño teste- munho da vitalidade do génio cinetífico de Newtono fato de que, embora a Física dos Principia tenha sido alterada, mel horada, e posta á pro va, desde en- táo, nós aínda procedemos, ao resolver a maioria dos problemas de Mecánica Celeste e da Físíca dos grandes corpos, essencialmente como o fez Newton há cerca de trezentos anos atrás. E se isto nao é bastante para satisfazer os cánones de grandeza, foi

.[ Newton igualmente grande como matemático puro. Éle criou o cálculo integral e diferencial (realizado simultánea e independentemente pelo filósofo ale- máo Gottfried Wilhelm Leibniz). que é a linguagem da Física; desenvolveu o teorema do binomio e varias propriedades das séries infinitas; lanqou ainda os fundamentos do cálculo das varíaqóes. Na Ótica, Newton comegou o estudo da análise e com- posiqáo da luz, mostrando que a luz branca é com­posta de luzes de muitas cores, tendo cada uma um índice de refracgáo característico. Sobre essas pes­quisas se baseia a espectroscopia e os métodos de análise das cores. "^Newton inventou o telescopio de reflexáo, mostrando assim aos astrónomos como

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transpor as limitagóes do telescopio construido com lentes* Em conjunto, foi um empreendimento cientí­fico fantástico — de uma fecundidade que nunca foi igualada.

Neste livro trataremos exclusivamente do siste­ma de dinámica e gravitagáo, de Newton, proble­mas centráis para os quais os capítulos precedentes foram uma preparaqáo. Se vocé os leu cuidadosa­mente, iá conhece os principáis ingredientes neces- sários á compreensáo do sistema do mundo segundo Newton, faltando apenas um elemento. Mas, ainda que éste fósse dado — a análise do movimento circular uniforme — a máo guiadora de Newton ainda seria necessária para combinar os ingredien­tes. Foi preciso génio para conceber o novo con- ceito da gravitagáo universal. Vejamos o que real­mente féz Newton.

Antes de mais nada, deve-se compreender que o próprio Galileu nunca tentou criar qualquer esquema de Mecánica que levasse em considerado o movi­mento dos planétas e de seus satélites. Quanto a Copérnico, o De Revolutionibus nao contém qual­quer incursáo na Mecánica celeste. Kepler tinha tentado apresentar uma mecánica celeste mas o re­sultado nunca foi feliz. Sustentava éle que a ani­ma motrix, emanando do Sol, causaría a revolugáo dos planétas ao redor déle, em círculos. Supós, além disso, que a interaqáo magnética entre o Sol e cada planeta transformaría em elítica a órbita que, nao fósse isso, seria circular. Outros que me- ditaram sobre os problemas do movimento plane- tário propuseram sistemas mecánicos contendo cer- tos aspectos que teriam de aparecer mais tarde na Dinámica newtoniana. Um déles foi Robert Hooke, que muito compreensivelmente pensava que Newton lhe deveria ter dado mais consideradlo do que uma

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simples referencia passageira, por ter antecipado partes das leis da Dinámica e da gravitarlo.

Antecipagoes newtonianas

O capítulo principal na descoberta da Mecánica do universo comega com uma linda historia. Ali pelo terceiro quartel do século X V II, um grupo de ho- mens estava táo firmemente interessado no progres- so das novas ciencias matemático-experimentais, que se reuniam para realizar experiencias em conjunto, propor problemas uns aos outros, relatar suas pró- prias pesquisas e as de outros, reveladas por corres­pondencia, livros e panfletos. Reuniam-se Robert Hooke, Edmund Halley e Sir Christopher Wren, o mais famoso arquiteto da Inglaterra, para discutiro seguinte: “ sob que lei de fórga seguiría um pla­neta uma órbita elíptica?” Segundo as leis de Kepler— especialmente a terceira, ou lei harmónica, mas também a segunda, ou lei das áreas — era claro que o Sol, de um modo ou de outro, devia con­trolar, ou pelo menos afetar o movimento de um planeta, de acórdo com a sua proximidade. Mes- mo que os mecanismos particulares propostos por Kepler tivessem de ser rejeitados, (anima motrix e uma fórga magnética) nao podia haver dúvida de que alguma espécie de interagáo planéta-SoI man- tém em suas órbitas os planetas. Além disso, uma intuigáo mais aguda que a de Kepler sentiría que qualquer fórga emanada do Sol devia expan- dir-se em todas as diregóes a partir daquele corpo, presumivelmente diminuindo, segundo o inverso do quadrado da sua distáncia ao Sol — como a luz diminuí de intensidade em relagáo á distáncia do objeto á fonte luminosa. Dizer porém tudo isto é coisa muito diversa do que o provar matemática­mente. Porém tal prova exigiría uma Física com­pleta, com métodos matemáticos para solucionar

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todos os problemas relacionados e conseqiientes. Ao negar apreso a autores que lanqavam afirmaqoes gerais, sem as poderem provar matemáticamente, estava Newton plenamente justificado ao dizer, como o féz a respeito das reinvidicaqóes de Hooke: “ Ora, esta é muito boa! Os matemáticos, que des- cobrem, esabelecem e fazem todo o trabalho, devem contentar-se em ser apenas calculadores secos e escravos; e um outro, que nada faz mas apenas levanta hipóteses sobre todas as coisas, deve rece- ber as glorias da invenqáo, da mesma maneira que os que o seguiram ou antecederam” .

Em todo caso, em janeiro de 1684, Halley tinha concluido que a fórqa que atua sobre os planétas, para os conservar em suas órbitas “ diminuí propor­cionalmente aos inversos dos quadrados das distán- cias” ,

1F ce ----------

D2

mas nao fóra capaz de deduzir dessa hipótese os movimento observados dos corpos celestes. Quando Wren e Hooke se encontraram no mes seguinte, concordaram com a hipótese de Halley, de uma fór­qa solar. Hooke gabou-se “ de que a partir de tal principio todas as leis dos movimentos celestes po- diam ser demonstradas, e que éle próprio o tinha feito” . Mas, a despeito de insistentes reclamaqóes e do oferecimento, por Wren ,de um considerável pré- mio monetário, Hooke nao apresentou uma soluqáo e é de presumir que nao o pudesse fazer. Seis meses mais tarde, em agosto de 1684, Halley decidiu ir a Cambridge a fim de consultar Newton. Ao che- gar, soube da “ boa noticia” , de que Newton tinha levado até á perfeiqáo essa demonstraqáo” . Eis aqui um relato, quase contemporáneo, dessa visita:

162

A

“ Sem mencionar suas próprias especulares nem as de Hooke e Wren, éle ¡mediatamente indicou o objetivo de sua visita ao perguntar a Newton qual seria a curva descrita pelos planetas na hipótese de que a gravidade diminuísse com o quadrado das dis- táncias. Newton respondeu imediatamente: “ Uma e l i p s e Tofnado de alegría e espanto, perguntou Halley como éle o sabia! “ Ora, eu o calculei” , replicou éle. E, sendo-lhe pedido o cálculo, nao con- seguiu encontrá-lo mas prometeu remeté-lo. Depois que Halley deixou Cambridge, tentou Newton re- produzir o cálculo, mas nao conseguiu obter o mes- mo resultado. Ao examinar cuidadosamente seu diagrama e cálculos, descobriu que, ao desenhar grosseiramente a elipse com sua própria máo, tinha desenhado os dois eixos da curva, ao invés de dois diámetros conjugados, um tanto inclinados um parao outro. Corrigido éste érro, obteve éle o resultado que tinha anunciado a Halley” .

Espicaqado pela visita de Halley, recomeqou Newton um trabalho sobre assunto que tinha atraí­do a sua atenqáo aos vinte anos, quando lanqara os fundamentos de suas outras grandes descobertas científicas: a natureza da luz e da c»r branca e o cálculo integral e diferencial. Éle pos entáo em ordem suas investigaqóes, féz grandes progressos, e no outono désse ano discutiu suas pesquisas numa série de conferéncias que féz na Universidade de Cambridge como exigéncia do seu exercício do ma- gistério. Finalmente, encorajado por Halley, a minuta dessas conferéncias, De motu corporum, transformou-se num dos maiores livros e que exer- ceu maior influéncia que qualquer outro concebido pelo homem. ’ Muitos cientistas fizeram eco ao sen- timento expresso por Halley numa ode que escreveu como prefácio dos Principia de Newton (ou, para

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dar o título completo da obra-prima de Newton. Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, Os Principios Matemáticos da Filosofía da Natureza, Londres, 1687) :

Agora, vós que estáis nos longitudes celestes, Vinde celebrar comigo em cantos o nome De Newton, caro as Musas porque Éle encontrou os ocultos tesouros da verdade, T olo opulentamente Febo langou em sua mente A radiagao de sua própria divindade.Mais próximo aos deuses nenhum mortal pode

[chegar.

Os Principia

Os Principia dividem-se em tres partes ou livros; nós nos concentraremos no primeiro e ter- ceiro. No Livro Primeiro, Newton desenvolve os principios gerais de dinámica dos corpos em movi­mento, e no Livro Terceiro éle aplica os principios ao mecanismo do universo. O Livro Segundo trata da mecánica dos fluidos, da teoría das ondas e outros aspectos da Física.

No Livro Primeiro, em seguida ao prefácio, a uma série de definigóes, e a uma discussáo da na­tureza do tempo e do espago, apresentou Newton os “ Axiomas, ou Leis do Movimento” .

Primeira Lei

Todo corpo permanece no seu estado de re- pouso, ou de movimento retilíneo uniforme, a menos que seja compelido a modificar ésse es­tado por fórgas sobre éle aplicadas.

164

Segunda Lei

A variagáo do movimento é proporcional á fórga motril aplicada; e se dá na diregáo da reta ao longo da qual essa fórga é aplicada.

Devemos observar que, se um corpo está em “ movimento retilíneo uniforme” , uma fórga em ángulos retos com a diregáo do movimento do corpo nao afetará o movimento para a frente. Isto decor- re do fato de que a aceleragáo se faz sempre na mesma diregáo da fórga que a produz, de maneira que a aceleragáo, neste caso, se faz em ángulos retos com a diregáo do movimento. Assim, na ex­periencia do trem de brinquedo do Capítulo 5, a a principal fórga em agáo é a fórga descendente da gravidade, que produz uma aceleragáo vertical. A bola, quer tenha sido lanzada para a frente, quer nao, tem o seu movimento ascendente retardado gra- dativamente até ficar em repouso, depois disso a bola ganha velocidade ou é acelerada na trajetória descen­dente.

Uma comparagáo das duas séries de fotografías mostra que os movimentos ascendente e. descenden­te sao exatamente os mesmos, esteja o trem em repouso ou em movimento uniforme. Na diregáo horizontal, nao há o efeito do peso ou gravidade, já que esta atua sómente em diregáo vertical. A única fórga horizontal, é a pequeña resultante do atrito com o ar, que é quase desprezível; assim, podemos dizer que na diregáo horizontal nao há fórga em agáo. De acórdo com a primeira lei do movimento de Newton, a bola continuará a mover­se para a frente “ com movimento retilíneo unifor- tne” , extamente com faz o trem — fato que se pode verificar examinando a fotografia. A bola permanece acimá dá lócoinotiva, esteja o trarn em repouso ou em moviniento retilíneo uniforme. Esta

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lei do movimento é as vézes chamada “ Principio de Inércia” , e a propriedade que tém os corpos mate- riais de continuar num estado de repouso ou de movimento retilíneo uniforme é, algumas vézes conhecida como inércia dos corpos*.

Newton ilustrou a Primeira Lei por meio de re- feréncias a projéteis, que continuam seu movimento para a frente “ desde que nao sejam retardados pela resisténcia do ar, ou impelidos para baixo pela tor­ga da gravidade” . Referiu-se éle também aos “ cor- pos maiores, como planétas e cometas” . Nessa única penada Newton estabeleceu um ponto de vista opos- to á Física de Aristóteles. Nesta última, nenhum corpo celeste podía mover-se uniformemente em linha reta, na auséncia de uma fórga, porque isto seria um movimento “ violento” , contrário assim á sua natureza. Nem poderia um objeto terrestre, como vimos, mover-se ao longo da linha reta “ na­tural” , sem um agente externo, ou uma fórga motriz interna. Newton, pressentindo uma Física que se aplicasse tanto a objetos terrestres como celestes, afirmou que, na auséncia de uma fórga, os corpos nao fieam necessáriamente imóveis, como supós Aristóteles, mas podem apresentar movimento retí- líneo uniforme. Essa “ indiferenga” de toda espe­cie de corpo em relagáo ao repouso ou ao movi­mento retilíneo uniforme, na auséncia de uma fórga, é claramente uma forma mais elaborada da afirma- gao de Galileu nos seus Estudos sobre as Manchas Solares (pág. 129), consistindo a diferenga em que Galileu, naquele trabalho, escrevia sobre o moví-

(*) A afirmagao mais antiga desta lei foi feita por Rene Descartes em trabalho que nao publicou. Apareceu impressa pela primeira vez num trabalho de Pierre Gassendi. Porém, antes dos Principia de Newton, náo havia Física inercial completamente desenvolvida. Nao deixa de ser significativo que ésse livro de Descarte fósse baseado no ponto de vista de Copérnico; Descartes o suprimiu ao saber da condenado de Galileu. Gassendi era, do mesmo modo, adepto de Copérnico. Éle fez realmente experiencias com objetas soltos de navios e carruagens em movimento para testar as conclusóes de Galileu»

1M

mentó uniforme ao longo de uma grande superfcie esférica, concéntrica com a Terra.

• Disse Newton, das Leis do movimento, que elaseram "principios no sentido dado pelos matemáticos, e . . . confirmados por um grande número de experiéncias. AfPelas duas primeiras leis e os dois primeiros corolários, Galileu descobriu que a queda dos corpos varia com o quadrado do tempo, e que

i o movimento de um projétil tem como trajetóriauma parábola^ a experiencia concordando com am­bas, excetuadas as discrepancias devidas á resis- téncia do ar” . Os “ dois corolários” tratam dos métodos usados por Galileu e muitos dos seus pre- decessores, para combinar duas fórqas diferentes ou dois movimentos independentes.* Cinqüenta anos após a publicadlo das Duas Novas Ciencias, de Galileu, era difícil para Newton, que já tinha esta­blecido uma Física inercial, conceber que Galileu, tendo chegado táo próximo do conceito de inércía, nao tenha abandonado completamente a circularida- de e formulado um verdadeiro principio de inercia

rNewton estava sendo muito generoso para com

Galileu porque embora se possa alegar^que Galileu “ em verdade” formulou a lei da inércia, ou Pri- meira lei de Newton, é necessário um grande poder de imaginado para outorgar a Galileu qualquer crédito, relativamente á Segunda Lei. Esta lei tem duas partes. Na segunda parte do enunciado de Newton da Segunda Lei, está dito que a “ variaqáo no movimento” , produzida por uma forqa “ aplica­da ou motriz” — seja uma mudanqa na rapidez com que se move o corpo ou uma mudanqa na diregáo do movimento — que tal variaqáo sempre se

I dá “ na direqáo da linha reta ao longo da qual a1 fórqa é aplicada” . Tudo isto está certamente’ im­

plícito na análise feita por Galileu, do movimento

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do projétil, porquanto Galileu admitiu que na dire- qáo horizontal nao havia aceleraqáo, porque nao havia fórqa horizontal, exceto a desprezível aqáo da resistencia do ar; na direqáo vertical porém, há uma aceleraqáo, havendo um aumento continuo na; velocidade da queda pela aqáo da fórqa-péso. Mas a primeira parte da Segunda Lei — que a variaqáo na quantidade de movimento está relacionada com a fórqa motriz — é alguma coisa mais; só um Newton poderia té-la visto nos estudos de Galileu sobre a queda dos corpos. Esta parte da Lei diz que, se um objeto estivesse su jeito á aqáo, primeiro de uma fórqa Fx e depois de alguma outra fórqa F,, as aceleraqóes ou mudanqas produzidas na ve­locidade, A x e Aa, seriam proporcionáis ás fórqas, ou que

Fi A x F i F ¡¡

F% A$ A i Ag

Porém, ao analisar a queda, Galileu ocupava-se com uma situaqáo em que só uma fórqa atuava em cada corpo, o seu peso P, e a aceleraqáo por ela pro- duzida era g, a aceleraqáo de um corpo em queda livre.

Enquanto Aristóteles tinha dito que uma fórqa aplicada a um corpo con feria a éste uma velocidade caraterística. dizia agora Newton que uma fórqa dada produz sempre naquele corpo uma aceleraqáo definida A. Para achar a velocidade V, precisamos saber durante quanto tempo T a fórqa atuou,' ou durante quanto tempo o corpo foi acelerado, de modo que a lei de Galileu

V = A T

pudesse ser aplicada.Neste ponto, tentemos uma experiencia mental,

em que admitimos dois cubos de aluminio, um exa-

168 —

6 1 3 3 2tamente com o dóbro do volume do outro. (Diga­mos de passagem que “ duplicar” um cubo — ou fazer um cubo que tenha exatamente duas vézes o volume de outro é táo impossível dentro da es- trutura da Geometría euclidiana, como fazer a tri- secqáo de um ángulo ou a quadratura do círculo). Suponhamos agora o cubo menor sujeito a um conjunto de fórqas F lf F¡¡, F s . . . e determine­mos as aceleraqóes A t, A 2, A ¡ . . . De acórdo com a Segunda Lei, verificamos que há certo valor cons­tante da razáo entre fórqa e aceleragáo

Fi F2 Fa

A i A% A 3

a qual, para éste objeto, chamaremos mp. Agora repetimos as operaqóes com o cubo maior e achamos que a mesma série de fórqas Fi, F2, F3 produz respectivamente um outro conjunto de aceleraqóes a¡, a¡¡, as, . . . De acórdo com a segunda Lei de Newton a razao fórga-aceleragáo é de novo uma constante que, para éste objeto, chamaremos mg

Fi F2 F3------ = -------= -------- = . . . ma

Ü\ 0>2 #3

■* Para o objeto maior, a constante obtida é duas vézes maior que a constante obtida para o menor e, em ge- ral, quando tratamos com uma única espécie de ma- téria, como o aluminio puro,'' essa constante é pro­porcional ao volume, e assim é uma medida da qítantidade de aluminio em qualquer amostra. Esta constante particular é uma medida da resisténcia de um objeto á aceleragáo,4 ou uma medida da ten­dencia do objeto a permanecer como está — ou em repouso ou em movimento retilíneo. Devemos obser­var que ntB era o dóbro de mp; para dar aos dois

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objetos a mesma aceleragao ou variaqáo do movi­mento, a fórga necessária para o objeto maior é exatamente o dóbro da que deve ser aplicada para o menor. A tendencia de qualquer objeto a conti­nuar no seu estado de movimento (com velocidade constante em linha reta), ou no seu estado de repouso é chamada inercia; daí chamar-se também a Primeira Lei de Newton de Principio da Inércia. Assim, a constante determinada pelo valor da razáo constante fórca-aceleragao para qualquer corpo da­do, pode ser chamada a inércia do corpo. Entretan­to, para os nossos blocos de aluminio, esta mesma constante é também um medida da “ quantidade de materia” existente no objeto, a qual é chamada massa. Tornamos agora precisa a condigáo para que dois objetos de diferentes materiais — digamos um de louca e outro de madeira — tenham a mesma “ quantidade de matéria” ; éles devem ter a mesma massa, determinada pela razao fórqa-aceleraqáo, ou a mesma inércia.

Na vida prática, nao comparamos a “ quantidade de matéria” nos objetos, em termos de suas inércias, mas em termos de seus pesos. A Física; de Newton esclarece porque podemos proceder assim, e através dos seu esclarecimento podemos compreender porque, em qualquer lugar da Terra, dois pesos desiguais caem no vácuo com a mesma velocidade. Mas pode­mos observar que, pelo menos numa situaqáo, com­paramos as inércias de dois objetos ao invés dos seus pesos. Isto acontece quando uma pessoa sopesa dois objetos, para verificar qual é o mais pesado, ou tem maior massa. Ela nao os segura para ver qual déles puxa mais para baixo o seu brago; em vez disso, ela os move para cima e para baixo, para verificar qual déles é mais fácil de mover. Désse modo ela determina qual déles apresenta maior re­sistencia a uma mudanga no seu estado de repouso

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ou de movimento em linha reta — isto é, qual o que tem maior inércia.

Formulagao Final da Lei da Inércia

Num ponto do seu livro Discurso e Demonstra- gdes Concernentes a Duas Novas Ciencias, Galileu imaginou o movimento de uma bola rolando ao longo de um plano, “ com um movimento que é uniforme e perpétuo, desde que o plano nao tenha limites” . Um plano sem limites está muito bem para um matemático puro cuja atitude é sempre platónica. Mas Galileu era um homem que combi- nava ésse platonismo com uma preocupado com o mundo da experiencia sensorial. Ñas Duas Novas Ciencias, Galileu nao estava interessado em abstra- qoes como tais, mas na análise dos movimentos reais, sobre ou próximos da Terra. Assim, compre- endemos que, embora tendo falado de um plano sem limites, éle nao continua com tal fantasía, mas per- gunta o que acontecería em tal plano, se fósse um plano real terrestre, o que para éle significa que éle seria “ limitado e elevado” . A bola, no mundo real da Física, cai fora do plano e comeqa a cair para o solo. Neste caso; »

" . . . a partícula em movimento, que imagina­mos ser pesada, ao passar sobre a borda do plano, adquire, em adigáo ao seu próprio e perpétuo movimento, uma propensáo para baixo, devida ao seu próprio peso; e o faz de tal modo que o movimento resultante, que eu chamo projeqáo, é composto de um que é uniforme e horizontal e de outro que é vertical e naturalmente acelerado” .*

De um modo diverso de Galileu, Newton^ fez uma clara separacáo entre o mundo da Matemática

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abstraía e o mundo da Física, que éle ainda cha- mava Filosofía. Assim, os Principia abrangiam os “ principios matemáticos” como tais, e aquéles que pudessem ser aplicados em “ Filosofía natu­ral” , mas as Duas Novas Ciencias de Galileu incluíam sómente as condiqoes matemáticas encontradas na Natureza. Por exemplo, Newton sabia plenamente que a fórga atrativa, exercida pelo Sol sobre um planéta, varia segundo o inverso do quadrado da distáncia,

1F ce ------

Z)2

Mas no segundo livro dos Principia éle explorou as conseqiiéncias nao só desta fórga particular, mas de outras que sao f úngeles da distáncia do tipo:

F ce D 1

F cc -------D*

"O Sistema do Mundo”

No inicio do terceiro livro, dedicado a “ O Siste­ma do Mundo” , Newton explicou como éste dife­ria dos dois precedentes, que tinham tratado do “ Movimento dos Corpos” .

“ Nos livros precedentes eu expus... prin­cipios nao filosóficos (relativos á Física) mas matemáticos como, por exemplo, aquéles sobre os quais podemos apoiar nosso racioci­nio sobre questóes filosóficas. Ésses princi­pios sao leis e condigóes de certos movimentos e poténcias ou fórgas, que dizem respeito pre­

172 -

dominantemente á Filosofia; mas para que éles nao parecessem por si mesmos secos e estéreis, ilustrei-os aqui e ali com alguns fatos científicos, dando conta de coisas de natureza mais geral, sobre as quais a Filosofia parece repousar; tais como densidade e resisténcia dos corpos, espago que nao contém corpos, e a propagagáo da luz e dos sons. Ainda, par- tindo dos mesmos principios, eu agora explico O Sistema do Mundo” .

Acredito que se deve dizer lealmente que foi a liberdade de considerar o problema, quer de um mo­do puramente matemático, quer de um modo filo­sófico” (ou físico) que levou Newton a enunciar a primeira lei e a desenvolver uma Física inercial completa. Na realidade, a Física, como ciéncia, pode ser desenvolvida sob um ponto de vista matemático, mas deve sempre se assentar na experiéncia, e a ex­periencia nunca nos revela um movimento pura­mente inercial. Mesmo nos exemplos particulares de inercia, discutidos por Galileu, havia sempre atrito do ar e o movimento cessava quase ¡media­tamente como quando um projétil atingía o solo. Em toda a extensáo da Física explorada por Gali­leu, nao há exemplo algum de um otijeto físico que tenha pelo menos uma componente de puro movimento inercial, exceto num tempo muito curto. Foi talvez por essa razáo que Galileu nunca formu- lou uma lei geral da inércia. Éle era excessiva- mente físico!

Porém, como matemático, Newton podía conce- ber fácilmente um corpo a mover-se para sempre, ao longo de uma reta e com velocidade constante. O conceito “ para sempre” , que implica num uni­verso infinito, nao lhe causava terror. Observe-se que sua afirmagio da lei da inércia, de que é condigáo natural dos corpos moverem-se em linha

173

reta, com velocidade constante para sempre, ocorre no livro primeiro dos Principia, a parte que éle disse ser mais matemática do que física. Ora, se é con- diqao natural do movimento para os corpos se move- rem uniformemente em linhas retas, conseqüen- temente essa espécie de movimentos inerciais deve se aplicar aos planétas. Mas os planétas nao se movem em linhas retas, porém mais exatamente ao longo de elipses. Usando uma espécie de maneira galileana de considerar éste problema Newton po­deria dizer que os planétas devem portanto estar su jeitos a dois movimentos: um inercial (ao longo de uma reta com velocidade constante) e outro sem­pre formando ángulos retos com a reta que arrasta cada planeta em direqao á sua órbita.

Embora nao se movendo em linha reta, cada pla­neta representa o melhor exemplo de movimento inercial que se pode observar no universo. Se nao existisse a componente do movimento inercial, a fór­ga que continuamente desvia o planéta da linha reta o levaría em direqáo ao Sol, até que os dois corpos colidissem. Newton usou uma vez éste argumento para provar a existéncia de Deus. Se os planétas nao sofressem a aqáo da componente inercial do movimento (ou tangencial), disse éle, a fórqa de atraqáo solar nao os levaría a uma ór­bita, mas ao invés disso faria mover cada planéta numa linha reta, em direqáo ao próprio Sol. Por conseguinte, o universo nao podía ser explicado sómente em térmos de matéria.

Para Galileu, o movimento circular ainda podia ser inercial, como no exemplo de um objeto sobre a superficie da Terra, ou próximo déla. Para Newton, porém, o movimento circular nao era iner­cial, era acelerado e necessitava uma fórqa para sua continuaqáo. Assim, foi Newton quem por fim

174

6 i . 3 3 -rompeu os lagos da “ circularidade” aos quais Gali­leu aínda estava preso. E déste modo podemos com- preender que foi Newton quem mostrou como cons­truir uma Mecánica Celeste baseada ñas leis do movimento; como o seu movimento orbital elíptico (ou quase circular) nao é puramente inercial, mas exige a agáo constante de uma fórga, que se reve- lou ser a fórga da gravitagáo universal.

Assim, Newton, outra vez, ao contrário de Gali­leu, sai a campo para “ demonstrar o Sistema do Mundo” , ou — como dizemos hoje, — mostrar como as leis gerais do movimento terrestre podem ser aplicadas aos planetas e seus satélites.

No primeiro teorema dos Principia, Newton mos­trou que, se um corpo se movesse com um movi­mento puramente inercial, nesse caso a lei das áreas valeria em relagáo a qualquer ponto fora da traje- tória. Em outras palavras, uma reta tragadas do corpo a um ponto qualquer fora da trajetória varre áreas iguais em tempos iguais. Imagine-se um corpo movendo-se com movimento puramente iner­cial ao longo de uma reta, da qual PQ é um segmento. Entáo, num conjunto de intervalos de tempo iguais (Fig. 30) o corpo percorrerá distan­ciáis iguais AB, BC, CD. . . . porque, coitio Galileu mostrou, em movimento uniforme, um corpo per-

corre distancias iguais em tempos iguais. Mas observemos que uma reta tragada do ponto 0 varre áreas iguais no decorrer daqueles tempos iguais, ou que as áreas dos triángulos OAB, OBC, OCD . . . sao iguais. De fato, a área de um triángulo é a metade do produto de sua altura pela sua base; e todos ésses triángulos tém a mesma altura OH e bases iguais. Como

AB = BC = CD = . . .

é verdade que

1/2AB x OH = 1/2BC X OH = 1/2CD X OH = . . .

ouárea do A OAB = área do A OBC = área do A OCD — . . .

Assim, logo o primeiro teorema demonstrado nos Principia mostrou que o movimento puramente inercial nos conduz á lei das áreas, e está assim relacionado com a segunda Lei de Kepler. Newton provou, a seguir, que se um corpo, movendo-se com movimento puramente inercial, recebesse a intervalos de tempo iguais um impulso momentá­neo (uma fórqa atuando durante um instante só­mente) todos ésses impulsos sendo dirigidos para o mesmo ponto S, o corpo se movería em cada um dos intervalos de tempo iguais entre os impulsos, de tal modo que uma reta déle até S varreria áreas iguais. Esta situaqáo é mostrada na Fig. 31. Quan- do o corpo atinge o ponto B, recebe um impulso em direqáo a S. O nóvo movimento é uma com- binaqáo do movimento original ao longo de AB com um movimento na direqáo S1 que produz um movimento retilineo uniforme em direqáo a C, etc. Os triángulos SAB, SBC e SCD, . . . tém a mes­ma área. O passo seguinte dadp por Newton é transcrito abaixo:

176

I

F ig. 31. Se em B o corpo nao recebesse impulso algum, ter-se-ia movido, durante o tempo T, ao longo da continúa- gao de AB, até c. O impulso em B, contudo, dá ao corpo uma componente de movimento em diregáo a 5. Durante o tempo T, se o único movimento viesse daquele impulso, éle se teria movido de B a c’. A combinagao désses dois movimentos, Be e Be’ resulta, durante o tempo T, num movimento de B a C. Newton provou que a área do triángulo SBC é igual á área do triángulo SBc. Por conseguinte, mesmo quando há uma fórga ilbpulsiva em diregáo a S, a lei das áreas se mantém.

“ ...S e ja agora aumentado o número désses tri­ángulos, e a sua largura diminuida “ in infinitum” ; entáo (pelo Cor. IV, Lem. III) seu contorno ADF será uma linha curva, e portanto, a fórga centrípeta, pela qual o corpo é constantemente puxado para trás da tangente dessa curva, atuará continuamente; e qualquer das áreas descritas SADS, SAFS, que sao sempre proporcionáis aos tempos gastos em var- ré-los seráo, também nesse caso, proporcionáis aque­les tempos. Q. E. D .”

177

Prosseguiu Newton, para demonstrar:

Proposiqáo I. Teorema IOs raios vetores que ligam um centro fixo

de fórqas a um corpo em revoluqao estáo to­dos em um mesmo plano imóvel e descrevem áreas proporcionáis aos tempos em que sao descritas.

Em linguagem simples, provou Netwon no pri­meiro teorema, do primeiro Livro dos Principia que, se um corpo é continuamente atraído por um centro de fórqa, o seu movimento, que de outro modo seria inercial, será transformado em movi­mento ao longo de uma curva e que uma linha tragada do centro de fórqa ao corpo, varrerá áreas iguais em tempos iguais. Na Proposiqáo II (Teore­ma II) provou éle que, se um corpo se move ao longo de uma curva, de modo que as áreas varridas por uma reta passando pelo corpo e por um ponto qualquer sejam proporcionáis aos tempos, deve ha- ver uma fórqa central (centrípeta), solicitando cons­tantemente o corpo para aquéle ponto. A signifi- caqáo da II Lei de Kepler náo aparece até a Proposiqáo XI, quando Newton sai a campo para descobrir a “ lei da fórqa centrípeta dirigida para o foco da eclipse” . Essa fórqa é “ inversamente” proporcional ao quadrado da distáncia. A seguir Newton prova que, se um corpo, movendo-se em hipérbole ou parábola, está su jeito á aqáo de uma fórqa centrípeta dirigida para o foco, a fórqa varia inversamente ao quadrado da distáncia. Vários teoremas depois^na Proposiqáo X V II, Newton prova a recíproca: se um corpo se move su jeito a uma fórqa centrípeta que varia inversamente ao qua­drado da distáncia, a trajetória do corpo tem de ser uma seqáo cónica: uma elipse, parábola ou hipérbole. ^

178

Devemos notar que Newton tratou das leis de Kepler exatamente na mesma ordem que adotou o próprio Kepler; primeiro, a lei das áreas como teo­rema geral, e só posteriormente a forma particular das órbitas planetárias, como elipses. Aquilo que, á primeira vista pode parecer uma maneira estranha de desenvolver o assunto, na realidade representa uma seqüéncia fundamentalmente lógica de pensa- mento, exatamente oposta á seqüéncia que seria se­guida se fósse adotado um ponto de vista empírico ou observacional.

No raciocinio de Newton sobre a aqáo de uma fórqa centrípeta sobre o corpo que se move com mo­vimento puramente inercial, pela primeira vez a análise matemática revelou o verdadeiro significa­do da “ segunda lei” de Kepler, relativa as áreas iguais. O raciocinio de Newton mostrou que essa lei implicava num centro de fórqa para o movimen­to de cada planéta. Como as áreas iguais no movi­mento planetário sao calculadas relativamente ao Sol, a segunda lei de Kepler se torna, tratada como foi por Newton, a base para provar rigorosamente que uma fórqa central, emanando do Sol, atrai os planétas.

Isto, quanto ao problema levantado por Halley. Se Newton tivesse parado seu trabalho neste ponto, ainda assim admiraríamos enormemente o seu feito. Mas Newton continuou, e os resultados obtidos fo- ram ainda mais notáveis.

O Golpe de Mestre: A Gravita gao Universal

^ No terceiro livro dos Principia, Newton mos­trou que, como os satélites de Júpiter se movem em órbitas ao redor do planéta, uma reta de Júpiter a cada satélite “ varrerá áreas proporcionáis aos tem­pos gastos em descrevé-las, e que a razáo entre os quadrados dos tempos e os cubos das distancias mé-

179

dias ao centro de Júpiter é uma constante, embora seja uma constante que tem um valor diferente da constante para o movimento dos planetas. Assim, sejam Tt, T¡¡, Ts, Tk, os tempos de revoluqáo dos satélites e alt a., as, a¡ suas respectivas distancias médias a Júpiter.

(<*,)* (a„y (asy (o4)í

(T.y (T,y (Tsy ~ (Tty

Nao só essas leis de Kepler se aplicam ao sistema de Júpiter, mas também se aplicam aos cincos satélites de Saturno conhecidos por Newton — resultado completamente desconhecido por Kepler. A ter­ceira lei de Kepler nao podia ser aplicada á nossa lúa porque só há uma lúa, mas Newton afirmou que o seu movimento obedecía á lei das áreas. Por conseguinte, podemos dizer que há uma fórga cen­tral, que varia segundo o inverso do quadrado da distáncia, que mantém cada planéta numa órbita ao redor do Sol, e cada satélite planetário numa ór­bita ao redor do seu planéta.

Agora Newton dá o golpe de mestre, mostrando que uma única fórga universal (a) conserva os pla- nétas em suas órbitas ao redor do Sol, (b ) mantém os satélites em suas órbitas, (c ) faz com que os objetos caiam da maneira como observamos, (d) mantém os objetos na Terra, (e ) causa as marés. É a fórga da gravitagáo universal e sua lei fun­damental assim se pode escrever:

mm'F = G ------

D2

Diz esta lei que entre dois corpos, quaisquer que sejam éles, de massas m e m', e seja qual fór o lugar

180

em que possam estar no universo, separados pela distáncia D, há uma fórqa de atragáo que é mutua, e cada corpo atrai o outro com fórqa de igual magnitude, a qual é diretamente proporcional ao produto das duas massas e inversamente propor­cional ao quadrado da distáncia entre elas. G é uma constante de proporcionalidade, e tem o mes­mo valor em todas as circunstáncias — seja na atra­gáo mutua de uma pedra e da Terra, da Terra e da Lúa, do Sol e de Júpiter, de uma estréla e outra, ou de dois cristais de rocha numa praia. Esta cons­tante G é chamada constante de gravitagáo uni­versal, e pode ser comparada a outras constantes universais, — das quais nao há muitas no conjunto das ciencias — tais como c, a velocidade da luz, que figura de modo táo eminente na Relatividade, ou h, a constante de Planck, que é básica na Teoria Quántica.

¿ Como descobriu Newton a sua lei? É difícil di- zer pormenorizadamente, mas podemos reconstruir alguns dos aspectos básicos da descoberta.

Por um memorando posterior (1714), sabemos que Newton, ainda mogo, “ comegando a pensar sobre a extensáo da gravidade á órbita da Lúa, e tendo descoberto como calcular a fórga com* que um globo em revoluqao dentro de uma esfera exerce uma fórga sobre a superficie da esfera, a partir da lei de Kepler, segundo a qual os períodos de revolugáo dos planétas e suas distancias ao centro de suas órbitas estao numa razáo sesquiáltera (isto é, como as poténcias 3 e 2 ), deduzi que as fórgas que man- tém os planétas em suas órbitas devem estar entre si como os inversos dos quadrados de suas distan­cias aos centros ao redor dos quais giram; e désse modo comprarei a fórga necessária para conservar a Lúa em sua órbita com a fórga da gravidade so­bre a superficie da Terra, e achei resultados bas­tante razoáveis.” ^

181

Com esta afirmagáo como guia, consideremos em primeiro lugar um globo de massa m e velocidade v, movendo-se ao longo de um círculo de raio r. Nesse caso, como Newton verificou, como o grande físico holandés,* Christian Huygens ve (1629-1695) também descobriuS(e para mágoa de Newton publi- cou em primeiro lugar), deve haver uma aceleragáo central, de valor if/r. Isto é, a aceleragáo provém do fato de que o globo náo está em repouso nem animado de movimento retilíneo uniforme; segundo a Lei l e a Lei II, deve haver uma fórga e conse- qüentemente uma acelaragáo. Náo provaremos que esta aceleragáo vale v2lr, mas que ela é dirigida para o centro, o que poderemos ver se fizermos girar uma bola na extremidade de um cordel. É necessária uma fórga para puxar constantemente em diregáo ao centro e, de acórdo com a Lei II, a aceleragáo tem sempre a diregáo da fórga que a produz. Assim, para um planéta de massa m, movendo-se aproxima­damente em um círculo r, com velocidade v, deve haver uma fórga F cujo valor é:

Se T é o período, ou o tempo que o planéta leva para descrever um arco de 360°, entáo, durante o tempo T, o planéta percorre uma vez uma circun­ferencia de raio r e comprimento 2w. Portanto, a velocidade v é 2 ji r/T, e

F = mA = mr

F — mA = mv1 X — — m r1 r

L2:tr - ] 2 1 ------- X -r

4n2r2 1— m X X

r

182

4it2r2 1 r— m X ---------- X ------ X —

T2 r r

4x2m X i'2, 4n2m r3

T2 x r2 r2 ^ T2

Como, para qualquer planéta do Sistema Solar, r3/T2 tem o mesmo valor K (pela regra de Kepler, ou terceira lei),

4Tr2m m F = ---------- X K = 4n2K ------

O raio r da órbita circular corresponde na realidade a D, distáncia média de um planéta ao Sol. Por­tante, para qualquer planéta a fórqa que o mantém em órbita é

mF == 4tt2K ------

D2

onde m é a massa do planéta, D é a distáiTcia média do planéta ao Sol, K é a “ constante de Kepler” para o Sistema Solar (igual ao cubo da distan­cia média do planéta ao Sol dividida pelo quadrado do seu tempo de revoluqao), e F é a fórqa com que o Sol atrai o planéta e o afasta constantemente da sua trajetória puramente inercial, para uma elipse. Até ai podem a Matemática e a Lógica levar um homem de superior agudeza de espirito que conheqa as leis newtonianas do movimento e os principios do movimento circular.

Mas agora escreveremos de novo esta última equaqáo sob a forma:

183

onde M s é a massa do Sol e dizemos que a quanti- dade

4tt2K----------= G

M,

é uma constante universal, e que a lei

M amF = G ----------

D2

náo tem sua aplicagáo limitada á agáo entre o Sol e um planéta. Ela também se aplica a cadá par de objetos no universo, Ma e m tornando-se as massas m e m' desses dois objetos e D a distáncia entre éles:

mm'F = G ----------

D2

Náo há Matemática — seja Álgebra, Geometría, ou cálculo integral ou diferencial — que justifique éste passo audacioso. Déle se pode dizer sómente que é um désses triunfos que tornam o homem co- mum humilde diante do génio. Basta pensar no que essa lei implica. Por exemplo, éste livro que temos em máos atrai o Sol de modo que podemos cálcular ; é a mesma fórga que faz a L.ua seguir sua órbita e uma maga cair da árvore. No fim da vida, Newton disse que fóra esta última compara- gáo que inspirara sua grande descoberta.

A Lúa (vide Fig. 32), se náo fósse atraída pela Terra, teria um movimento puramente inercial, e

num pequeño intervalo de tempo t se movería uni­formemente ao longo de uma linha reta (tangente) de A a B. Ela nao o faz, disse Newton, porque, en- quanto o seu movimento inercial a levaría de A a B, a atraqáo gravitacional da Terra a faria cair em di­reqáo á Terra, da reta AB para C. Assim, o afas- tamento da Lúa, de uma trajetória retilinea e pura­mente inercial, é causado pela sua “ queda” conti­nua em direqáo á Terra, e sua queda é análoga á queda de uma maqá. É isto verdade? Ora bem, Newton submeteu a proposiqáo a um tests, como se- gue :

Por que uma maqá de massa m cai em direqáo á Terra? Isto acontece, podemos dizer, porque há uma fórqa de gravitaqáo universal entre ela e a Terra, cuja massa é M T. Mas qual é a distán­cia entre a Terra e a maqá? É de alguns metros, da máqá ao solo? Newton póde provar que a atra­qáo entre um pequeño objeto e um corpo mais ou menos homogéneo e aproximadamente esférico se­ria exatamente a mesma se toda a grande massa do corpo estivesse concentrada em seu centro geométri­co. Significa éste teorema que, ao considerar a atra­qáo mutua entre maqá e Terra, a distáncia D na lei

da gravitarlo universal, pode ser tomada como sen­do o raio da Terra, 7?T. Assim, afirma a lei que a atraqáo entre a Terra e uma maqá é:

mMi

Rt2

em que m é a massa da maqá, M T, a massa da Terra e í?t o raio da Terra. Mas isto é uma expressáo para o peso P da maqá, porque o peso de qualquer objeto terrestre é simplesmente a intensidade da fórqa com a qual éle é atraído para a Terra pela aqáo da gravidade. Portanto,

mMTP = G ----------.

Rt2

Há uma segunda maneira de escrever uma equaqáo para o péso de uma maqá ou de qualquer outro obje­to terrestre de massa m. Usemos a Lei II de New­ton, que diz que a massa m de qualquer objeto é a razáo da fórqa que age sobre o objeto e a ace­leraqáo produzida por aquela fórqa,

Fm = —

A

ou

F = mA.

Note-se que quando uma maqá caí da árvore, a fór­qa que a está puxando para baixo é o seu péso P> logo

P = mA.

186

Como temos agora duas afirmares matemáticas di­ferentes para a mesma fórqa ou peso P, devem elas ser iguais, ou seja:

mMTmA = G ----------

Rr2

e podemos dividir ambos os membros por m, para obter

A — G ---------- .R t2

'I Assim, pelos principios newtonianos, imediatamente explicamos porque, em qualquer ponto da Terra, todos os objetos, quaisquer que sejam suas massas, m, ou seus pesos P — teráo a mesma aceleraqáo A quan­do caem livremente, como no vácuo.V A última equa- qáo mostra que esta aceleraqáo da queda livre é de­terminada pela massa MT e o raio i?T da Terra e uma constante universal G, nenhum dos quais depende, de modo algum da massa particular m ou peso P do corpo que cai. ^

Escrevamos agora a última equaqáo de um modo ligeiramente diferente.

71/tA = G ----------

Z V

em que DT representa a distáncia ao centro da Tet­ra. Na superficie da Terra, ou perto déla, Z)T é simplesmente o raio R t. Consideremos agora um corpo colocado á distáncia DT de 60 raios terrestres. Com que aceleraqáo A ' cairá éle em direqáo ao cen­tro da Terra? A aceleraqáo A' será

187

T Áf T 1 Al TA' = G ------------- = G -------------- = ----------- G -------

(60 R J ) 3600 Rt2 3600 Rt2

Acabamos de ver que, na superficie da Terra, uma maga ou qualquer outro objeto terá uma acelera-

M tgao descendente igual G ----------, e agora provamos

Rique um objeto a 60 raios terrestres terá uma ace­leraqáo exatamente 1/3600 daquele valor. Em mé­dia, um corpo caindo perto da superficie da Terra percorre em um segundo a distáncia de 4,9 metros, de modo que, a uma distáncia de 60 raios terrestres do centro da Terra, um corpo cairia: 1/3600 X 4,9 m = 0,136 cm.

Acontece que há um corpo no espaqo, a uma dis­táncia de 60 raios terrestres e assim Newton tinha um objeto para testar a sua teoría da gravitaqáo uni­versal. Se a mesma fórqa faz cair tanto a maqá como a Lúa, entáo, em um segundo a Lúa deve ter caído 0,136 cm para fora da sua trajetória iner­cial, a fim de ficar na sua órbita. Um cálculo grosseiró, baseado em hipóteses simplificadas de que a órbita da Lúa seja um círculo perfeito e de que ela se move uniformemente, sem ser afetada pela atraqáo gravitacional do Sol, fornece a distán­cia de queda de 0,13675 cm! Outra maneira de ver como a observaqáo concorda com a teoria é observar que os dois valores diferem por trés par­tes em cerca de 500, o que é o mesmo' que seis partes em 1000, ou 0,6 partes em 100 (0,6 por cento). Outra maneira de dizer como éste cálculo pode ser feito (seguindo talvez a orientaqáo dada pelo próprio Newton), é a seguinte:

188

1. Para um corpo na Terra (a maqá)

GM t9 = ----------

R t2

2. Para a Lúa (terceira Lei de Kepler)

R i ¡3 GM tK = ---------- = ----------

Tu2 4 jt2

Portanto

4n2Ru3 r ~l 3 Rt g = ------------- = 4.-r2 ------ --------------R?T¿ L RT J rL2

Substituindo-se

R v------ r= 60, onde Rt = 6 226 X 103 niRt

Tí, = 28 dias = 28 X 24 X 3 600 segundos

Obtém-seg = 9,81 m /s2

Disse N'ewton, no memorando autobiográfico ci­tado, “ que éle comparou a fórga necessária para conservar a Lúa em sua órbita com a fórqa de gravi­dade na superficie da Terra” .

No terceiro livro dos Principia, Newton mostrou que a Lúa, a fim de se conservar ao longo da órbita observada, cai, ou seja, afasta-se da trajetória re- tilínea inercial de uma distáncia de 15% pés de París (antiga- unidade de medida), cada minuto. Imagíne­se a Lúa, diz éle, “ privada de todo movimento ao longo da órbita, de modo a cair em direqáo á Terra, com o impulso conferido pela fórqa que a mantém em

189

sua órbita.” No intervalo de tempo de um minuto ela descerá a mesma distáncia que percorreria se o movimento de descida se desse juntamente com o movimento inercial. Admita-se, a seguir, que esta descida para a Terra seja devida á gravidade, fórqa que varia inversamente ao quadrado da dis­táncia. Nesse caso, na superficie da Terra, essa fórqa seria maior, por um fator 60 X 60, do que no órbita da Lúa. Como a aceleraqáo é, pela Segunda Lei de Newton, proporcional á fórqa aceleradora, um corpo, trazido da órbita da Lúa á superficie da Terra, teria em sua aceleraqáo um aumento de 60 X 60. Newton argumenta dizendo que, se a fórqa de gravidade varia com o inverso do quadrado da distáncia, um corpo na superficie da Terra cairia

160 X 60 X 15 — pés de Paris num minuto, ou

121

15 — pés de Paris em um segundo.12

Da experiéncia do péndulo de Huygens, obteve Newton o resultado de que sóbre a Terra (na lati- tudo de Paris), um corpo em queda livre percorre aproximadamente aquela distáncia em 1 segundo. Está assim provado que é a fórqa da gravidade terrestre que mantém a Lúa em sua órbita. Ao fazer o cálculo, Newton previu, partindo das obser- vaqóes do movimento da Lúa e da teoría da gra- vitaqáo, que a distancia percorrida na queda de um corpo na Terra, em um segundo, seria- de 15 pés de Paris, 1 polegada, 1 linha e 4 /9 (1 linha = 1/12 de polegada). O resultado de Huygens, pa­ra a queda livre em Paris foi 15 pés de Paris, 1 po­legada, 1 linha e 7/9. A diferenqa era de 3 /9 ou 1/3 de linha, portanto de 1/36 de polegada (terca de 0,08 cm), número em verdade bem pequeño. Ao

190 —

tempo em que escreveu os Principia, j á havia ve­rificado uma concordancia muito melhor entre a observaqáo e a teoría, do que no teste anterior feito vinte anos antes.

Disse Newton que ésse teste de observacáo con- cordou com a previsáo “ razoávelmente bem” . Dois fatores acarretaram isso. Em primeiro lugar éle adotou valor nao muito aproximado para o raio terrestre, e obteve assim máus resultados numéri­cos, concordando só grosseiramente, ou “ razoável­mente bem” . Em segundo lugar, como éle nao tinha até entáo podido provar rigorosamente que uma es­fera homogénea atrai gravitacionalmente como se toda a sua massa estivesse concentrada no centro, a prova tinha de ser grosseira e aproximada.

Mas ésse teste provou a Newton que o seu con- ceito da gravitaqáo universal era válido. Pode-se apreciar quáo notável era isto, se considerarmos a natureza da constante G. Vimos antes que

4t¿ KG — ---------- - e bem podemos perguntar o que K

Ms(o cubo da distancia de qualquer planéta ao Sol dividido pelo quadrado do período de revoluqáo do planéta em torno do Sol), ou M s (a maáSa do Sol) tém a ver tanto com a atraqáo de uma pedra pela Terra como com a atraqáo da Lúa pela Terra. Se o fato de a Terra pertencer ao sistema solar diminuí o espanto de podermos aplicar G á interacáo pedra-Lua, consideremos um sistema de estrélas du­plas, situadas a milhóes de anos-luz do sistema so­lar. Tal par de estrélas pode formar um binário no qual cada estréla gira em torno da outra, como a Lúa gira em torno da Terra. Fora de qualquer influencia possivel do Sol, a mesma constante

4J KG = ---------- se aplica á atraqáo de cada uma das

M, m14 — F .

estrélas sobre a outra. É esta uma constante uni­versal, a despeito do fato de que, na forma em que Newton a descobriu, fósse baseada em elementos do nosso sistema solar. Evidentemente o ato de dividir a constante de Kepler pela massa do corpo central, ao redor do qual os outros fazem suas revolugóes, elimina quaisquer aspectos especiáis de qualquer sistema particular — sejam planetas em revolugáo ao redor da Terra, ou satélites em revo­lugáo ao redor de Júpiter ou Saturno.

A Grandeza do Feito

Algumas outras realizagóes da dinámica newto- niana, ou teoría da gravitará0, nos habilitaráo a compreender suas extraordinárias dimensoes. Su­pongamos que a Terra náo seja perfeitamente esférica, mas ligeiramente achatada nos polos e abaulada no equador. Consideremos agora a acele­ragáo A de um corpo em queda livre, num polo, no equador e em dois pontos intermediários a e b: o raio R da Terra, ou distáncia de um ponto da su­perficie até o centro aumentaría do polo para o equador, de modo que

O resultado é que a aceleragáo A da queda livre, nesses lugares, teria diferentes valores.

Os dados seguintes, obtidos em experiencias* reais, mostram que a aceleragáo varia com a latitude:

R p< R j ,< R a< R e.

M t M t M iG ------- y Aa — Ai — —

h\- R.2

logoAp^>AiJ'y>Aa'^>At

192 -

I*

LatitudeAceleraqáo da queda livre

0o (equador) 20°40°60°90°

978,039 cm/seg2978,641980,171981,918983,217

Nos dias de Newton, a aceleraqáo em queda livre era determinada a partir do comprimento de um péudulo de segundos — péndulo que tem perío­do de dois segundos. A equaqáo para o período T de um péndulo comum oscilando ao longo de um arco suficientemente pequeño é :

T = 2 ix, \/~T 9

onde l é o comprimento do péndulo (calculado até o centro da pequeña esfera amarrada ao fio) e g é a aceleraqáo de queda livre. Halley, quando foi de Londres a Santa Helena, verificou que era necessário encurtar o comprimento do -«seu péndulo, a fim de que éle continuasse a bater segundos. A mecánica de Newton nao só explica essa variaqáo, mas leva a uma previsáo da forma da Terra, uma esferoide oblonga, achada nos póles, bojuda no equador.

As variaqóes de g, a aceleraqáo da queda livre, levam a variaqóes no péso de qualquer objeto, físico transportado de uma a outra latitude. Uma análise completa desta variaqáo de péso exige a consideraqáo de um segundo fator, a fórqa que surge da rotaqáo do objeto juntamente com a Terra. O fator que entra aqui é v2fr, onde v é a . velocidade linear ao longo de um círculo de raio r. Em diferentes latí-

193

tudes haverá diferentes valores tanto para v como para r. Além disso, para relacionar o efeito da ro- tacáo com o peso, devemos tomar uma componente ao longo de uma reta tragada do centro da Terra á posigáo em questáo, visto que o efeito da rotagáo ocorre no plano do movimento circular, ou ao longo de um paralelo de latitude. Devido á agáo dessas fórgas de rotagáo é que, de acórdo com a Física newtoniana, a Terra adquiriu a sua forma.* Uma segunda conseqüéncia do bójo equatorial é a precessáo dos equinóxios. Em dados numéricos, a diferenga entre os raios polar e equinoxial da Terra pode náo parecer muito grande

raio equatorial = 6.378,388 km raio polar — 6.356,909 km

Mas se representamos a Terra por um globo de 18 centímetros, a diferenga entre os diámetros menor e maior seria de cérca de 1/16 de centímetro^.Newton mostrou que a precessáo se dá porque a Terra gira em torno de um eixo inclinado em relagáo ao plano da sua órbita, o plano da eclítica.^ Além da atragáo gravitacional que mantém a Terra em sua órbita, o Sol exercp uma agáo sobre a parte inais saliente, tendendo assim a endireitar o eixo. O Sol age no sentido de tornar o eixo da Terra perpendicular ao plano da eclítica (Fig. 33A), ou a fazer o plano do “ bójo” coincidir com o plano da eclítica. Ao mesmo tempo, a Lúa age no sentido de tornar o plano do “ bójo” coincidente com o plano de sua órbita (in­clinado cérca de 5.° em relagáo á eclítica). Se a Terra fósse perfeitamente esférica, as agóes do Sol e da Lúa seriam simétricas e náo haveria tendéncia para o eixo “ endireitar-se” ; as linhas de fórga das agóes gravitacionais do Sol e da Lúa passariam pelo centro da Terra.

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Ora, é um resultado da Física newtoniana que, se uma fórqa é exercida no sentido de mudar a orien- taqáo do eixo ao redor do qual um corpo está gi­rando, o efeito é que o próprio eixo, ao invés de

/orea de _ . atracQo do

sol

mudar sua orientaqáo, fica submetido a um movi­mento cónico. Éste efeito pode ser observado num piáo que gira. O eixo de rotaqáo nao é geralmente vertical. O péso do piáo tende, portanto, a inclinar o eixo de rotaqáo, de modo a torná-lo horizontal. O péso tende a produzir uma rotaqáo cujo eixo esteja em ángulo reto com o eixo de rotaqáo do piáo, e o resultado é o movimento cónico que mostra a Fig. 33B. O fenómeno da precessáo foi descoberto no sáculo II A.C., por Hiparco, mas sua causa era totalmente desconhecida antes de Newton. A explicaqáo de Newton, náo apenas resolveu um antigo mistério, mas é um exemplo de como era

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possível explicar a forma precisa da Terra, apli­cando a teoria ás observares astronómicas. Fo- ram verificadas as previsóes de Newton, quando o matemático francés P'ierre L. M. de Maupertuis me- diu o comprimento de um grau de arco ao longo de um meridiano na Lapónia e comparou o resultado com o comprimento de um grau ao longo do meri­diano, mas num local mais próximo do equador. O resultado foi uma vitória impressionante para a nova Ciéncia.

Outra realizaqáo ainda da teoria de Newton íoi uma explicadlo geral das marés, relacionando-as com a a<jáo gravitacional do Sol e da Lúa sobre as águas dos océanos. Bem podemos compreender o espirito de admirado que inspirou o famoso verso de Alexandre Pope:

Nature and Nature’s Laws lay hid in nighiGod said, Let Newton be, and all was light. (*)

Ao ver como a Mecánica newtoniana permitia ao hornem explicar os movimentos de planétas, lúas, pedras que caem, marés, trens, automóveis e qualquer outra coisa acelerada — com a velocidade crescente, descrescente, come^ando a se mover ou parando — resolvemos nosso problema original. Mas restam um ou dois tópicos que exigem mais algumas palavras. É verdade, como observou Ga­lileu, que para os corpos ordinários sobre a Terra (que podemos considerar como descrevendo uma grande órbita elítica a uma distáncia média do Sol de cérca de 150 milhóes de quilómetros) — a situagáo é muito semelhante á de estar sobre algu- ma coisa que se move em linha reta, e há uma equivalencia entre o movimento retilíneo uniforme

(* ) A Natureza e as suas Leis jaziam ocultas na noite- Deus disse: “ Faca-se Newton”, e tudo se transformou em luz.

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e o repouso, no que diz respeito aos problemas dinámicos. Na Terra em rotaqáo, onde o arco descrito durante um intervalo de tempo curto como o tempo de vóo de um projétil faz parte de um “ círculo” menor do que a órbita anual, pode-se invocar outra espécie de principio newtoniano. o principio de conservado da quantidade de movi­mento angular.

"JA quantidade de movimento angular de um pe­queño objeto girando em círculo (como uma pedra mantida no topo de uma torre numa Terra em rotagáo) é dada pela expressáo mvr, onde r é o raio de rotagáo, m a massa e i / a velocidade tangen­cial. i Diz o principio que sob uma grande varie- dade de condigóes (específicamente, em todas as circunstancias em que nao há nenhuma fórga ex­terna de qualquer espécie) a quantidade de movi­mento angular permanece constante. ^

Pode-se dar um exemplo. Um homem fica de pé numa plataforma giratoria, com os bragos es­tendidos e segurando um péso de 5 quilos em cada máo; faz-se a plataforma girar lentamente e diz-se ao homem que traga as máos para junto do corpo no plano horizontal, como mostra a Fig. 34. Éle des-

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cobre que passa a girar mais depressa. Estendendo de novo os bracos, isto lhe diminuirá a velocidade. Para alguém que nunca tenha visto antes tal de­monstra gao (freqüentemente observada em pati­nado no gélo) a primeira vez pode causar grande espanto. Vejamos agora porque essas modificares ocorreram. A velocidade v com que as massas m, seguras em suas máos giram é

2%rv — ----------

t

em que t é o tempo de uma rotagáo completa, durante a qual cada massa m se move numa cir­cunferencia de círculo de raio r. A principio a quantidade de movimento angular é

2w 2-jimr2mvr — m X — -------- X r — — --------

t t

Mas quando o homem traz os bragos para o peito,éle torna r muito menor. ^ -tem de conser-

tvar o mesmo valor, como afirma a lei de conser­vado, t deve entáo tornar-se também menor, o que quer dizer que o tempo para uma revolugáo se torna menor á medida que r diminui

Que tem isto a ver com uma pedra caindo de uma torre? No topo da torre o raio de rotagáo é R + r, onde R é o raio da Terra e r a altura da torre. Quando a pedra toca a Terra, o raio de rotagáo é R. Portanto, como as massas arrastadas para dentro pela massa giratoria, a pedra quando na base da torre descreve um círculo menor do que no topo, e assim há de girar mais rápidamente.

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t ) 1 «i «> *-<Longe de ser deixada para tras, a pedra, de acórdo com a nossa teoria, deveria estar um pouco á frente da torre. Qual a grandeza désse efeito? Como o problema depende de t, o tempo para uma rota^áo de 360°, podemos ter muito melhor idéia da magnitude do problema se estudarmos a velocidade angular, do que se considerarmos a velocidade linear (como fi- zemos no Capítulo I ) . Olhemos para os ponteíros de um relógio em movimento, prestando particular aten^áo ao ponteiro das horas. Quanto parece éle mover-se, digamos, em cinco minutos, que correspon­den! á queda de uma bola, de altura muito maior que a do Empire State Building? Tanto quanto ce pode perceber, éle náo parece deslocar-se. Ora, uma rotagáo completa da Terra, leva exatamente duas vé­zes o tempo de uma rota^áo completa do ponteiro das horas (12 horas). Como, em cinco minutos, o movi­mento angular ou rota^áo do ponteiro das horas nao é perceptível a ólho nu, um movimento que é duas vézes mais lento, náo produz práticamente efeito algum. Podemos portanto desprezar a rotaqáo da Terra. Exceto em problemas de artilharia de longo alcance, na análise dos movimentos dos ventos alisios e em outros fenoménos em escala muito maior que a queda de uma pedra. »

Tal foi a grande revolucáo newtoniana, que alte- rou toda a estrutura da Ciéncia e verdadeiramente desviou o curso da civilizado ocidental. Como se comportou ela nos últimos trezentos anos? É ainda verdadeira a Mecánica newtoniana?

Com demasiada freqüéncia é feita a enganosa afirmaqáo de que a teoria da Relatividade demons- trou a falsidade da Dinámica clássica. Nada poderia estar mais longe da verdade! As córreles relativis­tas se aplicam a objetos que se movem a velocidades v para as quais a relagáo v/c é uma quantidade

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significativa,, sendo c a velocidade da luz, 300000 quilómetros por segundo. Ñas velocidades atingi­das em aceleradores lineares, ciclotrons e outros aparelhos para o estudo de partículas atómicas e sub-atómicas, já náo é mais verdade que m seja uma grandeza física que permanece constante. Mais exatamente, verifica-se que a massa em movimento é dada pela equagáo

m0m - ■------ ------ -----------

V 1 — v2/c2

em que m é a massa de um objeto que se move com a velocidade v, relativa ao observador, e ni0 é a massa do mesmo objeto, observado em repouso. Juntamente com esta revisao vai a equaqáo de Albert Einstein, agora familiar, relacionando massa e energia, E = me2, e a negagio da validade da crenga de Newton num espaqo “ absoluto” e num tempo “ absoluto” . Poderíamos entáo, concordar com o novo dístico, acrescentado por J. S. Squire ao de Pope?

It did not last: the Devil howling “ Ho,Let Einstein be” , restored the status quo. (* )

Mas para todo o ámbito dos problemas discutidos por Newton — o movimento de estrélas, planetas, lúas, aeroplanos, automóveis, bolas de futebol, fo- guetes e qualquer outro tipo de grandes corpos — as velocidades v, que se podem atingir, sao tais que v/c tem valor práticamente zero para todos os propósitos, e nós ainda podemos aplicar a Diná­mica newtoniana sem corregáo. (Há um exemplo de falha da Física de Newton: um erro muito pe-

(* ) Isto náo foi o final; o Demonio, uivando: “ Oh! fa^a-se Einstein” e restaurou-se o status quo.

queno ao prever o avango do periélio de Mercúrio — 40” por século! — para o qual temos de invocar a Teoria da Relatividade.) Por conseguinte, para a engenharia e toda a Física, com excegáo de uma parte da Física Atómica e Sub-atómica, é ainda a Física newtoniana que explica as ocorréncias do mundo exterior.4 Conquanto seja verdade que a Mecánica de Newton é ainda aplicável ao ámbito dos fenoménos para os quais foi concebida, o estudante nao deverá cometer o erro de pensar que é igualmente válido o sistema de referencia no qual éle se baseou. Newton acreditava que havia um sentido em que es­pago e tempo eram entidades físicas “ absolutas” Qualquer análise dos seus escritos mais ou menos profunda mostra como, em sua mente, suas deseo- bertas dependiam désses “ absolutos” . É certo que Newton compreendia bem que os relógios nao me- dem o tempo absoluto, mas sómente o tempo local, e que, em nossas experiéncias, lidamos com um espa­go local em vez de espago absoluto. Portanto, ele desenvolveu nao apenas uma lei de fórga gravita- cional e um sistema de regras para calcular as res- postas a problemas de Mecánica — mas construiu um sistema completo, baseado em uma Wsáo univer­sal.

Hoje, segundo a experiencia de Michelson-Morley e a Relatividade, essa visáo mundial já nao mais pode ser considerada uma base válida para a Cién- cia Física, e os principios newtonianos sao conside­rados sómente como um caso particular, embora extremamente importante, de um sistema mais geral.

Sustentam alguns cientistas que uma das coisas que dáo mais validade á Física newtoniana é a serie de explicagoes relativas aos movimentos dos satélites. Elas habilitaram o homem ao langamento de uma série de lúas artificiáis e a prever o que

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lhes acontecería no espago. Pode ser que assim seja, porém, para o historiador, o maior feito da ciéncia newtoniana deverá ser para sempre a primeira explicagáo completa do universo baseada em prin­cipios mecánicos — um conjunto de axiomas e uma lei de gravitagáo universal que se aplicava a qual­quer matéria em qualquer lugar, na Terra e nos céus. Newton reconheceu que o único exemplo na Natureza em que há puro movimento inercial, sem intervenqáo do atrito ou de qualquer outra coisa para o fazer parar, é o movimento orbital de lúas e pla­nétas. E ainda assim isto náo é um movimento uni­forme e imutável, ao longo de uma simples linha reta, mas ao contrario, ao longo de uma linha reta em constante mudanga, porque os movimentos plane- tários sao uma composigáo de movimento inercial com um constante afastamento déste. Ver que lúas e planétas exemplificam o puro movimento inercial exigía o mesmo génio necessário para compreender que a lei planetária pode ser generalizada numa lei de atragáo universal para toda a matéria, e que o movimento da Lúa compartilha do movimento da maga que cai.

No génio de Newton, vemos a plena significagáo, tanto da Mecánica de Galileu como das leis de Kepler sobre o movimento planetário, realizadas no desenvolvimento do principio de inércia, exigido pelo universo de Copérnico-Kepler. Uma grande matemático francés, Joseph Louis Lagrange (1736- -1813) foi quem melhor definiu o feito de Newton. Só há uma lei do universo, disse éle, e Newton a descobriu. Newton náo desenvolveu a Dinámica toda por si só e sim dependeu fortemente de alguns dos seus predecessores; a divida, de modo algum diminuí a magnitude do seu empreendimento; só­mente sublinha a importancia de homens cqmo Galileu, Kepler e Huygens, que foram bastante

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grandes para dar contribuigóes de grande signifi­cado á empresa de Newton. Acima de tudo po­demos ver no trabalho de Newton até que ponto a Ciéncia é uma atividade coletiva e cumulativa e néle podemos achar a medida da influencia de um genio individual no futuro de um esfórgo científico coope­rativo. No feito de Newton, vemos como a Ciéncia avanca pelos heroicos exercícios da imaginado ao invés de pela paciente coleta e classificaqáo de mi- ríades de fatos individuáis. Quem poderia negar, após estudar a magnífica contribuido de Newton ao pensamento, que a Ciéncia pura exemplifica a reali­zado criadora do espirito humano na sua culmi- náncia ?