o mundo dos perfumes visitado pela semiótica

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    PESQUI

    O mundo dos perfumesvisitado pela semióticaDiscursos publicitários de grandes grifes de moda ganham olhar de pesquisadora do Instituto d Artes e Design (IAD) da UFJF 

    Carolina NalonRepórter

    Um mercado que fatura R$ 38bilhões por ano no Brasil, controla-do por empresas locais, e que vem

    chamando a atenção de multinacionaisdo setor de luxo. Este é o cenário econô-mico no qual os perfumes estão inse-ridos. Os dados são reflexo do perfil doconsumidor brasileiro, que figura em pri-meiro lugar no mundo como os que maiscompram perfumes e desodorantes, e o

    terceiro considerando todos os demaisitens de higiene pessoal e cosméticos. Háteorias que apontam a herança dos po-vos indígenas, acostumados aos banhoscom ervas e plantas aromáticas, como arazão desse gosto nacional, mas pode-sedizer que o investimento na qualidadedos produtos e em publicidade, além doacesso cada vez maior das classes D e E aesses artigos contribuem para a prosperi-dade do negócio.

    Mesmo com a economia desacelerada,o setor vem crescendo acima de 10%ao ano no país. Só em perfumes, osbrasileiros desembolsaram cerca de R$15 bilhões em 2014. A maior fatia dessebolo, aproximadamente 60%, é divididade forma quase igualitária entre O Boti-cário e Natura. A concentração do setornas mãos dessas marcas líderes não écaracterística apenas do Brasil. Cinco

    multinacionais – International Flavors& Fragrances (EUA); GivaudanRoure eFirmenich (Suíça); Symrise (Alemanha);e Takasago (Japão) – produzem, em todomundo, desde o cheiro do carro novo aosperfumes das casas de moda internacio-nais – um mercado absolutamente exclu-sivo, não só pelo preço dos produtos, maspelo universo que o cerca.

    “Nesse circuito bilionário existe umcontrole muito grande dos profissionais.Alguns perfumistas são proibidos de darentrevistas”, diz a professora do Institutode Artes e Design (IAD) da UniversidadeFederal de Juiz de Fora (UFJF), IsabelaMonken Velloso. A autoria deve ser postade lado em favor do discurso vendidopela casa de moda, no caso das fragrân-cias internacionais. É preciso fazer os

    consumidores acreditarem que aqueleperfume é parte do conjunto de peçasproduzido pelo estilista. “As fragrânciassão tão importantes para a moda quea Câmara Sindical da Costura Parisien-se exige que as casas mantenham umperfume ligado a elas, para se fortalece-rem economicamente.” É certamente pormeio desses frascos que muitos podemter acesso ao mundo do luxo.

    Isabela MonkenVelloso: “Um perfumetrata de intimidade,estilo, sujeito,memória, e tambémde moda”

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        F   o   t   o  :

        M    á   r   c    i   o    B   r    i   g   a   t   t   o

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    Isabela é fascinada pelo tema e acreditaque é papel do pesquisador compreendertambém esse universo comercial. “Temosdois caminhos: ficarmos exclusivamenteno meio acadêmico e deixarmos a modaacontecer ou entrarmos numa área deinterface muito árdua, em um ambienteno qual a venda é a principal meta. Achoque temos que conseguir equilibraresse discurso (comercial), para que nele

    haja informação de moda, informaçãocultural. O lugar do pesquisador de modaé justamente onde a moda acontece, alipodemos contribuir mais. Mas esse lugarnão é confortável.” 

    CHEIRANDO ASPALAVRASAinda que o sentido da visão ocupelugar de absoluto destaque no mundo,não é difícil perceber como o olfato está

    presente na vida cotidiana e participade nossas escolhas. Todos já se pega-ram revirando memórias ao sentir umdeterminado cheiro. “Um perfume tratade intimidade, estilo, sujeito, memória, etambém de moda”, conceitua Isabela.No caso da moda, há quem fale de “logo

    olfativa”, aquele cheiro que imaginamosquando pensamos em uma marca. Paraconquistar isso, uma empresa precisa cons-truir um discurso complexo amparado pelapublicidade, e compreender esse processoé o interesse de Isabela. Em seu Grupo dePesquisa “Interfaces da moda: saberes ediscursos”, ela procura analisar, entre outrosaspectos, os discursos das casas de moda arespeito de seus perfumes por meio da pu-

    blicidade. “O mundo prometido pela publici-dade dos perfumes não é novo, é o mundoda convenção, permeado por modelos comcorpos e vidas padronizados. Mas nestesfilmes há uma inteligência que orquestra asnarrativas, assim como nos perfumes há umescritor de aromas.”Graduada em Letras, Isabela diz que nãoconsegue pensar em moda sem a questãoda linguagem. “Sou barthesiana e, paramim, não existe linguagem inocente, aindamais uma linguagem que envolve enor-mes cifras.” A professora, que ministra a

    disciplina Semiótica da Moda, busca depuraros signos que compõem as mensagens emdiferentes suportes para descobrir de queforma o discurso publicitário é construído ecom quais objetivos. Com o trabalho, Isabelaarrisca a dizer que nós “cheiramos as pala-

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    vras”, já que não só sentimos a fragrânciamas todo o discurso que a envolve.Os filmes publicitários de perfumes dasgrandes marcas de luxo são verdadeirassuperproduções com rostos de artistasinternacionais e, inclusive, encomenda-dos a renomados diretores. David Lynch,Martin Scorsese e Sophia Coppola para

    citar alguns. No Brasil, apesar do saltode qualidade das fragrâncias, o nível deprodução publicitária para o setor ainda édistante da internacional. Muitos comer-ciais são cópias de versões estrangeirasou tendem ao lugar comum.São poucos segundos para fazer opúblico captar a proposta da marca edo produto. Na pesquisa de Isabela, aanálise dos filmes publicitários é feitaquadro a quadro, cena por cena. Figuri-no, cabelo, maquiagem, personagens,cenário, roteiro, discursos, ou seja, todos

    os elementos estrategicamente sele-cionados pelos anunciantes. “Identifica-mos que, normalmente, são utilizadosestereótipos e abordagens cristalizadasda cultura de consumo. As narrativassão aparentemente ingênuas e, não raro,surreais. Uma análise mais cuidadosapode, contudo, identificar as sutilezas

    que residem nestes discursos e como,em sua aparente banalidade, tornam-

    Isabela Monken Velloso

    Doutora em Ciência da Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); professora adjunta do Bacharelado em Modado Instituto de Artes e Design da UFJF; autora do livro “Cultura do perfume, cultura de moda e outros acordes”, lançado pela EditoraUFJF; coordenadora do curso de extensão Vestindo Aromas, gratuito e aberto ao público em [email protected]://lattes.cnpq.br/7235526121074391

    + MAIS

    HISTÓRIA EM GOTAS

    -se narrativas bem construídas e nãomenos eficientes em seus propósitos.Muitas vezes, o perfume não aparecena imagem, mas ele fica sinalizadocomo o passaporte indispensável paraa entrada em um mundo idílico deideais burgueses, permeados por per-sonagens bem-sucedidos em aspectos

    múltiplos da existência.”O resultado aponta uma direção, masnão pode ser conclusivo. “Seria muitapresunção achar que revelamos asestratégias discursivas daquela marca,mas nem por isso vamos deixar deapontar enredos possíveis”, ponderaIsabela. Ao descortinar esse universo,a pesquisa pode contribuir para aformação de um público mais críticoe exigente. “Somos pesquisadores dacultura da moda, da cultura do perfume queremos a partilha, queremos inseri

    nesse processo mais informação.”

    Ícone máximo do mundo dos aromas, o bestseller Chanel nº 5 foi um dosprimeiros perfumes a carregar o nome de um estilista. Apresentada ao mun-

    do no dia 5 de maio de 1921, a fragrância eternizou-se com a declaração deMarylin Monroe de que não usava nada além de algumas gotas do perfume

    para dormir. Desde então, muitos rostos já foram emprestados à marca:Catherine Deneuve; Audrey Tautou; Nicole Kidman; e,

    atualmente, Gisele Bündchen.

    Também repleto de história, o Miss Dior foi lançado em 1947 com o “newlook”. A inspiração foi a irmã mais nova de Christian Dior, cheia de vida,

    paixão e espírito aventureiro. O “new look” revolucionou a moda pós-guerra,e pode ser entendido como um manifesto. O estilista queria devolver àsmulheres a feminilidade, surpreendendo o mundo com a volta da cintura

    marcada. Não era apenas uma roupa, era um novo modo de ser mulher queestaria completo com a presença do perfume.

    Atualmente, a campanha é personificada por Natalie Portman.

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