o mundo das valvulas

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O MUNDO (MUITO LOUCO) DAS VÁLVULAS – 1ª PARTE Postado por André Dantas Os limites e propriedades das válvulas circulares convencionais Todos nós temos uma grande unanimidade debaixo do capô dos nossos amados carros. Dentro de cada motor que circula em um veículo pela cidade, quer seja um automóvel, quer seja um caminhão, quer seja um motor de ciclo Otto ou Diesel, do fabricante que seja, todos eles utilizam o mesmo tipo de válvula, em formato de tulipa, para controlar a entrada e a saída de gases dos cilindros. Entretanto, esta não é exatamente uma unanimidade singularmente burra, como nos lembraria Nélson Rodrigues, pois ela é fruto de um processo técnico que já contei aqui, chamado de convergência tecnológica. Se todos os fabricantes usam este tipo de válvula é porque ao longo dos anos de evolução esta se mostrou a melhor solução para controle de fluxo dos motores a pistão. Há, entretanto, esquecido no fundo da gaveta dos projetistas, todo um universo de sistemas de válvulas que hoje não passam de mera curiosidade. Parte deste universo será explorado nas próximas partes deste artigo. Embora a convergência tecnológica tenha tornado essas opções hoje mera curiosidade técnica, nada impede que que um dia ressurjam para o mundo real, já que o sistema de válvulas que usamos hoje possui muitas imperfeições.

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Page 1: o Mundo Das Valvulas

O MUNDO (MUITO LOUCO) DAS VÁLVULAS – 1ª PARTE Postado por André Dantas

Os limites e propriedades das válvulas circulares convencionais

Todos nós temos uma grande unanimidade debaixo do capô dos nossos amados

carros. Dentro de cada motor que circula em um veículo pela cidade, quer seja

um automóvel, quer seja um caminhão, quer seja um motor de ciclo Otto ou

Diesel, do fabricante que seja, todos eles utilizam o mesmo tipo de válvula, em

formato de tulipa, para controlar a entrada e a saída de gases dos cilindros.

Entretanto, esta não é exatamente uma unanimidade singularmente burra,

como nos lembraria Nélson Rodrigues, pois ela é fruto de um processo

técnico que já contei aqui, chamado de convergência tecnológica.

Se todos os fabricantes usam este tipo de válvula é porque ao longo dos anos

de evolução esta se mostrou a melhor solução para controle de fluxo dos

motores a pistão.

Há, entretanto, esquecido no fundo da gaveta dos projetistas, todo um universo

de sistemas de válvulas que hoje não passam de mera curiosidade. Parte deste

universo será explorado nas próximas partes deste artigo.

Embora a convergência tecnológica tenha tornado essas opções hoje mera

curiosidade técnica, nada impede que que um dia ressurjam para o mundo real,

já que o sistema de válvulas que usamos hoje possui muitas imperfeições.

Page 2: o Mundo Das Valvulas

É sobre essas imperfeições e demais caracteristicas das válvulas o tema desta

parte.

Se tem uma coisa que um motor necessita de uma válvula é a sua capacidade

de vedar hermeticamente a câmara de combustão, para que não ocorram

vazamentos que prejudiquem o desempenho do motor. Cada ignição produz um

grande pico de pressão, e uma válvula ruim, que não veda adequadamente a

câmara, prejudica severamente a potência e o consumo do motor.

No sistema de válvula convencional, a própria pressão que se forma da queima

da mistura empurra a cabeça da válvula contra a própria sede, aumentando

sua capacidade de vedação. Quanto maior a pressão, mais vedada se mostra a

válvula fechada.

Dinamicamente, sempre há um certo nível de choque entre a válvula e sua

sede. O contato e o choque desgastam as superfícies de contato da válvula e da

sede. Como a válvula é feita girar em torno de sua haste enquanto trabalha,

ela nunca fecha exatamente no mesmo lugar sobre a sede, criando um

desgaste homogêneo ds duas peças e mantendo a vedação perfeita por muito

tempo.

Esta capacidade de manter excelente vedação por muito tempo de uso foi a

principal característica das válvulas convencionais sobre os demais sistemas, a

ponto de tirar os sistemas concorrentes do mercado.

Entretanto, nem tudo é perfeito nas válvulas circulares convencionais. Elas

possuem muitos defeitos que trazem limitações aos motores e dores de cabeça

aos projetistas.

Estas válvulas funcionam sendo impulsionadas linearmente no sentido de

abertura, e depois são impulsionadas de volta por uma mola. Funcionalmente,

elas operam num movimento linear oscilante semelhante ao realizado pelo

pistão dentro do cilindro. Isto cria um efeito de oscilação do motor, menor que

o do pistão, mas ainda assim, sensível. Some aos efeitos dessa oscilação o

choque com que as válvulas se fecham em suas sedes, e teremos aí uma fonte

adicional de vibração do motor.

No começo da história do automóvel, as válvulas eram instaladas no bloco, e o

cabeçote era uma peça que era pouco mais que uma tampa com refrigeração,

onde se instalava a vela. Era feito desta forma para simplificar a construção de

motores numa época ainda primitiva. A simplicidade da tampa também

facilitava retirada e colocação, visando a freqüente descarbonização dos

motores daquela época.

Entretanto, esta configuração oferecia uma série de desvantagens, que

comprometiam o desempenho do motor. Turbulência ruim, maior tendência à

detonação, os fluxos de admissão e descarga não eram adequados, entre

tantos problemas.

Page 3: o Mundo Das Valvulas

Válvulas laterais: simplicidade, mas ao custo de muitos problemas e limitações

Foi verificado então, que o melhor lugar para as válvulas estaria no cabeçote. A

passagem das válvulas do bloco para o cabeçote foi uma revolução técnica na

história do motor a combustão, porém há todo um capítulo à parte sobre a

evolução dos mecanismos de acionamento das válvulas para que elas

funcionassem no cabeçote, bem afastadas do virabrequim.

Porém não foi só o mecanismo de acionamento das válvulas que representou

um desafio técnico aos projetistas. Quando as válvulas eram instaladas no

bloco, os projetistas tinham toda liberdade para escolher o diâmetro que

quisessem para elas. Assim, em motores mais potentes poderiam escolher

válvulas de grande diâmetro para compensar as perdas que os fluxos do motor

sofreriam desscrevendo curvas apertadas para entrar e sair do cilindro.

Entretanto, quando as válvulas passaram para o cabeçote, o diâmetro da

câmara de combustão limitou o tamanho das válvulas. As áreas dos dutos,

dependentes dos diâmetros das válvulas, eram agora limitadas a uma fração da

área da câmara de combustão.

Havia mais um complicador nessa história. O fluxo de escapamento é quente e

ainda está pressurizado dentro do cilindro quando a válvula respectiva abre,

mas o fluxo de mistura fresca está frio, é muito mais denso e viscoso, e ele

teria que entrar no cilindro por aspiração, induzida pela descida do pistão. Estas

diferenças obrigam que as válvulas de escape sejam menores que as de

admissão, ficando a questão de qual o melhor equilíbrio de diâmetros dentro do

restrito espaço deixado pela câmara de combustão para que o rendimento do

motor fosse maximizado. Já se sabia de antemão que a melhor câmara de

combustão era a hemisférica, e era nela que as melhores configurações de

válvulas deveriam ser projetadas.

Até matemáticos foram recrutados para resolver a questão.

Chegou-se à conclusão que a área de válvulas era maximizado com o uso de 5

válvulas com suas hastes em distribuição radial em relação ao formato da

Page 4: o Mundo Das Valvulas

câmara. Porém esse modelo era seguido muito de perto pela opção de 4

válvulas radiais.

Foi assim que nasceram os motores multiválvulas, mas, ainda assim, as áreas

de trocas gasosas nesses motores eram pequenas diante de outros tipos de

válvulas. Esse assunto foi explorado num artigo sobre a Honda NR-750 .

Este sistema de válvulas precisa lidar com um fenômeno desagradável: a

flutuação da válvula. Nos sistemas convencionais de válvulas, a válvula de abre

pela ação indireta ou direta de um ressalto sobre a válvula, junto com a

compressão da mola. Na fase de fechamento, a mola impulsiona impulsiona a

válvula de volta à sede. Em baixas rotações, a mola mantém a válvula e todo

trem de acionamento firmemente apoiado sobre o flanco de fechamento do

ressalto.

Entretanto, em altas rotações, a inércia do conjunto é tão elevada que a força

da mola é insuficiente para impulsionar todo conjunto móvel da válvula para

manter contato com o flanco do ressalto. Sem poder acompanhar o flanco do

ressalto, o retorno livre (ou flutuação) faz a válvula colidir com muita força

sobre a sede. Por estar apoiada em uma mola elástica, a válvula repica sobre a

sede assim como uma bolinha de pingue-pongue, e a colisão gera vibrações em

muitos modos, incluindo alguns onde a elasticidade torcional da mola se

manifesta, permitindo que a válvula e a própria mola girem.

Além desse efeito, a flutuação de válvula pode levar a outro efeito, desastroso,

que é o atropelamento de válvulas pelo pistão, pelo fato de as válvulas não

estarem fechadas quando deveriam. Esse efeito é tão mais provável quanto

mais elevada for a taxa de compressão, resultado de câmaras de combustão

pequenas.

A ação do mecanismo de acionamento sobre a haste de válvula também pode

excitá-la a flexionar em sua freqüência de ressonância, e ela pode partir-se.

Vemos esses fenômenos nos vídeos em câmera lenta a seguir:

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=_REQ1PUM0rY

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=cfGg15WgSEU

Há um outro problema que muitos confundem com a flutuação de válvula, mas

que também surge da alta rotação. A mola, além de elemento elástico, possui

massa distribuída ao longo do seu comprimento. Quando em alta rotação, o

acionamento da válvula começa a pressionar a extremidade livre da mola,

porém, devido aos efeitos de inércia, a mola é primeiro comprimida na parte

livre, com baixa elasticidade para o acionamento, e só depois a porção estática

da mola é carregada. Isso cria um pulso que percorre a mola ao longo do seu

comprimento.

Page 5: o Mundo Das Valvulas

Propagação de onda longitudinal pela mola causada pelo acionamento da válvula

Se esse pulso atingir a freqüência de ressonância da mola, ela quebra e a

válvula, que passa a não retornar mais, pode ser atingida pelo pistão e causar

grandes danos ao motor.

É o que vemos no vídeo a seguir:

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=0cbjqj5Kidk

Há algumas medidas que precisam ser tomadas para evitar estes dois

problemas:

- As molas precisam ter a constante (dureza) mais alta possível para evitar a

flutuação;

- O uso de duas molas concêntricas, além de aumentar a rigidez, associa duas

molas com ressonâncias diferentes, com uma dissipando a energia ressonante

que pode destruir a outra. Se uma mola quebrar, a outra mantém a válvula

operando com segurança;

- Molas com passo diferenciado ao longo de seu comprimento tem ressonâncias

diferentes para cada passo, com um efeito semelhante ao de duas molas

concêntricas no amortecimento da energia ressonante;

- Redução ao máximo das massas oscilantes do sistema de válvulas. Quanto

mais simples e com componentes pequenos e leves, melhor.

Como sempre, na engenharia, estas coisas não são muito fáceis. Conforme

aumentamos a constante das molas, a potência necessária para virar o

comando e acionar as válvulas aumenta drasticamente. A maior carga sobre os

ressaltos do comando conduzem também a um maior desgaste do conjunto.

Esta necessidade de grande esforço de acionamento num intervalo muito curto

de tempo (milissegundos) num sistema de precisão tem limitado um avanço

lógico e importante para os motores.

O controle preciso de início e fim da abertura das válvulas, bem como seu

levantamento máximo (lift), permitiria um controle muito maior do processo de

Page 6: o Mundo Das Valvulas

combustão, levando os motores a novos patamares de potência e torque

máximos, consumo e emissões de poluentes.

A idéia de controle das válvulas não é nova, e várias foram as propostas para

fazer um sistema de comando total ou parcialmente variável, entretanto, das

poucas opções de controle que persistem, o variador de fase de comando,

especialmente o de admissão, é um dispositivo muito limitado diante do

potencial de controle sobre as válvulas, e mesmo assim não se tornou um

dispositivo universal.

Em 1989 a Honda lançou um sistema de fase e levantamento variáveis, o VTEC

e já na primeira década do novo século a BMW, a Porsche e a Fiat lançaram

sistemas completamentes variáveis, tanto em levantamento quanto em fase,

chamado de Valvetronic com Duplo-Vanos, Variocam Plus e MultiAir,

respectivamente.:

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=R6tWIByEetg

Estes sistemas são complexos, muito mais caros que os sistemas de comando

convencionais e possuem componentes delicados e de precisão que lidam com

altas cargas para acionamento das vávulas. Eles já passaram pela prova de

fogo do mercado, mostrando que seu custo se justifica diante dos benefícios,

sem mostrar a alta fragilidade e a baixa durabilidade de sistemas anteriormente

propostos.

Os problemas de flutuação de válvulas e de quebras de molas por ressonância

não são novos. As primeiras patentes referentes a um sistema desmodrômico

são de 1896, criadas por Gustav Mees.

A idéia básica por trás do sistema desmodrômico, palavra originária do

grego desmos, controle e dromos, percurso, é que a válvula tenha seu retorno

promovido pelo próprio comando, eliminando a mola que causa a flutuação.

Assim, a flutuação de válvula não seria um fator limitante da rotação máxima

do motor.

Page 7: o Mundo Das Valvulas

Sistema desmodrômico: cames realizam o retorno e o fechamento da válvula no lugar da mola

Esta característica levou vários fabricantes a testarem esta opção tecnológica

nos anos 1950, quando as corridas renasceram após a Segunda Guerra

Mundial. Foi o caso, entre outros da Mercedes, da Ferrari e da Porsche.

Sistema desmodrômico patenteado pela Porsche na década de 1950

Page 8: o Mundo Das Valvulas

Grande variedade de sistemas desmodrômicos: sem convergência tecnológica, o sistema quase caiu em desuso

Entretanto, a eliminação da mola traz o problema da pressão correta de

fechamento da válvula sobre a sede, num cabeçote sujeito a grandes flutuações

de temperatura e consequentes dilatações de materiais. Além disso, o sistema

é complexo, caro e sujeito a desgastes e desajustes constantes. Estes defeitos

levaram a muitas falhas de vedação e queima de válvulas.

Atualmente, apenas a Ducati é adepta desta tecnologia, sendo praticamente

uma marca registrada de suas motos. Entretanto, dado o grande número de

patentes e diferentes disposições criadas pela Ducati, fica evidenciado que

mesmo ela ainda tem problemas com esta tecnologia.

Como vimos no vídeo anterior, a Fórmula 1 também testou o caminho do

comando desmodrômico para poder elevar as rotações dos motores, mas como

tantos outros, não obteve sucesso.

O sucesso veio por um sistema de retorno de válvula pneumático bastante

complexo. Hoje há sistemas onde não só o retorno, mas também a abertura da

válvula são feitos por acionamentos pneumáticos.

Page 9: o Mundo Das Valvulas

Na Fórmula 1, o sistema pneumático permite o retorno da válvula sem flutuação, mesmo em altas rotações.

As válvulas convencionais também são problemáticas com a dinâmica de gases

no motor. Ao abrirem para dentro da câmara, suas cabeças agem como corpos

intrusivos, que interferem com a livre turbulência dentro dela.

As cabeças das válvulas interferem na turbulência da câmara de combustão e dificultam a passagem dos gases

O fluxo de mistura fresca, vinda do coletor de admissão, se vier direto pelo

duto vai seguir em linha reta até colidir com a cabeça da válvula. A cabeça da

válvula age como um obstáculo que se opõe ao enchimento do cilindro. A

solução parcial para o problema é conformar o duto de admissão de forma que

o fluxo possua um turbilhonamento com eixo de giro concêntrico à haste da

válvula. Assim, ao passar pela sede da válvula, a rotação centrifuga o fluxo,

que se desvia mais facilmente da cabeça da válvula.

Page 10: o Mundo Das Valvulas

Fluxo de mistura em turbilhão contorna as válvulas de admissão mais facilmente

Assimetria do fundo do duto da válvula de admissão impulsiona o fluxo para turbilhonar

A válvula de escape possui o problema inverso. É necessário que a turbulência

interna da câmara direcione o fluxo de descarga pela tangente do vão entre a

cabeça da válvula e sua sede, conferindo um fluxo turbilhonante no duto de

descarga.

Entretanto, a válvula de escapamento sofre com o fluxo quente que passa por

ela. Sua cabeça e boa parte de sua haste ficam imersas nos gases queimados

extremamente quentes e a válvula só consegue se refrigerar no curto período

que está apoiada sobre sua sede, pela limitada superfície de vedação e pelo

contato da haste quente com a sua guia.

Page 11: o Mundo Das Valvulas

Padrão de temperatura de uma válvula de escapamento

Fluxos de refrigeração da válvula de escapamento

Nos motores antigos, este problema levava muitas vezes a válvula de escape a

um processo corrosivo acentuado. Foi necessário o desenvolvimento de ligas

especiais de aço para amenizar este problema.

Corrosão em válvulas de escape: oxigênio muito reativo em altas temperaturas

Page 12: o Mundo Das Valvulas

Em motores ainda mais potentes, como os de avião e de corrida, somente o

acerto da liga não era suficiente para lidar com o calor captado da válvula, e foi

necessário o desenvolvimento de válvulas ocas, preenchidas com sódio

metálico, que conduz calor facilmente, para resolver de vez o problema.

Sódio metálico no interior da válvula de escape facilita sua refrigeração

Para finalizar esta longa lista, vale a pena citar que há uma forte relação entre

as válvulas do motor e a posição da vela de ignição.

Enquanto as válvulas de admissão são banhadas por mistura fresca e até

mesmo a lavagem por combustível líquido injetado, as válvulas de

escapamento ficam imersas em gases muito aquecidos. Assim, as válvulas de

admissão formam uma zona fria na câmara de combustão, enquanto as

válvulas de escapamento formam uma zona quente.

Estas zonas quentes e frias afetam como a frente de chama se propaga pela

mistura dentro da câmara de combustão. As zonas frias roubam calor da frente

de chama, enquanto as zonas quentes a aquece ainda mais. Isso retarda o

avanço da frente de chama nas zonas frias e acelera nas zonas quentes.

Como no motor a origem da frente de chama é a vela de ignição, a posição dela

dentro da câmara, mais próxima de uma zona do que de outra, pode acelerar

ou retardar a queima da mistura.

Se a vela de ignição é posicionada mais próxima da válvula de admissão,

obtém-se um funcionamento mais suave em marcha-lenta e um

comportamento melhor em alta rotação.

Se a vela é posicionada mais próxima próxima à válvula de escapamento,

obtém-se uma queima mais rápida e suave, com menor tendência à detonação.

Page 13: o Mundo Das Valvulas

Para motores convencionais busca-se, sempre dentro do possível, que a vela de

ignição fique em um ponto mais próximo das válvulas de escapamento do que

das válvulas de admissão, pelas melhores características gerais que esta

disposição oferece.

Vela mais próxima e voltada para a válvula de escapamento

A lista de desvantagens do sistema de válvulas é enorme, e elas estão muito

longe daquilo que em outras aplicações consideramos como boas ou ideais. A

melhor maneira de expressar porque as válvulas convencionais permaceram é

porque elas são menos piores que outras tecnologias.

Estas desvantagens são conhecidas dos projetistas desde o começo da evolução

dos motores a combustão, e várias foram as alternativas que foram propostas

por diferentes especialistas e inventores ao longo dos anos para sua

substituição.

Entretanto, as grandes vantagens que o sistema de válvulas convencional

oferece sobre os demais sistemas o tornou praticamente universal, enquanto os

demais cairam no esquecimento.

Nada impede, entretanto, que as dificuldades dos demais sistemas sejam

resolvidas por novas tecnologias, e que a pressão constante por menores

emissões logo tornem as desvantagens do sistema convencional num problema

incontornável, o que traria os antigos sistemas, repaginados nas matérias das

revistas especializadas como "revolucionários" e "inovadores", de volta em todo

seu explendor.

Para a segunda parte deste artigo, continuaremos nossa viagem pelo mundo

pelo estranho mundo das válvulas, estudando alguns sistemas de camisas

móveis.

AAD

Page 14: o Mundo Das Valvulas

Origem das imagens:

http://www.wehs.net/dyk-ricardo.html

http://www.popularhotrodding.com/events/0805phr_engine_masters_challenge

/viewall.html

http://highperformanceengines.blogspot.com.br/2012/08/four-stroke-

cycle.html

http://convergecfd.com/applications/engine/sparkignited/

http://www.kwik-way.com/techdoc/blog1.php/valve-functions

http://autospeed.com/cms/title_GMs-LS7-7litre-V8/A_111318/article.html

http://engine-icio.ru/image.php?id=1292882

http://www.italian.sakura.ne.jp/bad_toys/engine/engine05.html

http://www.rouge-cerise.net/blog/index.php?post/2008/09/14/Desmodromique

http://what-when-how.com/automobile/intake-and-exhaust-valves-and-

mechanisms-automobile/

http://www.formula1-dictionary.net/engine.html

http://www.ashonbikes.com/aspin_cross_valves

Ruigi, Luis - Preparación de Motores de Competición - Ediciones CEAC -

Barcelona - España

Szankowski, Victor João, Eng. - O Motor a Gasolina (C/ Suplemento Diesel) -

Editora Industrial Teco Limitada - São Paulo - Brasil

Giacosa, Dante - Motores Endotérmicos - 3ª Edicion - Editorial Dossat S.A.-

Barcelona - España

Page 15: o Mundo Das Valvulas

O MUNDO (MUITO LOUCO) DAS VÁLVULAS – 2ª PARTE Postado por André Dantas

Quatro motores de válvulas deslizantes: MCollum (1909), Knight (1908), Continental (1926) e Sargent (1914)

Uma visão geral

Vimos na primeira parte que o sistema de válvulas circulares convencionais se

tornou um paradigma universal, adotado por todos os fabricantes de motores

de ciclo Otto e Diesel, salvo raríssimas exceções em aplicações especiais.

Vimos também que o sistema vigente está longe da perfeição, algo sabido

desde os primórdios da história do motor a combustão.

Nos apegamos a ele como se ele fosse a única alternativa. A maioria dos

autoentusiastas sequer imagina que existem sistemas alternativos e como eles

podem funcionar, quando na verdade, a diversidade de sistemas é imensa.

Estas alternativas foram largamente exploradas na aurora do uso do motor a

combustão interna, mas a maioria não passou da fase de proposta ou de

protótipo. Ainda assim, há propostas inovadoras mesmo nos tempos atuais.

Page 16: o Mundo Das Valvulas

Mas estes sistemas surgiram e depois desapareceram ao longo dos anos.

Alguns obtiveram grande sucesso, como o sistema Knight nos automóveis de

luxo, e o sistema Argyll, em motores aeronáuticos, ambos de camisas móveis.

Alguns até foram lançados em motocicletas, mas a maioria dos sistemas,

entretanto, não passou da fase experimental ou de patente de conceito.

Estes sistemas não seriam mais que mera curiosidade técnica se o "Papa" da

engenharia dos motores, o engenheiro inglês, de Londres, Sir Harry Ricardo,

não tivesse publicado em 1927 um extenso estudo onde relacionava todos os

problemas com as válvulas convencionais e mostrava (dentro da realidade

técnica da época) que motores com este tipo de válvula não iriam muito além

dos 1.500 cv.

Muito do que ele afirma neste estudo serviu de base para a primeira parte

deste artigo. Em sua substituição, Sir Ricardo propunha o uso de válvulas de

camisas móveis.

Sir Harry Ricardo (26/5/1885–18/5/1974)

Quando as negras nuvens da 2ª Guerra Mundial surgiram no horizonte, a

Europa começou a se preparar, desenvolvendo novas tecnologias para novas

armas, e motores eram necessários para veículos terrestres, marítimos e

aéreos de todos os tipos.

Page 17: o Mundo Das Valvulas

Quanto mais potentes, resistentes e econômicos para o mesmo porte, melhor.

Isso pressionava o avanço tecnológico nesta área.

O estudo de Sir Ricardo serviu de base para ingleses e alemães no

desenvolvimento de protótipos, mas essencialmente foram os primeiros que

usaram em larga escala motores com válvulas de camisas deslizantes,

principalmente em aviões e tanques.

A Bristol fez os motores Perseus, Hércules, Taurus e Centaurus, a Napier fez o

Sabre, enquanto a Rolls-Royce fez o Eagle e o Crecy, este último terminado

somente após a guerra, e sem que tivesse encontrado aplicação prática

significativa.

Mas apesar dessa onda, a Rolls-Royce não arriscou pôr todos os seus ovos na

mesma cesta, e projetou seus renomados motores Merlin e Griffon com

válvulas convencionais, sob a regência do próprio Sir Ricardo que as condenara.

Medida acertada, pois conforme a guerra evoluía, os grandes motores de

camisas móveis, com grande número de cilindros, mostraram-se complexos de

projetar e manter, especialmente em tempos tão difíceis quando se precisava

confiar nestes motores.

Veio o fim da guerra, com ela o motor a jato tomou o lugar dos grandes

motores a pistão, ao mesmo tempo que as ligas e técnicas construtivas de

válvulas sofreram um grande avanço, o que enterrou de vez ao grandes

esforços em produzir motores com sistemas alternativos de válvulas em larga

escala.

Alguns dos sistemas de válvulas alternativos que veremos a seguir e nas

demais partes deste artigo apresentam algumas vantagens óbvias sobre o

sistema de válvulas convencionais, outros nem tanto, mas todos falharam em

em alguns pontos em comum:

Vedação deficiente por diferentes problemas;

Atrito e desgaste elevados, causando falha de vedação;

Incapacidade de lidar com as dilatações de componentes de precisão causadas pelo calor dos gases de escapamento;

Complexidade;

Fragilidade;

Custo e dificuldade de fabricação.

Antes de vermos estes sistemas, vamos entender algo elementar sobre um

motor o Otto e suas válvulas.

Page 18: o Mundo Das Valvulas

O motor Otto de 4 tempos é uma máquina de fluxo, onde os fluxos de gases

são controlados por válvulas sincronizadas com o movimento do motor. Porém,

diferente do que a convergência atual pode nos faz crer, não é necessário que

estas válvulas sejam do tipo tulipa. Em princípio, qualquer tipo de válvula de

controle de fluxo com acionamento externo serve. É daí que surge uma

variedade enorme de variantes de sistemas, muitas delas, bastante exóticas.

Quem lida com controle de líquidos está acostumado com válvulas do tipo

gaveta, de esfera e borboleta, sendo que seria possível construir motores com

versões especialmente projetadas destas válvulas. E é isso que ocorre nos

sistemas alternativos.

Válvula de esfera

Page 19: o Mundo Das Valvulas

Válvula de gaveta

Válvula borboleta

Outra idéia nos é dada pelo motor de 2 tempos clássico. Neste tipo de motor, o

pistão, além de elemento de potência, é também uma válvula, semelhante ao

tipo gaveta, que abre e fecha passagens que se comunicam com o cárter e com

a câmara de combustão por meio de janelas abertas no cilindro. No motor de 2

tempos o pistão é uma peça de função dupla, neste caso, uma peça que

transforma a força de pressão em potência mecânica útil, ao mesmo tempo que

trabalha como válvula auto-sincronizada com o funcionamento do motor.

Esta dupla funcionalidade de um componente é a idéia fundamental neste caso.

Pistão no motor 2 tempos: dupla função

Muitos tipos de válvulas alternativas derivam da soma destas duas idéias.

Page 20: o Mundo Das Valvulas

A seguir, começaremos nossa exploração pelo primeiro tipo não convencional

de válvulas.

Sistema de válvulas de camisas móveis

Estes motores, em muitas referências, são erroneamente conhecidos como

"motores sem válvula".

A melhor forma de compreender este sistema é pensando numa antena

telescópica. Uma sessão cilíndrica que é instalada com ligeira folga sobre a

sessão externa, com liberdade para se deslocar tanto linear como em rotação

em relação à outra.

No motor, além da camisa fixa ao bloco, temos mais uma ou duas móveis, que

podem realizar tanto movimentos de translação como de rotação, dependendo

do tipo de sistema. Estas camisas possuem janelas assim como a camisa fixa,

por onde passam os gases. Ao alinharem estas janelas, os dutos de admissão

ou de descarga são abertos, como num motor de 2 tempos.

Sistemas de cames ou de virabrequins movimentam as camisas móveis tanto

longitudinal como radialmente, conforme o tipo de sistema.

Uma das vantagens proclamadas dos motores de válvulas deslizantes era a

remoção dos pontos quente e frio causados pelas válvulas de escapamento e

admissão convencionais posicionadas na câmara de combustão.

Apenas a abertura da vela de ignição deformava o formato da câmara

hemisférica, não oferecendo obstáculos à turbulência da mistura, obtendo sua

melhor queima, maior pressão dos gases queimados e, portanto, maior

rendimento termodinâmico.

No motor com válvulas convencionais, a proximidade da vela com a válvula de

escapamento quente melhorava o funcionamento do motor, mas a frente de

chama desacelerava junto à válvula de admissão fria.. Num motor com válvulas

deslizantes, a temperatura ideal de câmara pode ser controlada de forma

homogênea por um bom projeto do sistema de refrigeração.

Page 21: o Mundo Das Valvulas

Além disso, a área das janelas era maior da que a obtida com o uso de válvulas

convencionais, e o desenho destas janelas permitia um controle de

progressividade de entrada e saída de fluxos impossível de ser obtido no

sistema convencional.

Era por estes motivos que Sir Harry Ricardo preferia as válvulas de camisas

móveis em lugar das válvulas convencionais.

As camisas deslizantes eram tão finas quanto possível e fabricadas com alta

rugosidade tanto interna como externamente, a fim de reter o filme de óleo

lubrificante.

Com uma área tão grande de contato e tanto óleo entre as peças, a

refrigeração do motor era mais fácil que num motor com válvulas

convencionais, além de haver menor atrito interno.

Além disso, estas válvulas não operavam com choques, movimentos bruscos ou

contra molas duras, e a operação deste motor era muito suave e silenciosa.

Estas características beneficiavam especialmente os motores refrigerados a ar,

que podiam ser menores, porém mais potentes, fator importante para motores

aeronáuticos. Em compensação, a vedação ao longo da vida útil do motor se

mostrava deficiente e a perda de óleo lubrificante elevada, além do motor ser

mais pesado e complexo.

Patenteado originalmente em 1903 pelo fazendeiro americano Charles Yale

Knight, o chamado motor Knight usava duas camisas deslizantes como

válvulas, comandadas por uma árvores de manivelas e pequenas bielas.

Page 22: o Mundo Das Valvulas

Motor Mercedes com sistema Kinght

Knight conhecia o projeto elementar das válvulas de gaveta usadas nos

protótipos feitos por Otto, e achava que poderia fazer um sistema muito

superior ao das válvulas convencionais que vários fabricantes haviam adotado

nos motores pioneiros.

Ele buscava oferecer um motor mais silencioso, suave e sem vibrações que os

motores convencionais. Knight recebeu ajuda de um mecânico, L. B. Kilbourne,

em sua criação.

O sistema Knight consiste de duas camisas móveis que possuem apenas

movimento longitudinal alternativo. Este movimento alternativo de cada camisa

era impulsionado por um sistema de bielas e virabrequim, semelhante ao

conjunto móvel principal do motor, porém girando com a metade da velocidade

e com fase correta para a abertura das janelas, de forma parecida com a de um

motor de 2 tempos.

Page 23: o Mundo Das Valvulas

Comando em forma de virabrequim e bieletas de acionamento das camisas deslizantes do sistema Knight

Vemos a seguir um vídeo de funcionamento deste motor:

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=NSMYjRNQ8Rs

Em 1904, Knight e Kilbourne construíram um motor de 4 cilindros de 2,5 litros

de cilindrada, que foi montado em um carro Panhard que rodou milhares de

quilômetros sem qualquer problema.

Amigos em comum levaram a idéia para o conhecimento de Daimler. A

Mercedes ficou impressionada com o conceito do projeto, apesar da

precariedade do protótipo. Após muito trabalho experimental conjunto, Daimler

assina um contrato de exclusividade do sistema em território europeu e

conjunto para exploração mundial do licenciamento.

A Mercedes então abandona o sistema de válvulas convencional em favor do

sistema Knight, agora chamado comercialmente de Daimler-Knight.

A seguir, veremos o vídeo de um raríssimo motor Mercedes Knight de 1908

restaurado sendo posto em funcionamento:

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=vpyjAR_k70Y

Reparem no vídeo que as pessoas conversam normalmente ao lado do motor, e

ele não possui qualquer sistema de abafamento no escapamento. Também é

interessante notar a quantidade de fumaça que sai pelo escapamento, sinal do

óleo que era perdido por ali.

A Willys-Overland, nos Estados Unidos, adquire os direitos do sistema Knight e

começa a produzir o lendário Willys-Knight em 1914, apenas um ano após a

compra da Edwards Motor Car Company, por John North Willys.

Page 24: o Mundo Das Valvulas

Em 1922, a Willys adquire a Stearns-Knight, a outra empresa licenciada a usar

o sistema Knight em território americano, tornando assim o sistema Knight a

marca registrada de seus carros.

Willys-Knight: carro de luxo com promessa de confiabilidade, suavidade e conforto

A produção do Willys-Knight foi encerrada em novembro de 1932, como modelo

1933. A crise americana de 1929 ainda estava presente, e carros de alto luxo já

não eram tão lucrativos quanto os carros baratos para as massas.

Motor Willys-Knight de 6 cilindros

Aqui vemos um Willys-Knight posto em funcionamento:

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=BnzwMIi3HKk

Para a Mercedes e para a Willys, que fabricavam carros de alto padrão, a

suavidade e o funcionamento silencioso deste motor foram bastante oportunos.

Page 25: o Mundo Das Valvulas

Em 1906, surge uma variante do sistema Knight, o sistema Argyll, que usava

apenas uma camisa deslizante. Este sistema, embora classificado como sendo

de válvula deslizante, na verdade é um tipo de transição entre os sistemas

deslizante e o rotativo de válvula.

Há muita literatura que confunde o sistema Knight com o sistema Argyll, dada

sua similaridade, mas são sistemas apenas aparentados, não iguais. Enquanto

o sistema Knight exigia duas camisas que apenas se deslocavam

longitudinalmente, no sistema Argyll a composição de movimentos longitudinal

e rotativo permitiam que o mesmo trabalho fosse realizado com uma única

camisa móvel.

O vídeo a seguir mostra o funcionamento em corte de um cilindro de motor

Bristol Hercules, que funciona pelo sistema Argyll.

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=Liqqo8Cdb68

Outro vídeo, mostrando esquematicamente o funcionamento completo do

motor Bristol Hercules:

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=_vrvep_YOio

A maior simplicidade mecânica deste sistema sobre o sistema Knight chamou a

atenção de Sir Harry Ricardo e Charles F. Kettering (inventor do tradicional

sistema Delco de ignição com distribuidor, bobina e platinado e do sistema de

partida elétrica, que completou 100 anos agora em 2012). O trabalho de ambos

fez evoluir em muito o sistema Argyll, o que resultaria em motores ingleses que

escreveriam seus nomes na história, como o Napier Sabre, que equipava os

Hawker Typhoon e Tempest, os mais rápidos caças de motor a pistão da

Segunda Guerra Mundial.

Ainda assim, estes motores possuíam muitos componentes, e fabricá-los para

um funcionamento perfeito com as tecnologias de usinagem da época tornavam

esses motores problemáticos, sempre apresentando vazamentos, perdas de

compressão, folgas excessivas.

Page 26: o Mundo Das Valvulas

Motor Napier Sabre: milhares de componentes individuais

Dentro de uma infinidade de variantes de sistemas de válvulas que foram

desenvolvidas e testadas, os sistemas de válvulas por camisas deslizantes (ou

simplesmente válvulas deslizantes, como consta em várias fontes) foram

seguramente os que mais tiveram aplicações práticas. Entretanto, foram

suplantadas pelo topo da escala de potência com a introdução da turbina a gás,

e pela base com evolução do sistema convencional de válvulas, e foram

abandonadas pouco após o fim da 2ª Guerra Mundial.

Não posso terminar este artigo sem mostrar um exemplo recente de sistema de

válvulas de camisa móvel, lançado pela fabricante de motores inglesa RCV em

1997 num motor de aplicação motociclística de 125 cm³.

Page 27: o Mundo Das Valvulas

Motor RCV: simplicidade da camisa-válvula rotativa

Neste sistema, a camisa e parte da câmara de combustão são rotativas, sem

deslocamento longitudinal como nos sistemas anteriores. A rotação desta

camisa ocorre por um sistema de engrenagens em sua base que a liga ao

virabrequim numa relação de transmissão de 2:1. Uma janela aberta na

câmara de combustão se abre para dutos de admissão e escape cavados no

cabeçote.

Modo de funcionamento do motor RCV de camisa rotativa: tão simples quanto um motor 2-tempos

Quem quiser saber mais sobre este motor da RCV, eles possuem uma

apresentação aqui.

Page 28: o Mundo Das Valvulas

Embora seja um sistema de válvula rotativa pura, que veremos na terceira

parte deste artigo, achei apropriado colocá-lo aqui porque ele demonstra

perfeitamente porque o sistema Argyll é considerado por alguns como sendo de

transição entre o Knight de camisas deslizantes e os sistemas de válvulas

rotativas.

Ele também demonstra que estas alternativas nunca deixam de ser

pesquisadas.

No próximo artigo, veremos os principais exemplos dos sistemas de válvulas

rotativas de eixo axial, com um foco especial sobre o sistema Aspin.

AAD

Fontes das imagens:

http://www.rcvengines.com/pdf_files/saeslide.pdf

http://www.geocities.ws/brasilfoguetes/technotes.htm

http://www.irmaosabage.net/grupo/1213

http://www.solostocks.com.br/venda-produtos/equipamentos-

industriais/equipamentos-industria/valvulas-borboleta-629238

http://www.inomarka.nnov.ru/?id=17221

http://user.tninet.se/~qbc513r/sabre.gif

http://www.dloc.org.uk/cars/datasheets.d/Sleeve_Valve.pdf

http://www.saturdayeveningpost.com/2009/06/13/archives/post-

perspective/remember-general-

motors.html/attachment/photo_20090613_willysknight_1927

http://en.wikipedia.org/wiki/File:Willys-Knight_sleeve-

valve_engine_%28Montagu,_Cars_and_Motor-Cycles,_1928%29.jpg

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Willys-knight_1918_logo.gif

http://www.enginehistory.org/pioneering_sleeve_valve.shtml

http://images.marketworks.com/hi/62/61530/A-G21-A010.jpg

Page 29: o Mundo Das Valvulas

O MUNDO (MUITO LOUCO) DAS VÁLVULAS – 3ª PARTE Postado por André Dantas

Aspin: principal tipo de válvula rotativa axial

As válvulas rotativas axiais

A partir de 1911, e praticamente por todos os anos 1920, uma série de

experimentos com os mais variados sistemas de válvulas rotativas surgiram e a

grande maioria desapareceu e caiu no esquecimento. Porém, alguns abnegados

inventores e engenheiros se esforçaram para torná-las úteis.

Há duas grandes famílias de válvulas rotativas, as axiais (de eixo paralelo ou

concêntrico ao do cilindro), e as transversais. Nesta parte veremos as válvulas

rotativas axiais, e na próxima parte veremos as válvulas rotativas transversais.

Curiosamente, veremos que os dois tipos de válvulas estão fortemente

associados ao desenvolvimento das motocicletas, em especial as de

competição.

Page 30: o Mundo Das Valvulas

A maior parte da família das válvulas rotativas axiais se caracteriza por

conformar parcial ou totalmente a câmara de combustão em um componente

móvel, o que auxilia na formação da turbulência necessária para uma boa

queima. Além disso, estas válvulas, por estarem posicionadas dentro da

cavidade da câmara de combustão, ao receberem o pulso de alta pressão da

combustão da mistura, são pressionadas a vedar ainda mais as passagens de

gases, obtendo um rendimento de vedação comparável ao das válvulas

circulares convencionais, porém sem oferecer a restrição de corpos invasivos à

câmara.

Estas válvulas apresentam certo grau de parentesco com os motores de dois

tempos na medida em que o rotor tem o papel duplo de válvula e de câmara de

combustão, assemelhado ao pistão do motor de dois tempos.

Recordando a segunda parte deste artigo, vimos o motor da RCV, que possuía

uma camisa rotativa que funcionava como válvula. Embora eu tenha colocado

esse motor na parte referente aos sistemas de camisas móveis, sob uma outra

ótica, o sistema da RCV também pode ser classificado como um sistema de

válvula rotativa axial completo. Ele é portanto, um sistema de transição, que

fica na fronteira entre dois sistemas bastante diversos.

Sistema RCV: um sistema de transição

Leonard Archibal Vallillee, um inventor canadense da província de Quebec,

patenteou em 1911 o primeiro tipo de válvula rotativa.

Page 31: o Mundo Das Valvulas

A válvula nada mais era que um disco plano rotativo e que tomava todo o topo

da câmara de combustão, acionado por uma árvore concêntrica ao cilindro, e

uma janela recortada no disco, ao se alinhar com os dutos de admissão e de

escapamento, permitia a passagem de gases pelo motor.

Sistema Vallille: válvula de disco perfurado e movimento intermitente

O sistema Vallillee não foi inovador apenas no sistema de válvulas, mas

também na forma de acioná-la, pois ele era intermitente, girando rapidamente

o disco de válvula para que o alinhamento entre a janela do disco e os dutos no

cabeçote permanescessem o maior tempo possível alinhados, em vez de a

janela abrir e fechar progressivamente as passagens pela rotação constante do

disco.

Este sistema contava com a alta pressão do disco móvel sobre a superfície fixa

do cabeçote e, na ausência de lubrificação, o conjunto logo se desgastava, um

problema relativamente comum entre as primeiras válvulas rotativas.

Um sistema completamente diferente de válvula rotativa veio de um fabricante

de automóveis italiano, a Itala, e apresentado no Olympia Motor Car Show em

1911.

Page 32: o Mundo Das Valvulas

No sistema Itala, uma válvula rotativa axial, instalada ao lado do cilindro

funcionava como um registro seletor, abrindo-se alternativamente para a

admissão e para o escapamento.

Funcionamento do sistema Itala de válvula rotativa

O sistema Itala foi exibido em um motor de 35 cv, sendo que o fabricante

anunciou que versões de 25 e 50 cv deste motor estariam a caminho, mas que

nunca veriam a luz do sol.

O fato curioso é que este motor tinha quatro cilindros e apenas dois conjuntos

de válvulas. Cada válvula fora projetada para ser instalada entre cada par de

cilindros e feita para controlar os fluxos destes dois cilindros simultaneamente.

Outro detalhe interessante é que todo o sistema de válvulas era refrigerado a

água, evitando que o lado do escapamento sobreaquecesse e que a gasolina

fosse vaporizada pelo lado da admissão, suavizando o funcionamento do motor.

Page 33: o Mundo Das Valvulas

Sistema Itala: detalhes de refrigeração da válvula e do funcionamento conjunto com cilindros geminados

Rankin Kennedy, em "The Book of the Motor Car", publicado em 1913,

importante fonte de informação sobre o estado da arte da engenharia

automobilística da época, literalmente rasga elogios ao sistema Itala, dado o

primor de sua construção, a lógica e suavidade de funcionamento. Entretanto,

provavelmente este autor desconhecia completamente os severos problemas

operacionais deste sistema.

Se o sistema fosse realmente tão bom quanto apregoava Kennedy, a Itala não

o teria abandonado e retornado ao sistema convencional.

Em 1924, Frank W. Ofeldt deposita uma patente onde aperfeiçoa o sistema

Valillee. Uma mola em forma de diafragma mantinha um disco em formato

lenticular pressionado contra o cabeçote, o sistema de lubrificação fora

aperfeiçoado, mas a vedação ainda dependia do contato da válvula móvel com

o topo do cabeçote fixo.

Page 34: o Mundo Das Valvulas

Sistema Ofeldt: aperfeiçoamento do sistema Vallillee

Em 1925, Crawford, apresenta uma resposta ao problema de atrito da válvula

rotativa contra sua sede fixa. Ele usa um rotor troco-cônico de ângulo bastante

fechado que mantém uma folga ínfima contra o cabeçote lavrado no mesmo

formato, e esta folga é preenchida com um fino filme de óleo.

Sistema Crawford: válvula tronco-cônica e solução do problema de atrito

Em 1926, Peacey propõe uma patente de válvula de motor intermediária entre

a proposta de Vallillee com a de Crawford, usando um rotor tronco-cônico

aberto entre 120 e 160 graus.

Page 35: o Mundo Das Valvulas

Sistema Peacey: prenúncio do sistema Aspin

De Valillee, passando por Crawford e Peacey, temos uma contínua evolução de

um conceito que iria se consolidar em torno de um nome: Aspin.

Frank Aspin era desenhista Lancashire Steel Company e especialista em

materiais de construção mecânica. Em seu serviço, ele lidava diariamente com

patentes e tinha acesso a uma extensa biblioteca de patentes, e dali ele teve

contato com as patentes de Vallillee, Crawford e Peacey.

O interesse de Frank Aspin pelas válvulas rotativas inicia-se em 1933, quando

ele compra uma motocicleta Rudge Ulster de 250 cm³ e a equipa com um

sistema de válvula rotativa.

Segundo o próprio Aspin, este motor gerava 18 cv a 7.500 rpm e 31 cv (124

cv/l) a 10.000 rpm com taxa de compressão 14:1, o que era uma marca

excepcional em sua época. Em 1937, em reportagem para a

revista Motorcycle, Aspin afirma que este mesmo motor funciona perfeitamente

a 12.000 rpm a uma taxa de compressão de 17:1. Em outras oportunidades,

tanto Aspin como Cross (outro importante inventor que desenvolveu um tipo de

válvula rotativa transversal, que veremos na próxima parte) disseram fazer

seus motores rodarem com taxa de compressão acima de 20:1. Em 1960,

Aspin afirma ter obtido 50 cv neste mesmo motor.

Motores de motocicletas são pequenos e queimam toda mistura rapidamente,

reduzindo muito a tendência de detonação, o que permite a eles apresentar

taxas de compressão sempre superiores às dos motores de automóveis. Ainda

assim, os números que Aspin menciona são bastante otimistas, carecendo de

comprovação material para eles.

Page 36: o Mundo Das Valvulas

Moto Rudge Python de corrida, preparada pela equipe Cotton e usada por Aspin para testes de desenvolvimento

Ele deposita sua primeira patente em 23 de julho de 1935, iniciando um

período de mais de 40 anos de pesquisas e desenvolvimento dedicados

especificamente a este tipo de válvula. Sua última patente data de 5 julho de

1977.

Durante este longo período, Aspin aprimorou cada detalhe da válvula, dos

sistemas de acionamento e vedação, da lubrificação, do ângulo do cone externo

dos rotores, do formato da câmara de combustão, da turbulência interna do

motor e da especificação dos materiais utilizados. Entretanto, a maioria das

patentes jamais foi além do desenho no papel.

Uma das dificuldades do sistema Aspin era o formato da câmara, que era

conformado junto com o duto do rotor para carga e descarga dos gases. O duto

arqueado estava longe do formato ideal hemisférico, o que prejudicava a boa

turbulência da mistura.

Comparando os desenhos da primeira e da última patente de Aspin, com 42

anos de diferença, podemos perceber o quanto este detalhe foi retrabalhado.

Desenho da primeira patente de Aspin (1935)

Page 37: o Mundo Das Valvulas

Desenho da última patente de Aspin (1977)

Diferentes configurações de rotores e acionamentos patenteados por Aspin

Apesar disso, Aspin era, como muitos outros, um desenvolvedor independente,

e dependia de patrocinadores para financiar suas pesquisas, e de cada artigo

ou peça publicitária para manter seu sistema em evidência. Aqui temos

um artigo da revista Commercial Motor, de 25 de novembro de 1939,

explicando as diferenças do então novo sistema Aspin. Porém, o interesse real

por seu sistema foi ínfimo.

No ano de 1939, dois fabricantes de motos inglesas, a Velocette e a BSA,

iniciam testes com o sistema Aspin, mas o abandonam antes do fim, quando os

motores não apresentavam resultados muito expressivos.

Page 38: o Mundo Das Valvulas

Curiosidade: o motor Velocette com válvula Aspin foi instalado numa moto BSA de turismo para testes de longa duração

Nos anos 1950, uma fábrica de motosserras inglesa, a Sankey, licencia o

sistema Aspin. Alguns anos depois, a fábrica Sankey passa por dificuldades

financeiras e encerra a produção. Foi a principal aplicação prática do sistema

Aspin, e hoje as motosserras Sankey-Aspin são disputadas a tapas pelos

colecionadores entusiastas das motosserras (para desespero dos ecochatos,

sim, eles existem).

Motosserra Sankey-Aspin

No início dos anos 1960, a Ford inglesa se interessou pelo sistema. Alguns

motores de Ford Cortina de 1 litro foram convertidos para testes, passando dos

originais 24 cv para 37 cv com o sistema Aspin. Porém foi outra relação com

uma fábrica que não passou da fase de testes.

Aspin ainda converteu para testes motores Leyland de 8,6 litros para a frota de

ônibus da Northern Ireland Transport Services Company.

Não se sabe ao certo quantos motores foram convertidos, mas tem-se a

certeza de que pelo menos um foi feito, e este motor circulou em serviço

pesado por várias centenas de milhares de quilômetros sem qualquer mínimo

Page 39: o Mundo Das Valvulas

problema antes de apresentar um vazamento de óleo causado por corrosão dos

rotores de válvula.

A companhia, ao invés de requisitar a Aspin o reparo do cabeçote do motor e

permitir que os testes continuassem, preferiu substituí-lo por um cabeçote

original novo, devolvendo o cabeçote de testes para Aspin.

Fotos dos componentes desse motor são mostradas na ilustração a seguir.

Componentes do motor Leyland-Aspin de testes

Aspin passou sua vida tentando desenvolver e vender sua obra-prima sem

muito sucesso. Entretanto, alguns aficcionados e entusiastas ainda fazem

conversões de motores baseados em suas idéias.

Os vídeos a seguir mostram uma moto Honda com motor idêntico ao da nossa

velha conhecida CG 125 convertido para o sistema Aspin por um entusiasta do

sistema.

VIDEOS

Page 40: o Mundo Das Valvulas

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=HXBHXqR8mN8

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=TJ8dsUIXAGg

No vídeo, pode-se perceber, assim como nos vídeos do sistema Knight, o

quanto o motor é mais silencioso que o original. O ronco essencialmente vem

dos pulsos dos gases de escapamento. Também a vibração é menor.

Os testes feitos em motores adaptados indicam que, com sistema Aspin, eles

apresentam torque mais elevado desde as baixas rotações e podem atingir

rotações ainda mais elevadas sem perda de torque. O motor fica mais potente

e com melhor dirigibilidade.

De todos os sistemas de válvulas rotativas axiais, o Aspin é considerado o mais

importante e desenvolvido, porém sem sucesso comercial significativo.

Certos sistemas de válvulas seriam perfeitamente esquecíveis, não fosse a

história por trás de quem os inventou. Este é o caso do sistema de válvula

criado por Felix Wankel.

Dr. Felix Wankel (1902–1988)

Conhecemos Felix Wankel puramente pelo motor que leva seu nome, porém a

rica história deste brilhante engenheiro e inventor é quase desconhecida.

Page 41: o Mundo Das Valvulas

A história de Felix Wankel começa ainda jovem, por um lado negro. Ele era

membro ativo de vários grupos radicais anti-semitas, e se juntou ao NSDAP

(sigla, em alemão, de Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, a

mais importante agremiação política anti-semita) quando sua mãe criou em sua

própria casa a sede local do partido. A partir destas ligações, Wankel assume a

direção da Juventude Hitlerista em Baden. Dentro do NSDAP, Wankel se

envolve em muitas brigas e acaba preso em março de 1933.

Nesta época, Wankel era um grande amigo de Wilhelm Keppler, que era o

conselheiro econômico pessoal de Adolf Hitler, e foi através da intervenção

deste amigo junto ao próprio Hitler que Wankel foi libertado em setembro do

mesmo ano.

As ligações políticas de Wankel logo abriram muitas portas e chamariam a

atenção para este talentoso engenheiro, autodidata para muito além daquilo

que os cursos normais ofereciam.

Foi através destas ligações que Wankel passou a trabalhar para a Força Aérea e

Marinha de Guerra (Luftwaffe e Kriegsmarine) alemãs, especializando em

projetos de vedações, válvulas e bombas das mais variadas aplicações. O toque

mágico de Wankel está por trás de várias máquinas famosas da Segunda

Guerra Mundial, tendo ele trabalhado para a BMW, DVL, Daimler-Benz,

Lilienthal e Junker Aircraft no período de 1930 a 1945.

Pelo lado da Luftwaffe, Wankel se envolveu com pequisas em válvulas rotativas

que se originaram dos trabalhos de Sir Harry Ricardo, como descrito na

segunda parte deste artigo.

Existem várias especulações de que Wankel teria se envolvido em testes com

válvulas rotativas de disco (assemelhadas com o sistema Vallillee) para o motor

Daimler-Bens DB601, usado em vários aviões alemães, em especial os

Messerschmitt Bf 109 e Bf 110. Entretanto, nenhum documento, desenho ou

foto que confirme estas especulações foi jamais encontrado.

Pelo lado da Kriegsmarine, a conversa é outra. Lá, Wankel se envolveu

principalmente com o desenvolvimento de torpedos.

Torpedos são uma aplicação naturalmente difícil. É um equipamento que

oferece um espaço muito reduzido para montar motores potentes o suficiente

Page 42: o Mundo Das Valvulas

para impulsão à velocidade adequada e ainda garantir um alcance seguro para

o submarino ou avião torpedeiro, além da natural inexistência de ar atmosférico

para fornecimento de oxigênio para um motor a combustão interna.

Durante a Primeira Guerra Mundial, os submarinos podiam chegar bem perto

dos navios inimigos e disparar torpedos à queima-roupa. Como sistemas

elétricos miniaturizados de alta potência não estavam disponíveis, o sistema de

propulsão dos torpedos era baseada em ar comprimido de alta pressão que

movia um motor pneumático que acionava a hélice.

Já na Segunda Guerra Mundial, o quadro mudou. Com o uso cada vez maior do

sonar e de cargas de profundidade e o tráfego comercial feito por comboios

fortemente guardados, os submarinos precisavam atacar de uma distância cada

vez maior, exigindo torpedos de maior alcance, e por isso mesmo, mais

complexos. Porém, torpedos de curto alcance eram mais baratos de produzir e

operar, e continuavam como equipamento padrão dos submarinos. Sendo

assim, ambos os tipos eram foco de evolução técnica constante.

Wankel envolveu-se tanto em projetos de torpedos de curto como de longo

alcance. Para o projeto de curto alcance, Wankel projetou um motor

pneumático rotativo de construção simplificada que, anos mais tarde, lhe

serviria de inspiração para fazer seu famoso motor a combustão.

Para o projeto do torpedo de longo alcance, ele desenvolveu um sistema de

válvula de disco, aparentado com o sistema Vallillee. Era fácil e barato de

produzir, permitia criar um cabeçote muito baixo, ideal para o pequeno espaço

disponível no corpo do torpedo.

O motor resultante, o Junkers Jumo KM8, um V-8 de 4,34 litros de cilindrada,

tinha 275 cv a 3.650 rpm, e queimava combustível sintético, oxigênio líquido e

parte dos gases do próprio escapamento para reaproveitamento de sobras de

combustível e oxigênio não queimados, além de servir de gás inerte na geração

de potência pelo motor.

Page 43: o Mundo Das Valvulas

Corte frontal do torpedo na altura do motor de torpedo KM8. Obs: A válvula rotativa é visível sobre o pistão direito da

imagem

O sistema de válvula de disco ficava entre duas metades do cabeçote e tinha

rápido desgaste, o que não era problemático num equipamento de uso único

como o torpedo.

Vista lateral do motor KM8 e detalhes do sistema de válvulas

No pós-guerra, seus trabalhos com válvulas não convencionais e vedações

chamaram a atenção da NSU, onde desenvolveria vários trabalhos, incluindo o

do motor Wankel.

A NSU possuía a maior e mais importante fábrica de motocicletas do mundo na

época e um reconhecido setor de competição, responsável por vários recordes

de velocidade em veículos sobre duas rodas. As motos NSU streamline feitas

para quebra de recordes de velocidade são lendárias.

Page 44: o Mundo Das Valvulas

Das mãos de Walter Froede, chefe da divisão de competições da NSU, surgiu

um sistema de válvula rotativa oblíqua, de perfil tronco-cônico, aparentado

com o sistema Aspin, e no qual Wankel teve papel importante no

desenvolvimento, em especial na parte de vedações móveis do rotor. Este

sistema foi utilizado em uma das motos de quebra de recorde de velocidade.

Válvula rotativa NSU: parentesco com o sistema Aspin

No final da vida, Felix Wankel se redimiu do seu lado obscuro de começo de

carreira, tornando-se um ativista pelos direitos dos animais e obtendo vitórias

na formulação de leis que regulam o uso de animais em experiências.

Como engenheiro, foi um profissional admirável, muito além da mera imagem

do "inventor do motor Wankel" que, por mais que lhe dê renome, não lhe faz a

devida justiça.

A família das válvulas rotativas axiais é enorme e mesmo hoje surgem projetos

e novas patentes, porém sem obter qualquer sucesso comercial.

O que este artigo mostrou foi apenas uma amostra de variantes sem fim deste

tipo de válvula.

Na quarta parte veremos as válvulas rotativas transversais, o sistema Cross e

como ele quase chegou às pistas pela Fórmula 1 moderna.

AAD

Page 45: o Mundo Das Valvulas

Fontes das imagens:

http://www.douglas-

self.com/MUSEUM/POWER/unusualICeng/RotaryValveIC/RotaryValveIC.htm

http://www.moto-histo.com/4t_ssp/4t_ssp.htm

http://web.archive.org/web/20090613023233/http://www.isdm.co.uk/aspin/As

pinEssay/essay.htm

http://www.chainsawcollectors.se/phpbb3/viewtopic.php?f=2&t=4441

Page 46: o Mundo Das Valvulas

O MUNDO (MUITO LOUCO) DAS VÁLVULAS – 4ª PARTE Postado por André Dantas

Sistema Cross, o sistema de válvula rotativa transversal mais desenvolvido

As válvulas rotativas transversais

No post anterior vimos os sistemas de válvulas axiais, em especial o sistema

Aspin que convergiu boa parte da tendência tecnológica para aquele tipo de

válvula.

Neste post iremos dar uma leve pincelada nas válvulas transversais, já que a

família destas válvulas é ainda maior que a das válvulas axiais. Muitos

inventores de válvulas importantes em sua época não serão citados aqui para

manter uma linha do tempo direta e clara para o leitor, mas nem por isso

perdem sua importância na história.

Uma das razões para a maior diversidade das válvulas transversais é que, por

não estarem localizadas dentro da câmara de combustão, podem apresentar

maior variedade de formatos e de opções de montagem. Isso também as

Page 47: o Mundo Das Valvulas

tornam mais fáceis de fabricar, o que estimulou muita gente a pensar e testar

alternativas.

No entanto, nem tudo é miraculosamente simples nelas.

Eu já contei aqui que uma das razões para o sucesso das válvulas

convencionais é que como elas são fechadas de fora para dentro da câmara de

combustão, o pulso de pressão na câmara, quando da queima da mistura,

empurra as válvulas contra as suas sedes, e isso ajuda as válvulas na sua

função de vedação. Um efeito semelhante, porém não tão significativo, existe

nas válvulas rotativas axiais internas à câmara de combustão.

Porém, com as válvulas transversais ocorre justamente o oposto. Pelas válvulas

serem externas à câmara, o pulso de pressão força a separação entre a válvula

e o seu alojamento. Qualquer mínimo deslocamento de algum componente, e a

vedação da válvula é comprometida.

Por isso, os problemas de vedação das válvulas transversais é muito mais

crítico que nos sistemas de válvulas convencional.

O sistema mais simples e de fácil entendimento de uma válvula rotativa

tranversal foi apresentado em uma patente de 1907, pelos inventores Frayer e

Howard.

Page 48: o Mundo Das Valvulas

Sistema Frayer e Howard: a simplicidade de uma torneira de barril de chope

Um rotor cilíndrico era mantido o mais ajustado possível contra o alojamento

no cabeçote. Este rotor tinha uma fenda aberta diametralmente, e no cabeçote

haviam dois dutos (admissão e escapamento) assim como uma janela para a

câmara de combustão que se alinhavam com a fenda.

A fenda abria o duto de escape em determinada posição, e um quarto de volta

depois, abria o duto de admissão. A idéia não era mais complicada que a de

uma torneira de barril de chope.

Este sistema ainda guarda mais uma sutileza. Num sistema convencional, o

comando gira à metade da rotação do virbrequim. Neste sistema, os dutos são

abertos a cada meia volta do rotor, portanto, a relação de transmissão para

este sistema de válvula é de 4:1, algo que veremos se repetir em alguns outros

sistemas assemelhados.

Vimos nas partes anteriores que, nos primórdios do século 20, a Mercedes e a

Willys utilizaram o sistema Knight de camisas deslizantes e a Itala, com seu

sistema de válvula rotativa axial. Esse era um forte modismo tecnológico na

época, especialmente nos veículos de alto luxo.

Page 49: o Mundo Das Valvulas

Acompanhando essa tendência, em 1912, a Darracq apresenta seu motor com

uma válvula rotativa transversal.

Darracq SS de 1912, com motor de válvula rotativa

Page 50: o Mundo Das Valvulas

Funcionamento do motor Darracq com válvula rotativa

Era um motor de 4 cilindros, e o conjunto de válvulas nada mais era que uma

árvore que percorria todo comprimento do bloco do motor, e as passagens de

gases eram feitas pelo alinhamento das janelas e dutos com simples recortes

planos na árvore de válvulas.

Motor Darracq com válvula rotativa montado

A ausência de lubrificação foi o grande pecado neste projeto, o que tornava o

motor imprestável em muito pouco tempo.

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Bloco e árvore de válvulas do motor Darracq

Em um processo de cinco anos de pesquisa começados em 1913, um

pesquisador, Cyrus W Mead, desenvolveu um sistema que misturava elementos

do sistema Frayer e Howard com o Darracq. O motor desenvolvido possuía

duas finas árvores que percorriam as laterais do motor, tal qual o sistema

Darracq, porém usando fendas como o sistema Frayer e Howard.

Vista lateral do motor Mead

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Vista frontal do motor Mead

Esquema de válvula do motor Mead

Em 1921, Francis patenteia um sistema que era um aperfeiçoamento do

sistema Frayer e Howard. As principais mudanças era a existência de dois

curtos dutos na câmara para admissão e escapamento no lugar da janela única,

e a adoção do rotor em formato tronco-cônico no lugar do cilíndrico.

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Sistema Francis: sistema Frayer e Howard aperfeiçoado

O uso de perfil troco-cônico no rotor não era mera coincidência. Para se obter

uma boa vedação, as superfícies do cabeçote fixo e do rotor têm que ser

absolutamente paralelas em qualquer situação, mesmo sob desgaste.

Um perfil circular, por exemplo, seria problemático. Os raios das esferas no

cabeçote e no rotor teriam que ser obtidas com altíssima precisão além de

serem montados com as esferas perfeitamente concêntricas, algo difícil de

obter em 1921.

Num perfil tronco-cônico, obter o mesmo ângulo, tanto no rotor como no

alojamento da válvula, era muito mais fácil, mesmo para o ferramental da

época. Além disso, qualquer desgaste poderia ser facilmente compensado por

pressão de mola e um leve deslocamento axial do rotor. Pelo mesmo motivo, o

perfil do rotor do sistema Aspin tinha esse formato.

Edward Andrew "Ted" Mellors era piloto de motocicletas de renome

internacional, tendo ganho o campeonato mundial em 1938. Em 1943, Mellors

deposita uma patente para um motor de motocicleta para competição usando

várias idéias do sistema Francis, porém utilizando duas válvulas separadas para

admissão e escapamento, como era feito no motor Mead. Este motor usava

duas válvulas tronco-cônicas e de fenda diametral.

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Sistema de válvulas do motor Mellors

Motor Mellors na moto de testes

O motor de "Ted" Mellors tinha uma característica toda especial: o acionamento

das válvulas.

Num sistema de válvulas de acionamento convencional, a transmissão de

movimento entre o virabrequim e o acionamento das válvulas ocorre de forma

contínua, feito por sistema de correia dentada, corrente ou engrenagem. Isto

significa que as válvulas abrem e fecham progressivamente com o movimento

do motor.

Mellors, como piloto campeão, sabia que válvulas que abrem e fecham

progressivamente reduzem a capacidade do motor "respirar" em alta rotação.

Era necessário que as válvulas apresentassem o máximo de tempo

completamente abertas ou fechadas, com o mínimo de transição. Ele então

Page 55: o Mundo Das Valvulas

acionou suas válvulas usando um sistema mecânico conhecido como

"mecanismo de gêneva" ou "cruz de malta". Este mecanismo é parente das

engrenagens, porém gera um movimento intermitente compassado. O

mecanismo de Mellors girava rapidamente as válvulas um quarto de volta de

cada vez e as deixava paradas por um intervalo de tempo. Era um mecanismo

extremamente barulhento, mas cumpria sua missão.

Sistema de comando das válvulas: mecanismo de gêneva gerando movimento intermitente

Detalhe do comando de válvula do motor Mellor. (A) Cruzes de Malta; (B) disco acionador

Diferente de tantos outros motores experimentais, especialmente os pequenos,

motociclísticos, o motor protótipo de Mellors sobreviveu até os nossos tempos,

e vários detalhes dele podem ser vistos nas fotos a seguir.

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Motor Mellors: vista lateral

Motor Mellors: detalhe da câmara de combustão

A Segunda Guerra Mundial marca o declínio do interesse real dos fabricantes de

motores em larga escala pelos sistemas de válvulas rotativas, encerrando o

trabalho dedicado de muitos inventores. Da década de 1950 em diante, as

válvulas rotativas de vários tipos foram tratadas por preparadores e

entusiastas, principalmente para uso em competições.

Page 57: o Mundo Das Valvulas

Entusiasmo: motor de provas de arrancadas

Menção especial merece o preparador australiano Dustan, que criava cabeçotes

com válvulas rotativas sobre motores Holden para lanchas de corrida.

Lancha de corrida com motor Holden-Dustan com válvula rotativa

Diferente dos carros, a relação entre velocidade e potência das lanchas não é

direta. O hélice não pode ser girado rápido demais ou perde toda eficiência ao

Page 58: o Mundo Das Valvulas

passa a cavitar. Ele precisa ser acionado numa rotação não muito elevada,

porém absorvendo um grande torque.

Assim, usar toda potência de um motor em alta rotação é ineficaz. É necessário

gerar alta potência com abundância de torque em baixa rotação.

As válvulas rotativas, por permitirem uma troca mais livre de gases, eram

capazes de oferecer um torque generoso por toda faixa de rotações exigida

pelo hélice, o que era uma vantagem em lanchas de corrida.

Alguns dos motores Holden-Dustan estão em exposição no Bathurst Motor

Racing Museum.

Motor Holden-Dustan em exposição no Bathurst Motor Racing Museum

Há um sistema que vem sendo oferecido para a industria nos últimos anos e

tem ganho renome graças à difusão das informações pela internet, o sistema

Coates.

Este sistema, inovador em seu formato, não é muito diferente do sistema

Mellors em seus princípios e conceitos mais elementares.

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Sistema Coates: válvulas-esfera

O sistema Coates substitui as válvulas troco-cônicas de Mellors por sistemas de

esferas cortadas.

Uma janela feita na borda esférica de cada válvula se comunica com ranhuras

laterais cavadas nas faces cortadas ao invés da fenda diametral de Mellors.

Conforme a esfera gira, a janela na face esférica se alinha com a janela fixa no

cabeçote do motor, e os gases entram ou saem passando por essa passagem e

pelas ranhuras na lateral da esfera.

Page 61: o Mundo Das Valvulas

Seqüência de funcionamento da válvula de escapamento

A Coates detém várias patentes com variações do sistema, indicando que este

conceito ainda está em evolução.

A vedação deste sistema é feito por um assento móvel, sob alta compressão

gerada por uma mola, com o material atritante contra a esfera feito de teflon

para reduzir atrito, dispensando a lubrificação local. Com um bom controle da

temperatura do cabeçote, o teflon resiste bem ao calor dos gases de

escapamento e oferece boa durabilidade. Em caso de desgaste a substituição é

um processo relativamente simples.

Apesar de interessante, o sistema Coates possui um defeito fundamental. Com

o uso de duas esferas separadas para controle dos gases de admissão e

escapamento, é necessário duas janelas circulares abertas no cabeçote do

motor. Estas duas janelas oferecem a mesma limitação de área de passagem

de gases que um motor com duas válvulas convencionais por cilindro.

Além disso, as esferas ocupam um volume significativo, e os dutos podem ter

seus diâmetros reduzidos ainda mais em função de serem compatíveis com as

dimensões das esferas usadas.

Page 62: o Mundo Das Valvulas

Conjunto volumoso e dutos estreitos

Embora ofereça soluções técnicas muito interessantes, ele perde a real

vantagem dos sistemas não convencionais de oferecer grandes janelas para a

transferência de gases.

Vamos voltar no tempo, para mostrar a história de um outro tipo de válvula

rotativa transversal.

Roland C. Cross

Roland C. Cross desenvolveu um sistema revolucionário de válvula rotativa

transversal. Ao invés de usar fendas ou rebaixos como nos outros sistemas,

Cross desenvolveu uma válvula que controlava simultamenamente a admissão

Page 63: o Mundo Das Valvulas

e o escapamento, e que tinha o formato de um tubo. Dentro deste tubo havia

um septo (parede de separação) que separava a admissão do escapamento.

Duas janelas laterais na válvula pemitiam que as partes de admissão e

escapamento se comunicassem com a câmara de combustão, enquanto os

extremos da válvula recebiam o carburador e o escapamento.

Diferente de outros sistemas que adotaram a solução de rotores tronco-cônicos,

o sistema Cross usa válvulas em formato externo cilíndrico.

Sistema Cross: válvula única, com septo para separar admissão do escapamento

Ele trabalhou em seu sistema de 1920 (primeira patente em 1922) até 1945, e

foi o grande competidor de Aspin pela atenção e recursos da indústria inglesa

de motocicletas.

Enquanto Aspin mantinha relações com a Norton e a Velocette, Cross firmou

uma grande parceria com a Vincent HRD para desenvolvimento de motos de

competição.

Page 64: o Mundo Das Valvulas

Cross (dir.) e o piloto oficial Milson (esq.) com uma Vincent HRD de 500 cm³ com válvula rotativa (1934)

Os problemas de vedação e de lubrificação da válvula eram sérios, até que em

1934 Cross concebe um alojamento bipartido para a válvula e mantido sob

pressão contra ela por meio de um pórtico elástico autoajustável, em formato

de ponte.

Este avanço permite que o sistema entre em produção nas motos de série.

Patente do pórtico autoajustável de folga da válvula Cross

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Vincent HRD 1934 padrão com válvula rotativa. Curiosidade: note os dois freios dianteiros a tambor

Porém o sonho acabou em 1935 porque, assim como nos protótipos Aspin de

competição, alguns protótipos falharam vergonhosamente em corridas,

encerrando a parceria. E assim como Aspin, Cross ainda daria continuidade ao

seu trabalho por mais 10 anos, por conta própria.

Motores e componentes de testes com válvula Cross, em exposição no Sammy Miller Museum em Hampshire

Em 1954, um entusiasta de Ohio, Merritt Zimmermann, excelente construtor de

máquinas, começa um trabalho de quatro anos desenhando em todos os seus

detalhes um motor de motocicleta de 244 cm³ em "V", equipado com válvulas

Cross.

Em apenas quatro meses, Zimmerman constrói o motor com recursos próprios,

incluindo a fundição de peças, e com tal qualidade de acabamento que o motor

parece ser produzido em série.

Page 66: o Mundo Das Valvulas

Merritt Zimmerman e sua motocicleta com válvulas rotativas tipo Cross

]

Este motor gerava potência de 25 cv e girava até 12.000 rpm, atingindo

velocidade de 120 km/h em segunda marcha e velocidade máxima de 176

km/h, marcas nada ruins para motores desse porte na época. Porém o mais

impressionante era que este motor tinha curva de torque absolutamente plana

em quase toda faixa de rotações.

Detalhe do motor Zimmerman

Zimmerman evitou muitos dos problemas de vedação e lubrificação do sistema

de válvulas usando buchas feitas à base de carvão muito fino prensado com

óleo no alojamento das válvulas.

Ele e seu colega, Stan Yalof, tentaram vender a idéia das válvulas rotativas

para a indústria automobilística americana. Até mesmo um teste para a Ford é

Page 67: o Mundo Das Valvulas

feito, num carro de teste feito pelo próprio Zimmerman com um motor de

quatro cilindros. Durante os testes, Zimmerman acelerou de zero a 160 km/h

usando apenas a última marcha para demonstrar a curva de torque obtida com

esse sistema.

Porém, ambos foram vencidos pela burocracia da indústria, pelo que eles

chamaram de "Síndrome do Não-Foi-Feito-Aqui".

O filho de Zimmerman, Art, tenta manter vivo o trabalho de seu pai. Ele e Stan

Yalof acreditam numa conspiração da indústria automobilística para manter o

padrão de válvulas estabelecido.

Teorias conspiratórias sempre merecem ser vistas com reserva, porém é fato

que a indústria automobilística é mais conservadora com suas tecnologias mais

básicas que outros setores.

Cria e criatura: Art Zimmerman com a moto do pai, conservada no Barber Vintage Motorsports Museum

Enquanto isso, a moto de Zimmerman está em perfeito estado de conservação

no Barber Vintage Motorsports Museum.

Na década de 1950, Laurie Bond (criador do triciclo Bond Three Wheeler)

propõe para a Norton um sistema de válvulas fortemente inspirado no sistema

Cross. O engenheiro de projetos Joe Craig desenvolve um cabeçote Cross de

Page 68: o Mundo Das Valvulas

competição para a moto Norton Manx de 1960 após um trabalho concentrado

de dois anos e meio.

Motor Norton com válvula tipo Cross para o modelo Manx 1960

Com os problemas de vedação, desgaste e de goma na vela, este motor não se

mostrou mais potente que o original, com válvulas convencionais, e dadas as

dificuldades em conseguir dinheiro para mais pesquisa e desenvolvimento, o

projeto foi abandonado.

Page 69: o Mundo Das Valvulas

Cabeçote e câmara de combustão do motor Norton com válvula tipo Cross

No começo da década de 1990, uma pequena empresa de tecnologia chamada

Bishop Innovation consegue aperfeiçoar um sistema de válvulas tipo Cross.

Com acesso a diversas tecnologias recentes, como novos materiais, técnicas

construtivas e computadores, a Bishop passa a obter sucesso onde pequenos

desenvolvedores fracassaram. A partir deste ponto, a Bishop passa a procurar

um parceiro para demonstrar a viabilidade desta tecnologia.

Em 1997, a Bishop firma uma parceria com a Ilmor Engineering (depois Ilmor-

Mercedes) para desenvolvimento de um motor para a Fórmula 1. Neste acordo,

a Ilmor projetaria a parte baixa do motor e a Bishop projetaria todo o cabeçote.

No ano 2000, após uma série de testes exaustivos com um motor

monocilíndrico de 300 cm³ especialmente fabricado, os resultados começam a

aparecer. O motor não só era 10% mais potente, como o sistema de válvulas

rotativas era 10% mais durável que seu equivalente convencional.

Teste do protótipo básico monocilíndrico em dinamômetro

Em 2002, os primeiros motores V-10 recebem o sistema de válvulas rotativas,

são exaustivamente testados, sendo logo substituídos por novos motores

completamente redesenhados, construídos e testados em 2003.

Page 70: o Mundo Das Valvulas

Conjunto de válvulas para motor V-10 e corte de um cabeçote

Os testes e simulações apontaram que, sob as mesmas condições, os sistemas

de válvulas convencionais eram capazes de obter a mesma eficiência

volumétrica de pico das válvulas rotativas, porém as válvulas rotativas

conseguiam manter essa eficiência volumétrica de pico até 25.000 rpm,

enquanto a eficiência volumétrica das válvulas convencionais decai bem antes

disso.

Simulação: fluxo livre com máximo rendimento mesmo a 25.000 rpm

Porém, a grande vantagem deste sistema estava na sua confiabilidade. Os

motores da Fórmula 1 daquela época eram feitos para durar apenas uma

corrida, e ao fim de cada prova os sistemas de válvula apresentavam desgastes

que levavam à degradação do desempenho. Já o motor com válvulas rotativas

não apresentava esta degradação, e poderia oferecer potência adicional com

menor consumo na fase final decisiva da prova.

Page 71: o Mundo Das Valvulas

Válvula rotativa e parte inferior do alojamento da válvula, com janela para a câmara de combustão

A Bishop havia detalhado soluções em seu sistema de válvula que contornavam

as distorções mecânicas dos componentes em função das diferenças de

temperatura.

Ao invés de sistemas de pressão mecânica contra o rotor para manter a

estanqueidade da válvula, como o pórtico elástico proposto por Cross, ela

adotou uma solução semelhante à de Aspin, com o rotor separado a uma

distância ínfima dos componentes do alojamento, conseguindo um mínimo de

mistura entre gases quentes e frios. Esta folga permita a deformação das peças

sem que elas se tocassem, evitando a necessidade de lubrificação na maior

parte da válvula, o desgaste prematuro de componentes e as perdas mecânicas

por atrito.

Conjuntos de anéis, semelhantes aos usados em pistões, complementam a

vedação, e o rotor é suportado nas duas pontas por rolamentos, enquanto uma

engrenagem em forma de colar, fixada do lado da admissão transmite o

movimento de rotação sincronizado com o motor.

O conjunto de válvulas absorve muito pouca potência do motor para funcionar

(muito menos que o conjunto convencional) e não opera com choques

constantes, oferecendo suavidade que reverte em durabilidade do conjunto e

maior potência disponível no virabrequim.

Sem a necessidade de refrigeração, o cabeçote dispensa os volumosos dutos de

água e pode ser bem menor e mais baixo que um cabeçote convencional. O

motor de Fórmula 1 com sistema Bishop pesa 80 kg (16 kg mais leve que o

mesmo motor com válvulas convencionais), 150 mm mais baixo, e com isso há

um abaixamento do centro de gravidade do motor, o que é altamente desejável

num carro de Fórmula 1.

Page 72: o Mundo Das Valvulas

Comparação do cabeçote de um cilindro do V-10 de Fórmula 1 com o de um cabeçote de Mercedes CLK de cilindrada

equivalente

Porém, quando tudo se encaminhava para um motor de pista para o ano

seguinte, a FIA modifica o parágrafo 5.1.5 do regulamento de motores para

2004, expressamente proibindo o uso de válvulas rotativas.

Era o fim do sonho da Bishop e da Ilmor-Mercedes na Fórmula 1, logo agora

que toda tecnologia do sistema de válvula rotativa estava pronta para uso

prático.

A Fórmula 1 era a oportunidade que a Bishop procurava para chamar a atenção

do grande público para seu trabalho e potencializar produtos para o consumidor

comum, mas a decisão da FIA encerrou esta oportunidade ainda na obscuridade

dos bastidores da categoria.

Ao proibir o uso das válvulas rotativas, a FIA expressamente encerra a corrida

pela "respiração" livre dos motores pela manutenção do status quo.

Será que a teoria da conspiração contra as válvulas rotativas, proposta pelo

filho de Zimmerman estaria correta?

Na quinta e última parte desta série: loucura total, projetos únicos, testes que

não deram certo e os sistemas mais malucos de válvulas de motores que os

engenheiros puderam imaginar.

AAD

Listas de links das imagens:

http://www.motohistory.net/news2009/news-oct09.html

Page 73: o Mundo Das Valvulas

http://oldholden.com/node/22562

http://www.moto-histo.com/4t_ssp/4t_ssp.htm

http://www.douglas-

self.com/MUSEUM/POWER/unusualICeng/RotaryValveIC/RotaryValveIC.htm

http://www.thetruthaboutcars.com/2007/12/coates-spherical-rotary-valve-

system-let-the-rivet-counting-begin/

http://fefcholden.org.au/forum/index.php?topic=14965.0