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O Morro da Conceição pelas lentes de Marcelo Frazão e desenhos digitais de Luis Christello

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O Morro daConceição

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Até o início do século XIX, o Rio de Janeiro era uma cidade pequena, limitada por um quadrilátero, cujos vértices eram pequenas elevações.

Duas delas, o Morro do Castelo e o de Santo Antonio, não chegaram a ser conhecidas pelas novas gerações, já que desapareceram no decorrer do século XX. O outro desses morros, o de São Bento, resume-se a abrigar os prédios ligados àquela ordem religiosa. Apenas o Morro da Conceição, que completava aquele quadrilátero, restou como testemunho dessa ocupação primitiva. Sendo o único a manter funções habitacionais, o Morro da Conceição nos remete a um passado mais longínquo, peninsular, árabe, medieval, quando as cidades portuguesas se desenvolviam por ladeiras tortuosas, íngremes e que, por vezes, se transformavam em escadarias, formando sempre um leque de opções visuais, muito superior àquele produzido pelo traçado reticulado das várzeas que favorecem apenas a perspectiva axial. Aqui, nada se repete, cada passo é uma surpresa, quadros se sucedem aos olhos do caminhante e é isso que este livro vem demonstrar brilhantemente através das fotos de Marcelo Frazão e os desenhos de Luis Christello. O registro desse cenário ajuda na compreensão de nossa história e, esperamos, a preservá-la para que as novas gerações possam continuar a usufruir desse espetáculo único na nossa cidade.

Carlos Fernando AndradeSuperintendente do IPHAN-RJ.

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Antonio Edmilson mArtins rodriguEs EntrEvistA mArCElo FrAzão

Qual foi a sua trajetória na cidade e como você chegou ao Morro da Conceição?Minha vinda para o Morro, como toda minha vida, tem umas passagens bem estranhas. Eu vim de Copacabana para o Morro. Depois de sair de casa morei num apartamento de dois quartos na Ministro Viveiros de Castro. Um quarto era o ateliê, o maior. Com o passar do tempo o apartamento já não dava conta de ser casa e ateliê e comecei a procurar um espaço maior que pudesse dividir em casa e trabalho. Sou meio preguiçoso com deslocamentos. Tenho certeza que se meu espaço de trabalho fosse em outro lugar que não minha casa eu não ficaria em casa ou não iria para o ateliê. Comecei a procurar um espaço em Santa Tereza, mas os preços estavam muito altos. Foi quando conversando com o Claudio Aun, que já morava no Morro há mais de 10 anos, fiquei sabendo de uma casa para vender na Ladeira João Homem, 85, que cabia na minha carta de crédito da CEF. No meio do caminho, o Alberto Carbi, que tinha ateliê com outros artistas também na João Homem, me procurou para oferecer o nº 13. Como eu estava comprometido com o proprietário do 85, não pude assumir compromisso. Um dia antes de assinar os papéis na CEF, o cara me ligou dizendo que havia desistido da venda. Então liguei para o Alberto perguntando se ele estaria ainda disposto a vender a Villa Olívia e fechamos o negócio. Vamos fazer uma promessa de compra e venda, ele falou. Respondi que não seria necessário, mas ele insistiu. Tenho o documento ainda arquivado. Me lembro como se fosse hoje, papéis assinados, liguei para o Claudio e disse: - Oi, vizinho! - Vizinho como? Ele me perguntou.- Acabei de comprar a Villa Olívia!! Respondi.

Da série - Passeio noturno no Morro da Conceição

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- Com que dinheiro? - Com o dinheiro da CEF, é lógico!- O Carlinho disse que seu crédito não havia saído... - Nossa, então se eu não comprasse a Villa você iria ficar pensando que eu sou um caloteiro! Risos.Isso não é tudo! A primeira vez que vim ao Morro foi numa abertura de exposição no espaço que é hoje minha casa. Fui trazido pelo amigo e artista Paulo Villela, isso já tem mais de 20 anos! Me lembro que deixamos o carro na Sacadura Cabral e subimos a pé pela João Homem, pois a Villa Olívia é logo no começo. A entrada para o Morro era mais movimentada, com camelôs na Travessa do Liceu e um barzinho bem no começo da ladeira, que já fechou. Era um ambiente completamente novo e estranho para mim. Fiquei meio assustado e perguntei: Paulo, onde você está me levando? Fica tranquilo, ele e me disse. E respondi: Estou com você, estou com Deus! Risos. Quem diria que uns seis anos depois aquela casa seria minha! Adoro minha casa. É um sobrado de três andares transformado num loft, um dos andares é meu ateliê o outro é meu conjugadão! Risos. É só descer e subir a escada para ir de casa para o trabalho. E foi assim que vim parar no Morro da Conceição.

Como é viver no Morro da Conceição?É como morar numa cidade do interior estando bem no centro do Rio. Falta só uma estação de trem, como diz o Dallier. Tem as coisas boas e as coisas ruins, como tudo na vida. A coisa que mais sinto falta são áreas de lazer e opções de restaurantes nos fins de semana. Se você quer comer fora de casa tem que sair do bairro, principalmente domingo. Durante a semana temos bastantes opções. O supermercado entrega as compras em casa sem acréscimo... Ainda é um lugar onde as pessoas colocam suas cadeiras na calçada para conversar com os vizinhos e dormem com a janela aberta no verão e todo mundo sabe da vida de todo mundo! Risos.

Da série - Passeio noturno no Morro da Conceição - Começo da Ladeira do João Homem

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Seus trabalhos como artista no Morro da Conceição foram vários. Faça uma pequena apresentação desses trabalhos, relacionado-os com os interesses de preservação e memória da região.

Sou um dos fundadores do Projeto Mauá, que é nosso evento de ateliês de portas abertas. Este ano estamos oferecendo oficinas gratuitas para nossos vizinhos. Prefiro sempre o termo vizinho. Comunidade já virou um eufemismo para moradores de favela. O Morro da Conceição não é favela. Nada contra, muito pelo contrário. Por que ninguém fala a comunidade de Copacabana? É a história do politicamente correto, não é? Acreditamos que as oficinas são uma forma de gerar renda através da arte e quem sabe no futuro teremos outros novos ateliês abertos ao público. No momento somos 10. 90% são moradores. Através do Projeto Mauá temos também a preocupação de mostrar aos nossos vizinhos o lado positivo e o valor histórico de suas casas. Isso é memória. Sempre peço emprestado fotos antigas dos vizinhos e escaneio. Minha intenção é fazer um banco de dados com essas imagens resgatando da memória. Participei também de um evento artístico com curadoria do Rafael Cardoso aqui no Morro com fotos de 120 moradores. Fiz um grande painel com as fotos, que pareciam 3x4 ampliadas. O título do trabalho é “Nós estamos aqui?” No último dia de exposição cada um retirava sua foto e levava para casa. O retorno foi bem curioso. As pessoas se vendo, vendo os vizinhos, comentando... e os que não estavam representados perguntando por que não estavam ali! Eu moro aqui e gosto de morar aqui. Acabamos nos envolvendo e agindo ou interagindo com nosso entorno. Espero que para melhorar.

E o Imaculada? Como surgiu o projeto e qual foi o objetivo?Nossa, o Imaculada! A ideia foi abrir um bar que também fosse uma galeria ou vice-versa... continua funcionando, só que desde abril não sou mais sócio.

Orelhão da Ladeira do João Homem

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É muito trabalho. Não estava dando para conciliar Imaculada e ateliê. Agora acho que estou do lado certo do balcão. Estava bebendo todo lucro líquido! Risos. O sucesso deve-se a sua localização. Fomos até capa da Revista Programa. Não é um bar tipo Lapa. É um espaço que se preocupa em não perturbar o vizinho. Normalmente fecha por volta das 22h. O objetivo foi criar um local para ser o ponto de encontro de artistas de áreas diversas.

E a série de fotos sobre o Morro da Conceição? Qual a intenção e o que elas representam para você?

Eu não consigo parar de fotografar o Morro e os arredores! Desde que me mudei para cá fotografo compulsivamente. A paisagem, as casas, a vista, a Banda da Conceição no Carnaval, a procissão de Nossa Senhora da Conceição, o Observatório do Valongo, a Igreja de São Francisco da Prainha, a Fortaleza da Conceição, a vista dos fundos da Baía de Guanabara, o Cristo Redentor, o prédio da Central do Brasil, os muros descascados, as pedras, fachadas recém-pintadas, casas em ruínas. Os desfiles da Companhia de Mystérios e Novidades, principalmente na Procissão de Todos os Santos (sempre 1º de novembro), há 12 anos. Já vi muito marmanjo chorando no desfile! Daí a um clique... Não sei qual a intenção nem ao certo o que representam as fotos, talvez o registro do tempo passando... nosso registro passando. Vejo uma situação que acho interessante, um enquadramento que me agrada, diferente, então fotografo, registro. O que representam para mim não é necessariamente a única possibilidade de interpretação. É sempre um momento. Como a água que desceu a ladeira.

A sensibilidade do artista está presente nas fotos, mas você tivesse que revelar a alma do Morro da Conceição, quais seriam as palavras mais adequadas?

O Morro é um caleidoscópio. Na verdade a vida é um grande caleidoscópio e

Da série - Passeio noturno no Morro da Conceição - Ladeira João Homem

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João do Rio falava da alma das ruas. E o Morro da Conceição, qual é a marca do Morro? Qual a imagem dos moradores sobre o Morro?

A alma do Morro é a educação, a cordialidade e o respeito. As pessoas passam nas ruas e se cumprimentam. Bom dia, boa noite. Todos se conhecem, ou conheciam. Ultimamente tenho visto muito morador novo no morro. Minha vizinha Gilza, por exemplo, quando faz rabada com agrião, manda um prato para mim! Sempre retribuo com um pedaço de bolo para devolver o prato. Não fica bem devolver o prato vazio! Se você fica dois dias sem encontrar o vizinho na rua, perguntam: Está tudo bem? Viajou? Não te vejo há uns dois dias! Coisa de cidade do interior, onde as pessoas ainda se preocupam umas com as outras. A primeira impressão, uma das marcas que chamam a atenção são as ladeiras e o casario antigo, sem falar na nossa padroeira na Praça Major Valô, mais conhecida como Largo da Santinha, que protege o Morro de cima do seu pedestal. Cada morador vê o espaço de uma maneira, mas sempre com amor. De uns tempos para cá o número de casas restauradas e fachadas pintadas vem crescendo. Os mais antigos não gostam das mudanças. Ás vezes eu também não. Mas o que podemos fazer é tentar preservar o máximo, não só as casas, mas os moradores, nossos vizinhos. Esse é o meu maior medo aqui, agora. A especulação imobiliária que começa a expulsar as pessoas com menos recursos financeiros. Uma coisa bem interessante, terapêutica até, são os vizinhos nos bares. Como a população é bem eclética, encontramos no bar: o artista, o camelô, a diarista, o advogado, o empresário, o aposentado, a dona de casa, o taxista, o pedreiro. Sempre tem alguém para te ensinar uma coisa. Isso também é patrimônio! É uma troca real de pensamentos e vivências, se você estiver disposto a ouvir, é claro. Sou um felizardo! Não posso reclamar da vida. Salve Nossa Senhora da Conceição!

o Morro é apenas uma pequena porção desse todo. Cada um vai ver e sentir de acordo com sua vivência ou estado de espírito. Para mim a alma do Morro até agora é tranquilidade, uma coisa que, como muitos outros moradores, tenho medo de perder com essas mudanças que chamam de revitalização da Zona Portuária. O Morro da Conceição é a Pérola da Região Portuária. Ficou (ou sobreviveu) escondido pelos edifícios construídos no sopé do morro. Esquecido, porém vivo. Resguardado.

O ensaio fotográfico revela um olhar privilegiado e particular sobre a região. E aí, quais são os horizontes diante das mudanças?

Bom, vemos com muita desconfiança essas mudanças. A começar pelo nome que a mídia propaga: revitalização. Entendo que revitalizar é dar vida a uma coisa que está morta. A Zona Portuária não está morta. Muito pelo contrário. Como disse anteriormente, a Cia de Mystérios promove a Procissão de Todos os Santos há 12 anos. Os Escravos da Mauá têm uma roda de samba mensalmente no Largo de São Francisco da Prainha. Há mais de 18 anos desfilam no Carnaval arrastando uma multidão. O Projeto Mauá abre as portas há mais de 10 anos, sem falar em muitos outros grupos e entidades da Zona Portuária, como o Afoxé Filhos de Gandhi, Instituto dos Pretos Novos, Favelarte, etc. Já em termos de poder público, não temos representatividade. Daí, cabe o termo revitalização para encobrir anos de abandono. Resumindo: acredito que alguém que chama esse movimento de revitalização não fez direito o dever de casa! Nada está morto na Zona Portuária.

Quais os temores e as esperanças de quem mora no Morro da Conceição?São muitas! Mas vamos pular essa parte, pois a esperança é a ultima que morre! Risos.

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mArCElo FrAzão EntrEvistA luis ChristEllo

Conte-nos um pouco do seu regresso ao Brasil.Voltei ao Brasil no começo de 2008, depois de mais uma temporada em Lisboa. No Brasil, apesar de ser gaúcho, sempre trabalhei profissionalmente em São Paulo, e alternei períodos de residência entre São Paulo e Lisboa. Ao todo morei uns 12 anos em Portugal. Como no paralelo da atividade artística trabalho com Direção de Arte e Design, recebi um convite irrecusável de voltar ao Brasil e, particularmente, ao Rio de Janeiro. Sempre desejei morar nessa cidade. E se em Lisboa eu me sentia num pequeno Rio de Janeiro, com mar, porto, cais e com uma pitada de melancolia, aqui me senti numa grande Lisboa alegre e tropical. Foi a hora de abrir o “baú dos guardados”, parafraseando Iberê Camargo, e trazer para a claridade memórias, anotações. De uma certa forma abrir o coração para essa nova experiência e ao mesmo tempo compartilhar a minha produção com o público. Era a hora de voltar a expor.

E por onde você começou?Pelo desenho. O desenho sempre foi uma companhia. Um interlocutor entre a realidade interior e a externa. Uma forma de conexão com a poesia inerente ao assunto que me instigou (ou convidou) a desenhar.Paradoxalmente, essa cidade exuberante e cheia de luz me cegou um pouco, e só me senti à vontade para desenhar à noite. O poeta Mário Quintana, meu conterrâneo, dizia que adorava os túneis do Rio porque eram os raros lugares onde ele podia descansar de tanta beleza. Fiz várias vistas noturnas do Rio de Janeiro. Por exemplo, a ruazinha do Morro da Conceição que está na exposição. Foi uma forma de redescobrir a cidade, do ponto de vista emocional, de sentir um pouco a natureza mais profunda do lugar. O processo

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introspectivo do desenho ajuda a enxergar além da superfície. Como se a imagem entrasse pelos olhos, descesse ao coração e escorresse pela mão.

Como você descobriu o Morro da Conceição?Conheci o Marcelo Frazão na época da minha primeira individual no Rio de Janeiro. Levei-o até lá e no caminho fomos conversando. Contei um pouco da minha história e ele, da história dele.Fui convidado para a “A cara do Rio”, evento cuja curadoria é do próprio Frazão. Em “A cara do Rio” mostrei um desenho noturno do Rio, uma vista da enseada do Flamengo à noite. Depois disso, visitei a Villa Olívia, ateliê do Marcelo Frazão no Morro da Conceição. Fiquei encantado com aquela pequena cidade de interior incrustrada no centrão do Rio de Janeiro. Ao lado da Avenida Rio Branco. Me surpreendeu como as pessoas desconhecem essa parte da cidade repleta de história e de histórias.

Esta série de desenhos te recordam Lisboa?Como já falei, o Rio de Janeiro me parece uma enorme Lisboa tropical. A Baía de Guanabara lembra a enseada enorme que antecede a foz do Rio Tejo. Um bolsão de água cuja margem oposta está distante.A nova ponte sobre o Tejo ao longe lembra a Ponte Rio-Niterói. É uma ponte com 13km de extensão. A serra da Arrábida e de Sintra no horizonte e a Serra do mar no Rio. O Cristo Redentor e a sua imitação reduzida, o Cristo Rei. A melancolia do cais... o movimento de navios e embarcações. Sem contar o chiado da pronúncia carioca que me recorda muito o chiado do falar português. E... guardadas as proporções históricas e geográficas, a Alfama está para o Tejo como o Morro da Conceição está para o Rio de Janeiro. A Praça Mauá e o Terreiro do Paço. A vista da água lá embaixo...

Ponte Rio-Niterói vista do Morro da Conceição

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Como é seu processo criativo para esta série de desenhos digitais sobre o Morro da Conceição?

Os desenhos fazem uma ponte entre dois procedimentos que pratico no meu processo de produzir imagens. Um de natureza expressionista, feito no ateliê, sem modelo, recorrendo apenas às memórias que estão guardadas juntos com os sentimentos profundos, abstratos e inconscientes. Outro de natureza mais material, que nasce da necessidade de interpretar uma imagem externa com o objetivo de degustá-la no processo de captação. A esses processos “pessoanos”, antagônicos, chamei: Sístole e Diástole. Um de dentro para fora e o outro de fora para dentro.Na exposição na Academia Brasileira de Letras mostrei um pouco de Sístole. O próximo passo seria mostrar um pouco de Diástole. Um pouco de figuração.Por isso quando o Frazão me convidou para dividir esse espaço e mostrar uma visão do Morro da Conceição, achei que seria interessante mostrar esse tipo de figuração. Tentar traduzir a poesia do lugar em imagens. Para isso, fiz várias visitas ao Morro da Conceição, caminhei pelo local, subi e desci de dia e de noite, tentando despertar a necessidade de dizer algo sobre o lugar. O fato é que não consigo marcar um encontro com o desenho. Não consigo pegar o material e começar. Me sinto um intruso quando procedo assim. Preciso que o espírito do lugar me convide e que torne necessário retratar aquele lugar naquele momento. Comecei a ficar preocupado. Não conseguia ter vontade de começar. Um dia, e acho que foi por sugestão do Marcelo Frazão, levei uma pequena tela, completamente pintada de preto. E um tubo de tinta a óleo branco. Parei num lugar para comer alguma coisa e comecei a dar pinceladas descompromissadas. A pintar sem olhar para fora da tela. Quando a tela ficou branca, coberta de uma camada espessa de tinta branca,

Fofoca

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pensei que afinal tinha conseguido fazer a minha primeira pintura sobre o Morro da Conceição.Parecia uma brincadeira, uma provocação que... deu resultado. A tentação de riscar naquela tinta fresca foi enorme. A vontade de raspar aquela brancura e deixar a linha aparecer - ao raspar -, foi muito instigante. Olhei para fora da tela, uma ruazinha, uma pequena torre de igreja, cães deitados indolentes, alguns carros, muitos fios de eletricidade riscando o céu. Aí foi só fazer o primeiro risco para não parar mais. Voltei para casa mais satisfeito, e no dia seguinte fotografei a tela branca com linhas pretas. Uma vez que a tela foi digitalizada, já no computador, iniciei um processo que deu início a essa série de descoberta de texturas e linhas que me conectaram com a poesia do lugar. E fiquei motivado para novos trabalhos. Essa exposição, para mim, é o resultado dessa experiência que começou na tela branca, pintada de preto, repintada de branco.

Como você vê o Morro? Quais as coisas que mais chamaram sua atenção?Na verdade, a minha primeira vista do Morro foi à noite... e à noite a luz amarelada das luminárias ocultam um pouco, ou melhor um muito da degradação física e material do lugar. Gostei da descoberta, subi pela ladeira que passa pela muralha do Forte, vi a Nossa Senhora da Conceição lá no alto e desci a Ladeira João Homem. Me chamou atenção o ar pacífico, as pessoas conversando ou bebendo naturalmente. Me pareceu um lugar fora do tempo lá em baixo, na cidade. Um turismo rápido por um lugar muito perto e ao mesmo tempo parecendo que era muito longe. Mas a relação do turista é superficial. Quando se tem um compromisso de qualquer natureza com o lugar, no meu caso, o convite para retratar de algum modo uma experiência, a relação muda. E passa a ser mais crítica. À luz do dia, lamentei a degradação, o descuido por parte das autoridades “competentes”. Descaso

Galpão abandonado

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tudo é orquestrado. Se o Morro da Conceição for devidamente lembrado, e incorporado nessa iniciativa, penso que, ao ser uma extensão natural da zona portuária, a cidade inteira ganha com isso. Novas opções de lazer e de cultura nascerão naturalmente disso. Acho que as palavras fundamentais num momento desses são: respeito, cuidado, integridade. Respeito ao patrimônio, respeito às pessoas que residem no local. Cuidado e zelo na hora de mexer com os mais variados interesses, e integridade na hora de honrar compromissos. Se assim for, o Rio poderá ganhar o que Buenos Aires ganhou com o “Puerto Madero”, Lisboa com “As Docas”. Sem contar com o cais flutuante de Barcelona. Essas revitalizações - lembrando o livro de Jaime Lerner - são, quando bem aplicadas, uma espécie de “acupuntura urbana”. Quando um ponto é revitalizado, o corpo urbano da cidade ganha, e as pessoas ganham. Valorizar o local é valorizar o humano. E isso contagia.

institucionalizado - não só no Rio - no Brasil. O bairro da Alfama, em Lisboa, está no mesmo lugar, sobrevivendo a terremotos, a saques, a invasões. Os romanos estiveram ali, ainda existem ruínas do teatro romano, muito bem conservadas. Quanto tempo sobreviverá o Morro da Conceição se não for valorizado devidamente pela “cultura” e seus representantes políticos? Vi muita sujeira, muito descaso, mas, felizmente, muita resistência: casinhas lindas e bem conservadas, resultado de cuidado de quem ama o Morro da Conceição porque nasceu ali, e talvez vá morrer ali. Vi buracos de obras, tapumes e a esperança de que a fiação vai ser subterrânea. Vi um local, um gueto histórico às vezes resistindo, às vezes desistindo.Vi um lugar cheio de contrastes. De alegrias e de tristezas. Mas, acima de tudo, vi um lugar que está ligado intrinsecamente ao Rio de Janeiro. É um potencial turístico. Um manancial artístico pedindo atenção. Eu gostaria muito de contribuir para o despertar da atenção carioca a esse lugar cheio de história, de gente, de cultura. O próprio samba carioca nasceu por ali. Por ali passaram Donga, João da Bahiana, Pixinguinha...! Como diz a letra do famoso samba de Alcione: Antes de me despedir / Deixo ao sambista mais novo / O meu pedido final (...) Não deixe o samba morrer / Não deixe o samba acabar / O morro foi feito de samba / De samba pra gente sambar...

Como visitante, qual sua opinião sobre a chamada “revitalização” da Zona Portuária e consequentemente do Morro?

Acho, do pouco que sei sobre esse projeto, que é uma obra ousada e necessária, que pretende incorporar essa parte degradada da cidade ao circuito cultural, turístico e econômico do Rio de Janeiro. Salvaguardando os interesses especulativos que uma obra dessa envergadura carrega junto, a valorização do entorno é inevitável. A questão é sempre o “como” isso

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PElAs lEntEs dE mArCElo FrAzão

Marcelo Frazão pós-produz imagens. Recicla e nós nos fartamos. Através de recantos e frestas, seus instantâneos atravessam e dão novos sentidos ao Morro da Conceição do Rio de Janeiro, que se transforma num imenso armazém de secos e molhados para usar, estocar, rearrumar e derramar. Frazão toma posse e habita. Coloca códigos de cultura formados de devir cotidiano e patrimônio e os põem para funcionar. Projeta púberes enredos e produz percursos originais para que imaginemos novas conexões. De forma contemporânea nos leva a um jogo de simultaneidade entre todos os espaços de todas as épocas do morro.

Numa mistura de paladares somos levados a outros mundos múltiplos e justapostos onde o novo não dissipou referências do passado. A biografia do morro repleta de histórias e memória produz uma época que dá conta do “retrô”, apesar do tempo e espaços urbanos incidindo ao seu redor. O Rio contemporâneo produz subjetividades e o morro singularidades e sensibilidades inusitadas. Revivemos o marco da ocupação inicial da cidade no cantinho do azulejo centenário, na sombra projetada, no gato-bicho-preguiça, no clima de subúrbio, no halo do arranha-céu, no esboço do sorriso anônimo. Sua seleção dá conta da geografia e mantém a aura do lugar.

Frazão apropria-se e produz particularidades a partir de referências que constituem seu cotidiano. Seu repertório de formas circulantes e infinita rede de signos interconectados fundem-se à pluralidade de sua operação artística de pintar, gravar ou esculpir. Ele insere um novo enredo e o trata como personagem de uma narrativa enviesada, restituindo-o ao mundo como experiência a ser existida. Ele cria um “pas de deux” entre a vida e

Cristo do Atelier Claudio Aun

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o morro de forma diagonal e fragmentada, desconstrói uma leitura linear e nos dá espaço para recortes próprios e criação de teia alternativa em resposta ao que vemos com nossas referências individuais.

O trabalho assume o caráter experimental e discute o estatuto das imagens. Faz-nos passar por lugares que nunca excursionamos. Aproxima-se pela negociação entre arte e vida. O seu território artístico dialoga com o tempo, espaço e afeto.

Sua arte é um sistema ético. Frazão resgata um lugar público para si. Não se vai ao morro de passagem. É um lugar não provisório, não efêmero. Há relações. Marcelo pontua sua vida com experiências cutâneas, trabalha o que o toca profundamente, o que domina sua intimidade e afetividade. Não se trata da qualidade fotográfica em si, mas dos tesouros ladeira acima e ladeira abaixo, do percurso sinuoso até a travessa, de cada curva que é como um dia, depois outro dia. Trata-se da busca de sentido, de questões diárias, de reflexão daquilo que diz respeito a um mundo pujante ligado diretamente com formas de vida. O tempo e a memória. O espaço e o lugar. Marcelo não precisa falar de sua obra. Ele a faz.

Julie BrazilArtista plástica

Observatório do Valongo

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A ErmidA dA diÁstolE

Os desenhos digitais de Luis Christello, aqui apresentados, nos mostram esta face da produção do artista a qual ele chama de Diástole e que foi cultivada simultaneamente àquela denominada Sístole. Sístole e Diástole são movimentos involuntários do coração mas essenciais à detecção da vida. É o primeiro sinal vital a ser confirmado nos primeiros socorros ao levarmos o ouvido ou o estetoscópio ao peito do socorrido em busca de um mínimo sinal sonoro ritmado que seja. Na sua ausência instaura-se o risco de falência. E talvez risco seja o termo mais caro tanto na vida quanto na arte. É diante do risco que somos desafiados a encontrar as saídas e alternativas para a permanência da vida a despeito de todas as circunstâncias que se apresentem. E Christello escolheu justamente esses dois movimentos, que fingimos controlar mas que são, em verdade, os autônomos condutores do sinal de confirmação da vida.

Antes de falar sobre a presente produção de Luis Christello, entretanto, preciso lembrar que, há aproximadamente um ano, o artista apresentava sua exposição Sístole, na Galeria Manuel Bandeira da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro. Em Sístole, como no movimento do coração, as obras fluíam; irradiavam do artista para fora. Não havia a preocupação em trazer o mundo e suas cenas cotidianas para dentro das obras. Nela o artista estava mais centrado em mostrar suas inquietações interiores, quer reveladas pelas formas e cores, quer em seus títulos.

Mas naquela ocasião Christello já confidenciava que, dali em diante, estava planejando uma outra exposição, na qual estariam trabalhos que contemplariam o movimento oposto, ou seja, a Diástole, o de repouso do

Detalhe - Rua da igreja à noite

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coração, o do momento de avaliação e memória.

E aqui estamos diante dele. Aqui temos imagens, em alguns casos originalmente elaboradas em um guardanapo de papel ou mesmo em uma tela de pintura, num resultado de convivência direta com a cena retratada. Ruídos, conversas, silêncios e segredos estão materializados nessas pequenas anotações a despeito da vontade do autor. Eles dirigem a mão. Como diz o Luis Christello: “O processo introspectivo do desenho ajuda a enxergar além da superfície. Como se a imagem entrasse pelos olhos, descesse ao coração e escorresse pela mão.” E é esse o movimento que o artista busca nesta produção. A captura do momento através dos olhos não os torna os agentes exclusivos da imagem. Eles são os mediadores da imagem, não o seu endereço final. Dentro do artista a imagem matura e, de certa forma, se transubstancia e repousa afetivamente até fluir pela mão. Ou, em suas próprias palavras: “O fato é que não consigo marcar um encontro com o desenho. Não consigo pegar o material e começar. Me sinto um intruso quando procedo assim. Preciso que o espírito do lugar me convide e que torne necessário retratar aquele lugar naquele momento.”

Após essa etapa de captura segue-se a digitalização dos desenhos. E é aqui que Luis descobre os detalhes e vislumbra o potencial da imagem a ser operada. Imerso em linhas, cores e texturas, alguns detalhes viram obras e enriquecem a teia de relações que o artista passa a estabelecer. Diante do computador e dentro do “silêncio” da imagem, Christello vai descobrindo que o ato de procurar, como um viajante, o torna simultaneamente estranho e familiar àquele território. Sabe que transita dentro do território da imagem que foi gerada em uma convivência direta com as pessoas e seu espaço. Talvez isso o obrigue a ser mais vigilante quanto ao modo como vai operar

Esperando a sopa

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com elas. E operar com imagens é também uma responsabilidade ética.Assim, ampliadas e operadas digitalmente, as imagens vão transformando aquele minúsculo gesto inicial de um desenho sobre uma folha de papel ou tela em um painel no qual agora também o corpo é convidado a desvendar e explorar. O pequeno gesto agora requer outro exercício. Um exercício de descoberta, que tanto surpreende o artista quanto o espectador durante esse passeio entre mídias e que encontra sua correspondência nas caminhadas e apontamentos noturnos pelo Morro da Conceição, através dos quais nasceram algumas destas obras de Christello. Elas vieram à luz trazidas das sombras e da indefinição. Emergiram da errância catalizando afeto e processo criativo.

Até agora falamos do modo como a imagem ou a cena retratada passa pelo artista. No entanto, que cenas são estas? São frequentemente cenas do cotidiano de duas cidades. Numa delas Lisboa, na qual viveu por doze anos. De lá nos traz cenas a céu aberto nas quais o seu traço rápido retrata uma paisagem noturna que possui, como único indício da presença humana, as luzes acesas ao longe e ao longo do Tejo, por exemplo. Outros momentos Luis Christello escolhe o interior de um bar como cenário. E nesse recorte vemos que aquele mesmo traço rápido retrata o silêncio, talvez só quebrado pelo ruído das cartas nas mãos dos jogadores imersos no universo do jogo ou mesmo pela fricção da caneta esferográfica nas mãos do artista que corre atrás daquela posição do braço ou expressão entre ébria e atenta da próxima cartada.

Essa mesma atmosfera encontramos em seus desenhos que têm por motivo o Morro da Conceição, no Rio de Janeiro. No Morro o artista incursiona em sua primeira visita durante a noite conduzido pelo artista e amigo Marcelo

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mão de outros confortos para se manterem ali, pois se orgulham de seu espaço e de sua comunidade e, por isso mesmo, conseguem guardar com zelo um pouco do que herdaram.

Mas, além desses aspectos delicados com os quais se depara, Christello se sentiu também atraído pelo espírito lusitano que ali se respira. Para Luis, em seus desenhos, era uma oportunidade de estabelecer as conexões, encontrar alguns laços ou familiaridade que, na verdade, efetiva e historicamente não podemos negar. No Morro encontramos Largos, Rua do Jôgo da Bola, ermidas e tantas outras referências que nos aproximam de Lisboa ou de Portugal de um modo amplo. Encontrou no Morro da Conceição também o ritmo frenético urbano convivendo com a cadência e o pulso de uma pequena cidade. Acentos da fala e o compasso cotidiano o remeteram a alguns pontos de Lisboa. E é o próprio Christello, em outro momento de sua entrevista, que nos fala de suas impressões e pontos em comum entre Rio de Janeiro e Lisboa. “Sempre desejei morar nessa cidade e, se em Lisboa eu me sentia num pequeno Rio de Janeiro com mar, porto, cais e com uma pitada de melancolia, aqui me senti numa grande Lisboa alegre e tropical. Foi a hora de abrir o “baú dos guardados”, parafraseando Iberê Camargo, e trazer para a claridade memórias, anotações. De uma certa forma abrir o coração para essa nova experiência e ao mesmo tempo compartilhar a minha produção com o público. Era a hora de voltar a expor.”Então mergulhemos no fluxo da diástole.

Carlos Krauz Porto Alegre, outubro de 2011*Carlos Krauz é artista plástico, professor universitário nas áreas de desenho e escultura e curador. Reside e trabalha em Porto Alegre. É um dos criadores do Grupo 3X4, atuante em Porto Alegre. sites: carlos.krauz.nom.br e http://3x4visita.blogspot.com

Frazão. Ouçamos o que Christello tem a nos dizer: “Na verdade, a minha primeira vista do Morro foi à noite... e à noite a luz amarelada das luminárias oculta um pouco, ou melhor, um muito da degradação física e material do lugar. Gostei da descoberta. Subi pela ladeira que passa pela muralha do Forte, vi a Nossa Senhora da Conceição lá no alto e desci a Ladeira João Homem. Me chamou atenção o ar pacífico e as pessoas conversando ou bebendo naturalmente. Me pareceu um lugar fora do tempo da cidade lá embaixo. Um turismo rápido por um lugar muito perto e ao mesmo tempo parecendo que era muito longe. Mas a relação do turista é superficial. Quando se tem um compromisso de qualquer natureza com o lugar, no meu caso, o convite para retratar de algum modo uma experiência, a relação muda.” Mais adiante lemos: “Vi um lugar cheio de contrastes. De alegrias e de tristezas. Mas, acima de tudo, vi um lugar que está ligado intrinsecamente ao Rio de Janeiro. É um potencial turístico. Um manancial artístico pedindo atenção. Eu gostaria muito de contribuir para despertar a atenção carioca a esse lugar cheio de história, de gente, de cultura. O próprio samba carioca nasceu por ali. Por ali passaram Donga, João da Bahiana, Pixinguinha...!” E a partir desta constatação de que uma visão de turista é superficial, os desenhos gerados nessa convivência se encarregam de um tom mais dramático. Seu olhar, ao constatar a degradação de alguns prédios, também está falando da nossa indiferença a tudo aquilo que é responsabilidade de cada cidadão. Tornamos “natural” a indiferença ao apagamento da memória em prol de um modelo de desenvolvimento ou urbanização que solapa nossa própria referência espacial e, consequentemente, nossa identidade. Nos esquecemos que um espaço só existe porque o humanizamos e criamos identidade. E isso só ocorre a partir de uma complexa e delicada teia social, cultural, econômica, que demanda zelo por parte daqueles que o habitam. São pessoas que tornam o espaço uma comunidade, muitas vezes abrindo

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46 47Ladeira do João Homem na altura do nº 46

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Samba, cigarro e cerveja

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52 53Banda da Conceição - Carnaval 2010

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Percurssão na Pedra do Sal

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mArCElo FrAzão

Rio de Janeiro - Brasil, 1964Mestre em Ciência da Arte pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Graduado e Pós-Graduado pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EBA-UFRJ). Participa ativamente de mostras individuais (sendo duas no Museu Nacional de Belas Artes) e diversas coletivas no Brasil e no exterior desde 87, recebendo várias premiações. Implantou a oficina de Litografia na Escolinha de Arte do Brasil, onde lecionou e coordenou o Núcleo de Gravura de 94 a 97. Lecionou na Escola de Belas Artes (UFRJ) no curso de Gravura e Pintura; leciona desde 99 na Universidade Estácio de Sá e 2002/2009 na Metodista do Rio (Bennett). Foi Curador da extinta Galeria do SESC Copacabana de 96 a 2000, realizando mais de 50 exposições. Atualmente dedica-se ao Atelier Villa Olívia (www.ateliervillaolivia.com), coordenando, como Curador independente, projetos com artistas convidados.

Me sentindo no Atelier do Bacon - Atelier Villa Olívia - Outubro de 2011

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Nascido em Alegrete – RS em 1966,vive e trabalha no Rio de Janeiro.Pratica a pintura e o desenho desde antes da graduação em Pintura na Faculdade de Bellas Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1983. Conjuga a atividade de artista plástico com a de Diretor de Arte e Designer, tendo obtido o reconhecimento de diversas instituições, no Brasil e no exterior. Na década de 90, recebeu 6 leões no Cannes International Advertising Festival - França, e Distinctive Merit no The Art Directors Club of New York.A partir de 2000 alterna a pintura ao ar livre com a pintura de estúdio e desenhos digitais, desenvolvendo as pinturas que compõem o livro “Diástole”. Desenvolve, também, os trabalhos que compõem a série “Sístole”, apresentados em 2010, na Galeria Manuel Bandeira, da Academia Brasileira de Letras. Participou, em 2011, da coletiva A Cara do Rio, foi finalista do Prêmio Belvedere – “Contemporânea Arte Paraty” e recebeu uma menção honrosa no II Salão de Artes Visuais de Novo Hamburgo, RS. www.christello.com.br

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66 67Ponte Rio-Niterói vista do Morro da Conceição em branco

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Apoio:

Especial agradecimento a Marcelle Pithon e Claudio Loureiro

Agradecimentos:Silvana SilveiraCarlos Krauz

Carlos RabaçaAntonio Edmilson Martins Rodrigues

Carlos Fernando AndradeJulie Brazil

Rubens TrogJoão Laet

Carlos PachecoSamba de Lei

Aos vizinhos do Morro da ConceiçãoEquipe do Centro Cultural Correios

Projeto Gráfico:Luis Christello

Arte-Final:Renata Santos

Produção Gráfica:Rubens Trog

Revisão:Maikon Delgado