o modernismo e a questão nacional

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UNIVERSIDADE DA REGIÃO DE JOINVILLE – UNIVILLE Acadêmico: Marcos Alfredo Corrêa Curso: História Disciplina: História do Brasil III Professor: Fernando César Sossai VELLOSO Mônica Pimenta O Modernismo e a questão nacional. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucila de A. Neves. O Brasil Republicano: o tempo do liberalismo excludente. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 353-385. O modernismo e a questão nacional A questão da temporalidade histórica ocupa papel central na escrita da história, dessa forma o movimento modernista brasileiro inscreve-se nesse quadro conceitual. Atuando em distintas temporalidades e espacialidades, expressando as mais distintas formas de intervenção social, dialogando com um corpo amplo e complexo de tradições e referências culturais, o modernismo traduz, vivamente, essa temporalidade. Essa dinâmica é complexa, e se estabelece a partir da articulação entre o antigo e o moderno, ela impõe uma reavaliação da tradição de ruptura, que marcava o campo da pesquisa histórica. Datar o modernismo, é percebê-lo como movimento organizado por uma determinada vanguarda intelectual, implica em perder de vista a sua historicidade e a dinâmica interna desse processo. Não é a intervenção de uma determinada vanguarda social que, propondo a ruptura da ordem, conseguirá, de imediato, instaurar novas formas de

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Page 1: O modernismo e a questão nacional

UNIVERSIDADE DA REGIÃO DE JOINVILLE – UNIVILLE

Acadêmico: Marcos Alfredo Corrêa

Curso: História

Disciplina: História do Brasil III

Professor: Fernando César Sossai

VELLOSO Mônica Pimenta O Modernismo e a questão nacional. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucila de A. Neves. O Brasil Republicano: o tempo do liberalismo excludente. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 353-385.

O modernismo e a questão nacional

A questão da temporalidade histórica ocupa papel central na escrita da

história, dessa forma o movimento modernista brasileiro inscreve-se nesse

quadro conceitual. Atuando em distintas temporalidades e espacialidades,

expressando as mais distintas formas de intervenção social, dialogando com

um corpo amplo e complexo de tradições e referências culturais, o modernismo

traduz, vivamente, essa temporalidade. Essa dinâmica é complexa, e se

estabelece a partir da articulação entre o antigo e o moderno, ela impõe uma

reavaliação da tradição de ruptura, que marcava o campo da pesquisa

histórica.

Datar o modernismo, é percebê-lo como movimento organizado por uma

determinada vanguarda intelectual, implica em perder de vista a sua

historicidade e a dinâmica interna desse processo. Não é a intervenção de uma

determinada vanguarda social que, propondo a ruptura da ordem, conseguirá,

de imediato, instaurar novas formas de pensamento e de atuação

comportamental, iluminando, de maneira criadora, o conjunto da nacionalidade.

Durante muito tempo, essa percepção do movimento, ocasionou uma

interpretação simplificadora que o restringia a um referencial espaço-temporal:

A cidade de São Paulo, na década de 1920. Historicamente, procede

pensarmos nos termos de uma cultura do modernismo que começaria a

despontar na virada do século XIX para o XX.

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A entrada do século XX no contexto internacional é marcada pelo

desenvolvimento tecnológico científico e pelas transformações do modo de vida

e das relações produtivas em quase todo o planeta. Inspirada pelo crescimento

da ciência positivista, esse novo ambiente de progresso repercute sobre os

diversos campos da atividade humana, tendo impacto na literatura, na política e

na cultura. O aceleramento da urbanização e o processo industrial fabril foram

responsáveis por trazerem os primeiros conceitos de modernidade, sendo este

novo século, símbolo de uma nova era para humanidade. O entendimento do

moderno relacionou-se ao sentido de progresso, ao de uma possível ruptura

com o passado estático, quase sempre relacionado com atraso e desprezo, e o

novo tempo moderno seria destinada pela dinâmica das relações produtivas

que consubstanciada pela eletricidade movia uma nova época para os homens.

Entretanto, a apreciação conceitual de modernidade encontrou barreiras ao

interpenetrar outros campos da sociedade humana, como por exemplo, na

cultura, pois romper com o passado cultural e histórico de uma sociedade não

era tão fácil como trocar a forma de produção de uma economia agrícola para

uma industrial fabril.

Dentro deste cenário histórico, o Brasil, na sua primeira metade do

século XX buscou absorver essa atmosfera de modernidade trazida

principalmente pelos pensamentos das vanguardas europeias. A ideia de uma

nação como uma unidade nacional, sob os pontos de vista cultural, político e

econômico vindo do velho continente europeu tinha grande aceitação no

imaginário dos intelectuais brasileiros que enxergavam nestes pontos de vistas

o alicerce que levaria o Brasil a se efetivar como uma “nação moderna”.

A concepção de modernismo brasileiro dentro de nossa historiografia

atual acabou sendo associada de forma única ao movimento da semana de

arte moderna de 1922, ocorrida em são Paulo, tendo nomes como; Tarsila do

Amaral, Mario de Andrade, Oswaldo de Andrade, Portinari, entre outros. Nesse

contexto o texto da autora Monica Velloso, vem de encontro a esta tendência

tradicional de nossa historiografia, apontando a insurgência de movimentos

modernistas brasileiros, ocorridos em outras regiões nacionais, como a escola

modernista de 1870, em Recife, e o movimento boêmio dos intelectuais

cariocas nas duas primeiras décadas do século XX. Portanto podemos dizer

Page 3: O modernismo e a questão nacional

que as ideias de modernidade no Brasil foram construídas durante o final do

século dezenove e início do século vinte, sendo assim o significado do

modernismo brasileiro tem de ser entendido como um conjunto heterogêneo

com as devidas distinções entre os movimentos e as épocas que foram citadas.

A escola modernista de Recife de 1870 sob a liderança de Tobias

Barreto e tendo nomes como, Silvio Romero, Graça Aranha, Capistrano de

Abreu e Euclides da Cunha, lançou as primeiras concepções de modernismo

para o Brasil. Oriundos da faculdade de direito do Recife, esses intelectuais

pensavam num projeto que levaria a sociedade brasileira daquele fim de século

enraizada de visíveis problemas históricos como a grande diversidade do povo

brasileiro. Índios, brancos, negros e mestiços atrapalhavam a acepção de uma

identidade nacional, necessária para o progresso de uma sociedade moderna e

civilizada, assim, para progredir, o Brasil, precisava romper com o seu passado

histórico fundado numa sociedade miscigenada e de produção agrícola, para

finalmente ter sua inclusão no mundo moderno. A nacionalidade era a matéria-

prima que deveria ser trabalhada pelo saber científico. Ser moderno implicava

obter o significado de ser brasileiro, se reconhecer como nação, conhecer seu

passado, sua brasilidade, longe de uma história europeia de domínio

português. A marca esse período são os vários estudos sobre as diversas

etnias, que buscavam encontrar uma identidade nacional. A ótica destes

primeiros intelectuais do modernismo brasileiro estava carregada dos conceitos

das cartilhas evolucionistas, do darwinismo social. Entretanto, imperava ainda

uma visão de estágios de desenvolvimento, sendo que era entendido como

missão, para os intelectuais, dirigir o processo de desenvolvimento e

nacionalidade. Isso só poderia ocorrer mediante o reconhecimento da

pluralidade e do recenseamento da nossa cultura.

O Brasil pela sua característica histórica, sempre era visto como

atrasado e inferior às nações europeias e o seu progresso enquanto civilização

estaria em eliminar ou romper com tudo aquilo que lhe colocava um entrave

para o progresso e inclusão do país na era moderna. A miscigenação era vista

como um fenômeno que tornou a sociedade brasileira sem identidade, tendo

elementos de vários modos de vida distintos culturalmente, algo que era visto

como perigoso, pois poderia causar um desequilíbrio na ordem social dos

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grupos étnicos a qualquer momento, impedindo o progresso ou estancando-o

em seu desenvolvimento. A solução pressuposta pelo movimento foi a

deplorável teoria do branqueamento. Pensada por esses intelectuais, a solução

concatenava com a ideia de “supremacia racial”, onde a “raça” branca, em

cruzamentos com as demais raças se sobressairia e perpetuaria o fim das

demais “raças”, muitos quadros de pintores da época retratam a imagem de

filhos de negros mestiços como brancos, incentivando o casamento inter-racial

como projeto de modernidade, outro fator importante projetado por esse

modernismo esta na diluição da cultura mestiça por uma cultura “erudita”

advinda das vanguardas europeias, assim a imigração de italianos, espanhóis

e alemães para a plantação de café no sul do Brasil seria o inicio de um

processo de europeização da cultura brasileira eliminando seus vínculos

históricos coloniais.

Em linhas gerais o modernismo da escola 1870 de Recife, lançou os

primórdios da ideia de modernismo brasileiro, porém a concepção de

modernidade ganhará características que são próprias de cada região em que

se desenvolveu um pensamento “moderno” criando assim uma pluralidade

signos e símbolos. O modernismo carioca, por exemplo, se caracterizou de

forma bem distinta da que observamos até aqui, seus intelectuais modernos

representados pela classe “boêmia” da cidade recusaram-se a aceitar as

concepções trazidas pela velha guarda europeia. A decepção com a primeira

República foi mais rapidamente assimilada pelos cidadãos da capital brasileira

na época, o Rio de Janeiro. Sua população composta por diferentes estratos

urbanos sentia que os direitos políticos conquistados pelo advento da

República haviam ficado na mão de uma aristocracia rural cafeeira que

defendia os interesses de uma economia agrícola, estando longe de atender as

necessidades demandadas pela camada urbana carioca. Essa amargura não

se efetivou de forma melancólica, ao contrário, a linguagem mordaz e

humorística foi à principal forma de contestação deste movimento modernista

carioca e brasileiro, pois, se sentiam excluídos pelo sistema político vigente.

Então aliaram-se com o movimento popular em defesa da sua diversidade

cultural. As charges e as caricaturas foram o principal meio de expressão deste

movimento que ressaltava a importância das “trocas culturais” como um aliado

Page 5: O modernismo e a questão nacional

para a modernidade, simbolizada através da luta por direitos trabalhistas e

sociais e de uma possível “democracia racial”, há que se ressaltar a influência

da obra-prima de Gilberto Freire, Casa Grande & Senzala, a qual modificou a

concepção negativa da miscigenação não sendo esta mais encarada como

algo perigoso ao ordenamento social.

O modernismo carioca que tinha nomes como, Lima Barreto, Bastos

Tigres, Emilio de Menezes, entre outros, acabou elaborando um projeto onde

focava a necessidade de se conhecer o Brasil interior, ou seja, as raízes

culturais brasileiras, extraindo uma troca entre as culturas regionais. Havia

certa aversão à cultura estrangeira vista como aristocrática ligada aos

poderosos que teriam destruído a República dos sonhos dos intelectuais

boêmios carioca. “’Essa não é a República dos meus sonhos’. A frase de Lopes

Trovão viria a transformar-se em expressão emblemática do descontentamento

social de toda uma geração de intelectuais.” (VELLOSO, 2006. P. 361). Assim

o modernismo estaria ligado ao reconhecimento popular e a luta pelos direitos

políticos e sociais da sociedade urbana e rural, excluídas de seus interesses e

não ligadas ao sentido de progresso movido pela cientificidade tecnológica da

produção. O Rio de Janeiro presentificava, vivamente, esse espírito do

moderno. Polo de atração e irradiação de culturas das diferentes regiões e

cidades brasileiras, a cidade possuía uma elite intelectual-artística que se

mantinha em permanente diálogo com as ideias cosmopolitas. Em função

desses fatores, a cidade adquire uma configuração social bastante específica.

Junto a esse movimento de atualização cultural, que a projetava em direção ao

cenário internacional, o Rio de janeiro também, possuía um corpo de tradições

populares extremamente atuante. Em função desses fatores, a vida cultural da

cidade conseguia estabelecer elos de ligação, mesmo que em bases precárias,

com o conjunto da população. Havia, portanto, espaços de convívio em que

circulavam elementos de diferentes origens culturais. Essas manifestações

adquirem múltiplas expressões, encontram-se nas rodas dos cafés literários,

nas festas populares e folias carnavalescas, no linguajar das ruas, no teatro de

revistas e na imprensa cotidiana, através das revistas, de grande circulação.

No início do século XX, a imprensa configura-se como a esfera de socialização

de ideias e de valores, favorecendo o surgimento da opinião pública.

Page 6: O modernismo e a questão nacional

Contudo cabe aqui dizer que o sentido da autora, Mônica Velloso, ao

abordar as distintas concepções de modernismo existentes no Brasil, não foi a

de desmerecer ou desvalorizar o movimento da semana de arte moderna

paulista ocorrido em 1922, mas sim de demonstrar que existiram outras

concepções sobre modernidade, portanto é necessário ao se estudar este

assunto elaborar uma trajetória histórica que vai da escola de 1870 de Recife, e

do modernismo carioca satírico, até chegar aos famosos movimentos

antropofágicos, do pau-brasil e o verde-amarelo da escola paulista. Dessa

forma, parafraseando Karl Frederick (1988) “o sentido de moderno e do

modernismo em qualquer época é sempre um processo de vir a ser, tornar-se

novo e diferente. O que significa também subverter o que é velho”.  E nessa

trama de valores em que podem combinar-se a partir de releituras, tradições e

inovações, que se constituiu a face expressiva da cultura do modernismo.

Referência Bibliográfica

VELLOSO Mônica Pimenta. O Modernismo brasileiro: outros enredos, personagens e paisagens. Nuevo Mundo, Mundos Nuevos. Debates, 2007. <Disponível em http://nuevomundo.revues.org/3557> acesso em 20 de junho de 2012.