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CAPTULO III

O MODELO POLTICO BRASILEIRO

E Outros Ensaios

CAPTULO III

O MODELO POLTICO BRASILEIRO(Quase todos, vencidos ou vencedores, se surpreenderam com a forma como se deu a ruptura do sistema poltico brasileiro em 1964 e com o tipo de regime que se implantou subseqentemente. No me refiro apenas a falta de resistncia do nacional-populismo e a rapidez de sua desagregao, mas a natureza e expanso tanto da intervenco militar como de suas conseqncias polticas. Inicialmente a discusso sobre o carter do movimento de 1964 limitou-se a disputa retrica em torno da questo golpe ou revoluo? Os que desfecharam o golpe alegavam a qualidade revolucionria da instaurao do nava governo (emborano se referissem de incio a um novo regirne ) dizendo que a base social do movimento militar fora ampla, como as passeatas que antecederam a revolta militar demonstraram. Nelas se vira uma impressionante mobilizao da classe mdia acomodada e dos setores polticamente ativos do empresariado e da oligarqua agraria. Os perdedores no acreditavam na argumentao, alegando que apesar da mobilizao urbana em favor do golpe, ele fora desfechado quando o apoio das massas ao presidente Goulart estava aumentando. Portanto, as passeatas e a mobilizao poltica contra o governo tinham mais o carter de uma contra-ofensiva poltica do que de um movimento revolucionrio. Em termos objetivos, parecera especioso indagar se houve um golpe de Estado ou uma revoluo. Formalmente, no cabe dvidas, houve uma interveno dos militares que interrompeu a vigncia de um governo constitucionalmente estabelecido. Substantivamente esta interveno se deu no momento em que eram postas em prtica pelo governo medidas polticas de mobilizao de massas, demaggicas ou no -pouco importa no momento- em torno de alguns dos objetivos do regime nacional-populista: reforma agrria, ampliao da sindicalizao, redistributivismo, regulamentao do capital estrangeiro, crescente estatizaco etc. A intervenco militar teve, neste sentido, o carter de um movimento de conteno, Economicamente parecia claro que o sistema estava progressivamente caminhando para um impasse, com a inflao galopando, a taxa de crescimento econmico decrescendo, dificuldades crescentes com a balana de pagamento e assim por diante. Por estes motivos o movimento de 64 procurou legitimar-se como restaurador da economia e como um movimento favorvel a definio de um padro de desenvolvimento baseado na livre empresa, contra o estatismo econmico que se atribua ao governo deposto(. Essa caracterizao do movimento de 64 nao abrange, entretanto, su as conseqncias polticas e sociais, nem permite compreender a natureza do regime que com ele se implantou. Um dos mais argutos observadores estrangeiros da histria poltica recente, Phillipe Schimitter, qualificou o golpe de 64 como um movimento restaurador. Indubtavelmente, no plano social e no plano econmico ele teve inicialmente este carter. Ter sido assim tambm no plano poltico? Est claro que a ningum (e menos ainda queles que deram o golpe) ocorreria pensar que 64 significou uma revoluo, na acepo corrente da palavra, isto , uma modificao nas bases do poder de tal modo que camadas sociais e economicamente antes dominadas tivessem passado, depois de 64, a dispor de maior poder de deciso. Entretanto, essa ressalva no desqualifica a indagao sobre a natureza poltica do movimento de 64. Quem teve seu poder aumentado: a oligarquia agrria? a burguesia? que setor dela? os militares enquanto grupo funcional? o conjunto das Forcas Armadas ou algum setor ern particular? os representantes do capital estrangeiro? quais? os americanos, especialmente, dado o papel comparativamente importante das companhias e do governo americanos nos di as decisivos de marco e abril de 1964? Por outro lado preciso indagar, quaisquer que tenham sido os grupos que prevaleceram depois do golpe, sobre a natureza e o alcance do regime que se instaurou: a intervenco das Foras Armadas ter sido (ou ser) uma ao simplesmente corretora do processo poltico? Os militares voltaro aos quartis depois de restaurada a democracia, deixando em funcio- namento o jogo dos partidos, ou a interveno militar acabar por se constituir uma etapa de transio para formar um regime autoritrio estvel que, embora venha a ser presidido por um civil e exiba partidos em funcionamento nao se apoiar neles? H quem veja na continuidade dos se te anos de controle militar, na existncia embrionria de uma doutrina poltica de Estado e na prtica da violncia, bem como em outros traos do mesmo tipo que ocorrem no regime atual, o renascimento do fascismo. Outros, acreditam que tu do isso so episdios passageiros e que a inteno democrtica dos revolucionarios histricos de 1964 prevalecer. Neste caso, o ressurgimento da democracia ser uma questo de tempo. A variabilidade das respostas comumente dadas a essas questes deriva, de uma parte, de interesses muito concretos: uns defendem, outros criticam o regime, seja porque fazem opes polticas definidas, seja porque tm interesses em jogo. Mas por outra parte, essa variabilidade deriva tambm da dificuldade em conceituar processos sociais de tipo novo. Ao dizer isso, adianto algumas concluses deste trabalho: eu creio que o regime que terminou por se instaurar no teve o carter de uma volta ao passado, como pensam alguns analistas que insistem na continuidade da historia contempornea brasileira desde 1930, com o interregno de 1945-1964. Pelo contrrio, ele expressa uma rearticulao poltica que se baseia em alteraes no modelo social e econmico de desenvolvimento que prevalecia anteriormente. Neste sentido, no fosse para evitar a confuso semntica e a manipulaco poltica bvia que ela permite, seria mais correto dizer que o golpe de 64 acabou por ter conseqncias revolucionrias, no plano econmico. Antes de mostrar que tipo de transformao foi essa, convm esclarecer que apesar dos traos comuns que o movimento de 64 e o regime militar atual tm com respeito a formas anteriores de autoritarismo havidos no Brasil (para no mencionar as relaes com outros tipos de regime forte da Amrica Latina e de outras regies), no me parece que se possa explicar a situao atual em termos de uma continuidade histrica. Por certo, o regime e sua ideologia, na medida em que so autoritros e que vem no Estado centralizador e na burocracia os instrumentos bsicos da formao da nacionalidade, aproximam-se da organizaco poltica e das idias que prevaleceram durante o Estado Novo. Nisto tm razo historiadores como Skidmore que vem no perodo 1945-1964 o desvio de uma tendncia contnua. Entretanto, mais importante sublinhar que alm dos elementos bsicos da cultura poltica brasileira, e do tipo de autoritarismo que lhe corresponde, existem diferencas importantes na caracterizao atual do regime autoritrio do Brasil. Que mudanas foram estas? Em termos gerais, houve uma alterao no prprio padro de desenvolvimento econmico e na correlaco de foras que o sustentava. Por certo, essa alterao deu-se antes de 1964 no que diz respeito ao estilo de desenvolvimento econmico: desde o governo Kubitschek perdera fora o modelo de desenvolvimento que, nascido no final dos anos 30 - com a siderurgia de Volta Redonda, se se quiser dar um marco - ganhara fora durante a guerra e se transformara em orientao poltica relativamente clara durante o segundo governo de Vargas (1950-54). Com efeito, naquela poca o papel do Estado nos investimentos para a construo da indstria de base e em setores pioneiros da produo de bens de consumo durvel era decisivo. Mesmo que es se tipo de poltica econmica tenha sido antes a conseqncia de contingncias prticas do que de uma ideologa nacionalista, seus efeitos sobre o estilo do desenvolvimento econmico eram acentuados: Estado, capital nacional e investimento externo (principalmente atravs do financiamento as obras pblicas), nesta ordem, constituram as molas para o desenvolvimento. Com a poltica econmica de Kubitschek, de rpida industrializao e de ampliao do consumo industrial de massas (isto , da classe mdia urbana), comeou a haver uma inflexo no que diz respeito aos grupos que atuavam nas decises sobre a poltica econmica, na forma como se dava o investimento e no seu controle. As bases sociais e polticas sob que assentava o regime populista (seja em sua etapa autoritaria, sob o Estado Novo, seja nos perodos democrticos, de Kubitschek, Goulart ou mesmo Jnio Quadros) comeavam a deixar de corresponder, em forma varivel, aos setores de classe que controlavam as foras produtivas. Acresce a isso que a organizao econmica capitalista sofrera tambm, no plano internacional, modificaes acentuadas na ltima dcada. Para resumir, as corporaes internacionais passaram a diversificar no s os ramos de atividade econmica sob seu controle, mas a localizao das fbricas, deslocando algumas delas para reas perifricas. Disso derivou maior interdependncia na esfera produtiva internacional - visto o sistema econmico mundial do ngulo dos centros de deciso - e uma modificao nas formas de dependncia que condicionam os estilos de desenvolvimento dos pases que se integram na periferia do capitalismo internacional. Por certo, a empresa pblica, o Estado e os capitalistas locais continuaram a existir e a atuar. Mas o eixo hegemnico do sistema de poder e a base dinmica do sistema produtivo modificaram-se. Neste novo contexto, ganharam importncia os grupos sociais que expressam o capitalismo internacional, sejam eles compostos por brasileiros ou por estrangeiros, por empresas brasileiras que se associam as estrangeiras ou por estas diretamente. Entretanto, tambm ganharam influncia os setores das Foras Armadas e da tecnocracia que - por serem antipopulistas - estavam excluidos do sistema anterior, mas que em funo de suas afinidades ideolgicas e programticas com o novo eixo de ordenao poltica e econmica constituram-se em pea importante do regime atual: assumiram tanto funes repressivas no plano social, como modernizadoras, no plano administrativo. Simultaneamente alterou-se a posio relativa na estrutura de poder dos antigos setores dominantes. Perderam prestgio e poder os setores agrrios tradicionais que no. se redefiniram em funo da forma como se d a nova expanso do mercado e a reorientao da poltica econmico-financeira. Paralelamente, perderam prestgio e poder os setores da classe mdia burocrtica tradicional e os representantes polticos das classes que sustentavam o antigo regime. Assim, foram marginalizados os lderes sindicais que faziam a mediao entre os trabalhadores e o Estado, bem como os polticos profissionais que expressaram no passado, ao nvel poltico, as alianas de classe que, depois de terem servido de sustentao para a Repblica Velha (1889-1930), refizeram-se para dar viabilidade ao nacional-populismo. A hiptese imediata para explicar esta mudana na posio de forca relativa dos atores polticos principais e para mostrar a articulao entre as distintas foras sociais que o estabelecimento do processo de acumulao necessitava da prvia desarticulao dos instrumentos de presso e defesa das classes populares, tarefa que o golpe de 64, no seu aspecto repressivo, cumpriu imediatamente. A aceitao pela burguesia, no primeiro momento, do aumento de interferncia militar para lograr aquele objetivo, custou, nos momentos seguintes, a impossibilidade de retornada do controle civil do processo poltico. Para conter a presso de baixo foram tomadas medidas que implicaram no apenas na liquidao do regime populista, mas da prpria expresso poltica direta da burguesia: o sistema de partidos ficou margem do sistema de decises e as formas de organizao e presso poltica da classe mdia e da burguesia, que nunca foram slidas, passaram a depender de contatos e alianas com os grupos militares e tecnocrticos que ocupavam o Estado. A burguesia perdeu por isso pontos de apoio e massa de manobra para fazer valer seus interesses polticos imediatos. Para caracterizar o modelo poltico instaurado depois de 1964 preciso apontar, entretanto, no s as bases sociais e econmicas de sua sustentao, mas o mecanismo de poder que o torna vivel. Para isso de pouca valia saber se os militares so de classe mdia ou se a burguesia est a margem do mecanismo de decises porque este est nas mos de um grupo funcional, composto por militares e tecnocratas etc.. Bem como constitu um falso problema insistir que os protagonistas do golpe de 64 pertenciam classe mdia e que o aparelho do Estado est controlado por grupos e indivduos da classe mdia. Em que sociedade capitalista no assim? S por exceo os cargos do Estado, mesmo os de cpula, so preenchidos diretamente por empresrios. A questo no est em saber quem ocupa funes no Estado, mas que tipo de polticas podem ser implementadas dentro de um quadro estrutural que reflete a relao de forcas das classes sociais. Esta relao de foras se expressa, no plano mais geral, pelo que hoje se chama de um modelo de desenvolvimento. Entretanto, no h motivos para crer que o modelo de desenvolvimento econmico adorado subordina, de forma imediata, o regime poltico, nem tampouco para acreditar, recproca e simetricamente, que dado um regime poltico seja possvel inferir de suas caractersticas as polticas econmicas que sero postas em prtica. bvio que existe uma relao entre economia e sociedade, mas no menos evidente que houve caminhos polticos variveis para chegar ao desenvolvimento capitalista, e para controlar polticamente sociedades baseadas em economias capitalistas, desde a instaurao do parlamento liberal britnico ou a repblica federativa, burguesa e democrtica americana, at ao centralismo autocrtico bismarkiano, ou, em outra etapa, ao fascismo em distintos pases, passando por mltiplas formas de democracia burguesa, de absolutismo monrquico, de ditadura militar etc. Nem diferente, por outro lado, a histria recente do socialismo e de suas mltiplas vias polticas: as tentativas de democracia plebiscitria unidas autocracia carismtica do modelo chins, os intentos de democratizao do regime burocrtico (quase todos frustrados) em algumas repblicas socialistas, a autocracia burocrtica estalinista, as tentativas atuais de colegiado burocrtico no regime sovitico etc. No obstante, em algumas explicaes do modelo poltico brasileiro existe um resqucio de viso linear nas relaes entre a economia e a poltica, na dupla forma em que essa relao pode ser estabelecida. Por vezes o Estado concebido quase como o comit executivo da burguesia; da a suposio de que uma vez estabelecido por esta um estilo de desenvolvimento dependente e associado, caiba ao Estado definir polticas que supem a passividade econmica do Poder Pblico e que, por isto mesmo, correm o risco de levar o pas a estagnao: ao mesmo tempo, a cumplicidade dos interesses dominantes com o capitalismo internacional, levaria, segundo alguns autores, implementao de formas de controle. poltico cada vez mais autoritrias para manter um estilo de desenvolvimento excludente no que respeita forma de organizao econmica. No polo inverso da linearidade entre economia e poltica, isto , quando se privilegia o plano poltico, existem interpretaes que, tambm mecanicamente, tomam os projetos polticos dos grupos no Poder como condicionante absoluto do processo social, tanto no seu aspecto poltico quanto no seu aspecto econmico. Nas duas vertentes desta modalidade de interpretao a explicao das mudanas ocorridas se faz por intermdio de uma espcie de falcia metodolgica que trata intenes subjetivas como se fossem foras sociais reais. No primeiro caso, diante do peso das estruturas explica-se a mudana fazendo intervir forcas sociais que nao so parte integrante do modelo estrutural proposto. Este caracterizado como se nele no existissem contradies internas capazes de constituir fontes de atrito e focos de mudana. Assim, suposta a continuidade da ao da burguesia industrial, por exemplo, depois que da inaugura um estilo de desenvolvimento, ter-se-ia a homogeneidade de seu comportamento e a conformidade quase automtica dos subsistemas polticos e institucionais aos desgnios dos setores hegemnicos das classes dominante. Para que ocorram mudanas, apela-se interveno de grupos sociais distintos da burguesia, os quais, sem que o modelo proposto diga por qu, passariam a atuar em direo diversa dos interesses dos empresrios. dessa forma que aparecem no horizonte das possibilidades os grupos de classe mdia aos quais se passa a atribuir a capacidade, no prevista na anlise estrutural, de mudar a orientao dos grupos de Poder. por este caminho que algumas anlises polticas de fundamento estruturalista se tomam normativas. Passam a fazer proposies com o intuito de reeducar os dones do Poder para que eles percebam os verdadeiros interesses da Nao. Uma vez percebidos estes, seria possvel, independentemente do que a anlise estrutural sugerira, encaminhar a ao poltica para objetivos diferentes dos que esto sendo cumpridos pelas foras social e economicamente dominantes. Da tambm que se procure, neste estilo de anlise, mostrar que existe uma oposio real entre os interesses particulares dos cidados armados enquanto patriotas e enquanto membros da classe mdia, e os resultados das polticas que sob sua gide esto consolidando os interesses do capitalismo internacionalizado. A 'conscincia desta contradio levaria os detentores do poder a limitar os interesses da base econmica do regime, em benefcio dos interesses da maioria. No segundo caso, quando a interpretao do modelo poltico j parte de uma concepo na qual os projetos de ao poltica pairam indeterminados sobre a sociedade e a economia, no existe diferena entre a anlise e a ideologia proposta para motivar o desenvolvimento poltico: a prpria anlise voluntarista e ideolgica. Vejamos alguns estudos que, a despeito de sua inegvel. contribuio para a anlise do processo poltico brasileiro, padecem, parcialmente, de algumas das limitaes apontadas acima. ECONOMIA E POLTICACelso Furtado, analisando o modelo poltico brasileiro, viu com discernimento que havia uma peculiaridade naquilo que chamou de Estado Militar: o carter burocrtico que essa forma de dominao assumia no Brasil. Entretanto, pressupunha em sua anlise inicial que o Estado Militar buscaria a estabilizao social e que a preservao do status quo pagaria o preco de um desenvolvimento mais ou menos lento. O modelo econmico adequado a este projeto seria o da diminuo do ritmo de investimento urbano-industrial em benefcio da produo agrria. Com este tipo de expanso horizontal da economia seria possvel absorver mo-de-obra sem alterar as funes de produo, isto , sem recurso a tecnologa moderna, e seria possvel ipso jacto, conter as presses sociais. Furtado tomava em considerao uma tendncia ideolgica existente: depois do golpe de 64 o liberalismo tradicional - ao qual se costuma atribuir o carter de ideologa do setor agrario e da classe mdia tradicional - parece ter aspirado a este tipo de poltica econmica. Entretanto, ainda segundo Celso Furtado, no s o controle burocrtico do Estado exercido pelo exrcito seria pouco apto para atender s presses de uma sociedade que j atingira um estgio avanado de diferenciao social e de mobilidade entre as classes, como, por esta razo, as classes mdias - ator privilegiado da cena poltica - desenvolveriam trs tipos possveis de reao:a) luta pela retornada da democracia formal; b) tentativas, a partir principalmente da juventude, de mobilizao das massas especialmente as rurais, para contraporse ao Estado Militar; c) Infiltrao do estamento militar por ideologias favorveis ao desenvolvimento autenticamente nacional, ideologias estas que tambm encontram base em setores de classe mdia. A alternativa de restabelecer um desenvolvimento autenticamente nacional foi elaborada no livro Um projeto para o Brasil, sem, entretanto, ganhar apoio entre os setores mais prximos do Estado. A expectativa de um modelo de pastorizao parece estar baseada implicitamente no estilo de raciocnio linear a que aludi acima: o Estado Militar executa uma poltica em funo da base social sobre que assenta. No caso brasileiro, Furtado considera implicitamente que esta base oligrquica, por um lado, dependente, por outro, pois os setores da burguesia que prevaleceram com o golpe de 64 so favorveis a um padro de desenvolvimento associado ao capitalismo internacional e a ela subordinado. Por isso, a estabilidade social valorizada e encontra na ruralizaco seu ponto de equilbrio. Assim, entre as presses do setor latifundirio, do capitalismo internacional, dos empresrios locais etc., o Estado Militar escolhe a Iinha de menor resistncia, aquela capaz de favorecer ao mesmo tempo as presses destes setores e a dinmica estamental militar que necessita preservar a ordem e, dentro dela, a posio hegemnica das foras armadas. Furtado viu com realismo as limitaes deste tipo de prognstco pois percebeu que o grau de diferenciao econmica e social do pas daria maor probabilidade de xito a modelos mais dinmicos economicamente e mais flexveis polticamente. Passou a cogitar, ento, das chances da via de desenvolvimento autnomo e menos excludente polticamente. Da a formulao do seu projeto de desenvolvimento baseado, outra vez, na capacidade que teria o Estado para, sob o impulso da classe mdia, con ter os excessos do capitalismo internacional e apoiar a via nacional de desenvolvimento. Volta-va-se assim a um modelo anterior de desenvolvimento - o nacionalista - com algumas modificaes polticas: a nova correlao de foras havia quebrado o outro termo da aliana antiga, o populsmo. A poltica proposta seria dessa forma, nacionalista e racional, porm no mais populista. Sendo racional (tecnocrtica) buscaria algum esquema de redistribuio de renda que fortaleces se e arnpliasse o consumo, sem acarretar prejuzos para a acumulao. O projeto parece ter-se dissipado no horizonte das possibilidades pela falta de combatentes: setores da classe mdia inseridos no Estado e os empresrios nacionais trilharam outros caminhos, como logo veremos, deixando a margem este tipo de poltica. Este modelo continha mais uma proposio para a ao do que uma anlise da situaco (embora, como indiquei, estivesse baseado numa caracterizao da estrutura social e econmica ). Sua ineficcia poltica indica talvez o anacronismo da verso da ideologia nacional-desenvolvimentista baseada na suposio da existncia de uma classe mdia politicamente capaz de sustent-la. Nem por isso a anlse de Furtado deixa de apontar para uma temtica que, noutro contexto, continua presente. Que significa entretanto o nacionalismo na presente si tuao brasileira? Antes de tentar responder a essa indagao, convm apresentar as idias de outro analista poltico que tem uma contribuio importante neste campo e que, como Furtado, explorouas possibildades da via autenticarnente nacional do desenvolvimento. Refiro-me a Hlio Jaguaribe. Para este autor existem tres alternativas polticas fundamentais para permitir um processo de desenvolvimento em condies timas e cada uma delas ser aplicvel operacionalmente segundo as condies especficas de cada pas. a) o nacional capitalismo, que supe uma alianca entre setores progressistas da burguesia nacional, da classe mdia e do proletariado, sob a Iiderana neobismarckista do chefe do governo, para a formao de um partido nacional do desenvolvimento; b) o capitalismo de Estado, que se efetiva no governo por intermdio de um golpe que d o controle do poder a setores progressistas das classes armadas e da tecnocracia, os quais formam uma espcie de partido da revoluco nacional, utilizando como base para isso, o prprio aparelho do Estado; c) o socialismo desenvolvimentista, que supe a conquista do poder por uma elite revolucionria que mobilizar as massas e utilizar formas socialistas de gesto e acumulao. Programaticamente, parece que Jaguaribe postulava para o Brasil de antes de 64, em face das condies sociais e polticas ai prevalecentes, o modelo de desenvolvimento nacional capitalista. Depois desta data, parece haver-se inclinado para o modelo de capitalismo de Estado, em raza o das modificaes havidas. Entretanto, na prtica, o modelo poltico que Jaguaribe v fortalecer-se o do colonial-fascismo. Como Jaguaribe est mais interessado em tomar invivel esta tendencia do que em fazer sua exegese, no elaborou analiticamente as probabilidades e requerimentos a ela associados. Ainda assim descreveu algumas de suas caractersticas no caso brasileiro. Entre elas, assinala que o colonial-Fascismo requer: a) o fortalecimento do Estado, nao mais para garantir maiores condies de interferncia na vida econmica, mas para preservar a estabilidade por intermdio da utilizao da mxima capacidade de coero; b) estreita integrao poltica e econmica do Brasil no sistema ocdental, tal como os Estados Unidos o esto estruturando (satelitizao); c) restabelecimento, sob superviso estatal, do livre rnecanismo de mercado, para assegurar s empresas privadas a controle e a direo integrais da economia. Com um modelo deste tipo ter-se-ia o desenvolvimento econmico sem modificao da ordem social, assim como teria ocorrido com o fascismo na Itlia e na Alemanha. Entretanto, dada a situao de dependncia da economia brasileira, a burguesia local, diferentemente da alem ou da italiana, no teria condies para imprimir o dinamismo requerido pela economa, nem haveria uma relao entre o empresariado e um partido de classe mdia para assegurar o modelo tpicamente fascista. Da o designativo de colonial para esta modalidade de fascismo. No governo Castelo Branco, especialmente em funo de sua poltica econmica e da concentrao do poder coercitivo do Estado, Jaguaribe via tendncias acentuadas na direo da instaurao de um modelo colonial-fascista. As condies bsicas de seu funcionamento estavam sendo expressamente preparadas pela poltica do governo. Entretanto, Jaguaribe no pensa que o modelo colonial fascista possa prevalecer no Brasil. Primeiro porque o modelo fascista colonial, aps alguns anos, agravara de tal modo o desequilbrio entre a crescimento da populao e a criao de novos empregos, em todos os nveis de ocupao, que a nova classe dominante cedo seria abrigada a adotar uma espcia de poltica de apartheid para impedir os camponeses de emigrar para as cidades e l formar explosivas rnassas marginas. Em segundo lugar porque a economa dominante precisa de matrias-primas da economia dependente e nao pode dar a esta, em troca, qualquer assistncia ou provocar qualquer efeito dinmico de crescimento se a economa dependente, alm do seu setor de exportao, no se desenvolve com um mercado domstico, uma economia autoconcentrada. O modelo colonial fascista, entretanto, visa precisamente a impedir as mudanas sociais que seriam exigidas para o desenvolvmento de uma economia autnoma e endgena. Como concluso, Jaguaribe no acredita que o regime militar brasileiro tenha probabilidade de manter-se enquanto prevalecer a orientao colonial fascista que o incapacita para resolver os impasses estruturais referidos acima. Assim, como a longo prazo o regime militar incompatvel com a complexidade do setor urbano-industrial, uma vez diludos os temores que levaram a burguesia e a classe mdia a aceitar a poltica colonial fascista, haver provavelmente alteraes polticas e socio-econmicas. Neste caso, duas podem ser as alteraes: ou bem os militares restituem o poder as foras sociais marginalizadas polticamente e aos partidos polticos, embora alguns militares a eles se afiliern, ou ento devero modificar de maneira essencial o significado do regime. Inicialmente, em 1967, Jaguaribe acreditava que a primeira hiptese teria mais chanceo Atualmente parece inclinar-se para a segunda alternativa como a mais provvel.

Examinemos mais detidamente os dois esquemas propostos at aqui. Ambos supem que o modelo de desenvolvimento econmico que est sendo implementado pouco dinmico. o que se pode inferir da tendncia pastorizao e estagnao referidas por Celso Furtado e s qualidades que Jaguaribe atribu ao lado colonial do modelo fascista brasileiro, pois para ele as relaes atualmente existentes entre colnia e metrpole seguem o padro de uma economia exportadora de matrias-prirnas, sendo vistas, portanto, como impeditivas para o desen-volvimento. Essa avaliaco da falta de dinamismo econmico permite deduzir duas conseqncias. Prirneiro, que os fiadores do regme, os militares, adotam uma poltica de estabilizaco social que pressupe a estagnaco econmica. A correspondencia entre a base social do regime - a oligarquia agrria - e sua poltica econmica levaria a isso, sendo os militares o instrumento desse jiat, independentemente da sua poltica prpria de grupo. Segundo, que a alternativa para resolver o impasse a volta a um padrio de desenvolvimento autenticamente nacional, posta que a falta de dinamismo do sistema deriva de seu carter dependente. Como a burguesia brasileira, ou seus setores hegemnicos, mostraram-se mais inclinados a um tipo de desenvolvimento associado-dependente, a base social para o projeto de desenvolvimento autnomo teria de ser buscada em outras foras sociais. Dentre estas a classe mdia o ator estratgico e nela, alguns grupos funcionais, como setores das prprias foras armadas ou a tecnocracia pblica, pareceriam ser decisivos. Nas condes brasileiras seriam estes os atores adequados para levar adiante um processo de desenvolvimento autenticamente nacional. Neste passo, pergunto: um esquema deste tipo est assentado na anlise de tendncias efetivamente existentes, ou se inspira (ao mesmo tempo, ou principalmente) num modelo normativo? Com efeito, a anlise mostrara outra tendncia como de resto os prprios autores citados acima reconhecem: o padro de desenvolvimento dependente-associado no desprovido de dinamismo, no est baseado na ruralizao com prejuzo da industrializao, nem leva intensificao de uma simples relao entre pases exportadores de matrias-primas e importadores de produtos manufaturados. Ao contrrio, a caracterstica da relao de dependncia que est sendo implantada em pases como o Brasil, a Argentina ou o Mxico o de que ela se baseia numa nova dioiso internacional do trabalho, pela qual parte do sistema industrial dos pases hegemnicos transferida, sob controle das corporaes internacionais, para as economias perifricas que lograram alcanar previamente certo avano no desenvolvimento industrial. Em outros trabalhos tenho me referido a este processo como sendo de internacionalizao do mercado, em contraposio a etapa anterior de uma industrializao substitutiva de importaes controlada em parte pela burguesia nacional e pelo Estado. Est claro que tanto Celso Furtado como Jaguaribe tm presente este processo e o analisam. No tirararn, todavia, todas as conseqncias desse padro de desenvolvimento quando definiram os atores privilegiados pela cena poltica e as polticas alternativas que estes poderiam implementar. De fato, o modelo de desenvolvimento dependente que est sendo posto em prtica permite dinamismo, crescimento econmico e mesmo mobilidade social, pelo menos no setor urbano-industrial da sociedade. certo que ele provoca atrito entre as classes, provavelmente marginalizador e seus efeitos no impedem as desigualdades: concentra rendas e aumenta a misria relativa. Tudo isto leva gua a crtica do sistema. Mas esta crtica ser especfica a este sistema particular, que tem uma expresso poltica burocrtico-repressiva, como adiante se ver, ou a forma capitalista de acurnulao e desenvolvmento? Por certo, haveria outras vas, capitalistas, para o desenvolvimento (e neste sentido que se fundamentam as polticas propostas pelos autores a que fizernos referncia). Elas provocariam, em graus distintos, e atingindo a grupos sociais diversos, efeitos conflitivos. Tecnicamente seria possvel imaginar vas mais igualitrias para o desenvolvimento e qui menos marginalizadoras. Mas politicamente, nas condies atuais, que foras sociais implementariam o modelo alternativo? A anlise dos autores aqui indicados mostra que suas esperans, para implantar um modelo de desenvolvimento autenticamente nacional, deslocaram-se da burguesia para a classe mdia, e em especial para a ao dos militares. Como se implementaria um modelo capitalista sem os capitalistas, ou tendo-os a reboque de forcas nacionalistas que sabem, de antemo, que no podem contar com a burguesia? Pela via de uma revoluo da classe mdia? Essas reflexes nao visarn a responder mecanicamente as dvidas que o processo histrico coloca para a intelectualidade brasileira. No penso que 1964 estivesse inscrito inexoravelmente na lgica econmica da histria. Antes penso que o processo poltico joga um papel ativo na defnio do curso dos acontecimentos. Ou seja: se certo que a inflao, o acerbamento da luta de classes, a dificuldade de manter o ritmo de expanso capitalista nas condies socio-econmicas prevalecentes durante o governo Goulart radicalizaram as foras polticas e moveram as bases institucionais do regime, o movimento insurrecional foi uma das sadas possveis e no a nica, como se interpretaria a partir de uma viso economicista da histria. Entretanto, depois que, politicamente, as alianas de classe se deslocaram para implementar um dado modelo de desenvolvimento, as alternativas para ele tm que ser buscadas ao nvel das foras sociais existentes, as que defendem e as que real ou potencialmente negam o status quo.

Neste sentido, e deixando de lado perguntas demasiadamente gerais, parece claro que, a partir da situao poltica criada em 1964, as presses dos grupos de classe mdia acima referidos, antes de se dirigirem para a implantao de um capitalismo sem capitalistas, tm ido noutro sentido. Suas questes prticas endeream-se a saber se possvel um desenvolvimento-associado, baseado no dinamismo da empresa privada, tanto estrangeira como nacional, que divida reas de atuao com o Estado e permita a insero dos setores mais qualificados da classe mdia no sistema de decises. evidente que no foi este o ponto de partida de 1964. O projeto do governo Castelo Branco era, com reservas, poltica e economicamente liberal, dentro das condies em que o liberalismo opera nos pases subdesenvolvidos: executivo forte, representao pardria expurgada (para evitar riscos de presses esquerda), economia de mercado com forte regulamentao estatal, fortalecimento da empresa privada, abertura da economia nacional ao capitalismo internacional. No estava previsto no modelo nem a modernizao burocrtica do Estado, nem o crescimento acentuado que teve o setor pblico da economia. Antes, esperava-se um aporte macio de capitais estrangeiros, que no ocorreu durante o governo Castelo Branco, e polticamente havia apego tanto as formas democrticas restauradas, isto , sem populismo (a famosa questo do respeitoao Calendrio Eleitoral, ainda que com riscos limitados para o regime exemplifica isto), como se previa menor peso corporativo do exrcito nas decises polticas, em benefcio dos partidos, e portanto dos setores da burguesia que a eles estavarn acoplados. No foi um modelo deste tipo, entretanto, que as Foras Armadas implementaram: assumiram, como objetivo poltico, certo, o reforamento do executivo, previsto pelo projeto poltico governamental, mas puseram-no sob seu controle direto, modificando, por exemplo, o modo de funcionamento da Casa Militar e da Casa Civil da Presidncia da Repblica, aumentando o controle do Conselho de Seguranca Nacional e, dentro dele, da Secretaria Geral, criando o Servio Nacional de Informaces, estabelecendo seto res de Seguranca Nacional nos Ministrios e autarquias, em suma, ligando mais e mais os rgos de planejamento e controle do executivo aos das forcas armadas e especialmente ao Estado-Maior. Passaram tambm a sustentar polticas com objetivo de controlar certas reas econmicas e de manter o crescimento econmico. Com isto tornaram possvel que a dinamizao do modelo de desenvolvimento industrial-de-pendente, definindo como suas - porque justificadas pela poltica de seguranca nacional - as metas de intensificar a centralizao administrativa e de paralisar o protesto social, ajudaram a tornar o aparelho estatal mais eficaz administrativamente e, ao mesmo tempo, mais repressor. O desmantelamento das organizaes de classe dos assalariados e a tranqilidade poltica obtidas com a represso facilitaram, naturalmente, a retomada do desenvolvimento, isto , a acumulao capitalista em escala ampliada. Estabilidade social com dinamismo econmico seria a expresso para resumir o estilo de poltica adotada. Ainda assim preciso qualificar melhor o que se entende, neste contexto, por estabilidade: trata-se da manuteno de um padro de organizao social (a sociedade de classes) dentro do quaI, entretanto, a mobilidade no somente possvel como ideologicamente estimulada, a condio de que no exista um processo poltico de mobilizao que ponha em risco o sistema. Trata-se, pois, de um conservantismo moderno, que, no plano ideolgico, quer manter socialmente aberta uma sociedade politicamente fechada que se baseia no dinamismo da empresa capitalista, pblica ou privada. isto que explica, possivelmente, a relao entre os atores polticos principais (os militares e em grau de subordinao a burocracia tecnocrtica), investidos de tanto poder para implementar, no fundo, uma poltica econmica que atende aos interesses da burguesia internacionalizada deixando-a simultaneamente margem do sistema poltico formal. Explica, ao mesmo tempo, a apatia complacente das classes mdias urbanas, para no mencionar a quase euforia adesista dos setores desta que vem uma chance de incorporar-se, pela empresa privada, pela empresa pblica ou por intermdio do prprio Estado, no carro desenvolvimentista. Houve uma base de acordo possvel entre o Estado e a burguesia. Esta abriu mo momentaneamente de parte dos controles polticos tradidonais (o sistema de partidos, as eleies etc.) e dos instrumentos de definio de smbolos e de difuso ideolgica (a liberdade de imprensa, o habeas-cor-pus, o pluralsmo doutrinrio, a educao liberal) que passaram a responder mais diretamenre as presses do Estado e ao controle militar. Alm disso, a sociedade civil cedeu terreno ao Estado na regulamentao da vida econmica, Por outro lado, os militares assumiram implcitamente os interesses econmicos do empresariado como se eles fossem os da Nao e definiram reas, de maior ou menor influncia, que passaram a ser preferenciais para a ao da empresa privada. O dinamismo econmico do sistema assim estruturado abriu perspectivas favorveis para a absoro dos grupos e camadas mais modernos das classes mdias, que, por seus interesses ou propsitos, estivesem ligados a burguesa. No fosse assim, de fato o Estado seria, sem rebuos, o comit executivo da burguesia (neste caso, do capitalismo internacional) e os militares, o braco armado da oligarquia. Se isso fosse verdade tornaria simples as anlises polticas e transformaria o processo social num continuo no contraditrio, ou pelo menos, no qual as contradies existentes reduzir-se-iam apenas quela que inclui, de um lado, as classes dominantes, alinhadas harmoncamente sob a gide do Estado, e, de outro, as classes dominadas, excludas do Estado e quase expulsas da sociedade civil. Entretanto, o que permitiu a estabilidade relativa na alianca entre militares, burguesia e classes mdias foi a formulao de um modelo de desenvolvimento e um regime poltico que, sem eliminar as contradies entre estas diversas faces que, claro est, no eram antagcas, tornou-as compatveis em face de inimigos maiores, estes sim, antagnicos, representados pela ameaa de uma poltica favorvel s classes populares. At que ponto se justifica, nestas condies, falar em processo revolucionario ou em conseqncias revolucionrias do golpe de 64? No seria mais aplicvel a expresso contra-revoluo vitoriosa? No simples a resposta, quando no se trata de pura questo semntica. Efetivamente, o movimento de 64, em si mesmo e nos seus desdobramentos, buscou e conseguiu consolidar a ordem social por intermdio da represso. Neste sentido teve conseqncias claramente reacionrias. Ter sido integralmente contra-revolucionrio? Alguns dos seus protagonistas crem que sim, na medida em que consideram o regime anterior como tendo conotaes revolucionrias. De fato, havia, especialmente entre 1963 e marco de 1964, uma conjuntura que poderia ser qualificada como de pr-revolucionria: o Estado se decompunha parcialmente e a mobilizao social e poltica talvez superasse os mecanismos de integrao de que a ordem poltica dispunha. Dificilmente, entretanto, essa conjuntura poderia ter resultado numa revoluo pela falta dos instrumentos adequados para isso: metas claras, uma poltica no oportunista por parte dos grupos de esquerda que predominavam na situao, em suma, organizaces capazes de aproveitar para seus objetivos a decomposio do Estado. E, principalmente, a alianca populista,. para vincular as massas, os grupos de classe mdia e a burguesia, baseava-se em setores do prprio Estado que se ligavam, pela teia de relaes polticas que mantnham e pelos interesses que sustentavam, a uma base econmica nao s intrinsecamente no-revolucionria, posto que proprietria, como atrasada. Tinha como um de seus suportes estruturais, alm disso, a no incorporao poltica e a superexplorao econmica da populao rural, processo que permitia a sustentao do regime por intermdio de aliancas com os partidos conservadores clientelsticos, como o P.S.D. O golpe de 64 deslocou o setor nacional-burgus e o grupo estatista-desenvolvimentista da posio hegemnica que mantinham, em proveito do setor mais internacionalizado da burguesia, mais dinmico e mais moderno, porque parte integrante do sistema produtivo do capitalismo internacional. A poltica econmica e tanto quanto ela, a reforma da administrao e do aparelho do Estado potenciaram as foras produtivas do capitalismo contemporneo. A economia integrou-se mais profundamente ao sistema capitalista internacional de produo, ou seja, a relao entre os centros hegemnicos e a economia dependente passou a dar-se dentro do contexto atual da economia capitalista mundial que nao exclui a possibilidade do desenvolvimento industrial e financeiro nas economas perifricas. A acumulao urbano-industrial - que vinha crescendo desde o perodo de Kubitschek - passou a preponderar no desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Por certo, a explorao de matrias-primas ou de produtos agrcolas continua desempenhando um papel economicamente importante, Mesmo neste caso, entretanto, ocorrem modificaes: passam a articular-se formas de explorao associada entre os monoplios internacionais e as empresas locais. Neste esquema de associaco no esto excludas as empresas pblicas, como exemplificam os consorcios minera dores de ferro e mangans. De igual modo, persistem outras caractersticas de subordinao, como o endividamento externo e a dependencia tecnolgica, alm de intensificar-se o controle do setor industrial privado por empresas estrangeiras. No obstante, o papel do mercado interno ser importante para as prprias empresas estrangeiras. Por outro lado, a poltica de exportaes visando diversificar a pauta de intercmbio, diminuiu o peso relativo dos produtos primrios tradicionais (produzidos quase exclusivamente por empresrios locais) em benefcio da produo industrial ou de minrios semi-industrializados, que expressam o nava tipo de associao.

Quanto s empresas pblicas, passaram a funcionar erescenternente no novo modelo como S/A (corporations), nos mesmos moldes, com amesma liberdade - por fim com os mesmos resultados - das empresas privadas. O papel da PETROBRS na constituio da indstria petroqumica indicativo deste processo: funciona em associao com empresas in ternacionais e locais atuando como empresa lder no consorcio. Com isso diminuiu a oposio entre empresas pblicas e privadas e deu-se, politicamente, a alianca entre grupos funcionais, de classe mdia - os militares, a tecnocracia, os burocratas - ainda que de tendncias nacionalistas, e os grupos que representarn ou constituem a burguesia internacional e a burguesia nacional-internacionalizada. Que sentido tem, diante deste quadro, reviver o ideal da Nao baseado no pressuposto econmico de um setor empresarial local ativo e de um Estado a ele ligado, que faca uma ponte com a massa popular? No tero rudo as bases econmicas (a empresa estatal autnoma e a empresa privada nacional independente ) de tal projeto? No ser um anacronismo continuar pensando a Empresa Pblica como germe daquele modelo? Como podero atuar os referidos setores nacionalistas da classe mdia? Se no quiserem limitar-se a sustentar uma ideologia que no aponta caminhos prticos para sua implementao, eles sero obrigados a redefinir radicalmente o contedo do nacionalismo, ao ponto de no ser possvel compreender a luz do vacabulrio poltico anterior a 1964 o que se entende hoje por nacionalismo. neste sentido limitado de uma revoluo econmica burguesa que se pode pensar nas conseqncias revolucionrias do movimento politicamente reacionrio de 1964. Ele ps a burguesa nacional em compasso com o desenvolvimento do capitalismo internacional e subordinou a economia nacional a formas mais modernas de dominao econmica. Neste sentido modernizou a mquina estatal e lanou as bases para a implementao de um setor pblico da economia, que passou a integrar-se no contexto do capitalismo internacional. Por certo, os que acreditam que a burguesa nacional dos pases dependentes pode realizar uma revoluo burguesa nos mesmos moldes da revoluo francesa ou da revoluo americana mostraro os entraves estruturais que permanecem e que limitam o alcance das transformaes econmicas havidas no Brasil. Eu no penso, entretanto, que a burguesia local, fruto de um capitalismo dependen te, possa realizar uma revoluo econmica no sentido forte do conceito. A sua revoluo consiste em integrar-se no capitalismo internacional como associada e dependente. Lutando, naturalmente, para obter o mximo de proveito possvel. Mas limitada por um processo objetivo:a acumulao capitalista nas economias dependentes no se completa. Ou seja, a carncia de tecnologia prpria - tal como este processo percebido vulgarmente - e a utilzao de uma tecnologia importada (capital intensive, com todas as suas conseqncias disso) indicam apenas que o capitalismo dependente capenga: no desenvolveu um setor avanado de produo de bens de capital. A acumulao, expanso e realizao do capital do setor produtivo local requer seu complemento dinmico e dele depende: a insero no capitalismo internacional. Este desenvolve efetivamente o setor de produo de bens de produo que permite a expanso do setor de produo de bens de consumo (ainda que durveis ) dos pases dependentes. Foi essa revoluo limitada de uma economia capitalista dependen te que o golpe de 64 veio a facilitar, na medida em que reprimiu as classes trabalhadoras, conteve os salrios, ampliou os canais de acumulao e, ao mesmo tempo, ps de lado - mesmo que o processo no seja definitivo - os empecilhos ideolgicos e organizacionais que dificultavam a definio de polticas de associao entre o Estado, as empresas nacionais e os trustes internacionais.

REVOLUCO E INSTITUCIONALIZAO: AS QUESTES POLTICAS

A existncia de uma base econmica para um novo acordo poltico entre as classes no elimina, contudo, o atrito poltico entre os grupos no poder, nem muito menos a existcia de forcas de oposio. Ainda uma vez, entretanto, as anlises polticas mais ambiciosas do regime vigente no Brasil pecaram por uma viso linear dos acontecimentos. Quando no, os modelos polticos construdos parecem estar to rentes aos acontecimentos que se desmancham com a mesma rapidez com que os ziguezagues da poltica vo destruindo os projetos que os grupos de poder elaboram. Estes ziguezagues, no obstante, do margem a formao de estruturas de poder que, se no foram previstas nem desejadas pelos atores polticos, alguma relao devem guardar com as foras polticas existentes. Sendo assim, mais do que perguntar quais foram as estratgias e os projetos dos governos, necessrio identificar as foras polticas existentes, delimitar o marco em que operam e avaliar o resultado de sua atuao. Antes de tentar indicar estas tendncias, farei, como na seo anterior, um sumrio crtico das interpretaces contidas em artigos de Candido Mendes de Almeida e Roberto Campos, autores ruja contribuio sobressai na anlise poltica recente. Candido Mendes, sendo possivelmente quem mais elaborou o problema dos modelos de desenvolvimento poltico vigente no Brasil, viu-se na contingncia de quase refazer seu esquema explicativo a cada mudana de governo, talvez por ter tentado captar atravs de interpreraes ad hoc a variedade das manifestaes polticas do regime. Assim, sob o governo de Castelo Branco, Candido Mendes viu o nascimento de um modelo paradigmtico de elite de poder. Esta elite, formada pela Escola Superior de Guerra (que prepara tanto militares como civis), era homognea, cnscia de sua responsabilidade histrica, e dispunha de uma ideologia poltica eficaz, baseada na Doutrina de Segurana Nacional. Elaborou e comecou a implementar um projeto de desenvolvimento nacional que, nas condies de um regime autocrtico mas modernizante, implicava em reformas sociais e econmicas consistentes. O modelo de elite de poder, na verso castelista, teria sido capaz, anda, de evitar o desbordamento de poder pessoal, na medida em que o presidente preservou a margem mxima de poder coercitivo, mas utilizou-se antes como um fator de ameaca potencial do que de ao afetiva. Com isso foi possvel evitar a formalizaco de uma ditadura. Entre as caractersticas do regime de elite de poder no governo Castelo Branco, segundo Candido Mendes, precIso destac.ar tanto sua negativa a aplicao do compromisso poltico pela incorporao de novos grupos na aliana de poder, com o propsito de evitar que se desfigurasse o carter exemplar do crculo restrito dos que tinham acesso ao mando, como a recusa da busca de uma legitimao consensual, que poderia ser tentada pela utilizao de smbolos dotados de forte poder mobilizador. Dessa forma, o governo Castelo Branco ter sido uma variante do regime de elite de poder que pretendeu instituir um governo democrtico e tecnicamente reformado atravs de uma estratgia de implantao de reformas econmicas e polticas. Para isto a elite militar se aliou a elite tecnocrtica, o que, no dizer de Cndido Mendes, perrnitiu ao castelismo situar o grupo dirigente (...) a margem de qualquer determinao objetiva, de cIasse ou outro denominador social para seu acesso ao nvel de deciso nacional. Em trabalho anterior Candido Mendes havia caracterizado talvez mais realistic.amente o governo Castelo Branco, chamando ateno para o fato de que, alm da existncia dessa elite de poder tecnocrtica-militar, o regime tnha como uma de suas caractersticas a de que o exrcito, principalmente depois da candidatura Costa e Silva, passara a atuar ostensivamente nas decises nacionais e que, por outra parte, o modelo poltico poderia ser caracterizado como uma tecnocracia na forma de um novo Estado Autoritrio, que Iorneceria as condies institudonais para a realizao do planejamento econmico do pas, estabelecido em bases de um centralismo extremo. O modelo de elite de poder sofreu percalcos com a subida do governo Costa e Silva. Candido Mendes reinterpretou-o. Por certo,a eleio de Costa e Silva estava inscrita como inevitvel, na lgica do sistema estabelecido no pas e legitimava a dinmica natural do regime, na medida em que a candidatura Costa e Silva se identificava com a conquista e a consolidao do estr.ato militar da vida nacional como um estamento restaurado e fortalecido, disposto a assumir uma funo competitiva e polar no exerccio das competncias de poder em que se constituiu oatual Estado brasileiro. Isto porque independendo de colocao programtica e assumindo mesmo, do ponto de vista tcnico, o feitio populista pela representatividade rigorosamente objetiva de um estrato dado da vida nacional, isto , o Exrcito, esta candidatura no ter dificuldade alguma em se colocar, formalmente, na seqncia anterior, neste elemento formal. abrangendo, inclusive, o compromisso com a continuao dos modelos econmicos do governo Castelo Branco. Apesar das bvias dificuldades para conciliar o governo Costa e Silva com as caractersticas do modelo elite de poder evidenciadas pelas ambigidades dos textos citados - o autor insiste em que o controle da poltica pelo exrcito, atuando como um grupo de status (estamento), garantiria as qualidades necessrias para manter inclume a tipologia. Mesmo parrindo de um modelo de elite de poder, o governo Costa e Silva teria condies, segundo Candido Mendes, para permitir a transico para uma chefia bonapartista. De dentro da dominao estamental militar surgiria um caudilho. Esta transformao suporia, naturalmente, uma poltica de redistribuio de renda e uma ampliao do pacto do poder (entrevista pela presena ativa, na poca, da Frente Ampla). E ela teria como condio o cuidado de evitar a volta a um estilo de intervenco tutelar dos militares na poltica, tal como a tendncia dutrista podera inspirar. Ao contrrio, a saida bonapartista teria de implicar um maior comprometimento das foras armadas, que, aproveitando-se da nclinao managerial de setores militares (por exemplo, a atuao do General Albuquerque Lima a frente do Ministrio do Interior) bem poderia pr em prtica um estilo poltico nasserista. Ao que parece, deparamos outra vez com um tipo de anlise que vai do modelo a racionalizao de situaes ocorridas e se aproxima de uma viso normativa. Nesta, o nacionalismo militar ressurge como alternativa para o modelo de desenvolvmento adotado. Entretanto, o autor chamara expressamente a ateno para o carter privativista da poltica econmica que estava sendo posta em prtica- (talvez mesmo exagerando a tendncia antiestatista do governo Castelo Branco), assim como mostrara as condies de vcuo de poder que levaram a emergncia dos regimes militares. Em que fors sociais, pois, estaria apoiada essa tendncia nacionalista? O engano na caracterizao do processo poltico se deveu, neste caso, a que foram tomados muito a srio os projetos e a ideologia dos atores polticos e, ao contrrio do que ocorre com os autores analisados na seo anterior deste artigo, que exageram o condicionamento estrutural, chegou-se a pensar que os governos de elite de poder funcionam num vazio social, no qual a tecnocracia, o poder presidencial e os grupos c,astrenses chegados a elite de mando, operam tecnicamente. Os analistas mencionados na seco anterior atribuam um peso exagerado as bases socio-econmicas da poltica (avaliando-as, as vezes equivocadamente). Na interpretao de Candido Mendes, ao contrrio, os atores polticos so personagens de um enredo que quase puramente ideolgico e obedecem a uma lgica poltica alheia a base social e econmica.O problema inicial na anlise do governo paradigmtico de Castelo Branco no deveria ser o da coerncia tpico-ideal do seu projeto poltico, mas o de perguntar-se por que, na verdade, tal projeto no pde implantar-se inteiramente. de todos sabido que o Ato n. 2 (outubro de 1965) seguiu-se as eleies estaduais, nas quais o governo saiu parcialmente derrotado. Houve um condicionante externo ao ncleo de poder que levou ao Ato n. 2. A tropa, contrria ao cumprimento do ealendrio eleitoral, imps um ucase ao presidente. Este capituIou e ampliou o pacto de poder. Ampliou-o tanto que teve que aceitar a imposio militar da candidatura Costa e Silva. Por qu? Por que o sistema castelista se aferrava as eleies, a legalidade? Que forcas impeliam-no a isso, e quais se reveIararn contra essas diretivas? A partir de questes deste tipo, simples e diretas, talvez Iosse possvel recuperar o nervo da poltica, isto , o conflito. Ao contrrio da viso racionalizadora que v no processo poltico a realizao do projeto de uma elite, um enfoque objetivo veria, antes, oposies entre grupos dentro do sistema de poder e entre estes e os que esto fora dele, tentando impor suas diferentes normas. Retenhamos, por agora, apenas uma contradio interna e outra externa ao sistema de poder: no governo CasteIo Branco a tendncia poltica inspirada pelo prprio chefe de Estado e apoiada em setores ponderveis dos partidos, se propunha a institucionalizao da Revoluo. Isto , buscava alguma forma de legitimidade que terminaria por estar consagrada num Estado de Direito. Dentro do Exrcito, entretanto, havia grupos - a linha dura - que queriam radicalizar mais o processo, ou seja, levar mais longe a Iuta anticomunista e anticorrupo, para o que se fazia necessrio o controle militar estrito do sistema de decises. Estes grupos tinham, possiveImente, duas vertentes, uma nacionalista e outra moralista, que podiam coincidir ou no nas mes mas pessoas. Ambas correntes eram anticomunistas. Colocavam-se, em conjunto, a direita do governo e desencadeavam aes suficientemente vigorosas para, em circunstncias de crise, por em xeque o governo. Fora do ncleo de poder, atuava a oposio. No fim do mandato de Castelo Branco, essa se cornpunha, alm do MDB, recm-criado (que funcionava no jogo de partidos como oposio), dos remanescentes do antigo regime. Com a eleio de Costa e Silva, manifesta-se mais claramente a tendencia apontada anteriormente: o exrcito comeava a atuar corporativamente e a ocupar um Estado que fora modernizado pela administrao anterior. O regime, sob Costa e Silva, vai abrir-se para segmentos da outrora desafiante burguesia nacional, atravs do prestgio que cerros setores nacionalistas (responsveis em parte pelo movmento do qual resultou a candidatura Costa e Silva) lograram obter no governo. O significativo do perodo, entretanto, no ser o paternalismo do marechal-presidente ou seus impulsos populistas. A poltica econmica continuar sendo, apesar da declarao oficial em contrrio, de arrecho salarial; no ser significativo tambm o to ambicioso nasserismo, pois o representante dessa corrente, o Ministro do Interior, perder a posio num confronto sobre a poltica econmica claro e direto com o Ministro da Fazenda. Este representava a tendncia oposta, de desenvolvimento pelo fortalecimento da empresa (nacional, estrangeira e pblica, associadas ). Antes, o que chama a ateno que novamente o presidente desencadear uma estratgia de abertura democrtica. Tratar de reativar o jogo partdrio, ampliar as liberdades polticas, far apeles a unio nacional. Quando cresce a oposio (passeatas dos cem mil, primeiros atos guerrilheiros, oposio franca do MDB ao regime, Frente Ampla etc.); novamente, uma oposico interna pe em xeque o governo. Essa oposio partia da jovern oicialidade, dos setores nacionalistas do exrcito e dos ultra. Como conseqncia edita-se o ATO 5, que praticamente transforma o presidente num ditador, sob fianca das Foras Armadas, por presso de grupos de fora e de dentro do governo. Era o Exrcito, como instituio, que assumiaas presses dos ultra. A cena repete-se, ainda sob o governo Costa e Silva - sem as manifestaes pblicas e populares de oposio - com as tentativas de reconstitucionalizao, que partem de setores da cpula palaciana (supe-se que apoiados pela classe poltica, pelos rernanescentes dos partidos). A reconstitucionalizao no tem xito, aparentemente por causa da doena e subseqente afastamento do presidente. De qualquer maneira, a oposio nova tentativa de institucionalizao j havia crescido e mesmo sem a doena de Costa e Silva seria provvel uma crise poltica. Neste meio tempo, h dois fatores, um econmico, outro poltico, que devem ser considerados. O primeiro diz respeito a retomada do crescimento econmico. O segundo, se relaciona com a emergncia, especialmente a partir de fins de 1968 e 1969, da oposico armada. O quadro entretanto o mesmo at o fim do perodo Costa e Silva: o governo, apoiado em parte no exrcito, em parte nos partidos, tentando institucionalizar a revoluo. A esquerda e direita, desencadeiam-se aes, que passam a condicionar-se reciprocamente, e que vetam, em circunstancias extremas, as estratgias desencadeadas pelas Iiderancas govemamentais. Por trs deste jogo, as decises de poltica econmica seguem um curso relativamente autnomo e os grupos de interesse unem-se ern torno dos favores e da poltica governamental, dando um apoio equilibrador, se no ao presidente ou a Iiderana, ao Regime. Que Regime este? A eleico do presidente Mdici deixou claro o modelo em jogo. Apesar das presses nacionalistas e do prestigio castrense atribudo ao lder dessa corrente, a deciso fundamental, que afastou a candidatura Albuquerque Lima a presidencia, teve as seguintes caractersticas: a) foi tomada pelo estrato superior da burocracia militar (os generis de 4 estrelas); b) obedeceu a critrios burocrticos de hierarquiae representaco corporativa; c) impediu o risco maior para o Exrcito como burocracia dominante: sua desagregaco pela proliferaco de tendencias e facces, que o predomnio da tendencia nacionalista e a cristalizaco de uma oposico acarretariam; d) implicou, por tanto, numa conciliaco entre corren te s de dentro do Exrcito. E o que mais significativo: em nome da hierarquia, da disciplina e da coeso a deciso foi acatada pelos que perderam, apesar de, possivelmente, serem majoritrios dentro da tropa. Com a Instituio Armada, como corporao, assumindo em forma crescente o controle do Estado (isto , de outra burocracia, tambm esta modernizada pelas administraes anteriores), implantava-se um modelo relativamente estvel de dominao burocrtica. Dentro deste modelo os riscos de rigidez burocrtica so compensados pelo fato, j apontado, de que a economa (inclusive pblica) tomou forma nitidamente empresarial, e porque o contedo tecnocrtico da Administrao acentuado. O Regime baseado neste modelo de dominao burocrtico-militar no deixa de implementar, naturalmente, polticas que interessam sua base social: com elas se beneficia a burguesia internacionalizada, o prprio grupo militar, as classes mdias ascendentes, especialmente os segmentos profissionais e tecnocrticos e, enquanto houver crescimento econmico, alguns setores das camadas populares, sempre e quando o governo sustente polticas redistributivistas.

O objetivo primordial das Forcas Armadas fora definido como sendo o de fortalecer o Estado e garantir a seguranca nacional: nao existe choque direto entre essa concepco e o estilo de desenvolvimento econmico adotado. Dentro deste esquema cabem, inclusive, presses nacionalistas. A condico de que se mantenha o carter associado do desenvolvimento e que dentro dele caiba um Estado Iorte. O modelo , portanto, de dorninaco autocrtica, sob controle burocrtico-militar e est assentado em bases economicamente dinmicas. AUTORITARISMO E DEMOCRACIAA partir deste quadro comeou a difundir-se a crena de que existe uma relao estreita entre desenvolvimento econmico e autoritarismo e de que este condio para aquele. No importa, neste momento, discutir os fundamentos da suposio (mesmo no caso atual, a retornada desenvolvimentista anterior ao Ato 5 e sofreu percalcos em 1969, depois dele). Esta crena encontrou adeptos entusiastas, como era de prever-se, dentro do prprio estamento militar, de setores empresariais, de segmentos das classes mdias tecnocrticas e das classes mdias ascendentes. Por seu turno, dada aorientao nacionalista de alguns grupos ultra, pretende-se, s vezes, validar o autoritarismo com argumentos pseudonasseristas. A essa ideologia se opem, grosso modo, os remanescentes do castelismo e a oposio de fora do regime (parte da esquerda e da intelectualidade, a Igreja etc.). A defesa mais candente da compatibilidade entre a democracia e o modelo de desenvolvimento associado, que est sendo posta em prtica - eportanto de crtica ao nacional-autorita- rismo veio de um antigo ministro de Castelo. Roberto Campos alinhou os argumentos centris da tese, tomando de emprstimo aos cientistas polticos americanos (Apter, Almond e Verba) a linguagem, o modelo e a inteno: A opo poltica que nos convm - e que na realidade a opo consagrada pela Revoluo de 1964 - a de democracia participante com um Executivo Forte. O modelo apropriado o da reconciliao, pois que nossa sociedade, pelo menos em algumas regies, j transitou da fase de modernizao para a de industrializao. Para isso, se requer um executivo forte, o funcionamento do sistema partidrio e um mecanismo de reconciliao popular, baseado na informao e na comunicao entre elite e massa. Este modelo evitaria os riscos dos sistemas mobilizadores e autocrticos e permitiria a substituio da coao pela informao, sem incorrer nos equvocos e riscos do populismo distributivista e da excitao nacionalista. A base do regime consensual estaria dada pelo pluralismo econmico, como condio para o pluralismo poltico e pela manuteno de uma sociedade aberta, gracas ao aperfeiamento de canais de mobilidade social, como a educao. Novamente, est-se diante de uma anlise que condicionou estritamente o poltico ao econmico (dado um sistema econmico pluralista ter-se-a provavelmente pluralismo poltico), bem como de uma viso normativa. Os fatos esto indicando mais coao e menos informao, apesar do pluralismo econmico.

Isto quer dizerque o regime militar, sobre ser burocrtico totalitario? Existem tendncias neste sentido, mas ainda no so hegemnicas no Estado. Falta uma doutrina racionalizadora (a doutrina do Estado ainda democrtica) e um partido mobilizador. Por enquanto existe uma autocracia militar-burocrtica, economicamente desenvolvimentista. O regime dar o salto? A resposta no pode, outra vez, ser buscada no nvel ideolgico. A tu al correlao de foras polticas mostra que ao redor do eixo estabilizador da burocracia estatal-militar reagrupam-se, em torno dos partidos consentidos, os antigos interesses polticos. Esto, naturalmente, submetidos ao crivo centralizador e estabilizador do Regime, como a escolha prvia dos governadores pelo presidente demonstrou. As Assemblias Estaduais repetiram a funo ritual do Congresso Nacional que elege presidentes previamente indicados. Por outro lado, as decises de poltica econmica parecem manter-se numa esfera relativamente autnoma do crculo poltico, delas participando os grupos empresariais quase corporativamente. Este sistema, simultaneamente centralizado, burocrtico e empresarial, tem sido capaz de gerar polticas, propor objetivos, e de mobilizar simbolicamente a populao por intermdio de ideais de fortalecimento da Ptria. Ele procura legitimar-se (melhor diria, como Candido Mendes, autenticar-se) graas aos xitos econmicos. As crticas a represso so respondidas com cifras sobre o desenvolvimento, na mesma perspectiva dos analistas que crem que economia e poltica tm uma correspondencia direta. Entretanto, o sistema tem dois desestabilizadores, um no seu interior, outro alheio e oposto a ele: a represso incontrolada e a aco armada de esquerda. Alm disso, por no conseguir institucionalizar-se, encontra em cada perodo de sucesso um momento de crise. Ao poder de veto dos grupos ultra, que condicionam o processo poltico brasileiro desde o governo Castelo Branco, veio somar-se o do aparelho repressivo e dos grupos armados de esquerda. Nenhum dos dois extremos parece, neste momento, estar em condies de gerar objetivos polticos e implement-los. Mas ambos, reciprocamente, condicionaram o Regime e podem frear polticas oriundas dele. Alm disso, na medida em que impedem maior permissividade poltica, diminui a capacidade do regime absorver grupos opositores e de gerar polticas capazes de passar pelo crivo da participao crtica dos que a ele se opemn mas no querem perder influencia poltica no Estado. As probabilidades de que se agravem as condices de coao em detrimento da informao (para diz-lo de maneira eufmica ) dependero da capacidade que tenham os setores governamentais do Regime ou as forcas que se opem a seus aspectos mais repressivos (como a Igreja ), para frear a corrida da violncia poltica. No creio, novamente, que exista uma inevitabilidade favorvel ao totalitarismo. Mas no acredito que sem uma reao vigorosa de dentro e de fora do Regme se possa evitar o fortalecimento dessa tendncia. O curso atual do processo poltico levou o regime a um impasse. Apesar do xito econmico e da disposio de parte de setores que o apiam para criar um sistema de reconciliao, as foras contrarias a isso esto estrategicamente colocadas dentro e fora do sistema. A oposio, armada ou verbal, no tem foras, por outro lacio, para provocar uma derrocada clo Regime. Ao contrrio, este est se beneficiando dos efeitos favorveis do desenvolvirnento e a conjuntura antes cle consolidao burguesa, dentro de um regime de estilo burocrtico-desenvolvimentista. O paradoxo poltico reside precisamente nisso: a escalada repressiva e a aco terrorista desenvolvem-se num contexto que, abstratamente, pareceria torn-Ias, neste momento, inecessrias ou inteis. Com isso se cra a possibilidade da degenerescncia tchequista da dominao burocrtica, sem que a aco armada da esquerda chegue a constituir um elemento rnobilizador. possvel que a sociedad e assista, paralisada, ao confronto tcnico entre dois contendores violentos. Por trs desta situao est, naturalmente, o fato de que as elites de poder, e com elas a intelectualidade, foram incapazes de propor alternativas para resolver a questo de base: o desenvolvimento econmico mobilizou socialmente a massa, mas no preencheu o vazio histrico de uma sociedade e uma cultura que jamais lograram organizar esta massa, educ-la, tor-n-la capaz, enfim, de reivindicar tanto po, como liberdades.

( Apresentado em seminrio na Universidade de Yale em 23/4/1971.

(Fao apenas aluses s rases estructurais da crise poltica de 1964 porque o asunto complexo e escapa aos objetivos precisos deste artigo. Por trs da crise institucional est o fenmeno muitas vezes designado como auge do processo de substituies. De fato tratava-se da necesidade de recompor os mecanismos de acumulao e de recolocar esta ltima num patamar mais alto capaz de atender ao avano verificado no desenvolvimento das foras produtivas. Esse processo requereu, entre outras polticas, a de conteo salarial e desmantelamiento das organizaes sindicas e polticas que, no perodo populista, haviem permitido que os assalariados lutassem e conseguiessem diminuir os efeitos negativos que a acumlao inicial exerce sobre os salrios. Para anlise do processo estructural subjacente crise poltica de 1964 ver CARDOSO, F. H.- Razes estructurais da crise poltica brasileira, in Mudanas sociais na America Latina, So Paulo, DIFEL, 1969. Publicado originariamente em Les Temps Modernes, Paris, oct. 1967.

Este capitulo j estava redigido quando tomei eonhecimiento do livro de Alfred Steppan sobre as mudanas no podro das intervenes militares no Brasil. Steppan mostra os efeitos das mudanas gerais a que aludo sobre as institues militares e sobre o tipo de interveno poltica que elas exercem atualmente.

Existen pontos de coincincia, neste aspecto, entre este artigo e os trabalhos de Steppan, Schimitter e Malori Pompermayer, na medida em que tambm estes analistas apontam a amergncia de novos estilos de atuao poltica no Brasil.

Veja-se a crtica de F. Fernandes a essas em The meaning of limitary dictatorship in Latin America. (In The Latin American in residence lecturers, Toronto, University of Toronto, 1970)

FURTADO, Celso De Poligarchie Ptat militaire". Paris, Les Temps Modernes, (257): 278-601, out. 1967. edio brasileira em Brasil: tempos modernos, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1968, pp. 1-24.

Conforme JAGUARIBE, Hlio "Etabilit sociale par le "colonial-fascisme". Paris, Les Temps Modernes (257): 602-623, out. 1967. As citaes adiante so feitas com base na edio brasileira: Brasil: estabilidade pelo colonial-fascismo?, Brasil : tempos modernos, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1968.

JAGUARIBE, Hlio, op. cit., pp. 25-47.

JAGUARIBE, Hlio, op. cit., p. 43.

JAGUARIBE, Hlio, op. cit., p. 44.

Conforme JAGUARIBE, Hlio Enfoques sobre a Amrica Latina: anlise crtica de relatrios, apresentado na reunio do Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales CLACSA- realizado em Bariloche em novembro de 1970.

Veja-se CARDOSO, F. H. e FALETTO Enzo Dependencia y desarrollo en Amrica Latina, Mxico, Siglo XXI, 1969, esp. cap. V.

As difilculdades objetivas para que essa estratgia se mantenha com xito no devem naturalmente, ser minimizadas, a comear pelos limites existentes para a mobilidade social no contexto de um padro de desenvolvimento econmico que marginalizador. Alm disso, se mesmo os regimes populistas mantinham seu equilbrio instvel e garantiam o processo de acumulao econmica graas explorao ilimitada dos trabalhadores do campo e sua marginalizao politica, o regime burocrtico-autoritrio atual encontra limites ainda maiores, neste aspecto, para implementar a estratgia acima.

Veja-se MENDES, candido Sistemas polticos e modelos de poder no Brasil. Rio de Janeiro, em Dados, v. I (1) 1966: 7-41; e ainda o artigo na nota 12.

MENDES, Candido O governo Cartelo Branco: paradigma e impognose, Rio de Janeiro, em Dados, (23): 98, 1967. Note-se que em trabalho mais recente (Elite de poder, democracia e desenvolvimento, Rio de Janeiro, em Dados (6): 57-90, 1969, Candido Mendes volta a insistir que o governo Castelo Branco, no tendo recorrido a tcnicas de autendicao ou seja, forma que a legitimao assume nos governos da elite da do poder tornou-se vtima de uma tentativa de validao poltica baseada quase exclusivamente num proyeto de desenvolvimento econmico dependente do exterior.

MENDES, Candido sistema poltico e modelos de poder no Brasil, op. Cit., p.9.

Idem, ibidem, p. 17.

Idem, idem, p. 17.

Idem, idem, p. 17.

Refere-se aqui ao estilo de tutela militar exercido pelo exrcito sob inspirao do Marechal Eurico Gaspar Dutra, ex-ministro da Guerra de Vargas Durante o Estado Novo e, posteriormente (1946-1950), presidente da Repblica.

Vaja-se, a esse respeito, MENDES, Cardido O governo Cartelo Branco: paradigma e prognose op. Cit., especialmente p. 110.

Conforme MENDES, Candido Sistema poltico e modelos de poder no Brasil, op. Cit., especialmente p. 14 e 15.

Veja-se a srie de artigos publicados em O Estado de S. Paulo sobre o Modelo brasileiro de desenvolvimento, nos dias 7 a 24 de julho e 1. e 8 de agosto de 1970.

Essa afirmao no significa que a alternativa do totaliatrismo seja uma abertura democrtica. Refiro-me apenas estabilizao de um regime autoritrio, nos moldes que o caracterizei. Por outro lado, mesmo os que propugnam pela tranforma do regime na direo de uma abertura democrtica concebem-na em termos da amplio da participao da burguesia e das classes mdias e no da reconstituio das organizaes representativas das classes populares. Este ltimo proceso, a curto prazo, parece estar excludo do horizonte de possibilidades.