o moço que não queria morrer

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  • 7/24/2019 o Moo Que No Queria Morrer

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    O MOO QUE NO QUERIA MORRER

    Um jovem viajante andava pelas estradas do mundo.

    Certa tarde, arranjou um lugar debaixo de uma rvore e sentou-separa descansar.

    Um vulto apareceu, s Deus sabe de onde. O moo puxou assunto

    com o recm-cegado. Conversa vai, conversa vem, descobriu !ue a!uele

    vulto era a "orte. #m p, com um pedao de pau na m$o, o rapa% gritou&

    ' (e veio pra me levar vai ter !ue ser na marra. )$o pretendo

    morrer de jeito nenum. *eno uma vida inteira pela +rente

    "orte caiu na risada&

    ' Calma, amigo. )$o tena medo. ( estou a!ui de passagem.

    oc/ muito jovem. (ua ora ainda est longe de cegar. Um dia eu pego

    voc/, mas n$o vai ser j Disse isso e desapareceu numa espcie de poeira

    escura e acin%entada. O jovem +icou pensando. )$o !ueria morrer nem

    !uando +icasse velo. cava errado morrer. 0ara ele, a morte era uma

    injustia. 1embrou-se de sua conversa com o vulto misterioso e sorriu&

    ' co at !ue a "orte sentiu um pouco de medo de mim

    Da!uele dia em diante, uma ideia cresceu +ixa na cabea do moo. 2a passar

    o resto da vida procurando um lugar onde a morte n$o existisse.

    ' Deve aver um lugar assim ' disse ele para si mesmo.

    ' 3 simplesmente uma !uest$o de lutar para encontrar. # l se +oi

    o jovem viajante pelo mundo a+ora em busca do lugar onde ningum

    morria. ndou, andou, andou. ndava e perguntava para todos !ue

    encontrava. )ingum nunca tina ouvido +alar no tal lugar. lguns at

    davam risada. Outros balanavam a cabea sem !uerer acreditar. O jovem,

  • 7/24/2019 o Moo Que No Queria Morrer

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    teimoso, +oi em +rente. Um dia, encontrou um omem velo condu%indo

    uma carroa vela puxada por um burro velo. carroa estava ceia de

    pedras.

    ' O senor sabe onde +ica o lugar onde ningum morre4

    ' (e n$o !uer morrer ' respondeu o omem velo ', +i!ue perto

    de mim. # apontou o dedo para longe. ' #st vendo a!uela montana4 (e

    +icar comigo, en!uanto eu n$o transportar toda ela com mina carroa,

    pedra por pedra, pedao de terra por pedao de terra, voc/ vai viver.

    ' "as por !uanto tempo4 ' Com certe%a, mais do !ue cem anos

    ' respondeu o omem velo.

    ' 3 pouco ' disse o moo. ' 5uero viver bem mais !ue isso.

    Despediu-se e +oi embora. ndou, andou, andou. "ais adiante, encontrou

    um omem muito velo com um macado muito velo na m$o.

    ' O senor sabe onde +ica o lugar onde ningum morre4

    ' (e n$o !uer morrer ' respondeu o omem muito velo ',

    +i!ue perto de mim. # apontou o dedo para uma +loresta escura !ue cobria

    uma plan6cie imensa. ' #st vendo a!uela mata4 (e +icar comigo,

    en!uanto eu n$o cortar todas as suas rvores, tronco por tronco, galo por

    galo, voc/ vai viver.

    ' "as por !uanto tempo4 ' Com certe%a, cerca de du%entos anos

    ' respondeu o omem muito velo.

    ' 3 pouco ' disse o moo. ' 5uero viver bem mais !ue isso.

    Despediu-se e +oi embora. ndou, andou, andou. "ais adiante, encontrou

    um omem muito, muito velo, carregando um balde muito, muito velo,

    ceio de gua.

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    ' O senor sabe onde +ica o lugar onde ningum morre4 ' (e n$o

    !uer morrer ' respondeu o omem muito, muito velo ', +i!ue perto de

    mim. # com o dedo mostrou um oceano !ue cobria a lina do ori%onte de

    ponta a ponta.

    ' #st vendo a!uele mar4 (e +icar comigo, en!uanto eu n$o tirar

    toda sua gua com meu balde, litro por litro, gota por gota, voc/ vai viver.

    ' "as por !uanto tempo4 ' Com certe%a, cerca de tre%entos anos

    ' respondeu o omem muito, muito velo.

    ' 3 pouco ' disse o moo. ' 5uero viver bem mais !ue isso.

    Despediu-se e +oi embora. ndou, andou, andou. #m seguida, andou,

    andou, andou. # depois, andou, andou e andou mais ainda.

    Certa noite, enxergou um castelo dourado no alto de um

    despenadeiro. O castelo brilava no meio da escurid$o. O moo subiu

    pelas pedras do penasco. Cegou no castelo pouco depois do amanecer.

    7ateu na porta. (il/ncio. 7ateu de novo. O lugar parecia desabitado. (em

    saber o !ue +a%er, resolveu +icar por ali passeando. 0erto de uma +onte,

    encontrou uma moa !ue o camou pelo nome. jovem era a coisa mais

    linda !ue o moo j tina visto na vida.

    ' 0or +avor ' disse ele aproximando-se, encantado.

    ' 0or acaso, sabe onde +ica o lugar onde ningum morre4 moa

    sorriu e seu sorriso era simplesmente luminoso.

    ' #ste o lugar aonde a "orte n$o vem ' respondeu a moa.

    ' 8i!ue para sempre comigo ' pediu ela. # disse mais& '

    #n!uanto estiver a!ui, tena certe%a disso, voc/ vai viver.

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    ' "as por !uanto tempo4 ' O tempo !ue voc/ desejar #ra tudo

    o !ue o jovem viajante !ueria ouvir. partir da!uela man$, passou a

    morar com a moa bonita do castelo dourado !ue +icava no alto do

    despenadeiro. 0or sorte, a vida no lugar onde ningum morre era muito

    boa. *odos os dias, na ora das re+ei9es, a mesa aparecia posta ceia de

    comidas e bebidas deliciosas. : noite, o jovem dormia com a bela moa

    numa cama macia +orrada de veludo vermelo. De ve% em !uando o rapa%

    pensava na "orte.

    ' #nganei a bandida ' di%ia ele orguloso e ceio de +elicidade.

    "as o tempo um vento !ue leva tudo. contece !ue o jovem viajante deu

    para sentir +alta da +am6lia, dos amigos e da cidade onde tina nascido.

    Conversou com a moa bonita&

    ' ;ostaria de visitar meus pais e meus irm$os.

    ' 0ara !u/4 ' perguntou ela. ' (omos t$o +eli%es

    ' (into saudade ' explicou o rapa%. moa bem !ue tentou

    dissuadir o moo, mas n$o teve jeito. o perceber !ue o rapa% estava

    mesmo decidido a visitar a +am6lia, a jovem acou !ue j estava na ora de

    +alar a verdade.

    ' 0reciso contar uma coisa ' comeou ela.

    ' 3 algo !ue voc/ ainda n$o sabe. ' moa +alava com jeito.

    ' oc/ j est morando a!ui comigo mais de !uinentos anos.

    O jovem viajante arregalou os olos. ' Como assim4 )o comeo,

    o rapa% n$o !uis acreditar nas palavras da moa, mas ela tanto +alou, tanto

    explicou, tanto argumentou !ue ele acabou convencido.

  • 7/24/2019 o Moo Que No Queria Morrer

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    ' )$o +a% mal ' disse con+uso. ' "esmo assim, !uero voltar

    para pelo menos rever mina casa e o lugar onde nasci. moa bonita n$o

    !uis insistir mais. penas disse&

    ' #st bem. , se !uiser # explicou o !ue o jovem devia +a%er.

    0ediu a ele !ue viajasse no cavalo branco !ue vivia preso na estrebaria.

    ' #le mgico ' contou ela.

    ' 3 capa% de galopar mais rpido do !ue a ventania. jovem

    continuou. (eus olos +icaram ceios de gua&

    ' 0or +avor, preste muita aten$o ' pediu ela.

    ' )unca desa do cavalo e, principalmente, nunca, de jeito

    nenum, coma !ual!uer coisa en!uanto estiver +ora do castelo dourado. O

    jovem viajante concordou, pegou o cavalo branco, despediu-se e partiu.

    8oi viajando e !uanto mais viajava mais espantado +icava. 3 !ue o

    mundo estava completamente di+erente Onde antes existia uma imensa

    montana agora avia uma cidade. Onde antes avia uma +loresta escura

    agora existia uma imensa plan6cie. Onde antes existia um oceano, o c$o

    agora estava racado de t$o seco. O jovem cavaleiro andava, olava e n$o

    conseguia reconecer !uase nada.

    Cegando < pe!uena vila onde tina nascido, encontrou uma

    cidade grande e muito movimentada.

    8alou seu nome. )ingum conecia.

    0erguntou sobre sua +am6lia. )ingum mais lembrava.

    0rocurou sua antiga casa. )$o existia mais.

  • 7/24/2019 o Moo Que No Queria Morrer

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    Desconsolado, o rapa% acou melor voltar para a moa bonita do

    castelo dourado !ue +icava no alto do despenadeiro na terra onde ningum

    morre.

    8oi andando e !uanto mais andava mais sentia o corpo +raco. #ra

    uma mistura de cansao, espanto, saudade e +ome. tarde ca6a +ria

    anunciando a noite. )o camino, encontrou um omem levando uma

    carroa ceia de ma$s.

    +ome apertou na barriga do jovem viajante. =Uma ou duas ma$s

    n$o v$o me +a%er mal=, pensou ele e gritou& ' D pra me vender umasma$s4 ' 5uantas4 ' !uis saber o sujeito, parando a carroa.

    ' Uma ou duas.

    ' ( isso4 ' exclamou o omem com vo% desanimada.

    ' 0ode pegar. )$o vai custar nada. 3 por conta da casa. O jovem

    saltou do cavalo, escoleu uma ma$ e mordeu. 8oi !uando uma m$o +ria e+orte agarrou sua nuca.

    ' gora voc/ n$o me escapa O omem da carroa ceia de

    ma$s era ela, a "orte, o >ltimo suspiro, a treva sem +im, a vig6lia !ue

    nunca acaba, o derradeiro alento, o sono da noite sem oras.

    Con+ormado, o jovem viajante deixou-se levar