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O MITO BRIZOLISTA: AS REPRESENTAÇÕES ATRAVÉS DOS DISCURSOS SOBRE LEONEL BRIZOLA (1961-1989) Carla Aparecida Rigo 1 INTRODUÇÃO: O estudo sobre os discursos de representações sobre Leonel de Moura Brizola faz parte de uma pesquisa que está em andamento, sendo projeto de mestrado em História pela Universidade Estadual do Centro Oeste do Paraná- UNICENTRO. Com isso, buscamos representar o contexto histórico em que este líder esteve engajado na luta política brasileira, retratando momentos decisivos em que se pôs a frente de movimentos pela Constituição do Brasil, anos estes compreendidos entre os anos de 1961 até 1989, Ditadura Militar e redemocratização do país. Para este trabalho, esboçaremos breves contextos que culminaram nas atitudes adotadas por Brizola no âmbito político, como também retrataremos sua vida particular. Além disso, traremos discursos sobre esta figura e reportagens, utilizando a revista VEJA como fonte histórica. Os objetivos com esse estudo em âmbito geral é compreender como se deram as construções de representações estabelecidas sobre Leonel Brizola no discurso político, relacionando sua trajetória de homem público com o momento político brasileiro nos anos 1961 até 1989. E de um modo mais específico procuraremos entender qual foi o papel desempenhado por Leonel Brizola durante a ditadura militar brasileira e sua participação na campanha da legalidade; Compreender o contexto que culminou na formação do Partido e as correntes defendidas por Brizola na agremiação; Analisar, 1 Graduada em Licenciatura em História pela Universidade Federal da Fronteira Sul (2014); Mestranda em História pela Universidade Estadual do Centro Oeste do Paraná-Unicentro (2015-2017). E-mail: [email protected]

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O MITO BRIZOLISTA:

AS REPRESENTAÇÕES ATRAVÉS DOS DISCURSOS SOBRE LEONEL

BRIZOLA (1961-1989)

Carla Aparecida Rigo1

INTRODUÇÃO:

O estudo sobre os discursos de representações sobre Leonel de Moura Brizola

faz parte de uma pesquisa que está em andamento, sendo projeto de mestrado em

História pela Universidade Estadual do Centro Oeste do Paraná- UNICENTRO. Com

isso, buscamos representar o contexto histórico em que este líder esteve engajado na

luta política brasileira, retratando momentos decisivos em que se pôs a frente de

movimentos pela Constituição do Brasil, anos estes compreendidos entre os anos de

1961 até 1989, Ditadura Militar e redemocratização do país.

Para este trabalho, esboçaremos breves contextos que culminaram nas atitudes

adotadas por Brizola no âmbito político, como também retrataremos sua vida particular.

Além disso, traremos discursos sobre esta figura e reportagens, utilizando a revista

VEJA como fonte histórica.

Os objetivos com esse estudo em âmbito geral é compreender como se deram as

construções de representações estabelecidas sobre Leonel Brizola no discurso político,

relacionando sua trajetória de homem público com o momento político brasileiro nos

anos 1961 até 1989.

E de um modo mais específico procuraremos entender qual foi o papel

desempenhado por Leonel Brizola durante a ditadura militar brasileira e sua

participação na campanha da legalidade; Compreender o contexto que culminou na

formação do Partido e as correntes defendidas por Brizola na agremiação; Analisar,

1 Graduada em Licenciatura em História pela Universidade Federal da Fronteira Sul (2014); Mestranda em História

pela Universidade Estadual do Centro Oeste do Paraná-Unicentro (2015-2017).

E-mail: [email protected]

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através dos discursos quem foi Leonel Brizola; Compreender, por meio de fontes

históricas como esta figura foi representada e exposta pela mídia brasileira.

A pesquisa terá como metodologia de estudo a análise de documentos que nos

tragam informações detalhadas sobre a vida de Leonel Brizola. Para tal intento será

utilizado como fontes de pesquisa a biografia intitulada “Leonel Brizola: perfil,

discursos e depoimentos (1922-2004”), disponibilizada no “Memorial do Legislativo do

Rio Grande do Sul” (2004)2 e trazendo referências bibliográficas de pesquisadores

considerados referências no estudo da História do Brasil Republicano como Jorge

Ferreira e Ângela de Castro Gomes, que escreveram a obra “1964: o golpe que

derrubou um presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura militar

no Brasil” (2014) e Marcos Napolitano, em seu livro “1964: a história do regime

militar brasileiro” (2014).

Ainda nos apropriaremos de publicações da revista VEJA que começa circular

no Brasil em 1968 e traz reportagens sobre Brizola, como seu exílio e sua volta após a

Lei de Anistia, jornais da época, como o Banco de Dados do jornal Zero Hora de 1961,

disponibilizado no site ClicRBS3, biografias de Leonel Brizola, como a escrita por

Francisco de Chagas Leite Filho: “El Caudilho: Leonel Brizola, um perfil biográfico”4,

bem como o site do PDT (Partido Democrático Trabalhista)5, que relata a trajetória

política do Brizola, sendo de suma importância para a compreensão do discurso criado

ao se referir à Leonel Brizola.Usaremos ainda, a Revista da Arquidiocese de Porto

Alegre, relatos do Grupo dos onze, disponível online no site “Documentos revelados”.6

Até o momento, é possível perceber que os discursos criados em torno de

Brizola, o colocam em um nível de supremacia, o que poucos políticos conseguiram até

hoje, transformando Brizola em um líder heróico, que buscou defender o território

nacional de uma intervenção militar.

2 http://www2.al.rs.gov.br/memorial/MovimentodaLegalidade/Legalidade_documentos/tabid/5277/Default.aspx 3 KUHN. Dione. O 3º Exército defende a posse de Jango. Banco de dados/ZH. 1961. Disponível em:

<http://www.clicrbs.com.br/especiais/diversos/popup_legalidade_middle_zerohora_quarta.htm#. > Acesso em: 11

nov. 2014 às 21:29hs. 4 FILHO. Francisco de Chagas Leite. EL CAUDILHO LEONEL BRIZOLA: um perfil biográfico. 2ª impressão.

Editora Aquariana. São Paulo. 2008. 5 http://www.pdt.org.br/ 6 http://www.documentosrevelados.com.br/repressao/grupo-dos-onze-companheiros-movimento-liderado-por-

brizola-para-barrar-o-golpe-e-avancar-com-as-reformas-parte-3/

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O general Machado Lopes e o governador Leonel Brizola surgiram como

personagens centrais nos episódios da crise de 1961, mas também se

tornaram símbolos, personalidades emblemáticas. Ao se rebelarem contra os

poderosos, o general e o governador fizeram suas escolhas e, por tal atitude,

difícil e inusitada na política brasileira, perderam, na imaginação popular, sua

condição profana, aquela do político ambicioso e particularista e a do militar

elitista e reacionário. Quando se lançaram, com determinação e coragem, na

luta contra os golpistas, ultrapassando a condição “normal” de homens

públicos, as imagens que descreviam o “guerreiro patriota” e o “grande líder”

se alteraram, alcançando uma nova dimensão ontológica: a da sacralidade.

(...). (FERREIRA. 1997. p. 11)

Percebemos um discurso que enaltece a atitude de Brizola de enfrentar os

militares e defender os direitos estabelecidos pela Constituição de homem herói até à

sacralidade do governador para com o país.

(...) como se o discurso, longe de ser esse elemento transparente ou neutro no

qual a sexualidade se desarma e a política se pacifica, fosse um dos lugares

onde elas exercem, de modo privilegiado, alguns de seus mais temíveis

poderes. Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as

interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o

desejo e com o poder. Nisto não há nada de espantoso, visto que o discurso -

como a psicanálise nos mostrou - não é simplesmente aquilo que manifesta

(ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do desejo; e visto que -

isto a história não cessa de nos ensinar - o discurso não é simplesmente

aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que,

pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar. (FOUCAULT.

1999. p.9)

Portanto, o discurso pode ser usado para obter poder e hegemonia sobre

determinada população ou fato, ele não está necessariamente desvinculado à uma luta e

sim, à algo que se luta, querendo apoderar-se buscando legitimidade.

Em muitas biografias que serão utilizadas como fonte histórica no presente

trabalho, os escritores enaltecem Leonel.

Foi realmente uma pena que Leonel Brizola tenha nos deixado sem eleger-se

Presidente da República. Não era ele, nem o PDT, que perdiam a cada derrota

eleitoral. Na verdade, foi o Brasil que perdeu a oportunidade única de ter nas

rédeas do país um homem íntegro, sincero, coerente, corajoso, realizador,

independente, patriota e com profunda sensibilidade social, características

que certamente o teriam feito um dos melhores presidentes da história desta

Nação. (NOLL et al. 2011. p.6)

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Brizola era e continua sendo muito admirado. Seu legado continua presente na

vida de quem conviveu com essa personalidade, bem como quem mesmo não tendo

vivenciado este período, traz consigo, esse sentimento enaltecedor de brizolismo.

TRAJETÓRIA POLÍTICA DE BRIZOLA

A trajetória política de Leonel foi marcada por cargos como Secretário de Obras

da prefeitura de Porto Alegre em 1952, Prefeito de Porto Alegre em 1955, governador

do Estado do Rio Grande do Sul em 1958, governador do Estado do Rio de Janeiro em

1982 (sob a legenda PDT – Partido Democrático Trabalhista – a qual fundou, após

voltar do exílio), em 1984 organizou o comício da Candelária, que culminou no

movimento “Diretas Já”. Em 1990 Brizola é reeleito governador do Rio de Janeiro.

Encerra sua vida política em 2002, quando é derrotado para o senado e acaba apoiando

Luis Inácio Lula da Silva no segundo turno para as eleições presidenciais.

(MANESCHY. OSEAS. S.D7)

Brizola também foi figura destacada na FMP (Frente de Mobilização Popular),

lutando pelas reformas de base principalmente a reforma agrária. Por ter tido grande

influência entre os anos de 1961 e 1964 mostrando autoridade e poder perante um

Estado e também localidades do Brasil, surgiram hipóteses de que Leonel foi um dos

causadores do golpe de Estado, pois seu suposto radicalismo teria assustado os setores

mais conservadores, que o acusavam de querer assumir a Presidência da República

numa presumível ditadura comunista. Essas suposições surgiram do fato de Brizola

defender ideias consideradas radicais e revolucionárias e manter relações com o PCB

(Partido Comunista Brasileiro). Mas, é destacável que para além da figura de Brizola, a

FMP era formada por estudantes, camponeses, políticos nacionalistas, que lutavam por

causas consideradas revolucionárias e tinham Brizola como um líder para defender os

objetivos e ideias do grupo. (FERREIRA. S.D. p.2)

Brizola foi um destacado líder político na Campanha da Legalidade (1961), na

qual conseguiu reunir inimigos e adversários políticos em torno de uma luta pela

7Sem data de publicação

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democracia. Mobilizou a capital do Estado do Rio Grande do Sul, bem como cidades do

interior, como Passo Fundo e Nonoai para que a Constituição fosse cumprida,

acreditando nas pessoas e nos objetivos propostos. (FERREIRA. 1997.p.7)

A população do Rio Grande do Sul viveu, naqueles dias, um momento muito

particular de sua história política. Para explicarem e racionalizarem os

acontecimentos, plenos de ameaças e perigos, diversos grupos sociais

elaboraram representações em que sentimentos de identidade e de exclusão

tornaram-se elementos constitutivos de um mesmo imaginário político. Ao

lado da sensação de se verem excluídos- ou de se excluírem- de uma

comunidade maior, como o próprio país, perceberam também a força

simbólica que os unia, a crença de uma identidade própria e o mesmo destino

que partilhavam. Surgiu, entre os vários segmentos da sociedade rio-

grandense, a possibilidade de trabalharem simbolicamente o paradigma

utópico, cujo primeiro movimento é o de “reivindicar o seu direito próprio a

pensar, imaginar e criticar o social e, designadamente, o político”. A intensa

participação política de grupos sociais organizados, o entusiasmo popular e a

convicção dos ideais que defendiam permitiram à sociedade gaúcha

imaginar-se como auto-instituída, ou seja, como uma reunião de indivíduos

não submetidos a qualquer coação, interna ou externa, constituindo-se como

“uma comunidade detentora de todo o poder sobre si própria” (FERREIRA.

1997. p. 9)

Leonel com seus discursos despertou nos gaúchos o sentimentalismo do “não

excluído”, reacendendo os objetivos comuns dos cidadãos, de fazerem parte de uma

sociedade e da lutar pela democracia garantindo os direitos constitucionais. Além disso,

reavivou uma identidade própria que os fez sentir-se parte de uma nação.

ANO DE 1961 E A CAMPANHA DA LEGALIDADE

Em 1961 Jânio Quadros, Presidente do Brasil renuncia seu cargo numa tentativa

de “autogolpe”. Ele acreditava que o povo sairia às ruas pedindo sua volta, já que o

mesmo o elegera com expressiva votação, o chamaria de volta à Presidência, o que não

ocorreu. Assume o cargo provisoriamente Ranieri Mazzilli, Presidente da Câmara dos

Deputados, pois o vice Presidente encontrava-se na China (Comunista) em uma ação

diplomático-comercial. João Goulart ao retornar para o país em setembro do mesmo

ano assume o cargo sofrendo grandes desconfianças de grupos políticos conservadores,

pois estes acreditavam que ele colocaria em risco a Segurança Nacional e instalaria o

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comunismo. Jango governou até 1964 quando foi deposto por uma junta militar que

tinha apoio de vários setores da sociedade e também dos Estados Unidos da América.

(NAPOLITANO. 2014. p. 32)

Os norte-americanos temiam que o Brasil tendo grande influência na América

Latina se tornasse a segunda Cuba. Esse medo era alimentado por atitudes anteriores

dos Chefes de Estado, como o fato de que Jânio havia condecorado Che Guevara e

Jango, por sua visita oficial, à China Comunista. Caso isso ocorresse no Brasil,

provavelmente se estenderia para o restante da América do Sul, é o que afirmavam os

governantes dos Estados Unidos da América.

Os EUA queriam manter domínio ideológico, econômico e político sobre o

Brasil, e para isso financiou a oposição a Jango para que ele deixasse a Presidência

atuando inclusive no financiamento de campanha de diversos parlamentares opositores

ao governo federal. “Entre os anos de 1961 e de 1964, uma média anual de 5 a 7 mil

norte-americanos entre voluntários bem-intencionados dos Corpos de Paz e mal-

intencionados espiões da CIA vieram para o Brasil”. (NAPOLITANO. 2014. p. 59)

Enquanto os norte-americanos interviam no país, no Rio Grande do Sul, Leonel

Brizola começava a organizar a chamada Campanha da Legalidade. Esse movimento

exigia que a Constituição deveria ser respeitada, ou seja, que João Goulart deveria

assumir a Presidência. Sendo assim, com a renúncia de Jânio e um possível golpe de

estado com intervenção militar, inicia-se uma resistência no Sul do país para que o

Vice-Presidente tomasse posse de seu cargo.

Inicialmente, centenas de pessoas, liderando inúmeros grupos de resistência,

alojaram-se no Mata-borrão. As refeições eram doadas por armazéns, bares e

restaurantes. A todo momento chegavam pessoas que, voluntariamente,

entregavam seus pequenos caminhões, automóveis ou motocicletas para

formar a “frota da legalidade”. Um proprietário de uma rede de postos de

gasolina entregou “vales” ao Comitê, permitindo que a frota fosse abastecida

gratuitamente. Com o passar das horas, mais pessoas se inscreviam no

Comitê do Mata-borrão. Calcula-se que, até a meia noite do dia 30 de agosto,

45 mil voluntários tenham se apresentado. Embora armados com revólveres,

não se têm notícias de incidentes entre os voluntários. Segundo Norberto da

Silveira, até mesmo a criminalidade diminuiu naqueles dias, permitindo à

Polícia Civil voltar sua atenção para a resistência política ao golpe.

(FERREIRA. 1997. p.6 e 7)

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Nota-se o engajamento dos Sul Rio-grandenses para evitar o golpe de Estado.

Leonel Brizola que ficou a maior parte do tempo no Palácio do Piratini esperando um

possível ataque conseguiu reunir milhares de pessoas na Praça Matriz em Porto Alegre,

mobilizando a população para a posse de João Goulart, inclusive articulando estratégias

políticas com inimigos e adversários políticos. (FERREIRA. 1997. p.8).

No dia 31 de agosto o Senado e a Câmara dos Deputados discutiram uma

emenda parlamentar, sendo que foi aprovada na madrugada do dia 1º de setembro,

consistindo na mudança do Brasil para um sistema parlamentarista. 8

Ao chegar a Porto Alegre, Jango não se pronuncia sobre tal acontecimento,

deixando a população gaúcha decepcionada e estarrecida com tal posicionamento,

acarretando em uma revolta, sendo retiradas as faixas favoráveis a sua posse que

encontravam-se na praça de Porto Alegre. João Goulart optou por aceitar o sistema

imposto a uma guerra civil. Essa atitude de Jango não apenas afrontou os desejos dos

gaúchos, como também do Líder Leonel Brizola, que esperava que o Presidente se

impusesse sobre tal fato. (FERREIRA. 1997. p.23)

João Goulart assume seu cargo e passa a governar sob um regime

parlamentarista, tomando posso do dia 7 de setembro de 1961 em uma sessão solene no

Congresso Nacional.

Em seu discurso de posse, Goulart enfatizou o intuito de conciliar um país

esgarçado, mas que, no calor daquela grave hora, conseguiria formar uma

grande união nacional. Portanto, o momento aconselhava “dissipar ódios e

ressentimentos pessoais, em beneficio dos altos interesses da Nação”. Para o

presidente, não havia razão para pessimismo: “A nossa grande tarefa é a de

não desiludir o povo, e para tanto devemos promover, por todos os meios, a

solução de seus problemas, com a mesma dedicação e o mesmo entusiasmo

com que ele soube defender a Lei, a Ordem e a Democracia”. (FERREIRA.

GOMES. 2014. p.41)

Assumindo o cargo, Jango queria conciliar todos os setores da sociedade para

manter um convívio amigável e devolver a confiança que foi depositada à ele,

organizando o país com dedicação e comprometimento.

8 Ibid., p. 22

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Em 1963 acontece um plebiscito para decidir qual sistema permaneceria no país,

o parlamentarista ou voltar ao presidencialista. Por maioria de votos o segundo sistema

voltaria vigorar no país.

Goulart incentivava as empresas nacionais, para isso investia capital público

nestes setores. Os investimentos de multinacionais no país sofreram restrições, pois

Jango havia adotado uma política de valorização do mercado interno, buscando a

nacionalização de empresas estrangeiras.

O Presidente decidiu criar um sistema de reformas de base para pôr fim a crise

que se instalara no país, sendo que essas mudanças ocorreram no sistema agrário,

tributário, administrativo, bancário e educacional. E para dar essa notícia e pedir apoio

aos brasileiros foi realizado um comício no Rio de Janeiro, o que causou ainda mais a

fúria da oposição, acusando-o de comunista. Começa assim, uma luta contra Jango no

poder.

O GOLPE

Em meio a tantas pressões internas e externas, no dia 1º de abril de 1964, João

Goulart foi deposto e assume a Presidência Ranieri Mazzili, então Presidente da Câmara

dos Deputados. Os EUA enviaram tropas do exército, aviões, navios que estavam

prontos para o ataque caso Jango resistisse, essa operação ficou conhecida como

“Operação Brother Sam”. Passado 15 dias do golpe, através do primeiro Ato

Institucional assume a Presidência o primeiro dos presidentes militares, Humberto de

Alencar Castelo Branco, que teve apoio dos norte-americanos e da oposição a Jango. O

ato ainda previa a cassação de mandatos e suspensão de direitos políticos.

Castelo Branco criou o SNI (Serviço Nacional de Informação), instalou o FGTS

(Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e o INPS (Instituto Nacional de Previdência

Social). Devido à crise econômica que estava presente no país, Castelo Branco

incentivou a vinda de empresas estrangeiras para o país, pois acreditava que o capital

estrangeiro geraria lucro para o país. (ALVES. 2005. p.117).

Em 1967 Artur Costa e Silva é indicado para assumir a Presidência e instala em

seu governo um regime ainda mais autoritário. Neste período, vários grupos da

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sociedade começam a ficar insatisfeitos com o modo que estava sendo conduzido o país,

sendo assim inicia-se algumas reivindicações. Os estudantes tiveram participação

importante neste contexto em busca da democracia. “Os universitários eram contra o

acordo do Ministério da Educação (MEC) com uma instituição americana (o USAID)

para controlar o sistema educacional do país, que estava inclinado à privatização”

(ALVES. 2005. p.141).

Com as manifestações crescendo por todo o Brasil, Costa e Silva decretou o Ato

Institucional 5, que ocasionou a prisão de grupos políticos da oposição, tortura e

perseguição. Além disso, os presos políticos não tinham direito a habeas corpus e

grande parte de seus direitos estavam suspensos. (ALVES. 2005. p.161)

Após Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici assume o poder em 1969 sendo

um dos governos militares mais rigorosos. Neste período estavam proibidas

manifestações, reivindicações salariais ou qualquer expressão contra o governo9. Além

disso, seu governo ficou conhecido pelo “milagre econômico”.

A crise econômica estava instalada no país mesmo antes do Golpe de Estado,

para tentar solucionar o problema, Médici proporciona um crescimento econômico que

ficou conhecido como Milagre econômico, ocorrendo investimentos no setor industrial

e aumento da exportação de produtos. Esses recursos eram provenientes de empréstimos

estrangeiros. (NAPOLITANO. 2014. p.150)

Com o fim do governo Médici, quem assume o poder em 1974 é Ernesto Geisel,

que começa um lento processo de democratização no país. Seu governo foi marcado por

um processo político de “distensão” e de “abertura”. (NAPOLITANO. 2014. p.232)

O último governo militar foi João Figueiredo que assumiu o poder em 1979,

sendo um período de transição do governo ditatorial para o democrático. Neste contexto

houve uma abertura política no país, deixando de existir o bipartidarismo e outros

partidos puderam ser criados como o PT (Partido dos Trabalhadores) e PDT (Partido

Democrático Trabalhista). Em 1982 o voto direito para governadores voltou a vigorar.

Em 1984 os brasileiros lutaram para que as eleições para Presidente fossem

diretas, ocorrendo várias manifestações no país. Este movimento ficou conhecido como

9 No governo de Médice foi criado o Ato Institucional nº 14, que determinava a pena de morte para os subversivos,

caso comprovada a participação em atos de terrorismo.

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Movimento das Diretas Já. No dia 25 de abril do mesmo ano a emenda para eleições

diretas é posta em votação, sendo rejeitada pelo Congresso Nacional. (NAPOLITANO.

2014. p.308)

No ano de 1985 Tancredo Neves foi eleito pelo colégio eleitoral para assumir a

Presidência, sendo que faleceu antes mesmo de assumir o cargo, o novo Presidente de

Brasil então foi José Sarney. Sendo este o fim da Ditadura Militar Brasileira que durou

21 anos. “Era o começo de uma Nova República, tendo à frente José Sarney um

presidente imprevisto, tutelado pelos militares, mas que prometia recuperar as

liberdades democráticas plenas e instaurar um processo constituinte”. (NAPOLITANO.

2014. p.311 e 312).

REDEMOCRATIZAÇÃO LENTA E GRADUAL

Como visto anteriormente, inicia-se no Brasil um processo de redemocratização

no período governado pelo militar João Batista Figueiredo. Pouco antes, ainda no

governo Geisel, Figueiredo já havia começado uma política de liberação, onde a

oposição como a CNBB10, OAB11 e ABI12 teve destaque e participação, ampliando o

espaço político e questionando a legitimidade do Estado de Segurança Nacional.

(ALVES. 2005. p. 274)

O ano de 1979 é marcado como um passo em direção a liberdade, a Lei da

Anistia Política é promulgada, trazendo exilados de volta ao país. Porém, cabe salientar

que essa anistia era parcial e não total, na qual não incluía nomes de lideranças políticas

como Luis Carlos Prestes e Leonel Brizola. (NAPOLITANO. 2014. p. 281).

Somente em setembro de 1979 é que Brizola retorna ao país, tendo a seguinte

manchete de capa na revista VEJA13 de 12 de setembro de 1979: Brizola chega ao

Brasil, com seu PTB. Conciliação ou confronto. Na página 19, Carta ao Leitor, destaca

a chegada de Brizola e de Arraes, que agora tinham novamente a cidadania brasileira e

10 Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. 11 Ordem dos Advogados do Brasil. 12 Associação Brasileira de Imprensa. 13 https://acervo.veja.abril.com.br/index.html#/archive/1979/9. Acesso 10/05/2016. às 16:00hs

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que podiam interferir na política brasileira. Destaca ainda, que as encenações em torno

das duas figuras públicas estavam fortes, fazendo crítica a esses posicionamentos, como

se a vinda dos dois mudasse o percurso da história.

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Também nesse período, além da volta de exilados, ocorreu uma mudança no

cenário partidário. Tendo uma ascendência de políticos ligados ao MDB e com receio

de uma resistência política, o governo então do partido ARENA, cria a Lei Orgânica dos

Partidos, permitindo novas agremiações com o intuito de dissipar a oposição que por ter

um grande contingente de políticos ganharia naquela ocasião o controle do Congresso

Nacional. (ALVES. 2005. p. 322)

É possível que a Nova Lei Orgânica dos Partidos tenha tido efeito contrário

ao almejado, na medida em que permitiu a politização daqueles mesmos

sindicatos, associações e outras organizações da sociedade civil que o

General Golbery desejara “devolver a seus papéis formais” e afastar da

política. A tentativa de evitar e controlar a atividade política desencadeou

novas energias oposicionistas de um modo que o Estado não esperava nem

pretendia (...). (ALVES. 2005. p. 326)

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A criação de novos partidos políticos não saiu como o esperado pelo governo,

pois aflorou movimentos contrários a este, criando uma sociedade politizada e

envolvida em discussões sobre a política nacional.

As eleições para governador de Estado mostrou o quão frágil ficou o governo

militar diante das mudanças partidárias. “Mas a maior surpresa das eleições de 1982 foi,

talvez, no Rio de Janeiro, onde o candidato do PDT a governador, Leonel Brizola,

venceu por margem superior a 200 mil votos”. (ALVES. 2005. p. 343).

A reportagem da revista VEJA de 6 de outubro de 198214, mostra as

prerrogativas que colocam Brizola na frente na disputa eleitoral, dizendo que era a

corrida eleitoral mais apaixonada e previsível do Brasil. Esboça o pensamento de que

votar em Brizola é reacender a chama de oposição, apoiando as críticas ao governo

federal e estadual e mais, anistiar aventuras anistiadas, como a conexão com Cuba.

14 https://acervo.veja.abril.com.br/index.html#/edition/33814?page=18&section=1. Acesso 10/05/2016. As 18:40hs.

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Notamos assim, que o processo de redemocratização passou por períodos

conturbados, havendo interrupções de partidos que buscavam o fortalecimento

individual. Com a forte pressão popular, os governantes não conseguiram manter-se no

poder, tendo de buscar maneiras de continuar no governando, elegeram então,

indiretamente um Presidente que não chegou a assumir, passando o cargo para Sarney

que viabilizou formas da democracia voltar a pairar sob o território brasileiro. A mais

significativa delas foi à promulgação da Constituição brasileira em 1988, que é

considerada “Constituição Cidadã15” que privilegia os direitos do povo brasileiro.

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS

Este trabalho é apenas o início de uma discussão acerca da política nacional e a

construção de discursos sobre Leonel Brizola. Esboçamos aqui um breve relato do que

será a primeira parte da pesquisa, contextualizando o período histórico que está em

foco.

Fica evidente que o trabalho está em andamento por não haver uma análise sobre

estes discursos. Mas salientamos que a revista VEJA terá destaque na pesquisa, pois ela

está sempre no foco das discussões e privilegiando um dos lados da história até nos dias

atuais.

Portanto, ao final desta pesquisa é possível verificar que Leonel Brizola esteve

engajado nas políticas nacionais brasileiras, defendendo o povo e as garantias

constitucionais do país, que esteve à frente pela democracia e que despertou no

brasileiro um sentimento de nacionalidade, de pertencimento que o faz estar presente no

cenário político atual em memória e que a partir disso os discursos sobre ele são

criados, como forma de mantê-lo vivo nas suas convicções e postura política.

15 PREÂMBULO: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional

Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e

individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como

valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e

comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos,

sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

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