o mistério da oitava ilha - paloma ortega

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“Aguardem... Vou provar que Pippa Cury também sabe jogar”. Eron e Pippa se veem sem mais alternativas quando recebem uma visita inesperada. A escola da Ilha Baguroo aguarda por eles, mas ela não é a única. Depois de um misterioso ataque e sonhos estranhos, uma nova lenda é revelada. O diretor organiza uma excursão, às pressas, ao Museum D.C., onde procurarão pelo livro de Pétrus Cornelius. Nele constam enigmas que precisarão ser desvendados, para encontrar o que o lendário mago escondia. Uma oitava ilha é mencionada e nela está guardado o tesouro mais poderoso de todos, que pode destruir ou salvar ambos os mundos dos irmãos Cury, a dimensão de Aquarium e a Terra, ou destrui-los para sempre.

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O Mistério da Oitava Ilha †

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O Mistério da Oitava Ilha †

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1ª edição

São Paulo 2014

Paloma Ortega

OOOO

A Cadeia de Ilhas de Króton Bleeds

O Mistério da Oitava Ilha

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O Mistério da Oitava Ilha †

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Este livro é dedicado ao meu pai, à minha avó e meu avô. Que vocês estejam em um lugar tão bom quanto as

Mansões de Mandos.

O Mistério da Oitava Ilha

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― Capítulo 1 ―

Um novo começo.

Os primeiros raios de luz da manhã aqueciam o meu rosto pálido.

Pensei que talvez o sono estivesse me fazendo delirar e imaginar coisas. Mas não, aquilo era real. Eu estava realmente ali, imóvel, sem saber ainda o que faTudo que eu queria era estar de volta à cama, sonhando. Eu sabia, de alguma forma, que o verdadeiro pesadelo estava ali.

O nervosismo tomou conta de mim assim que eu cheguei à entrada da nova escola. Todo ano acontecia a mesma coisa: ansiedade pela chprimeiro dia de aula, mas desta vez era ainda pior. apreensão. Não é fácil começar de novo, tudo do zero.

Era preciso fazer novas amizades, se acostumar ao local, saber lidar com os problemas e os professores, causar uma boa impressão em todos. Eu era uma garota tímida antes da Cury legal e rebelde, mas com ela aprendi a ter coragem e enfrentar os problemas.

Eron não estava lá para me dar forças. Eescolas diferentes. Ele não estava lá para dizer “Ei, tudo vai dar fazer amigos” ou então uma simples frase como “Não se preocupe”podia me abraçar agora, sentir o meu nervosismo. Tudo precisava sair perfeito,

Um novo começo.

s primeiros raios de luz da manhã aqueciam o meu rosto pálido.

Pensei que talvez o sono estivesse me fazendo delirar e imaginar coisas. Mas não, aquilo era real. Eu estava realmente ali, imóvel, sem saber ainda o que fazer. Tudo que eu queria era estar de volta à cama, sonhando. Eu sabia, de alguma

O nervosismo tomou conta de mim assim que eu cheguei à entrada da nova escola. Todo ano acontecia a mesma coisa: ansiedade pela chegada do

s desta vez era ainda pior. Não sei se era medo ou nsão. Não é fácil começar de novo, tudo do zero.

Era preciso fazer novas amizades, se acostumar ao local, saber lidar com impressão em todos. Eu era uma

garota tímida antes da Cury legal e rebelde, mas com ela aprendi a ter coragem e

ão estava lá para me dar forças. Estávamos matriculados em i, tudo vai dar certo. Você vai

então uma simples frase como “Não se preocupe”. Ele não podia me abraçar agora, sentir o meu nervosismo. Tudo precisava sair perfeito,

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mas eu estava longe de ser perfeita. Engoli em seco e entrei. Eu poderia dizer que a escola era bonita, com

uma boa estrutura e um enorme pátio, mas eu não estava prestando atenção a nada isso. Só me preocupava em causar uma boa impressão nas pessoas. Estava modificando o meu modo de andar e tentei sorrir amigavelmente para os alunos ao meu redor, mas meu sorriso deve ter parecido falso demais.

Muitas mudanças aconteceram desde que voltei da Cadeia de Ilhas de Króton Bleeds, na dimensão de Aquarium. Mudamos para Niterói, onde compramos um imóvel simples. Minha mãe, Mary Anne, ou melhor, Ryma Bleeds, me proibiu de usar os meus poderes fora de casa ou na frente de humanos normais. Eu prometi obedecer, até mesmo porque eu não conseguia usá-los toda vez que queria.

Eu era capaz de usá-los em coisas simples em casa. Algumas vezes usava o poder do fogo para acender o fogão, coisa que poderia ter feito manualmente sem problemas. Também usava o mesmo poder para aquecer a água na banheira. Usara uma vez apenas o poder da terra, mas não tentei nenhum dos outros dois elementos, água e ar. Eu tinha medo de que algo desse errado, que minha mãe brigasse comigo. Falando nela, eu ainda não sabia como chamá-la. Ryma ou Mary? Quando perguntei a ela sobre essa questão, ela sorriu e disse:

— Me chame de mãe. Meu pai também não sabia como chamá-la, mas ela preferia ser chamada

de Mary. Afinal, ela renunciou aos seus poderes, isso significa que ela abriu mão de ser Ryma Bleeds para sempre. Infelizmente para mim, era algo que eu nunca esqueceria.

Eu não a via somente como mãe, a via como uma deusa. Claro que antes de descobrir a verdade ela já era uma deusa para mim. A diferença era que agora esse significado se tornara real demais. Era coisa demais para se pensar, de modo que eu repetia para mim mesma:

Eu sou Pippa Cury. Sou filha de Ryma Bleeds com o mortal Ricardo Cury. Króton Bleeds é o meu tio, o Senhor dos Céus é o meu avô. Meu irmão, Eron, foi presenteado com habilidades impressionáveis de luta e agilidade. Minha irmã, Mel, foi presenteada com extrema sabedoria. Todos nós somos mortais.

Eu prometi a mim mesma esquecer o fato de que Króton era meu parente, mas seus olhos vermelhos ainda apareciam nos meus sonhos para que eu sempre me lembrasse disso. Quanto às visões, eu parei de tê-las, o que foi um alívio.

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Era com certo desconforto que eu observava as roupas de grife das garotas da escola. Eu era tão simples e desleixada, talvez nunca me enquadrasse lá. Cheguei à minha sala e me sentei em uma cadeira na primeira fileira. Eu não costumava me sentar na frente, mas esse era o lugar correto para uma garota nova se sentar no primeiro dia.

Eu havia recusado a proposta de estudar na Schola Sodales de Domino Coeli, na Ilha Baguroo. Eron se mostrou entusiasmado com a perspectiva, mas acabou recusando por minha causa. “Pode ir se quiser”, eu disse a ele, mas ele não iria a lugar algum sem mim. Alguns poderiam até mesmo dizer que ele é medroso (eu diria, sem problema algum), mas eu sabia que seria difícil se adaptar longe da família.

Ninguém estava na sala ainda, apenas eu. Endireitei minha mochila sobre a mesa e deitei minha cabeça nela. Eu queria fechar os olhos e dormir, dormir até que aquele dia acabasse. Eu não sabia lidar com “o terrível primeiro dia de aula”.

Acho que eu não suportava a ideia de começar tudo novamente. Eu queria o de sempre, os mesmos amigos, a mesma escola, as mesmas coisas, nada de mudanças. Esse era o meu problema. Eu tinha medo de inovar, ir atrás de algo novo. Desde que o ano acabara eu não admitia que precisava recomeçar.

No ano passado, voltamos no tempo. Voltamos ao Rio de Janeiro e retornamos às aulas. O diretor do Colégio Sócrates permitiu que eu estudasse lá novamente, desde que não causasse mais problemas. Retornei a ter minhas notas exemplares, a fazer amizade com os alunos inteligentes da sala e a ler livros.

Estudei o resto do ano de 2010 lá, no Sócrates. Nunca mais vira Mayara ou Cristhian, os traidores que me expulsaram do colégio. Fiquei sabendo, através das fofocas, que Mayara fora enviada a um internato. Sobre Cristhian, porém, ninguém sabia nada.

Abri os olhos no exato momento em que a primeira aluna chegou à sala de aula. Era o tipo de garota que faria amizade comigo. Óculos, roupa comportada e cabelos presos em uma trança. Não usava roupa de grife e provavelmente devia ser nova como eu.

— Olá — eu me aventurei a dizer. — Qual é o seu nome? — Sou Natália — ela disse, ajeitando os óculos. — Sou Pippa. — Estendi a minha mão e ela a pegou. — Eu sou nova aqui. — Eu também — ela disse em um sussurro. — Talvez você se enquadre

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melhor do que eu aqui. Não pude evitar rir do seu comentário. Ela era tão ingênua que a frase

não era para ser engraçada, mas eu não consegui evitar. Como uma garota sem roupas de grife, sem maquiagem carregada, podia se enquadrar ali?

— Não sou do tipo “Ei, olhe para o meu cabelo e a minha roupa! Não estou linda? Veja as minhas unhas!” — falei, fazendo-a rir. — Olhe para mim, eu sou simples. Eu diria até normal.

Natália era tímida e ingênua. Era legal ver a sua reação quando eu dizia coisas sobre as “Barbies” da escola. Eu acho que ela nunca riu tanto em toda sua vida. Ela era tão simples que eu me sentia à vontade com ela. Eu conseguia fazer as minhas piadinhas, que normalmente eu só faço em casa, com minha família.

Os alunos começaram a chegar e, um por um, foram se sentando. Garotas que pareciam ter estado no salão de beleza há duas horas, garotos do time de futebol, os tímidos excluídos e a turma depressiva do rock.

Quando eu era mais Cury e menos Pippa, eu costumava estar entre as “Barbies de grife” e as garotas do rock. Eu era uma rebelde com estilo, posso assim dizer.

A sala estava uma bagunça. As patricinhas fofocando, os garotos falando sobre futebol, a turma do rock ouvindo música alta e nós conversando baixinho.

— Que loucura — soltei. — Nunca pensei que fosse assim. O professor chegou à sala e a bagunça se desfez. Ele fechou a porta e

avisou que seria nosso professor. Eu queria ter dito: “Não me diga! Pensei que você estivesse aqui para nos levar ao parque aquático”, mas me contive.

Ele ensinava matemática, a matéria que eu menos gostava. Não que eu a odiasse, era mais fácil ela me odiar. O fato é que as minhas piores notas eram sempre as de matemática. Era tão fácil quando eram apenas números, por que eles foram misturar com letras?

O homem se apresentou como Carlos e já começou a escrever no quadro. BOM DIA! PROFESSOR CARLOS, MATEMÁTICA. PROGRESSÕES

GEOMÉTRICAS. Para piorar, ele era do tipo que já mandava um quilo de lição para casa no primeiro dia. O professor começou perguntando nossos nomes, o que foi muito constrangedor.

Sempre tem algum aluno que se atrasa para a aula, mas no primeiro dia todos se esforçam para chegar adiantados. Mas ali não era o caso. A porta se abriu abruptamente e dois alunos entraram de mãos dadas. Fiquei boquiaberta, eu não podia acreditar que aquilo estava acontecendo. Era coincidência demais.

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Os alunos atrasados eram Mayara e Cristhian. — Sentem-se — ordenou o professor. Eles se dirigiram ao fundo da sala, onde Mayara gostava de sentar. Ela

havia feito várias mechas vermelhas no cabelo e usava roupa de grife. Cristhian continuava o mesmo, mas estava mais carinhoso com ela. Eu não tinha dúvidas, eles estavam namorando. Eu reparei bastante neles, porém nenhum dos dois pareceu me notar.

Eles ficaram a aula toda conversando, enquanto os outros conversavam sobre eles.

— Você viu? Estão todos comentando sobre os alunos que chegaram atrasados — disse Natália. — Eles devem ser legais.

— Legais? — abafei um riso. — Para alguém que estava em um internato, ela ainda parece bem rebelde.

— Ela estava em um internato? Por quê? — perguntou ela. — Porque ela aprontou comigo — admiti. — Ela e o garoto, Cristhian. — Estão dizendo que ela foi expulsa porque a encontraram quebrando as

regras, se é que você me entende — disse Natália ingenuamente. — Coisas... Aquilo.

— Não duvido nada. Ela mesma queria colocar drogas na mochila do próprio Cristhian para expulsá-lo do colégio — soltei. — Mas os dois são igualmente detestáveis. Ele... fingiu que ia me beijar e ela viu — eu estava sussurrando agora. — Eles não são nem um pouco legais.

— Natália! Pippa! — o professor Carlos nos repreendeu. — Parem de conversar.

Oh, não. Agora eles sabem que eu estou aqui, pensei. Eu fiquei a aula inteira quieta, fazendo o possível para respirar mais

suavemente, mas a verdade era que minha respiração ainda estava acelerada. O professor explicava, mas eu não conseguia prestar atenção. Eu até tentava, mas era impossível sabendo que Mayara e Cristhian estavam na mesma sala de aula que eu.

A próxima aula foi de história, com uma professora que realmente parecia ter vindo da Idade Antiga. O modo como ela se vestia me lembrava um viking. Eu a imaginava viajando em um navio e invadindo terras, tudo, menos ensinando história. Ela combinava com a disciplina, mas era uma mulher sem expressão, parecia uma “mosca morta”.

Natália tentava puxar assunto comigo às vezes, mas eu não quis dar

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muita atenção. Queria fazer o possível para passar despercebida, diferentemente do meu propósito ao chegar ali. Eu queria sumir, sair dali e voltar para casa. Eu estava decidida a me mudar de escola. Milhares de escolas e eles vêm parar logo na minha?

Se eu ainda estivesse vivendo no meu antigo bairro, seria normal isso acontecer, mas era Niterói e havia várias opções de escolas para eles escolherem. No mínimo, uma que não fosse essa. Mas eles estavam ali e eu não poderia fugir para sempre. Eu precisava lidar com isso, mais cedo ou mais tarde.

Talvez Natália tenha entendido o meu desespero, porque não falou mais comigo até a aula acabar. Ela parecia ser do tipo que fica em silêncio a aula toda prestando atenção, mas acho que a perspectiva de ter uma nova amiga era uma novidade incrível para ela. Admito que talvez para mim também fosse, mas devido às circunstâncias, não consegui corresponder às suas expectativas. Era apenas o primeiro dia de aula e eu já previa problemas. O lado bom disso era que eu já tinha uma amiga para conversar e ficar comigo durante o recreio. Eu não queria ficar sozinha perto de Mayara ou Cristhian. Sabe-se lá o que eles poderiam fazer.

O sinal soou, isso significava que a aula havia acabado. Levantei-me apressada para sair da sala antes que Mayara pudesse me alcançar. Eu não deixei que Natália pensasse que eu não queria a sua presença, então a puxei pelo braço para fora da sala.

Atravessamos o corredor às pressas, mas Mayara já estava lá me esperando. Ou será que ela estaria esperando por Cristhian, já que ele não estava com ela? Ele poderia estar na sala e... Quem eu estou querendo enganar? Eu estava em pânico, isso sim. Como Mayara saíra tão rápido?

Hesitei e comecei a caminhar mais devagar, eu não queria que ela pensasse que eu estava fugindo. Mas era isso que eu estava fazendo. Pensei que ela não diria nada, não faria nada. Enganei-me completamente.

— Quem diria... — ela começou. — Você por aqui. Eu ia ignorar o comentário e seguir em frente, mas ela bloqueou o

caminho. — Cadê as suas mechas, Cury? — ela perguntou, alisando o meu cabelo.

Ela forçou um sorriso simpático, que ficou mais falso que uma nota de três dólares. — Você estava tão bonita com elas!

Retirei as suas mãos do meu cabelo com repulsa. — Pippa, meu nome é Pippa — eu a corrigi. — E eu gosto dele assim.

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Eu tentei passar novamente, mas ela insistia em bloquear a passagem. Natáliaestava aturdida, sem saber como agir. Fiquei com pena dela. Naquele momento sabia que precisava mudar de escola o mais rápido possível. Não ia demorar muito até que Mayara me arranjasse problemas novamente.

— O que há com você, bobinha? Somos amigas — ela suspirou. — Ah, você fez tantas coisas por mim! Eu preciso te agradecer de alguma forma, mas se você não quiser ser minha amiga, eu posso pensar em outros métodos.

— Me deixe em paz, Mayara! — eu a empurrei para o lado e atravessei o corredor apressadamente. — Vamos, Louise.

Natáliacomentou sobre esse incidente durante todo o intervalo com entusiasmo. Acho que talvez fosse a maior emoção que ela já tivera. Ela ficou ao meu lado, mesmo sabendo que fui eu que empurrei Mayara. Talvez ela sentisse por mim o que eu não conseguia sentir: orgulho.

O refeitório estava lotado. Cada mesa pertencia a um grupo de alunos específico. Não que estivessem resevadas ou coisa assim, mas ninguém ousava se sentar no lugar das Barbies de grife nem no lugar dos garotos do time. Era tudo relativo. Se você era popular, sentava-se em uma dessas duas mesas. Se você não era, sentava-se com os calouros ou sua turma.

Mayara estava sentada com Cristhian na mesa que ficava entre as Barbies de grife e os garotos do time. Eu e Natálianos sentamos em uma mesa. Sem calouros, sem populares, apenas nós duas. Perguntamos coisas simples de duas pessoas que estão se conhecendo. O que seus pais fazem? Por que você se mudou para Niterói? Quantos anos você tem?

Durante a conversa, não pude evitar olhar para onde Mayara estava sentada. Cristhian estava usando a camisa do time de futebol nova. Eles já tinham muitos amigos, mas não pareciam delinquentes. Eram populares, mesmo sendo calouros como nós.

Assim que a fila da cantina esvaziou, fui até lá comprar um pão de queijo e um suco de uva. Notei que Mayara também saiu da mesa, mas estava torcendo para que ela não viesse atrás de mim de novo. Que ingenuidade a minha, claro que ela viria atrás de mim.

Fiquei esperando na fila, sem olhar para trás. Assim que comprei o suco de uva e comecei a bebê-lo, alguém esbarrou em mim, fazendo o líquido roxo cair na minha camiseta branca. Eu já sabia antes de olhar que era Mayara a culpada por isso.

— Minha nossa! Desculpe, Cury. Eu não vi você! — ela disse com uma

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risadinha. — Vamos, eu te ajudo a limpar. Fiquei perplexa com a sua atitude. Se eu pudesse, faria com que todo o

molho de seu cachorro-quente caísse em cima dela, mas eu não tinha esse poder. Eu queria poder queimar o seu cabelo também, mas eu não sabia usar os meus poderes ainda. Eu estava com raiva, sentia-me humilhada na frente de todos.

— Claro que você não viu — falei, tentando parecer calma. — Você nunca vê nada além do próprio nariz.

— Está me chamando de nariguda? — Ela jogou o meu pão de queijo no chão e o pisoteou. — Não espere sentada, Cury. Não vai demorar tanto assim para eu acabar com você!

Todos no refeitório estavam agora me observando. Seus olhos iam de Mayara, que saía de lá a gargalhadas, até mim, que continuava ali de cabeça baixa. Eu não conseguia suportar as risadas, as piadinhas. Só me lembro de sair correndo de lá em direção ao banheiro e não sair de lá até que o sinal de saída soasse.

Natáliafoi ao meu encontro, mas eu pedi para ela me deixar sozinha. — Sabe... Mayara quer que eu me una a ela contra você — disse

Natáliaantes de sair. — Mas eu nunca poderia aceitar isso. Você é a única pessoa que já foi legal comigo de verdade, sem querer nada em troca.

— Obrigada — murmurei. — Você é a única que merece ser tratada gentilmente nessa escola.

— Eu vou te deixar sozinha agora. Boa sorte! — ela se foi, fechando a porta atrás de si.

Aquela foi a última vez que eu vi Louise. Esperei o sinal soar e corri para a saída. Felizmente, não encontrei mais

Mayara ou Cristhian, mas encontrei duas figuras conhecidas. Meu irmão estava me esperando junto de um homem que devia ser trinta centímetros mais baixo que eu. Sem a roupa verde eu quase não o reconheci, mas quando vi que ele segurava um cachimbo, minha expressão se iluminou.

— Sophos! — gritei e corri para abraçá-lo. — O que faz aqui? — Calma, garota — ele se queixou. — Um abraço mais suave, por favor.

Você está me sufocando! — Sophos veio fazer uma visita — disse Eron. — Que ótimo! Vamos lá para casa, para você ver a minha mãe — falei. Sophos estava usando uma bermuda e uma camiseta como um humano

normal. Era engraçado vê-lo assim, ainda mais por perceber que suas pernas

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eram tão finas. Ele parecia constrangido de usar aquele traje e ficava resmungando sem parar.

— Keenath disse que esse é o tipo de traje que os humanos usam. — ele disse, ajeitando a camisa. — Isso é horrível! Como os mortais conseguem usar uma coisa dessas? Minhas pernas ficam aparecendo e a roupa nem ao menos é verde!

Eu e Eron caímos na gargalhada. — Eu acho que ele estava querendo se divertir com a sua aparência —

falei. — Ou ele nunca ouviu falar de calças. — Eu aposto na primeira opção — disse Eron, rindo. — Mas que palhaçada! — resmungou Sophos. Andamos até a esquina, onde meu pai esperava com o carro. Era ele

quem ia nos buscar na escola, pois minha mãe não tinha carteira de motorista. Ela não gostava de dirigir carros e agora eu entendia o motivo. Estava habituada a outros meios de transporte na outra dimensão, algo mais ecológico. Afinal, ela é Ryma Bleeds.

— Você não está usando os seus poderes aqui, não é? — Sophos sussurrou antes de entrarmos no carro. — Você já usou fora de casa?

— Já — admiti. — Mas foi apenas uma vez. E realmente eu usara uma vez, mas me arrependi. Tinha sido no ano

passado, quando eu voltava à noite para casa. Eu fui estudar na casa de uma das minhas antigas amigas e só terminamos tarde da noite. A mãe dela me convidou para dormir lá, mas eu recusei.

— É perigoso, Pippa! — disse minha amiga. — Você sabe que pode acontecer alguma coisa.

— Eu sei — respondi —, mas eu vou mesmo assim. Nada do que a minha amiga ou a mãe dela disseram me fizeram desistir

de sair. Eu peguei minha mochila e segui para a estrada. Eu estava sem dinheiro e o único jeito era voltar a pé. A casa dela não era tão longe da minha, talvez uns dez minutos de caminhada.

Não havia ninguém na rua, apenas eu e o silêncio. Eu podia ouvir os meus passos e a minha respiração. Eu estava tão apreensiva com a escuridão e com os perigos, que cada barulho era suspeito. Imaginando que minha mãe talvez estivesse preocupada, comecei a andar mais rápido.

Mais um barulho aqui, outro lá e meu coração disparava. Comecei a ficar com medo do que poderia acontecer se alguém aparecesse. Acho que foi

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isso que atraiu os passos. Passos que começaram a surgir atrás de mim, mas eu não me atrevi a olhar.

Uma risada, uma correria e um canivete. Um homem de aparentemente trinta anos saltou na minha frente. O canivete que ele portava cintilou à luz da lua e eu fiquei apavorada. Ele me mandou ficar quieta. Disse que se eu gritasse me cortaria inteira.

— O que tem na mochila? — Ele apontou o canivete na minha direção. — Passa a mochila para cá!

Eu hesitei. — Anda! — ele gritou. — Passa para cá! Eu entreguei a mochila a ele. Eu estava trêmula, mas ainda sim consegui

dizer: — Não tem nada de valor aí. Só livros da escola. — Calada! — ele ordenou. — Você só vai sair daqui quando eu

desaparecer na esquina. Escutou? — Eu assenti, concordando. — Nada de chamar a polícia ou eu vou atrás de você!

Ele não usava disfarce algum, mas mesmo assim eu não me lembro de sua aparência. Foi tudo tão rápido que eu não tive tempo de reparar nas suas roupas, no seu cabelo e muito menos no seu rosto. Eu tive vontade de retirar Spectro Lux do cabelo, que eu sempre levava comigo na forma de presilha, e atacá-lo. Mas eu não podia.

Eu menti. Tinha objetos de valor na minha mochila. Meu celular, meu Ipod e meu dinheiro estavam lá. Enquanto ele corria de volta à escuridão, não pude me conter. Quando ele passou perto de uma árvore, eu desejei que ela o agarrasse, e ela o fez. Ele foi erguido do chão violentamente pelos galhos e a mochila ficou pendurada em outro galho mais baixo.

Ele tentou se libertar, mas em vão. Eu tinha acabado de usar o poder da terra pela primeira vez e me sentia muito bem. Eu me sentia poderosa e entusiasmada. Corri até onde o criminoso ficara preso, debatendo-se entre os galhos grossos.

— Não se preocupe — debochei —, eu não vou chamar a polícia, mas quero um pedido de desculpas.

— O quê? — o homem gritou. — Nunca pediria desculpas! Você é um monstro! Tire-me daqui!

— Está bem. — Dei de ombros. — Então eu vou chamar a polícia. Peça desculpas!

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— Nunca! Nunca! — ele começou a gritar com raiva. — Quando eu sair daqui eu vou te procurar e acabar com você!

Aquelas palavras me doíam. Eu só queria que ele se desculpasse e eu iria soltá-lo e correr, mas ele se recusou.

— Tente — falei com um sorriso. Aproximei-me da árvore e o galho onde estava a minha mochila desceu para que eu pudesse pegá-la. — Obrigada por devolver a minha mochila.

Voltei para casa normalmente. Quando cheguei e contei a história, eu estava mais entusiasmada do que apavorada. No entanto, o que eu sentia era um mistura das duas coisas. Minha mãe brigou comigo e me fez prometer que eu só usaria a magia para acender o fogão e coisas simples desse tipo.

— Eu prometo, mãe — respondi. Esse foi um dos motivos para nos mudarmos do Rio de Janeiro. O

segundo foi a transferência dos negócios do meu pai para Niterói. Minha mãe também queria montar sua loja lá, então nos decidimos. Morar em Niterói era legal também, mas eu não tinha amigos lá.

Agora eu tinha Louise, ou pelo menos achava que tinha. Eron tinha uma facilidade incrível para fazer amizades, o oposto de mim. Com um simples “Bom dia!” ele conseguia prolongar a conversa até a pessoa lhe contar a história sobre a sua vida.

No carro, meu pai escutava uma música bem brega, do jeito que ele gostava. Quando Sophos entrou, ele quase o expulsou de lá. Talvez ele tenha pensado que era estranho ver seus filhos com um homenzinho daquele. Apesar de ser inofensivo, Sophos parecia um homem ignorante e rabugento à primeira vista. Ele era sim, mas não sempre. Para piorar estava carregando o seu cachimbo. Meu pai não deve ter pensado boas coisas dele.

— Aceita um cachimbo? — ofereceu Sophos. — Não, obrigado — meu pai recusou, franzindo a testa. — Quem é você

agora? Ou devo dizer... O que é você? — Eu sou uma fada. Não consegue ver a minha beleza física e espiritual?

— Sophos debochou, fazendo-nos rir. Meu pai o encarou através do retrovisor. — Fique calmo aí, cara. Eu sou um Leprechaun.

— Um Leprechaun, é? — Meu pai revirou os olhos. — O dia hoje vai ser interessante.

— O dia hoje já está sendo interessante. Nunca imaginaria que Sophos viesse nos visitar — disse Eron.

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— Ah, então este é o famoso Sophos? — Meu pai sorriu, um pouco menos despreocupado, observando-o pelo retrovisor.

— Sim, pai. Nosso grande amigo Sophos. — Como foi o primeiro dia de aula de vocês, filhotes? — meu pai

perguntou com um sorriso. Eron começou a descrever animadamente o seu dia e o modo como Sophos se disfarçou de faxineiro para entrar na escola e surpreendê-lo. Eu estava com vontade de chorar, mas me contive. — E você, filhota... Vejo que o seu dia não foi muito legal. O que há de errado?

— Nada — menti. — Apenas me mude de colégio o mais rápido possível. Na nossa nova casa, minha mãe estava preparando o almoço e Mel estava

dormindo. Assim que abrimos a porta, fomos atacados por patinhas que arranhavam as nossas pernas e imploravam por carinho. Sherlock Canis, nosso novo cãozinho adotado, reconheceu Sophos rapidamente.

Sherlock era um filhote de Husky Siberiano que encontramos na Ilha Azul. Como todos os animais e plantas, ele se apaixonou por mim. Ou seria melhor dizer que nós nos apaixonamos por ele primeiro? Talvez. A questão era que eu não estava em condições de admitir algo assim.

É preciso avisar, também, que Sherlock era um cão muito especial e podia se comunicar comigo através de pensamentos. Quando consegui me comunicar com ele pela primeira vez, quase surtei. A antiga Pippa tinha a mente fechada, nunca poderia aceitar essa verdade. Agora eu vejo que não dá para negar. Um filhote de cão azul estava falando comigo. Eu o ouvi claramente na minha cabeça, então, como duvidar disso?

Como tudo na Ilha Azul, Sherlock tinha a pelagem da cor azul claro mesclada com azul escuro. Mas isso era na Ilha Azul. Aqui, em Niterói, fora da dimensão de Aquarium, ele era um Husky como qualquer outro. Não, não como qualquer outro. Preciso admitir que ele é o cão mais lindo que já vi.

Ei, ei! Trouxe alguma coisa para mim?, Sherlock perguntou, com as patas na minha calça.

— Não, garoto — respondi. — Sinto muito, o dia foi complicado hoje. Sua mãe só está me dando aquela ração horrorosa, Pippa! Mas sem problemas,

quando ela sai eu assalto a geladeira. — Eu ouvi isso, Sherlock! — minha mãe gritou da cozinha. — Não se

esqueça de que um dia eu fui Ryma Bleeds! — Você ainda é Ryma Bleeds, sempre será — disse Sophos cortês. Ele a

cumprimentou. — É um prazer revê-la.

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Agora já sei por que o dia foi complicado. É aquele anão, não é? Aquele das roupas verdes e estranhas?, Sherlock zombou. Eu achei que não veria mais nada engraçado, até perceber as suas pernas finas.

Eu dei uma risadinha e o afaguei. — É melhor ele não ficar sabendo disso. — Seu cão está zombando das minhas meias novamente? — perguntou

meu pai — Deve estar reclamando da ração que a mamãe dá para ele — respondeu

Eron, pegando-o no colo. Vinte minutos depois, a mesa estava arrumada e o almoço estava sendo

servido. Lasanha. O meu prato preferido. Sherlock se aninhou em minhas pernas e ficou esperando eu terminar. Sempre que podia deixava os restos para ele. Ele ficava contente de comer algo além da ração, mas quando tinha lasanha era bem difícil sobrar alguma coisa.

Os adultos conversavam as suas coisas chatas de sempre. Tão chatas que eu nem sabia sobre o que era. Nessas ocasiões nós simplesmente ficávamos surdos ou nos dirigíamos para os nossos quartos. Porém, Sophos estava ali e por respeito a ele, continuamos sentados. Quando o almoço terminou e minha mãe recolheu a prataria, Sophos começou:

— Bom, eu estou aqui para fazer um pedido. Talvez até implorar. — Implorar? — perguntou a minha mãe. — Por quê? Nesse instante, Mel começou a chorar. Minha mãe pediu para que eu

buscasse o seu chocalho, pois ela provavelmente estava dormindo sem ele. O brinquedo fora um dos presentes que recebemos depois do nosso retorno ao Rio de Janeiro. Eron ganhou Sherlock, que era de todos nós. Mel ganhou o chocalho, que era mágico. Quando ela estava com ele, nunca chorava.

Corri para buscar o chocalho que estava em cima da minha cama. Junto dele, duas cartas estavam lá. Eu não sabia do que se tratavam até abri-las. A primeira era de Domino Coeli, o Senhor dos Céus. A segunda era de Keenath, o diretor da Schola Sodales de Domino Coeli, nos convidando para um ano gratuito de estudos.

O que estas cartas estão fazendo aqui? — Filha, o chocalho! — gritou minha mãe. O grito me despertou para a realidade. Mel estava chorando, precisava

do seu chocalho. Peguei o brinquedo e levei até seu berço. Assim que ela o tocou, cessou o choro instantaneamente. Eu não sabia como aquilo funcionava,

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mas até agora estava sendo muito útil. Principalmente para o meu pai, que não sabia muito bem lidar com bebês.

Ainda com as cartas na mão, caminhei em direção à sala. Sophos agora sussurrava, o que podia significar que eu não podia saber do assunto. Hesitei quando estava no corredor, parando para ouvir a conversa. Tinha uma parede que, se você encostasse o ouvido, dava para ouvir nitidamente. Eu fazia isso sempre que meus pais discutiam sobre os castigos que eles iriam me dar.

— Eu não gostei nada da ideia — dizia a voz do meu pai. — Eles não podem, simplesmente, esquecer que aquilo existe?

— Querido, vai ser melhor — minha mãe disse. — Você vai entender. Entender o quê? O que estava acontecendo? — Eles precisam ir — sussurrou Sophos. — Eron já concordou. — Está bem — resmungou meu pai. Já concordou com o quê? O que eles estavam planejando? Eu mantive o

meu ouvido grudado na parede para continuar ouvindo. Meus olhos deslizaram para a carta de Keenath em minhas mãos. Meus olhos se arregalavam de curiosidade, enquanto eu esperava pelas últimas palavras.

— Está decidido — Sophos fez uma pausa, provavelmente para fumar seu cachimbo. — Pippa e Eron vão estudar na Schola Sodales de Domino Coeli.

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― Capítulo 2 ―

O passeio tranquilo de redemoinho.

Eu adicionei uma última calça jeans na mala, antes de depos

cuidadosamente Sherlock. Eu não tinha escolha, mobrigara a ir. Parte de mim desejava partir, pois era a chance de me livrarMayara e Cristhian. Porém, a outra parte não queria voltar para a dimensão de Aquarium. Tinha medo do fascínio que aquele lugar me causava.

Eron estava arrumando as suas coisas também, de costas para mim. Sentei-me na cama de pernas cruzadas, observando a paisagem atravéscomo se fosse a última vez que eu a veria. Meus olhos se fixaramboné preto que meu irmão depositava na mala. Eu sabia que ele queria ir para lá desde o ano passado. Pensei que ele tivesse esquecido, pois o único modo de ele ir seria se eu fosse também. Mas eu recusei.

Agora eu tinha que ir. Minha mãe disse que eu precisava aprender a usar os meus poderes, que seria o melhor para mim. Lá eu ficaria segura, aprenderia coisas novas e faria várias amizades. Não tinha dúvidas sobre a seaprendizado, mas as amizades sempre foram o fator que mais me preocupava. Mas não era só a dificuldade de me socializar, era algo mais.

— Você queria ir, não é? — perguntei a Eron

edemoinho.

u adicionei uma última calça jeans na mala, antes de depositar

Eu não tinha escolha, minha mãe praticamente me pois era a chance de me livrar de

não queria voltar para a dimensão de lugar me causava.

estava arrumando as suas coisas também, de costas para mim. observando a paisagem através da janela,

u a veria. Meus olhos se fixaram também em um boné preto que meu irmão depositava na mala. Eu sabia que ele queria ir para lá desde o ano passado. Pensei que ele tivesse esquecido, pois o único modo de ele

Agora eu tinha que ir. Minha mãe disse que eu precisava aprender a usar os meus poderes, que seria o melhor para mim. Lá eu ficaria segura, aprenderia coisas novas e faria várias amizades. Não tinha dúvidas sobre a segurança e o aprendizado, mas as amizades sempre foram o fator que mais me preocupava. Mas não era só a dificuldade de me socializar, era algo mais.

Eron. — Você já sabia que Sophos

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viria? — Eu queria ir — ele admitiu —, mas não sem você. Nunca imaginei que

Sophos viria, eu estaria te esperando na saída da escola de qualquer jeito hoje. — Estaria? — perguntei surpresa. — Por quê? — Sei lá — ele deu de ombros. — Eu tinha esperanças de que você

mudasse de ideia. Você não precisa ir se não quiser, é só recusar. Sophos não vai te obrigar ou algo assim.

Eu sorri e pulei em cima dele na cama. Dei-lhe um abraço apertado e falei:

— Eu vou, por você. A minha mala começou a se mexer. Corri até ela e abri o zíper. A cabeça

peluda de Sherlock apareceu e ele começou a me olhar com os olhinhos brilhantes.

— Ei, amigão. Se você não colaborar a mamãe vai descobrir — falei. — Tente ficar quieto, certo?

Eu fechei o zíper e carreguei a mala. Eu tinha a certeza que ele podia se virar lá dentro. Eu não me preocupava com a falta de ar, a comida e as necessidades. Qualquer um que vivesse na Ilha Azul podia aguentar algumas horas trancafiado em uma bolsa. Atravessei a sala, fazendo o possível para que minha mãe e meu pai não notassem Sherlock.

Depois de muitos beijos e abraços, minha mãe finalmente nos soltou, fazendo-nos respirar novamente. Com meu pai não foi muito diferente. Um abraço apertado e a frase de sempre. “Se cuidem, filhotes”. Acho que finalmente ele foi convencido por Sophos. Eles trocaram um aperto de mão e se despediram também. Claro, depois de nos prevenir dos perigos e precauções.

Só porque minha mãe é Ryma Bleeds, não significa que ela é diferente de todas as mães. Não podia faltar o “Tomem cuidado!”, “Não conversem com estranhos”, “Cuide de seu irmão”, “Juízo!”... Todas eram compreensíveis, mas admito que a segunda fosse difícil de praticar. Em uma dimensão onde elfos, fadas, ninfas, monstros e tantas outras criaturas estavam misturadas, era difícil não conversar com estranhos.

— Não se esqueça de fazer o seu irmão comer — minha mãe me lembrou, por fim.

— Prometo — sorri. — Se ele não comer eu vou vomitar a comida toda na cabeça dele.

— Pippa! — meu pai me repreendeu.

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— Desculpa — levei as mãos à boca, constrangida. — É a força do hábito. Lágrimas se formaram nos meus olhos quando eu disse o último adeus.

Estávamos já no corredor esperando o elevador quando a minha mãe veio correndo com uma vasilha em mãos.

— Aqui está! — ela disse olhando para minha mala. — É carne. Apenas um presentinho para Sherlock.

Definitivamente somos péssimos em guardar segredos, pensei. — Nós não conseguimos esconder nada de você, não é? — disse Eron,

abraçando-a. Sophos nos conduziu ao elevador, que em poucos minutos nos levou até

o andar térreo do prédio. Eu pensei que ele nos levaria até o Rio de Janeiro, para entrar novamente no bueiro daquele beco fétido onde vivia. Já havia imaginado o quanto iríamos nos divertir nos jogos, nos escorregadores, na cachoeira, e saborear aquela comida...

A noite se aproximava quando saímos. As luzes provenientes dos apartamentos iluminavam a cidade, assim como as placas brilhantes, os faróis dos carros e as decorações das residências mais luxuosas de Niterói.

Esperamos um táxi para nos levar ao nosso destino. Era realmente de se esperar que estivéssemos indo para a casa de Sophos, pois estávamos indo em direção à ponte, que liga os distritos de Niterói e Rio de Janeiro. Porém, na entrada da ponte, o leprechaun pediu ao taxista que nos deixasse ali. E com ali eu quero dizer no meio do nada.

— Como? Não posso deixá-los aqui! — disse o taxista. — É perigoso a essa hora da noite....

— Deixe-nos aqui, por favor, e não reclame — resmungou Sophos. — Eu pago em dobro, se quiser.

O taxista não objetou. Parou o táxi e recebeu o dinheiro. Descemos do veículo e seguimos Sophos. Ele começou a caminhar pelo trajeto destinado a pedestres e ciclistas, que estava surpreendentemente vazio, exceto por um atleta que passou por nós, pedalando sua bicicleta. Sophos se dirigiu a dois arcos altos na metade da ponte, pedindo para que o acompanhássemos. Por um momento ficamos ali observando, pensando que tudo não passava de uma brincadeira. Até ele se irritar e começar a reclamar.

— Venham logo! — disse ele. — Aqui há uma passagem secreta. — Aqui... no meio da ponte? — Eron perguntou, olhando para o tráfego

de automóveis ao nosso redor. A travessia de pedestres ficava entre duas estradas

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movimentadas. — Não podemos fazer isso! Os motoristas vão estranhar. — Quer saber a melhor parte? — perguntou Sophos. — Depois disso,

quando alcançarmos as escadas, teremos de pular no rio East. — Não mesmo! — protestei. — Está um frio mortal. Se eu pular no rio eu

não vou aguentar. Além disso, dizem que há outra palavra para isso. Suicídio! Sophos começou a caminhar tranquilamente. Pressionando a coluna do

arco em vários pontos diferentes, como se fosse um código, abriu uma entrada escura e misteriosa, onde era possível ver apenas a sombra de uma escada.

— Se vocês demorarem, juro que largo vocês dois aqui. Chamas dançaram em minhas mãos quando usei o elemento Fogo para

iluminar a descida pela escada, que terminava em uma das bases que sustentava a Ponte do Rio de Janeiro. Quando alcançamos o último degrau, um chão feito de tijolos formou-se à nossa frente, como se fosse um píer. Estávamos muito próximos da água agora, que começava a tremular, agitando-se nervosamente.

— Não tenham medo, isso vai levar apenas alguns segundos — afirmou Sophos. — Já fiz isso uma centena de vezes.

Eron pegou a minha mão e nos juntamos a Sophos. Sem nem mesmo objetar, pulamos. A queda livre não proporciona uma sensação muito boa, mas o nosso impacto com a água não foi melhor. O rio literalmente nos engoliu em um redemoinho. Eu só me lembro de gritar bastante, com medo do que poderia acontecer. Eron parecia rir da situação e Sophos nem sequer se manifestou para dizer um “Está tudo bem, não estamos morrendo. Essa sensação de morte súbita é absolutamente normal”.

Fico imaginando se as pessoas viram aquilo acontecer. Provavelmente não.

Aquela era apenas uma das milhares de passagens para a dimensão de Aquarium. Em toda parte do mundo existiam passagens, mas as pessoas comuns não tinham a capacidade de percebê-las. Talvez essa fosse até uma explicação aceitável para os mistérios do Triângulo das Bermudas, onde navios, aviões e barcos haviam desaparecido.

Aquela rotação enlouquecedora na água não era nada comparada às aventuras que tivemos na Cadeia de Ilhas de Króton Bleeds. Pelo menos eu tivera meus irmãos, Sophos e Ian para me acompanhar durante aquela jornada.

Ian. Fazia já um tempo que eu não pensava nele. Admito que depois do meu primeiro beijo no castelo de Króton, ele ficou passeando dias e dias na minha cabeça. Até o momento em que eu pensei: “Chega! Eu nunca mais vou

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voltar lá, então para que ficar me lembrando disso?”, e finalmente consegui dissipar um pouco de sua memória.

Uma sensação tomou conta de mim. Ansiedade? Nervosismo? Eu não sabia dizer. O redemoinho estava ainda nos engolindo, nos levando a uma viagem fantástica. Bolhas e mais bolhas formavam-se em torno de nós, carregando o nosso corpo para um buraco fundo e escuro. Tentei gritar, mas acabei engolindo água. Eca!

Entramos no buraco. Eu sabia que eu podia respirar embaixo d'água. Mas como será que Eron,

Sophos e Sherlock estavam se virando? Não sei quanto a viagem durou, talvez o suficiente para matar. Quando tudo terminou e a escuridão foi substituída pela luz, fomos expelidos em direção a uma grama verde. Tive a sensação que um grande monstro havia me engolido e me cuspido junto com a água do rio East em uma floresta.

Não, não era exatamente uma floresta. Eu conhecia aquele lugar. Estivemos lá no ano anterior, depois de atravessar a passagem do beco. Era o começo da dimensão Aquarium, como uma recepção. Logo à frente estavam as árvores computadorizadas e o chão onde os desenhos se formavam.

Literalmente, dos meus pés nasciam flores. Sophos, ao pisar na estrada, notou que o desenho abaixo de seus pés formavam vários cachimbos. Não podíamos deixar de rir daquela situação. Ainda mais quando Sherlock pulou para fora da mala. Debaixo de suas patas formaram-se desenhos de carne, que ele tentava inutilmente morder.

Sua mãe podia ter me presenteado com uma quantidade maior de carne, disse Sherlock.

— Não reclame — respondi. — Você já comeu a carne toda. A culpa é sua, por ser tão guloso. Você sabe que minha mãe dá ração porque é mais saudável e é própria para o organismo dos cães, ela não quer que você fique doente.

Olhe para mim, disse ele com a língua de fora. Sou adorável demais para comer aquela ração ruim. Carne é carne, seja de troll, seja de boi.

Soltei uma risadinha. Eu queria que os outros pudessem ouvi-lo para descobrirem seu humor fantástico (ou irritante, pense como quiser), mas somente eu e minha mãe éramos capazes disso. Dirigimo-nos à entrada do arquipélago. A placa não mentia.

Bem vindo à Cadeia de Ilhas de Króton Bleeds. Króton Bleeds. Aquele que sequestrou meus pais, que nos enganou e

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jogou seu próprio jogo conosco. Um jogo onde ele estabelecia as regras e nós não podíamos contestar. Um jogo onde vidas inocentes estavam em risco e onde ele quase conseguiu guiar nossos passos em direção à morte. Ele conseguiu obter, então, aquilo que mais almejava. O colar... O colar de Ryma Bleeds.

O colar que minha mãe tanto me alertou para proteger a qualquer custo, que me salvou da morte mais de uma vez. Um colar de imunidade. Para que Króton tanto o desejaria? Ele já não era imortal? Mesmo que eu quisesse muito tirar todas as minhas dúvidas e saber de toda a história, nunca perguntei nada à minha mãe. As trevas ficaram no passado.

Certa vez, fiquei curiosa para saber de que modo eu nasci. Ryma Bleeds nasceu de um lindo lírio, Króton de uma pedra áspera, mas e eu? Como eu teria nascido? Como esse assunto não era referente à Króton ou ao colar, eu me sentia à vontade para perguntar:

— Como eu nasci? A expressão da minha mãe era surpresa e divertida ao mesmo tempo. Ela

sorriu e acariciou seu ventre. — Como todos os mortais — ela respondeu. — Do modo... Bem, do modo

tradicional. Uma cegonha carregando um bebê em Rio de Janeiro, você sabe... Não pude deixar de rir da situação embaraçosa. Eron observava os desenhos se formando abaixo dos seus pés, enquanto

atravessava o piso de material eletrônico. Carros de corrida, como da última vez. Avistamos a empresa de transporte aquático, Aquarium Transportes. Estivemos lá uma vez para comer. Eu me arrepiava toda só de me lembrar da mulher cobra, feliz com seu rato no prato.

Como era mesmo seu nome? Ah, sim. Anguis, a víbora comedora de ratos inocentes. Quando nos aproximamos da plataforma principal, avistamo-la em horário de trabalho. Ainda do seu modo peculiar, mordendo e devolvendo as passagens. Depois de Króton, Anguis se tornou inofensiva para mim. Até a língua de Króton deve comer mais ratos do que ela.

Enquanto Sophos entregava alguns aureus de ouro para uma mulher barbuda, sentamo-nos nos bancos flutuantes. Estávamos com saudades deles e da sensação que eles proporcionavam. Várias pessoas, ou melhor, criaturas, aguardavam em silêncio pelo próximo ônibus. Eu ainda os observava com curiosidade, pois aquilo tudo parecia novamente uma surpresa para mim.

Quanta coisa nós vivenciamos aqui. Tantas coisas em tão poucos dias... Ninfas, fadas, elfos, espíritos da natureza. Tetros, Huskies azuis, mortos

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no subsolo. Sereias, golfinhos, homens peixe-boi. Carne assada de troll, cogumelos nórdicos, purê de spindóias. Minimins, Amats, Lázuli. Epaminondas, Dr. Vulpes, Hitler. Gigantes, a harpa de ouro, a pérola de Syreni. Onera, Króton, Ryma...

Tudo isso e muito mais fizeram parte da nossa aventura naquele lugar. Vimos coisas legais, como A Árvore da Razão e os Minimins. Estivemos em lugares terríveis, como O Bosque Infinito, o pântano dos Kribits e o castelo de Króton. Era estranho lembrar que tudo aquilo era real.

Um Aquabus parou na plataforma. Linha 2: Universal. — O que isso significa? — perguntei a Sophos. — Significa que o ônibus vai para todas as ilhas, sem exceção —

respondeu ele. Anguis veio na nossa direção, sibilando e tentando sorrir. Agarrou

nossas passagens, mordeu com suas presas afiadas e as devolveu. — Vocêsss já podem ssubir — ela avisou. — Está mais bonita esse ano, Anguis — disse a ela, tentando ser simpática.

Ela, no entanto, não costuma ser simpática. Devorou-me com seus olhos e sibilou irritada. — Obrigada, tenha um bom dia também — concluí.

— Está querendo deixá-la irritada? — perguntou Eron. — Menos Cury e mais Pippa, por favor.

— Não, eu só estava querendo ser simpática. Provar que agora eu não tenho medo dela, que ela é apenas uma cobra inofensiva — admiti. — Juro que minha intenção não era irritá-la, mas como ela sibilou... Que mal teria uma gracinha?

Eron riu. Embarcamos no ônibus, pegamos nossos assentos e começamos a nos

entreter como podíamos. Sophos via o noticiário na tela sensível ao toque, Eron jogava videogame e eu, como sempre, observava a paisagem através da janela. O incrível oceano cristalino, o céu livre de nuvens, e a primeira ilha que se aproximava. Ilha Minimim, a primeira ilha que visitamos.

O Aquabus parou para algumas pessoas aparentemente normais descerem. Assim que pisavam na plataforma diminuíam drasticamente de tamanho. Eram minimins como o velho Tym. Meus olhos prosseguiam observando através da janela, mas meus pensamentos turbulentos me dominavam.

Senti uma sensação estranha quando me lembrei da nossa fuga da gruta

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de Syreni. Assim que a matamos, o lugar começou a desmoronar gradativamente. Tivemos que desviar de estalactites que caiam em nós e evitar tropeçar nas estalagmites. Mas não foi exatamente nisso que pensei.

Pensei em Ian e no modo como eu me preocupei quando ele ficou preso lá dentro. As lágrimas banhavam meu rosto enquanto eu quase dizia adeus a ele para sempre. O misto de raiva e felicidade que eu fiquei assim que ele saiu de lá, de camisa rasgada e espelho na mão, me voltou à mente. Eu me lembro de ter notado o quanto ele estava sedutor naquele momento. Como conseguira se salvar?

“Eu sou um elfo”, dizia ele dando de ombros. Que explicação mais poderia dar? Era tudo que ele precisava dizer. Ian, o elfo dos olhos apaixonantes e multicoloridos. Eu me lembrava dele agora bem próximo de mim, com olhos violetas. E o beijo que eu evitava pensar, me veio à lembrança como uma explosão. Fiquei trêmula. Acho que estava preocupada com o nosso reencontro. Afinal, foi o meu primeiro beijo e eu não sabia como encará-lo.

Depois de Ian, eu não fui beijada outras vezes. No Colégio Millennium, um garoto chamado Mathew até queria me beijar, mas eu recusei.

Como seria a reação de Ian quando me visse passeando pela mesma escola que ele? Talvez ele já soubesse da nossa chegada, talvez não. Eu só sabia que não queria chegar perto dele tão cedo. Sentia-me acanhada.

Ilha Deserta foi a segunda ilha que vi pela janela. Deserta não seria o melhor termo, já que ela abrigava uma minhoca gigante, a hawayana. Não sei se alguém além de nós sabia disso, mas eu não sairia gritando sobre essas curiosidades por aí. Se ninguém além de nós sabia disso, ninguém além de nós sobreviveu a ela.

Ilha Azul. Sentia dor de cabeça só de olhar para ela. Eu começava a me recordar de quando Onera nos prendera naquela prisão e fingira ser o Tetro-Rei para causar a morte de Eron. O jogo A Batalha do Sétimo Céu é uma das coisas mais legais que eu já vi, mas quando joguei só estava me esforçando para perder e salvar a vida do meu irmão.

Finalmente a Ilha Baguroo, nosso destino. Em meus pensamentos mais íntimos, eu já havia pensado que se fosse para eu morar em algum lugar da Cadeia de Ilhas, eu moraria lá. Tudo lá era diferente. As flores eram mais perfumadas, as folhas mais verdes, o céu mais límpido, as pessoas mais amáveis e a atmosfera mais pacífica. Tudo naquela ilha era perfeito, exceto a zona proibida, onde os monstros circulavam à vontade.

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Assim que pisamos fora da plataforma, já pude sentir a brisa fresca da ilha. Os espíritos da natureza responsáveis pelo ar provavelmente estavam se esforçando para tornar o clima agradável. Flores perfumadas rodopiavam ao redor de nós, em uma fantástica recepção da natureza. Além disso, animais e plantas estavam se manifestando para espiar um pouco de nós. Os filhos de Ryma Bleeds.

Eron tinha descoberto no verão, que possuía uma habilidade extraordinária para lutar. Ele se movia rapidamente, tinha ótimos reflexos, o que só aumentava a sua vontade de estudar na Domino Coeli.

Às vezes eu sentia ciúmes das habilidades de Eron, porque ele podia exercitá-las. Eu tinha o domínio sobre os quatro elementos. Mas que graça isso tinha se eu não podia controlá-los quando queria? A coisa mais impressionante que fiz foi prender aquele assaltante nos galhos das árvores usando o poder da Terra. Além disso, sobrava o quê? Acender o fogão e aquecer a água na banheira?

Mesmo assim, parecíamos ser importantes. Eu não sabia o impacto que isso tinha, mas com certeza eles tinham razão. Somos importantes. E aquele lugar me fazia lembrar que Króton ainda estava com o colar. Eu não estava preocupada em não conseguir matá-lo, ele era imortal de qualquer forma. A pergunta era “Por quê? Por que Króton precisava dele?”.

Se Króton era imortal, alguém além dele precisava do colar. Mas quem? Onera? Algum de seus monstros? Não sei quanto tempo fiquei matutando aquilo na minha cabeça, só lembro que Sophos interrompeu meus pensamentos, dizendo:

— Vocês podem encontrar o caminho sozinhos? Eu preciso verificar uma coisa.

— Claro — respondemos em uníssono. “Para que lado?”, eu me perguntei. Uma praça fora construída em frente à plataforma, de modo que as

pessoas podiam esperar lá, mas Sophos mandou encontrarmos o caminho, então lá fomos nós. Por via das dúvidas, seguimos sempre em frente, adentrando a floresta. A paisagem não mudava, eram árvores por todo lado.

— Eu acho que nos perdemos — observou Eron. Eu podia concordar com ele, já que não fazia ideia de onde estava. Mas

era estranho. Eu sabia o caminho, acho que a floresta me conduzia. Domínio do elemento Terra, pensei. Agora eu podia sentir as árvores, as flores, a brisa e sabia

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exatamente que caminho percorrer. Era como o labirinto dos atormentados. As almas não faziam ideia de como sair de lá, mas nós nos movíamos com facilidade.

— Está enganado. — Peguei sua mão e o conduzi entre uma estrada repleta de pedras e árvores. — Venha.

E lá estava a Schola Sodales de Domino Coeli. O grande portão dourado estava aberto e vários elfos perambulavam por lá. Aproximei-me e avistei Ian, usando seu arco e flechas para atirar em um alvo redondo e colorido. Ele não teve dificuldade alguma para acertar o centro. Eu precisei me conter para não sair correndo de lá ou me esconder atrás de Eron.

Quem veio nos ajudar foi o próprio Keenath, o diretor da escola. Tinha os cabelos prateados que escorriam pelos ombros, fazendo a orelha pontuda ficar mais evidente. Ele, além de diretor, ainda fabricava suas flechas poderosas e diferentes. Carregava uma aljava cheia de flechas Lapidem Sagittis, Sagittis Tempus e tantas outras. Ele me estendeu a aljava, querendo me presentear com elas.

— Oh, não — falei. — Eu não sei atirar. — Mas vai aprender — ele insistiu e então eu peguei a aljava com as

flechas. — Você e Eron vão aprender muitas coisas aqui, tenho certeza de que vão se enturmar.

A primeira coisa que precisávamos fazer era a matrícula. Não sabíamos nenhum dado, talvez porque não tivéssemos esses documentos estranhos, ou talvez porque tínhamos saído às pressas de casa. Não importava. Keenath cuidou disso para nós, colocando os dados de Sophos na matrícula de Eron e de uma mulher na minha matrícula. Eu não fazia ideia de quem era a tal moça, mas que escolha eu tinha além de aceitar sem pestanejar?

Enquanto ele fazia anotações e cadastrava tudo em uma tela eletrônica, nós esperávamos em silêncio, sentados na confortável poltrona flutuante. Ele estava adquirindo para nós uma tabela e algumas folhas, que deviam ser sobre as regras da instituição. Ele nos chamou para assinar, o que me fez lembrar que aquilo parecia mais uma intimação judiciária do que papéis escolares.

Eu, Pippa G. Cury, concordo com os termos impostos pela Schola Sodales de Domino Coeli e aceito ser submetida a castigos se eu desrespeitar a instituição. Eu sei que parecia algo cruel assinar concordando com os castigos, mas eu não hesitei. Eron, porém, ficou algum tempo lendo a frase.

— Não se preocupe — disse Keenath, dando tapinhas em suas costas. —

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Os castigos nunca são físicos. Normalmente é apenas para dar uma lição nos alunos, mas raramente acontece. Os alunos aqui são extremamente aplicados e tenho certeza de que vocês também serão.

Sorte minha ter abandonado a Cury em algum lugar bem distante, pensei. Rapidamente, ele digitou algo em seu relógio esquisito e um bip soou. Em instantes, uma garota de cabelos vermelhos apareceu no portão. Seus olhos combinavam com os cabelos, pareciam em chamas. Ela andou pesadamente até Keenath e disse:

— Sim, papai. — Rubi, pode pegar as digitais deles para mim, por favor? Enquanto isso

eu vou verificar aqui no computador a sala que eles irão ficar — disse Keenath, clicando na tela extensa.

Rubi. Seu nome me fazia lembrar uma pedra preciosa, vermelha como os olhos e os cabelos dela. Ela parecia aborrecida, pois eu não a vi sorrir desde que chegara. Ela pegou o dedo indicador de Eron e o pressionou sobre um scanner de raios vermelhos. Em seguida, fez o mesmo comigo. Ela teve um pouco de dificuldade, já que meus dedos estavam duros por causa do nervosismo.

— Relaxe os dedos, senão fica difícil pegar as suas digitais — ela respondeu secamente.

— Para que precisam das minhas digitais? — perguntei. — Serve para você ter acesso ao seu quarto, ao seu material escolar e a

todo o resto. Agora fique parada. — Ela passou uma máquina de raios vermelhos que registraram o meu rosto. — Pronto.

Após obterem nossas digitais, Keenath nos deu a tabela e as folhas assinadas. Uma observação estava à direita. Bloco Alpha — Elfos. Eu fiquei me perguntando o que aquilo significava, mas logo esqueci ao notar as vestes de Rubi. Parecia um traje normal para mim, nada de túnicas estranhas ou armaduras élficas. Ela parecia uma adolescente normal, exceto pelas orelhas pontudas.

Keenath nos mostrou o seu “relógio”, que na verdade era uma espécie de pulseira com uma tela integrada. Era sensível ao toque, como um tablet. Através daquilo, ele podia se comunicar com quem ele quisesse, desde que tivesse o código da pessoa. 5-2-3, ele digitou. Outro bip. Outro dispositivo no pulso de Rubi começou a apitar, assim eles podiam falar normalmente ou enviar mensagens de texto.

— Vocês vão receber um desses amanhã, assim podem me chamar se

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precisarem — explicou Keenath. — Mas cada um terá um mentor responsável que os ajudará.

— Um mentor? — perguntou Eron. — Cada aluno tem um mentor para orientá-los, com vocês não será

diferente. Sophos cuidará de você, mas ele não pode ser mentor dos dois. Não se preocupe com nada, Pippa. Encontrei uma mentora disponível para você também.

— Tudo bem — falei. — Ástrid será sua mentora. Ela é nova, então você poderá trocar depois

se preferir. Vocês só começarão a estudar amanhã, seus mentores irão trazê-los. E, então, vocês receberão uma belezinha dessas — ele mostrou novamente o dispositivo eletrônico em seu pulso. — É fantástico! Não precisam usá-lo quando forem dormir, mas no restante do tempo é obrigatório. Chama-se Armillan.

— E onde vamos ficar essa noite? — perguntei. — Comigo — era a voz de Sophos que caminhava na nossa direção. Oh, tomara que ele tenha trazido mais carne para mim!, Sherlock se

manifestou. Ele normalmente ficava silencioso quando estava com fome. Era até estranho, porque, para um cão, ele falava demais. Eu fui me acostumando a ignorar as suas reclamações, pois, particularmente, eu prefiro quando ele fica quieto.

— Acalme-se, garoto. Espere até o jantar — falei, dando um chute de leve nele.

— Ah, quanto ao cão... — começou Keenath. Sherlock rosnou, receando que ele não pudesse ficar conosco. — Bem, ele terá de ficar na ala dos domésticos junto com os outros. À noite, se desejarem, pode dormir no quarto com vocês. Mas saibam que, depois que eles saem de lá, vocês são responsáveis por seus desastres.

— E vamos estudar com fadas, ninfas, centauros ou o quê? — perguntou Eron curioso.

— Foi uma difícil escolha, mas agora já me decidi. Acho melhor vocês estudarem no bloco Alpha, junto com os elfos. Eles são os mais próximos dos seres humanos, eu acho. Não é, Rubi? — Ela assentiu e Keenath nos deu um mapa da escola. — Isto é para vocês não se perderem amanhã.

A escola era maior do que parecia. Uma quadra, uma arena, piscinas, biblioteca, áreas de lazer, refeitórios, quartos e muito mais. Era dividida em pelo menos cinco blocos visíveis: Alpha, Beta, Gamma, Sigma e Ômega; e estavam

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organizados da seguinte maneira:

ALPHA — elfos. BETA — centauros, faunos.

GAMMA — espíritos da natureza, ninfas. ÔMEGA — brunneis.

SIGMA — fadas.

Fiquei lá, observando o mapa. Eron juntou-se a mim e ambos ficamos maravilhados com a diversidade de coisas incríveis que havia lá. Admito que gostava da estrutura da escola, mas não estava ansiosa para estudar lá. Se eu parasse para pensar, veria que a minha liberdade jamais seria a mesma. Aquilo era como um internato onde eu ficaria encarcerada.

Observei a descrição do Bloco Ômega novamente, buscando mais informações sobre os seres que nele moravam.

Brunneis eram adolescentes de corpos musculosos e morenos. Suas cabeças eram carecas e seus corpos eram desprovidos de pelos. Usavam tatuagens com símbolos que tinham significados muito antigos e, apesar de parecerem antissociais, eram muito amigáveis e faziam amizades facilmente.

Antes de estudar lá, eu nunca ouvira falar em brunneis. Eu precisava me lembrar de que, tudo que inventam e alguém acredita, tem o seu lugar em uma determinada dimensão. Não importa se os brunneis eram estranhos ou não, o importante é que alguém acreditou neles. E agora, eles viviam.

Mas, para mim, eles eram tão humanos quanto nós. Nada de orelhas pontudas, magia ou qualquer coisa do tipo. Os brunneis possuem extrema força. Uma simples aperto de mão entre um brunnei e uma fada, por exemplo, resultaria em graves lesões. Por esse motivo eles são separados no bloco Ômega.

Apesar da força e da falta de pelos no corpo, eles eram normais. Apenas homens morenos, musculosos, carecas e tatuados. Acho que eu poderia resumi-los assim. Eles também eram mais altos, mas altura não é como dominar os quatro elementos, ser imortal ou mágico. Era mais comum que isso. Deviam ter entre 1,80m a 2,00m e ainda eram adolescentes.

Eles jogavam basquete com bolas de fogo, o que era bem compreensível. Acho que qualquer um poderia imaginá-los jogando esse esporte, por sua altura e força física. Os elfos gostavam mais de atirar com seu arco e flechas ou facões. Os brunneis usavam apenas a força e, às vezes, lanças.

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As fadas gostavam de se produzir, não muito diferentes das “Barbies” da minha antiga escola. Eu me sentia até mal perto delas. Eu não me vestia mal, mas também não usava vestidos estonteantes e luminosos. Eu era uma garota comum, querendo ser apenas eu mesma dali em diante.

Elas, ao contrário de muitas patricinhas de Niterói, possuíam já uma notável beleza, então não era difícil para elas estarem apresentáveis, já que não precisavam de muito.

— Vamos? — era a voz de Sophos me acordando para a realidade. — Claro! Adentramos a floresta e atravessamos a Vila dos Elfos. Estava triste e

pacata, já que os jovens estavam estudando. Apenas os mais velhos perambulavam por lá, acenando para nós. Mas não era tão ruim assim. Fiquei sabendo que os estudantes podiam sair da escola livremente e visitar seus pais. Só não podiam ficar faltando às aulas.

Passamos por uma estrada de pedras, que me fez lembrar do dia em que entramos no Bosque Infinito. Conseguimos sair de lá graças às flechas de Ian, que pararam o movimento do bosque por dez desesperadores segundos. Corremos e finalmente atravessamos a película. Sobrevivemos a coisas quase impossíveis por diversas vezes.

Avistamos uma árvore de tronco grosso. Nele estava escrito: Sophos. Alameda das Orquídeas, 247. Era um tipo de endereço, apesar de não haver nenhuma placa e nenhuma rua de verdade, apenas árvores, flores e pedras. Mas havia algo que eu não estava entendendo e, tirando as palavras da minha boca, Eron perguntou:

— Você mora em uma árvore? — Não seja bobo — disse Sophos andando em círculos. — Eu não tenho

tamanho para morar em uma árvore. — Onde então? — perguntei. Sophos continuou andando em círculos, rodeando um pequeno pedaço

de terra. De repente, ele disse novamente a palavra que usou para abrir a porta de sua antiga casa no beco. “Aperire!”, que significa “Abra!”. O pedaço de terra circular afundou e ele saltou pelo buraco.

Eu, Eron e Sherlock ficamos ali parados. Acho que eu esperava alguém dar o primeiro passo, mas ninguém se movia. Agachei-me perto do buraco e chamei Sophos. Por um instante pensei que ele não fosse responder.

— Estão esperando o quê? Um convite formal? — disse ele, imitando

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Króton. Nós rimos. Króton dissera isso antes de tentar nos matar, em seu castelo. Depois disso, eu e Eron brincávamos com isso, mas não imaginávamos que Sophos já soubesse da história, pois ele não estava presente. Meus pais devem ter contado a ele. Ou então, todos de Aquarium deviam saber da nossa aventura. — Venham logo!

Sem hesitar, saltamos no buraco escuro. Se você parar para pensar, não há muita diferença entre um bueiro e um buraco escuro na terra. Imaginei talvez, que a casa dele fosse um lugar no subterrâneo dos mortos, mas não parecia exatamente um cemitério tecnológico.

Sophos morara nesse lugar desde que nascera, mas o abandonou quando decidiu morar no Rio de Janeiro. Depois de uma previsão da Profetisa Submarina, Sophos descobriu que arranjaria um bom emprego e voltaria a morar lá. Ela tinha razão. Ele agora era o mentor de Eron e morava em um luxuoso lugar, ainda melhor que sua casa no bueiro.

Ainda existiam os jogos, os escorregadores e a babá robô. A diferença estava na cachoeira de chocolate, onde você podia mergulhar doces e frutas, como fondue. Havia também piscinas borbulhantes, camas flutuantes de massagem, sala de cinema, sauna e muito mais.

Eron não conseguiu evitar, foi logo jogar. Sophos falou para ele começar pelo kart.

— Kart! — disse ele alegremente. Ele me chamou para apostar uma corrida de carros e depois de muito

insistir, eu acabei aceitando. Cada um escolheu um kart. Eu fiquei com o branco e Eron com o verde. Corremos e Sophos marcou as voltas. Não teve jeito. No final das contas, ele me venceu facilmente.

Outro jogo que jogamos juntos, também de carros, foi o autorama. Uma pequena pista rodeava a casa inteira de Sophos, inclusive nas paredes e no teto. Era tão extensa que precisávamos correr atrás dos carrinhos para observar o percurso. A sorte é que não havia controle, era só usar a mente, então ficava mais fácil.

Nesse jogo eu não fiquei para trás. Tenho orgulho de dizer que eu consegui vencer duas partidas de cinco. Certo, eu sei que não é muito, mas já é alguma coisa. Depois disso, a babá robô nos alimentou e preparou um banho para nós. O melhor de tudo foi a sobremesa. Comemos frutas, que afundamos na cachoeira de chocolate.

Eu sentia falta de Mel para nos irritar e atrapalhar a vida, mas em

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compensação tínhamos Sherlock, que não parava de reclamar: Cadê a carne? Cadê? Sophos deu para ele alguns restos de carne de troll crua. Não sei se era boa como a assada, mas Sherlock engoliu tudo em menos de um minuto.

Eu estava me sentindo bem, até começar a ter tonturas e a suar frio. Sophos sabia o que provavelmente iria acontecer comigo, mas não me explicou nada. Eron ficou preocupado e pediu para Sophos uma cama, que ele providenciou sem hesitar. Até eu mesma comecei a ficar preocupada, mesmo prevendo que não era nenhuma doença fatal.

Eron me ajudou a chegar aos aposentos, pois eu estava ficando fraca. O que estava acontecendo comigo? O que eu tinha?

Adentramos o lugar, repleto de camas flutuantes aparentemente confortáveis. A babá robô providenciou lençóis e arrumou a cama, mas antes que alguém pudesse evitar, eu caí no chão, inconsciente

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― Capítulo 3 ―

A garota dos cabelos cor de fogo.

Eu não via nada além das sombras. Senti

acordada. Podia ouvir os gritos de Eron, mas estavam abafadosestivessem muito longe dali. Eu ouvia e sentia mãos sacudindo meus ombros, mas não conseguia reagir. Estava em algum lugar indefinirepente, tudo ficou em silêncio e me senti levada a algum lugar distante. O que estava acontecendo? A resposta era simples: eu estava sonhando.

Aqueles sonhos que eu tanto temia haviam retornado. Por quê? O que eu precisava saber? Então, uma chama ardeu na escuridão, extremamente quente e viva. Tinha vontade de segui-la, mas o calor era insuportável e fatal. Hesitei por alguns instantes, quando uma risada insana ecoou.

— Olá? — eu chamei. — Tem alguém aí? Claro que tem alguém, eu pensei. Mas quem? A risada não era estranha, mas eu não conseguia distingui

Onera? Não, não era Onera. A risada ecoou mais uma vez e agora eu podia ouvila nitidamente. Era a risada rouca e insana de Króton, o Senhor das Sombras.

A garota dos cabelos cor de fogo.

as sombras. Sentia-me tonta, mas não estava

, mas estavam abafados, como se mãos sacudindo meus ombros,

. Estava em algum lugar indefinido, mas onde? De repente, tudo ficou em silêncio e me senti levada a algum lugar distante. O que

u estava sonhando. Aqueles sonhos que eu tanto temia haviam retornado. Por quê? O que

na escuridão, extremamente quente la, mas o calor era insuportável e fatal. Hesitei por

risada não era estranha, mas eu não conseguia distingui-la com clareza. Onera? Não, não era Onera. A risada ecoou mais uma vez e agora eu podia ouvi-

a risada rouca e insana de Króton, o Senhor das Sombras.

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Ele nunca mais havia me perturbado, então por que agora? A chama agigantou-se, sacudindo violentamente na escuridão. A risada

desapareceu, por fim, deixando o silêncio. Eu aguardei ansiosamente por algum fenômeno, algum aviso. Como prevenção, toquei meus cabelos à procura de Spectro Lux, minha espada, mas ela não estava lá. Ouvi passos em minha direção e recuei, mas eles também se dissiparam como a risada. Minha mente estava inquieta.

Diga logo, o que você quer? E como resposta eu ouvi: — Ainda não terminou — a voz de Króton soava grave e divertida. Esse

era um aviso para mim, eu tinha certeza disso. A chama foi se apagando, sumindo na escuridão, e eu esperei pelas palavras finais. — Não é o fim.

Não é o fim, repeti para mim mesma. Não é o fim. Preciso me lembrar disso. Acordei com três pares de olhos ao redor de mim, dois humanos e um

robótico. Eron, Sophos e a babá robô estavam me vigiando. Eu me sentia bem, nada de tonturas ou mal estar. Eu me levantei e todos sorriram para mim. Sophos parecia impaciente, de modo que ele foi o primeiro a perguntar:

— O que você viu? — Króton — falei, com lágrimas nos olhos. — Não é o fim, ele disse.

Ainda não terminou. Contei-lhes detalhadamente o sonho, mas não vi surpresa em nenhum

dos rostos. A babá robô se retirou para outro cômodo e nós ficamos ali, prevendo nossos próximos passos. Cada um adivinhando o que podia ser esse aviso, o que aconteceria. Sophos tranquilizou-nos, dizendo que nada devíamos temer.

— Como não temer? — disse Eron. — Króton diz que está voltando e você tenta nos deixar tranquilos?

— Ouça atentamente os meus conselhos, Eron — disse Sophos. — Eu tenho razão quando digo que vocês não precisam se preocupar com uma aparição de Króton. Eu sei que ele nunca faria isso, sair da sua ilha seria um ato irresponsável. Ele pode enviar Onera, monstros ou qualquer pessoa atrás de vocês, mas ele nunca viria pessoalmente.

— Por quê? — perguntei. — Porque ele nunca saiu de lá e provavelmente não vai sair — Sophos

respondeu. — Mesmo assim, ainda tem os monstros e Onera. Já não é perturbação

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suficiente? — questionou Eron. — Ele tem o colar da imunidade, o que mais ele poderia querer?

— O colar da imunidade foi apenas o começo do plano, penso eu. Ele está planejando algo grande e talvez precise de vocês para isso. — Sophos fez uma pausa para fumar seu cachimbo. — Não sei o que pode ser, mas provavelmente algo que ele não conseguiria sem vocês.

— Faz sentido — eu observei — Ele é imortal, não é? Para que ele queria o colar da minha mãe? Eu acho que não era para ele, talvez para Onera.

— Eu tenho pensado muito nisso — disse Sophos. — Não creio que seja para Onera. Apesar de perigosa, o colar da imunidade pode ser usado em uma coisa muito maior.

— O quê, por exemplo? — Eron indagou. Sophos deu de ombros. — Não faço ideia.

No dia seguinte, depois de uma noite agitada, Eron saiu acompanhado

de Sophos, seu novo mentor, para a escola. Eu subi com eles, mas não pude ir junto, eu precisava esperar pela minha mentora. Sentei-me na relva, enquanto Ástrid não chegava. Coloquei os fones de ouvido e uma música começou a tocar. Era a musica do meu despertador que, por incrível que pareça, nunca me enjoava.

Você não pode negar

Eu e você estamos sozinhos esta noite Escolhendo as palavras erradas Pegando as mais longas estradas

Eu comecei a ficar impaciente com o atraso de Ástrid, enquanto a

música tocava pela quinta vez. De acordo com os meus cálculos, eu já tinha perdido metade da primeira aula. Mais um verso e nada da minha mentora chegar, nenhum sinal de vida. Eu me atrasaria para o meu primeiro dia de aula. Isso só revelaria que maravilhosa aluna eu sou. Fechei meus olhos, esperando

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pelos versos seguintes.

Você não pode negar As estrelas estão mais brilhantes no céu

Mas nós continuamos a fazer as mesmas coisas Amando as pessoas de chamas fracas

Após o fim da primeira aula, Ástrid ainda não estava lá. De repente, algo

me chamou a atenção. Um gato, mas não um gato comum, era um gato preto com asas. Ele miou para mim e desapareceu na floresta, com a mesma rapidez que surgiu. Levantei-me curiosa, enquanto os últimos versos encerravam a canção.

Fazendo as mesmas coisas Nós não mudamos nada

Uma carruagem estacionou ao meu lado e uma mulher me chamou.

Uma moça jovem demais para ser uma mentora. A orelha pontuda sobressaía sobre os cabelos compridos, castanhos e ondulados. Estava descabelada e suas vestes, amassadas. Possuía o aspecto de uma pessoa verdadeiramente atrapalhada.

Entrei na carruagem e ela gritou: — Para a Schola Sodales de Domino Coeli! — Ela começou a pentear os

cabelos e alisar as roupas, para melhorar a aparência. Fiquei em silêncio, aguardando suas próximas palavras. — E então, queridinha... Piper o seu nome, não é?

— Pippa — eu a corrigi. — E você deve ser a Ástrid. — Eu mesma! — ela sorriu. — Sua nova mentora. Desculpe pelo atraso, eu

sou nova nisso. Para falar a verdade, é a primeira vez. — Eu perdi a primeira aula! — exclamei. — Talvez você deva conversar

com Keenath sobre isso ou eu posso ser punida. Ela fez uma careta e disse: — Acho que ele vai imaginar. Ástrid era uma jovem muito atrapalhada e tinha a aparência de uma

moça de vinte e cinco anos, mas eu não sabia sua idade real. Cinco minutos depois, chegamos à escola. Antes de entrar, eu a puxei pelo braço e contei a ela

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sobre o felino preto com asas. Eu sei que eu mal a conhecia, mas eu sentia que podia me abrir com ela. Talvez eu estivesse enganada.

— Ástrid, o que você acha? — perguntei. — Acho que você está ficando maluca, garota — ela disse com uma risada.

— Piper, não há gatos na ilha, muito menos com asas. — Pippa! — eu a corrigi novamente. — Que seja — ela deu de ombros. — Gatos não existem aqui e nunca

existiram. — Mas há cães e lobos, por que não haveria gatos? — perguntei. — Exatamente por este motivo — disse ela. — Agora vamos logo, você

precisa entrar para a segunda aula. Entramos na escola e ela me guiou até o bloco Alpha. Sala A-201, onde

eu estudaria. Era tudo muito bonito, mas não podíamos parar para observar. Ela praticamente me empurrou para dentro da sala e sumiu no corredor, com a promessa de que iria me mostrar a escola depois.

Assim que eu entrei, um burburinho começou na sala. O Sr. Lusitani, meu professor de latim, me deu boas-vindas e ordenou que os alunos se calassem, mas eles continuaram comentando. Parecia que eu era Mayara Whitehouse no seu primeiro dia de aula. Eu me sentia uma celebridade elogiada, tanto quanto me sentia insultada.

Ouvi comentários do tipo “Ela é a filha de Ryma Bleeds? Uau!’’, “Ela deve ser poderosa... ’’, “Que inveja!’’ ou então “Ela não deve ser filha de Ryma, olhem para a aparência dela!’’. Para a minha surpresa, os comentários eram na maioria bons. As pessoas pareciam me respeitar e me admirar, algo que eu nunca vi acontecer antes.

Antes de eu me dar conta, tinha me tornado uma verdadeira celebridade naquela escola. Todos queriam fazer amizade comigo, mas eu evitava todo mundo. Com Eron não foi diferente, ele precisou escolher alguns amigos e dispensar outros. Eu não fiz isso, eu preferi não andar com ninguém a andar com várias pessoas. Eu não queria amizades arranjadas desse jeito, eu queria amizades verdadeiras.

A aula do professor Lusitani foi legal, mas um tanto confusa. Ele ensinava latim, uma língua que eu imaginava morta, mas que ali era a principal. Eu não sabia absolutamente nada. Eu sei que tinha pronunciado palavras em latim durante o ano anterior, mas elas eram totalmente estranhas para mim.

Eu tinha dificuldades e o professor precisou falar comigo em particular.

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— Pippa — disse ele. — Você quer que eu arrume algumas aulas extras? É só para o caso de você...

— Quero — eu o interrompi. — Eu estou em uma turma avançada, é melhor mesmo que eu tenha aulas só para reforçar.

— Certo. Seu irmão, por exemplo, também terá aulas extras. Eu acabei de dar aula para ele. Ele está com elfos mais próximos da idade dele, será melhor para ele se acostumar.

— Tudo bem — falei. — Amanhã mesmo eu posso começar com as aulas de reforço.

Assim que o recreio começou, eu fui para o refeitório descobrir o que teríamos de lanche. Salada de frutas com lágrimas de harpia, uma delícia! Entrei na fila e me servi, respondendo todos educadamente, mas evitando dar muita atenção. Em seguida, fui para o pátio, onde avistei todos os estudantes.

Fadas, ninfas, brunneis e elfos, interagiam entre si. Os centauros e os faunos eram mais recatados e costumavam ficar longe dos outros, tocando flauta. Eu imaginava os elfos de outra maneira. Túnicas e roupas esquisitas, cabelos extremamente compridos, orelhas pontudas, etc. Faça como eu: esqueça tudo que você sabe sobre elfos, pois estes eram diferentes.

Não usavam túnicas, vestiam-se como os humanos. Dá para imaginar um elfo usando uma calça jeans e camiseta? Pois é. E seus cabelos eram de diversas formas, não apenas lisos e compridos. Eram adolescentes normais como eu, exceto pelas orelhas pontudas, que eram a única coisa de aparência élfica que eu enxergava neles.

Era engraçado vê-los escutando música, dançando, jogando, conversando e namorando. Eu estava preparada para o máximo de coisas esquisitas possíveis, mas parecia que a única estranha era eu. Apesar de usar as mesmas roupas que eles, todos olhavam para mim. No começo eu achei que devia estar com a blusa suja ou rasgada, mas a resposta era simples: eu era a filha de Ryma Bleeds e isso já bastava.

Fiquei fugindo das pessoas que me atacavam com apertos de mão, abraços e elogios. Procurei para ver se eu avistava meu irmão, mas não o vi. A curiosidade também me fez procurar por Ian, mas ele também não estava em lugar nenhum. A única pessoa que vi foi Rubi, comendo sua salada de frutas em um cantinho vazio.

Era uma garota solitária e aparentemente depressiva. Observei-a por algum tempo, mas ninguém se aproximou dela. Rubi foi a única garota que não

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forçou uma amizade comigo, o que para mim já era um motivo para ir falar com ela. Então eu me aproximei e sorri.

— Oi, Rubi. — Oi — ela respondeu. — Eu te vi na sala hoje — falei. — Você está estudando comigo. — Maravilha! — disse ela ironicamente. — O que há de errado com você? — perguntei. — Eu estou tentando ser

legal. — Exatamente, pare de ser legal comigo — ela revirou os olhos. —

Ninguém precisa ter dó de mim. Antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, ela virou as costas e saiu

andando. Por que ela era tão rabugenta? Bem, pelo menos eu fiquei sabendo o motivo de ela não ter amigas. Eu tinha medo de aborrecê-la ainda mais, pois parecia que seu cabelo ia pegar fogo, assim como os seus olhos.

Momentos depois, minha mentora, meu irmão e Keenath apareceram. Fomos visitar toda a escola, mas não fomos aos outros blocos. Keenath fez questão de me mostrar as piscinas, a arena, a quadra, a biblioteca e todo o resto, principalmente os quartos. Antes de entrarmos no quarto de Eron, não pude evitar fazer uma piadinha.

— Legal. É agora que eles nos prendem e tiram a nossa liberdade. Eron pressionou seu dedo em uma tela e a porta se abriu. O quarto era

um luxo. Cama flutuante, banheiro com banheira de massagem, uma televisão enorme, diversos jogos e muito mais.

— Se isso aqui é uma prisão, então me algeme! — brincou Eron. Meu quarto não era diferente, era igualmente luxuoso, porém mais

feminino. A primeira coisa que quis fazer foi tomar um banho de banheira com sais perfumados, mas eu ainda tinha duas aulas teóricas e aulas práticas depois do almoço. Então voltamos para as nossas salas. Eu ainda tive aula de APC e artes.

APC é a abreviação de Amor, Paz e Caridade. Tínhamos aulas assim a fim de nos tornarmos pessoas melhores, voltadas para o bem. Aprendíamos a praticar a caridade para com os outros, seja ela moral ou material. Sobre o amor, seus significados e os cuidados com esse sentimento. Também sobre a paz, como encontrar esse estado sereno e expulsar as trevas e os sentimentos mundanos.

A aula de artes era normal. Uma professora esguia e maluca nos fazia pintar telas brancas com desenhos livres, o que eu adorava fazer. Tínhamos essa

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aula somente uma vez por semana, e para mim era a melhor de todas. Não era só pela facilidade, mas também pela diversão.

Nenhuma aula era entediante, pois os professores eram muito legais. Eles nos deixavam com vontade de aprender, questionar, principalmente nas aulas de filosofia. Normalmente, Rubi e outra garota apresentavam ideias contrárias nessa aula e um debate se estabelecia.

Em relação a ela, eu não desisti. Todos os dias na hora do recreio ou até mesmo na sala, eu tentava falar com ela. Sentia que as outras garotas ficavam com inveja, mas algo me dizia para insistir nessa amizade. Ela era diferente, não me admirava como as outras. Parecia até que me odiava.

Na primeira semana, Ian não veio mais à escola. Eu me perguntava se ele estava fugindo de mim, pois os elfos não ficavam doentes. Que outro motivo teria para faltar às aulas? Bem, também não obtive sucesso com Rubi, até que no último dia da semana ela disse:

— Por que você insiste em fazer amizade comigo? Não vê que eu não tenho amigos? Isso é porque eu sou filha do diretor e ninguém quer nada comigo, porque sou repugnante. Você tem a escola toda a seus pés, todos querem ter uma amizade com você. Por que vem conversar comigo, que tanto faço para te aborrecer?

— Exatamente por esse motivo — respondi. — Porque você é a única que não me bajula. Você é diferente das outras. Agora me diz: por que você não quer fazer amizade comigo?

— Pelo mesmo motivo — ela respondeu. Por um momento ela franziu o cenho e um sorriso se formou em seu

rosto pela primeira vez, e nós duas começamos a rir. — Gostei da sua orelha — disse ela, erguendo meus cabelos. — Obrigada — murmurei. — Seu cabelo é... diferente. — Você já visitou os outros blocos? — Eu fiz que não com a cabeça e ela

me puxou pelo braço. — Vem comigo. Visitamos os blocos: Beta, Gamma, Ômega e Sigma. Não eram tão

diferentes, a única coisa que mudava era a decoração. No Sigma tudo era rosa demais e brilhante demais. O Gamma estava decorado com pequenas árvores de verdade e água transcorria pelas paredes. No Beta havia desenhos de Pã — deus dos bosques, dos campos, dos rebanhos e dos pastores na mitologia grega —, floresta e natureza. No Ômega, símbolos e mais símbolos que eu não sabia o que significavam.

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Acho que o mais importante não foi visitar os blocos, mas sim começar uma amizade com Rubi. Nós conversamos e ela demonstrou ser uma garota alegre e à vontade comigo. Talvez ela fosse apenas muito solitária. Dali em diante, eu e ela ficamos muito próximas e ela começou a ficar menos estressada.

Foi na segunda semana que Ian finalmente apareceu. Ao notar que eu estava olhando para ele, Rubi disse:

— Ele está tão estranho! Só veio uma vez na semana passada. — Você o conhece? — perguntei. — Se eu o conheço? Todos o conhecem — ela respondeu. — Ele é o garoto

mais desejado e conhecido dessa escola, provavelmente da Ilha Baguroo toda. Acho que todas, exceto eu e você, não o desejamos. Ele é como um irmão para mim, nunca poderia enxergá-lo desse jeito.

— Ah, sim — balbuciei. — Acho que eu vou... ao banheiro. Admito: eu estava fugindo. Ela o conhecia, então provavelmente ele

falaria com ela em algum momento. Além de precisar fugir no recreio, eu descobri que ele estava na minha turma e, então, eu evitava sentar perto dele. Mas eu sabia que isso um dia precisava acabar, que um dia o nosso reencontro iria acontecer.

Depois do almoço, tínhamos algumas horas livres até as aulas práticas começarem. Era uma espécie de treinamento, onde aprendíamos a usar arco e flechas, espada, faca, etc. Fazíamos também várias outras atividades e jogos. Aquilo equivalia à aula de educação física, mas muito mais complexa.

Começava às três horas. Eu vesti o uniforme confortável que usávamos durante as aulas práticas e fui para a arena. O treinador estava lá. Um homem musculoso, moreno, carrancudo e estranho que fazia seus alunos se esforçarem bastante. Só sei que com ele, emagreci pelo menos um quilo em uma semana.

A aula começou e a primeira coisa a fazer era o aquecimento. Então, o professor Siccus, ordenou que corrêssemos pela arena. Várias objeções e reclamações foram feitas, pois correr provavelmente não era uma atividade muito agradável para eles. Eu também não gosto de correr, mas eu não queria causar uma má impressão no professor.

— Vocês não querem correr? — perguntou o professor. — Estão muito preguiçosos!

Os alunos imploraram para ele escolher outra forma de aquecimento. “Correr de novo não! É sempre a mesma coisa!”, diziam. Ian estava bem afastado de mim, mas olhei discretamente e vi que ele não reclamava. O professor

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começou a perder a paciência e disse: — Se vocês não querem andar sobre o chão, o chão vai andar sob vocês! Ele fez um gesto e o chão da arena começou a se mover, de modo que a

única alternativa era andar sobre ele, caso contrário, éramos lançados longe. A velocidade aumentou e fomos obrigados a correr.

— Para ficar ainda mais interessante, que tal um jogo de basquete? — perguntou o professor, já jogando cinco bolas na arena. Cinco bolas faziam sentido, já que havia pelo menos dez cestas nas paredes. — Joguem!

Pode parecer fácil acertar cinco bolas de basquete em dez cestas, mas era extremamente difícil. Os elfos jogavam muito bem e também possuíam uma defesa excepcional. Eu me sentia desfocada ali, mas sempre alguém jogava uma bola para mim e gritava o meu nome.

Por um momento, meu olhar cruzou o de Ian e eu quase paralisei. Por sorte, eu continuei correndo e evitei ser lançada longe, mas continuei embasbacada. Ele me viu, pensei nervosa. Tudo aconteceu muito rápido, era como se eu estivesse hipnotizada e esquecesse tudo ao meu redor.

— Pippa! — alguém gritou e eu virei o rosto no exato momento em que a bola veio na minha direção.

POW! A bola me atingiu no nariz. Eu paralisei e fui lançada com muita força contra a parede da arena, com a certeza de que ele estava quebrado.

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