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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013 1 O MENINO QUE GANHOU UMA BONECA: EXPERIÊNCIA DO ESTÁGIO NO ENSINO FUNDAMENTAL I PEREIRA, Larissa Kühl Izidoro (UEM) MAIO, Eliane Rose (Orientadora/UEM) Introdução: Conhecendo o campo do estágio O presente artigo tem como objetivo, relatar algumas contribuições sobre a experiência do Estágio Curricular Supervisionado do Ensino Fundamental I, que foi realizado no primeiro semestre do ano de 2011, no curso de Pedagogia, da Universidade Estadual de Maringá. Bem como, analisar e refletir a temática trabalhada, sobre o estudo de gênero na brincadeira, ressaltar sua importância na formação de gênero da criança e, partindo desse pressuposto, analisar, baseando nos estudos de gênero desenvolvidos durante a faculdade, em uma pesquisa de PIC e um Trabalho de Conclusão de Curso, alguns desenhos produzidos por alunos, ilustrando a parte da história que mais gostou e a brincadeira que mais gosta de brincar. O estágio teve como objetivo principal, a articulação com a disciplina de Formação e Ação Docente: Práticas de Ensino das Séries Iniciais do Ensino Fundamental I, com o intuito de nos instrumentalizar a observação do ambiente escolar, a organização do trabalho pedagógico, os recursos utilizados em sala de aula, a relação professor/a-aluno/a, o vínculo da realidade social e o conteúdo escolar, a autonomia do/a professor/a em relação à autoridade docente, bem como, compreender e analisar a mediação do/a professor/a, para tanto, o estágio foi baseado na teoria metodológica Histórico-Crítica, nos fundamentos em autores/as como Saviani (1991), Vigotski (2001), Miriam Lemle (2010), Marlene Carvalho (2010), Pimenta e Lima (2004), Pinto e Fontana (2001), Libâneo (2001), Guacira Louro (2012), entre outros/as. O estágio é essencial para contribuir com a formação do/a acadêmico/a, é o momento de relacionar a teoria e prática, os processos de alfabetização e letramento, por

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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

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O MENINO QUE GANHOU UMA BONECA: EXPERIÊNCIA DO

ESTÁGIO NO ENSINO FUNDAMENTAL I

PEREIRA, Larissa Kühl Izidoro (UEM)

MAIO, Eliane Rose (Orientadora/UEM)

Introdução: Conhecendo o campo do estágio

O presente artigo tem como objetivo, relatar algumas contribuições sobre a

experiência do Estágio Curricular Supervisionado do Ensino Fundamental I, que foi

realizado no primeiro semestre do ano de 2011, no curso de Pedagogia, da Universidade

Estadual de Maringá. Bem como, analisar e refletir a temática trabalhada, sobre o estudo

de gênero na brincadeira, ressaltar sua importância na formação de gênero da criança e,

partindo desse pressuposto, analisar, baseando nos estudos de gênero desenvolvidos

durante a faculdade, em uma pesquisa de PIC e um Trabalho de Conclusão de Curso,

alguns desenhos produzidos por alunos, ilustrando a parte da história que mais gostou e

a brincadeira que mais gosta de brincar.

O estágio teve como objetivo principal, a articulação com a disciplina de

Formação e Ação Docente: Práticas de Ensino das Séries Iniciais do Ensino

Fundamental I, com o intuito de nos instrumentalizar a observação do ambiente escolar,

a organização do trabalho pedagógico, os recursos utilizados em sala de aula, a relação

professor/a-aluno/a, o vínculo da realidade social e o conteúdo escolar, a autonomia

do/a professor/a em relação à autoridade docente, bem como, compreender e analisar a

mediação do/a professor/a, para tanto, o estágio foi baseado na teoria metodológica

Histórico-Crítica, nos fundamentos em autores/as como Saviani (1991), Vigotski

(2001), Miriam Lemle (2010), Marlene Carvalho (2010), Pimenta e Lima (2004), Pinto

e Fontana (2001), Libâneo (2001), Guacira Louro (2012), entre outros/as.

O estágio é essencial para contribuir com a formação do/a acadêmico/a, é o

momento de relacionar a teoria e prática, os processos de alfabetização e letramento, por

Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

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intermédio de observações, no qual possibilitam vivenciar a atuação do/a pedagogo/a,

enquanto professor/a em instituições públicas, atuando em salas de aula, como

mediador/a do processo de alfabetização, conteúdos escolares, bem como, conceitos,

normas, regras, comportamentos, enfim, intervindo diretamente no desenvolvimento da

criança.

Entendemos que o estágio possibilita o/a acadêmico/a a compreender na prática

a teoria que estudamos na universidade, de acordo com Pinto e Fontana (2001), a

experiência do estágio, no cotidiano escolar, é fundamental para o processo de formação

do “ser professor/a”. O estágio permite que o/a acadêmico/a focalize e vivencie aspectos

aos quais não está acostumado/a, além de muitas vezes proporcionar o primeiro contato

do/a aluno/a com o ambiente escolar, com a sala de aula, em contato direto com as

crianças. Para tanto, acredita-se que o diferencial é o desenvolvimento de metodologias

que dão embasamentos para o/a futuro/a pedagogo/a lidar com as situações no cotidiano

escolar. Isso completa o movimento de troca entre a universidade e a escola.

Para Pimenta e Lima (2004), o estágio de formação de professores/as possibilita

os/às futuros/as pedagogos/as a compreenderem a complexidade das práticas

institucionais e das ações praticadas pelos/as profissionais inseridos/as na escola, esse

contato é uma alternativa no preparo direto para a inserção profissional. Vale ressaltar

que, nesse estágio, a observação foi importante e fundamental, contemplada com a

prática, que ocorreu como encerramento da disciplina, neste momento, foram colocadas

em prática ações que foram observadas e estudadas anteriormente.

Vale ressaltar que, em nossa experiência de estágio, em todo momento, fomos

muito bem recebidas, tanto pelos alunos/as, quanto pela professora. Afirmamos que, ao

realizar o estágio, o desafio maior é inserir-se e participar da dinâmica das relações

escolares como sujeitos participantes, para posteriormente, resultar na regência.

Nesse sentido, cabe ao/à estagiário/a compreender o seu papel, que, não é o de

julgar o trabalho dos/as professores/as, mas sim para desenvolver uma troca de

experiências e aprendizagens, para que possam estabelecer uma relação de cooperação

entre ambas as partes (escola/estagiárias). Na concepção de Pinto e Fontana (2001), é

necessário romper o olhar macro e externo que existe à dinâmica das relações vividas no

ambiente, pois este favorece a leitura das reproduções do sistema. Partindo deste

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pressuposto, é necessário procurar construir uma leitura que parte do micro, ajudando a

compreender as relações mais amplas existentes.

Diante desse conhecimento enquanto seu papel como estagiária, é importante

sair do campo de mera observância para a vivência plena da condição de estagiária,

Pinto e Fontana (2001) ressaltam que ao ultrapassar esses limites, nós assumiríamos

uma nova condição, como algo constitutivo da situação em que nos encontrávamos,

professores/as em formação. As autoras enfatizam que as/os estagiárias/os devem

entrar e participar de fato da dinâmica das relações escolares, tentando penetrar na lógica do outro, aceitando o convite de misturar-se entre seus pares naquele espaço, a viver o drama no qual anteriormente não se viam ali reconhecidos como sujeitos co-participantes (PINTO, FONTANA, 2001, p. 7).

Pois só assim, nossas experiências e aprendizagens como estagiárias ocorreriam

de maneira ampla e complexa e, nossa participação e envolvimento, aconteceram de

forma intensa.

Estágio: a ação

Esse estágio foi realizado em uma Escola Municipal de Maringá. As observações

e regências foram desenvolvidas em uma turma de segundo ano do Ensino

Fundamental, composta por 22 alunos/as, todos em processo de alfabetização e

letramento, resultando em quatro dias de observações na mesma turma, e quatro dias de

regência.

Vale ressaltar que, nas observações percebemos que a professora não tinha o

hábito pedagógico de contar histórias, ou de cantar com os/as alunos/as. Os momentos

de contação de história são fundamentais para o processo de desenvolvimento e ensino

aprendizagem das crianças, eles não devem ser desvinculados de uma função social ou

ser uma atividade para matar o tempo, deve haver intencionalidade, segundo Carvalho

(2007) a atividade deve satisfazer as necessidades inorgânicas ou a unilateralidade da

criança, porém, voltada para formar o homem e a mulher, para o trabalho intelectual,

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nesse caso, desenvolver hábitos de leitura, oralidade, interpretação, inferência e

levantamento de hipóteses.

A leitura é fundamental para despertar na criança o gosto de ler, e inicialmente,

quando ela ainda está no processo de alfabetização é importante o/a adulto/a ler para

ela, nesse caso, o/a professor/a, além de que os/as alunos/as, através da contação de

história, podem aprender os outros gêneros textuais existentes.

Para Carvalho (2007) a hora da história deve ser uma atividade prazerosa,

divertida, não deve ser usada como lição de moral ou para transmitir noções do

programa escolar que podem ser aprendidas de outro modo. O momento da história

deve promover a criança uma viagem aos sonhos, e é claro que as crianças adoram

passar por esse mundo. Diante disso, dentro ou fora da escola, o principal motivo para

ouvir história, ou ler histórias é ter o prazer de ouvi-las, de viajar “no mundo da

imaginação”. Quando a história agrada aos/as alunos/a, o/a professor/a tem o interesse

de toda a turma, que ficam atentos/a e pedem para ouvi-la de novo, muitas vezes.

Diante dessa observação, nós decidimos optar como ponto de partida da nossa

regência de estágio, a contação de história. Para isso, nos embasamos no livro “O

menino que ganhou uma boneca”, da autora Majô Baptistoni, que conta a história de um

menino que ganhou uma boneca em seu aniversário, de quatro anos. Nós partimos do

pressuposto da história para desenvolver discussões sobre a relação de gênero, bem

como, desenvolvemos atividades de alfabetização e aritmética.

Como prática, nós também utilizamos recursos lúdicos envolvendo brincadeiras,

artes e confecções de brinquedos recicláveis, visto que, tais materiais também são

didáticos, e o/a educador/a pode utilizar em sua prática educativa, contribuindo para que

as crianças possam ter contato com outros meios de apropriação da aprendizagem.

Nós tivemos como objetivo geral, promover com os/as alunos/as reflexões

referentes ao gênero no momento lúdico, procurando transparecer a ideia de que não há

restrições nas brincadeiras, nos brinquedos e nos jogos. Para desenvolver essa

consciência, levantamos várias problematizações sobre o tema, como por exemplo,

quem já brincou de boneca? E de carrinho? Vocês acham que meninas podem brincar de

carrinho e meninos de boneca? Por quê? Por que existem brinquedos direcionados para

meninos e meninas?

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Como encaminhamento conversamos, discutimos, debatemos e refletimos com

os/as alunos/as sobre todas as questões levantadas, além disso, produzimos com os

alunos/as um fantoche de meia, do personagem principal, desenvolvemos uma oficina

com brinquedos produzidos pelos/as alunos/as com materiais recicláveis, carrinho (com

caixa de suco e todinho) e boneca (com isopor e rolo de papel higiênico).

A ideia inicial era produzir com as meninas o carrinho e com os meninos a

boneca, mas como não seria conversado e explicado para os/as pais/mães a

intencionalidade e o objetivo das oficinas. E como estagiárias, visitantes e de

“passagem” pela escola e pela turma, optamos por realizar os dois brinquedos com

todos os/as alunos/as.

Todos os dias iniciávamos a aula, contanto a história, no primeiro dia foi com um

livreto grande (produzido por nós), no segundo dia, com fantoches, no terceiro dia, com

o livro e no quarto e último dia pedimos para os/as alunos/as contarem a história, com a

ajuda da nossa mediação.

No primeiro dia, após contar a história, conversamos com os/as alunos/as sobre a

impressão de cada um/a sobre a história e deveriam registrá-la, após, desenvolvemos

uma atividade que pedia para cada um/a desenhar a parte da história que mais havia

gostado e qual brincadeira mais gostava de brincar. Nesse momento, notamos

claramente a distinção de gênero desenvolvida pela própria criança. Diante disso,

partindo de alguns desenhos desenvolvidos pelos/as alunos/as e de estudos realizados

durante o Curso de Pedagogia, na UEM, decidimos buscar compreender o porquê essa

separação inicia-se tão cedo e é tão forte em nossa sociedade.

Um olhar sobre o estudo de gênero: análise dos desenhos

A existência da dicotomia de gênero em nossa sociedade é notável,

transparecendo na maioria das vezes a ideia de que a divisão entre o feminino e o

masculino seria algo natural, pré-determinado. Gênero aponta para a noção de que, ao

longo da vida, através das mais diversas instituições e práticas sociais, nos construímos

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como homens e mulheres, num processo que não é linear, progressivo ou harmônico e

que também nunca está finalizado ou completo (MEYER, 2008).

Para Meyer (2008), nesse pressuposto, há uma articulação entre gênero e

educação, já que esse processo educativo ocorre em nosso meio social, indivíduos são

transformados em seu interior aprendendo a se reconhecer como homens e mulheres, no

âmbito da sociedade e dos grupos a que pertencem. Vemos a sexualidade como posta na

condição humana de forma ontológica, portanto é uma manifestação inerente a cada ser

humano em particular, sendo uma das dimensões privilegiadas de sua manifestação

subjetiva, histórica e social (NUNES; SILVA, 2000). Diante disso, a sexualidade

também pertencente ao campo político, “[...] é „aprendida‟, ou melhor, é construída, ao

longo de toda a vida, de muitos modos, por todos os sujeitos” (LOURO, 1999, p.11).

Deste modo, não são as características sexuais que determinam o desempenho de

papéis distintos das mulheres e dos homens, mas sim as formas como essas

características são representadas ou valorizadas, aquilo que se diz ou pensa é que vai

construir o que é feminino ou masculino, em uma determinada sociedade e em um dado

momento histórico. “É no âmbito das relações sociais que se constroem os gêneros”

(LOURO, 1998, p.22). Aprendemos como sermos homens e mulheres ao longo de

nossas vidas, seguindo a sociedade, que compreende um processo cultural. Como se

comportar, o que vestir, o que falar, do que brincar, o que preferir, as opções são

diferentes para os homens e mulheres. Esse processo de socialização de gênero se inicia

na infância, é introduzido de forma sutil nas crianças, em vários momentos.

Homens e mulheres certamente não são construídos/as apenas através de

mecanismos de repressão ou censura, eles e elas se fazem, também, atrás de práticas e

relações que instituem gestos, modos de ser e de estar no mundo, formas de falar e de

agir, condutas e posturas apropriadas (e, usualmente, diversas). Os gêneros se

produzem, portando, nas e pelas relações de poder (LOURO, 1998, p.41).

Com isso, podemos ressaltar que, toda e qualquer forma de socialização é

apropriada por uma cultura que é compartilhada por toda a sociedade ou parte dela. A

impregnação cultural, o mecanismo pelo qual a criança dispõe de elementos dessa

cultura, passa, entre outras coisas, pela confrontação com imagens, com representações.

“É com essa imagem que a criança poderá se expressar [...] poderá captar novas

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produções”.(BROUGÉRE, 1995, p.40). A criança não se relaciona só com o mundo

adulto, ela necessita do imaginário, das representações, que acontecem através das

imagens, dos símbolos e significados.

A infância é consequentemente, um momento de apropriação de imagens e de

representações diversas que transitam por diferentes canais. As suas fontes são muitas.

O brinquedo é, com suas especificidades, uma dessas fontes. “[...] considerar o

brinquedo não somente a partir de sua dimensão funcional, mas, também, a partir

daquilo que podemos denominar sua dimensão simbólica.” (BROUGÉRE, 1995, p.40-

41). Os diálogos que permeiam o simples ato de brincar ocorrem durante o manuseio

dos brinquedos produzidos pela indústria para separar o masculino e o feminino,

“porque os brinquedos possuem formas e possibilitam usos que se destinam a instituir

significados para que as crianças reproduzam os papéis socialmente estabelecidos”

(BARRETO; SILVESTRI, 2007, p.60).

Consequentemente, a relação que a criança terá com os brinquedos e as situações

de brincadeiras interferem e influenciam na formação do imaginário sócio-cultural

infantil. Estes brinquedos possuem uma representação simbólica, seja na escola ou em

casa, sendo possível notar a desestabilização da criança na constituição do lugar de

gênero.

Na maioria dos desenhos realizados pelas crianças no estágio, fica clara essa

separação de gênero, os meninos, tinham como parte preferida da história algum

momento em que a personagem principal estava brincando com brinquedos

considerados socialmente “de menino”, e escolheram como brincadeira preferida os

mesmos tipos de brinquedos, como exemplo, o desenho abaixo1:

1 Os nomes dos desenhos foram retirados para preservar a imagem das crianças.

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No desenho, fica claro que para esse menino futebol é brincadeira para meninos,

podemos observar que, quando foi solicitado para desenhar a brincadeira que mais

gosta, ele a fez brincando com outro menino e não com uma menina, por exemplo.

Porém, não são em todos os desenhos que a dicotomia de gênero é tão forte, os

desenhos relacionados à brincadeira preferida seguem o padrão considerado normativo à

distinção de gênero, porém, no momento de registrar a parte da história preferida,

alguns desenhos não faziam essa distinção, porém, vale ressaltar, que a nossa conversa

realizada antes com as crianças, sobre a separação de gênero e o direito de todos/as

terem acesso e poderem brincar com vários tipos de brinquedos, independente do

gênero, pode ter inferido à criança no momento da realização da atividade.

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Nesse desenho, notamos que, ao desenhar a parte da história que mais gostou, a

criança desenhou um menino e uma menina brincando de bola. É necessário

compreender que independente do gênero da criança, ao brincar, ela vai aprender a se

expressar no mundo, participando de novas experiências e aquisições, convivendo com

outras crianças, socializando-se espontaneamente.

A brincadeira é essencial para o desenvolvimento da criança, independente do

gênero, a criança tem o direito de explorar e conhecer o universo imaginário, de

experimentar, de vivenciar e saciar suas curiosidades. É na infância que a criança tem o

primeiro contato com a sociedade, o universo, e nós como educadores/as devemos

deixar e principalmente possibilitar esse contato com o desconhecido.

É importante deixarmos a criança livre, para escolher a brincadeira, conhecer

esses novos universos e experimentar, porém, precisamos compreender que a escola

está inserida na sociedade, portanto, ela delimita espaços. Servindo-se de símbolos e

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códigos, ela afirma o que cada um pode (ou não pode) fazer, ela separa e institui.

Informa o “lugar” dos pequenos e dos grandes, dos meninos e das meninas (LOURO,

1998, p.58).

Portanto, a escola também é responsável por influenciar o imaginário infantil no

tocante à cultura de gênero. Os/As educadores/as, no que diz respeito ao “ensinar” o

comportamento masculino e feminino para as crianças, precisam ser sensibilizados/as a

uma reflexão, no sentido de orientar a conduta dos meninos e meninas. Portanto, a

busca pela compreensão da formação de gênero envolve o estudo da formação da

criança em seu ambiente social, familiar e escolar. É necessário entender os meios

encontrados para a produção e reprodução social da escolha de gênero.

É necessário compreender o que o brinquedo e a brincadeira significam para a

criança, Brougère (1995) diz que a função real do brinquedo é a brincadeira. Nesta

perspectiva a brincadeira pode desempenhar qualquer função, deste modo, torna-se

complicado descrever uma determinada colocação para a brincadeira, pois ela “[...]

escapa de qualquer função precisa e é, sem dúvida, esse fato que a definiu,

tradicionalmente, em torno das ideias de gratuidade e ate futilidade” (p.13). Partindo

desse pressuposto podemos analisar o momento da brincadeira, em que o brinquedo

nem sempre representa o que realmente significa, por exemplo, um carrinho pode ser

tudo o que a imaginação da criança desejar e o que o objeto permita que seja, será o que

for necessário para ela no momento da brincadeira (Vigotski, 2008).

Porém, o brinquedo, o objeto em si, é o que desperta nas crianças imagens que

darão sentido à sua imaginação, diante disso, a brincadeira pode ser também um

fornecedor de representação manipuláveis. O valor expressivo do brinquedo é

representado na imagem do objeto, que deve significar e traduzir o universo real ou

imaginário, ou seja, é a fonte da brincadeira. Por exemplo, uma boneca-bebê é a

representação de um neném, que consequentemente despertará na criança que brinca

com ela atos de carinho, de trocar a fralda, a roupa, dar banho, mamadeira, enfim,

atitudes ligadas ao papel dos/as pais/mães perante os/as filhos/as. Essas determinadas

atitudes não são uma função do brinquedo em si, mas sim representações na

significação do objeto em uma determinada sociedade.

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Conceber e produzir um brinquedo é transformar em objeto, uma representação,

um mundo imaginário ou relativamente real. Essa lógica, a imaginação, que o brinquedo

desperta na criança, não pode ser impedido pela divisão de gênero, a criança tem o

direito e explorar, de conhecer, de experimentar, independente do gênero.

Considerações Finais

No estágio, observamos que a divisão de gênero existe de várias maneiras, no

espaço escolar, na divisão de filas para sair da sala, no momento da brincadeira, na

realização de algumas atividades. No momento de realizar a oficina para confeccionar a

boneca, a princípio, alguns meninos reclamaram de realizar a confecção, mas logo em

seguida, se envolveram com a atividade e gostaram tanto quanto as meninas.

Infelizmente isso ocorre em várias escolas. Para acabar com essa dicotomia é

necessário que os/as educadores/as, no que diz respeito ao “ensinar” o comportamento

masculino e feminino para as crianças, precisam ser sensibilizados/as a uma reflexão, no

sentido de orientar a conduta dos meninos e meninas, já que muitas vezes, o/a

professor/a ensina às crianças a reproduzirem os modelos de “homem” e “mulher” que a

sociedade deseja. “A escola delimita espaços. Servindo-se de símbolos e códigos, ela

afirma o que cada um pode (ou não pode) fazer, ela separa e institui. Informa o “lugar”

dos pequenos e dos grandes, dos meninos e das meninas” (LOURO, 1998, p.58).

O/A profissional da educação não deve repreender a criança no seu desejo de

conhecer e experimentar o mundo a sua volta, por relações de gênero existentes na

sociedade. Precisamos reconhecer que a escola não é um ambiente neutro, ela está

inserida na sociedade e faz parte dela, é também um meio de reprodução, participa da

construção da identidade de gênero2, que se inicia nas primeiras relações das crianças no

ambiente coletivo.

2 Precisamos entender gênero como constituinte da identidade dos sujeitos, para isto, precisa ser compreendido o conceito de identidade. Os sujeitos têm identidades plurais, múltiplas, que se transformam não sendo fixas ou permanentes, que podem, até mesmo, ser contraditórias. As identidades de gênero também estão continuamente se construindo e se transformando, nas relações sociais os sujeitos vão formando suas identidades como um ser masculino ou feminino, alcançando os seus espaços sociais, suas disposições, suas formas de ser e de estar no mundo. E esse processo de busca é sempre transitório,

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O mundo das crianças precisa desconstruir as relações estabelecidas de gênero,

os brinquedos e brincadeiras não devem ser coligados a significados femininos e

masculinos. Para os/as educadores/as é preciso à compreensão de que na brincadeira

não existem fronteiras para o que é ou não permitido para cada gênero. Nesta concepção

o significado das brincadeiras e dos brinquedos é atribuído pelos/as adultos/as, para que

as crianças reproduzam e sejam o que a sociedade deseja, para que possam exercer os

papéis existentes na separação de gênero. São necessários muitos estudos, reflexões,

conversas para que os/as professores/as se conscientizem e compreendam que a

construção de gênero é um processo histórico, e que nós, como profissionais da

educação, não devemos reproduzir esses papéis socialmente estabelecidos.

Vale ressaltar a verdadeira e real função da escola, para Saviani (2005), que está

em transmitir os conhecimentos científicos, de maneira sistematizada e não

fragmentada, como uma cultura erudita e não popular.

Nesse sentindo, é possível compreender que a escola acaba por disseminar os

padrões que são produzidos, construídos e modelados pela sociedade de acordo com o

momento histórico e social existente, com incorporações de valores, normas, moral e

ideologias, que são reprimidas diante da concepção que não se enquadra no modelo já

incorporado pela sociedade. Percebemos esses padrões na dificuldade evidente nos/as

adultos/as em verbalizar, esclarecer, discutir e informar as crianças e adolescentes sobre

a sexualidade, desenvolvimento do corpo, sexo e gênero (BRAGA, 2008).

Diante disso, o/a profissional da educação para conversar, discutir, informar

seus/suas alunos/as sobre gênero e/ou sexualidade precisam de uma formação

acadêmica. Para tanto, são necessários estudos teóricos sistematizados e obrigatórios

nos cursos de formação de professores/as.

O primeiro passo, para que se iniciem mudanças nas práticas escolares, é a

implantação de estudos sobre sexualidade e gênero nas grades curriculares nos cursos de

formação de professores/as, para que a partir disso, o ambiente acadêmico possa

promover discussões, debates, reflexões sobre os estudos de gênero e sexualidade. É

modificando ao longo do tempo, historicamente, considerando também as histórias pessoais, as identidades sexuais, étnicas, de raça, de classe etc.

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somente através da formação sobre essas temáticas que os/as profissionais da educação

irão conseguir compreender a importância de estudos neste âmbito.

Os/as educadores/as têm uma importância fundamental na vida de uma criança.

Eles/as são os/as mediadores/as da aprendizagem formal, mas também são modelos de

identificação sexual dos/as seus/suas alunos/as, pois assim como os/as pais/mães,

transmitem – verbal ou não- verbalmente – informações sobre a sexualidade. A escola,

querendo ou não, interfere na construção da sexualidade de cada aluno/a (BRAGA,

2002).

O estágio é um primeiro momento em que o/a futuro/a pedagogo/a tem contato

direto com a escola, os embates e desafios que encontra e encontrará nas disciplinas de

estágio no decorrer do curso, são mínimos, e os primeiros dos outros que irá encontrar

ao longo da sua carreira em sala de aula, para que esses embates sejam minimizados, o/a

educador/a precisa ter consciência de sua influência na formação de seus/suas alunos/as,

e a formação de gênero e sexualidade faz parte desse âmbito.

REFERÊNCIAS

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_______, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. _______, Guacira Lopes. Pedagogias da sexualidade. In: LOURO, G. L. (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 07-34. MEYER, Dagmar Estermann. Gênero e educação: teoria e política. In: LOURO, Guacira; NECKEL, Jane Felipe; GOELLNER, Silvana. Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. p.09-27. NUNES, César, SILVA, Edna. A educação sexual da criança: subsídios teóricos e propostas práticas para uma abordagem da sexualidade para além da transversalidade. Campinas: Autores Associados, 2000. OLIVEIRA, Paulo de Salles. O que é Brinquedo. São Paulo: Brasiliense, 1984. PINTO, Ana Lúcia Guedes; FONTANA, Roseli Aparecida Cação. Professoras e estagiários - sujeitos de uma complexa e "velada" relação de ensinar e aprender. Pro-posições. V. 12, n. 2-3, jul.-nov. 2001. SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas/SP: Autores Associados, 2005. VIGOTSKI, Lev Semenovitch. A Formação Social da Mente. São Paulo: Marins Fontes, 2008.