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Marionetes Carlão dos Bonecos Foto-ilustrações Helton Bastos Cenários Marcelo Velasco Ivens Cuiabano Scaff O menino órfão e o menino rei

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Page 1: O menino órfão e o menino rei Ivens Cuiabano Scaff · O menino órfão e o menino rei Marcelo Velasco m menino orfão, criado num cas-telo obscuro nos confins do reino de Logres,

Marionetes

Carlão dos BonecosFoto-ilustrações

Helton BastosCenários

Marcelo VelascoO m

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rei

m menino orfão, criado num cas-telo obscuro nos confins do reino de Logres, é visitado freqüentemente por um velho que lhe conta a res-

peito de um menino desaparecido, filho de Uther Pendragon, o Grande Rei.

Da lenda de uma espada cravada numa bigorna, sobre uma pedra, e de como so-mente esse menino será capaz de retirar a espada e se tornar rei.

E, passo a passo, vai preparando o me-nino órfão para ser o melhor amigo desse menino perdido.

Mas não será somente uma lenda? Con-seguirá o pequeno Tuca encontrar o menino rei desaparecido?

Afinal, quem é esse velho mendigo que sabe tantas coisas, que somente Tuca pare-ce enxergar?

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Ivens Cuiabano Scaff

Ator desde 1978, estreando com a peça A lenda do arco-íris, de Amaury Tangará, e se iniciando no mundo dos bonecos em 1980, com Maurício Leite, Carlos Gattass Pessoa, aliás, Carlão dos Bonecos, embora conste em seu currículo as funções de ilu-minador, carnavalesco de escola de samba, arte-educador de várias gerações e conta-dor de histórias, ou melhor, mediador de leitura, sua atual atividade, nunca abando-nou os mamulengos, títeres, polichinelos, fantoches, puncks, marochas, dedoches ou marionetes, conhecendo todos os detalhes de feitura e manipulação de cada um de-les, que compartilha generosamente com os novos artistas que são presença cons-tante em sua oficina.

Criando, desenvolvendo e retornando sua arte interativamente com o povo, é um grande exemplo de artista popular.

Criado no bairro do Porto, entre partidas e chegadas de lanchas que iam para lugares tão longe como Corumbá e Montevidéu, e corriam o risco de se perder entre os mean-dros do Pantanal, boiadas que estouravam em frente à sua casa e tios que chegavam, de repente, dos céus em pequenos teco-tecos, Ivens, apesar de sua formação como médico, guarda muita história, ouvida ou inventada, para contar. Elas vão surgindo devagar, porque ele ainda continua escu-tando, pois como dizem os cuiabanos: “Quer ver? Escuta!”.

O menino órfão e o menino rei

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ISBN: 978-85-87226-82-2

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Marionetes Carlão dos Bonecos

Foto-ilustrações

Helton Bastos

Cenários

Marcelo Velasco

O menino órfão e o menino rei

Ivens Cuiabano Scaff

Cuiabá, 2008

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Copyright © 2008 Ivens Cuiabano Scaff (texto) e Carlão dos Bonecos (marionetes)

Todos os direitos desta edição reservados à:

CARRIÓN E CARRACEDO LTDA. Av. Senador Metello, 3.773, Jardim Cuiabá • Cep: 78.030-005 – Cuiabá, MT, Brasil

Telefax: (65) 3624 5294 / 3052 8711 • www.entrelinhaseditora.com.br • e-mail: [email protected] Impresso no Brasil

Maria Teresa Carrión Carracedo

Ricardo Miguel Carrión Carracedo

Helton Bastos

Henriette Marcey Zanini

Editora e designer gráfico

Produção gráfica

Chefe de arte

Revisão

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Em nome do meu professor mais querido,

Rodolpho Paulo Rocco, dedico a todos os que contribuíram para a minha formação: livros, parentes, pacientes, amigos, filmes, música, po-etas, santos, peixes, escritores, pássaros, chatos, noites com e sem lua, matas e cachoeiras, rios, alguns pores-de-sol e as inesquecíveis e claras manhãs da minha casa no Porto.

Scaff, Ivens CuiabanoO menino órfão e o menino rei / Ivens Cuiabano Scaff;

ilustrado por Carlão dos Bonecos. - - Cuiabá, MT : Entrelinhas, 2008.

ISBN: 978 - 85 - 87226 - 82 - 2

1. Lendas - Literatura infanto-juvenil I. Carlão dos Bonecos. II. Título.

08 - 10081 CDD - 028.5

Índices para catálogo sistemático:

1. Lendas : Literatura infantil 028.52. Lendas : Literatura infanto-juvenil 028.5

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tarde vinha caindo devagarinho e em silêncio. Nem um vento, nem chuvisco. Nada que se movesse. Nem passa-rinho. Nem coelho. Parecia que até as formigas estavam descansando. Era o fim de um dia quente, e realmente parecia que todas as coisas estavam muito cansadas. Se de repente uma das árvores desabasse por ter cochilado,

isso passaria por coisa completamente normal.Tuca espreguiçou-se, estendendo ao máximo seus braços finos de

menino.— Oh! Lugar sem graça. Nada acontece por aqui. O máximo de

novidade é romper a correia de um dos cavalos. Conserto a correia, e daí, aonde posso ir?

Estendeu o olhar para aquele vale, nem estreito nem largo demais, limitado por pequenas colinas.

— O reino mais próximo fica a muitos dias de distância.O menino falava sozinho, pois não havia mais ninguém por toda a

extensão do vale e da morraria em volta. O velho castelo parecia uma construção abandonada, à beira de um lago morto.

— Pra falar a verdade – continuou o menino – nem sei se existe. Às vezes, quando chega algum cavaleiro e começa uma narrativa, já me mandam ajudar na cozinha ou na estrebaria, e fico pegando só uns pedaços de conversa.

Tuca montou um pedaço de galho bem reto, que tinha cortado de um pinheiro, e continuou a falar.

— Bem que eu gostaria de montar um desses cavalos e ir indo, indo... Chegar até a tal floresta. Mas, que nada! – Esporeou com irritação o cavalo-de-pau e começou a falar de modo irônico, como se estivesse imitando alguém – “Você é muito criança. Lá tem salteadores, bandi-dos que vão te capturar pra te fazer de escravo”.

E eu não sou escravo aqui?!? – Continuou a ironizar: – “Tuca, vá buscar água no poço”, “Tuca, acabou a lenha”.Pronto! Lá vai o Tuca rachar lenha. Lá vai o Tuca catar gravetos.

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A poeira estava parada sobre o vale, e começava a ficar dourada.— As coisas boas ficam para os outros, sempre! – suspirou Tuca.— O que o jovem Tuca tanto resmunga?— É você, meu bom velho?Apesar da chegada do velho, Tuca continuou a falar sozinho.— A única novidade neste castelo perdido num lugar que não está

no mapa é a visita desse velho andarilho.— E aí, velho amigo? Quais as novidades? Pra falar a verdade, não

devia ter perguntado isso. Do jeito que o senhor anda devagar, as no-vidades que traz já envelheceram enquanto caminhava.

O ar estava tão parado que nem a longa barba pontuda e branca do velho se mexia. Sua túnica tinha uma cor indefinida, talvez pelo ex-cesso de uso. Tinha uma tonalidade marrom, parecendo feita da casca de velhas árvores.

— Ah! Como a juventude é apressada! Tudo tem seu tempo certo, menino.

— Tempo certo. Tempo certo. Eu é que acho que estou no lugar errado. No tempo e no lugar errado. Tempo parado. Lugar nenhum. – completou Tuca, fazendo caretas.

As barbas do velho balançaram enquanto ele dava uma boa risada.— Faz de conta. Faz de conta que eu sou um mago. Faz de conta

que este meu bastão é mágico. Uma vara de condão.Tuca desfez a careta e seu rosto ficou sério, à exceção das sobrance-

lhas que, uma muito baixa e a outra muito elevada, davam conta da sua perplexidade.

— Vá lá, meu menino. Escolha o tempo e o lugar e eu dou um jeito para você.

— Será que esse velho está caduco, dois pra lá, três pra cá? – per-guntou Tuca, de novo falando sozinho e girando os dedos indicadores em volta das orelhas. Falava tão baixo que era quase um pensamento. – Ele é tão velho. Acho que é a pessoa mais velha que conheço. Ele deve ser mais velho que o cavalo de Sir Heitor. E olha que o cavalo de

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Sir Heitor não tem nem mais os dentes. Ele é mais velho que o velho carvalho. Mais velho que o fosso do castelo. – foi exagerando Tuca.

O velho permanecia parado, com o olhar perdido nas colinas, como se não estivesse escutando ou esperando que Tuca tomasse uma de-cisão.

— Ele é ainda mais velho que Sir Heitor, que já é bem idoso – con-tinuou Tuca, como se o velho não estivesse ali – Não, Sir Heitor não é meu avô. Nem pai. Mas é como se fosse. Vivo neste castelo desde que me entendo por gente. Me tratam como se fosse da família. Quer dizer, quase todos. O filho de Sir Heitor, o Kay, me detesta. Aliás, ele detesta todo mundo, mas me detesta mais um pouquinho ainda. Mas isso é uma outra história.

O sol se pondo tornava as vestes do velho douradas.Tuca virou-se para ele.— Faz de conta! Faz de conta! Só no faz de conta que eu vou con-

seguir viver uma aventura?Mas virou-se de novo em seguida, porque ouviu gritos vindos do

castelo.— Tuca! Tuca! Onde se meteu esse cretino?— Falar no diabo, ele aparece. Estou aqui, Sir Kay.Kay devia ser apenas alguns anos mais velho que Tuca, mas era bem

mais alto. Alto e magro feito um bacalhau. Vinha chegando muito irritado.

— Fazendo o quê? Deu pra falar sozinho?— Estava conversando – interrompeu-se ao notar que o velho havia

se retirado silenciosamente – Aliás, estava pensando alto – emendou.— Ele pensa! – provocou Kay – Terminou de arrumar minhas cor-

reias?— Terminei, Sir Kay.Kay encaminhou-se para uma sela, já bastante gasta.— Vamos ver se ficaram boas. Você não faz nada direito!— Estão seguras, Kay.

Kay deixou vazar toda a raiva que sentia do menino, ou do mun-do.

— Sir Kay! Sir Kay! Não esqueça seu lugar. Você mora neste castelo de favor. De favor! Maldita hora em que aquele viajante deixou este estrupício aqui.

A curiosidade foi maior que o medo, e Tuca pe-diu:

— Me conte a história inteira, Sir Kay.Kay olhou-o com desdém.— Pra quê? Que importância pode ter a histó-

ria de um enjeitado? Não tem história nenhuma. Alguém te encontrou pelos caminhos, te pegou, mas logo viu o mau negócio que tinha feito e te abandonou aqui. Era uma noite negra. Escura de tempestade.

Ao dizer estas últimas palavras, o rosto de Kay tornou-se sério de repente.

— Como se chamava o viajante? – In-sistiu Tuca.

Kay parecia que ia explodir. Veias vermelhas saltavam de seu pesco-ço.

— Quem é você para me in-quirir? Não era ninguém. Você não é ninguém. E acabou! Agora, suma! Vá buscar feno para a minha cama. Vá!