o memorial frei damião, o romeiro e a fé

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O Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé. Eu trago neste cordel Um bate papo legal, Narrando um dia de um homem Com uma fé descomunal, Que veio ao Frei Damião Repleto de devoção, Medindo o Memorial. O nome dele é José, Seu sobrenome é Maria. Um tipo bem popular, Vindo numa Romaria. Foi muito bom lhe encontrar Pra podermos conversar No decorrer de um dia. Conheci o Zé Maria Quase que só de passagem, Mas foi grande a alegria Tê-lo como personagem Desta minha narração, Porque esta construção Reflete a nossa mensagem. Ele me disse que veio Sem ter nenhuma missão. Eu me perguntei por que Lápis e papel na mão? Nem sei se era promessa, Nem sei se estava com pressa, Mas lhe prestei atenção. Ele anotou que a estátua Num platô está situada, Ficando na Cordilheira Da Borborema falada, De uma beleza suprema, É a Serra da Jurema Em Guarabira encontrada. Também vi no seu papel Que Mata Limpa é o local Do platô-base que ergue O nosso Memorial, Há trezentos e cinquenta Metros, onde forte venta, Na altitude geral.

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A literatura de cordel além de ser um instrumento bastante eficaz no sentido de informar, também tem o seu poder pedagógico para com a sociedade, pois no mesmo instante em que leva conhecimento aos leitores e ouvintes, faz com que eles reflitam sobre o seu cotidiano. Através da sua escrita poética e dos seus enredos, quase sempre fantásticos, acabam por atrair e instigar os admiradores a refletir sobre os temas abordados.“O Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé” não se distancia dessas características que marcam a poesia de cordel, sobretudo, no sentido de informar, de atrair e de instigar os leitores e admiradores para uma reflexão sobre o seu cotidiano.Este cordel foi produzido em estrofes de sete (setilha) versos de sete sílabas, trazendo uma história (fictícia) vivida entre o autor e um romeiro que visitou o Memorial Frei Damião, na cidade de Guarabira, no estado da Paraíba – Brasil.

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Page 1: o Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé

O Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé.

Eu trago neste cordel

Um bate papo legal,

Narrando um dia de um homem

Com uma fé descomunal,

Que veio ao Frei Damião

Repleto de devoção,

Medindo o Memorial.

O nome dele é José,

Seu sobrenome é Maria.

Um tipo bem popular,

Vindo numa Romaria.

Foi muito bom lhe encontrar

Pra podermos conversar

No decorrer de um dia.

Conheci o Zé Maria

Quase que só de passagem,

Mas foi grande a alegria

Tê-lo como personagem

Desta minha narração,

Porque esta construção

Reflete a nossa mensagem.

Ele me disse que veio

Sem ter nenhuma missão.

Eu me perguntei por que

Lápis e papel na mão?

Nem sei se era promessa,

Nem sei se estava com pressa,

Mas lhe prestei atenção.

Ele anotou que a estátua

Num platô está situada,

Ficando na Cordilheira

Da Borborema falada,

De uma beleza suprema,

É a Serra da Jurema

Em Guarabira encontrada.

Também vi no seu papel

Que Mata Limpa é o local

Do platô-base que ergue

O nosso Memorial,

Há trezentos e cinquenta

Metros, onde forte venta,

Na altitude geral.

Page 2: o Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé

Foi aí que percebi

Ser algo muito legal

A pesquisa do romeiro

De maneira especial.

Eu também me interessei

E daí lhe perguntei:

- Por que o Memorial?

Ele me disse depressa:

- Por causa da emoção

De poder ficar ao lado

Do “Padim” Frei Damião,

Mesmo sendo de cimento

É lindo esse monumento

E me enche o coração.

É um dos pontos turísticos

Do tipo religioso

Mais lindo da Paraíba,

Local muito prazeroso,

Ou quem sabe brasileiro

E tem na fé do romeiro

Este ar misterioso.

Mas voltemos ao romeiro,

Do qual comecei falar,

Que com seu lápis na mão

Queria tudo anotar,

Muito feliz e contente

No meio daquela gente

Vinda pra aquele lugar.

Não sei de onde ele vinha,

Esqueci de perguntar,

Só sei que ele falou

Quando pôde avistar

O monumento erguido,

Perecendo adormecido,

Como quem quer acordar.

Foi há mais de dezesseis

Quilômetros daqui distantes.

Ele viu em linha reta

E foi isto o bastante

Pra seguir a caminhada

Em busca da obra armada

Em um formato gigante.

Page 3: o Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé

Foi aí que perguntei

Se ele havia anotado

Isto tudo em seu papel

E ele disse apressado:

- Tudo que vi, anotei,

Desde que eu avistei

Tá tudo bem registrado.

Como eu tava curioso,

Não deixei de perguntar:

- Já faz tempo que chegou?

- Não, acabei de chegar.

Sou até um dos primeiros

De um grupo de romeiros

Vindo pra esse lugar.

- E eu quero anotar tudo

Que tem no Memorial.

Quantos metros de altura,

Com e sem o pedestal.

Quantos quilos de cimento

Foi gasto no monumento

E todo material.

Aí resolvi saber

Da hora que aqui chegou,

Zé Maria disse logo

O tempo que ele levou:

- De carro eram dez minutos,

Mas pra não ouvir insultos,

Mais de uma hora passou.

Porque veio anotando

Tudo que via e ouvia.

Ouviu os cantos dos pássaros

Cantando com alegria,

Isso levou um tempão,

Parou em cada estação

Da mais pura e sacra via.

Parou no meio da serra

Aos pés do lindo cruzeiro,

Obra linda de Brennand,

E como um bom romeiro

Depressa se ajoelhou

Pensou em Deus e rezou,

Depois seguiu o roteiro.

Page 4: o Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé

Mil e oitocentos metros

Lá de baixo até em cima,

Mesmo num dia de sol,

Disse: - Foi gostoso o clima,

Caminhada diferente,

Pois encontrei muita gente

Que o percurso anima.

As estações são as quinze,

Pois isso nunca mudou.

BejamimCarlos quem fez,

E de concreto armou,

Pondo ao longo desta estrada,

Ilustrando a caminhada

De quem por aqui passou.

Vejam que ele subiu

Todo trajeto a pé

Como faz todo romeiro,

Seja Maria ou José,

Ou mesmo José Maria

Feliz e com alegria

Que busca força na fé.

Perguntei se ele sabia

Quem fez o Memorial,

Deixando-o bem confuso

Porque me expressei mal.

Depois perguntei direito:

- Sabes qual foi o Prefeito

Que fez este colossal?

Ele disse não saber

Qual Prefeito construiu,

Aí melhor expliquei

Como aquilo então surgiu.

Falei: - Foi Léa, a Prefeita.

Ele disse: - Obra perfeita!

Olhou pra mim e sorriu.

Ele foi logo anotando

Sem sequer questionar.

Perguntou: - Qual foi o ano?

Respondi sem gaguejar:

- Dois mil e quatro é o ano,

Digo-lhe sem ter engano,

Você pode confiar.

Page 5: o Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé

- Agora me diga o mês.

Pediu-me o Zé Maria.

Respondi: - Foi em dezembro.

E sem demora dizia:

- Exato dia primeiro

Que foi entregue ao romeiro

Esta obra de valia.

Zé Maria então parou,

Fazendo uma confusão:

- Quem fez foi Léa Toscano

Esta bela construção?

Então me diga um segredo,

Quem foi esse tal Azedo

E qual sua atuação?

- Ah! Esse é o Arquiteto.

Fui depressa explicar:

- Foi o Alexandre Azedo

O homem a projetar

Toda esta construção,

Desde a sua criação

Até tudo terminar.

Ele disse: - “Peraí”!

Vamos mais devagarinho,

Deixe-me pegar o lápis

Para anotar tudinho,

Porque sou muito fiel,

Só botando no papel

É que fica bem certinho.

- Mas por que tudo anotado?

Eu voltei a perguntar.

Ele disse: - Porque tenho

Interesse em calcular

Como se ergue a memória

E se constrói a história

De um santo popular.

Eu fui mudando a prosa

E vi que ele notou,

Parei de fazer perguntas,

Mas ele é quem perguntou:

- O tamanho da escultura,

Qual é mesmo a sua altura

E quanto tempo levou?

Page 6: o Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé

Nisso, a gente já estava

Aos pés de Frei Damião,

E ele rapidamente

Foi se curvando ao chão,

Fazendo o sinal da cruz,

Relembrando quem conduz

Aqui na terra o Cristão.

Vinte e um metros de altura

Somente o Frei Damião.

Treze tem o pedestal,

Digo-lhe com precisão.

Trinta e quatro no total,

Tem esse Memorial

Da cabeça até o chão.

Aí eu me adiantei

E disse: - Pode anotar,

Pois os dados desta obra

É possível calcular.

Antes que eu me esqueça,

Três metros tem a cabeça

Por quatro, sem duvidar.

Ou seja, pra ser exato:

São três metros de largura

A cabeça da estátua

E por quatro de altura.

Até os olhos lhe digo

Quanto mede, meu amigo.

Isso é matemática pura.

Quarenta e oito centímetros

Por vinte e oito, também

É o tamanho medido

E que cada olho tem.

E mais, o projeto diz,

Que pra ponta do nariz

Só faltam dez para cem.

Calma, isso eu explico

Pra não haver confusão,

Pois da ponta do nariz

Fizeram a medição,

De centímetros tem noventa,

Ou seja, do olho à “venta”

Existe esta dimensão.

Page 7: o Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé

Zé Maria aperreou-se

E começou escrever.

Pedia pra repetir

Com medo de se perder,

Mas eu disse: - Meu irmão,

Se avexe muito não,

Pois tudo eu volto a dizer.

E o tamanho da boca

De uma forma geral:

Oitenta e quatro centímetros

Somente na horizontal,

Mais trinta de abertura,

Sendo esta a altura

Na medida vertical.

E já fui adiantando

Antes dele terminar

De anotar as medidas

Que acabei de informar,

Disse: - Vamos às orelhas,

Esqueça as sobrancelhas

Pra gente não se atrasar.

Tem um metro e trinta e cinco,

A orelha do Damião.

Não parece ser tão grande,

Mas é um grande orelhão.

Isso aí é a altura,

Com meia três de largura,

Completando a dimensão.

Sem parar fui perguntando:

- Já tá tudo anotado?

Zé Maria respondeu:

- Tá tudinho registrado.

Pra eu não perder a festa,

Diz o tamanho da testa

Ou não sabes decorado?

Ele quem me perguntou

E eu gostei de dizer:

- Oitenta e quatro de altura.

Eu pude lhe responder:

- É uma testa enorme,

Mas isso aí é conforme

O que dá pra gente ver.

Page 8: o Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé

Eu vi que essas medidas

Deixava o Zé feliz.

Ele era detalhista

E de repente eu quem fiz,

Novos cálculos da cabeça,

Pra que ele não esqueça,

Sendo do queixo ao nariz.

Um metro e quinze distantes,

Quem quiser pode subir.

É só ir até o topo

Sem ter medo de cair,

Do nariz até o queixo,

Seguindo sempre este eixo

Pode começar medir.

Nisso, a gente foi saindo,

Mas ele me perguntou:

- Quando surgiu essa ideia,

E a obra começou?

Respondi-lhe direitinho

Com um imenso carinho,

Até quando inaugurou.

Mas antes de começar

Estas datas responder,

Disse-lhe: - Está faltando

Outras medidas dizer.

Por exemplo, o cordão,

Que escorre abaixo da mão

E daqui a gente ver.

O Cordão de São Francisco

Que compõe o monumento

Tem nove vírgula oitenta

Metros de puro cimento.

Confesso que desconheço

No mundo existir um terço

Com tão grande comprimento.

Pra não perder a conversa

Voltamos à discussão

Sobre a origem da obra

E a sua inauguração,

Pois vi que o Zé Maria

Ainda permanecia

Prestando muita atenção.

Page 9: o Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé

- Em vinte e sete de março

E foi no ano dois mil

Que começou esta obra

Sob o céu de azul anil,

É tão bela esta escultura,

Sendo a terceira em altura

Do nosso imenso Brasil.

Rapidamente explanei

Sobre a inauguração,

Que foi em dois e mil e quatro,

Dizendo com precisão.

E foi no mês de dezembro,

Depois que passou novembro

Sem lhe deixar confusão.

Ele parando falou:

- As datas eu já havia

Anotado no início,

Mas juro que não sabia

Que esta bela escultura

É a terceira em altura

Do Brasil de hoje em dia.

Quando nós fomos saindo

Em meio à descontração,

Parei e bem de repente,

Tocando em sua mão,

Disse-lhe pra terminar:

- Você pode anotar

Bem mais, sobre a construção.

São quatrocentos e trinta

E seis metros no total,

Isto é em metros cúbicos,

Numa medida geral,

Este dado é o completo

Da quantidade em concreto

Gasto no Memorial.

E o peso da estátua

Pode anotar direto:

Setecentos e cinquenta

Toneladas de concreto,

De pé aqui nesta serra,

Erguida e presa à terra

Num cenário tão repleto.

Page 10: o Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé

Dando-lhe estas respostas

Saímos a papear,

Discutindo a fé dos homens,

Era hora de almoçar.

Tomamos uma branquinha,

A dele maior que a minha,

Sem querer exagerar.

No barzinho bem ao lado,

Um lugar simples e singelo,

Rodeamos a mezinha

De tamborete amarelo.

Fui logo me espreguiçando

E o boné fui tirando,

Deixei de lado o chinelo.

Perguntei ao nobre dono

O que tinha pra comer

E ele me respondeu:

- “Peraí” que eu vou ver

Se ainda tem galinha

Com aquela macaxeirinha

Que dá gosto de vender.

Ele disse: - Ainda tem.

Quer que eu mande preparar

Dois pratos daqueles grandes

Pra suas fomes matar?

Eu disse: - Vamos sem pressa,

Eu nem vim pagar promessa,

Aliás, nem sei rezar.

Se eu como um prato desses

Vou morrer empanturrado,

Mas então vi que o Zé

Ficou todo animado,

Dizendo: - Pode botar,

Vou comer até ficar

Morrendo com o bucho inchado.

Enquanto o dono aprontava,

Saí pra olhar a feira

Que fica logo ao lado,

Descendo um pouco a ladeira

Encontrei um vendedor,

Sujeito trabalhador,

Vendendo banco e cadeira.

Page 11: o Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé

Aí peguei um banquinho

E fui logo me sentar,

Porque daquele platô

É possível apreciar

Uma vista panorâmica

De Guarabira, dinâmica,

Sem muito se esforçar.

Passeei por Guarabira,

Aí Zé me acompanhou.

Ele olhou bem detalhado,

Toda cidade avistou,

Contemplou a natureza,

Registrou toda beleza

Que Deus pai nos reservou.

Imagens interessantes

Puderam ser avistadas,

Umas até bem distantes,

Outras mais aproximadas.

Lá é diverso demais

E as belezas naturais

Ainda são encontradas.

Eu vi muito artesanato,

Frutos da nossa cultura,

Zé Maria observando

Toda aquela belezura,

E o tempo ia passando,

Já estavam nos chamando,

Pois estava pronta a fritura.

Cinco ou seis passos andamos

De volta ao restaurante.

Sentamos pra almoçar

Naquele vento constante,

Degustamos o almoço

Servido pelo bom moço

De forma aconchegante.

Trouxe a “velha cocó”,

Criada na capoeira,

Com um bom suco de fruta

E aquela macaxeira.

Comi e joguei no chão

O osso pra aquele cão

Que agarrou de primeira.

Page 12: o Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé

Foi exatamente assim

E o Zé quis registrar.

Fez uma fotografia

Sem precisar anotar,

Esbanjou felicidade

Com tanta tranquilidade

Achada em um só lugar.

E com a barriga cheia

A preguiça foi geral,

Naquele vento gostoso

Da forma mais natural,

Abri a minha camisa,

Expus meu peito à brisa

Que sopra o Memorial.

Fomos descansar um pouco,

Voltando na contra mão.

Mas espere um pouquinho

Pra não gerar confusão.

O passeio foi a pé,

Eu sempre ao lado do Zé

Na maior descontração.

Nisto, uma sombra gostosa,

Bem fresquinha e legal,

Aos pés de Frei Damião,

Em pleno Memorial.

Digo na língua da gente:

- No derradeiro batente

Estava sensacional.

Paramos pra refletir

Sobre o que Zé anotou.

As medidas da estátua,

Os passos que ele andou,

Até o preço do almoço

Que pagou pra aquele moço,

O romeiro registrou.

A vista pela cidade,

Do alto e lá bem distante.

Calculou toda beleza

Com alegria constante,

As partes do monumento,

Todo peso e comprimento,

Mas faltava o restante.

Page 13: o Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé

Neste instante eu levantei,

Ele também levantou,

No momento que outro grupo

De fiéis por nós passou,

Adentrando ao Museu.

Tempo, a gente não perdeu,

Deu meia volta e entrou.

Logo na parte de baixo,

E no primeiro momento,

Encontramos a história

Do gigante monumento,

Que aqui já foi falado

E já está registrado

Com todo merecimento.

Subindo alguns degraus,

Chegando ao primeiro andar,

É a história do homem

Que é possível encontrar,

Sem causar nenhum espanto

Ou a história do “Santo”

Da cultura popular.

Alí o nosso romeiro

Fez suas anotações,

Registrou o que bem quis

Sem me dar satisfações,

Depois procurou um canto

Da sala e aos pés do Santo

Rezou e fez orações.

Quando ele terminou

Todo aquele ritual,

Subimos mais uma escada

Daquele Memorial,

Fomos ao segundo andar

Para poder registrar

A parte espiritual.

Porque é lá que se encontram

Os milagres e as memórias

Atribuídas ao Santo

Que conquistou tantas glórias.

Ele pôde registrar,

Escrever e calcular

Todas aquelas histórias.

Page 14: o Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé

De novo ele se afastou

Pra um lugar reservado,

Repetindo o mesmo gesto

Desde que havia chegado,

Pondo o joelho ao chão,

Fazendo uma oração

Depois de tudo anotado.

Aí saímos sem pressa,

Ele se pôs a descer.

Então eu lhe advertir:

- Antes de ir, vamos ver

Do topo do pedestal

A beleza natural,

Vamos com Deus aprender!

Aí nós demos a volta

Aos pés de Frei Damião,

Admirando a paisagem

Com tamanha emoção.

Agradeci ao divino,

Senti-me como um menino

Naquela ocasião.

Vi que eu era tão pequeno

Naquela imensidão.

Eu não passava de um cisco

Comparado à construção,

Mas vi que aquele gigante

Era pequeno o bastante

Diante deste mundão.

Parando as reflexões

E cada degrau descendo,

Estava Eu e o Zé

Aos poucos nos conhecendo.

Fomos ver o outro lado,

Pra deixar bem anotado

O que a gente estava vendo.

Voltamos para a Capela

Que fica bem na entrada.

Ele fez anotações,

Não querendo deixar nada

Sem no papel registrar,

E fiquei a lhe espiar

Desde a sua entrada.

Page 15: o Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé

Até a sua saída,

Quando seu gesto se expressa,

Fez o mesmo ritual,

Rezando sem muita pressa.

Sempre agradecendo a Deus

Através dos gestos seus,

Parecia ser promessa.

Tudo bem, já terminou

A visita à Capela.

Fazendo o sinal da cruz

Fotografou a janela,

Que tem uma linda imagem

Complementando a paisagem,

Tornando-a muito mais bela.

Aí ele perguntou:

- Agora eu quero saber:

Onde são feitas as promessas?

Eu respondi com prazer:

- Saindo desta Capela,

“Te levo” onde acende vela.

Se olhar daqui já ver.

Voltamos mais um pouquinho,

Bem por trás da construção

Deste grande monumento

Do “Padim” Frei Damião,

Chegou lá, o Zé Maria

Contra o tempo corria

Com uma vela na mão.

Acendeu depressa a vela,

Nisto não quis demorar.

Calculou todo espaço,

Pôs-se a tudo registrar.

De um lado Frei Damião,

Cristo em outra posição,

Ornamentava o lugar.

Depois disto perguntei:

- O que você está achando

Desta sua visitinha

E o que está anotando?

Assim ele respondia:

- Estou feliz este dia

E o que faço estou gostando.

Page 16: o Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé

E por curiosidade,

Da forma mais natural,

Disse-lhe uma coisinha

Que envolve o Memorial:

- Aqui tem mundo moderno

Ou quem sabe, pós-moderno,

Numa visão cultural.

Descemos fazendo prosa

Até falando asneira,

Pegando pela saída

Que rompe por entre a feira,

Por trás do Memorial,

Numa estrada transversal,

Quase descendo a ladeira.

Ou seja, cem ou duzentos

Metros, essa é a distância

Que se registra o encontro,

E com muita substância,

De uma cultura antiga,

Sem confusão e intriga

Com a nossa culminância.

Aí o nobre romeiro

Indagou bem assustado:

- Não estou a entender,

Mas quero isso explicado.

Do que tu estás falando?

Confesso, estás me deixando

Confuso e atrapalhado.

Eu lhe disse: - São dois mundos,

Mesmo tempo e região.

Setecentos e cinquenta

Mil quilos na construção:

Concreto, ferro e cimento

Erguem este monumento,

Fazendo a contradição.

Ele disse: - Não entendo

O que estás a dizer.

Nisto eu falei sorrindo:

- Daqui o que dá pra ver?

Ele disse: - O monumento,

Um gigante de cimento

É o que posso perceber.

Page 17: o Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé

Aí eu falei bem sério:

- Dê somente uma voltinha,

Observe aqui do lado

Esta tão bela casinha,

Compare com a construção,

Veja a contradição.

Diga se é mentira minha!

Há três metros de distância,

Naquele exato momento,

Ele viu a linda casa

Feita sem nenhum cimento,

Pura obra artesanal.

Disse: - É fenomenal,

Como é lindo esse momento.

É uma casa de taipa

Ou casa de pau-a-pique.

Aí Zé Fotografou,

Dizendo: - Quero que explique.

Quanto tempo se arrasta,

Quanto dinheiro se gasta

Pra que a casa assim fique?

Aí eu fui explicando

Da casa o seu valor:

- A vara vem lá da mata,

Dada por Deus criador.

O barro se extrai do chão,

Depois amassa com a mão

E o dono é o construtor.

Ou seja, esta estrutura

Não se mede por dinheiro,

Pois é toda natural,

Nem precisa de pedreiro,

Dispensa-se o arquiteto,

Aqui não se faz projeto

E não existe engenheiro.

Mas o tempo é importante

E isto é calculado.

Faz-se aos fins de semanas,

Quando está desocupado.

A mão de obra é de graça,

Tomando a boa cachaça

Comendo um frango torrado.

Page 18: o Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé

O meu amigo romeiro

Pôs tudo ali no papel,

Registrou estes dois mundos

Num roteiro bem fiel.

Um primitivo e eterno

Ao lado de um pós-moderno

Sem ter nada de cruel.

Acho até que ele esqueceu

Outra coisa anotar,

Mas sei que não é preciso,

Pois o vi fotografar

Uma cena bem simbólica

Na casa, uma parabólica,

Explica o que eu quis falar.

Mas vamos deixar de lado

Esta tal modernidade,

Vamos seguir adiante,

Na nossa realidade,

Vamos para o principal,

Voltando ao Memorial

E a religiosidade.

Porque o que a gente viu

Nesta nossa discussão

Pode sim ser calculado,

Dependendo da visão,

Todo bem material

Que envolve o Memorial

E a peregrinação.

Seguimos bem confiantes,

Já chegando o fim do dia,

Eu percebi o cansaço

Do romeiro Zé Maria.

Eu também estava cansado,

Mas pelo vento empurrado

Esbanjava alegria.

Já havíamos conhecido

O estacionamento

E pra sala dos Ex-votos

Fomos naquele momento,

Pra o amigo registrar

Tudo e poder narrar

Com todo merecimento.

Page 19: o Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé

Esta sala é conhecida

Com toda satisfação

Como a sala das promessas

E fica lá no porão.

A gente desce a escada,

Anda por uma sacada

E ver a grande razão.

A paixão que o povo tem

Pelo nordestino “Santo”,

Mesmo nascido na Itália

Pra gente não causa espanto.

Na sala é que se registra

Como a fé se administra

Naquele pequeno canto.

Ou seja, é ali que fica

Todo agradecimento

Daqueles que receberam

Qualquer um congraçamento.

Cada graça é uma promessa,

E quem consegue, regressa

Pra cumprir o juramento.

Quando chegamos à porta

O José se ajoelhou,

Mais uma vez se benzeu,

Fez o sinal e rezou.

Pegou caneta e papel,

Eu vi que o bom fiel

Alguma coisa anotou.

Ficamos lá um tempão

Sem muita coisa dizer,

Observando encantados

Com um imenso prazer.

Eram coisas tão diversas

Que até as nossas conversas

Pareciam emudecer.

Lá tem peça artesanal:

Tem cabeça, pé e mão.

Tem retratos bem antigos:

Bebê, jovem e ancião.

Tem santo de candidato,

Não se sabendo exato

De quem é a devoção.

Page 20: o Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé

Vi que nosso personagem

Parava de anotar

E eu bem discretamente

Resolvi lhe perguntar:

- O que está acontecendo?

Explique o que estou vendo,

O que há neste lugar?

Ele disse: - Meu amigo,

Os dados estão anotados,

Já até me conformei

Com os cálculos guardados.

Agora é que vim pensar,

Só não dá pra calcular

A fé que estamos cercados.

Veja aqui quantos milagres,

Veja quanta devoção,

Cada qual tem uma história,

Cada qual vem de um irmão,

Cada irmão diferente,

Mas isso é a fé da gente,

Não se sabe a dimensão.

Eu perguntei: - Como assim?

Ele disse bem ligeiro:

- Tudo que o homem faz

Mede-se pelodinheiro,

Mas se parar pra pensar

É impossível calcular

A fé de cada romeiro.

O sol caía e Zé

Precisava ir partindo,

Dava-me um forte abraço

E a gente se despedindo.

Ele entrou num lotação

E acenando com a mão

Deu tchau e saiu sorrindo.

Eu me pus a repensar

De onde é José Maria.

Não sei de onde ele vinha,

Nem também pra onde ia.

Nem sei se pagou promessa

Ou se algum dia regressa

Só, ou noutra romaria.

Page 21: o Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé

Vi que tudo se calcula

Nesta ou noutra construção,

Seja valor em dinheiro,

Seja em peso ou dimensão,

Seja até quantas Marias,

Quantos Zés nas romarias

Visitam Frei Damião.

Mas o tamanho da fé

Só dá pra imaginar.

Qual a sua dimensão?

Será que vai se findar?

Não se mede por dinheiro.

Portanto, a fé do romeiro

Ninguém pode calcular.

Guarabira lhe espera,

Romeiro fiel ou não.

As portas estão abertas

Com amor no coração.

Isto são os sentimentos,

Nossos agradecimentos:

O “Padim” Frei Damião.

FIM

123 Estrofes - setilhas com sete sílabas

Page 22: o Memorial Frei Damião, o Romeiro e a Fé

Sobre o autor

Paulo Gracino é um poeta paraibano, nascido a 24 de fevereiro de 1969 na cidade de

Guarabira, onde reside até os dias atuais. Formado em História pela UEPB e concluinte

de Serviço Social pela UNIP Interativa. É casado com Rosângela Gracino e trabalha na

Prefeitura de Guarabira, onde exerce a função de pintor artístico e publicitário. Publicou

em junho de 2013 o seu primeiro cordel - 90 anos de encantos de um Pavão Misterioso

- em comemoração ao aniversário da obra de José Camelo de Melo Resende, publicada

em 1923, “O Romance do Pavão Misterioso”. Vencedor do Prêmio Literário Augusto

dos Anjos da FUNESC, versão 2013, com a obra “A História na visão de um pervertido

sexual”.

CONTATO

Paulo Gracino

[email protected]

(83) 9977 4804 - (83) 8780 2242

Guarabira - Paraíba

- 2013 -