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Page 1: O meio ambiente hídrico como direito humano - unigran.br · A equiparação da água a um direito humano é o tema nodal da pesquisa, inclusive com a demonstração da evolução

O MEIO AMBIENTE HÍDRICO COMO DIREITO HUMANO1

Paulo César Nunes da Silva2

Resumo: atualmente o mundo coloca em foco um tema que preocupa seus habitantes: o meio ambiente, colocando-o no cerne de suas ações prioritárias e humanitárias. As demostrações de preocupação com a sustentabilidade mundial, sobretudo na seara da educação ambiental são temas das mais variadas agendas mundiais. É Imprescindível destacar que a consciência de preservação ambiental foi realmente despertada a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, em Estocolmo (Suécia), em 1972, onde foram estabelecidos princípios básicos de um novo ramo do direito: o Direito Ambiental. Nesse diapasão, é que nesse trabalho se abordará o meio ambiente, especificamente os recursos hídricos, com enfoque humanístico ditado pelos direitos humanos. Conceitos e as perspectivas anteriores e posteriores a 1948, ano da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Com considerações articuladas finalizaremos a pesquisa com a proposta da possível elevação da água como Direito Humano independente, dotado de proteção conforme sua imprescindibilidade.

Palavras-chave: Meio ambiente. Água. Direitos Humanos.

Abstract: currently the world places in focus a subject that worries its inhabitants: the environment, placing it in evidence of its priority and humanitarian action. The demonstrations of concern with the world-wide sustentability, over all in area of the ambient education are subjects of the most varied world-wide agendas. It is Essential to detach that the conscience of ambient preservation really was woke up from the Conference of United Nations on the Human Environment, in Estocolmo (Sweden), in 1972, where had been established basic principles of a new branch of the right: the Enviromental law. In this context, it is that in this work the environment will be approached, specifically the hídrics resources, with humanistic approach dictated by the human rights. Concepts and the previous and posterior perspectives the 1948, year of the Universal Declaration of the Human Rights. With articulated considers we will finish the research with the proposal of the possible rise of the water as Right independent Human being, endowed with in agreement protection its essentiality.

1 Introdução

A partir de uma visão cosmopolita e humanística3, o presente trabalho tem

como fim precípuo não só mostrar a importância das leis para a efetiva proteção do meio

ambiente hídrico, mas também demonstrar a linha de pensamento mundial acerca da

preservação desses recursos imprescindíveis.

Através de paralelos entre a doutrina nacional, tratados e doutrina

internacionais, se tratará de universalizar atos e ações para a proteção dos mananciais

disponíveis aos seres humanos, tendo em vista ser a água um direito social, vis 1 Trabalho apresentado à disciplina de Teoria geral dos direitos humanos ministrada pelo Professor Mestre César Augusto Silva da Silva, como pré-requisito à conclusão da mesma, ao Curso de Especialização em Direitos Humanos e Cidadania, Faculdade de Direito da Universidade Federal da Grande Dourados-UFGD. 2 Advogado. Especialista em Direito Civil e processual pela UNIGRAN. Pós-graduando em Direitos Humanos e Cidadania pela Universidade Federal da Grande Dourados-UFGD. 3 KANT, Emmanuel, 1724 – 1864. Doutrina do Direito. Trad. Edson Bini. São Paulo: Ícone, 1993. p. 5-11.

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consequência um direito humano.

A equiparação da água a um direito humano é o tema nodal da pesquisa,

inclusive com a demonstração da evolução dos direitos humanos depois de 1948, e do

direito ambiental após 1972, chegando a necessidade da elevação do meio ambiente

hídrico como bem universal, e direito humano inato aos seres humanos, indispensável à

sobrevivência.

O trabalho visa também, mostrar como é importante para a preservação de tais

mananciais a feitura de leis e tratados específicos, com punições severas aos infratores e a

constante e eficaz fiscalização dos Organismos Internacionais, como por exemplo, a

Organização das Nações Unidas (FAO – Organização das Nações Unidas para Agricultura

e Alimentação), a Organização dos Estados Americanos (através do CIDH - Comitê

Interamericano dos Direitos Humanos), integrantes do Sistema de Proteção de Direitos

Humanos, seja global ou regionais e, principalmente, da humanidade, visto que esta é

detentora de tal patrimônio (por ser um interesse difuso).

Finalmente trataremos da educação ambiental como fator futuro e

imprescindível de preservação, diz-se futuro, pois neste início de século XXI a preservação

ainda se reveste de uma carga coercitiva imposta pelas leis positivas, e que futuramente

não haverá necessidade da imposição de normas àquelas gerações, pela existência de um

ideal de preservação nato, como é feito com a educação para o respeito aos direitos

humanos, e uma demonstração da amplitude das questões que envolvem a água, e a

necessidade de sua tutela universal.

2. Conceitos introdutórios

2.1 Meio ambiente

Meio ambiente sadio e de qualidade, a água limpa, terra fértil, elementos

ambientais que precisamos, são sem dúvida, os recursos mais escassos nesta fase do

desenvolvimento da humanidade4.

Esta é a razão pela qual deve-se preservá-la, e, para isso, há de se observar o

tratamento histórico dado à questão, a sua valoração jurídica e, então, fixar as metas

eficientes de ação, adotando-se posicionamentos juridicamente rígidos, para garantir às

futuras gerações um meio ambiente equilibrado e recursos hídricos de boa qualidade,

buscando fazer da preservação um hábito.

4 DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e cidadania. São Paulo: Moderna, 1998. p. 56-58.

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Tal a importância desse recurso à humanidade que, no Brasil, a exemplo de

várias nações do mundo, no artigo 225, o legislador constituinte de 1988, elevou o meio

ambiente à categoria dos recursos constitucionalmente protegidos, nos seguintes termos:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso

comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à

coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações”5.

Não obstante a proteção constitucional dada ao meio ambiente no Brasil, o

mundo inteiro passou por uma conscientização referente ao meio ambiente, sobretudo após

a Conferência realizada na Suécia, em Estocolmo, no ano de 19726.

2.2 Recursos Hídricos

A pesquisa acerca da falta de água no Brasil e no mundo é tema bastante

recente e constantemente abordado na mídia em geral, datado no ano de 2003, mais

precisamente7.

É necessário sabermos que a escassez de água que nos é apresentada não

representa sua falta, isso, pois o volume de água na terra é o mesmo há milhares de anos,

renovando-se ininterruptamente em seu ciclo eterno.

A escassez que tanto se fala é a da água pura e de boa qualidade, que segundo

dados da Organização das Nações Unidas, em 2025 se acabará8, isto pela ocorrência de

três fenômenos distintos: a poluição do ciclo da água em geral, o aumento da população e

conseqüente aumento no consumo, e a falta d’água ou difícil acesso a ela em determinadas

regiões do Brasil e do Mundo.

Tal relevância se dá por conta da necessidade da água para a existência da

pessoa humana.

Há um alarme da comunidade científica para a possível falta de água pura, de

5 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional, 2008. 6 EDUCAÇÃO ambiental: curso básico a distância: documentos e legislação da educação ambiental. Coordenação geral: Ana Lúcia Tostes de Aquino Leite e Naná Mininni-Medina. Brasília: MMA, 2001. %.v. 5, 2 ed. Ampl. p. 19 7 Foz do Iguaçu (PR) - Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que cerca de 1,1 bilhão de pessoas em todo o mundo não têm acesso a água potável. Nos países em desenvolvimento, esse problema aparece relacionado a 80% das mortes e enfermidades. No Século 20, o consumo da água multiplicou-se por seis – duas vezes a taxa do crescimento da população mundial. Um total de 26 países sofrem escassez crônica de água e a previsão é de que em 2025 serão 3,5 bilhões de pessoas em 52 países nessa situação. Disponível em: http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/03/22/materia.2007-03-22.6414269867/view. Acesso em: 21 Ago 08. 8 Idem.

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boa qualidade, nos próximos anos. Podendo inclusive ser motivo de futuras guerras entre

nações possuidoras e não-possuidoras deste solvente universal a exemplo de: bacia do

Tigre/Eufrades entre Turquia, Síria e Iraque; rio Jordão entre Israel, Jordânia e Síria e do

rio Ganges entre Índia e Bangladesh9.

Isso evidencia mais um importante motivo para o Brasil, e todo o mundo,

possuidor das maiores reservas mundiais de água doce, precaver-se de ameaças internas e

externas, potencialmente poluidoras, evitando o mau uso da água, mantendo suas reservas

em “boas condições”, e proteger suas águas frente aos poluidores nacionais e

internacionais.

2.3 Direitos humanos

Thomas Paine, em sua obra Direitos do Homem – 1791/1792 -, é quem

primeiro utilizou o conceito “Direitos Humanos”10, isso porque o autor verificou na

espécie humana um único e homogêneo grupo (“Rigts of Man” - Direitos do Homem)11.

Etimologicamente Direitos Humanos são os direitos do homem, conforme

preceitua Norberto Bobbio em seus prólogos sobre o assunto, parafraseando Immanuel

Kant. Afirmando essa tese utilizando outro termo filósofo Alemão, “os direitos do homem

consistem em uma verdadeira e própria revolução copernicana”.12

Portanto, Direitos Humanos são os direitos que visam salvaguardar os valores

mais preciosos dos seres humanos, ou seja, direitos que visam resguardar a igualdade, a

fraternidade, a liberdade, o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamentos dessa

matéria.

João Baptista Herkenhoff, conceitua Direitos Humanos nos seguintes termos:

"Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir".

Afirma-se que Direitos Humanos são direitos inerentes à pessoa humana, e

visam proteger a integridade física e psicológica daqueles, perante seus semelhantes e

9 SALATI, Enéas et al. Água e desenvolvimento sustentável. In: REBOUÇAS, Aldo da C. et al.op.cit, 2002.p.58. In: CARVALHO, Cristiane da Costa; ZEOLA, Senise Freire Chacha. Aqüífero Guarani: Instrumentos para prevenir a poluição. 2003. Trabalho para apreciação do XXIX Congresso Nacional de Procuradores do Estado. João Pessoa, 2003. p.4. 10 PAINE, Thomas. Direitos do Homem. São Paulo: Edipro, 2005. 11 Idem. 12 BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política – a filosofia política e a lição dos clássicos. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 476.

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perante o Estado, limitando os poderes das autoridades estatais, garantindo, assim, o bem

estar da sociedade através da igualdade, fraternidade e da proibição de qualquer espécie de

discriminação.

3. Direitos Humanos

3.1 Direitos Humanos antes de 1948

Em 1648, depois de mais de 30 anos de guerra na Europa, a Paz de

Westphalia13 fundou o moderno direito internacional, através do reconhecimento de

Estados soberanos, devidamente constituídos.14

Desde o século XVI, valores universais foram se fazendo necessários ao

mundo, cada vez mais, isso porque a cada guerra milhares de pessoas morriam e não havia

limites à guerra15. Valores universais que só aflorariam a sociedade com a roupagem

globalizada atualmente sabida em 1948.

No entanto, a crescente mundialização da sociedade e a interdependência dos

seres humanos fez surgir a necessidade de uma forma de proteção aos seres humanos em

escala global, proteção aos seres humanos em face daqueles que detinham superioridade

em face deles próprios.

Isso só foi possível, pelo fato de que em tempos anteriores à essa época a

humanidade possuia códigos de deveres, impondo tão somente aos seres humanos tais

obrigações, como por exemplo, os Dez Mandamentos, o Código de Hamurabi, a Lei das

XII Tábuas16, O Código de Manú.

Uma inversão e equilíbrio dessa realidade era necessária, sendo necessário ver 13 Westphalia (em alemão, Westfalen) é uma região (histórica) da Alemanha, à volta das cidades de Dortmund, Munster, Bielefed e Osnabruck, e agora incluída no estado federal alemão (Bundesland) de Nordhein-Westfalen (e uma parte a sudoeste da Baixa Saxônia). Westphalia é aproximadamente a região entre os rios Reno e Weser, a norte da bacia do rio Ruhr. Não é possível definir com precisão exata as fronteiras, porque o nome "Westfalen" foi aplicado a diferentes entidades na história. A paz de Westphalia foi assinada em 24 de Outubro de 1648 após cinco anos de intensas negociações, assinalando importantes transformações no Direito Internacional, nas Relações entre as nações e na Organização Política Européia. FREIRE e ALMEIDA, D. A Guerra dos Trintas anos e a Paz de Westphalia. USA: Lawinter.com, Março, 2005. Disponível em: < www.lawinter.com/42005hridfalawinter.htm >. Acesso em: 3 jun. 08. 14 BRIERLY, James Leslie. Direito internacional. Trad. M. R. Crucho de Almeida. 4.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979. Disponível em: http://www.revistaacademia.ccjs.ufcg.edu.br/anais/artigo2.swf. Acesso em: 20 Ago 08. 15 Umas das mais importantes contribuições ao pensamento jurídico sobre a guerra está na obra do holandês Ugo Grotius (ou Hugo Grócio) – 1583 a 1645 -, o qual vem a secularizar a doutrina da guerra justa. In: GONÇALVES, Joanisval Brito. Tribunal de Nuremberg 1945 – 1946: a gênese de uma nova ordem no direito internacional. 2ª ed. Rev. E ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 20. 16 BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política – a filosofia política e a lição dos clássicos. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 477.

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“o outro lado da moeda”, Bobbio melhor explicita esse quadro:

Na história do pensamento moral e jurídico essa moeda foi observada mais pelo lado dos deveres do que pelo dos direitos. ... Os códigos morais e jurídicos foram estabelecidos originariamente para salvaguardar o grupo social em seu conjunto, e não cada um de seus membros. ... Para que pudesse acontecer a passagem do código dos deveres para o código dos direitos, foi preciso que a moeda se invertesse: que o problema começasse a ser observado não mais pelo ponto de vista da sociedade, mas também do ponto de vista do indivíduo.17

Principal inspirador dos primeiro legisladores dos direitos do homem, no século

XVII, Jonh Locke (1632-1704), médico, filósofo e político Inglês, preconizou uma série de

direitos naturais devidos ao homem. Locke propôs valores tais como: Liberdade,

Igualdade, Tolerância e Dignidade.

No entanto, em seu “Ensaios sobre o entendimento humano, obra mais

importante do ponto de vista filosófico, Locke combate a doutrina das idéias inatas,

sobrepujando a doutrina clássica do empirismo.18

Alarmado com o clima hostil pelo qual passava a Europa, de guerras

constantes, Imannuel Kant, numa visão filosófica, proclamou a pessoa humana como valor

absoluto19. Desse valor é que se passou a desenvolver todos os valores hoje tidos como

universais.

Conhecido como metódico, Kant foi um pacifista convicto, inspirado nos ideais

da independência americana e posteriormente na Revolução Francesa, planejou um projeto

humanista de paz, até tempos atuais inspirador da doutrina de direitos humanos.20

Em 1791, Immanuel Kant, na Paz Perpétua, fez menção ao imperativo

categórico (aprimorado em sua obra “A metafísica dos costumes” - “Doutrina do

direito”)21, onde os direitos humanos eram vistos por ele como um direito inato, adstrito

aos seres humanos, visão essa que inspirou inclusive a visão atual e contemporânea de

direitos humanos, consagrada na Declaração Universal de Direitos Humanos, em 1948.

3.2 Direitos Humanos depois de 1948, perspectiva contemporânea dos

direitos humanos

Muito se fala que a idéia de direitos humanos preconizado na Declaração

17 BOBBIO, Norberto . op. cit. p. 477-478. 18 LOCKE. John. 1632-1704. Carta acerca da tolerância; Segundo tratado sobre o governo; Ensaios sobre o entendimento humano. Trad. Anaor Aiex e Jacy Monteiro. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. VI-VIII. 19 KANT, Emmanuel. op. Cit. p. 5-11. 20 Idem. Op. Cit. p. 5-11. 21 Ibidem. Op. Cit. p. 7.

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Universal dos Direitos Humanos (1948), foi uma concepção ocidental, isso talvez, pelo

fato de serem os direitos humanos de inspiração européia e americana (Revolução

Francesa e Independência Americana).

Daí, a fim de clarear tal contradição, vemos que, onde antes só tínhamos o

direito humanitário, interestatal e os direitos nacionais, hoje passamos para a construção de

uma nova ordem sobre a qual se constrói o direito internacional, os direitos humanos

universais, não vinculados tão somente ao ocidente.

De origem laica, e inspiração Kantiana, principalmente, dentre outras, a

Declaração Universal dos Direitos Humanos buscou, e busca22, universalizar o direito do

homem, tornando-o um direito cosmopolita, ou seja, alguém além das fronteiras nacionais.

Tendo como princípios a unidade, integralidade e a indivisibilidade23, a

Declaração foi o primeiro documento que previu direitos transnacionais aos seres

humanos, excetuando as questões ligadas à guerra24, após a Paz de Westphalia, depois de

cerca de 300 anos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos.25

Com a assinatura e com reiteradas prática dos países signatários, foram

estabelecidas duas barreiras, quais foram, a primeira foi a soberania nacional dos Estados,

e a segunda o relativismo cultural destes, cada qual em momentos históricos distintos.

Quanto ao primeiro desafio, que existiu aproximadamente entre 1948 e 1990,

superado pela humanidade após o fim da Guerra Fria, através da pressão política mundial.

Já no tocante ao relativismo cultural, que até os tempos atuais consiste em entrave para a

efetivação dos direitos humanos em sua integralidade, no entanto tal barreira caminha para

22 Diz-se que a busca pela universalização dos Direitos Humanos ainda é um desafio da DUDH, pois Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 60 anos em 10 dezembro de 2008. E com o fim de popularizar o conceito dos direitos humanos e cada um dos 30 artigos da Declaração Universal, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República está organizando um grande mutirão. Disponível em: http://www.direitoshumanos.gov.br/60anos. Acesso em: 22 Ago 08. 23 CANÇADO TRINDADE, A. A. A proteção internacional dos direitos humanos – Fundamentos jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo, Saraiva: 1991. 24 “Ao longo de toda sua história conhecida, a humanidade tem-se deparado com um fenômeno que se tornou quotidiano em todos os pontos do globo: o fenômeno da guerra. p. 13... Verdadeiramente, durante séculos, parte significativa do Direito Internacional foi, basicamente, o direito relacionado à guerra, aos conflitos. A versão clássica do Direito, vigente, pelo menos, até 1945, dividia o Direito Internacional, pelo seu conjunto de regras, em dois grandes âmbitos, de importância semelhante: O primeiro contém as normas pelas quais eram regidas as relações entre Estados em situações de paz; o segundo, as que regiam as relações em caso de conflito armado... p. 16-17.” In:GONÇALVES, Joanisval Brito. Tribunal de Nuremberg 1945 – 1946: a gênese de uma nova ordem no direito internacional. 2ª ed. Rev. E ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. 25 Mas mesmo apesar de a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), ter sido precípuo nessa temática, Kant no século XVIII já havia proposto limites à guerra, dentro dos princípios da cidadania: “Toda espécie de meios de defesa é permitida ao Estado atacado, exceto aqueles cujo uso incapacitaria seus indivíduos à cidadania...É lícito na guerra impor ao inimigo vencido provisões e contribuições, porém não o saque do povo, isto é, arrebatar dos particulares seus bens...” KANT, Emmanuel, 1724 – 1864. Doutrina do Direito. Trad. Edson Bini. São Paulo: Ícone, 1993. p. 196.

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sua resolução, tendo em vista a aproximação do ocidente com o oriente nas questões

humanísticas, sobretudo depois da proclamação de Teerã e da Conferência de Viena (1968

e 1993).

4. Corpo normativo dos direitos humanos e tratados internacionais

Antes de 1948, os documentos que tratavam de direitos do homem não

possuíam caráter internacional, sobretudo pela necessidade de manutenção da soberania de

cada Estado, existindo apenas normas relativas ao estado de paz ou confronto26.

Somente após o final da Guerra dos 30 anos, na Europa, foi que se iniciou um

movimento que buscava valorizar o ser humano enquanto detentor de direitos, e nessa fase,

a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, criada na França em 1789, foi decisiva

para a mudança de pensamento mundial, inspirando o constitucionalismo da época na

inclusão de direitos humanos em suas constituições pátrias27.

Nesse mesmo sentido foi que Kant criou um “Projeto de Paz Perpétua”28, tendo

em vista a tumultuada situação pela qual passava a Europa. Fundado na plataforma

naturalista de direito, seu projeto impôs ao homem um conceito inato de direito,

independente de fronteiras terrestre, um Direito Cosmopolita, um cidadão universal.

Somente depois de quase 300 anos, foi que os Direitos Humanos adquiriram

um status normativo universal, com o criação da Organização das Nações Unidas em 1945

e posteriormente a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948.

Os dois pactos de 1966, Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e

Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, foram documentos que

surgiram para regulamentar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e também a

confirmar, que passaram a viger a partir de 1976.

A existência de dois Pactos distintos, retratava a situação política vivida à

época, a Guerra Fria, conflito velado entre o socialismo e o capitalismo, dividindo o

mundo em dois grandes blocos, inclusive no tocante aos direitos humanos29.

26 ALENCAR, Ana Valderez Ayres Neves de. Direitos Humanos: instrumentos internacionais, documentos diversos. Brasília: Senado Federal, Secretaria de Edições Técnicas, 1990. 27 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p.1-2. 28 KANT, Emmanuel, 1724 – 1864. Doutrina do Direito. Trad. Edson Bini. São Paulo: Ícone, 1993. p. 5-11. 29 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direitos Constitucional Internacional. 2ª ed. São Paulo : Max Limonad, 1997. p. 217.

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Em 1968, a Proclamação de Teerã, documento publicado durante a I

Conferência Mundial dos Direitos Humanos, trouxe para o bojo dos Direitos Humanos boa

parte do oriente, antes mais localizados no ocidente, importante aproximação do ocidente

ao oriente para a transposição do relativismo cultural30.

Ao longo de desafios, quais sejam, a soberania dos Estados e o relativismo

cultural (ainda não superado totalmente), os organismos de direitos humanos buscaram

aperfeiçoar assuntos específicos relativos aos direitos humanos, iniciando a luta em pról da

criança e do adolescente, meio ambiante, mulher, e todas as minorias desprivilegiadas em

termos de direitos humanos no mundo inteiro.

Em 1993, a Conferência mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena em

1993, foi a maior reunião do gênero, contando com a participação de 171 Estados,

reunidos em torno do tema por dez dias. Nela houve a reafirmação da universalidade dos

direitos humanos, inclusive uma das mais difíceis conquistas da Conferência.31

Não menos importantes, em 1995 foi realizada a Convenção para a mulher, em

1988 a promulgação do Estatuto de Roma, e em 2000, sobretudo na seara dos direitos

humanos ambientais, criou-se a Declaração do milênio.

5 A idéia atual de preservação ambiental e a manutenção dos direitos

humanos

Dalmo Dallari assevera: “Como já aconteceu com outros direitos fundamentais,

em outras épocas, na segunda metade do século vinte foi reconhecido e vem ganhando

ênfase o direito humano ao meio ambiente saudável.”32

O ideário de preservação ambiental atualmente instalado no mundo, só pode ser

visualizado, tendo em vista uma obrigação delegada do povo aos seus representantes, bem

exemplificada pelo jurista lusitano:

“O Estado, sendo embora um sujeito monumental, visa tão-só garantir a segurança da vida (Hobbes) e da propriedade (Locke) dos indivíduos na prossecução privada dos seus interesses particulares segundo as regras próprias e naturais da propriedade e do mercado, isto é, da sociedade civil. Sendo os cidadãos livres e autónomos, o poder do Estado só pode assentar no consentimento deles e a obediência que lhe é devida só pode resultar de uma

30 MORAES, Alexandre de. p. 23-24. 31 LINDGREEN ALVES, José Augusto. Os direitos humanos como tema global. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003. p. 27. 32 DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e cidadania. São Paulo: Moderna, 1998. p. 56.

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obrigação auto-assumida, isto é, do contrato social.”33

Como vimos, decorrente desse contrato social entabulado nos moldes de

Rousseau, a sociedade deve exigir ações que visem a manutenção de suas condições de

vida, tendo em vista a competência que delegaram a seus governos. Disso é que se

vislumbra a “emergência da cidadania social” e do cidadão cosmopolita, efeitos da

globalização de movimentos sociais humanistas, preocupados com a sustentabilidade do

mundo.34

“Não admira, pois, que o excesso de regulação acabado de referir tenha convivido nos últimos vinte anos com movimentos emancipatórios poderosos, testemunhos de emergência de novos protagonistas num renovado espectro de inovação e transformação sociais.”

O combate à guerra, poluição, machismo, racismo, e todas as formas de

discriminação norteiam e nos conduzem a um novo paradigma social, preservar as

condições de vida saudável e o bem-estar ou a busca desenfreada pelos divisas e o

desenvolvimento.

Esses paradigmas não dizem respeito a um cidadão nacional, mas sim àquele

cidadão mundial cosmopolita, que sente os reflexos de políticas públicas incompetentes de

todo o mundo, e necessitam cada vez mais de uma gestão integrada de ações dos governos,

e da sociedade civil em geral, através de atitudes responsáveis, sobretudo na ótica

ambientalista.

Logo, visando a preservação ambiental e a manutenção do direito humano à

água, o mundo se organizou e impôs a tutela internacional do meio ambiente, que

condensa vários documentos firmados pelos países acreditantes, Luís Paulo Sirvinskas

leciona sobre o assunto:

“Existe um direito internacional do meio ambiente nascendo com inúmeros tratados, convenções, declarações, recomendações, diretrizes, regras e normas

33 SOUZA SANTOS, Boaventura de. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2000. p. 237. 34 DALLARI. Op Cit. p. 56-57: “As preocupações com a pureza ambiental como algo fundamental e permanente para a humanidade tornaram-se explícitas na década de sessenta. Foi demonstrada então vários fatores que provocam o desequilíbrio dos elementos da natureza e criam exaustão de recursos naturais. A enumeração desses fatores, foi feita por um especialista inglês, David Hughes, inclui o aumento das populações, a ocorrência de altos níveis de poluição, a interferência humana nas populações animais e na paisagem, o grande aumento do número de automóveis e a consequente intensificação do uso de combustíveis poluidores, além de diversas modalidades de destruição dos recursos naturais... Em consequência desses estudos e de sua divulgação, foi surgindo uma nova mentalidade e cresceu rapidamente o número dos que passaram a reconhecer que a proteção do meio ambiente era parte da defesa do patrimônio natural da humanidade e que, em consequência, aquela proteção deveria estar entre os direitos humanos fundamentais.” (grifos nossos).

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protetivas do meio ambiente. Foi em decorrência da intensa degradação ambiental que houve a necessidade de se proteger o meio ambiente em nível mundial. Como essa degradação não possui fronteiras devidamente delimitadas, resolveu-se criar, na esfera internacional, documentos com a finalidade de se combater a poluição transfronteiriça.”35

Visto isso, a seguir abordaremos detalhadamente a evolução jurídico-protetiva

internacional do meio ambiente.

6 A teoria geral dos direitos humanos e o meio ambiente a partir de 1972

Imprescindível se faz destacar, que a consciência de preservação ambiental foi

realmente despertada, a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente

Humano, em Estocolmo (Suécia), em 1972, onde foram estabelecidos princípios básicos de

um novo ramo do direito: o Direito Ambiental.

Depois de Estocolmo, o mundo escolheu o Rio de Janeiro (Brasil), para sediar a

Cúpula da Terra (ECO-92), importantíssimo passo para a humanidade, sobretudo pelo

estabelecimento de metas e diretrizes de ação sobre o meio ambiente.

Lindgreen Alves comenta que sobre a importância da Rio-92: “a Conferência

de Viena foi para os direitos humanos o que a Rio-92 foi para o meio ambiente... e entre os

documentos delas emanados, a Agenda 21, da Conferência do Rio de Janeiro, foi para o

meio ambiente e o desenvolvimento, o que a Declaração e o Programação de Ação de

Viena, para os direitos humanos.”36

A Declaração do Milênio (2000), realizada em Nova Iorque, aprovada pela

Assembléia Geral das Nações Unidas, reúne os planos de todos os Estados-Membros da

ONU, para melhorar a vida de todos os habitantes do planeta no século XXI.

A Declaração supracitada, estabeleceu metas ambientais programáticas até o

ano de 2050 (inclusive o Protocolo de Kyoto-Japão), além de assuntos relativos a outros

ramos dos direitos humanos.

A Africa do Sul (Rio+10), ocorrida em 2002, na cidade de Johanesburgo,

também foi grande avanço para o meio ambiente em termos globais, apesar das críticas de

cunho político ao encontro.37

Necessário também destacarmos que, a International for Standardization

35 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2003. p.343. 36 Op. Cit. p. 24. 37 Noticiou-se no mundo inteiro que a realização da Rio+10 em Johanesburgo, na Africa do Sul, tiraria o foco principal da Conferência, qual seja, o meio ambiente e a reafirmação e cumprimento da Rio 92, tendo em vista os problemas pelos quais a Africa passava, principalmente a fome, desfocando a Conferência para essa causa, diferente da precipuamente preconizada.

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Organization – ISO, com sede em Genebra (Suiça), editou normas visando resguardar a

qualidade ambiental do processo produtivo das empresas, o ISO - 14.000.38

Na mesma linha de atuação, o Brasil, através da Associação Brasileira de

Normas Técnicas – ABNT, associou-se à ISO, impondo aos empresários brasileiros regras

internacionais de preservação ambiental, como forma de competirem no mercado

internacional.39

7 Sistemas de proteção aos direitos humanos e a possível proteção à água

A criação da Organização das Nações Unidas em 1945, após duas guerras

mundiais, além de reger as regras mundias acerca dos conflitos, foi necessária também

para a proteção dos direitos humanos se tornar efetivamente global, é claro que

paulatinamente, ao passo que a adaptação do mundo a ela não foi abrupta.

A estrutura que subsidia a proteção dos direitos humanos no mundo,

perfeitamente pode ser utilizada também para a proteção das águas, isso se elevarmos a

água a direito social - direito humano, isso por ser a água bem fundamental à sobrevivência

da pessoa humana, logo direito humano.

7.1 Sistema universal de proteção aos direitos humanos

Kant no século XVIII já nos ensinava sobre a existência de um direito

cosmopolítico ou do cidadão do mundo (jus cosmopoliticum), pelo fato de a terra não ser

infinita, mas uma superfície em si mesma limitada.40

Diante desse cidadão universal o mundo, após duas grandes guerras mundiais,

fez surgir um organismo multinacional, dotado de competência para dirimir e ,

principalmente, pacificar questões globais.

Então, entende-se por global, o sistema de proteção dos direitos humanos

encampado pelas Nações Unidas - ONU, que tem abrangência mundial, ou pelo menos aos

países que a reconhece e são signatários de seus tratados e acordos.

Desde a Declaração da ONU, em 1948, consagrou-se um conjunto de valores

que levou anos para obter consenso global, e continua sendo escrita tal difusão até os dias

hodiernos. Sobretudo nesses últimos dois séculos que, nos é demonstrado que os direitos 38 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2003. p.348. 39 Édis Milaré, RDA, 5:43, jan./mar. 1997. In: Op. Cit. p. 348. 40 KANT, Emmanuel, 1724 – 1864. Doutrina do Direito. Trad. Edson Bini. São Paulo: Ícone, 1993. p. 150.

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humanos cada vez mais têm se elevado à condição de prioridade mundial.

Através deste Sistema Global de proteção se se pôde empreender ações

concretas de proteção ao meio ambiente hídrico, sobretudo por ações da Comissão de

Direito Internacional – CDI, orgão vinculado às Nações Unidas.

Em 1971, em sua 23ª sessão, a comissão supra, inscreveu o tema “Direitos de

Usos dos Cursos de Água Internacionais para Fins Diferentes da Navegação”, cumprindo

disposição da Assembléia Geral da ONU.41

7.2 Sistema regionais de proteção aos direitos humanos

Ao verificarmos a existência de um sistema global de proteção dos direitos

humanos, paralelamente, percebe-se que existem sistemas regionais de proteção dos

direitos humanos.

Evidencia-se que cinco são os sistemas regionais de proteção: Sistema

interamericano, Sistema europeu, Sistema africano, Sistema árabe/persa e Sistema asiático,

agindo independentemente cada qual dentro de sua base territorial, inclusive com

independência em relação ao sistema global, resguardadas as regras internas de prevenção

deste Sistema42.

Os Sistemas regionais de proteção dos direitos humanos são importantes

instrumentos de resolução da questão do relativismo cultural, barreira a ser totalmente

transposta em tempos atuais e outras questões ligadas aos direitos humanos.

A existência de Sistemas regionais de proteção aos direitos humanos, além de

pôr termo ao relativismo cultural, facilita a fiscalização e proteção do direito humano ao

meio ambiente hídrico sadio, tendo em vista serem esses Sistemas já organizados e

preparados para tal missão, melhorando a gestão universal dos recursos hídricos.

8 Conclusão

“A vida moderna internacional tem sido profundamente marcada e

transformada pelas atuais tentativas de satisfazer as necessidades e cumprir os requisitos

41 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Recursos Hídricos – Direito Brasileiro e Internacional. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 125. 42 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direitos Constitucional Internacional. 2ª ed. São Paulo : Max Limonad, 1997. p. 217.

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para a proteção do ser humano e do meio ambiente...”43

Diante da perfeita conceituação de sustentabilidade, nos cabe pôr termo ao tema

asseverando que a humanidade caminha cada vez mais para a universalização dos bens

imprescindíveis, como pôde-se ver na pesquisa supra.

As nações organizadas, respeitada sua soberania e diferenças culturais, devem

permear sua discussões acerca do meio ambiente hídrico de forma a definitivamente elevá-

lo a categoria de Direito Humano, e incluí-lo nos Sistemas de proteção.

Exemplificativamente, na América do Sul, existe um mega reservatório de

água, inclusive o maior do mundo em termos de águas subterrâneas, o Aqüífero Guarani44

foi descoberto na década de 50, no Estado de São Paulo, na cidade de Botucatu, quando

recebeu o nome de Aqüífero Botucatu, manancial que até o presente momento não possui

regra conjunta de exploração, logo fadado à degradação multinacional.

A cooperação internacional é a saída mais adequada para a resolução da

questão, pautada em ações integradas e coordenadas, ponderadas através do Sistema

protetivo dos Direitos Humanos, proposta defendida nessa pesquisa.

A despeito do que se alcançou com a Conferência de Viena, em 1993, quando

se incluiu o meio ambiente no rol dos direitos humanos, é premente a necessidade da

inclusão da água nessa mesma categoria, tendo em vista sua imprescindibilidade para a

vida dos seres humanos.

A despeito do que ocorre com os outros Direitos Humanos, no meio ambiente

não é diferente, evidencia-se pois a importância da educação ambiental pelos Organismos

Internacionais, isso como forma de implementação de políticas capazes de operacionalizar

a educação ambiental nos sistemas educacionais sob seus domínios, despertando a cultura

inata acerca da preservação ambientel existente nos seres humanos.

Reitera-se que, a educação ambiental á a grande chave para abrirmos as portas

ao futuro, em termos de preservação hídrica, e ambiental em termos gerais, tendo em vista

o “crescimento” de uma geração com um ideal nato e consuetudinário de conservação e

exploração auto-sustentável, pela necessidade à sadia qualidade de vida a atual geração e

às futuras gerações, principalmente.

43 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. in: SYMONIDES, Janusz. (Org.). Direitos Humanos: novas dimensões e desafios. Brasília: UNESCO Brasil, Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2003. p. 161. 44 Dados obtidos in: CARVALHO, Cristiane da Costa; ZEOLA, Senise Freire Chacha. Aqüífero Guarani: Instrumentos para prevenir a poluição. In: XXIX Congresso Nacional de Procuradores do Estado. João Pessoa, 2003.

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Tendo em vista que na tradição positivista, a lei possui grande força coativa

diante da humanidade, então é correto concluirmos que a lei, em sentido lato, é o

instrumento fundamental para preservação do meio ambiente hídrico, aqui em sentido

amplo, referindo-nos aos Tratados Internacionais.

Por fim, conforme preceitua Boaventura de Souza Santos, através da

hermenêutica diatópica, propõe-se dirimir a questão da elevação da água como direito

social e humano com a perfeita conjugação de ações45 concretas, isso porque, “a luta pelos

direitos humanos e, em geral, pela defesa e promoção da dignidade humana não é mero

exercício intelectual...”46.

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45 Sobre ações: “É justa toda a ação que por si, ou por sua máxima, não constitui um obstáculo à conformidade da liberdade do arbitrio de todos com a liberdade de cada um segundo leis universais.” In: KANT, Emmanuel, 1724 – 1864. Doutrina do Direito. Trad. Edson Bini. São Paulo: Ícone, 1993. p. 46. 46 SOUZA SANTOS, Boaventura. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez Editora, 1991. p. 447.

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