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O MAPA DO IGD-M NO BRASIL: UM ESTUDO SOBRE AS VARIAÇÕES NA EFETIVIDADE DA IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA ENTRE AS GESTÕES MUNICIPAIS BRASILEIRAS (2007– 2015). JULIANO, Maíra Cabral 1 RODRIGUES, Priscila Alves 2 Eixo Temático: GT 09 - Gestão Pública e Desenvolvimento Social: construindo indicadores. RESUMO Em que medida os municípios brasileiros têm conseguido implementar o Programa Bolsa Família eficazmente? À luz das formulações de O’Donnell sobre a relação do Sistema Legal com as burocracias do Estado, bem como do debate sobre os impactos do federalismo na capacidade de coordenação da União, busca-se responder à questão através do mapeamento dos resultados apurados pelo Índice de Gestão Descentralizada Municipal (IGD-M). Pela Matriz de Informação Social obtiveram-se os valores acumulados dos IGD-Ms nos 5.565 municípios de 2007 a 2015. Comparando-se os dados no tempo e espaço, identificaram-se variações na eficácia da gestão do Programa entre as gestões municipais. As primeiras análises indicam que a qualidade da gestão se mostra bastante homogênea, além de satisfatória. Questiona-se, porém, a viabilidade tais resultados haja vista à dimensão do território brasileiro, e as diferentes capacidades institucionais das gestões locais. Palavras-Chave: Bolsa Família, Índice de Gestão Descentralizada Municipal, Gestão Pública. 1 INTRODUÇÃO Para O’Donnell (2013), é dever de um Estado democrático de direito garantir aos cidadãos do seu território, um patamar mínimo de capacidades 3 que habilitem a condição de agente das 1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre e Doutoranda em Ciência Política. Email: [email protected]. 2 Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre e Doutoranda em Ciência Política. Email: [email protected] 3 O’Donnell recorre ao conceito de capacidades cunhado por Amartya Sen (1999), que se refere à liberdade que as pessoas têm para ser e fazer aquilo que consideram valioso.

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O MAPA DO IGD-M NO BRASIL: UM ESTUDO SOBRE AS VARIAÇÕES NA

EFETIVIDADE DA IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

ENTRE AS GESTÕES MUNICIPAIS BRASILEIRAS (2007– 2015).

JULIANO, Maíra Cabral 1

RODRIGUES, Priscila Alves2

Eixo Temático: GT 09 - Gestão Pública e Desenvolvimento Social: construindo indicadores.

RESUMO

Em que medida os municípios brasileiros têm conseguido implementar o Programa Bolsa

Família eficazmente? À luz das formulações de O’Donnell sobre a relação do Sistema Legal

com as burocracias do Estado, bem como do debate sobre os impactos do federalismo na

capacidade de coordenação da União, busca-se responder à questão através do mapeamento

dos resultados apurados pelo Índice de Gestão Descentralizada Municipal (IGD-M). Pela

Matriz de Informação Social obtiveram-se os valores acumulados dos IGD-Ms nos 5.565

municípios de 2007 a 2015. Comparando-se os dados no tempo e espaço, identificaram-se

variações na eficácia da gestão do Programa entre as gestões municipais. As primeiras

análises indicam que a qualidade da gestão se mostra bastante homogênea, além de

satisfatória. Questiona-se, porém, a viabilidade tais resultados haja vista à dimensão do

território brasileiro, e as diferentes capacidades institucionais das gestões locais.

Palavras-Chave: Bolsa Família, Índice de Gestão Descentralizada Municipal, Gestão

Pública.

1 INTRODUÇÃO

Para O’Donnell (2013), é dever de um Estado democrático de direito garantir aos cidadãos

do seu território, um patamar mínimo de capacidades3 que habilitem a condição de agente das

1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre e Doutoranda em Ciência Política. Email: [email protected]. 2 Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre e Doutoranda em Ciência Política. Email: [email protected] 3O’Donnell recorre ao conceito de capacidades cunhado por Amartya Sen (1999), que se refere à liberdade que as pessoas têm para ser e fazer aquilo que consideram valioso.

pessoas, a qual é necessária à própria ampliação da esfera da cidadania, através do exercício

democrático. Sem estas garantias, que são viabilizadas pela fruição de direitos sociais, não se

pode dizer que os cidadãos gozam da plena cidadania (MARSHAL, 1967). O autor destaca

que a pobreza e a desigualdade, problemas prementes em muitos países da América Latina,

põem em risco a própria possibilidade de reconhecer a todos como agentes (2013). Para ele

a conquista e a expansão de um conjunto de capacidades básicas não é considerada só algo ao que os seres humanos têm um direito moral, nem só una meta que as pessoas de boa vontade podem propor, mas um direito de todos os que sofrem privação dessas capacidades. Este é um autêntico interesse humano, cuja satisfação pode ser legitimamente exigida dos demais, especialmente do estado (2013, p.18)

Nesta perspectiva, a implementação de políticas de transferência de renda que nas

últimas décadas vêm se constituindo como o principal instrumento de combate à pobreza na

região, vem a ser uma resposta do Estado a esta responsabilidade. No Brasil, o Programa

Bolsa Família (PBF) pretende através de suas ações, não apenas aliviar os efeitos da pobreza

através das transferências de renda, mas também desenvolver as capacidades das famílias,

seja de modo intergeracional, por meio das condicionalidades em saúde e educação, seja de

forma mais imediata, pela articulação do Programa como outras políticas e ações que venham

a criar condições para que as famílias saiam da situação de vulnerabilidade (MDS, 2016).

A gestão do Programa é descentralizada, operada pela União, estados e municípios.

Neste arranjo, são os últimos que operacionalizam o Bolsa Família no âmbito local, sendo os

entes mais diretamente responsáveis pelo bem-estar dos cidadãos. Contudo, a vinculação do

sucesso da política ao desempenho institucional dos municípios, em um modelo federativo

altamente descentralizado como o brasileiro, é uma questão problemática, uma vez que a

maior parte dos municípios detém uma máquina administrativa precária e em desigualdade de

condições econômicas e administrativas entre si (ABRUCIO, 2005, p. 48). Isso significa que

se pode obter uma provisão de serviços tanto deficiente em municípios com menor capacidade

institucional, como desigual entre populações vivendo em diferentes localidades do país. Já na

perspectiva mais otimista de Arretche (2012), a União possui mecanismos de coordenação

que garantem a efetividade e a uniformidade da gestão em torno dos objetivos estabelecidos

na esfera nacional. Foi com este fim que o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate

à Fome (MDS) criou, em 2006, o Índice de Gestão Descentralizada Municipal (IGD-M), para

avaliar a qualidade da gestão do Bolsa Família nos municípios. Sendo assim, para responder à

pergunta proposta, o trabalho utiliza os resultados apurados pelo IGD-M no período

compreendido entre 2007 e 2015 como indicador de eficácia das gestões locais.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Conceitos Teóricos Mobilizados

Segundo O’Donnell (2013), o Estado se expressa na gramática do Direito. Juntos, o

seu sistema legal e conjunto de burocracias “presumem gerar, para os habitantes de seu

território, o grande bem público da ordem geral e a previsibilidade de uma ampla gama de

relações sociais” (p. 21). A efetividade do sistema legal, ou seja, o grau com que este

realmente ordena as relações sociais, se dá através de quatro dimensões: em sua dimensão

territorial, um sistema legal democrático deve se estender homogeneamente através do

espaço delimitado pelo Estado, garantindo direitos em todas as regiões subnacionais; em sua

dimensão estratificacional deve tratar todos os cidadãos independentemente dos atributos de

classe, gênero, etnia, etc.; em sua dimensão interinstitucional, deve se articular com outras

instituições para fazer valer a lei; e em sua dimensão horizontal, deve garantir que nenhuma

instituição estatal ou oficial escape ao controle da legalidade de suas ações. Segundo

O’Donnell (2013, p. 52), “em todas estas dimensões, o sistema legal pressupõe o que Linz e

Stepan chamam um ‘Estado efetivo’”.

Para o autor, a efetividade do sistema legal não é garantida somente por uma

legislação adequada, pois ele opera por meio de uma rede de instituições estatais que deve

garantir sua efetividade, o que inclui as burocracias do Estado. Há, portanto, uma relação

íntima entre o sistema legal e as burocracias, pois se supõe que estas atuam nos termos das

faculdades e responsabilidades que lhes são legalmente designadas por autoridades

pertinentes. Assim, em última instância, são as burocracias que – operando conforme os

desígnios do sistema legal – asseguram aos cidadãos os direitos e capacidades próprios de um

Estado democrático de direito.

No Brasil, as burocracias que provisionam os serviços públicos que mais diretamente

atingem o bem-estar dos cidadãos residem nos governos locais. Os municípios são atualmente

os principais provedores dessas políticas públicas (ARRETCHE, 2012, p. 20). É o caso do

Bolsa Família que, estabelecido pela Lei 10.836/2004 e regulamentado pelo Decreto nº

5.209/2004, é executado pelas burocracias locais, com o objetivo de assegurar direitos sociais

básicos, como nutrição, saúde e educação. Portanto, a qualidade da gestão dessa política

pública no âmbito municipal, pode dizer algo sobre a medida em que o Estado brasileiro,

através de seu sistema legal e de suas burocracias, consegue assegurar aos cidadãos o acesso a

direitos sociais básicos.

A literatura geralmente argumenta que a dispersão de poder própria do federalismo se

acentua no caso do Brasil, devido à excessiva autonomia política, fiscal e de competências de

que dispõem as subunidades constituintes, sobretudo os municípios (ARRETCHE, 2012, p.

20). Nesta perspectiva, o federalismo brasileiro seria propenso a constranger a coordenação

federativa (ABRUCIO & SOARES, 2001; AFONSO & ARAÚJO, 2006), constituindo-se

como um obstáculo à implementação de políticas cuja efetividade depende da cooperação de

entes autônomos, como é o caso do PBF. Tal concepção enfatiza a competição

intergovernamental e a dificuldade de coordenação. Segundo esta visão é de se esperar muita

heterogeneidade na gestão do PBF entre os municípios.

Já a interpretação alternativa de Arretche (2012) sustenta que embora os efeitos

centrífugos estejam potencialmente presentes, a Constituição Federal mantém assegurados à

União, mecanismos institucionais que lhe permitem obter a cooperação das subunidades

constituintes para realizar políticas de interesse comum. Tais mecanismos permitiriam ao

governo federal coordenar estados e municípios em torno de objetivos desenhados no plano

nacional, de forma a promover maior efetividade e uniformidade na prestação dos serviços

públicos. Nesta perspectiva, seria de se esperar homogeneidade nas gestões locais. O trabalho

poderá corroborar com uma ou outra tese, a depender de seus achados.

2.2 A Gestão Descentralizada e o IGD-M

O Bolsa Família possui uma gestão descentralizada, que distribui funções entre União,

estados (e distrito federal) e municípios. Esta forma de cooperação está prevista na

Constituição Federal (CF, art. 23, X), que estabelece que o combate às causas da pobreza e

aos fatores de marginalização e a promoção da integração social dos setores desfavorecidos é

competência comum aos três níveis de governo (BRASIL, 1988).

Neste esquema, cabe ao governo federal, na figura do MDS, a coordenação,

articulação e supervisão da política pública junto às unidades constituintes. Os estados por sua

vez, devem oferecer apoio técnico aos municípios, bem como implementar programas

complementares, sobretudo visando à inclusão produtiva. Já os municípios são os entes que

operam mais próximos dos cidadãos, pois cabe a eles a gestão da política no nível local, por

meio da identificação, cadastramento e repasse de benefícios às famílias. O Gestor Municipal,

formalmente designado e supervisionado pelo prefeito, é quem coordena essas atividades.

Desde 2006, o desempenho dos municípios é avaliado pelo Índice de Gestão

Descentralizada Municipal (IGD-M). Normativamente ele está ligado a três Portarias e uma

Lei Federal: foi instituído pela Portaria nº 148 de 27 de Abril de 2006 (alterada pelas Portarias

MDS nº 40 de 03/03/2008 e, MDS nº 66 de 25/01/2007), institucionalizado e transformado

em uma transferência obrigatória, através da Lei Federal nº 12.058 de 13 de Outubro de 2009;

alguns procedimentos alterados pela Portaria GM/MDS nº 754, de 20 de Outubro de 2010 e,

Portaria nº 103 de 30 de Setembro de 2013, referente à mudanças nas datas de transferências

de recursos e apresentação de informações sobre andamento do programa.

Por meio dos resultados apurados pelo IGD-M, os municípios que apresentam bom

desempenho recebem recursos mensais a serem investidos em atividades de gestão do

programa (MDS, 2011). Com essa medida, o governo federal busca auxiliar as gestões

municipais por meio do repasse de recursos federais e ao mesmo tempo incentivar a adesão

local das diretrizes estabelecidas no plano nacional, já que o repasse de recursos está

condicionado ao alcance das metas estipuladas pelo MDS. O instrumento, assim, pretende

atuar como estratégia de apoio e estímulo à melhoria das gestões locais.

O IGD-M é um indicador sintético que varia de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo

de 1, melhor a avaliação da gestão municipal. O cálculo considera a média de quatro variáveis

que compõem o Fator de Operação: a) a qualidade e integridade das informações constantes

no Cadastro Único4 (taxa de cobertura de cadastros); b) a atualização da base de dados do

Cadastro Único (Taxa de Atualização de Cadastros); c) informações sobre o cumprimento das

condicionalidades da área de educação (taxa de crianças com informações de freqüência

escolar); d) informações sobre o cumprimento das condicionalidades da área de saúde (taxa de

famílias com acompanhamento das condicionalidades de saúde). A obtenção dos recursos do

IGD-M está condicionado ao alcance do valor mínimo de 0,55 no cálculo do Fator de

Operação bem como à obtenção do valor mínimo de 0,2 em cada uma das quatro taxas que o

compõem (BRASIL, 2006).

Em 2010, a Portaria nº 754 de 20 de Outubro de 2010, alterou o cálculo, incluindo a

inte-relação entre o gestor público responsável pelo IGD-M e o Sistema Único de Assistência

Sociais (SUAS), a partir de 3 fatores: adesão ao SUAS; informação da comprovação de gastos

4 O Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (Cadastro Único) é um instrumento de coleta e gestão de dados que identifica todas as famílias de baixa renda existentes no Brasil (MDS, 2014).

dos recursos do IGD-M recebidos anteriormente ao Conselho Municipal de Assistências

Sociais (CMAS) e, informação da aprovação total, pelo CMAS, desta comprovação de gastos.

Assim, desde 2011, além de atingir aqueles valores, os municípios precisam atender a outros

três fatores para receber os recursos: ter aderido ao Sistema Único de Assistência Social

(SUAS) (Fator de Adesão); estar em dia com a apresentação da comprovação de gastos

(Fator de Apresentação)5; e estar em dia, com a aprovação total da comprovação de gastos

(Fator de Aprovação)6. Ao cumprimento de cada um desses fatores atribui-se o valor 1 e ao

não cumprimento atribui-se zero.

Embora os fatores de Adesão, Apresentação e Aprovação impactem no recebimento de

recursos e na conseqüente possibilidade de melhoria dos processos de gestão, seu impacto

sobre a provisão do serviço aos beneficiários é indireto. Já o Fator de Operação, por se referir

ao cadastramento das famílias e ao acompanhamento das condicionalidades, tem um impacto

direto sobre a vida dos beneficiários, uma vez que é a partir do cadastro que são selecionadas

as famílias que receberão os benefícios e é através do acompanhamento das condicionalidades

que aumentam as garantias de que as famílias tenham acesso aos serviços de saúde e

educação. Portanto, considerou-se na análise dos dados que o Fator de Operação é mais

significativo em termos de eficácia na gestão da política pública.

O cálculo do IGD-M multiplica o resultado do Fator de Operação por estes outros três

fatores, que se dá pela seguinte fórmula: IGD-M = Fator 1 x Fator 2 x Fator 3 x Fator 4. Logo,

o não atendimento de qualquer um desses três últimos fatores “zera” o valor, implicando no

não recebimento dos recursos.

2.3 Metodologia

Este trabalho foi realizado a partir de dados secundários, obtidos pelo banco de dados

da Matriz de Informação Social7 (versão 2006 1.5). Mapeamos os valores anuais acumulados

do IGD-M dos 5.565 municípios entre os anos de 2006 a 2015, sendo que para o ano de 2015,

os valores correspondem até o mês de Julho (último mês de atualização do sistema). Destaca-

se que devido à mudança no cálculo do IGD-M a partir de 2011, a construção do banco de

5 Indica se o gestor do Fundo Municipal de Assistência Social (FMAS) registrou a comprovação de gastos apresentada ao Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS). 6 Indica se o CMAS registrou a aprovação integral das contas apresentadas pelo gestor do Fundo Municipal de Assistência Social. 7 Mais informações disponíveis em: <http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi-data/misocial/tabelas/mi_social.php>. Último acesso em: 08 Ago 2016.

dados divide-se em: apenas Fator 01 (de 2007 a 2011) e Fator 01 x Fator 02 x Fator 03 x Fator

04 (2011 a Julho/2015).

Tomamos como indicador do grau de eficácia na gestão municipal do Bolsa Família o

Índice de Gestão Descentralizada Municipal (levando em conta as suas modificações ao longo

do tempo). Como vimos, o resultado de 0,55 é o mínimo que o governo considera para o

repasse de recursos. Consideramos, porém, que utilizá-lo como parâmetro para o propósito de

avaliar a eficácia na gestão do Programa, seria inadequado, uma vez que ele é pouco exigente

e não permite perceber variações significativas. Assim, optamos pela criação de escores que

possibilitam “ver” as gradações e melhor ranquear o desempenho das gestões municipais

(Tabela 1)8, a seguir.

Tabela 01 - Classificação do IGD-M segundo nível de eficácia

Faixa IGD-M Nível de Eficácia

0,80 – 1,00 Muito Alta

0,70 - 0,79 Alta

0,60 - 0,69 Média

0,50 - 0,59 Baixa

0 - 0,49 Muito Baixa Fonte: Elaboração própria a partir de Atlas Brasil (2013)

Estes critérios foram adotados até 2010, até quando vigorou o cálculo do IGD-M

baseado no Fator 01. A partir de 2011, com a introdução da nova forma de cálculo, o nível

muito baixo passou a iniciar em 0,01, para diferenciar das gestões que independentemente do

desempenho relativo ao Fator 01, zeraram por não cumprir os demais fatores.

Por fim, utilizamos o software livre Gephi (ferramenta de manipulação de grafos),

para construção dos mapas (georeferenciamento) para visualização das mudanças

longitudinais do IGD-M, compreendendo as cores: verde escuro = Muito Alto; verde claro =

Alto; amarelo = Médio; laranja = Baixo; vermelho = Muito Baixo; zerados = roxo e, sem

dados = branco.

8Apesar de arbitrário tomamos como parâmetro o mesmo critério do Índice de Desenvolvimento Humano.

2.4 Resultados

Como se pode observar na tabela 2 e no Gráfico 1, em 2007, ano da primeira avaliação

do IGD-M, os municípios se reuniram em torno das faixas Muito Alto, Alto e Médio, com

uma distribuição bastante uniforme entre elas (respectivamente 29%, 27%, 26%). As faixas

mais baixas concentraram um número menor de municípios, constituindo 19% do total. Estes

resultados indicam que, mesmo no início da avaliação, a maior parte dos municípios

brasileiros já apresentava desempenho satisfatório, destacando-se as faixas Muito Alto e Alto

que juntas, abarcavam 56%. Nota-se também que, em comparação com os anos subseqüentes,

esta é a distribuição mais equilibrada entre estas faixas, mostrando, ainda, alguma

heterogeneidade no desempenho institucional entre os municípios.

Tabela 2 – Percentual de distribuição dos municípios entre as faixas de IGD-M

ao longo dos anos (2007 – 2015)

IGD-M/Ano 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 Muito Alto 29 41 39 56 67 67 81 79 79 Alto 27 34 37 29 24 21 11 17 17 Médio 26 19 19 12 8 4 1 2 2 Baixo 13 5 5 3 1 0 0 0 0 Muito Baixo 6 1 1 0 0 0 0 0 0 Zerados - - - - 0 7 6 1 2 S/ dados 5 5 5 5 5 5 5 0 0 Fonte: elaboração das autoras.

Em 2008 percebemos um aumento de municípios concentrados nas faixas Muito Alto

e Alto, representando 75% do total, ao mesmo tempo em que diminuiu a proporção para as

faixas inferiores, concentrando 25%. Em 2009, mantém-se praticamente a mesma proporção

(76% para 25%). As duas faixas mais altas abarcaram, desde o início, a maior parte de

municípios, sendo a faixa Muito Alto sempre superior à Alta, sugerindo excelentes resultados

de gestão na maior parte do território brasileiro.

Gráfico 1 - Evolução do IGD-M no Período(2007 – 2015)

Fonte: elaboração das autoras.

A partir de 2010, ao passo que as demais diminuem,a faixa Muito Alto, é a única que

aumenta e evolui praticamente num crescente até o final do período, apresentando um pico em

2013, ano em que 81% dos municípios apresentaram um ótimo nível de eficácia na gestão do

Programa. Ao mesmo tempo a faixa Alto, que vinha diminuindo gradativamenteaté este ano

teve uma queda mais brusca, caindo 10% de 2012 para 2013. Depois disso, nos dois últimos

anos do período há uma queda suave, mas mesmo assim mantêm-se uma excelente gestão.

Até 2010, os resultados eram apurados apenas pelo Fator de Operação (dado pelas

exigências cadastrais e a gestão das condicionalidades). Já em 2011, quando o novo cálculo

passa a condicionar a apuração do IGD-M ao cumprimento de exigências relacionadas à

gestão interna do Programa (fatores 2, 3 e 4), nenhum município “zerou”, o que curiosamente

não aponta dificuldades de adaptação à mudança no cálculo. A distribuição dos municípios

entre as faixas ainda apresentou resultados satisfatórios, com apenas 1% de municípios na

faixa Muito Baixo e o restante situado nas faixas superiores (predominando, como sempre,

Muito Alto e Alto). A dificuldade em cumprir as novas obrigações só aparece a partir de 2012

quando se verificam 7% de municípios com IGD-M igual a zero ao mesmo tempo em que não

há municípios na faixa Muito Baixo (que a partir de 2011 passou a ser compreendida entre

0,01 e 0,49). Este padrão (municípios “zerados” e nenhum município na faixa Muito Baixo)

se mantém até o final do período, com uma diminuição significativa das dificuldades em

cumprir as exigências extras nos dois últimos anos analisados.

A proporção de municípios cujos dados não estavam disponíveis (5%) se manteve

estável de 2007 a 2013, só desaparecendo nos dois últimos anos do período. Por outro lado,

isso pode estar relacionado não somente à ausência de repasse de informações, mas até

mesmo a não adesão do município ao Programa em determinado ano, já que esta é voluntária.

Em suma, deduz-se– segundo o indicador da eficácia na gestão adotado neste estudo, o

IGD-M – que a gestão do Bolsa Família nos municípios é satisfatória tanto para os parâmetros

estabelecidos pela coordenação nacional do programa (que exige um desempenho mínimo de

0,55), quanto se tomarmos critérios mais exigentes como fizemos aqui (acima de 0,70)

apresentando excelentes e crescentes resultados ao longo dos 9 anos de vigência do IGD-M

analisados. A distribuição dos resultados apurados pelo IGD-M pela extensão do território

brasileiro ao longo dos anos (Figura 1, no final da seção) também ilustra como o mecanismo

impactou na melhoria da gestão.

Deste modo, o estabelecimento de metas com a instituição do Índice e a oferta de

subsídios financeiros condicionados ao seu alcance indicam ser possível à União, coordenar

as gestões locais na provisão da política pública, na medida em que induz os municípios a

alinharem sua atuação às diretrizes nacionais. A cooperação dos municípios demonstra ser

uma resposta às regras e incentivos dados pela existência de um mecanismo institucional

instituído pelo governo federal. O achado corrobora a tese de Arretche (2012) de que a

efetividade das políticas nacionais depende de desenhos cujas regras e incentivos sejam

interessantes o suficiente para obter apoio de unidades politicamente autônomas. O IGD-M,

portanto, parece ser um instrumento capaz de compensar os efeitos centrífugos do federalismo

brasileiro na execução do Bolsa Família, os quais tenderiam a gerar resultados heterogêneos

entre os municípios.

Este é um elemento importante porque, como vemos em O’Donnell (2013) a cidadania

depende de um sistema legal e um conjunto de burocracias eficientes que se estendam

uniformemente por todo o território nacional, garantindo assim, a fruição igualitária de

direitos, ou seja, para o maior número possível cidadãos.

Figura 1 - Evolução do IGD-M no território brasileiro de 2007 a 2015

Fonte: elaboração das autoras.

Legenda: verde escuro = Muito Alto; verde claro = Alto; amarelo = Médio; laranja = Baixo; vermelho = Muito Baixo; zerados = roxo e, sem dados = branco.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa mostra que, de forma geral, as gestões municipais têm atuado em

consonância com as diretrizes nacionais do programa de modo a atender as metas

estabelecidas pelo MDS. Corroborando com a tese de Arretche, os números apontam para um

panorama onde a política pública é gerida com eficácia e com igualdade territorial entre os

governos municipais, dada a capacidade de coordenação federativa da União.

Entretanto, a alta satisfatoriedade e a uniformidade dos resultados mostrados pelos

dados deixam dúvidas sobre a real efetividade do IGD-M como instrumento de coordenação,

2007 2008 2009

2010 2011 2012

2013 2014 2015

pois até que ponto é de fato possível alcançar uma coordenação tão positiva e homogênea em

uma federação como a brasileira, com tantas esferas autônomas e com tantas desigualdades

regionais? Tal pergunta abre espaço para novas investigações que se fazem necessárias,

principalmente de uma perspectiva mais aprofundada de cunho qualitativo, o que não coube

nesta pesquisa

4 REFERÊNCIAS

ABRUCIO, Fernando Luiz. A coordenação Federativa no Brasil: a experiência do

período FHC e os desafios do governo Lula. Revista de Sociologia e Política, Curitiba,

v. 24, p. 41-67, 2005. ABRUCIO, Fernando Luiz. SOARES, Márcia M. Redes federativas no Brasil: cooperação intermunicipal no Grande ABC. São Paulo, Fundação Konrad Adenauer, 2001. 236 p.

AFONSO, José Roberto Rodrigues e ARAÚJO, Erika Amorim. Local Government Organization and Finance: Brazil. In: SHAH, Anwar (Ed.). Local Governance in Developing Countries. Washington: The World Bank, 2006, pp. 381-418.

ARRETCHE, Marta. Democracia, Federalismo e Centralização no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. 232 p. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

BRASIL. Lei no 10.836, de 9 de janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 12 jan. 2004.

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______. Lei nº. 10.836, de 09 de Janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 12 jan. de 2004. MARSHALL, Thomas Humphrey. Cidadania, Classe Social e “Status”. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. MDS – MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL. Bolsa Família. Brasília: 2016. Disponível em:<http://www.mds.gov.br/bolsafamilia>. Acesso em: 02 jul 2016. ______. Caderno do IGD-M: informativo sobre o índice de gestão descentralizada municipal do programa bolsa família. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2011.

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