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O Manel e o Miúfa, o medo medricas Rita Taborda Duarte Maria João Lima Livros do Dia e da Noite

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O Manel e o Miúfa,o medo medricas

Rita Taborda DuarteMaria João Lima

Livros do Dia e da Noite

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O MANUEL ...............................................................13

A FAMÍLIA DOS MEDOS ........................................23

HÁ MEDOS DEBAIXO DA CAMA .........................31

MIÚFA, O MEDO MEDRICAS ...............................39

O MANEL TEM MIÚFA ..........................................51

O JAIME ...................................................................63

ÁLBUM DE FOTOGRAFIAS ..................................91

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O MANUEL

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O MANUEL

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O MANEL E O MIÚFA, O MEDO MEDRICAS

Eu chamo-me Manel, tenho dez anos e acredito em tudo:

em homenzinhos de sombra que nos invadem as pare-des do quarto,

em dragões felpudos de dentuça amarela, arreganhada,

em famílias de medo, numerosíssimas, a viver debaixo da nossa cama, à espera da melhor oportunidade para nos assaltarem os sonhos. Algumas pessoas chamam-me me-droso e dizem-me que não se deve ter medo. E eu fico a pensar que faz muito pouco sentido aquilo que me dizem; porque mesmo que não tenhamos medo, é certo que o medo nos tem a nós. E isso pode ser terrivelmente assustador: se deixarmos o medo entrar para dentro de nós, somos nós, afinal, que ficamos prisioneiros do medo.

Não é nada fácil explicar tudo isto às pessoas adultas que são, quase todas, muito pouco espertas. E há uma razão científica para que tal suceda, porque nada no mundo acontece por acaso e são raras as coisas que sucedem por magia: é que à medida que o corpo cres-ce, cada vez mais perto das nuvens e mais longe do chão, o cérebro vai definhando devagarinho, porque o pobre coração não tem força para transportar o san-gue até à cabeça, lá tão ao alto, no cimo encarrapitado dos pescoços; além do mais, o ar que se respira lá por cima é muito mais rarefeito e pobrezinho, com mui-to menos oxigénio. Assim, à medida que ganham em centímetros, as pessoas vão perdendo em inteligência.

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O MANUEL

Será por isto que os adultos decidem assim, um boca-do ao acaso, as coisas em que acreditam e aquelas em que não acreditam. Não há cá regras, nem lógica, nem coe-rência. Aquilo é conforme calha, conforme o lado para onde sopra o vento, ou o sentido por onde se vai a maré.

Por exemplo, os meus pais acham um disparate, um absurdo, uma infantilidade, em suma, que eu acredite nos meus dragões cabeludos, nos meus homenzinhos de sombra, na minha família dos medos, a viver debaixo da cama.

São coisas imaginárias, dizem: nunca ninguém as viu, nem nunca as há de ver, porque só vivem dentro das páginas dos livros de histórias, cheios de fantasias e de mundos assombrados que não existem de verdade, aquela verdade real, mesmo mesmo verdadeira.

Mas, no entanto, apesar de tudo isto, eles são os pri-meiros a acreditar em

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vírus,

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micróbios

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e em bactérias,

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e outros mostrengos invisíveis1, que provocam doenças, dores de barriga ou outras mazelas que tais. E acredi-tam piamente em patos peludos que mamam e põem ovos ao mesmo tempo e dão-lhes nomes esquisitos e extravagantes de forma a tornarem-nos mais credíveis… e são, também, capazes de assegurar a pés juntos que, mesmo no fundo das profundezas negras do mar, vi-vem uns peixes com umas dentaduras muito arrega-nhadas, a deitar luz por uma espécie de antena, que ilumina os fundos escuríssimos do oceano, sem levar pilhas nem coisa que tal. Dizem-me que se quiser pos-so chamá-lo de peixe lanterna, mas que o seu nome correto, real e científico, na verdade é

, (ou mesmo peixe lan-terna), o certo é que esses tais bichos são, para mim, tão fantásticos como gigantes da altura de moinhos de vento, a percorrer para cima de sete léguas numa só passada. Lá por terem nomes faustosos e aparatosos, que obrigam a cuspir uma série de perdigotos quando os dizemos, não quer dizer que se acredite neles mais fa-cilmente: até para mim, que tenho este meu velho há-bito de acreditar em tudo, foi difícil crer em bicharocos assim. Mas, quando expliquei estas minhas hesitações

1 Eu ainda argumentei com os meus pais, usando a sua própria ló-gica arrevesada: mas, se não se vêem, se são invisíveis, talvez seja, então, porque não existem mesmo Ao que eles me responderam a uma voz: não se vêem, mas é a olho nu… Fiz um esforço, juro que fiz, para que me explicassem com que raio é que os olhos se vestem, quando querem ver os tais micróbios e bactérias… e tentei imaginar os olhos vestidos de saia de folhos e fato e gravata; mas aí os meus pais olharam-me com uns olhinhos torcidos e indignados e eu não tentei indagar mais.

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O MANEL E O MIÚFA, O MEDO MEDRICAS

e dúvidas aos meus pais, eles mostraram-me um livro de ciências naturais, com muitas imagens e fotografias, com a prova mais que provada de que o ornitorrinco existia mesmo, do outro lado do mundo, assim como o peixe lanterna, aclarando lá os abismos das profundezas oceânicas. Fiquei, então, convencido e também lhes fui buscar um livro meu que mostrava um dragão voador a deitar fumo pelas narinas, também lá num país bem distante e há muito muito muito tempo.

Mas, aí, eles já não acreditaram e disseram que o meu livro não era um livro verdadeiro, mas um livro de histórias. Para mim, todos os livros são verdadeiros: se ocupam um lugar na estante é porque existem mesmo… de verdade.

No fundo, as pessoas crescidas têm um grande de-feito: não acreditam nas coisas, acreditam em palavras. Têm este hábito: acham que os nomes das coisas são mais importantes, até, do que as próprias coisas.

Ora, eu acredito em tudo, nas coisas e nas palavras e em todos os livros que as dizem. Acredito nos livros de ciências exatas (sobre a matemática, a física e a química), de ciências naturais (sobre os ornitorrincos, as bactérias e as sereias) e das ciências ocultas (sobre bruxas, feiti-ceiros e fantasmas), nos livros de História e nos livros de histórias.

Eu chamo-me Manel, tenho dez anos, acredito em tudo. Principalmente nos medos que durante a noite me amedrontam os sonhos.

Os adultos, como acham que as palavras é que fazem as coisas (em vez de ser ao contrário), preferem chamar--me Manuel… Pensam que pôr um U no meio do meu

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O MANUEL

nome faz com que eu fique mais sério, mais aplicado, mais crescido… mais bem-comportado, no fundo.

Mas eu sei, que com U ou sem U, Manuel ou Ma-nel, sou sempre igual. Mesmo com uma letra a mais, continuo a ter dez anos e a acreditar em tudo. Até nas pessoas crescidas.