o mal ronda a terra - tony judt - resumo

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Resumo de “O mal ronda a terra: um tratado sobre as insatisfações do presente”, de Tony Judt O livro, lançado em 2010, foi escrito durante os últimos anos de vida do historiador, nos quais ele já sofria das degenerações resultantes do diagnóstico de uma esclerose amiotrófica lateral. Nele, Judt busca realizar uma crítica ao individualismo contemporâneo e suas influências no campo da política econômica, através das desregulamentações e do contínuo esvaziamento do espaço público promovido pela direita revolucionária atual. O autor defende então a luta de uma esquerda moderada pela manutenção das conquistas advindas do Estado de bem-estar social e da social- democracia, bem como o repensar de uma atuação mais ativa das esquerdas frente ao novo contexto de globalização em prol de uma maior igualdade. A seguir, passa-se a um resumo das principais ideias contidas no livro de acordo com cada capítulo. A introdução já vai ao âmago da questão de Judt, deixando para as outras partes da obra apenas a tarefa de esmiuçar os pontos críticos e lhes conferirem argumentações de autoridade e exemplificações. Destarte, o autor começa criticando o modo de vida atual, focado extensivamente na busca de bens materiais visando o interesse individual. Isto serve como pressuposto a futura crítica de que as escolhas das políticas públicas não devem olhar unicamente aos critérios de eficiência econômica, mas também aspectos sociais, de justiça, etc. Desta forma, o historiador inglês escreve: O caráter mercantilista e egoísta da vida contemporânea não é inerente à condição humana. Muito do que parece “natural” hoje em dia data dos anos 1980: a obsessão pelo acúmulo de riqueza, o culto da privatização e do setor privado, a crescente desigualdade entre ricos e pobres. E, acima de tudo, a retórica que acompanha esses conceitos: admiração acrítica pelos mercados livres de restrições, desdém pelo setor público, ilusão do crescimento interminável. (JUDT, 2011, p. 16) A seguir, Judt afirma a necessidade de se lutar contra tais questões. Para isso, faz questão de ressaltar as diferenças entre “liberais” e “sociais-democratas”: um liberal se oporia às interferências alheias na vida das pessoas, facultando aos indivíduos a maior quantidade possível de espaço para viver como bem entenderem. Já um social- democrata, além de compartilhar com os liberais a visão de tolerância cultural e religiosa, apoiariam a existência de políticas públicas, ou seja, atitudes coletivas, em função de um bem-comum. Ambos os grupos, em oposição aos conservadores, tenderiam a apoiar a taxação progressiva e o financiamento de bens públicos, estando a diferenças entre as duas visões no fato de o Estado, os impostos e os investimentos públicos consistirem em um „mal necessário‟ para os liberais, enquanto que para os sociais-democratas “uma boa sociedade embute desde o princípio um papel de destaque para o Estado e o setor público” (JUDT, 2011, p.18-19). Prosseguindo, o autor discorre sobre a atual conjectura política-econômica, caracterizada pela desestatização vigente nos últimos 30 anos e em suas consequências nefastas como a Crise econômica de 2008. Também comenta a incapacidade de o pensamento social-democrata propor medidas de acordo com os valores de uma

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Page 1: O Mal Ronda a Terra - Tony Judt - Resumo

Resumo de “O mal ronda a terra: um tratado sobre as insatisfações do presente”,

de Tony Judt

O livro, lançado em 2010, foi escrito durante os últimos anos de vida do

historiador, nos quais ele já sofria das degenerações resultantes do diagnóstico de uma

esclerose amiotrófica lateral. Nele, Judt busca realizar uma crítica ao individualismo

contemporâneo e suas influências no campo da política econômica, através das

desregulamentações e do contínuo esvaziamento do espaço público promovido pela

direita revolucionária atual. O autor defende então a luta de uma esquerda moderada

pela manutenção das conquistas advindas do Estado de bem-estar social e da social-

democracia, bem como o repensar de uma atuação mais ativa das esquerdas frente ao

novo contexto de globalização em prol de uma maior igualdade. A seguir, passa-se a um

resumo das principais ideias contidas no livro de acordo com cada capítulo.

A introdução já vai ao âmago da questão de Judt, deixando para as outras partes

da obra apenas a tarefa de esmiuçar os pontos críticos e lhes conferirem argumentações

de autoridade e exemplificações. Destarte, o autor começa criticando o modo de vida

atual, focado extensivamente na busca de bens materiais visando o interesse individual.

Isto serve como pressuposto a futura crítica de que as escolhas das políticas públicas

não devem olhar unicamente aos critérios de eficiência econômica, mas também

aspectos sociais, de justiça, etc. Desta forma, o historiador inglês escreve:

O caráter mercantilista e egoísta da vida contemporânea não é inerente à

condição humana. Muito do que parece “natural” hoje em dia data dos anos

1980: a obsessão pelo acúmulo de riqueza, o culto da privatização e do setor

privado, a crescente desigualdade entre ricos e pobres. E, acima de tudo, a

retórica que acompanha esses conceitos: admiração acrítica pelos mercados

livres de restrições, desdém pelo setor público, ilusão do crescimento

interminável. (JUDT, 2011, p. 16)

A seguir, Judt afirma a necessidade de se lutar contra tais questões. Para isso, faz

questão de ressaltar as diferenças entre “liberais” e “sociais-democratas”: um liberal se

oporia às interferências alheias na vida das pessoas, facultando aos indivíduos a maior

quantidade possível de espaço para viver como bem entenderem. Já um social-

democrata, além de compartilhar com os liberais a visão de tolerância cultural e

religiosa, apoiariam a existência de políticas públicas, ou seja, atitudes coletivas, em

função de um bem-comum. Ambos os grupos, em oposição aos conservadores,

tenderiam a apoiar a taxação progressiva e o financiamento de bens públicos, estando a

diferenças entre as duas visões no fato de o Estado, os impostos e os investimentos

públicos consistirem em um „mal necessário‟ para os liberais, enquanto que para os

sociais-democratas “uma boa sociedade embute desde o princípio um papel de destaque

para o Estado e o setor público” (JUDT, 2011, p.18-19).

Prosseguindo, o autor discorre sobre a atual conjectura política-econômica,

caracterizada pela desestatização vigente nos últimos 30 anos e em suas consequências

nefastas como a Crise econômica de 2008. Também comenta a incapacidade de o

pensamento social-democrata propor medidas de acordo com os valores de uma

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esquerda igualitária, ao aderir e até mesmo por em prática políticas econômicas de

direita.

Judt termina o prefácio fazendo referências a atual deterioração econômica, bem

como ao futuro. Segundo o historiador, estamos entrando em uma era de inseguranças

econômicas, políticas e físicas. Estas são resultado das fortes mudanças em marcha no

mundo e da incerteza quanto aos acontecimentos e tendem a gerar um sentimento de

medo que contribui para solapar a confiança nas quais se assentam as sociedades civis.

Disto resulta a necessidade de repensar o Estado, uma vez que:

Toda mudança é um rompimento. Já vimos que o espectro do terrorismo é

suficiente para tumultuar democracias estáveis. Mudanças climáticas trarão

consequências ainda mais dramáticas. Homens e mulheres serão forçados a

recorrer novamente aos recursos do Estado. Pedirão aos seus líderes e

representantes políticos que os protejam: sociedades abertas mais uma vez

serão pressionadas para se fecharem, sacrificando a liberdade em nome da

“segurança”. A escolha não se fará mais entre o Estado e o mercado, mas

entre dois tipos de Estado. Portanto nossa responsabilidade é reconceber o

papel do governo. Se não o fizermos, outros o farão. (JUDT, 2011, p. 22)

No primeiro capítulo, Judt preocupa-se com o aumento da desigualdade ocorrida

nos últimos 30 anos, em especial nos EUA e no Reino Unido, em contraposição ao

período anterior, caracterizado por avanços sociais que haviam diminuído a

desigualdade nos países ricos. O historiador argumenta que a desigualdade é nociva à

confiança entre as pessoas, bem como gera um nível de bem-estar menor, até mesmo

para as camadas mais ricas. Para isto, ele apresenta uma série de estatísticas, que

demonstram, em estudos entre países, que quanto maior é a desigualdade, menor é a

mobilidade social e maiores são os problemas sociais, os homicídios e a incidência de

doenças mentais. O autor retrata os porquês do pensamento que leva ao aumento da

desigualdade na seguinte passagem:

Agora retrocedemos às atitudes de nossos antepassados vitorianos. Mais uma

vez acreditamos exclusivamente em incentivos, “esforço” e recompensa –

assim como em punições para a carência. Nas explicações de Bill Clinton ou

Margaret Thatcher, universalizar a assistência social e torná-la disponível a

todos que dela precisassem seria imprudente. Se os trabalhadores não

estivessem desesperados, por que trabalhariam? Se o Estado lhes paga para

ficar em casa, que incentivo teriam para procurar emprego remunerado?

Retrocedemos ao mundo duro e frio da racionalidade econômica esclarecida,

explicitada pela primeira vez e com maior sucesso por Bernard de

Mandeville em seu ensaio sobre economia política de 1732, The fable of the

bees (A fábula das abelhas). Os trabalhadores, na visão de Mandeville, “nada

têm que os estimule a servir a não ser suas necessidades, que é prudente

aliviar, mas tolo satisfazer”. Tony Blair não teria dito isso tão bem. (JUDT,

2011, p. 36-37)

Já no capítulo 2, o autor se ocupa em discutir as condições que propiciaram

menor desigualdade no período anterior aos anos 1970. O autor põe como partida as

duas grandes guerras mundias e a grande crise de 1929. Estas propiciaram o surgimento

Page 3: O Mal Ronda a Terra - Tony Judt - Resumo

de Estados autoritários ou totalitários em detrimento da democracia na maior parte do

mundo. As únicas exceções a esse quadro, além de pequenos e neutros países como

Suíça e Suécia, foram o mundo anglófano do Atlântico norte e da Oceania. Destarte, o

autor põe o surgimento da social-democracia como forma de impedir a volta dos

sistemas autoritários, cujas ideias ainda se encontravam na mentalidade de grande parte

das populações. Judt cita nominalmente Keynes como um dos intelectuais que mais se

preocupou com tal desígnio (p. 50).

Segundo Judt, Keynes chegou à conclusão que o novo momento histórico de

incerteza que homens e mulheres viviam – em contraposição ao período anterior de

estabilidade – e que resultava em surtos de pavor coletivo era a responsável pela

corrosão da confiança e das instituições do liberalismo. Destarte, havia a necessidade de

se mitigar tais incertezas e, diante da “familiaridade com os atrativos da autoridade

centralizada e do planejamento abrangente para compensar as inadequações do

mercado” (p. 52), opta-se por uma maior intervenção estatal. Disto decorrem os

fundamentos do Estado da seguridade social. Judt então afirma a necessidade constatada

de o Estado liberal proteger os interesses dos capitalistas, quer eles quisessem ou não,

em razão do reconhecimento de sua incapacidade de fazer isso por si sós. O autor

sustenta que o consenso foi facilitado em razão das circunstâncias desesperadoras da

época, as quais levaram até mesmo os conservadores a concordarem com as novas

práticas econômicas e garantias sociais implantadas. Afinal, quem não temia o

ressurgimento do fascismo, olhava para a URSS com apreensão. Além disso, o

historiador destaca um ponto importante quanto ao sucesso observado na aceitação do

Estado democrático-liberal pela população:

Além disso, foram a social-democracia e o Estado de bem-estar social que

comprometeram as classes médias profissionais e comerciais com as

instituições liberais, na esteira da Segunda Guerra Mundial. A questão tem

certa importância: o medo e o descontentamento das classes médias deram

origem ao fascismo. Vincular as classes médias à democracia novamente era

de longe a tarefa mais importante que se apresentava aos políticos do pós-

guerra – embora não fosse das mais fáceis.

Na maioria dos casos isso foi conseguido graças à magia do “universalismo”.

Em vez de vincular os benefícios à renda – caso em que profissionais bem

pagos e comerciantes bem-sucedidos poderiam reclamar com veemência por

pagar impostos por serviços sociais que não lhes ofereciam muitas vantagens

– ofereceu-se à “classe média” instruída a mesma assistência social e os

mesmos serviços públicos destinados aos pobres: educação gratuita,

tratamento médico barato ou gratuito, pensões públicas e seguro-desemprego.

Como consequência, agora que grande parte das necessidades da vida eram

cobertas pelos impostos, a classe média europeia se viu nos anos 1960 com

mais recursos disponíveis do que em qualquer outra época desde 1914.

(JUDT, 2011, 57-58)

A seguir o autor passa a se referir a como a descrença pelas teorias econômicas

liberais, após uma crise de proporções grandiosas cuja resposta exigiu práticas diversas

do absenteísmo bem como de duas grandes guerras nas quais os Estados controlaram de

Page 4: O Mal Ronda a Terra - Tony Judt - Resumo

modo taxativo e extensivo praticamente todos os campos econômicos das nações,

levaram ao fortalecimento da ideia de regulamentação do mercado.

A mudança mais óbvia foi a visão da necessidade de um planejamento

econômico pelo Estado. Tal ideia era mais fortemente defendida pelos extremos do

espectro político, em alusão ao comunismo e ao fascismo. Já entre os intelectuais:

A defesa dos intelectuais pelo planejamento nunca foi muito forte. Keynes,

como já vimos, considerava o planejamento econômico quase da mesma

maneira como via a teoria do mercado puro: para dar certo, os dois exigiam

dados perfeitos, algo impossível. Mas ele aceitou, ao menos no período da

guerra, a necessidade de planejamento e controle a curto prazo. Para a paz do

pós-guerra, ele preferiu minimizar a intervenção governamental direta, e

manipular a economia por meio de incentivos fiscais e outros instrumentos.

Mas, para que o esquema funcionasse, os governos precisavam saber o que

pretendiam alcançar e, aos olhos de seus defensores, “planejamento” era

isso. (JUDT, 2011, p. 62)

Desta forma, o controle estatal de empresas produtivas não era algo de grande

importância para os teóricos, embora fosse bem recebida em alguns casos específicos.

Por exemplo, para os sociais-democratas escandinavos, cujo interesse maior era muito

mais a taxação progressiva e o fornecimento de serviços sociais universais e

abrangentes (p. 63). Por outro lado, os trabalhistas britânicos se tornaram grandes

adeptos do conceito de propriedade pública, segundo Judt. A ideia predominante era de

que o Estado deveria interferir de modo a alcançar os resultados que o mercado por si só

não conseguiria. Assim, “naquela época não se levava a sério a possibilidade de o

Estado extrapolar suas atribuições, prejudicando o mercado pela distorção de suas

operações” (p. 65), como aquilo que os economistas conhecem como crowding out.

Destarte:

Pela mesma razão, o aumento de impostos não era considerado uma afronta,

naquele tempo. Pelo contrário, taxas maiores para o imposto de renda

progressivo eram tidas como recurso consensual para retirar o excesso de

recursos dos privilegiados e improdutivos, transferindo-os para quem deles

precisava ou poderia usá-los melhor. (JUDT, 2011, p. 65)

A seguir, Judt lamenta-se do posterior desmantelamento das ideias acima

citadas, sugerindo o quão estranhas elas seriam às novas gerações e passa, então, a

tentar explicar quais seriam as características sociais que contribuíram à constituição do

Estado de bem-estar social. Destarte, o autor passa a dar grande destaque ao conceito de

“confiança” como de fundamental importância para a valorização do que é público.

Argumenta que as pessoas só pagam impostos por confiarem que seus semelhantes

também pagarão, que o dinheiro será bem investido pelas autoridades públicas. Há

ainda a noção de um pertencimento a um “nós” inter-geracional, nas quais os impostos e

gastos públicos realizados no passado produzem resultados no contemporâneo e os

neste realizado impactarão o futuro. Posteriormente, o autor trata dos determinantes do

nível de confiança:

Page 5: O Mal Ronda a Terra - Tony Judt - Resumo

Existem muitas provas de que as pessoas confiam mais em quem tem muita

coisa em comum com elas: não só religião e idioma, como também a renda.

Quanto mais igualitária for uma sociedade, maior a confiança. E não se trata

apenas de renda: onde têm vida e expectativas semelhantes, as pessoas

costumam compartilhar o que podemos chamar de “perspectiva moral”. Isso

torna bem mais fácil instituir mudanças radicais nas políticas públicas. Nas

sociedades complexas ou divididas, a tendência é que a minoria – ou mesmo

a maioria – seja forçada a fazer concessões, muitas vezes contra a sua

vontade. Isso torna a elaboração de políticas públicas contenciosa e favorece

uma abordagem minimalista da reforma social: melhor não fazer nada do que

dividir as pessoas em grupos contra e a favor de um projeto controverso.

(JUDT, 2011, p. 70)

Destarte, o autor coloca como características comuns às sociedades de confiança

o fato de elas serem bastante compactas e homogêneas, citando os países europeus nos

quais o Estado de bem-estar social melhor se desenvolveu, como os escandinavos. Judt

também comenta como a crescente inigualdade econômica e a maior imigração de

grupos étnicos distintos nas sociedades europeias têm contribuído para solapar a

confiança e, consequentemente, as instituições sociais de solidariedade. Comentando os

resultados alcançados pelas políticas do Estado de bem-estar social, o autor argumenta

as quase três décadas de pleno-emprego conquistadas, porém constata o aumento da

carga tributária para financiar os gastos da social-democracia. Também constata quanto

a melhor situação dos europeus-continentais em receber o auxílio-desemprego do que

arranjar os empregos de baixos salários oferecidos por empresas como o Wal-Mart,

comuns no Reino Unido e nos EUA.

No capítulo 3, Judt trata a questão do desmantelamento do Estado de bem-estar

social e do progressivo aumento do individualismo. Começa refletindo quanto aos

sentimentos negativos decorrentes de algumas ações públicas mal planejadas como

conjuntos de moradias populares instituídos em vários países e crescente insatisfação

com a dependência da burocracia estatal:

Mas o grande abismo do momento separava gerações. Para quem nasceu

depois de 1945, o Estado de bem-estar social e suas instituições não serviam

para solucionar dilemas anteriores: eram simplesmente as condições normais

de vida – mais do que apenas maçantes. Os chamados baby boomers, que

entraram na universidade em meados dos anos 1960, só conheceram um

mundo de chances maiores, serviços médicos e educacionais generosos,

perspectivas otimistas de mobilidade social e – acima de tudo, talvez – uma

sensação de segurança indefinível mas onipresente. As metas das gerações

anteriores de reformistas não interessavam mais a seus sucessores. Pelo

contrário, eram vistas cada vez mais como restrições à autoexpressão e à

liberdade individual. (JUDT, 2011, p. 85-86)

Assim, ressalta-se o conflito entre gerações, que transcendia as questões de

classe e de nacionalidade: no “final dos anos 1960, a brecha cultural que separava os

jovens de seus pais era provavelmente a maior desde o início do século XIX” (JUDT,

2011, p. 86-87). Outra mudança importante é a progressiva perda de importância do

operariado industrial, cuja força política era o principal sustentáculo da esquerda de

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ideário coletivo, que foi a principal responsável pela implantação da social-democracia.

Destarte, estes não poderiam mais ganhar as eleições somente ouvindo os anseios

daqueles. Os negros, os estudantes, as mulheres e os homossexuais ganhavam força nos

movimentos políticos, formando a “nova esquerda”:

Uma parte da juventude via as coisas de modo bem diferente. A justiça social

não preocupava mais os radicais. A geração dos anos 1960 não se unia em

torno dos interesses comuns, mas sim das necessidades e dos direitos de cada

um. O “individualismo” – a afirmação da exigência pessoal de liberdade

privada maximizada e irrestrita para exprimir desejos autônomos, que fossem

respeitados e institucionalizados pela sociedade como um todo – tornou-se

palavra de ordem da esquerda naquele momento. Cuidar “da própria vida”,

“deixar rolar”, “fazer o amor e não a guerra”: não são metas sem atrativos,

mas no fundo trata-se de objetivos privados, e não bens públicos. Como seria

de se esperar, eles levaram à afirmação abrangente de que “o pessoal é

político”. [...] Curiosamente, a nova esquerda permaneceu sensível aos

atributos coletivos dos humanos que residiam em terras distantes, onde

podiam se reunidos em categorias sociais anônimas como “camponeses”,

“pós-coloniais”, “subalternos” e assim por diante. Em casa, porém, o

indivíduo reinava supremo. (JUDT, 2011, p. 88-89)

Na próxima seção do capítulo, intitulada “A vingança dos austríacos”, Judt fala

de como tais mudanças na esquerda favoreceram em grande parte o recrudescimento das

ideias da direita. Destarte, o governo passa a ser visto como problema, o Estado passa a

ter a única função de determinar o melhor para o indivíduo e fornecer as condições para

ele alcançar seus objetivos com o mínimo de interferência. Judt cita a importância

fundamental dos autores austríacos, como a fonte intelectual na qual se embeberam os

economistas da Escolha de Chicago. Segue-se a ideia de Judt quanto a Hayek:

Aos olhos de Hayek e de seus contemporâneos, a tragédia europeia foi

provocada pelos equívocos da esquerda: primeiro por sua incapacidade de

atingir os objetivos propostos, depois graças ao fracasso em enfrentar o

desafio da direita. Cada um deles, embora de modos diferentes, chegaram à

mesma conclusão: o melhor – na verdade, o único – caminho para defender o

liberalismo e a sociedade aberta era manter o Estado fora da vida econômica.

Se a autoridade fosse mantida a uma distância segura, se impedissem que os

políticos – por mais bem intencionados que fossem – se envolvessem com o

planejamento, manipulação ou condenação dos negócios de seus

concidadãos, os extremistas de esquerda ou direita poderiam ser contidos.

(JUDT, 2011, p. 99)

O planejamento era errado para Hayek por ser obrigado a se basear em

cálculos e previsões essencialmente desprovidos de significado, e, portanto,

de racionalidade. O planejamento não era um equívoco moral, e muito menos

indesejável com base em algum princípio geral. Era simplesmente

impraticável – e, se fosse coerente, Hayek teria reconhecido que o mesmo se

aplica às teorias ditas científicas dos mecanismos de mercado.

A diferença, claro, é que o planejamento exigia coerção, para funcionar como

pretendido, e portanto conduzia diretamente à ditadura – o verdadeiro alvo de

Hayek. A eficiência do mercado pode ser um mito, mas ao menos não

implica coerção de cima para baixo. (JUDT, 2011, p. 102)

Page 7: O Mal Ronda a Terra - Tony Judt - Resumo

Judt se ocupa de diferenciar as tentativas de diminuir o “poder econômico” do

Estado bem como de suas iniciativas de uma condição de diminuição do Estado per se.

Ele enfatiza o aumento do poder repressivo do Estado, através das instituições de

repressão social. Assim, aumentam as privatizações, sob um argumento puramente

técnico, de que a princípio as empresas seriam melhor geridas pela iniciativa privada e a

economia, a longo prazo, teria um maior crescimento. A esse respeito, citando um

estudo de Massimo Florio de 2006, Judt argumenta:

O melhor estudo das privatizações britânicas conclui que a privatização por si

provocou um impacto modesto no crescimento econômico a longo prazo –

enquanto redistribuía regressivamente o patrimônio dos contribuintes e

consumidores para os acionistas das empresas privatizadas.

O único motivo para os investidores privados adquirirem empresas públicas

aparentemente ineficientes é a eliminação ou redução de sua exposição ao

risco, bancada pelo Estado. [...] Em condições privilegiadas, o setor privado

se mostra tão ineficiente quanto o público – repartindo os lucros e

transferindo os prejuízos para o Estado. (JUDT, 2011, p. 108-109)

Para Judt, certos serviços são de natureza extremamente necessária, não podendo

a sociedade ficar sem eles. Deste modo, empresas que prestassem tais serviços jamais

seriam deixadas falir pelo Estado, caso passassem por problemas. Saber que suas

empresas seriam salvas pelo Estado, conduz a uma inevitável situação de risco moral na

condução de monopólios naturais por grupos privados. Assim, cada vez mais diminui o

espaço público na sociedade, diminuindo também a força da coletividade:

Essa redução da “sociedade” a uma fina membrana de interações entre

indivíduos particulares é apresentada hoje como um projeto de libertários e

defensores de mercados livres. Mas nunca devemos nos esquecer de que foi

antes e acima de tudo o sonho dos jacobinos, bolcheviques e nazistas: se não

há nada que nos une enquanto comunidade ou sociedade, então estamos

completamente dependentes do Estado. Governos fracos ou desacreditados

demais para agir através de seus cidadãos estão mais propensos a conseguir

seus objetivos por outros meios: extorsão, sedução, ameaça e em último caso

coerção para fazer com que as pessoas obedeçam. A perda de propósito

social articulado por meio de serviços públicos na verdade aumenta os

poderes irrestritos do Estado todo-poderoso. [...] Ao enfraquecer os serviços

públicos e reduzi-los a uma rede de fornecedores particulares, começamos a

destruir a estrutura do Estado. Quanto ao pó da individualidade, parece muito

com a guerra de todos contra todos de Hobbes, na qual a vida de tantas

pessoas tornou-se novamente solitária, pobre e muito revoltante. (JUDT,

2011, p. 116)

Para concluir o terceiro capítulo, o autor busca estabelecer quais são os impactos

desse absenteísmo público na vida social e econômica. Conclui que este, aliado ao

individualismo que força os jovens cada vez mais a se importarem unicamente com o

seu enriquecimento pessoal, conduz a uma espécie de “déficit democrático”. Assim, os

cidadãos tendem a interferir cada vez menos no ambiente político, não regulando nem

os bons nem os maus políticos e suas ações, conduzindo a perigosas perspectivas para

um regime democrático:

Page 8: O Mal Ronda a Terra - Tony Judt - Resumo

Se não respeitamos os bens públicos; se permitimos ou estimulamos a

privatização dos espaços, recursos e serviços públicos; se apoiamos com

entusiasmo a propensão de uma geração mais jovem a cuidar exclusivamente

de suas necessidades, então não deveremos nos surpreender com a

progressiva redução do engajamento cívico no processo público de tomada de

decisões. Nos anos recentes se tem discutido muito o chamado “déficit

democrático”. O declínio no comparecimento nas eleições locais e nacionais

nos EUA, o desprezo cínico pelos políticos e pelas instituições políticas são

consistentemente verificados em pesquisas de opinião – principalmente entre

os jovens. Consagrou-se a noção de que “eles” farão o que quiserem, de

qualquer modo – e cuidarão de melhorar suas vidas –, e não adianta perder

tempo tentando influenciar o resultado das ações deles.

A curto prazo, as democracias podem sobreviver a indiferença de seus

cidadãos. Na verdade, costumava-se pensar que uma indicação de perigo

iminente numa república bem-organizada era o excesso de entusiamos dos

eleitores. Governar, supunha-se, deveria ser uma atividade deixada aos que

foram eleitos com este objetivo. Mas o pêndulo andou muito na outra

direção. (JUDT, 2011, p. 126-127)

No quarto capítulo, Judt fala de como o marxismo manteve-se como um pano de

fundo comum às diversas correntes de esquerda. A ideia de que a história caminha rumo

ao progresso era um elemento de união e definição da esquerda: nós estamos do lado

correto, já os conservadores estão do lado contra o fluxo natural da história. Assim, o

fim da União Soviética teve grande impacto sobre as diversas correntes de esquerda. O

autor deixa clara a dificuldade da esquerda em implantar no pragmatismo do dia-a-dia

medidas de acordo com suas proposições ideológicas fundamentais. Deste modo:

Essa era uma particularidade das políticas de esquerda. Mesmo que todos os

regimes conservadores e reacionários do mundo implodissem amanhã, com

sua imagem pública inapelavelmente maculada pela corrupção e

incompetência, a política conservadora permaneceria intacta. A defesa da

necessidade de “conservar” permaneceria tão viável quanto sempre foi. Para

a esquerda, porém, a ausência de uma narrativa historicamente sustentada

criava um vácuo. Só restava a política: do interesse, da inveja, da reeleição.

Sem idealismo, a política se reduz a uma forma de contabilidade social, de

administração cotidiana de homens e coisas. Os conservadores também

conseguem lidar bem com isso. Mas, para a esquerda, é uma catástrofe.

(JUDT, 2011, p. 135)

A social-democracia, de uma forma ou de outra, é o discurso prosaico da

política europeia contemporânea. Poucos políticos europeus, e menos ainda

em posições influentes, divergem dos pressupostos básicos dos sociais-

democratas a respeito dos deveres do Estado, por mais que discordem em

termos de abrangência. Consequentemente, os sociais-democratas da Europa

hoje não têm nada de especial a oferecer: na França, por exemplo, até a sua

disposição de favorecer a propriedade estatal mal os distingue dos instintos

colbertianos da direita gaullista. O problema hoje não está nas crenças

políticas sociais-democratas, e sim em sua linguagem gasta. Desde o colapso

da esquerda autoritária, a ênfase na “democracia” tornou-se profundamente

redundante. Hoje somos todos democratas. (JUDT, 2011, p. 136)

Page 9: O Mal Ronda a Terra - Tony Judt - Resumo

Na passagem acima, Judt deixa claro, de certo modo, o quanto a esquerda está

sendo vítima de seu “sucesso passado”. As suas conquistas já foram incorporadas no

discurso inclusive por partidos de direita e muitas vezes não são valorizadas pelos

eleitores. Além disso, é notável a dificuldade da social-democracia em propor políticas

públicas, consoantes com seus ideais, adaptados à nova realidade do século XXI.

Infelizmente, o pragmatismo nem sempre é a melhor política. A grande

conquista da social-democracia de meados do século XX – sua disposição

para negociar até suas crenças centrais em nome do equilíbrio, tolerância,

justiça e liberdade – hoje mais parece uma fraqueza: falta de coragem perante

à nova situação. (JUDT, 2011, p.142)

Na conclusão do quarto capítulo, Judt lança um apelo em prol de um novo

pensamento a respeito de que rumos a sociedade, como conjunto, deve seguir. O autor

argumenta que as situações não são condições inexoráveis às quais os homens não

possuem nenhum poder. A economia não seria determinante por si só. A sociedade seria

resultado em grande parte dos atos e ações humanas, ainda que em circunstâncias que

lhes escapam em totalidade ao controle.

Em consonância com o acima exposto, Judt começa o quinto capítulo de sua

obra defendendo a importância fundamental da existência de divergência de opiniões

em uma democracia. Argumenta que o conformismo, que cada vez mais se espalha pela

população, é nocivo e deixa a tarefa da discussão dos rumos os quais a políticas

públicas devem seguir acabam sendo cada vez mais pensados por grupos específicos e

não pela coletividade. E, como qualquer aluno de economia sabe, muitos grupos de

influência em variadas oportunidades acabam não decidindo em razão do bem-comum,

mas de seus interesses específicos.

Nas décadas mais recentes a dissidência passou a ser intimamente associada

aos intelectuais: uma classe de pessoas inicialmente identificada com os

protestos do final do século XIX contra o abuso de poder do Estado, e que em

nossa época ganhou fama por falar e escrever contra a opinião pública

majoritária. Uma pena que os intelectuais contemporâneos demonstrem um

interesse reduzido na essência das políticas públicas, preferindo intervir ou

protestar sobre tópicos eticamente definidos, nos quais as escolhas parecem

mais claras. Isso deixou o debate sobre como devemos nos governar aos

especialistas políticos e aos “think-tanks”, onde a opinião não convencional

raramente encontra abrigo e onde o público costuma ser excluído. (JUDT,

2011, p. 149)

No decorrer do texto, Judt exalta a falta de opinião formada da maioria da

população a respeito de diversos temas, notadamente os econômicos. Afirma que isto é

facilitado pela crescente linguagem técnica utilizada pelos agentes que se ocupam do

assunto. Judt também afirma que o cada vez maior desinteresse dos jovens pela política,

preferindo se concentrar em assuntos específicos, conduz a uma deterioração na

qualidade dos políticos, que acaba por diminuir a qualidade das representações

democráticas. Como proposta de política, o autor adverte que a desigualdade deve ser

eminentemente combatida, colocando-se em uma definição de esquerda de acordo com

Page 10: O Mal Ronda a Terra - Tony Judt - Resumo

Norberto Bobbio – para este, a direita se caracteriza pela defesa da desigualdade

enquanto a esquerda é caracterizada pela ideia de igualdade.

De todos os objetivos conflitantes e somente parcialmente reconciliáveis que

podemos buscar, a redução da desigualdade deve vir em primeiro lugar. Em

condições de desigualdade endêmica, todas as outras metas tornam-se mais

difíceis de atingir. Seja em Nova Déli, seja em Detroit, os pobres e os

permanentemente prejudicados não podem contar com a justiça. Não têm

tratamento médico garantido e suas vidas portanto são reduzidas em duração

e potencial. Eles não conseguem boa instrução, e sem isso perdem a

esperança de um emprego minimamente seguro – e de participarem da

cultura e da civilização de sua sociedade.

Nesse sentido, acesso desigual a recursos de qualquer tipo – dos direitos

humanos à agua – é o ponto de qualquer crítica progressista verdadeira do

mundo. (JUDT, 2011, p. 170).

No sexto e último capítulo, Judt trata de questões contemporâneas como a

globalização, o controle estatal de monopólios naturais e as políticas de medo

implantadas após os ataques terroristas de 2001. Ele se contrapõe a visão de muitos

autores, como por exemplo Vito Tanzi, de que a globalização diminuiria a importância

dos Estados nacionais. Argumenta que à medida que cresce a insegurança econômica,

física dos indivíduos e em relação aos agentes externos ou às grandes corporações

internacionais, estes se voltarão ao Estados nacionais a fim de buscar proteção. Em

suma, para Judt, mesmo que a economia se internacionalize, a política permanece

nacional. Este pensamento decorre da necessidade de proximidade para que exista a

confiança necessária ao ato político.

Quanto à ilusão de que a globalização enfraqueceria os governos, facilitando

a ascensão de Estados corporativos dominados pelo mercado, nas quais as

grandes corporações multinacionais dominariam a formulação das políticas

econômicas internacionais: a crise de 2008 revelou que isso não passa de uma

miragem. Quando os bancos vão à falência o desemprego aumenta

brutalmente, quando é necessário adotar ações corretivas em larga escala, não

existe “Estado do mercado corporativo”. Só o Estado que conhecemos desde

o século XVIII. Ele é tudo que temos. (JUDT, 2011, p. 178)

Contudo, assim como as instituições intermediárias da sociedade – partidos

políticos, sindicatos, constituições e leis – restringiam o poder dos reis e

tiranos, hoje o Estado pode ser a principal “instituição intermediária”,

ocupando uma situação entre os cidadãos inseguros e impotentes e as

corporações internacionais indiferentes e inconsequentes. O Estado – pelo

menos o Estado democrático – retém uma legitimidade única aos olhos dos

cidadãos. Só ele presta contas aos cidadãos. (JUDT, 2011, p.179-180)

Diante de tal cenário, o autor afirma a necessidade de repensar o Estado a fim de

capacitá-lo as novas funções que terá de desempenhar. O historiador afirma que

liberdade econômica e um Estado intervencionista não são mutuamente excludentes,

sendo possível de serem conciliados. Mas, diante do cenário de incerteza, o autor faz

um alerta:

Page 11: O Mal Ronda a Terra - Tony Judt - Resumo

Os norte-americanos e europeus ocidentais gostam de pensar que existe uma

relação necessária entre democracia, direitos, liberalismo e progresso

econômico. Mas, para a maioria das pessoas, na maior parte do tempo, a

legitimidade e a credibilidade de um sistema político residem não nas

práticas liberais e formas democráticas, e sim na ordem e na previsibilidade.

Um regime autoritário estável é mais desejável à maioria dos cidadãos do que

um governo democrático precário. Até mesmo a justiça conta menos do que a

competência administrativa e a ordem nas ruas. Se for possível ter

democracia, melhor. Conforme as ameaças globais se acumularem, a atração

pela ordem só crescerá. (JUDT, 2011, p. 199)

Como homem de esquerda, Judt afirma que se esta não oferecer um discurso e

uma prática coerentes com as necessidades de instituições públicas neste contexto de

incerteza, outras instituições como religiões ou outros grupos de interesse o farão.

Ainda, Judt faz uma interessante afirmação quanto ao radicalismo político: “A esquerda

precisa preservar alguns aspectos. E por que não? Em certo sentido o radicalismo

sempre teve a ver com a manutenção de um passado valioso” (p. 200). Quanto aos

papeis desempenhados por esquerda e direita no cenário que se desenha, Judt afirma:

Não costumamos associar a esquerda à cautela. No imaginário político da

cultura ocidental, “esquerda” significa algo radical, destrutivo e inovador. A

bem da verdade, porém, existe uma ligação próxima entre instituições

progressistas e o espírito de prudência. A sensação de perda muitas vezes

motivou a esquerda democrática: às vezes pelo passado idealizado, às vezes

por interesses morais rudemente atropelados por vantagens privadas. Já os

liberais da doutrina do mercado, nos últimos dois séculos, adotaram o ponte

de vista irredutível de que a mudança econômica sempre vem para o bem.

A direita herdou a ambiciosa ânsia modernista para destruir e inovar, em

nome de um projeto universal. Desde a Guerra do Iraque, passando pelo

desejo irrefreável de desmantelar o sistema de educação e serviços de saúde

públicos, até o projeto de desregulamentação financeira que já dura décadas,

a direita política – de Thatcher e Reagan a Bush e Blair – abandonou a

associação do conservadorismo político com a moderação social que

funcionou muito bem de Disraeli a Heath, de Theodore Roosevelt e Nelson

Rockfeller. (JUDT, 2011, p. 202)

Judt conclui seu livro reafirmando a ideia central: a social-democracia pode não

representar um futuro ideal, mas, dentre todas as opções disponíveis, é a melhor. O

autor advoga a tese de que os políticos nacionais sociais-democratas devam saber pensar

além das fronteiras de seus países, sabendo postar-se diante dos novos desafios de um

mundo economicamente globalizado: “há algo de profundamente incoerente em

políticas radicais baseadas em aspirações de igualdade e justiça social que sejam surdas

a desafios éticos mais amplos e ideais humanitários” (JUDT, 2011, p. 210). Em suma,

Judt invoca as pessoas a serem menos egoístas, a refletirem e pensarem sobre o mundo

em que vivem e, com base nisso, passarem a uma ação que busque melhorar a realidade

social.

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