o louvre e seus públicos: da construção de uma relação à criação de um valor público

2
1 O Louvre e seus públicos: partindo da construção de uma relação para atingir-se a criação de valor público 1 Anne Krebs 2 O museu do Louvre representa uma das principais referências do turismo cultural e um símbolo da política cultural da França. Conhecido pelo seu importante número de visitantes, – quase 10 milhões em 2012 – pela riqueza de suas coleções e pela variedade de sua programação cultural, o Louvre irradia-se atualmente por novos territórios, graças a dois grandes programas arquiteturais e museográficos: o Louvre Lens, inaugurado em dezembro de 2012 no norte da França, e o Louvre Abou Dabi, cuja abertura ao público está prevista para o início de 2016. Os museus, tradicionalmente considerados como conservatórios de objetos raros e preciosos, tornaram-se instituições cujas funções foram ampliadas; centros de produção de bens e serviços cada vez mais variados, cobrindo desde o espaço das atividades culturais mais tradicionais até aquele da gestão de seus ativos imateriais. Sua contribuição ao desenvolvimento social, econômico e ambiental dos territórios faz com que sejam hoje considerados como atores de primeiro plano para a vitalidade e atratividade das cidades e regiões, para a melhora da qualidade de vida e o bem-estar dos indivíduos e dos grupos sociais. A amplificação e a variedade de suas funções conduzem às transformações que têm profundas consequências sobre sua organização, sobre as profissões que lhe estão ligadas e sua governança. Sem contar que os museus devem garantir sua sustentabilidade financeira para preencher suas novas atribuições. Por todas essas razões, eles são, de certa forma, compelidos à inovação, seja pela preservação de sua governança ou pela conservação das relações que mantêm com os públicos. Em matéria de educação – missão inscrita no cerne de seus estatutos – ou de atividades mais inovadoras, as instituições culturais podem ter um papel importante na qualidade de catalisadores do desenvolvimento social e econômico de suas regiões, oferecendo recursos, referências e experiências úteis ao conjunto das comunidades vivendo sobre seu território. Para favorecer a inclusão, a coesão social e a promoção da interculturalidade, é necessário assegurar-se que estes bens, materiais e imateriais, são distribuídos de forma eficaz e 1 Esse texto foi parte da apresentação de Anne Krebs, durante a mesa “O Louvre e seus públicos: da construção de uma relação à criação de um valor público.” no Encontro Internacional Públicos da Cultura, realizado em novembro de 2013. O texto foi traduzido por O texto foi traduzido por Sylvie Cazzamini Giraud. 2 Lidera o Departamento de Estudos e Pesquisas do Museu Louvre (Paris), que desenvolve pesquisas nas áreas da sociologia, estatística, economia e marketing, em parceria com instituições de ensino e pesquisa da França.

Upload: centro-de-pesquisa-formacao

Post on 20-Feb-2016

220 views

Category:

Documents


7 download

DESCRIPTION

Por Anne Krebs. O texto fez parte da apresentação da chefe do Departamento de Estudos e Pesquisas do Museu Louvre (Paris), durante a mesa “O Louvre e seus públicos: da construção de uma relação à criação de um valor público.” no Encontro Internacional Públicos da Cultura, realizado em novembro de 2013.

TRANSCRIPT

Page 1: O Louvre e seus públicos: da construção de uma relação à criação de um valor público

1

O Louvre e seus públicos: partindo da construção de uma relação para atingir-se a criação de

valor público1

Anne Krebs 2

O museu do Louvre representa uma das principais referências do turismo cultural e um

símbolo da política cultural da França. Conhecido pelo seu importante número de visitantes, –

quase 10 milhões em 2012 – pela riqueza de suas coleções e pela variedade de sua

programação cultural, o Louvre irradia-se atualmente por novos territórios, graças a dois

grandes programas arquiteturais e museográficos: o Louvre Lens, inaugurado em dezembro de

2012 no norte da França, e o Louvre Abou Dabi, cuja abertura ao público está prevista para o

início de 2016.

Os museus, tradicionalmente considerados como conservatórios de objetos raros e preciosos,

tornaram-se instituições cujas funções foram ampliadas; centros de produção de bens e

serviços cada vez mais variados, cobrindo desde o espaço das atividades culturais mais

tradicionais até aquele da gestão de seus ativos imateriais. Sua contribuição ao

desenvolvimento social, econômico e ambiental dos territórios faz com que sejam hoje

considerados como atores de primeiro plano para a vitalidade e atratividade das cidades e

regiões, para a melhora da qualidade de vida e o bem-estar dos indivíduos e dos grupos

sociais. A amplificação e a variedade de suas funções conduzem às transformações que têm

profundas consequências sobre sua organização, sobre as profissões que lhe estão ligadas e

sua governança. Sem contar que os museus devem garantir sua sustentabilidade financeira

para preencher suas novas atribuições. Por todas essas razões, eles são, de certa forma,

compelidos à inovação, seja pela preservação de sua governança ou pela conservação das

relações que mantêm com os públicos.

Em matéria de educação – missão inscrita no cerne de seus estatutos – ou de atividades mais

inovadoras, as instituições culturais podem ter um papel importante na qualidade de

catalisadores do desenvolvimento social e econômico de suas regiões, oferecendo recursos,

referências e experiências úteis ao conjunto das comunidades vivendo sobre seu território.

Para favorecer a inclusão, a coesão social e a promoção da interculturalidade, é necessário

assegurar-se que estes bens, materiais e imateriais, são distribuídos de forma eficaz e

1 Esse texto foi parte da apresentação de Anne Krebs, durante a mesa “O Louvre e seus públicos: da

construção de uma relação à criação de um valor público.” no Encontro Internacional Públicos da

Cultura, realizado em novembro de 2013. O texto foi traduzido por O texto foi traduzido por Sylvie

Cazzamini Giraud. 2 Lidera o Departamento de Estudos e Pesquisas do Museu Louvre (Paris), que desenvolve pesquisas nas

áreas da sociologia, estatística, economia e marketing, em parceria com instituições de ensino e

pesquisa da França.

Page 2: O Louvre e seus públicos: da construção de uma relação à criação de um valor público

2

equitativa aos indivíduos e grupos sociais. Para tanto é necessário que haja um conhecimento

aprofundado, graças aos estudos e pesquisas, das representações, dos valores e das práticas

dos grupos sociais em questão. Seguindo a mesma lógica, a avaliação dos efeitos das políticas

públicas conduzidas junto às diferentes comunidades é hoje indispensável, que se trate dos

usuários ou dos não usuários.

Contudo, estudos sociológicos conduzidos em diferentes países continuam a mostrar que

persistem fortes desigualdades em termos de acesso aos bens culturais e das práticas culturais

e de lazer. Mais especificamente, os discursos contemporâneos afirmando que os meios

digitais culturais (Web, ferramentas portáteis para a visita, aplicações a serem baixadas...)

permitem ampliar “naturalmente” os públicos culturais, parecem basear-se em uma crença em

grande parte infundada: importantes desigualdades são observadas – e parecem tender a

aumentar – em matéria de capital e de usos tecnológicos.

Esta intervenção se empenhará em mostrar as relações existentes entre a compreensão

sociológica e o desenvolvimento cultural, sob a perspectiva da construção de relações entre

instituições culturais e coletividades e da contribuição dos museus à criação do valor público.

Como são concebidos e desenvolvidos os estudos do Louvre? Quais são os tipos de resultado

que produzem e a que fins? Partindo de uma análise histórica e ao mesmo tempo sociológica

da relação entre o Louvre e seus visitantes e dos desafios que se colocam às instituições

culturais, serão examinadas e debatidas várias questões. Para citarmos algumas delas; os

fatores determinantes das grandes evoluções na frequência do Louvre; a relação entre um

museu de grande frequentação internacional e seu público nacional; a questão dos públicos

jovens, ou ainda, aquela dos públicos muito distanciados do Louvre, caso de pessoas detidas,

sem acesso possível aos recursos culturais, de pessoas distanciadas das práticas culturais

“legítimas” (Louvre-lens) ou de pessoas muito distanciadas do modelo ocidental dos museus

(Louvre Abou Dabi).