o livro português: linguagens (vol. 1) ensino médio e...
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Revista Alpha, Patos de Minas, 17(1):85-96, jan./jun. 2016. ISSN: 2448-1548 © Centro Universitário de Patos de Minas
O livro Português: Linguagens (vol. 1) –
Ensino Médio e algumas contradições
Marina Grilli Graduada em Letras com habilitação em Português e Alemão pela Universidade de São Paulo
(FFLCH/USP). e-mail: [email protected]
Introdução
O presente artigo tem por objetivo apresentar uma análise de uma sequência da última
edição do livro didático Português: Linguagens, concebido para o primeiro ano do Ensi-
no Médio. A obra, sob assinatura da consagrada parceria entre William Roberto Cereja
e Thereza Cochar Magalhães, foi lançada no ano de 2010 – tendo sido, portanto, apro-
vada pelo PNLD 2012.
Neste trabalho, o foco se dá sobre o Capítulo 5 da Unidade 1, intitulado Figuras de
linguagem, um dos capítulos classificados como Língua: uso e reflexão. A escolha desse
capítulo se deve ao fato de que o potencial das figuras de linguagem como recurso de
enriquecimento da expressão verbal é pouco explorado em materiais didáticos.
Nossa prioridade na definição de uma perspectiva sob a qual analisar o capítulo
é a mesma da qual deveriam, a nosso ver, ocupar-se os próprios autores de livros didá-
ticos: o aluno. Por mais que o embasamento teórico do material seja de primeira impor-
tância e que o professor deva ser bem orientado para um melhor aproveitamento do
mesmo em sala de aula, o destinatário final de um livro didático é sempre o próprio
aluno, de modo que é sobre ele que se devem recair as preocupações durante a elabo-
ração do material. Algumas questões que, a nosso ver, todos os autores de livros didá-
ticos deveriam ter em mente, são: a capa do livro se relaciona com o universo do aluno?
A carta ao aluno realmente desperta o interesse do jovem aprendiz?
A necessidade de questionamento alcança uma nova profundidade, se pensarmos
que a função do material didático é também despertar o interesse do aprendiz pelo
próprio processo de aprendizagem. Essas palavras podem soar um tanto quanto banais
e, no entanto, devemo-nos perguntar incansavelmente: o apelo visual da obra de modo
geral é atraente aos olhos do aluno? A linguagem dos textos está de acordo com o que o
jovem espera? Há sugestões de atividades em grupo ou todo o trabalho deve ser feito
pelo aluno concentrado e silencioso? Os exercícios a serem sugeridos como lição de
casa exigem algum grau de reflexão ou mera reprodução?
Por fim, existem algumas questões globais dentro do livro didático que, se
olharmos para cada unidade ou capítulo separadamente, correm o risco de ser deixa-
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das de lado: há coerência entre as imagens da capa do livro e o conteúdo nele aborda-
do, ou, mais especificamente, entre as imagens de um capítulo? As referências biblio-
gráficas são indicadas de maneira completa e facilmente identificáveis? O conteúdo
visto em unidades anteriores do mesmo livro é utilizado posteriormente? Existe cone-
xão entre os diversos volumes de uma mesma coleção?
Talvez seja radical afirmar que todas essas questões devem ser respondidas com
um sim antes do envio da obra para publicação, mas ao menos a maior parte delas deve
ter sido insistentemente pensada pelo(s) autor(es). Nas páginas a seguir, procuraremos
analisar o quinto capítulo de Português: Linguagens para o primeiro ano do Ensino Mé-
dio, a fim de responder a algumas delas. Para tanto, seguiremos o roteiro discriminado
a seguir.
Na primeira seção do artigo procuraremos situar a importância de nossa análise,
não só frente a alguns dos mais importantes pressupostos teóricos para o ensino de
língua materna, mas também de acordo com as mais recentes diretrizes curriculares do
ensino de língua portuguesa no Brasil. Estando o âmbito do ensino de Língua Portu-
guesa no Brasil devidamente problematizado, procuraremos observar em que a se-
quência didática escolhida contribui para uma mudança de paradigma no sentido
apontado pelos documentos citados, a partir de uma perspectiva bakhtiniana de ensino
de língua materna. Daremos especial enfoque à análise publicada no Guia do Livro Di-
dático 2012 para Português: Linguagens, apresentando os pontos positivos e negativos da
obra e exemplificando-os com trechos selecionados do capítulo.
1. Pressupostos teóricos e metodológicos
Podemos justificar nosso interesse na observação de uma sequência didática de
um livro de português elaborado para o Ensino Médio através da definição de Bunzen
(2008, p. 5): “os livros didáticos de português são peças fundamentais para um conjun-
to de práticas escolares que envolvem tanto o trabalho docente como relações mais
amplas com a cultura escrita”. Ou seja, o livro didático é parte integrante da sociedade,
na medida em que assume seu papel de mediador entre o aluno e essa mesma socieda-
de, levando-o a, por sua vez, colocar-se como sujeito inserido na cultura escrita.
Esta análise segue a linha de pensamento bakhtiniana a respeito do ensino de
gramática. Bakhtin afirma que “as formas gramaticais não podem ser estudadas sem
que se leve sempre em conta seu significado estilístico” (2013, p. 23); isto significa que
um capítulo de livro didático dedicado às figuras de linguagem deve direcionar suas
explicações, exemplos e exercícios no sentido de um incentivo ao uso das mesmas co-
mo recurso enriquecedor do discurso individual do aluno, saindo da sala de aula em
direção à sociedade.
Bunzen (2008) propõe “discutir os posicionamentos autoral e estilístico para o en-
sino de determinados objetos de ensino”; Corrêa (2010, p. 626) aponta que “o tratamen-
to teórico-metodológico do objeto de pesquisa não se transfere como tal para a ativida-
de de ensinar”. Em outras palavras, a aula de gramática do português para o Ensino
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Médio não deve ter a ver com o modo como se aborda a gramática em obras teóricas,
nas quais a gramática em si é a finalidade do trabalho; na sala de aula, trata-se de outro
contexto, em que outra linguagem se faz necessária, simplesmente porque o objetivo
que se pretende atingir é muito diverso daquele do autor de um compêndio de gramá-
tica da Língua Portuguesa.
As pesquisas de Bakhtin abrangem o estudo dos gêneros do discurso e procuram
demonstrar o quão próxima é a relação entre os gêneros e a estilística. Para o autor, “os
estudos dos gêneros do discurso contribuem para a compreensão do funcionamento
dos elementos da língua na produção dos sentidos” (RODRIGUES, 2012, p. 103). Isto sig-
nifica precisamente que a língua materna não pode ser estudada à distância, como se
fosse uma língua estrangeira ou uma língua morta, como se não estivesse sendo pro-
duzida e reinventada pelos próprios alunos a todo momento. Uma abordagem de lín-
gua materna que separe as aulas em literatura e “gramática pura”, nas palavras de
Bakhtin, dissociando o estudo do estilo literário – que já costuma ser superficial – do
estudo das regras gramaticais, reprime o aspecto vivo da língua e não fornece meios
para que o aluno desenvolva suas habilidades de escrita a partir dos conteúdos apren-
didos nas aulas de gramática.
O problema do ensino de conteúdos inflexíveis é que “os alunos [são] orientados
a seguir certos percursos verbais sem que dominem, ainda, inteiramente, o presumido
(do gênero) a que esses recursos estão associados” (CORRÊA, 2010, p. 642). Isto significa
que, por vezes, o ensino dessas noções se dá de forma estanque e meramente classifica-
tória, de modo que o aluno não chegue a dominá-las a ponto de utilizá-las conforta-
velmente em seus textos escritos, servindo esses conteúdos apenas como algo a ser
memorizado e cobrado na avaliação. É possível estabelecer uma relação bastante clara
entre essas palavras sobre o não domínio dos gêneros do discurso por parte do aluno e
o não domínio das figuras de linguagem, nosso tópico de análise: raros são os livros
didáticos que estimulam o aluno a produzir um texto, usando as figuras de linguagem,
que consista em mais de duas linhas em resposta a uma pergunta, isolada em meio à
seção de exercícios, a serem avaliadas pelo professor como resposta certa ou errada.
Tendo em mente a linha de pensamento teórico que deverá orientar este traba-
lho, devemos voltar o olhar para dois documentos que se ocupam do ensino do portu-
guês como disciplina escolar: os Parâmetros Curriculares Nacionais para Língua Por-
tuguesa e as Orientações Curriculares, neste caso, para o Ensino Médio.
O volume dos PCNs dedicado à Língua Portuguesa define linguagem “como ati-
vidade discursiva e cognitiva” e língua “como sistema simbólico utilizado por uma
comunidade linguística” (BRASIL, 1998, p. 19). As Orientações Curriculares propõem
três eixos de discussão acerca do ensino de português, a saber:
(i) a identidade da disciplina Língua Portuguesa tanto no que se refere aos estudos aca-
dêmico-científicos desenvolvidos no âmbito da universidade quanto no que diz respeito
a seu papel ante as demais disciplinas do ensino médio; (ii) os princípios fundamentais
que sustentam a concepção de língua e de linguagem e de seu ensino e aprendizagem
defendida neste documento; (iii) os parâmetros orientadores da ação pedagógica, os
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quais, naturalmente, decorrem do ponto de vista adotado (BRASIL, 2006, p. 18).
Portanto, deve-se pensar como a concepção de Língua Portuguesa do material
didático e do professor transparecem na sala de aula. De acordo com os PCNs, as ativi-
dades desenvolvidas nas aulas de português devem orientar-se “por meio da análise e
reflexão sobre os múltiplos aspectos envolvidos, a expansão e a construção de instru-
mentos que permitam ao aluno, progressivamente, ampliar sua competência discursi-
va” (BRASIL, 1998, p. 27). Contudo, trazem também a informação de que algumas das
críticas feitas ao ensino da língua a partir do início dos anos 1980 incluíam “a excessiva
escolarização das atividades de leitura e de produção de texto” e “o ensino descontex-
tualizado da metalinguagem, normalmente associado a exercícios mecânicos de identi-
ficação de fragmentos linguísticos em frases soltas” (BRASIL, 1998, p. 18). Estes tópicos
permanecem até hoje como pontos centrais da crítica ao ensino de português nas esco-
las, tendo-se passado mais de quinze anos desde a publicação dos Parâmetros.
Diante de todas essas informações sobre o que deve ser a aula de português e o
que se espera que os alunos atinjam em termos de competências, passemos à parte prá-
tica de nosso trabalho.
2. Avaliação do material
A primeira coisa com que nos deparamos é a capa do livro, que contém três figu-
ras: um gato preto, uma mulher vestindo trajes de outra época e um moderno smar-
tphone. É difícil dizer o que pode ter levado à escolha dessas imagens, que não guar-
dam relação semântica entre si, nem representam algum aspecto fundamental da cul-
tura brasileira ou da língua portuguesa. A impressão causada no aluno é de total incoe-
rência.
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Após a folha de rosto, encontra-se a Carta ao Aluno, composta por oito parágra-
fos, o que pode parecer longo demais aos olhos do jovem impaciente. O segundo deles
diz: “A invenção e a popularização do cinema, do rádio e da tevê nos conduziram à era
da informação, [...] propiciada pela rede internacional de computadores, a internet”
(CEREJA; MAGALHÃES, 2010b). Essa informação parece extremamente antiquada, pois o
aluno do Ensino Médio é quem melhor conhece o potencial da internet, e o livro didá-
tico demonstra manter-se à parte do universo do aluno.
O índice do livro mostra que ele se divide em quatro unidades, de sete, nove, on-
ze e nove capítulos, respectivamente. Os capítulos de cada unidade são distribuídos
entre Literatura, Produção de Texto, Língua: uso e reflexão e Interpretação de textos.
Os autores apresentam uma proposta diferente no que diz respeito ao ensino da
língua. De acordo com o Manual do Professor,
Com um enfoque diferente da gramática tradicional, que se volta quase exclusivamente à
classificação gramatical (morfológica e sintática), esta obra não propõe eliminar esse tipo
de conteúdo, mas redimensioná-lo no curso de Língua Portuguesa e incluir uma série de
outras atividades com a língua (CEREJA; MAGALHÃES, 2010a, p. 19).
O Manual ainda afirma que a língua, na obra em questão, não é tomada como um
sistema fechado, mas como um processo dinâmico de interação, sendo que o trabalho lin-
guístico não se limita ao nível da frase: “deve, no caso, ser também considerado o do-
mínio do texto e, mais que isso, o do discurso, ou seja, o contexto em que se dá a pro-
dução do enunciado linguístico” (ibid).
A partir dessas considerações, depreende-se que a obra didática Português: Lin-
guagens apresenta uma proposta muito bem intencionada quanto ao ensino da gramá-
tica no Ensino Médio, tendo em vista desenvolver não apenas as habilidades cognitivas
do aluno, mas também levá-lo a operar a língua como um todo e utilizá-la de forma
consciente.
Entretanto, mesmo tendo sido desenvolvido a partir de tais propostas, é possível
notar que o livro didático apresenta certas contradições. No que diz respeito ao capítu-
lo 5, intitulado Língua: uso e reflexão, constata-se que muitas das propostas apresentadas
não são efetivamente exibidas na obra. O capítulo trata as figuras de linguagem como
tópico gramatical.
Quanto à estrutura, o capítulo apresenta diversas seções. A primeira é intitulada
Construindo o conceito. Segundo o Manual do Professor, nessa seção “o aluno é levado a
construir (se já não o fez no ensino fundamental) ou a inferir o conceito em questão,
revendo-o agora de outro ângulo” (CEREJA; MAGALHÃES, 2010a, p. 26). Além disso, o
Manual ainda afirma que “o capítulo é sempre introduzido por um texto – verbal, não
verbal ou transverbal –, que é o elemento motivador para o início do trabalho” (ibid).
Entretanto, ao analisarmos a seção, notamos que a presença de um poema ilustrado
tipicamente pertencente ao universo infantil não desempenha adequadamente a função
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de elemento motivador para o jovem do Ensino Médio. Ademais, as perguntas e res-
postas propostas são um tanto incoerentes e abstratas para que o aluno adquira com-
preensão do conteúdo a ser trabalhado ao longo do capítulo.
Na segunda seção, Conceituando, “[...] o conceito construído é formulado e, poste-
riormente, ampliado com exemplos, explicações complementares, observações etc”
(ibid). A seção conta com duas páginas só de explicações e definições acerca de três
figuras de linguagem – comparação, metáfora e metonímia –, ilustradas por meio de
poemas e imagens, além de frases fora de contexto e um box ilustrado. Essa seção des-
privilegia o uso do texto e do discurso, o que deveria ser primordial para se trabalhar
com um aluno do Ensino Médio no que diz respeito aos gêneros do discurso, além de
conter explicações em demasia antes de propor exercícios ao aluno, fazendo com que o
trabalho fique fragmentado, pois dificilmente seria possível aprofundar-se tanto o con-
teúdo em apenas uma aula de Língua Portuguesa no Ensino Médio.
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A seção Exercícios tem o objetivo de levar o aluno a operar os conceitos trabalha-
dos nas seções anteriores e fazer com que ele os utilize de forma consciente em seu dis-
curso. Essa seção inclui seis questões, algumas das quais apresentam tirinhas, e há
também outro box ilustrado, o que nos leva a pensar na diversidade de gêneros, uma
vez que as duas primeiras seções restringem-se apenas a textos da esfera literária. En-
tretanto, nessa mesma seção, há também a presença de um exercício que trabalha com
fragmentos literários fora do contexto tratados pelo enunciado como sendo “textos”.
Isso nos mostra que dificilmente o que o Manual do Professor propõe condiz com a rea-
lidade do conteúdo trabalhado: limitar o trabalho linguístico ao nível da frase, descon-
siderando o contexto em que se dá a produção do enunciado linguístico, inibe o aluno
de operar efetivamente os conceitos e utilizá-los de maneira consciente.
Seguem-se, então, mais explicações ilustradas por meio de versos, poemas e ima-
gens. Diferentemente da primeira seção de formulação do conceito que trabalha apenas
com três figuras de linguagem em duas páginas, essa seção condensa seis figuras de
linguagem em duas páginas – antítese, paradoxo, personificação ou proposopeia, hi-
pérbole, eufemismo e ironia. Há então mais uma seção de Exercícios, incluindo apenas
duas questões para que as seis figuras de linguagem sejam trabalhadas: a primeira tem
como base uma tirinha e a segunda apresenta alguns versos e frases soltas novamente.
Se a intenção do capítulo é trabalhar o uso, além de propor a reflexão linguística, difi-
cilmente os objetivos serão alcançados através de exercícios como os que são exibidos
ao longo do capítulo.
A próxima seção é intitulada As figuras de linguagem na construção do texto, sendo
composta de duas imagens e cinco exercícios. “Nessa seção, é aprofundado o estudo
das relações entre a categoria gramatical estudada e o texto, isto é, busca compreender
em que medida o emprego de tal categoria é responsável pela construção do sentido do
texto” (ibid, p. 27). Aqui, notamos que a intenção de propor a reflexão linguística ao
aluno começa a se efetivar de fato, devido aos exercícios mais bem estruturados e me-
nos enfatizados em nomenclaturas ou classificações. Segue exemplo:
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Por último, temos a seção Semântica e discurso, constituída de duas tirinhas e qua-
tro questões. A proposta aqui é trabalhar o tópico gramatical dentro do discurso, ou
seja, considerá-lo no contexto em que se dá a produção do enunciado linguístico. “Os
conteúdos gramaticais trabalhados no capítulo são retomados e ampliados, sendo vis-
tos agora pela perspectiva do discurso, isto é, das circunstâncias em que se deu a pro-
dução dos enunciados e dos textos” (ibid). Os exercícios propostos nessa seção visam
desenvolver a competência linguística do aluno por meio de atividades que levam à
reflexão, para que ele saiba utilizar os recursos e mecanismos da língua com maior
consciência e domínio.
A partir da análise da estrutura do capítulo, foi possível notar que os exercícios e
as explicações são apresentados de forma intercalada. Entretanto, em alguns casos, o
intervalo entre ambos é muito longo: há muitas explicações para então serem propos-
tos exercícios ou, como no final do capítulo, há três páginas seguidas apenas de exercí-
cios. Esse tipo de estrutura não beneficia o aluno, devido à grande quantidade de ex-
plicações em meio à ausência de exercícios, e vice-versa, o que torna o aprendizado
maçante.
E no que diz respeito à resolução dos exercícios propostos, o Manual do Professor
sugere que os mesmos sejam realizados individualmente, em duplas ou em pequenos
grupos: “Convém variar bastante as estratégias [...]. A troca de vivências linguísticas
amplia o conhecimento do aluno sobre a língua e lhe abre oportunidades para conviver
com o diferente” (ibid, p. 29).
Segundo o Guia de Livros Didáticos PNLD 2012, até o momento a edição mais recen-
te entre as que tratam dos livros didáticos para o Ensino Médio, a coleção Português:
Linguagens para o Ensino Médio “destaca-se pela articulação entre os eixos de ensino,
promovida por atividades que, ancoradas em textos diversificados, envolvem o aluno
em práticas sociais de linguagem” (BRASIL, 2011, p. 52). Isto significa que existe nesta
coleção uma coerência entre as unidades e as respectivas sequências didáticas, o que
nem sempre acontece em materiais lançados para o Ensino Fundamental e o Ensino
Médio. Ainda de acordo com o Guia, “as atividades em torno dos conhecimentos lin-
guísticos, em certa medida, promovem a reflexão sobre a natureza e o funcionamento
interativo da língua” (BRASIL, 2011, p. 52).
Com relação ao trabalho com o texto, o Guia afirma que o livro didático Portu-
guês: Linguagens realiza uma abordagem diversificada quanto aos gêneros textuais ao
trabalhar com textos de diferentes esferas de circulação, na medida em que “a coletâ-
nea de textos é representativa da diversidade da cultura brasileira e é de interesse do
jovem, oferecendo-lhe, assim, experiências significativas de leitura” (BRASIL, 2011, p.
54).
No entanto, no que diz respeito ao capítulo em análise, é possível notar que a
predominância se dá no gênero literário: a maioria dos exemplos apresentados durante
as explicações ou mesmo nos exercícios são poemas ou versos soltos. A presença de
gêneros próprios da cultura juvenil, como a charge e as tirinhas, além de imagens e
alguns boxes ilustrados ocorre em menor número.
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O Guia avalia o livro didático como sendo diversificado quanto aos gêneros tex-
tuais por apresentar uma proposta de ensino que inclui textos de diferentes esferas,
como a jornalística, a acadêmica, a literária, a publicitária, entre outras; porém, no capí-
tulo 5, nota-se a ausência de textos como reportagens, artigos de opinião etc. Esse capí-
tulo limita-se quase que exclusivamente ao gênero literário, deixando de estimular o
aluno a compreender temas e questões atuais. Ainda assim, de acordo com o Guia de
Livros Didáticos PNLD 2012, um dos pontos fortes desse livro didático é “a exploração
pertinente de textos de diferentes linguagens” (BRASIL, 2011, p. 53). Tal incoerência apa-
rente deve estar relacionada à grande incidência de figuras de linguagem em textos
literários, embora não se restrinja a esse gênero.
Com relação ao conceito de língua, retomando o que foi apresentado pelo Manual
do Professor, “a língua, nesta obra, é tomada não como um sistema fechado e imutável
de unidades e leis combinatórias, mas como processo dinâmico de interação, isto é, como
um meio de realizar ações, de agir e atuar sobre o outro” (CEREJA; MAGALHÃES, 2010a,
p. 19).
É possível notar que o conceito apresentado pelo Manual está relacionado com a
teoria bakhtiniana. Nas referências bibliográficas, a obra de Bakhtin também é mencio-
nada. Entretanto, na prática a realidade é outra: o que o Manual propõe não é efetiva-
mente apresentado no livro didático no que diz respeito ao capítulo 5. As explicações
apresentam fragmentos literários fora de contexto, desprivilegiando o texto e o discur-
so. Enquanto isso, alguns dos exercícios propostos para o ensino gramatical das figuras
de linguagem apoiam-se na análise de frases isoladas, dando ênfase a nomenclaturas e
a uma abordagem classificatória.
Um dos pontos negativos apontados pelo Guia a respeito da série Português: Lin-
guagens é que o ensino gramatical se dá “a partir de frases isoladas, com ênfase em no-
menclaturas e classificações” (ibid, p. 56). É possível perceber o quanto esta afirmação é
correta ao observarmos que, das oito figuras de linguagem tratadas no capítulo, so-
mente duas ocupam mais de metade de uma página, entre definição, explicações e
exemplos. Assim que a seção Conceituando tem início, o conceito de figuras de lingua-
gem é definido e passa-se à comparação e à metáfora, apresentadas num mesmo tópico, e,
em seguida, à metonímia. Após alguns exercícios, aparecem antítese, paradoxo, personifi-
cação ou prosopopeia, hipérbole, eufemismo e ironia – todas condensadas em apenas duas
páginas. É como se apresentar o conceito de figuras de linguagem ao aluno e detalhar
duas delas já fossem suficientes para que ele adquirisse tal compreensão do fenômeno,
e como se as demais figuras pudessem esclarecer-se automaticamente, não parecendo
vagas ou confusas entre si, na visão do aluno de aproximadamente quinze anos de
idade. A reflexão linguística é efetivamente proposta em alguns exercícios e explica-
ções, contudo, o uso é frequentemente trabalhado de modo descontextualizado e me-
cânico, o que não é muito favorável ao aluno.
Os PCNs definem texto como “uma sequência verbal constituída por um conjunto
de relações que se estabelecem a partir da coesão e da coerência” (BRASIL, 1998, p. 21).
Bunzen complementa ainda: “essa intercalação de textos em gêneros diversos, produ-
zidos em diferentes e dispersas condições enunciativas, compõe uma rede textual mul-
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timodal que é uma característica essencial do gênero [livro didático de português]”
(BUNZEN, 2007, p. 84). Esta não é a concepção de texto que orienta o capítulo em ques-
tão. Exemplos superficiais permanecem no âmbito das “frases isoladas”, apontadas
pelo Guia como crítica ao material.
O Guia propõe:
(...) a escolarização do jovem deve organizar-se como um processo intercultural de for-
mação pessoal e de (re)construção de conhecimentos socialmente relevantes, tanto para
a participação cidadã na vida pública, quanto para a inserção no mundo do trabalho e
no prosseguimento dos estudos (BRASIL, 2011, p. 9).
A proposta é muito bem intencionada, porém não se efetiva no capítulo analisa-
do. A coletânea de textos compreende particularmente a esfera literária e o conteúdo é,
por vezes, apresentado de maneira descontextualizada. Com isso, os conhecimentos
linguísticos são abordados quase que exclusivamente por meio de poemas ou versos
soltos – textos e fragmentos que, geralmente, não estimulam o jovem a refletir ou ar-
gumentar, além de serem distantes da realidade e dos interesses do perfil do aluno do
Ensino Médio.
Conclusão
O livro didático Português: Linguagens, Volume 1 (Ensino Médio) não apresenta
propostas totalmente coerentes, uma vez que há contradições entre o que é proposto e
o que é apresentado no conteúdo da obra.
Segundo o Guia de Livros Didáticos PNLD 2012,
a coletânea de textos é representativa da diversidade da cultura brasileira e é de interes-
se do jovem, oferecendo-lhe, assim, experiências significativas de leitura. As atividades
colaboram para a formação de um leitor crítico, capaz de lidar com diferentes perspec-
tivas de leitura (BRASIL, 2011, p. 54).
Contudo, no capítulo analisado, foi possível notar que tal diversidade cultural é
praticamente inexistente. A predominância de textos pertence ao gênero literário, espe-
cificamente poemas e fragmentos literários, fator que não contribui muito para a apro-
ximação com o aluno. Outros gêneros mais próximos da realidade imediata e concreta
do aluno poderiam ter sido explorados, tais como o jornalístico e o publicitário, ou até
mesmo diferentes tipos de textos dentro do mesmo gênero: além de poemas, textos
como o conto e a fábula, poderiam ter sido incluídos.
O Guia sugere “levar-se em conta, no planejamento do ensino e nas práticas de
sala de aula do EM, as formas de expressão mais típicas e difundidas das culturas ju-
venis e das culturas populares e regionais com as quais o jovem convive” (BRASIL, 2011,
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p. 9). No entanto, a realidade prática observada durante esta pesquisa foi outra: o capí-
tulo analisado possui muitos textos fragmentados e exercícios que contemplam, exclu-
sivamente, nomenclaturas e classificações fora de contexto. Conclui-se que, nesse caso,
uma contextualização mais consistente nas explicações e nos exercícios poderia pro-
porcionar melhores resultados no processo de ensino-aprendizagem, além de colaborar
efetivamente para a formação de um leitor crítico no Ensino Médio.
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para os estudos da língua”, in: DI FANTI, Maria da Glória; BARBISAN, Leci Borges (org.).
Enunciação e discurso: tramas de sentidos. São Paulo: Contexto, 2012, pp. 103-116.
Artigo recebido em 22/10/2015; aprovado para publicação em 09/05/2016
RESUMO: Este artigo apresenta uma breve análise de um capítulo do primeiro volume da série
Português: Linguagens, do Ensino Médio. Discutimos o ensino de língua materna a partir de um
panorama teórico, seguindo a linha bakhtiniana, e confrontamos o que se afirma a respeito da
proposta do livro com o que de fato se vê no capítulo analisado. Foi constatado que há contra-
dições entre o que é proposto e o que se pratica ao longo do capítulo.
PALAVRAS-CHAVE: livro didático; Ensino Médio; ensino de língua portuguesa; ensino de língua
materna.
ABSTRACT: This article presents a short analysis of a chapter from the first volume of the series
Português: Linguagens, destined do High School students. Mother language teaching is discussed
from a theoretical perspective, following Bakhtinian premises, and what is asserted about the
book proposal is confronted with what is actually perceived in the analyzed chapter. It has been
observed that there are contradictions between what is proposed and what is in fact practiced
along the chapter.
KEYWORDS: textbook; High School; Portuguese language teaching; mother language teaching.
MARINA GRILLI