o livro dos espiritos

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  • CONTRACAPA

  • O Livro dos Espritos

  • NOTA DA EDITORA

    A traduo desta obra, devemo-la ao saudoso presidente da Federao EspritaBrasileira - Dr. Guillon Ribeiro, engenheiro civil, poliglota e vernaculista.

    Ruy Barbosa, em seu discurso pronunciado na sesso de 14 de outubro de 1903(Anais do Senado Federal, vol. II, pg. 717), em se referindo ao seu trabalho de reviso doProjeto do Cdigo Civil, trabalho monumental que resultou na Rplica, e que lheimortalizou o nome como filsofo e purista da lngua, disse:

    Devo, entretanto, Sr. Presidente, desempenhar-me de um dever deconscincia - registrar e agradecer da tribuna do Senado a colaborao preciosa doSr. Doutor Guillon Ribeiro, que me acompanhou nesse trabalho com a maiorinteligncia, no limitando os seus servios parte material do comum dosrevisores, mas, muitas vezes, suprindo at as desatenes e negligncias minhas.

    Como vemos, Guillon Ribeiro recebeu, aos vinte e oito anos de idade, o maiorelogio a que poderia aspirar um escritor, e a Federao Esprita Brasileira, vinte anosdepois, consagrou-lhe o nome, aprovando unanimemente as suas impecveis tradues deKardec. Jornalista emrito, Guillon Ribeiro foi redator do Jornal do Comrcio ecolaborador dos maiores jornais da poca. Exerceu, durante anos, o cargo de diretor-geralda Secretaria do Senado e foi diretor da Federao Esprita Brasileira, no decurso de 26anos consecutivos, tendo traduzido, ainda, O Evangelho segundo o Espiritismo, O Livrodos Mdiuns, A Gnese e Obras Pstumas, todos de Kardec.

  • FILOSOFIA ESPIRITUALISTA

    O Livro dos Espritos

    PRINCPIOS DA DOUTRINA ESPRITA

    sobre a imortalidade da alma, a natureza dos Espritos e suas relaes com os homens,as leis morais, a vida presente, a vida futura e o porvir da Humanidade - segundo osensinos dados por Espritos superiores com o concurso de diversos mdiuns - recebidos ecoordenados

    P O R

    ALLAN KARDEC

    FEDERAO ESPRITA BRASILEIRADEPARTAMENTO EDITORIAL

    Rua Souza Valente, 1720941-040 - Rio - RJ - Brasil

  • 76a. edio

    Do 1.271 ao 1.320 milheiro

    Ttulo do original francs:LE LIVRE DES ESPRITS(Paris, 18/4/1857)

    Traduo de GUILLON RIBEIRO

    Capa de CECCONI

    B.N. 6.829

    577-AA;000.05-O; 5/1995

    Copyright 1944 byFEDERAO ESPRITA BRASILEIRA(Casa-Mter do Espiritismo)Av. L-2 Norte - Q.603 - Conjunto F78830-030 - Braslia - DF - Brasil

    Composio, fotolitos e impresso offset dasOficinas do Departamento Grfico da F E BRua Souza Valente, 1720941-040 - Rio - RJ - BrasilC.G.C. n 33.644.857/0002-84 I.E. n 81.600.503

    Impresso no BrasilPRESITA EN BRAZILO

  • TBUA DAS MATRIAS

    Introduo ...................................................................................................................... 13Prolegmenos ............................................................................................................... 48

    PARTE PRIMEIRA

    Das causas primrias

    CAPTULO I - De Deus ............................................................................................... 51Deus e o Infinito ......................................................................................... 51Provas da existncia de Deus ..................................................................... 52Atributos da Divindade .............................................................................. 53Pantesmo ................................................................................................... 55

    CAPTULO II - Dos elementos gerais do Universo ..................................................... 57Conhecimento do princpio das coisas ....................................................... 57Esprito e matria ....................................................................................... 58Propriedades da matria ............................................................................. 61Espao universal ........................................................................................ 63

    CAPTULO III - Da Criao ........................................................................................ 64Formao dos mundos ............................................................................... 64Formao dos seres vivos .......................................................................... 65Povoamento da Terra. Ado ....................................................................... 67Diversidade das raas humanas .................................................................. 68Pluralidade dos mundos ............................................................................. 69Consideraes e concordncias bblicas concernentes criao ............... 70

    CAPTULO IV - Do Princpio vital ............................................................................. 74Seres orgnicos e inorgnicos .................................................................... 74A vida e a Morte ......................................................................................... 76Inteligncia e instinto ................................................................................. 78

  • 8TBUA DAS MATRIAS

    PARTE SEGUNDA

    Do mundo esprita ou mundo dos Espritos

    CAPTULO I - Dos Espritos ....................................................................................... 80Origem e natureza dos Espritos ................................................................ 80Mundo normal primitivo ............................................................................ 82Forma e ubiqidade dos Espritos .............................................................. 83Perisprito ................................................................................................... 85Diferentes ordens de Espritos ................................................................... 86Escala esprita ............................................................................................ 87Terceira ordem. - Espritos imperfeitos ..................................................... 89Segunda ordem - Bons Espritos ................................................................ 92Primeira ordem - Espritos puros ............................................................... 94Progresso dos Espritos ............................................................................ 95Anjos e demnios ....................................................................................... 99

    CAPTULO II - Da encarnao dos Espritos ........................................................... 103Objetivo da encarnao ............................................................................ 103A alma ...................................................................................................... 104Materialismo ............................................................................................ 109

    CAPTULO III - Da volta do Esprito, extinta a vida corprea, vida espiritual .... 112A alma aps a morte ................................................................................. 112Separao da alma e do corpo .................................................................. 114Perturbao espiritual ............................................................................... 117

    CAPTULO IV - Da pluralidade das existncias ....................................................... 120A reencarnao ......................................................................................... 120Justia da reencarnao ............................................................................ 121Encarnao nos diferentes mundos .......................................................... 122Transmigraes progressivas ................................................................... 128Sorte das crianas depois da morte .......................................................... 133Sexo nos Espritos .................................................................................... 134Parentesco, filiao .................................................................................. 135Parecenas fsicas e morais ...................................................................... 137Idias inatas .............................................................................................. 140

    CAPTULO V - Consideraes sobre a pluralidade das existncias ........................ 143CAPTULO VI - Da vida esprita .............................................................................. 154

    Espritos errantes ...................................................................................... 154Mundos transitrios ................................................................................. 157Percepes, sensaes e sofrimentos dos Espritos ................................. 159Ensaio terico da sensao nos Espritos ................................................. 165Escolha das provas ................................................................................... 171

  • 9TBUA DAS MATRIAS

    As relaes no alm-tmulo ..................................................................... 179Relaes de simpatia e de antipatia entre os Espritos. Metades eternas . 183Recordao da existncia corprea .......................................................... 186Comemorao dos mortos. Funerais ........................................................ 191

    CAPTULO VII - Da volta do Esprito vida corporal ............................................. 195Preldio da volta ...................................................................................... 195Unio da alma e do corpo ........................................................................ 199Faculdades morais e intelectuais do homem ............................................ 203Influncia do organismo ........................................................................... 205Idiotismo, loucura .................................................................................... 207A infncia ................................................................................................. 210Simpatia e antipatia terrenas .................................................................... 213Esquecimento do passado ........................................................................ 214

    CAPTULO VIII - Da emancipao da alma ............................................................. 221O sono e os sonhos ................................................................................... 221Visitas espritas entre pessoas vivas ......................................................... 227Transmisso oculta do pensamento .......................................................... 229Letargia. Catalepsia. Mortes aparentes .................................................... 230Sonambulismo .......................................................................................... 231xtase ....................................................................................................... 235Dupla vista ............................................................................................... 237Resumo terico do sonambulismo, do xtase e da dupla vista ................ 239

    CAPTULO IX - Da interveno dos Espritos no mundo corporal .......................... 245Faculdade, que tm os Espritos de penetrar em nossos pensamentos ..... 245Influncia oculta dos Espritos em nossos pensamentos e atos ................ 246Possessos .................................................................................................. 250Convulsionrios ....................................................................................... 252Afeio que os Espritos votam a certas pessoas ....................................... 254Anjos de guarda.Espritos protetores, familiares ou simpticos .............. 255Pressentimentos ........................................................................................ 266Influncia dos Espritos nos acontecimentos da vida ............................... 267Ao dos Espritos sobre os fenmenos da Natureza .............................. 272Os Espritos durante os combates ............................................................ 274Pactos ....................................................................................................... 276Poder oculto. Talisms. Feiticeiros .......................................................... 277

  • 10TBUA DAS MATRIAS

    Benos e maldies ................................................................................ 280CAPTULO X - Das ocupaes e misses dos Espritos ........................................... 281CAPTULO XI - Dos trs reinos ................................................................................ 291

    Os minerais e as plantas ........................................................................... 291Os animais e o homem ............................................................................. 293Metempsicose .......................................................................................... 301

    PARTE TERCEIRA

    Das leis morais

    CAPTULO I - Da lei divina ou natural ..................................................................... 305Caracteres da lei natural ........................................................................... 305Conhecimento da lei natural .................................................................... 306O bem e o mal .......................................................................................... 310Diviso da lei natural ............................................................................... 314

    CAPTULO II - Da lei de adorao ........................................................................... 316Objetivo da adorao ............................................................................... 316Adorao exterior ..................................................................................... 317Vida contemplativa .................................................................................. 318A prece ..................................................................................................... 319Politesmo ................................................................................................ 322Sacrifcios ................................................................................................ 324

    CAPTULO III - Da lei do trabalho ........................................................................... 328Necessidade do trabalho ........................................................................... 328Limite do trabalho. Repouso .................................................................... 330

    CAPTULO IV - Da lei de reproduo ...................................................................... 332Populao do Globo ................................................................................. 332Sucesso e aperfeioamento das raas ..................................................... 332Obstculos reproduo .......................................................................... 334Casamento e celibato ............................................................................... 335Poligamia ................................................................................................. 336

    CAPTULO V - Da lei de conservao ...................................................................... 337Instinto de conservao ............................................................................ 337Meios de conservao .............................................................................. 337Gozo dos bens terrenos ............................................................................ 340Necessrio e suprfluo ............................................................................. 341Privaes voluntrias. Mortificaes ....................................................... 342

    CAPTULO VI - Da lei de destruio ........................................................................ 346Destruio necessria e destruio abusiva .............................................. 346Flagelos destruidores ................................................................................ 348Guerras ..................................................................................................... 351Assassnio ................................................................................................ 352

  • 11TBUA DE MATRIAS

    Crueldade ................................................................................................. 353Duelo ........................................................................................................ 354Pena de morte ........................................................................................... 356

    CAPTULO VII - Da lei de sociedade ........................................................................ 359Necessidade da vida social ....................................................................... 359Vida de insulamento. Voto de silncio .................................................... 360Laos de famlia ....................................................................................... 361

    CAPTULO VIII - Da lei do progresso ...................................................................... 362Estado de natureza ................................................................................... 362Marcha do progresso ................................................................................ 363Povos degenerados ................................................................................... 366Civilizao ............................................................................................... 369Progresso da legislao humana ............................................................... 371Influncia do Espiritismo no progresso .................................................... 372

    CAPTULO IX - Da lei de igualdade ......................................................................... 375Igualdade natural ...................................................................................... 375Desigualdade das aptides ....................................................................... 375Desigualdades sociais .............................................................................. 376Desigualdade das riquezas ....................................................................... 377As provas de riqueza e de misria ............................................................ 379Igualdade dos direitos do homem e da mulher ......................................... 380Igualdade perante o tmulo ...................................................................... 381

    CAPTULO X - Da lei de liberdade ........................................................................... 383Liberdade natural ..................................................................................... 383Escravido ................................................................................................ 384Liberdade de pensar ................................................................................. 385Liberdade de conscincia ......................................................................... 386Livre-arbtrio ............................................................................................ 387Fatalidade ................................................................................................. 390Conhecimento do futuro .......................................................................... 396Resumo terico do mvel das aes humanas ......................................... 398

    CAPTULO XI - Da lei de justia, de amor e de caridade ........................................ 403Justia e direitos naturais ......................................................................... 403Direito de propriedade. Roubo ................................................................. 406Caridade e amor do prximo .................................................................... 407Amor materno e filial ............................................................................... 410

    CAPTULO XII - Da perfeio moral ........................................................................ 411As virtudes e os vcios ............................................................................. 411Paixes ..................................................................................................... 417O egosmo ................................................................................................ 418Caracteres do homem de bem .................................................................. 422Conhecimento de si mesmo ..................................................................... 423

  • 12TBUA DAS MATRIAS

    PARTE QUARTA

    Das esperanas e consolaes

    CAPTULO I - Das penas e gozos terrenos ............................................................... 427Felicidade e infelicidade relativas ............................................................ 427Perda dos entes queridos .......................................................................... 433Decepes. Ingratido. Afeies destrudas ............................................. 435Unies antipticas .................................................................................... 436Temor da morte ........................................................................................ 437Desgosto da vida. Suicdio ....................................................................... 439

    CAPTULO II - Das penas e gozos futuros ................................................................ 445O Nada. Vida futura ................................................................................. 445Intuio das penas e gozos futuros ........................................................... 446Interveno de Deus nas penas e recompensas ........................................ 447Natureza das penas e gozos futuros ......................................................... 448Penas temporais ....................................................................................... 456Expiao e arrependimento ...................................................................... 459Durao das penas futuras ........................................................................ 463Ressurreio da carne ............................................................................... 470Paraso, inferno e purgatrio .................................................................... 472

    Concluso .................................................................................................................... 477

  • I N T R O D U Oao estudo da

    DOUTRINA ESPRITAI

    Para se designarem coisas novas so precisos termos novos. Assim o exige a clarezada linguagem, para evitar a confuso inerente variedade de sentidos das mesmas palavras.Os vocbulos espiritual, espiritualista, espiritualismo tm acepo bem definida. Dar-lhesoutra, para aplic-los doutrina dos Espritos, fora multiplicar as causas j numerosas deanfibologia. Com efeito, o espiritismo o oposto do materialismo. Quem quer que acreditehaver em si alguma coisa mais do que matria, espiritualista. No se segue da, porm,que creia na existncia dos Espritos ou em suas comunicaes com o mundo visvel. Emvez das palavras espiritual, espiritualismo, empregamos, para indicar a crena a que vimosde referir-nos, os termos esprita e espiritismo, cuja forma lembra a origem e o sentidoradical e que, por isso mesmo, apresentam a vantagem de ser perfeitamente inteligveis,deixando ao vocbulo espiritualismo a acepo que lhe prpria. Diremos, pois, que adoutrina esprita ou o Espiritismo tem por princpio as relaes do mundo material com osEspritos ou seres do mundo invisvel. Os adeptos do Espiritismo sero os espritas, ou, sequiserem, os espiritistas.

    Como especialidade, o Livro dos Espritos contm a doutrina esprita; comogeneralidade, prende-se doutrina espiritualista, uma de cujas fases apresenta. Essa a razoporque traz no cabealho do seu ttulo as palavras: Filosofia espiritualista.

  • 14INTRODUO

    II

    H outra palavra acerca da qual importa igualmente que todos se entendam, porconstituir um dos fechos de abbada de toda doutrina moral e ser objeto de inmerascontrovrsias, mngua de uma acepo bem determinada. a palavra alma. A divergnciade opinies sobre a natureza da alma provm da aplicao particular que cada um d a essetermo. Uma lngua perfeita, em que cada idia fosse expressa por um termo prprio, evitariamuitas discusses.

    Segundo uns, a alma o princpio da vida material orgnica. No tem existnciaprpria e se aniquila com a vida: o materialismo puro. Neste sentido e por comparao,diz-se de um instrumento rachado, que nenhum som mais emite: no tem alma. Deconformidade com essa opinio, a alma seria efeito e no causa.

    Pensam outros que a alma o princpio da inteligncia, agente universal do qualcada ser absorve uma certa poro. Segundo esses, no haveria em todo o Universo senouma s alma a distribuir centelhas pelos diversos seres inteligentes durante a vida destes,voltando cada centelha, mortos ou seres, fonte comum, a se confundir com o todo, comoos regatos e os rios voltam ao mar, donde saram. Essa opinio difere da precedente em que,nesta hiptese, no h em ns somente matria, subsistindo alguma coisa aps a morte. Mas quase como se nada subsistisse, porquanto, destitudos de individualidade, no maisteramos conscincia de ns mesmos. Dentro desta opinio, a alma universal seria Deus, ecada ser um fragmento da divindade. Simples variante do pantesmo.

    Segundo outros, finalmente, a alma um ser moral, distinto, independente damatria e que conserva sua individualidade aps a morte. Esta acepo , sem contradita, amais geral, porque, debaixo de um nome ou de outro, a idia desse ser que sobrevive aocorpo se encontra, no estado de crena instintiva, no derivada de ensino, entre todos ospovos, qualquer que seja o grau de civilizao de cada um. Essa doutrina, segundo a qual aalma causa e no efeito, a dos espiritualistas.

    Sem discutir o mrito de tais opinies e considerando apenas o lado lingstico daquesto, diremos que estas trs aplicaes do termo alma correspondem a trs idiasdistintas, que demandariam, para serem expressas, trs vocbulos diferentes. Aquelapalavra tem, pois, trplice acepo e

    23

  • 15INTRODUO

    cada um, do seu ponto de vista, pode com razo defini-la como o faz. O mal est em alngua dispor somente de uma palavra para exprimir trs idias. A fim de evitar todoequvoco, seria necessrio restringir-se a acepo do termo alma a uma daquelas idias. Aescolha indiferente; o que se faz mister o entendimento entre todos reduzindo-se oproblema a uma simples questo de conveno. Julgamos mais lgico tom-lo na suaacepo vulgar e por isso chamamos ALMA ao ser imaterial e individual que em ns residee sobrevive ao corpo. Mesmo quando esse ser no existisse, no passasse de produto daimaginao, ainda assim fora preciso um termo para design-lo.

    Na ausncia de um vocbulo especial para traduo de cada uma das outras idias aque corresponde a palavra alma, denominamos:

    Princpio vital o princpio da vida material e orgnica, qualquer que seja a fontedonde promane, princpio esse comum a todos os seres vivos, desde as plantas at ohomem. Pois que pode haver vida com excluso da faculdade de pensar, o princpio vital uma propriedade da matria, um efeito que se produz achando-se a matria em dadascircunstncias. Segundo outros, e esta a idia mais comum, ele reside em um fluidoespecial, universalmente espalhado e do qual cada ser absorve e assimila uma parceladurante a vida, tal como os corpos inertes absorvem a luz. Esse seria ento o fluido vitalque, na opinio de alguns, em nada difere do fluido eltrico animalizado, ao qual tambm sedo os nomes de fluido magntico, fluido nervoso, etc.

    Seja como for, um fato h que ningum ousaria contestar, pois que resulta daobservao: que os seres orgnicos tm em si uma forma ntima que determina ofenmeno da vida, enquanto essa fora existe; que a vida material comum a todos os seresorgnicos e independe da inteligncia e do pensamento; que a inteligncia e o pensamentoso faculdades prprias de certas espcies orgnicas; finalmente, que entre as espciesorgnicas dotadas de inteligncia e de pensamento h uma dotada tambm de um sensomoral especial, que lhe d incontestvel superioridade sobre as outras: a espcie humana.

    Concebe-se que, com uma acepo mltipla, o termo alma no exclui omaterialismo, nem o pantesmo. O prprio espiritualismo pode entender a alma de acordocom uma ou outra das duas primeiras definies, sem prejuzo do Ser imaterial distinto, aque ento dar um nome qualquer. Assim, aquela palavra no representa uma opinio:

  • 16INTRODUO

    um Proteu, que cada um ajeita a seu bel-prazer. Da tantas disputas interminveis.Evitar-se-ia igualmente a confuso, embora usando-se do termo alma nos trs casos,

    desde que se lhe acrescentasse um qualificativo especificando o ponto de vista em que seest colocado, ou a aplicao que se faz da palavra. Esta teria, ento, um carter genrico,designando, ao mesmo tempo, o princpio da vida material, o da inteligncia e o do sensomoral, que se distinguiriam mediante um atributo, como os gases, por exemplo, que sedistinguem aditando-se ao termo genrico as palavras hidrognio, oxignio ou azoto. Poder-se-ia, assim dizer, e talvez fosse o melhor, a alma vital - indicando o princpio da vidamaterial; a alma intelectual - o princpio da inteligncia, e a alma esprita - o da nossaindividualidade aps a morte. Como se v, tudo isto no passa de uma questo de palavras,mas questo muito importante quando se trata de nos fazermos entendidos. Deconformidade com essa maneira de falar, a alma vital seria comum a todos os seresorgnicos: plantas, animais e homens; a alma intelectual pertenceria aos animais e aoshomens; e a alma esprita somente ao homem.

    Julgamos dever insistir nestas explicaes pela razo de que a doutrina espritarepousa naturalmente sobre a existncia, em ns, de um ser independente da matria e quesobrevive ao corpo. A palavra alma, tendo que aparecer com freqncia no curso destaobra, cumpria fixssemos bem o sentido que lhe atribumos, a fim de evitarmos qualquerengano.

    Passemos agora ao objeto principal desta instruo preliminar.

    III

    Como tudo que constitui novidade, a doutrina esprita conta com adeptos econtraditores. Vamos tentar responder a algumas das objees destes ltimos, examinandoo valor dos motivos em que se apiam, sem alimentarmos, todavia, a pretenso deconvencer a todos, pois muitos h que crem ter sido a luz feita exclusivamente para eles.Dirigimo-nos aos de boa-f, aos que no trazem idias preconcebidas ou decididamentefirmadas contra tudo e todos, aos que sinceramente desejam instruir-se e lhesdemonstraremos que a maior parte das objees opostas doutrina promanam deincompleta observao dos fatos e de juzo leviano e precipitadamente formado.

  • 17INTRODUO

    Lembremos, antes de tudo, em poucas palavras, a srie progressiva dos fenmenosque deram origem a esta doutrina.

    O primeiro fato observado foi o da movimentao de objetos diversos. Designaram-no vulgarmente pelo nome de mesas girantes ou dana das mesas. Este fenmeno, queparece ter sido notado primeiramente na Amrica, ou melhor, que se repetiu nesse pas,porquanto a Histria prova que ele remonta mais alta antigidade, se produziu rodeado decircunstncias estranhas, tais como rudos inslitos, pancadas sem nenhuma causaostensiva. Em seguida, propagou-se rapidamente pela Europa e pelas partes do mundo. Aprincpio quase que s encontrou incredulidade, porm, ao cabo de pouco tempo, amultiplicidade das experincias no mais permitiu lhe pusessem em dvida a realidade.

    Se tal fenmeno se houvesse limitado ao movimento de objetos materiais, poderiaexplicar-se por uma causa puramente fsica. Estamos longe de conhecer todos os agentesocultos da Natureza, ou todas as propriedades dos que conhecemos: a eletricidademultiplica diariamente os recursos que proporciona ao homem e parece destinada a iluminara Cincia com uma nova luz. Nada de impossvel haveria, portanto, em que a eletricidademodificada por certas circunstncias, ou qualquer outro agente desconhecido, fosse a causados movimentos observados. O fato de que a reunio de muitas pessoas aumenta apotencialidade da ao parecia vir em apoio dessa teoria. Visto poder-se considerar oconjunto dos assistentes como uma pilha mltipla, com o seu potencial na razo direta donmero dos elementos.

    O movimento circular nada apresentava de extraordinrio: est na Natureza. Todosos astros se movem em curvas elipsides; poderamos, pois, ter ali, em ponto menor, umreflexo do movimento geral do Universo, ou, melhor, uma causa, at ento desconhecida,produzindo acidentalmente, com pequenos objetos em dadas condies, uma correnteanloga que impele os mundos.

    Mas, o movimento nem sempre era circular; muitas vezes era brusco e desordenado,sendo o objeto violentamente sacudido, derrubado, levado numa direo qualquer e,contrariamente a todas as leis da esttica, levantando e mantido em suspenso. Ainda aquinada havia que se no pudesse explicar pela ao de um agente fsico invisvel, No vemosa eletricidade deitar por terra edifcios, desarraigar rvores, atirar longe os mais pesadoscorpos, atra-los ou repeli-los?

    Os rudos inslitos, as pancadas, ainda que no fossem um dos efeitos ordinrios dadilatao da madeira, ou de

  • 18INTRODUO

    qualquer outra causa acidental, podiam muito bem ser produzidos pela acumulao de umfluido oculto: a eletricidade no produz formidveis rudos?

    At a, como se v, tudo pode caber no domnio dos fatos puramente fsicos efisiolgicos. Sem sair desse mbito de idias, j ali havia, no entanto, matria para estudossrios e dignos de prender a ateno dos sbios. Por que assim no aconteceu? penosodiz-lo, mas o fato deriva de causas que provam, entre mil outros semelhantes, a leviandadedo esprito humano. A vulgaridade do objeto principal que serviu de base s primeirasexperincias no foi alheia indiferena dos sbios. Que influncia no tem tido muitasvezes uma palavra sobre as coisas mais graves!

    Sem atenderem a que o movimento podia ser impresso a um objeto qualquer, a idiadas mesas prevaleceu, sem dvida, por ser o objeto mais cmodo e porque, roda de umamesa, muito mais naturalmente do que em torno de qualquer outro mvel, se sentamdiversas pessoas. Ora, os homens superiores so com freqncia to pueris que no hcomo ter por impossvel que certos espritos de escol hajam considerado deprimenteocuparem-se com o que se convencionara chamar a dana das mesas. mesmo provvelque se o fenmeno observado por Galvni o fora por homens vulgares e ficassecaracterizado por um nome burlesco, ainda estaria relegado a fazer companhia varinhamgica. Qual, com efeito, o sbio que no houvera julgado uma indignidade ocupar-se coma dana das rs?

    Alguns, entretanto, muito modestos para convirem em que bem poderia dar-se nolhes ter ainda a Natureza dito a ltima palavra, quiseram ver, para tranqilidade de suasconscincias. Mas aconteceu que o fenmeno nem sempre lhes correspondeu expectativae, do fato de no se haver produzido constantemente vontade deles e segundo a maneirade se comportarem na experimentao, concluram pela negativa. Mau grado, porm, aoque decretaram, as mesas - pois que h mesas - continuam a girar e podemos dizer comGalileu: todavia, elas se movem! Acrescentaremos que os fatos se multiplicaram de talmodo que desfrutam hoje do direito de cidade, no mais se cogitando seno de lhes acharuma explicao racional.

    Contra a realidade do fenmeno, poder-se-ia induzir alguma coisa da circunstnciade ele no se produzir de modo sempre idntico, conformemente vontade e s exignciasdo observador? Os fenmenos de eletricidade e de qumica no esto subordinados a certascondies? Ser lcito ne-

  • 19INTRODUO

    g-los, porque no se produzem fora dessas condies? Que h, pois, de surpreendente emque o fenmeno do movimento dos objetos pelo fluido humano tambm se ache sujeito adeterminadas condies e deixe de se produzir quando o observador, colocando-se no seuponto de vista, pretende faz-lo seguir a marcha que caprichosamente lhe imponha, ouqueira sujeit-lo s leis dos fenmenos conhecidos, sem considerar que para fatos novospode e deve haver novas leis? Ora, para se conhecerem essas leis, preciso que se estudemas circunstncias em que os fatos se produzem e esse estudo no pode deixar de ser fruto deobservao perseverante, atenta e s vezes muito longa.

    Objetam, porm, algumas pessoas: h freqentemente fraudes manifestas.Perguntar-lhes-emos, em primeiro lugar, se esto bem certas de que haja fraudes e se notomaram por fraude efeitos que no podiam explicar, mas ou menos como o campons quetomava por destro escamoteador um sbio professor de Fsica a fazer experincias.Admitindo-se mesmo que tal coisa tenha podido verificar-se algumas vezes, constituiriaisso razo para negar-se o fato? Dever-se-ia negar a Fsica, porque h prestidigitadores quese exornam com o ttulo de fsicos? Cumpre, ao demais, se leve em conta o carter daspessoas e o interesse que possam ter em iludir. Seria tudo, ento, mero gracejo? Admite-seque uma pessoa se divirta por algum tempo, mas um gracejo prolongado indefinidamente setornaria to fastidioso para o mistificador, como para o mistificado. Acresce que, numamistificao que se propaga de um extremo a outro do mundo e por entre as mais austeras,venerveis e esclarecidas personalidades, qualquer coisa h, com certeza, to extraordinria,pelo menos, quanto o prprio fenmeno.

    IVSe os fenmenos, com que nos estamos ocupando, houvessem ficado restritos ao

    movimento dos objetos, teriam permanecido, como dissemos, no domnio das cinciasfsicas. Assim, entretanto, no sucedeu: estava-lhes reservado colocar-nos na pista de fatosde ordem singular. Acreditaram haver descoberto, no sabemos pela iniciativa de quem, quea impulso dada aos objetos no era apenas o resultado de uma fora mecnica cega; quehavia nesse movimento a interveno de uma causa inteligente. Uma vez aberto, essecaminho conduziu a um campo totalmente novo de observaes. De sobre muitos mistriosse erguia o vu. Haver,

  • 20INTRODUO

    com efeito, no caso, uma potncia inteligente? Tal a questo. Se essa potncia existe, qual ela, qual a sua natureza, a sua origem? Encontra-se acima da Humanidade? Eis outrasquestes que decorrem da anterior.

    As primeiras manifestaes inteligentes se produziram por meio de mesas que selevantavam e, com um dos ps, davam certo nmero de pancadas, respondendo desse modo- sim, ou - no, conforme fora convencionado, a uma pergunta feita. At a nada deconvincente havia para os cpticos, porquanto bem podiam crer que tudo fosse obra doacaso. Obtiveram-se depois respostas mais desenvolvidas com o auxlio das letras doalfabeto: dando o mvel um nmero de pancadas correspondente ao nmero de ordem decada letra, chegava-se a formar palavras e frases que respondiam s questes propostas. Apreciso das respostas e a correlao que denotavam com as perguntas causaram espanto. Oser misterioso que assim respondia, interrogado sobre a sua natureza, declarou que eraEsprito ou Gnio, declinou um nome e prestou diversas informaes a seu respeito. Haqui uma circunstncia muito importante, que se deve assinalar. que ningum imaginouos Espritos como meio de explicar o fenmeno; foi o prprio fenmeno que revelou apalavra. Muitas vezes, em se tratando das cincias exatas, se formulam hipteses para dar-se uma base ao raciocnio. No aqui o caso.

    Tal meio de correspondncia era, porm, demorado e incmodo. O Esprito (e istoconstitui nova circunstncia digna de nota) indicou outro. Foi um desses seres invisveisquem aconselhou a adaptao de um lpis a uma cesta ou a outro objeto. Colocada em cimade uma folha de papel, a cesta posta em movimento pela mesma potncia oculta que moveas mesas; mas, em vez de um simples movimento regular, o lpis traa por si mesmocaracteres formando palavras, frases, dissertaes de muitas pginas sobre as mais altasquestes de filosofia, de moral, de metafsica, de psicologia, etc., e com tanta rapidezquanta se se escrevesse com a mo.

    O conselho foi dado simultaneamente na Amrica, na Frana e em diversos outrospases. Eis em que termos o deram em Paris, a 10 de junho de 1853, a um dos maisfervorosos adeptos da doutrina e que, havia muitos anos, desde 1849, se ocupava com aevocao dos Espritos: Vai buscar, no aposento ao lado, a cestinha; amarra-lhe um lpis;coloca-a sobre o papel; pe-lhe os teus dedos sobre a borda Alguns instantes aps, a cestaentrou a mover-se e o lpis

  • 21INTRODUO

    escreveu, muito legvel, esta frase: Probo expressamente que transmitas a quem quer queseja o que acabo de dizer. Da primeira vez que escrever, escreverei melhor.

    O objeto a que se adapta o lpis, no passando de mero instrumento, completamenteindiferentes so a natureza e a forma que tenha. Da o haver-se procurado dar-lhe adisposio mais cmoda. Assim que muita gente se serve de uma prancheta pequena.

    A cesta ou a prancheta s podem ser postas em movimento debaixo da influncia decertas pessoas, dotadas, para isso, de um poder especial, as quais se designam pelo nome demdiuns, isto - meios ou intermedirios entre os Espritos e os homens. As condies quedo esse poder resultam de causas ao mesmo tempo fsicas e morais, ainda imperfeitamenteconhecidas, porquanto h mdiuns de todas as idades, de ambos os sexos e em todos osgraus de desenvolvimento intelectual. , todavia, uma faculdade que se desenvolve peloexerccio.

    V

    Reconheceu -se mais tarde que a cesta e a prancheta no eram, realmente, mais doque um apndice da mo; e o mdium, tomando diretamente do lpis, se ps a escrever porum impulso involuntrio e quase febril. Dessa maneira, as comunicaes se tornaram maisrpidas, mais fceis e mais completas. Hoje esse o meio geralmente empregado e comtanto mais razo quanto o nmero das pessoas dotadas dessa aptido muito considervel ecresce todos os dias. Finalmente, a experincia deu a conhecer muitas outras variedades dafaculdade mediadora, vindo-se a saber que as comunicaes podiam igualmente sertransmitidas pela palavra, pela audio, pela viso, pelo tato, etc., e at pela escrita diretados Espritos, isto , sem o concurso da mo do mdium, nem do lpis.

    Obtido o fato, restava comprovar um ponto essencial - o papel do mdium nasrespostas e a parte que, mecnica e moralmente, pode ter nelas. Duas circunstnciascapitais, que no escapariam a um observador atento, tornam possvel resolver-se a questo.A primeira consiste no modo por que a cesta se move sob a influncia do mdium, apenaslhe impondo este os dedos sobre os bordos. O exame do fato demonstra a impossibilidadede o mdium imprimir uma direo qualquer ao movimento daquele objeto. Essaimpossibilidade se patenteia, sobretudo, quando duas ou trs pessoas colocam juntamenteas mos sobre a cesta. Fora preciso

  • 22INTRODUO

    entre elas uma concordncia verdadeiramente fenomenal de movimentos. Fora preciso,demais, a concordncia dos pensamentos, para que pudessem estar de acordo quanto resposta a dar questo formulada. Outro fato, no menos singular, ainda vem aumentar adificuldade. a mudana radical da caligrafia, conforme o Esprito que se manifesta,reproduzindo-se a de um determinado Esprito todas as vezes que ele volta a escrever. Foranecessrio, pois que o mdium se houvesse exercitado em dar sua prpria caligrafia vinteformas diferentes e, principalmente, que pudesse lembrar-se da que corresponde a tal ou talEsprito.

    A segunda circunstncia resulta da natureza mesma das respostas que, as mais dasvezes, especialmente quando se ventilam questes abstratas e cientficas, estonotoriamente fora do campo dos conhecimentos e, amide, do alcance intelectual domdium, que, alm disso, como de ordinrio sucede, no tem conscincia do que se escrevedebaixo da sua influncia; que, freqentemente, no entende ou no compreende a questoproposta, pois que esta o pode ser num idioma que ele desconhea, ou mesmo mentalmente,podendo a resposta ser dada nesse idioma. Enfim, acontece muito escrever a cestaespontaneamente, sem que se haja feito pergunta alguma, sobre um assunto qualquer,inteiramente inesperado.

    Em certos casos, as respostas revelam tal cunho de sabedoria, de profundeza e deoportunidade; exprimem pensamentos to elevados, to sublimes, que no podem emanarseno de uma Inteligncia superior, impregnada da mais pura moralidade. Doutras vezes,so to levianas, to frvolas, to triviais, que a razo recusa admitir derivem da mesmafonte. Tal diversidade de linguagem no se pode explicar seno pela diversidade dasInteligncias que se manifestam. E essas Inteligncias esto na Humanidade ou fora daHumanidade? Este o ponto a esclarecer-se e cuja explicao se encontrar completa nestaobra, como a deram os prprios Espritos.

    Eis, pois, efeitos patentes, que se produzem fora do crculo habitual das nossasobservaes; que no ocorrem misteriosamente, mas, ao contrrio, luz meridiana, quetoda gente pode ver e comprovar; que no constituem privilgio de um nico indivduo eque milhares de pessoas repetem todos os dias. Esses efeitos tm necessariamente umacausa e, do momento que denotam a ao de uma inteligncia e de uma vontade, saem dodomnio puramente fsico.

  • 23

    INTRODUO

    Muitas teorias foram engendradas a este respeito. Examin-las-emos dentro em pouco everemos se so capazes de oferecer a explicao de todos os fatos que se observam.Admitamos, enquanto no chegamos at l, a existncia de seres distintos dos humanos,pois que esta a explicao ministrada pelas Inteligncias que se manifestam, e vejamos oque eles nos dizem.

    VI

    Conforme notamos acima, os prprios seres que se comunicam se designam a simesmos pelo nome de Espritos ou Gnios, declarando, alguns, pelo menos, terempertencido a homens que viveram na Terra. Eles compem o mundo espiritual, como nsconstitumos o mundo corporal durante a vida terrena.

    Vamos resumir, em poucas palavras, os pontos principais da doutrina que nostransmitiram, a fim de mais facilmente respondermos a certas objees.

    Deus eterno, imutvel, imaterial, nico, onipotente, soberanamente justo e bom.Criou o Universo, que abrange todos os seres animados e inanimados, materiais e

    imateriais.Os seres materiais constituem o mundo visvel ou corpreo, e os seres imateriais, o

    mundo invisvel ou esprita, isto , dos Espritos. O mundo esprita o mundo normal, primitivo, eterno, preexistente e sobreviventea tudo.

    O mundo corporal secundrio; poderia deixar de existir, ou no ter jamaisexistido, sem que por isso se alterasse a essncia do mundo esprita.

    Os Espritos revestem temporariamente um invlucro material perecvel, cujadestruio pela morte lhes restitui a liberdade.

    Entre as diferentes espcies de seres corpreo, Deus escolheu a espcie humanapara a encarnao dos Espritos que chegaram a certo grau de desenvolvimento, dando-lhesuperioridade moral e intelectual sobre as outras.

    A alma um Esprito encarnado, sendo o corpo apenas o seu envoltrio.H no homem trs coisas: 1, o corpo ou ser material anlogo aos animais e

    animado pelo mesmo princpio vital; 2, a alma ou ser imaterial, Esprito encarnado nocorpo; 3, o lao que prende a alma ao corpo, princpio intermedirio entre a matria e oEsprito.

  • 24INTRODUO

    Tem assim o homem duas naturezas: pelo corpo, participa da natureza dos animais, cujosinstintos lhe so comuns; pela alma, participa da natureza dos Espritos.

    O lao ou perisprito, que prende ao corpo o Esprito, uma espcie de envoltriosemimaterial. A morte a destruio do invlucro mais grosseiro. O Esprito conserva osegundo, que lhe constitui um corpo etreo, invisvel para ns no estado normal, pormque pode tornar-se acidentalmente visvel e mesmo tangvel, como sucede no fenmenodas aparies.O Esprito no , pois, um ser abstrato, indefinido, s possvel de conceber-se pelopensamento. um ser real, circunscrito, que, em certos casos, se torna aprecivel pelavista, pelo ouvido e pelo tato.

    Os Espritos pertencem a diferentes classes e no so iguais, nem em poder, nemem inteligncia, nem em saber, nem em moralidade. Os da primeira ordem so os Espritossuperiores, que se distinguem dos outros pela sua perfeio, seus conhecimentos, suaproximidade de Deus, pela pureza de seus sentimentos e por seu amor do bem: so osanjos ou puros Espritos. Os das outras classes se acham cada vez mais distanciados dessaperfeio, mostrando-se os das categorias inferiores, na sua maioria eivados das nossaspaixes: o dio, a inveja, o cime, o orgulho, etc. Comprazem-se no mal. H tambm,entre os inferiores, os que no so nem muito bons nem muito mais, antes perturbadores eenredadores, do que perversos. A malcia e as inconseqncias parecem ser o que nelespredomina. So os Espritos estrdios ou levianos.

    Os Espritos no ocupam perpetuamente a mesma categoria. Todos se melhorampassando pelos diferentes graus da hierarquia esprita. Esta melhora se efetua por meio daencarnao, que imposta a uns como expiao, a outros como misso. A vida material uma prova que lhes cumpre sofrer repetidamente, at que hajam atingido a absolutaperfeio moral.

    Deixando o corpo, a alma volve ao mundo dos Espritos, donde sara, para passarpor nova existncia material, aps um lapso de tempo mais ou menos longo, durante oqual permanece em estado de Esprito errante. (1)

    _________

    (1) H entre esta doutrina da reencarnao e a da metempsicose, como a admitem certas seitas,uma diferena caracterstica, que explicada no curso da presente obra.

  • 25INTRODUO

    Tendo o Esprito que passar por muitas encarnaes, segue-se que todos ns temos tidomuitas existncias e que teremos ainda outras, mais ou menos aperfeioadas, quer naTerra, quer em outros mundos.

    A encarnao dos Espritos se d sempre na espcie humana; seria erro acreditar-seque a alma ou Esprito possa encarnar no corpo de um animal.

    As diferentes existncias corpreas do Esprito so sempre progressivas e nuncaregressivas; mas, a rapidez do seu progresso depende dos esforos que faa para chegar perfeio.

    As qualidades da alma so as do Esprito que est encarnado em ns; assim, ohomem de bem a encarnao de um bom Esprito, o homem perverso a de um Espritoimpuro.

    A alma possua sua individualidade antes de encarnar; conserva-a depois de sehaver separado do corpo.

    Na sua volta ao mundo dos Espritos, encontra ela todos aqueles que conhecera naTerra, e todas as suas existncias anteriores se lhe desenham na memria, com alembrana de todo bem e de todo mal que fez.

    O Esprito encarnado se acha sob a influncia da matria; o homem que vence estainfluncia, pela elevao e depurao de sua alma, se aproxima dos bons Espritos, emcuja companhia um dia estar. Aquele que se deixa dominar pelas ms paixes, e petodas as suas alegrias na satisfao dos apetites grosseiros, se aproxima dos Espritosimpuros, dando preponderncia sua natureza animal.

    Os Espritos encarnados habitam os diferentes globos do Universo.Os no encarnados ou errantes no ocupam uma regio determinada e circunscrita;

    esto por toda parte no espao e ao nosso lado, vendo-nos e acotovelando-nos de contnuo. toda uma populao invisvel, a mover-se em torno de ns.

    Os Espritos exercem incessante ao sobre o mundo moral e mesmo sobre omundo fsico. Atuam sobre a matria e sobre o pensamento e constituem uma daspotncias da Natureza, causa eficiente de uma multido de fenmenos at entoinexplicados ou mal explicados e que no encontram explicao racional seno noEspiritismo.

    As relaes dos Espritos com os homens so constantes. Os bons Espritos nosatraem para o bem, nos sustentam nas provas da vida e nos ajudam a suport-las com

  • 26INTRODUO

    coragem e resignao. Os maus nos impelem para o mal: -lhes um gozo ver-nos eassemelhar-nos a eles.

    As comunicaes dos Espritos com os homens so ocultas ou ostensivas. Asocultas se verificam pela influncia boa ou m que exercem sobre ns, nossa revelia.Cabe ao nosso juzo discernir as boas das ms inspiraes. As comunicaes ostensivas sedo por meio da escrita, da palavra ou de outras manifestaes materiais, quase semprepelos mdiuns que lhes servem de instrumentos.

    Os Espritos se manifestam espontaneamente ou mediante evocao.Podem evocar-se todos os Espritos: os que animaram homens obscuros, como os

    das personagens mais ilustres, seja qual for a poca em que tenham vivido; os de nossosparentes, amigos, ou inimigos, e obter-se deles, por comunicaes escritas ou verbais,conselhos, informaes sobre a situao em que se encontram no Alm, sobre o quepensam a nosso respeito, assim como as revelaes que lhes sejam permitidas fazer-nos.

    Os Espritos so atrados na razo da simpatia que lhes inspire a natureza moral domeio que os evoca. Os Espritos superiores se comprazem nas reunies srias, ondepredominam o amor do bem e o desejo sincero, por parte dos que as compem, de seinstrurem e melhorarem. A presena deles afasta os Espritos inferiores que,inversamente, encontram livre acesso e podem obrar com toda a liberdade entre pessoasfrvolas ou impelidas unicamente pela curiosidade e onde quer que existam maus instintos.Longe de se obterem bons conselhos, ou informaes teis, deles s se devem esperarfutilidades, mentiras, gracejos de mau gosto, ou mistificaes, pois que muitas vezestomam nomes venerados, a fim de melhor induzirem ao erro.

    Distinguir os bons dos maus Espritos extremamente fcil. Os Espritossuperiores usam constantemente de linguagem digna, nobre, repassada da mais altamoralidade, escoimada de qualquer paixo inferior; a mais pura sabedoria lhes transparecedos conselhos, que objetivam sempre o nosso melhoramento e o bem da Humanidade. Ados Espritos inferiores, ao contrrio, inconseqente, amide trivial e at grosseira. Se,por vezes, dizem alguma coisa boa e verdadeira, muito mais vezes dizem falsidades eabsurdos, por malcia ou ignorncia. Zombam da credulidade dos homens e se divertem custa dos que os interrogam, lisonjeando-lhes a vaidade, alimentando-lhes os desejos comfalazes esperanas. Em resumo, as comunicaes srias, na

  • 27INTRODUO

    mais ampla acepo do termo, s so dadas nos centros srios, onde intima comunho depensamentos, tendo em vista o bem.

    A moral dos Espritos superiores se resume, como a do Cristo, nesta mximaevanglica: Fazer aos outros o que quereramos que os outros nos fizessem, isto , fazer obem e no o mal. Neste princpio encontra o homem uma regra universal de proceder,mesmo para as suas menores aes.

    Ensinam-nos que o egosmo, o orgulho, a sensualidade so paixes que nosaproximam da natureza animal, prendendo-nos matria; que o homem que, j nestemundo, se desliga da matria, desprezando as futilidades mundanas e amando o prximo,se avizinha da natureza espiritual; que cada um deve tornar-se til, de acordo com asfaculdades e os meios que Deus lhe ps nas mos para experiment-lo; que o Forte e oPoderoso devem amparo e proteo ao Fraco, porquanto transgride a Lei de Deus aqueleque abusa da fora e do poder para oprimir o seu semelhante. Ensinam, finalmente, que, nomundo dos Espritos, nada podendo estar oculto, o hipcrita ser desmascarado epatenteadas todas as suas torpezas, que a presena inevitvel, e de todos os instantes,daqueles para com quem houvermos procedido mal constitui um dos castigos que nosesto reservados; que ao estado de inferioridade e superioridade dos Espritoscorrespondem penas e gozos desconhecidos na Terra.

    Mas, ensinam tambm no haver faltas irremissveis, que a expiao no possaapagar. Meio de consegui-lo encontra o homem nas diferentes existncias que lhepermitem avanar, conformemente aos seus desejos e esforos, na senda do progresso,para a perfeio, que o seu destino final.

    Este o resumo da Doutrina Esprita, como resulta dos ensinamentos dados pelosEspritos superiores. Vejamos agora as objees que se lhe contrapem.

    VII

    Para muita gente, a oposio das corporaes cientficas constitui, seno uma prova,pelo menos forte presuno contra o que quer que seja. No somos dos que se insurgemcontra os sbios, pois no queremos dar azo a que de ns digam que escouceamos. Temo-los, ao contrrio, em grande apreo e muito honrado nos julgaramos se fssemos conta-

  • 28INTRODUO

    do entre eles. Suas opinies, porm, no podem representar, em todas as circunstncias,uma sentena irrevogvel.

    Desde que a Cincia sai da observao material dos fatos, em se tratando de osapreciar e explicar, o campo est aberto s conjeturas. Cada um arquiteta o seusistemazinho, disposto a sustent-lo com fervor, para faz-lo prevalecer. No vemos todosos dias as mais opostas opinies serem alternativamente preconizadas e rejeitadas, orarepelidas como erros absurdos, para logo depois aparecerem proclamadas como verdadesincontestveis? Os fatos, eis o verdadeiro critrio dos nossos juzos, o argumento semrplica. Na ausncia dos fatos, a dvida se justifica no homem ponderado.

    Com relao s coisas notrias, a opinio dos sbios , com toda razo, fidedigna,porquanto eles sabem mais e melhor do que o vulgo. Mas, no tocante a princpios novos, acoisas desconhecidas, essa opinio quase nunca mais do que hipottica, por isso que elesno se acham, menos que os outros, sujeitos a preconceitos. Direi mesmo que o sbio temmais prejuzos que qualquer outro, porque uma propenso natural o leva a subordinar tudoao ponto de vista donde mais aprofundou os seus conhecimentos: o matemtico no vprova seno numa demonstrao algbrica, o qumico refere tudo ao dos elementos, etc.Aquele que se fez especialista prende todas as suas idias especialidade que adotou. Ti-rai-o da e o vereis quase sempre desarrazoar, por querer submeter tudo ao mesmo cadinho:conseqncia da fraqueza humana. Assim, pois, consultarei, do melhor grado e com a maiorconfiana, um qumico sobre uma questo de anlise, um fsico sobre a potncia eltrica,um mecnico sobre uma fora motriz. Ho de eles, porm, permitir-me, sem que isto afete aestima a que lhes d direito o seu saber especial, que eu no tenha em melhor conta suasopinies negativas acerca do Espiritismo, do que o parecer de um arquiteto sobre umaquesto de msica.

    As cincias ordinrias assentam nas propriedades da matria, que se podeexperimentar e manipular livremente; os fenmenos espritas repousam na ao deinteligncias dotadas de vontade prpria e que nos provam a cada instante no se acharemsubordinadas aos nossos caprichos. As observaes no podem, portanto, ser feitas damesma forma; requerem condies especiais e outro ponto de partida. Querer submet-lasaos processos comuns de investigao estabelecer analogias que no existem. A Cincia,propriamente dita, , pois, como cincia, incompetente para

  • 29INTRODUO

    se pronunciar na questo do Espiritismo: no tem que se ocupar com isso e qualquer queseja o seu julgamento, favorvel ou no, nenhum peso poder ter. O Espiritismo oresultado de uma convico pessoal, que os sbios, como indivduos, podem adquirir,abstrao feita da qualidade de sbios. Pretender deferir a questo Cincia equivaleria aquerer que a existncia ou no da alma fosse decidida por uma assemblia de fsicos ou deastrnomos. Com efeito, o Espiritismo est todo na existncia da alma e no seu estadodepois da morte. Ora, soberanamente ilgico imaginar-se que um homem deva ser grandepsicologista, porque eminente matemtico ou notvel anatomista. Dissecando o corpohumano, o anatomista procura a alma e, porque no a encontra, debaixo do seu escalpelo,como encontra um nervo, ou porque no a v evolar-se como um gs, conclui que ela noexiste, colocado num ponto de vista exclusivamente material. Segue-se que tenha razocontra a opinio universal? No. Vedes, portanto, que o Espiritismo no da alada daCincia.

    Quando as crenas espritas se houverem vulgarizado, quando estiverem aceitaspelas massas humanas (e, a julgar pela rapidez com que se propagam, esse tempo no vemlonge), com elas se dar o que tem acontecido a todas as idias novas que ho encontradooposio: os sbios se rendero evidncia. L chegaro, individualmente, pela fora dascoisas. At ento ser intempestivo desvi-los de seus trabalhos especiais, para obrig-los ase ocuparem com um assunto estranho, que no lhes est nem nas atribuies, nem noprograma. Enquanto isso no se verifica, os que, sem estudo prvio e aprofundado damatria, se pronunciam pela negativa e escarnecem de quem no lhes subscreve o conceito,esquecem que o mesmo se deu com a maior parte das grandes descobertas que fazem honra Humanidade. Expem-se a ver seus nomes alongando a lista dos ilustres proscritores dasidias novas e inscritos a par dos membros da douta assemblia que, em 1752, acolheu comretumbante gargalhada a memria de Franklin sobre os pra-raios, julgando-a indigna defigurar entre as comunicaes que lhe eram dirigidas; e dos daquela outra que ocasionouperder a Frana as vantagens da iniciativa da marinha a vapor, declarando o sistema deFulton um sonho irrealizvel. Entretanto, essas eram questes da alada daquelascorporaes. Ora, se tais assemblias, que contavam em seu seio a nata dos sbios domundo, s tiveram a zombaria e o sarcasmo

  • 30INTRODUO

    para idias que elas no percebiam, idias que, alguns anos mais tarde, revolucionaram acincia, os costumes e a indstria, como esperar que uma questo, alheia aos trabalhos quelhes so habituais, alcance hoje das suas congneres melhor acolhimento?

    Esses erros de alguns homens eminentes, se bem que deplorveis, atenta a memriadeles, de nenhum modo poderiam priv-los dos ttulos que a outros respeitos conquistaram nossa estima; mas, ser precisa a posse de um diploma oficial para se ter bom-senso? Dar-se- que fora das ctedras acadmicas s se encontrem tolos e imbecis? Dignem-se delanar os olhos para os adeptos da Doutrina Esprita e digam se s com ignorantes deparame se a imensa legio de homens de mrito que a tm abraado autoriza seja ela atirada ao roldas crendices de simplrios. O carter e o saber desses homens do peso a esta proposio:pois que eles afirmam, foroso reconhecer que alguma coisa h.

    Repetimos mais uma vez que, se os fatos a que aludimos se houvessem reduzido aomovimento mecnico dos corpos, a indagao da causa fsica desse fenmeno caberia nodomnio da Cincia; porm, desde que se trata de uma manifestao que se produz comexcluso das leis da Humanidade, ela escapa competncia da cincia material, visto nopoder explicar-se por algarismos, nem por uma fora mecnica. Quando surge um fatonovo, que no guarda relao com alguma cincia conhecida, o sbio, para estud-lo, temque abstrair na sua cincia e dizer a si mesmo que o que se lhe oferece constitui um estudonovo, impossvel de ser feito com idias preconcebidas.

    O homem que julga infalvel a sua razo est bem perto do erro. Mesmo aqueles,cujas idias so as mais falsas, se apiam na sua prpria razo e por isso que rejeitam tudoo que lhes parece impossvel. Os que outrora repeliram as admirveis descobertas de que aHumanidade se honra, todos endereavam seus apelos a esse juiz, para repeli-las. O que sechama razo no muitas vezes seno orgulho disfarado e quem quer que se considereinfalvel apresenta-se como igual a Deus. Dirigimo-nos, pois, aos ponderados, que duvidamdo que no viram, mas que, julgando do futuro pelo passado, no crem que o homem hajachegado ao apogeu nem que a Natureza lhe tenha facultado ler a ltima pgina do seu li-vro.

  • 31INTRODUO

    VIII

    Acrescentemos que o estudo de uma doutrina, qual a Doutrina Esprita, que nos lana desbito numa ordem de coisas to nova quo grande, s pode ser feito com utilidade porhomens srios, perseverantes, livres de prevenes e animados de firme e sincera vontadede chegar a um resultado. No sabemos como dar esses qualificativos aos que julgam apriori, levianamente, sem tudo ter visto; que no imprimem a seus estudos a continuidade, aregularidade e o recolhimento indispensveis. Ainda menos saberamos d-los a alguns que,para no decarem da reputao de homens de esprito, se afadigam por achar um ladoburlesco nas coisas mais verdadeiras, ou tidas como tais por pessoas cujo saber, carter econvices lhes do direito considerao de quem quer que se preze de bem-educado.Abstenham-se, portanto, os que entendem no serem dignos de sua ateno os fatos.Ningum pensa em lhes violentar a crena; concordem, pois, em respeitar a dos outros.

    O que caracteriza um estudo srio a continuidade que se lhe d. Ser de admirarque muitas vezes no se obtenha nenhuma resposta sensata a questes de si mesmas graves,quando propostas ao acaso e queima-roupa, em meio de uma aluvio de outrasextravagantes? Demais, sucede freqentemente que, por complexa, uma questo, para serelucidada, exige a soluo de outras preliminares ou complementares. Quem deseje tornar-se versado numa cincia tem que a estudar metodicamente, comeando pelo princpio eacompanhando o encadeamento e o desenvolvimento das idias. Que adiantar aquele que,ao acaso, dirigir a um sbio perguntas acerca de uma cincia cujas primeiras palavrasignore? Poder o prprio sbio, por maior que seja a sua boa-vontade, dar-lhe respostasatisfatria? A resposta isolada, que der, ser forosamente incompleta e quase sempre porisso mesmo, ininteligvel, ou parecer absurda e contraditria. O mesmo ocorre em nossasrelaes com os Espritos. Quem quiser com eles instruir-se tem que com eles fazer umcurso; mas, exatamente como se procede entre ns dever escolher seus professores etrabalhar com assiduidade.

    Dissemos que os Espritos superiores somente s sesses srias acorrem, sobretudos em que reina perfeita comunho de pensamentos e de sentimentos para o bem. Aleviandade e as questes ociosas os afastam, como, entre os homens, afastam as pessoascriteriosas; o campo fica, ento, livre turba dos Espritos mentirosos e frvolos, sempre espreita

  • 32INTRODUO

    de ocasies propcias para zombarem de ns e se divertirem nossa custa. Que o que sedar com uma questo grave em reunies de tal ordem? Ser respondida; mas, por quem?Acontece como se a um bando de levianos, que estejam a divertir-se, propussseis estasquestes: Que a alma? Que a morte? e outras to recreativas quanto essas. Se quereisrespostas sisudas, haveis de comportar-vos com toda a sisudeza, na mais ampla acepo dotermo, e de preencher todas as condies reclamadas. S assim obtereis grandes coisas.Sede, alm do mais, laboriosos e perseverantes nos vossos estudos, sem o que os Espritossuperiores vos abandonaro, como faz um professor com os discpulos negligentes.

    IX

    O movimento dos objetos um fato incontestvel. A questo est em saber se, nessemovimento, h ou no uma manifestao inteligente e, em caso de afirmativa, qual a origemdessa manifestao.

    No falamos do movimento inteligente de certos objetos, nem das comunicaesverbais, nem das que o mdium escreve diretamente. Este gnero de manifestaes,evidente para os que viram e aprofundaram o assunto, no se mostra, primeira vista,bastante independente da vontade, para firmar a convico de um observador novato. Notrataremos, portanto, seno da escrita obtida com o auxlio de um objeto qualquer munidode um lpis, como cesta, prancheta, etc. A maneira pela qual os dedos do mdium repousamsobre os objetos desafia, como atrs dissemos, a mais consumada destreza de sua parte nointervir, de qualquer modo, em o traar das letras. Mas admitamos que a algum, dotado demaravilhosa habilidade, seja isso possvel e que esse algum consiga iludir o olhar doobservador; como explicar a natureza das respostas, quando se apresentam fora do quadrodas idias e conhecimentos do mdium? E note-se que no se trata de respostasmonossilbicas, porm, muitas vezes, de numerosas pginas escritas com admirvelrapidez, quer espontaneamente, quer sobre determinado assunto. De sob os dedos domdium menos versado em literatura, surgem de quando em quando poesias de impecveissublimidade e pureza, que os melhores poetas humanos no se dedignariam de subscrever.O que ainda torna mais estranhos esses fatos que ocorrem por toda parte e que os mdiunsse multiplicam ao infinito. So eles reais ou no? Para esta pergunta s temos uma resposta:vede e observai; no vos

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    faltaro ocasies de faz-lo; mas, sobretudo, observai repetidamente, por longo tempo e deacordo com as condies exigidas.

    Que respondem a essa evidncia os antagonistas? - Sois vtimas do charlatanismo oujoguete de uma iluso. Diremos, primeiramente, que a palavra charlatanismo no cabe ondeno h proveito. Os charlates no fazem grtis o seu ofcio. Seria, quando muito, umamistificao. Mas, por que singular coincidncia esses mistificadores se achariam acordes,de um extremo a outro do mundo, para proceder do mesmo modo, produzir os mesmosefeitos e dar, sobre os mesmos assuntos e em lnguas diversas, respostas idnticas, senoquanto forma, pelo menos quanto ao sentido? Como compreender-se que pessoasausteras, honradas, instrudas se prestassem a tais manejos? E com que fim? Como acharem crianas a pacincia e a habilidade necessrias a tais resultados? Porque, se os mdiunsno so instrumentos passivos, indispensveis se lhes fazem habilidade e conhecimentosincompatveis com a idade infantil e com certas posies sociais.

    Dizem ento que, se no h fraude, pode haver iluso de ambos os lados. Em boalgica, a qualidade das testemunhas de alguma importncia. Ora, aqui o caso deperguntarmos se a Doutrina Esprita, que j conta milhes de adeptos, s os recruta entre osignorantes? Os fenmenos em que ela se baseia so to extraordinrios que concebemos aexistncia da dvida. O que, porm, no podemos admitir a pretenso de algunsincrdulos, a de terem o monoplio do bom-senso, e que, sem guardarem as conveninciase respeitarem o valor moral de seus adversrios, tachem, com desplante, de ineptos os quelhes no seguem o parecer. Aos olhos de qualquer pessoa judiciosa, a opinio das que,esclarecidas, observaram durante muito tempo, estudaram e meditaram uma coisa,constituir sempre, quando no uma prova, uma presuno, no mnimo, a seu favor, vistoter logrado prender a ateno de homens respeitveis, que no tinham interesse algum empropagar erros nem tempo a perder com futilidades.

    X

    Entre as objees, algumas h das mais especiosas, ao menos na aparncia, porquetiradas da observao e feitas por pessoas respeitveis.

    A uma delas serve de base a linguagem de certos Espritos, que no parece digna daelevao atribuda a seres

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    sobrenaturais. Quem se reportar ao resumo da doutrina acima apresentado, ver que osprprios Espritos nos ensinam no haver entre eles igualdade de conhecimentos nem dequalidades morais, e que no se deve tomar ao p da letra tudo quanto dizem. s pessoassensatas incumbe separar o bom do mau. Indubitavelmente, os que desse fato deduzem ques se comunicam conosco seres malfazejos, cuja nica ocupao consista em nos mistificar,no conhecem as comunicaes que se recebem nas reunies onde s se manifestamEspritos superiores; do contrrio, assim no pensariam. de lamentar que o acaso os tenhaservido to mal, que apenas lhes haja mostrado o lado mau do mundo esprita, pois nosrepugna supor que uma tendncia simptica atraia para eles, em vez dos bons Espritos, osmaus, os mentirosos, ou aqueles cuja linguagem de revoltante grosseria. Poder-se-ia,quando muito, deduzir da que a solidez dos princpios dessas pessoas no bastante fortepara preserv-las do mal e que, achando certo prazer em lhes satisfazerem a curiosidade, osmaus Espritos disso se aproveitam para se aproximar delas, enquanto os bons se afastam.

    Julgar a questo dos Espritos por esses fatos seria to pouco lgico, quanto julgardo carter de um povo pelo que se diz e faz numa reunio de desatinados ou de gente de mnota, com os quais no entretm relaes as pessoas circunspectas nem as sensatas. Os queassim julgam se colocam na situao do estrangeiro que, chegando a uma grande capitalpelo mais abjeto dos seus arrabaldes, julgasse de todos os habitantes pelos costumes elinguagem desse bairro nfimo. No mundo dos Espritos tambm h uma sociedade boa euma sociedade m; dignem-se, os que daquele modo se pronunciam, de estudar o que sepassa entre os Espritos de escol e se convencero de que a cidade celeste no contmapenas a escria popular.

    Perguntam eles: os Espritos de escol descem at ns? Responderemos: No fiqueisno subrbio; vede, observai e julgareis; os fatos a esto para todo o mundo. A menos quelhes sejam aplicveis estas palavras de Jesus: Tm olhos e no vem; tm ouvidos e noouvem.

    Como variante dessa opinio, temos a dos que no vem, nas comunicaesespritas e em todos os fatos materiais a que elas do lugar, mais do que a interveno deuma potncia diablica, novo Proteu que revestiria todas as formas, para melhor nosenganar. No a julgamos suscetvel de exame srio, por isso no nos demoramos emconsider-la. Alis, ela est refutada pelo que acabamos de dizer. Acres-

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    centaremos, to-somente, que, se assim fosse, foroso seria convir em que o diabo svezes bastante criterioso e ponderado, sobretudo muito moral; ou ento, em que tambm hbons diabos.

    Efetivamente, como acreditar que Deus s ao Esprito do mal permita que semanifeste, para perder-nos, sem nos dar por contrapeso os conselhos dos bons Espritos? SeEle no o pode fazer, no onipotente; se pode e no o faz, desmente a Sua bondade.Ambas as suposies seriam blasfemas. Note-se que admitir a comunicao dos mausEspritos reconhecer o princpio das manifestaes. Ora, se elas se do, no pode deixarde ser com a permisso de Deus. Como, ento, se h de acreditar, sem impiedade, que Eles permita o mal, com excluso do bem? Semelhante doutrina contrria s mais simplesnoes do bom-senso e da Religio.

    XI

    Esquisito , acrescentam, que s se fale dos Espritos de personagens conhecidas eperguntam por que so eles os nicos a se manifestarem. H ainda aqui um erro, oriundo,como tantos outros, de superficial observao. Dentre os Espritos que vmespontaneamente, muito maior , para ns, o nmero dos desconhecidos do que o dosilustres, designando-se aqueles por um nome qualquer, muitas vezes por um nome alegricoou caracterstico. Quanto aos que se evocam, desde que no se trate de parente ou amigo, muito natural nos dirijamos aos que conhecemos, de preferncia a chamar pelos que nos sodesconhecidos. O nome das personagens ilustres atrai mais a ateno, por isso que sonotadas.

    Acham tambm singular que os Espritos dos homens eminentes acudamfamiliarmente ao nosso chamado e se ocupem, s vezes, com coisas insignificantes,comparadas com as de que cogitavam durante a vida. Nada a h de surpreendente para osque sabem que a autoridade, ou a considerao de que tais homens gozaram neste mundo,nenhuma supremacia lhes d no mundo esprita. Nisto, os Espritos confirmam estaspalavras do Evangelho: Os grandes sero rebaixados e os pequenos sero elevados,devendo esta sentena entender-se com relao categoria em que cada um de ns seachar entre eles. assim que aqueles que foi primeiro na Terra pode vir a ser l um dosltimos. Aquele diante de quem curvvamos aqui a cabea pode, portanto, vir falar-noscomo o mais humilde operrio, pois que deixou,

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    com a vida terrena, toda a sua grandeza, e o mais poderoso monarca pode achar-se l muitoabaixo do ltimo dos seus soldados.

    XII

    Um fato demonstrado pela observao e confirmado pelos prprios Espritos o deque os Espritos inferiores muitas vezes usurpam nomes conhecidos e respeitados. Quempode, pois, afirmar que os que dizem ter sido, por exemplo, Scrates, Jlio Csar, CarlosMagno, Fnelon, Napoleo, Washington, etc., tenham realmente animado essaspersonagens? Esta dvida existe mesmo entre alguns adeptos fervorosos da DoutrinaEsprita, os quais admitem a interveno e a manifestao dos Espritos, mas inquiremcomo se lhes pode comprovar a identidade. Semelhante prova , de fato, bem difcil deproduzir-se. Conquanto, porm, no o possa ser de modo to autntico como por umacertido de registro civil, pode-o ao menos por presuno, segundo certos indcios.

    Quando se manifesta o Esprito de algum que conhecemos pessoalmente, de umparente ou de um amigo, por exemplo, mormente se h pouco tempo que morreu, sucedegeralmente que sua linguagem se revela de perfeito acordo com o carter que tinha aosnossos olhos, quando vivo. J isso constitui indcio de identidade. No mais, entretanto, hlugar para dvidas, desde que o Esprito fala de coisas particulares, lembra acontecimentosde famlia, sabidos unicamente do seu interlocutor. Um filho no se enganar, decerto, coma linguagem de seu pai ou de sua me, nem pais haver que se equivoquem quanto de umfilho. Neste gnero de evocaes, passam-se s vezes coisas ntimas verdadeiramenteempolgantes, de natureza a convencerem o maior incrdulo. O mais obstinado cptico fica,no raro, aterrado com as inesperadas revelaes que lhe so feitas.

    Outra circunstncia muito caracterstica acode em apoio da identidade. Dissemosque a caligrafia do mdium muda, em geral, quando outro passa a ser o Esprito evocado eque a caligrafia sempre a mesma quando o mesmo Esprito se apresenta. Tem-severificado inmeras vezes, sobretudo se se trata de pessoas mortas recentemente, que aescrita denota flagrante semelhana com a dessa pessoa em vida. Assinaturas se ho obtidode exatido perfeita. Longe estamos, todavia, de querer apontar esse fato como regra emenos ainda como regra constante. Mencionamo-lo apenas como digna de nota.

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    S os Espritos que atingiram certo grau de purificao se acham libertos de todainfluncia corporal. Quando ainda no esto completamente desmaterializados ( aexpresso de que usam) conservam a maior parte das idias, dos pensadores e at dasmanias que tinham na Terra, o que tambm constitui um meio de reconhecimento, ao qualigualmente, se chega por uma imensidade de fatos minuciosos, que s uma observaoacurada e detida pode revelar. Vem-se escritores a discutir suas prprias obras oudoutrinas, a aprovar ou condenar certas partes delas; outros a lembrar circunstnciasignoradas, ou quase desconhecidas de suas vidas ou de suas mortes, toda sorte departicularidades, enfim, que so, quando nada, provas morais de identidade, nicasinvocveis, tratando-se de coisas abstratas.

    Ora, se a identidade de um Esprito evocado pode, at certo ponto, ser estabelecidaem alguns casos, razo no h para que no o seja em outros; e se, com relao a pessoas,cuja morte data de muito tempo, no se tm os mesmos meios de verificao, resta sempreo da linguagem e do carter, porquanto, inquestionavelmente, o Esprito de um homem debem no falar como o de um perverso ou de um devasso. Quanto aos Espritos que seapropriam de nomes respeitveis, esses se traem logo pela linguagem que empregam e pelasmximas que formulam. Um que se dissesse Fnelon, por exemplo, e que, ainda quandoapenas acidentalmente ofendesse o bom-senso e a moral, mostraria, por esse simples fato, oembuste. Se, ao contrrio, forem sempre puros os pensamentos que exprima, semcontradies e constantemente altura do carter de Fnelon, no h motivo para que seduvide da sua identidade. De outra forma, havamos de supor que um Esprito que s pregao bem capaz de mentir conscientemente e, ainda mais, sem utilidade alguma.

    A experincia nos ensina que os Espritos da mesma categoria, do mesmo carter epossudos dos mesmos sentimentos formam grupos e famlias. Ora, incalculvel o nmerodos Espritos e longe estamos de conhec-los a todos; a maior parte deles no tm mesmonomes para ns. Nada, pois, impede que um Esprito da categoria de Fnelon venha em seulugar, muitas vezes at como seu mandatrio. Apresenta-se ento com o seu nome, porquelhe idntico e pode substitu-lo e ainda porque precisamos de um nome para fixar asnossas idias. Mas, que importa, afinal, seja um Esprito, realmente ou no, o de Fnelon?Desde que tudo o que ele diz bom e que fala como o teria feito o prprio

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    Fnelon, um bom Esprito. Indiferente o nome pelo qual se d a conhecer, no passandomuitas vezes de um meio de que lana mo para nos fixar as idias. O mesmo, entretanto,no admissvel nas evocaes ntimas; mas, a, como dissemos h pouco, se consegueestabelecer a identidade por provas de certo modo patentes.

    Inegavelmente a substituio dos Espritos pode dar lugar a uma poro deequvocos, ocasionar erros e, amide, mistificaes. Essa uma das dificuldades doEspiritismo prtico. Nunca, porm, dissemos que esta cincia fosse fcil, nem que sepudesse aprend-la brincando, o que, alis, no possvel, qualquer que seja a cincia.Jamais teremos repetido bastante que ela demanda estudo assduo e por vezes muitoprolongado. No sendo lcito provocarem-se os fatos, tem-se que esperar que eles seapresentem por si mesmos. Freqentemente ocorrem por efeito de circunstncias em que seno pensa. Para o observador atento e paciente os fatos abundam, por isso que ele descobremilhares de matizes caractersticos, que so verdadeiros raios de luz. O mesmo se d comas cincias comuns. Ao passo que o homem superficial no v numa flor mais do que umaforma elegante, o sbio descobre nela tesouros para o pensamento.

    XIII

    As observaes que a ficam nos levam a dizer alguma coisa acerca de outradificuldade, a da divergncia que se nota na linguagem dos Espritos.

    Diferindo estes muito uns dos outros, do ponto de vista dos conhecimentos e damoralidade, evidente que uma questo pode ser por eles resolvida em sentidos opostos,conforme a categoria que ocupam, exatamente como sucederia, entre os homens, se apropusessem ora a um sbio, ora a um ignorante, ora a um gracejador de mau gosto. Oponto essencial, temo-lo dito, sabermos a quem nos dirigimos.

    Mas, ponderam, como se explica que os tidos por Espritos de ordem superior nemsempre estejam de acordo? Diremos, em primeiro lugar, que, independentemente da causaque vimos de assinalar, outras h de molde a exercerem certa influncia sobre a naturezadas respostas, abstrao feita da probidade dos Espritos. Este um ponto capital, cujaexplicao alcanaremos pelo estudo. Por isso que dizemos que estes estudos requeremateno demorada, observao profunda e, sobretudo, como alis o exigem todas as cinciashumanas, continuidade e perseverana. Anos so

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    precisos para forma-se um mdico medocre e trs quartas partes da vida para chegar-se aser um sbio. Como pretender-se em algumas horas adquirir a Cincia do Infinito?Ningum, pois, se iluda: o estudo do Espiritismo imenso; interessa a todas as questes dametafsica e da ordem social; um mundo que se abre diante de ns. Ser de admirar que oefetu-lo demande tempo, muito tempo mesmo?

    A contradio, demais, nem sempre to real quanto possa parecer. No vemostodos os dias homens que professam a mesma cincia divergirem na definio que do deuma coisa, quer empreguem termos diferentes, quer a encarem de pontos de vista diversos,embora seja sempre a mesma a idia fundamental? Conte quem puder as definies que setm dado de gramtica! Acrescentaremos que a forma da resposta depende muitas vezes daforma da questo. Pueril, portanto, seria apontar contradio onde freqentemente s hdiferena de palavras. Os Espritos superiores no se preocupam absolutamente com aforma. Para eles, o fundo do pensamento tudo.

    Tomemos, por exemplo, a definio de alma. Carecendo este termo de uma acepoinvarivel, compreende-se que os Espritos, como ns, divirjam na definio que deladem: um poder dizer que o princpio da vida, outro chamar-lhe centelha anmica, umterceiro afirmar que ela interna, que externa, etc., tendo todos razo, cada um do seuponto de vista. Poder-se- mesmo crer que alguns deles professem doutrinas materialistas e,todavia, no ser assim. Outro tanto acontece relativamente a Deus. Ser: o princpio detodas as coisas, o criador do Universo, a inteligncia suprema, o infinito, o grande Esprito,etc. Em definitivo, ser sempre Deus. Citemos, finalmente, a classificao dos Espritos.Eles formam uma srie ininterrupta, desde o mais nfimo grau at o grau superior. Aclassificao , pois, arbitrria. Um, grup-los- em trs classes, outro em cinco, dez ouvinte, vontade, sem que nenhum esteja em erro. Todas as cincias humanas nos oferecemidnticos exemplos. Cada sbio tem o seu sistema; os sistemas mudam, a Cincia, porm,no muda. Aprenda-se a botnica pelo sistema de Linneu, ou pelo de Jussieu, ou pelo deTournefort, nem por isso se saber menos botnica. Deixemos, conseguintemente, deemprestar a coisas de pura conveno mais importncia do que merecem, para s nosatermos ao que verdadeiramente importante e, no raro, a reflexo far se descubra, noque parea disparate, uma similitude que escapara a um primeiro exame.

  • 40INTRODUO

    XIV

    Passaramos de longe pela objeo que fazem alguns cpticos, a propsito das faltasortogrficas que certos Espritos cometem, se ela no oferecesse margem a uma observaoessencial. A ortografia deles, cumpre diz-lo, nem sempre irreprochvel; mas, grandeescassez de razes seria mister para se fazer disso objeto de crtica sria, dizendo que, vistosaberem tudo, os Espritos devem saber ortografia. Poderamos opor-lhes os mltiplospecados desse gnero cometidos por mais de um sbio da Terra, o que, entretanto, em nadalhes diminui o mrito. H, porm, no fato, uma questo mais grave. Para os Espritos,principalmente para os Espritos superiores, a idia tudo, a forma nada vale. Livres damatria, a linguagem de que usam entre si rpida como o pensamento, porquanto so osprprios pensamentos que se comunicam sem intermedirio. Muito pouco vontade ho deeles se sentirem, quando obrigados, para se comunicarem conosco, a utilizarem-se dasformas longas e embaraosas da linguagem humana e a lutarem com a insuficincia e aimperfeio dessa linguagem, para exprimirem todas as idias. o que eles prpriosdeclaram. Por isso mesmo, bastante curiosos so os meios de que se servem com freqnciapara obviarem a esse inconveniente. O mesmo se daria conosco, se houvssemos deexprimir-nos num idioma de vocbulos e fraseados mais longos e de maior pobreza deexpresses do que o de que usamos. o embarao que experimenta o homem de gnioconstitui motivo de impacincia a lentido da sua pena sempre muito atrasada no lheacompanhar o pensamento. Compreende-se, diante disto, que os Espritos liguem poucaimportncia puerilidade da ortografia, mormente quando se trata de ensino profundo egrave. J no maravilhoso que se exprimam indiferentemente em todas as lnguas e que asentendam todas? No se conclua da, todavia, que desconheam a correo convencional dalinguagem. Observam-na, quando necessrio. Assim , por exemplo, que a poesia por elesditada desafiaria quase sempre a crtica do mais meticuloso purista, a despeito daignorncia do mdium.

    XV

    H tambm pessoas que vem perigo por toda parte e em tudo o que no conhecem.Da a pressa com que, do fato de haverem perdido a razo alguns dos que se entregaram

  • 41INTRODUO

    a estes estudos, tiram concluses desfavorveis ao Espiritismo. Como que homenssensatos enxergam nisto uma objeo valiosa? No se d o mesmo com todas aspreocupaes de ordem intelectual que empolguem um crebro fraco? Quem ser capaz deprecisar quantos loucos e manacos os estudos da matemtica, da medicina, da msica, dafilosofia e outros tm produzido? Dever-se-ia, em conseqncia, banir esses estudos? Queprova isso? Nos trabalhos corporais, estropiam-se os braos e as pernas, que so osinstrumentos da ao material; nos trabalhos da inteligncia, estropia-se o crebro, que odo pensamento. Mas, por se haver quebrado o instrumento, no se segue que o mesmotenha acontecido ao Esprito. Este permanece intacto e, desde que se liberte da matria,gozar, tanto quanto qualquer outro, da plenitude das suas faculdades. No seu gnero, ele ,como homem, um mrtir do trabalho.

    Todas as grandes preocupaes do esprito podem ocasionar a loucura: as cincias,as artes e at a religio lhe fornecem contingentes. A loucura tem como causa primria umapredisposio orgnica do crebro, que o torna mais ou menos acessvel a certasimpresses. Dada a predisposio para a loucura, esta tomar o carter de preocupaoprincipal, que ento se muda em idia fixa, podendo tanto ser a dos Espritos, em quem comeles se ocupou, como a de Deus, dos anjos, do diabo, da fortuna, do poder, de uma arte, deuma cincia, da maternidade, de um sistema poltico ou social. Provavelmente, o loucoreligioso se houvera tornado um louco esprita, se o Espiritismo fora a sua preocupaodominante, do mesmo modo que o louco esprita o seria sob outra forma, de acordo com ascircunstncias.

    Digo, pois, que o Espiritismo no tem privilgio algum a esse respeito. Vou maislonge: digo que, bem compreendido, ele um preservativo contra a loucura.

    Entre as causas mais comuns de sobreexcitao cerebral, devem contar-se asdecepes, os infortnios, as afeies contrariadas, que, ao mesmo tempo, so as causasmais freqentes de suicdio. Ora, o verdadeiro esprita v as coisas deste mundo de umponto de vista to elevado; elas lhe parecem to pequenas, to mesquinhas, a par do futuroque o aguarda; a vida se lhe mostra to curta, to fugaz, que, aos seus olhos, as tribulaesno passam de incidentes desagradveis, no curso de uma viagem. O que, em outro,produziria violenta emoo, mediocremente o afeta. Demais, ele sabe que as amarguras davida so provas teis ao seu adiantamento, se as sofrer sem murmurar, porque ser re-

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    compensado na medida da coragem com que as houver suportado. Suas convices lhe d