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O JEITO JAPONÊS DE SER BRASILEIRO/A REFLEXÕES ACERCA DE UMA EXPERIÊNCIA DE OFICINA PEDAGOGICA ALEÍ DOS SANTOS LIMA DANIELA LUMI WATANABE* RESUMO: Neste trabalho pretendemos analisar as experiências oriundas da aplicação de uma oficina pedagógica realizada numa turma de 1º ano do Ensino Médio do Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães, na cidade de Santo Antonio de Jesus-Ba, em novembro de 2009. A proposta da oficina foi compreender o jeito japonês de ser brasileiro, a partir de discussões acerca da imigração japonesa no território nacional, priorizando a ressonância desse processo no município de Taperoá-Ba, por volta da segunda metade do século XX. A especificidade da temática e a resistência que se percebe dos alunos em relação ao ensino de história foram problemáticas que influenciaram de modo preponderante as nossas escolhas, sobretudo porque os acontecimentos discutidos envolviam diretamente a história de dois países Brasil e Japão. Culinária, arte, relações de gênero foram alguns elementos abordados em nossa proposta de trabalho, considerando as alterações/adaptações oriundas do processo de trocas culturais entre imigrantes japoneses e brasileiros. Assim, enquanto lugar de produção, construção e reconstrução, a oficina se constituiu como uma atividade complexa que exigiu planejamento, pesquisa e muita dedicação. Palavras-chave: Japão, Imigração, Oficina Pedagógica, Ensino de História. A experiência que trazemos para reflexão no presente texto diz respeito à oficina pedagógica O jeito japonês de ser brasileiro/a, realizada no Colégio Modelo Estadual Luis Eduardo Magalhães, numa turma de 1º Ano, como atividade avaliativa do componente Estágio Supervisionado. A proposta foi discutir a imigração japonesa no território nacional, priorizando a experiência desse processo no município de Taperoá-BA, 1 por volta da segunda metade do século XX. A primeira família japonesa a se instalar em terras taperoenses chegou em 1972. Tal evento veio a se repetir com a chegada de outras famílias, que se deslocaram de Tomé-Açu, no Pará onde a produção da pimenta-do-reino, seu principal produto, estava em decadência - movidas por promessas de melhoria de vida nas terras “férteis” do interior baiano. Divulgavam-se os solos baianos como produtivos e o cravo-da-índia como a grande promessa de enriquecimento Professora da Rede Privada de Santo Antônio de Jesus/BA. Graduada em História pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Campus V. * Professora da Rede Estadual de Taperoá/BA. Graduada em História pela Universidade do Estado da Bahia, Campus V. 1 Trata-se de um pequeno ponto no mapa baiano com uma extensão territorial 410.175 Km² na qual, segundo o IBGE, está distribuída uma população de 18.000 habitantes. A formação étnica desse município tem contribuições dos povos ameríndios, dos negros, e, minoritariamente, de irlandeses, portugueses e japoneses.

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O JEITO JAPONÊS DE SER BRASILEIRO/A

REFLEXÕES ACERCA DE UMA EXPERIÊNCIA DE OFICINA PEDAGOGICA

ALEÍ DOS SANTOS LIMA

DANIELA LUMI WATANABE*

RESUMO: Neste trabalho pretendemos analisar as experiências oriundas da aplicação de

uma oficina pedagógica realizada numa turma de 1º ano do Ensino Médio do Colégio Modelo

Luís Eduardo Magalhães, na cidade de Santo Antonio de Jesus-Ba, em novembro de 2009. A

proposta da oficina foi compreender o jeito japonês de ser brasileiro, a partir de discussões

acerca da imigração japonesa no território nacional, priorizando a ressonância desse processo

no município de Taperoá-Ba, por volta da segunda metade do século XX. A especificidade da

temática e a resistência que se percebe dos alunos em relação ao ensino de história foram

problemáticas que influenciaram de modo preponderante as nossas escolhas, sobretudo

porque os acontecimentos discutidos envolviam diretamente a história de dois países – Brasil

e Japão. Culinária, arte, relações de gênero foram alguns elementos abordados em nossa

proposta de trabalho, considerando as alterações/adaptações oriundas do processo de trocas

culturais entre imigrantes japoneses e brasileiros. Assim, enquanto lugar de produção,

construção e reconstrução, a oficina se constituiu como uma atividade complexa que exigiu

planejamento, pesquisa e muita dedicação.

Palavras-chave: Japão, Imigração, Oficina Pedagógica, Ensino de História.

A experiência que trazemos para reflexão no presente texto diz respeito à oficina pedagógica

O jeito japonês de ser brasileiro/a, realizada no Colégio Modelo Estadual Luis Eduardo

Magalhães, numa turma de 1º Ano, como atividade avaliativa do componente Estágio

Supervisionado. A proposta foi discutir a imigração japonesa no território nacional,

priorizando a experiência desse processo no município de Taperoá-BA,1 por volta da segunda

metade do século XX.

A primeira família japonesa a se instalar em terras taperoenses chegou em 1972. Tal evento

veio a se repetir com a chegada de outras famílias, que se deslocaram de Tomé-Açu, no Pará –

onde a produção da pimenta-do-reino, seu principal produto, estava em decadência - movidas

por promessas de melhoria de vida nas terras “férteis” do interior baiano. Divulgavam-se os

solos baianos como produtivos e o cravo-da-índia como a grande promessa de enriquecimento

Professora da Rede Privada de Santo Antônio de Jesus/BA. Graduada em História pela Universidade do Estado

da Bahia (UNEB), Campus V.

*Professora da Rede Estadual de Taperoá/BA. Graduada em História pela Universidade do Estado da Bahia,

Campus V. 1Trata-se de um pequeno ponto no mapa baiano com uma extensão territorial 410.175 Km² na qual, segundo o

IBGE, está distribuída uma população de 18.000 habitantes. A formação étnica desse município tem

contribuições dos povos ameríndios, dos negros, e, minoritariamente, de irlandeses, portugueses e japoneses.

e, apostando nisso, vários nipônicos se direcionaram para o interior baiano. O município de

Taperoá recebeu entre os anos de 1974 e 1975, cerca de trinta e cinco famílias japonesas, fato

que influenciou a vida social, cultural e agrícola local.

Discutir essa temática em uma oficina pedagógica foi uma interessante possibilidade de

transposição didática, prática que deve estar fundamentada em um planejamento coerente e

em metodologias que correspondam à heterogeneidade discente. Apesar de pouco utilizada,

esse instrumento de ensino contribui para a construção/reconstrução criativa dos saberes

históricos, além de favorecer as relações interpessoais e fomentar o respeito à diversidade, que

se constitui como um conteúdo de extensão pedagógica. Mas, um tema interessante como

esse, não é suficiente para atrair uma turma de adolescentes a participar de uma oficina

pedagógica durante uma semana. A preocupação em desenvolver essa atividade de maneira

prazerosa foi uma constante desde a sua divulgação. Assim, decidimos “levar o Japão” para

os corredores da escola. Vestidas com trajes típicos da cultura nipônica (quimono) fomos

envolver os futuros oficineiros com a nossa proposta. Essa estratégia foi tão exitosa que as

vagas oferecidas foram rapidamente preenchidas, com acréscimo de uma disputada lista de

espera para o caso de possíveis desistências.

Uma característica fundamental da oficina pedagógica é a abordagem mais aprofundada e

dinâmica dos conteúdos; a própria expressão – “oficina pedagógica” – sugere uma troca de

saberes em que o contato prático com o conhecimento é bastante relevante. Partindo dessa

perspectiva, salientamos que a oficina é uma realidade complexa que exige planejamento e

dedicação, mas que pode ser muito bem empreendida na perspectiva da educação histórica.

Ensinar História é trabalhar com identidades e, por que não com a formação de sujeitos que

desempenham distintos papéis na vida e na sociedade. É importante destacar que entendemos

a oficina enquanto lugar de produção, manufatura, construção e reconstrução, pois no sentido

prático do termo “se põe a mão na massa”. E assim fizemos ao articularmos o ensino de

história à gastronomia e à arte japonesa como maneira de favorecer o entendimento desse

intercâmbio cultural através de uma experiência lúdica.

Pimenta-do-reino, sal, cebolinha, camarão, cenoura, farinha de trigo, ovos, batata...

Ingredientes de uma aula de história?!E, por que não? Afinal, a gastronomia também possui

vestígios da história, da sociedade e da nação à qual se pertence. Transformar a sala de aula

em cozinha possibilitou uma saborosa reflexão sobre o intercâmbio cultural entre nipônicos e

brasileiros a partir da culinária, com a preparação coletiva de uma receita típica da cultura

japonesa, o tempurá. Conforme Ribeiro (2006, p.10),

(...) a cozinha japonesa é diferenciada em seu preparo, seus

sabores e sua apresentação. Cercado de maré cortado por rios, o

Japão tem em seus pratos a forte presença dos seus pescados. (...)

Os legumes são talhados em pequenos formatos e preparados em

cozidos ou conservas. O elemento básico da alimentação é o arroz,

tão importante que, na Idade Média, era utilizado como moeda de

pagamento de impostos. O molho (shoyu) ou a pasta de soja

(missô) dão um sabor característico à conzinha de todo o país.

No sentido de desconstruir a representação caricaturada da alimentação desse segmento étnico

como exclusivamente crua e a base de arroz, optamos por um prato cujo preparo depende da

fritura. A princípio, “degustar” o conhecimento histórico através da gastronomia ressoou de

maneira surpreendente para os oficineiros, por ser uma metodologia atípica também nas

demais disciplinas, entre outros motivos, pelo fato de ser uma atividade dispendiosa e

trabalhosa para a realidade de uma escola pública. A preparação do tempurá 2 aguçou as

acepções dos alunos que puderam sentir através do paladar, do olfato, do tato e da visão um

componente fundamental nas experiências históricas entre o Japão e o Brasil, a alimentação.

Foto 01: Preparação do Tempurá Foto 02: Preparação do Tempurá

2 Ingredientes do Tempurá: 1 kg de camarão limpo, alho, condimento de pimenta-do-reino, sal para temperar o

camarão, 1 ovo inteiro, 10 colheres de farinha de trigo,1 Colher (sopa) de tempero de peixe em pó. Sugestão:

Tempero Hondashi. (Pode ser substituído por 1 envelope de sazon vermelho ou sazon para peixe);Óleo para

fritar,Tempero verde: Cebolinha e coentro a gosto,2 cenouras, 2 batatas, 1 cebola e 1 pimentão grandes. Modo de

preparar: Tempere o camarão com alho, o condimento de pimenta-do-reino e o sal. Reserve. Cortar as batatas, as

cenouras, a cebola e o pimentão em tiras finas. Cortar o coentro e a cebolinha. Bata os ovos inteiros até ficar

homogêneo acrescente uma pitada de sal, o tempero de peixe em pó, a farinha de trigo, o tempero verde e os

legumes. Mergulhe aos poucos o camarão nessa massa e frite em óleo quente. Quando dourar a massa, retire com

uma escumadeira e escorra em toalha de papel absorvente. Sirva quente como tira gosto ou mesmo com arroz

branco e molho de soja (Sugestão: Shoyu).

Arquivo Pessoal: Aleí Lima e Daniela Watanabe. Novembro de 2010.

Levar a cozinha para a sala de aula pode contribuir também para a interdisciplinaridade de

saberes. Ao ler ou anotar uma receita, o aluno aprimora a escrita e a interpretação textual; o

ato de selecionar ingredientes está envolvido em noções matemáticas e enquanto acompanha

as transformações na aparência e no sabor dos itens da receita, os alunos se aproximam dos

postulados físicos e químicos. Além disso, no que se refere à dimensão cultural dessa

atividade, a adaptação de alguns ingredientes evidenciou como a culinária pode sofrer a

influência das reelaborações culturais oriundas das transformações históricas.

Foto 03: Degustação do Tempurá Foto 04: Degustação do Tempurá

Arquivo Pessoal: Aleí Lima e Daniela Watanabe. 2010

Para além da oficina gastronômica, promovemos uma oficina artística, na qual monitoramos

os alunos na confecção de origami, arte milenar japonesa, cujas figuras são criadas através das

dobraduras em papel. Nessa ocasião escolhemos fazer arte em papel a partir da figura do

“tsuru3” (pássaro), que, conforme a tradição milenar transmitida de geração em geração, a

produção de mil tsurus gera boa sorte. De acordo com Dourado (2010, p. 2),

3 Origami tsuru. Passo a passo: Obtenha uma folha quadrada. Exatamente quadrada. Dobre ao meio na vertical e

abra. Dobre nas duas diagonais sendo o lado direito para frente. Dobre o lado esquerdo para trás. Abra ao meio

na parte de baixo, levante a ponta inferior e junte a ponta esquerda com a direita para formar um quadrado. Com

a parte aberta para baixo, dobre as laterais esquerdas, a direita para o centro e abra. Dobre e abra a parte superior

no pontilhado. Com cuidado puxe a ponta (A) para cima ficando com uma figura igual a da próxima etapa. Vire

e papel e repita ficando com uma figura igual a da próxima figura. Com a parte aberta para baixo. Dobre as

laterais esquerdas e a direita para o centro conforme a figura. Vire o papel e faça o mesmo do outro lado. Dobre

a lateral direita sobre a esquerda acompanhando o eixo vertical central. Vire e faça o mesmo do outro lado e você

terá a figura abaixo com a parte aberta para cima. Dobre a ponta inferior para cima onde está a linha tracejada.

Para formar a cabeça do pássaro, dobre a ponta da mesma aba para frente e você terá a próxima figura. No

O maior encanto pessoal com a arte do origami é o seu poder de

transformação – com materiais simples e baratos. Além disso,

pode-se criar e inovar produzindo objetos encantadores, ao mesmo

tempo, em que se desenvolve a comunicação nas relações e a

motivação criativa, que surgem da compreensão da possibilidade

de gerar novas idéias e da crença no potencial criativo do ser

humano.

Nesse sentido, enquanto elemento de inserção da cultura oriental, a arte de modelar papéis na

sala de aula, para além de produzir graciosas peças decorativas, estimulou o trabalho coletivo

e contribuiu para aguçar a concentração dos alunos. Utilizar as artes manuais pode ser um

recurso significativo para fomentar as várias habilidades discentes e, em certa medida,

expressar através das dobraduras as relações entre as distintas áreas do conhecimento.

Foto 05: Confecção de Tsuru Foto 05: Confecção de Tsuru

Arquivo Pessoal: Aleí Lima e Daniela Watanabe. 2010

Além das aulas no ambiente escolar, com a finalidade de realizar uma transposição didática de

forma mais atraente e contextualizada foi desenvolvida uma aula de campo, que se configurou

como um momento especial do nosso estágio. A pesquisa de campo é uma prática trabalhosa

que exige organização e um dispêndio maior de recursos financeiros – e talvez por isso pouco

freqüente – se constitui como um meio de estreitar a distância entre os discentes e o objeto de

estudo. Desse modo, a aula de campo na Colônia de Imigrantes Japoneses em Taperoá-Ba

partiu da perspectiva de “[...] pensar não a mera articulação entre ensino e pesquisa, mas o

próprio ensino como pesquisa” (CABRINI, 2000: p. 15). Cabe afirmar que o trabalho de

campo, neste caso, não se limitou ao empirismo como simples verificação de determinada

realidade, mas, de outro modo, implicou num momento de articulação entre teoria e prática.

mesmo ponto onde foi dobrada a parte da frente dobre a aba de trás para formar a cauda. Abra as laterais

esquerdas e a direita. Faça dobra na parte de baixo. Dobre ligeiramente as asas para baixo, e com cuidado, puxe a

cabeça e a cauda na diagonal para aparecer o corpo. Sopre com delicadeza a parte inferior do pássaro.

Do Oriente para o Ocidente, do norte brasileiro ao Baixo Sul da Bahia: para entender tantos

deslocamentos, fez-se necessário utilizar mapas, que foram empregados no sentido de fazer

com que os alunos apreendessem a importância da localização geográfica para compreender a

complexidade dos fluxos migratórios em diferentes contextos históricos. O ensino de história

por meio da utilização de mapas pode tornar a aprendizagem mais expressiva, uma vez que o

aluno pode visualizar os fenômenos no espaço, ao mesmo tempo em que pode ver seu lugar

de sociabilidade inserido numa escala regional, nacional e global através da política, da

economia, dos tratados, da cultura, enfim.

A saída da rotina escolar (quadro, carteiras e paredes) favoreceu aos alunos uma visão mais

ampla de assuntos até então pouco discutidos: Imigração japonesa – Japão/Brasil, Pará/Bahia,

especificamente em Taperoá-Ba. Assim, o entrecruzamento de aspectos históricos (1º

momento da aula: trajetória de vida de nipo-brasileiras em Taperoá) e geográficos (2º

momento: visita ao sítio da família Amano - primeira família de imigrantes japoneses a

chegarem a esse município, e a adotarem técnicas agrícolas oriundas de Tomé-Açu, no Pará)

representou um momento de integração entre fenômenos sociais e naturais, tão importantes

para a compreensão do conteúdo abordado - ocasião em que puderam perceber alguns hábitos

e comportamentos que permaneceram e ou se adaptaram ao longo do processo imigratório do

Oriente para o Ocidente.

Compor uma mesa exclusivamente com mulheres foi estratégico para as reflexões sobre

gênero e história. Ao lançar olhares sobre essa questão, percebemos que o feminino e o

masculino são históricos e culturalmente construídos, assim como a suposta superioridade

hierárquica dos homens em relação às mulheres. “Todos esses pontos [...] constituem uma

questão de gênero [...] na qual a mulher influi e influiu em épocas diferentes e em países

distintos, mas que se correlacionam devido a um acontecimento histórico a imigração

japonesa” (BIRELLO e LESSA, 2008: p. 69). Do ponto de vista metodológico, não se tratou

de uma mesa de apresentações em seu sentido formal; sentados em semi círculo e sem seguir

um roteiro de questões previamente definido a interação ocorreu em clima de descontração,

pois a medida que as mulheres narravam suas trajetórias de vida, os alunos lançavam

perguntas e curiosidades.

“Por que escolheram Taperoá?”, “quem são as gueixas?” “como vocês se casaram?”, “vocês

só comem comida crua?”, “como é ser japonês no Brasil?”. Muitos foram os questionamentos

e as curiosidades dos alunos quando tiveram a oportunidade de interagir com um grupo de

mulheres de origem japonesa de diferentes gerações, algo que expressa o envolvimento da

turma na atividade. Assistir meninas e mulheres vestidas de trajes típicos (quimonos)

dançando e mesclando em alguns momentos os idiomas japonês e português representou uma

experiência singular para os alunos.Vale ressaltar que para muitos, esse foi o primeiro contato

com uma comunidade nipônica, considerando que a maioria revelou desconhecer a existência

desse grupo em terras baianas, especificamente, em Taperoá.

Foto 07: Mesa Redonda

Arquivo Pessoal: Aleí Lima e Daniela Watanabe. 2010.

Nessa perspectiva, salientamos a importância de problematizarmos os papéis desempenhados

por essas mulheres no processo imigratório - de quais maneiras atuaram nessa conjuntura?

Sabe-se que muitas nipônicas imigraram motivadas não somente por fatores de ordem

econômica, mas também por razões de interesses familiares, a exemplo das “noivas

encomendadas” para se casarem com os japoneses que imigraram para o Brasil. Cabe

sinalizar que era freqüente a resistência das famílias aqui estabelecidas com os casamentos

inter étnicos. Esses e outros aspectos foram contemplados durante a socialização das

trajetórias de vida das nipo-brasileiras.

Mas, a nossa aula de campo não terminaria aí. Após esse momento, seguimos em direção ao

sítio Amano onde fomos recepcionados pelos descendentes da família pioneira no

deslocamento de japoneses para Taperoá. Oportunidade em que tivemos acesso a vários

registros históricos (álbuns de família, diário) e detalhes da importância da agricultura na vida

desses. Nesse sentido, foi extremamente rico o componente interdisciplinar nessa troca de

saberes, pois, para além das experiências históricas acerca da trajetória desses imigrantes, os

alunos conheceram técnicas e algumas produções agrícolas cultivadas no sítio sob orientação

do senhor Tadao e da senhora Takako Amano, respectivamente, genro e filha, de Amano.

Foto 08: Visita ao sítio Amano Foto 09: Visita ao sítio Amano

Arquivo Pessoal: Aleí Lima e Daniela Watanabe. 2010.

Propor, organizar e projetar um aula num ambiente externo aos muros escolares é sempre

desafiador; exige, para além de vontade, coragem, recursos financeiros. Nesse sentido, cabe

socializar alguns aspectos burocráticos que envolveram este que foi um verdadeiro

“empreendimento”. Como se tratava de uma turma formada por alunos com faixa etária entre

quatorze e dezesseis anos tivemos a preocupação de solicitar autorização formal dos seus

genitores/responsáveis o que não foi suficiente para viabilizar a saída dos alunos para a aula

de campo em Taperoá, diante as exigências da instituição escolar. Para que o deslocamento

ocorresse, foi necessário satisfazer outra exigência: obter junto a Vara de Infância uma

autorização que assegurasse do ponto de vista judicial a realização da viagem. Vários e

insistentes telefones, contatos e mais contatos com a direção da escola, longas esperas por

atendimento no Fórum, cansaço físico, sensação de desânimo e, sobretudo, medo de frustrar

as expectativas dos alunos caso não fosse viabilizada a pesquisa de campo. Esses foram os

dissabores e os meios burocráticos para que “conquistássemos” as referidas autorizações.

Na troca de saberes entre docentes e discentes, o aspecto metodológico é um elemento

fundamental na transposição didática. Assim, as metodologias de ensino devem corresponder

à dinâmica das relações sociais e da produção dos conhecimentos, considerando as

especificidades socioculturais dos aprendizes. As várias possibilidades metodológicas

utilizadas com criatividade e criticidade podem contribuir com o desenvolvimento de

propostas pedagógicas mais sedutoras e expressivas. Partindo do princípio de que todas as

linguagens representam relações de trabalho, poder, identidades sociais, étnicas e religiosas,

compreendemos que a utilização de diferentes fontes de pesquisa (testemunhos, documentos,

cinema, imagens, entre outras) pode sugerir diversos olhares de uma mesma realidade

história.

A proposta aqui compartilhada pautou-se em uma metodologia participativa que se efetivou

através das aulas expositivas dialogadas, da discussão de textos e análises de imagens e

vídeos. No que tange ao diálogo com o cinema, a obra cinematográfica - Memórias de uma

Gueixa 4 - foi selecionada de acordo com uma das temática da oficina, com a finalidade de

provocar uma discussão acerca da questão de gênero. Enquanto representação, o filme toca

todos os sentidos, pois nos permite sentir e experienciar sensorialmente o mundo e a nós

mesmos, por meio das situações, das personagens, dos cenários, da música. É necessário

destacar que educar através do cinema ou utilizar o cinema no processo escolar implica em

educar o olhar, compreender os códigos implícitos em cada cena; trata-se do processo de

passagem do espectador passivo para o espectador crítico. Nesse sentido, a incorporação do

filme enquanto metodologia de ensino “[...] concorre para desenvolver nos alunos o interesse

pelas disciplinas, como ciências em construção, no seio das quais convivem leituras

divergentes acerca da realidade social em diferentes tempos e espaços.” (GUIMARÃES,

2003: p. 179).

4 GUEIXA, Memórias de. Produção: Lucy Fisher, Steven Spielberg e Douglas Wick. Direção: Rob Marshall.

Intérpretes: Zhang Ziyi, Ken Watanabe, Michelle Yeoh, Gong Li, Koji Yakusho, Youki Kudoh. Roteiro: Robin

Swincord. Gênero: Romance. Estados Unidos: Columbia Pictures Corporations, 2005. Duração:145 min.

Baseado no romance internacionalmente aclamado de Arthur Golden, Memórias de uma Gueixa é um épico

romântico arrebatador que tem lugar em um mundo misterioso e exótico que ainda hoje exerce grande fascínio.

A história começa nos anos que antecedem a II Guerra Mundial quando uma criança japonesa, sem um tostão

sequer, é separada de seus pais para trabalhar como empregada em uma casa de gueixas. A despeito de sua

traiçoeira rival, que quase consegue alquebrar sua alma, a menina floresce e se torna a legendária gueixa Sayuri

(Ziyi Zhang). Linda e completa, Sayuri conquista o homem mais poderoso de seu tempo, mas é assombrada pelo

secreto amor que nutre por um homem que está fora de seu alcance (Ken Watanabe).

Em todas as atividades propostas, valorizamos como ponto de partida, as impressões iniciais

do público alvo acerca dos orientes e, especificamente, do universo japonês. Num primeiro

momento, discutir o processo da imigração japonesa no Brasil e na Bahia, especificamente em

Taperoá, gerou “estranheza” por parte dos alunos, pois as contribuições das diferentes

sociedades do Oriente para a história mundial, por vezes, lhes eram apresentadas de maneira

exóticas e fantásticas, na opinião dos mesmos. No entanto, os recursos utilizados

possibilitaram a participação e assiduidade do alunado nas aulas e, conseqüentemente

resultados bastante positivos em relação ao aprendizado. Podemos afirmar que o nosso

trabalho oscilou entre o diferente, o desafiador e o apaixonante, seja pelas provocações que

envolvem o tema escolhido ou mesmo pela inquietude de mesclar ensino-aprendizagem com

atratividade.

Trabalhar o ensino de história sob esse viés é pensar a disciplina como formadora de opinião,

questionando “verdades” e desenvolvendo o senso crítico nos alunos, pois para se criticar

deve-se usar da reflexão, da análise, da pesquisa, quesitos que favorecem o enriquecimento

intelectual. O ensino e a aprendizagem da História estão voltados, a priori, para atividades

que conduzam o aluno a compreender as relações e as diferenças, as permanências e as

transformações no modo de vida social, cultural e econômico em diferentes escalas e

concepções de temporalidade, mediante a leitura de diferentes fontes e produções

historiográficas.

Podemos afirmar que o estágio de oficina foi uma experiência memorável. Em torno dessa

prática de ensino, pudemos desenvolver, de maneira integrada, atividades de ensino, pesquisa

e extensão. Como indica a própria etimologia da palavra“oficina”, em latim, toda e qualquer

oficina é local de trabalho, em seu sentido laborativo. Assim, com a mão na massa ou no

papel, analisando a cartografia ou reproduzindo mapas mentais, dentro ou fora dos limites do

universo escolar, concluímos que numa oficina o processo ensino aprendizagem está

interligado ao “manuseio” do conhecimento.

De tantas coisas vivenciadas e após um exercício exaustivo de planejamento e

replanejamento, estamos convictas de que a pesquisa e o planejamento são fundamentais para

a docência, em qualquer área de atuação. Pesquisar e planejar dá trabalho, exige muita

disciplina, mas, é inviável utilizar metodologias interessantes se não há domínio do assunto a

ser discutido e se não existe uma organização coerente dos objetivos a serem alcançados.

Como afirma Bitencourt, “[...] estudar para o professor é inseparável do seu ofício”.

Afinidade, determinação, formação acadêmica: são esses os “únicos” elementos necessários

ao cumprimento do nosso papel enquanto professora de história? A resposta é negativa. De

fato, tais aspectos são indispensáveis ao ensino/aprendizagem dos conteúdos históricos,

contudo, é somente com a prática pedagógica que a realidade do ensino é sentida, sim, porque

ela deve ser realmente sentida. E o estágio, enquanto etapa fundamental para licenciatura, é o

momento em que as demandas educacionais são especialmente “sentidas”. Na academia

discutimos, refletimos, sugerimos, problematizamos o ensino; mas, é a práxis que apresenta

os limites que se impõem à transposição didática, à articulação entre “a competência

acadêmica (domínio dos saberes) e a competência pedagógica (domínio da transmissão do

saber)”.

Deste modo, durante os capítulos desse estágio de oficina, pudemos perceber que essa é uma

etapa de complementação prática que nos permitiu aplicarmos conhecimentos teóricos por

meio da experiência na sala de aula; do ato de planejar, dos processos burocráticos e das

situações reais da nossa futura profissão. Essa foi uma atividade delicada que exigiu

desprendimento, simplicidade, firmeza, paciência e decisão, levando sempre em consideração

os princípios da arte de educar, como discorre Libâneo:

A educação corresponde a toda modalidade de influências e inter-

relações que convergem para a formação de traços de

personalidade social e do caráter implicando uma concepção de

mundo, ideais, valores, modos de agir, que se traduzem em

convicções ideológicas, morais, políticas, princípios de ação frente

a situações reais e desafios da vida prática.

E, assim sendo, o educar deve ser visto além do simples ato de estar em sala de aula e

transmitir conhecimento aos alunos. Segundo Anastasiou “ensinar contêm, em si, duas

dimensões: uma utilização intencional e uma de resultado, ou seja, a intenção de ensinar e a

efetivação dessa meta pretendida”, deste modo, devemos ter o compromisso social e não fazer

da escola um espaço qualquer. Nota-se o quão importante é estarmos conscientes do papel do

educador e sua importância na transformação e formação de cidadãos e cidadãs críticos, pois

educar vai além da fronteira da sala de aula, dos muros escolares e dos limites territoriais que

a escola oferece.

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