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O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013 O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia Jacqueline Emerich Souza [email protected] Instituto de Pós-Graduação de Goiânia - IPOG Master em Arquitetura Cuiabá/Junho/2012 Resumo Este trabalho apresenta uma avaliação feita em unidades habitacionais de interesse social do município de Embu das Artes/SP. O objetivo do estudo é avaliar a unidade internamente e o mobiliário que a compõe, sendo esta análise feita a partir dos conceitos da Ergonomia. Foram levantados conceitos teóricos sobre esta disciplina e sua relação com a disposição dos móveis no ambiente construído da moradia. As plantas originais e o levantamento in loco das casas conforme ocupadas pelos moradores foram submetidas a uma análise crítica através de polígonos denominados “zonas de utilização”. O resultado mostra a inadequação de alguns ambientes em função do tamanho dos móveis, que aponta para a necessidade das famílias e a dificuldade de se adequarem em espaços tão diminutos. Palavras-chave: Ergonomia; Mobiliário; Habitação de interesse social. 1. Introdução Há muito se tem estudado a questão da habitação de interesse social no Brasil, desde suas origens, formação, projeto e pós-ocupação. Paralelamente a esse fenômeno não faltam pesquisas que se debrucem sobre o tema do mobiliário na casa popular e sua influência no que tange à boa habitabilidade do espaço. Percebido como elemento fundamental do cotidiano de qualquer família, o móvel tornou-se ferramenta indispensável no estudo da espacialidade e dimensionamento dos projetos para classe de baixa renda, isto porque as habitações para essa parcela da população possuem, historicamente, metragem quadrada extremamente reduzida, levando arquitetos e profissionais da área a espremerem muitas vezes o programa de necessidades da casa ou, por vezes, “encolher” o mobiliário de forma a obter um espaço que comporte o mínimo para a boa vivência da família. Este artigo tem como proposta a análise de algumas unidades habitacionais assobradadas localizadas no município de Embu das Artes/SP, no bairro Jardim Valo Verde, onde 44 casas foram construídas ao longo de nove anos (desde 2003) com recursos do Programa de Subsídio a Habitação de Interesse Social (PSH), e desta forma vêm transformando paulatinamente a vida de dezenas de famílias que ali residem.

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O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário

pela ótica da Ergonomia

Jacqueline Emerich Souza [email protected]

Instituto de Pós-Graduação de Goiânia - IPOG

Master em Arquitetura

Cuiabá/Junho/2012

Resumo

Este trabalho apresenta uma avaliação feita em unidades habitacionais de interesse social do

município de Embu das Artes/SP. O objetivo do estudo é avaliar a unidade internamente e o

mobiliário que a compõe, sendo esta análise feita a partir dos conceitos da Ergonomia.

Foram levantados conceitos teóricos sobre esta disciplina e sua relação com a disposição

dos móveis no ambiente construído da moradia. As plantas originais e o levantamento in loco

das casas conforme ocupadas pelos moradores foram submetidas a uma análise crítica

através de polígonos denominados “zonas de utilização”. O resultado mostra a inadequação

de alguns ambientes em função do tamanho dos móveis, que aponta para a necessidade das

famílias e a dificuldade de se adequarem em espaços tão diminutos.

Palavras-chave: Ergonomia; Mobiliário; Habitação de interesse social.

1. Introdução

Há muito se tem estudado a questão da habitação de interesse social no Brasil, desde suas

origens, formação, projeto e pós-ocupação. Paralelamente a esse fenômeno não faltam

pesquisas que se debrucem sobre o tema do mobiliário na casa popular e sua influência no que

tange à boa habitabilidade do espaço.

Percebido como elemento fundamental do cotidiano de qualquer família, o móvel tornou-se

ferramenta indispensável no estudo da espacialidade e dimensionamento dos projetos para

classe de baixa renda, isto porque as habitações para essa parcela da população possuem,

historicamente, metragem quadrada extremamente reduzida, levando arquitetos e

profissionais da área a espremerem muitas vezes o programa de necessidades da casa ou, por

vezes, “encolher” o mobiliário de forma a obter um espaço que comporte o mínimo para a boa

vivência da família.

Este artigo tem como proposta a análise de algumas unidades habitacionais assobradadas

localizadas no município de Embu das Artes/SP, no bairro Jardim Valo Verde, onde 44 casas

foram construídas ao longo de nove anos (desde 2003) com recursos do Programa de Subsídio

a Habitação de Interesse Social (PSH), e desta forma vêm transformando paulatinamente a

vida de dezenas de famílias que ali residem.

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

O problema de pesquisa surgiu de estudos na área de mobiliário e ocupação dos espaços ainda

no período da graduação, quando fui bolsista do CNPq entre os anos 2006 e 2007, e tive a

oportunidade de participar do Grupo Multidisciplinar de Estudos da Habitação na

Universidade Federal de Mato Grosso, sob a liderança do Prof. Dr. Douglas Queiroz Brandão,

avaliando unidades de 90m² e sua capacidade de mobiliamento a partir de algumas variáveis.

O interesse cresceu quando passei a fazer parte da equipe técnica da Companhia Pública

Municipal Pró-Habitação (município de Embu das Artes), entrando, portanto, em contato

direto com a população, acompanhando não apenas as obras e fazendo projetos de arquitetura,

mas também vivenciando de perto o processo de pós-ocupação, que neste artigo tem como

foco o mobiliamento da unidade residencial.

É nesse período de entrega das unidades que o solo torna-se ainda mais fértil para a

aprendizagem, pois, estando o morador instalado, podem-se perceber detalhes que muitas

vezes nos fogem na elaboração do projeto. Foi nessa fase de pós-ocupação que detectei alguns

entraves no que diz respeito ao uso do espaço e a distribuição do mobiliário, causando muitas

vezes congestionamento nos ambientes e desconforto ao morador, daí o interesse em me

aprofundar no tema de modo a contribuir, ainda que de forma limitada, com os estudos já

existentes na área.

O objetivo do estudo é avaliar a unidade internamente e o mobiliário que a compõe, sendo

esta análise feita a partir dos conceitos da Ergonomia. O item “mobiliário” tem o objetivo de

analisar sua relação com o ambiente e o espaço do entorno que lhe foi destinado.

Esta pesquisa partiu da hipótese de que as unidades habitacionais avaliadas e seus

correspondentes mobiliários não dão condições satisfatórias de uso para seus moradores no

que diz respeito à ergonomia, ou seja, não atendem às necessidades de espacialidade,

habitabilidade e organização de seus moradores. Outra observação é que o mobiliário usado

como padrão para o estudo do layout das casas populares ainda em fase de projeto não

corresponde aos móveis vendidos atualmente para a classe “D” (faixa da população que

recebe de 1 a 3 salários mínimos), já que estes têm se apresentado cada vez maiores e mais

sofisticados. Desse modo, a pós-ocupação se torna cada vez mais distante do previsto em

projeto, pois o usuário da habitação social tem hoje condições de investir em móveis e

eletrodomésticos que atendem suas reais necessidades e os projetos de arquitetura em geral

não acompanham essa evolução.

Através da pesquisa bibliográfica foi possível identificar algumas medidas mínimas apontadas

pelo estudo da Ergonomia e sua relação com a ocupação dos espaços pelo mobiliário. Foi

feita uma avaliação do projeto original da Pró-Habitação, e também das unidades já ocupadas

pelos moradores. O levantamento das dimensões dos móveis utilizados nas residências bem

como a disposição dos mesmos nos ambientes contribuiu para avaliar o processo real de

ocupação da casa. Foi possível então avaliar se o espaço é adequado e atende minimamente as

necessidades de seus usuários.

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

Desta forma, este trabalho contribui não apenas para arquitetos que trabalham diretamente

com habitação popular, mas também para aqueles que buscam se apropriar de maneira

satisfatoriamente do espaço construído, respeitando as necessidades básicas e o conforto do

ser humano, sem desperdício de área ou espaços ociosos, lançando mão de um item

importante: o mobiliário e sua relação com a casa.

2. Habitação e mobiliário: a importância dessa parceria

A busca pela racionalização da habitação no início do século XX fundamentou-se

principalmente nos conceitos elaborados por Le Corbusier, um dos ícones do Movimento

Moderno. Suas ideias tiveram boa repercussão especialmente pelo advento do pós-guerra na

Europa, onde era necessário encontrar soluções para a crise do déficit habitacional. Segundo

Szücs et al (2007), “pela primeira vez começou a se pensar na importância da funcionalidade

e na preocupação com a valorização dos equipamentos e mobiliário internos da casa,

associando funcionalidade e conforto”.

A busca incessante por redução de custos na produção habitacional brasileira, muitas vezes

condicionado ao maior lucro das construtoras ou ao ínfimo repasse ao setor habitacional dos

municípios vem resultando em casas cada vez menores, reduzindo assim o aspecto qualitativo

da moradia. Observa-se a diminuição das áreas internas, transformando os ambientes em

espaços cada vez mais exíguos.

Szücs et al (2007) ressalta a necessidade de se estabelecer o mínimo no momento das

decisões de projeto para habitação de interesse social. Tanto o sub como o super-

dimensionamento podem acarretar inconvenientes, podendo no primeiro caso ocorrer um

comprometimento de uso em outros ambientes da casa, e no segundo caso gerar espaços

ociosos, “sem condições de uso específico. Espaço desperdiçado é investimento mal feito e

esforço perdido” (SZÜCS et al, 2007).

Por isso, podemos afirmar que o dimensionamento do ambiente passa, por assim dizer, pelo

mobiliário, já que é a relação deste com o ambiente construído que regula o bom uso do

espaço. Não por coincidência, na publicação que relaciona as especificações mínimas do

recente programa do Governo Federal Minha Casa, Minha Vida, existe um anexo com os

móveis que devem conter cada um dos cômodos projetados, além de uma nota sobre o

tamanho dos cômodos, que chama a atenção logo no início do documento:

Estas especificações não estabelecem área mínima de cômodos, deixando aos

projetistas a competência de formatar os ambientes da habitação segundo o

mobiliário previsto (grifo do autor), evitando conflitos com legislações estaduais

ou municipais que versam sobre dimensões mínimas dos ambientes.

Nota-se aí a importância do móvel enquanto peça fundamental para a determinação das áreas

mínimas nas residências de baixo custo. No entanto, a área destinada ao mobiliário em cada

cômodo da casa deve contemplar não apenas o espaço que lhe é pertinente, mas também o

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lugar de aproximação e uso do mesmo, de forma que suas funções sejam plenamente

realizáveis.

A ciência que nos valerá de aporte para viabilizar e garantir a qualidade dos projetos de

arquitetura para a casa popular é a Ergonomia, pois esta estuda as interações entre os seres

humanos e os elementos construídos e/ou móveis, e que nem sempre é observada nos projetos

de interesse social. Valendo-se dos conceitos da Ergonomia, das variáveis coletadas na

literatura especializada e da pesquisa de campo, será avaliada a relação de conforto (ou não)

entre usuário, móvel e ambiente construído.

2.1 Ergonomia

Segundo a professora Vera Helena Moro Bins Ely, do Programa de Pós-Graduação em

Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina,

(...) a Ergonomia é uma disciplina científica que estuda as interações dos indivíduos

com outros elementos do sistema – máquinas, equipamentos, ambientes – fazendo

aplicações de teoria, princípios e métodos de projeto, com o objetivo de melhorar o

bem-estar humano e a eficácia das atividades desempenhadas. (BINS-ELY)

A definição descrita acima conceitua bem a função da Ergonomia: melhorar o bem-estar

humano. Quando relacionada à arquitetura, que está comprometida em desenvolver espaços

que se adaptem às necessidades do homem, o estudo da Ergonomia se faz elemento

indispensável a fim de que o produto arquitetônico final tenha qualidade não apenas estética,

mas também funcional, atendendo de maneira satisfatória às expectativas de espacialidade,

vivência, habitabilidade e organização de seus usuários.

(...) vemos negligenciadas as exigências espaciais para a plena realização das

tarefas. Dimensão e forma do espaço, dos equipamentos e mobiliários; fluxos de

circulação e leiaute do mobiliário; conforto ambiental (térmico, lumínico, acústico),

entre outros, devem responder as necessidades dos usuários para a execução das

atividades com o máximo de conforto e segurança. (BINS-ELY)

Segundo Círico (2001), “ao envolver-se a Arquitetura com as contribuições da Ergonomia,

atribuí-se ao projeto, relações antropométricas e aspectos ergonômicos que permitem alcançar

uma melhor satisfação das necessidades do usuário” (CÍRICO, 2001, p. 39)

Esta ciência possibilita a solução de diversos problemas relacionados à segurança, saúde,

conforto e adequação dos ambientes, produzindo assim uma maior eficiência no trabalho

realizado em determinado lugar.

Nesta pesquisa temos o foco na configuração espacial da residência e sua relação com o

mobiliário, e por isso os conceitos da Ergonomia foram utilizados a fim de identificarmos

ambientes inadequados que acabam por prejudicar o morador no dia-dia da rotina familiar,

gerando casas congestionadas e com zonas críticas de uso.

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

Para avaliarmos ergonomicamente uma planta, precisamos inicialmente de um rigor

dimensional, e isso nos é dado através da pesquisa bibliográfica. Em seu livro Projetando

Espaços – Design de Interiores, Gurgel (2007) esboça alguns movimentos do corpo humano

de acordo com as atividades a serem realizadas. A autora estabelece medidas mínimas para

que as pessoas possam desempenhar suas tarefas sem comprometer o espaço ao seu redor.

Figura 1 - Movimento sem obstrução (GURGEL, 2007, p. 130)

Figura 2 - Movimentos: abaixar, sentar no chão, abrir gavetas (GURGEL, 2007, p. 131)

É fato que a Ergonomia relaciona-se também com as alturas necessárias para se desenvolver

certas tarefas, como lavar roupas e louças, alcançar um produto numa prateleira alta,

posicionar a televisão na altura da linha de visão, ter mesa e cadeira na altura adequada para

sentar-se. Enfim, uma infinidade de possibilidades que, porém, não foram pertinentes ao

desenvolvimento deste trabalho; visto que se pretendeu avaliar a Ergonomia apenas do ponto

de vista da planta baixa, desconsiderando assim a altura do mobiliário.

2.2 Mobiliário

O móvel, elemento fundamental da habitação, tornou-se ao longo dos anos peça-chave na

elaboração de projetos de arquitetura. Com áreas cada vez menores, as casas populares

exigem um melhor planejamento do espaço ocupado. E nesse sentido é o mobiliário, em

associação à escala humana, que dá o tom aos projetos de habitação de interesse social. É a

partir do layout pré-estabelecido por profissionais da área que se tem a dimensão mínima dos

ambientes que compõem a casa.

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

Em artigo publicado na Revista Municipal de Engenharia de 1942, comentando sobre o

problema da habitação e o consequente abarrotamento das residências do século XX, Carmem

Portinho fala com propriedade do problema na relação casa/mobiliário, dentre outros

entraves:

O Homo sapiens do século XX vive, em sua maior parte, em habitações mal

projetadas técnica e economicamente, construídas em desacordo com a escala

humana, de nível sanitário inferior, sem ar, sem luz, sem vista e quase sempre

atulhadas de móveis incômodos, imensos e inúteis. (NOBRE, 1999, p. 44)

Por essa razão, o Modernismo buscou otimizar a moradia transformando-a na “máquina de

morar” (ideia formulada por Le Corbusier). Para os arquitetos dessa geração o móvel deveria

não só se adequar ao espaço da habitação mínima como também deveria ser capaz de afetar o

modo de morar do homem, maneira esta chamada “moderna”. Os pensadores deste

movimento, um tanto catequizadores devido ao caráter impositivo de seus ideais, acreditavam

que era necessário ensinar aos mais pobres o jeito certo de habitar, e dentre esses

ensinamentos estava a reeducação no que tange à organização dos espaços.

De acordo com Folz (2002), “o produto „móvel‟, não estando em concordância com o produto

„casa‟, leva a um comprometimento do desempenho da „moradia‟, criando uma habitação

deficiente”. (FOLZ, 2002, p. 2). Espaços mal planejados e mal mobiliados congestionam o

ambiente, criando situações desconfortáveis ao usuário. Ainda segundo a autora, o mobiliário

residencial é um agente ativo, definindo as relações do morador com sua habitação. Ao se

referir especificamente à habitação popular, Folz diz que “justamente pela exiguidade de

espaço, o projeto dos móveis e equipamentos assume importância vital para garantir boa

habitabilidade desse tipo de moradia”. (FOLZ, 2002, p. 48)

O problema do congestionamento da casa popular causado pelo mobiliário inadequado é

percebido desde a década de 70, como nos é relatado na dissertação de mestrado de Percival

Brosig, de 1983, intitulada O mobiliário na habitação popular. Referindo-se aos problemas

enfrentados pelos usuários das casas autoconstruídas e dos apartamentos da COHAB

(Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo), Brosig comenta:

Podemos notar ainda o entulhamento provocado pelo mobiliário nestes ambientes.

Oferecidos no mercado em conjuntos de sala (sofá, 2 poltronas, mesa de centro e de

canto) e dormitório (incluindo penteadeiras), esses conjuntos tornam-se inadequados

ao uso da habitação e contribuem para congestioná-la. (...) As portas dos armários

não têm espaço para abrir, as pessoas não sentam em poltronas de canto, nas

cozinhas as mesas com cadeira tomam todo o espaço de circulação. (BROSIG, 1983,

p. 35)

O autor encara o fato de que os problemas dos ambientes congestionados são fruto não só de

suas dimensões reduzidas, “mas também pelos mobiliários adquiridos formando conjuntos

estáticos e sem flexibilidade de uso”. (BROSIG, 1983, p. 176)

Brosig relata que na década de 70 a população de baixa renda já enfrentava o problema de

mobiliar a casa em acordo com suas necessidades. Apesar do baixo poder aquisitivo desta

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

população, paradoxalmente este fator não a excluiu da participação no mercado de consumo,

propiciado pelas facilidades de pagamento e os financiamentos que criam um poder de

compra artificial. (BROSIG, 1983, p. 99)

De igual modo, vemos atualmente as facilidades de crediário oferecidas pelas grandes lojas do

setor, onde é possível mobiliar toda a casa em infindáveis parcelas. Talvez a mais marcante

diferença do mobiliário vendido hoje seja a individualização da peça, ou seja, é possível obter

peças de armário para cozinha conforme a necessidade do usuário, o jogo de sofá da sala de

estar não precisa mais ser “completo” (sofá 02 e 03 lugares, poltronas e mesas de centro

formando um conjunto único e estático) e mesmo para os dormitórios é possível comprar

apenas a cama, ou só o armário de roupas, ou apenas um criado mudo.

Uma observação interessante é o design dos equipamentos e do mobiliário. A realidade para

muitas famílias de baixa renda hoje já não é mais aquele aparelho de televisão robusto, que

precisava de uma estante mais robusta ainda para apará-lo. Graças aos financiamentos

facilitados pelo mercado é possível a uma família que pertença à classe “D”adquirir telas de

LCD ou plasma que eliminam automaticamente uma estante ou hack da sala de estar, já que

podem ser afixadas na parede, descartando assim um elemento que poderia ser um empecilho

no aproveitamento dos espaços.

De igual modo, os sofás em “L”, agora acessíveis às classes mais pobres, facilitam no

momento de estabelecer a melhor relação do móvel com sala, evitando entulhamentos

desnecessários. Esses desdobramentos do desenho industrial para equipamentos,

eletrodomésticos e móveis começam a dar uma nova sugestão de layout a arquitetos

preocupados em adequar o espaço das unidades ao modo de morar do homem do século XXI.

Dentre os diversos autores que discutem o dimensionamento do mobiliário e sua relação com

o ambiente onde estão inseridos, destacamos aqui os estudos de Pronk (2003), Pereira et al

(2002) e Gurgel (2002; 2007).

3. Método de análise das plantas

As unidades habitacionais escolhidas para o presente trabalho foram analisadas a partir do

layout definido pelos profissionais responsáveis pelo projeto. Não foi alterada a escala dos

móveis, tampouco o tipo de mobiliário utilizado para compor os ambientes. A tipologia em

questão apresenta três variações de composição interna no pavimento térreo (apesar de

possuírem sempre a mesma área construída) e layout idêntico no pavimento superior em todas

as variações. As unidades pesquisadas possuem área construída igual a 49m² e área útil de

40,72m².

Inicialmente, definimos em cada ambiente as medidas consideradas minimamente

confortáveis do ponto de vista da Ergonomia, com base na pesquisa bibliográfica. Foram

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

aplicadas às plantas originais polígonos com as dimensões levantadas, que aqui denominamos

“zonas de utilização” (ver anexo).

Além da análise do projeto original, foi feito um levantamento in loco de quatro unidades e as

mesmas foram representadas conforme o arranjo espacial concebido pelo morador. Também

foram aplicados os polígonos de área de utilização e feita uma avaliação da pós-ocupação,

analisando o quanto do layout original foi respeitado, se o mobiliário considerado pelos

arquitetos é compatível com o mobiliário usado pelos moradores e, se não, quais os benefícios

ou prejuízos que isso acarretou aos usuários da residência. Finalmente, foi feita uma análise

crítica do projeto, apontando as zonas de conflito de uso entre os móveis/equipamentos e suas

respectivas áreas de utilização.

A análise das plantas não considerou conceitos do Desenho Universal, uma vez que se trata de

sobrados sem dormitório no pavimento inferior, excluindo-se assim a possibilidade de uma

moradia acessível. Abaixo, as plantas do projeto original e suas variações tipológicas.

Cozinha A9,38m²

Sala A8,03m²

Escada B1,67m²

Escada A1,67m²

Banho 1A2,66m2

Banho 1B2,51m²

Cozinha B8,11m²

Sala B9,34m²

Lavandeira e quintal5,70m² *

Lavanderia2,15m²

Quintal4,20m²

Figura 3 – Planta baixa pav. térreo (tipologia 01)

Fonte: arquivos Pró-Habitação

Cozinha A12,21m²

Escada B1,67m²

Escada A1,67m²

Lavanderia e quintal6,90m² *

Sala A8,22m²

Sala B12,19m²

Cozinha B8,25m²

* Tipologia com lavanderiasem cobertura

* Tipologia com lavanderiasem cobertura

Lavanderia2,15m²

Quintal6,47m²

Figura 4 - Planta baixa pav. térreo (tipologia 02)

Fonte: arquivos Pró-Habitação

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Figura 5 - Planta baixa pav. térreo (tipologia 03)

Fonte: arquivos Pró-Habitação

Figura 6 - Planta baixa pav. superior

Fonte: arquivos Pró-Habitação

3.1 Cozinha

Neste ambiente foram avaliados dois itens importantes: espaço destinado às refeições (mesa

com 4 lugares) e espaço da área de trabalho (pia, fogão e geladeira). Por nem sempre ter

espaço exclusivo de copa nesse tipo de residência, o ideal é que as cozinhas reservem o

mínimo de espaço necessário para que o morador possa comer confortavelmente à mesa.

Deve ser avaliado também se é possível preparar a refeição de maneira segura, sem que a

disposição dos móveis seja conflitante, ou mesmo atrapalhe a boa circulação no ambiente.

O espaço destinado à mesa deve respeitar um afastamento mínimo de 80 cm em relação às

paredes que a circundam, e a área de movimentação à mesa são de 60 cm ente um usuário e

outro, conforme exemplo detalhado por Gurgel:

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

Figura 7 - Dimensão de mesa redonda e quadrada com 4

lugares e suas respectivas áreas de utilização (GURGEL,

2007, p. 133)

Figura 8 - Mesas retangular com 6 lugares

(GURGEL, 2007, p. 133)

Conforme encontrado em pesquisa bibliográfica (Pronk, Gurgel, Pereira et al), o afastamento

entre a bancada da pia e outros elementos frontais (como parede ou mobiliário, seja armário

ou mesa de refeições) varia de 90 a 120 cm, por isso adotamos uma distância média de 105

cm como afastamento mínimo nesta área crítica da cozinha, que envolve atividades com certo

grau de periculosidade.

Figura 9 - Cozinha com distribuição do tipo

linear (PRONK, 2003, p. 12)

Figura 10 - Cozinha com distribuição do tipo triangular

(PRONK, 2003, p. 12)

Figura 11 - Dimensões mínimas de mobiliário para cozinha e

suas respectivas áreas de utilização (PEREIRA et al, 2002, p. 191)

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

3.2 Lavanderia

Pereira et al (2002) comenta que estes espaços em geral inexistem nos projetos de habitação

popular. O autor aconselha que este ambiente da casa seja tratado com o mesmo grau de

importância que os outros cômodos. Para tanto, define uma área mínima de utilização em

frente aos equipamentos equivalente a 70 cm, conforme figura abaixo, que foi considerado

como parâmetro no presente trabalho. Em algumas variações das unidades estudadas neste

trabalho, a área de serviço está fora da projeção da casa, ficando assim descoberta e sujeita às

intempéries, confirmando o argumento de Pereira et al sobre o descuido por parte dos

projetistas com esse ambiente da casa.

Foi considerado como equipamento mínimo para a lavanderia o tanque, que em geral é

entregue para o morador já instalado, e a lavadora de roupas.

Figura 12 - Dimensões mínimas de mobiliário para lavanderia e suas respectivas

áreas de utilização (PEREIRA et al., 2002, p. 192)

3.3 Dormitório

Diversas situações podem ser consideradas quando o ambiente em questão é o dormitório,

como por exemplo, o espaço existente entre camas de solteiro, entre cama e armário (para

abrir portas, gavetas, etc.) e entre cama e parede (em geral em quartos de casal, onde é

necessário que ambos possam caminhar lateralmente à cama). Abaixo, a relação de alguns

estudos considerados na pesquisa como referência de medida para avaliar a configuração

espacial dos ambientes.

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

Figura 13 - Áreas de circulação em torno da cama prevendo um criado

mudo; uma cadeira; ou o armário de roupas (PRONK, 2003, p. 19)

Figura 14 - Áreas de circulação em torno da cama prevendo uma cômoda;

uma escrivaninha; ou a circulação entre duas camas (PRONK, 2003, p. 19)

Em geral, os móveis considerados como fundamentais para dormitórios são as camas e os

armários para roupas. Quando é possível, há a inserção de outros móveis, como criado-mudo

e escrivaninha (geralmente no quarto dos filhos), sapateira e cesto para roupa suja – um item

que deveria acomodar-se no banheiro, mas que, em geral, também é um cômodo muito

pequeno.

Vale aqui uma informação relevante a respeito dos novos itens consumidos pela população de

baixa renda e que impactam de forma direta no mobiliário da casa: segundo previsões de

mercado publicadas no início de 2010, a classe “D” responderia por 33% do total de venda de

computadores no Brasil naquele ano. A importância dada a esse item não é uma resposta a um

problema arquitetônico, mas social – as chefes de família vêem o computador como um

instrumento capaz de manter seus filhos em casa, além de contribuir na formação escolar das

crianças. Por isso, é importante que seja considerado a mesa para computador, ou

escrivaninha, nos novos projetos de habitação de interesse social.

As dimensões adotadas no trabalho para avaliar os dormitórios foram 60 cm de afastamento

entre cama e parede; 80 cm entre camas de solteiro; 70 cm entre cama e armário e 70 cm

frontalmente à mesa de estudo.

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3.4 Sala

No contexto da habitação popular, a sala de estar não apresenta caráter prático, pois em geral

suas funções são transferidas para a cozinha. No entanto, ela não pode ser dispensada do

programa de necessidades da moradia. (PEREIRA et al., 2002).

Os itens mínimos que devem compor este ambiente são: estante para televisão (hack) e sofá

com número de lugares correspondente ao número de leitos nos dormitórios. Para além disso,

já é lucro conseguir encaixar uma mesa de canto ou de centro. Poltronas também incrementam

o espaço mas não são consideradas fundamentais.

Figura 15 - Disposição dos móveis da sala de estar e

áreas de circulação necessárias (GURGEL, 2007, p. 132)

Figura 16 – Distanciamento entre poltronas e mesas de

centro (PRONK, 2003, p. 4)

Figura 17 - Dimensões mínimas de mobiliário para

sala de estar/jantar e suas respectivas áreas de

utilização (PEREIRA et al, 2002, p. 190)

De acordo com os estudos de Pronk (2003), a distância entre o sofá e a televisão também deve

ser considerado a fim de que se obtenha maior conforto visual no momento de assistir TV. O

distanciamente deve ser proporcional ao tamanho do aparelho em polegadas, ou seja, quanto

maior a tela, maior a distância do assento em relação à televisão. Se formos rigorosos no

processo de avaliação, nenhuma sala estará realmente adequada, já que a realidade econômica

permite à população de baixa renda adquirir televisores cada vez maiores, chegando até a 52

polegadas, em salas cada vez menores (2,35m de largura).

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

Figura 18 – Distância mínimas para televisões em

relação aos sofás (PRONK, 2003, p. 2)

A área de utilização considerada em frente aos sofás foi de 60 cm, precisando esse espaço

estar realmente livre de forma que a circulação não seja comprometida. Considerando a

estante para televisão, adotamos aqui o recomendado por Pereira et al (2002), que indica 70

cm como distância mínima de utilização em frente ao hack.

4. Apresentação e análise dos resultados

Apresentaremos a seguir uma análise crítica do arranjo espacial das unidades levantadas in

loco. As plantas com o método aplicado estão no anexo, assim como as plantas originais. Para

preservar a identidade dos moradores, as casa foram nomeadas em ordem numérica.

Casa 01 – Tipologia 3B

O conjunto de sofás escolhido pela família para mobiliar a sala precisa de um espaço muito

maior do que a área real disponível. Além de serem mais compridos e profundos do que o

móvel considerado no layout original, sua disposição na sala obstrui a passagem logo na

entrada da casa. O sofá de 03 lugares fica com um dos assentos comprometido pois está muito

próximo ao hack da televisão, impedindo assim que seja ocupado confortavelmente por

alguém.

Figura 19 – Sala de estar

Fonte: arquivo pessoal da autora

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

A cozinha apresentou três pontos críticos. O primeiro está relacionado com o espaço para a

mesa de refeições, que perdeu dois dos quatro lados de assento, pois um dos lados maiores

está encostado na parede (para não atrapalhar a circulação interna) e outro lado está colado no

fogão. O posicionamento deste também compromete as atividades do preparo das refeições,

pois está posicionado lateralmente à pia e com uma espaçamento de 54 cm, considerado

muito estreito. A porta que dá para a área de serviço não abre 100% porque os armários da

cozinha são grandes e a geladeira precisa ficar recuada num canto do ambiente,

comprometendo assim a abertura integral da esquadria. Isso mostra um item importante a ser

considerando no layout das cozinhas: a área para armário. Este item do mobiliário é

fundamental, uma vez que as unidades habitacionais não possuem dispensa para guardar

alimentos ou utensílios domésticos.

Como a família em questão optou pelo escritório em vez da copa junto à sala, como sugerido

no layout original, a cozinha ficou abarrotada de móveis e talvez seja o cômodo mais

prejudicado no pavimento térreo. É relevante considerar que esta unidade habitacional tem

alguma diferença do projeto original. Sua cozinha é maior e o posicionamento da pia está

diferente. Ela faz parte de um grupo de casas construídas anteriormente às reclamações dos

moradores que reivindicaram a área de serviço coberta (e por isso a cozinha diminuiu, para

que a lavanderia se encaixasse embaixo da projeção do pavimento superior), e nessa unidade

em questão a área de serviço estava descoberta. Como parte das reformas internas promovidas

pelos usuários, o quintal foi coberto juntamente com a lavanderia, ampliando assim a área útil

da casa (apesar dos inconvenientes resultantes dessa decisão: a ventilação e a iluminação da

cozinha, assim como da própria lavanderia, ficaram prejudicadas).

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

Figura 20 – Cozinha

Fonte: Fonte: arquivo pessoal da autora

Figura 21 – Cozinha. Ao fundo, a porta de acesso à

lavanderia

Fonte: arquivo pessoal da autora No pavimento superior, os dormitórios também apresentaram alguns entraves. No quarto do

casal o armário está muito próximo à cama, prejudicando assim a abertura de portas e gavetas.

A cama está colada na parede da janela, prejudicando também a abertura desta. Nesse caso, o

morador precisa subir na cama para abrir e fechar a esquadria. No dormitório dos filhos, uma

boa solução adotada foi o beliche, que “verticaliza” o uso do espaço, ao passo que seria

impossível acomodar quatro pessoas com camas comuns em quartos tão diminutos. O armário

é compatível com o previsto em projeto, porém outros itens importantes para a organização da

família foram incluídos no layout, como sapateira e cesto de roupa suja, congestionando o

espaço.

Figura 22 – Dormitório do casal

Fonte: arquivo pessoal da autora

Figura 23 – Dormitório dos filhos

Fonte: arquivo pessoal da autora

Casa 02 – Tipologia 1B

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

A casa 02 foi, dentre as quatro plantas analisadas, foi a que apresentou o layout mais

adequado, resultando em ambientes confortáveis e sem execesso de mobília e equipamentos.

Isso deve-se também, vale ressaltar, à composição familiar, que é pequena e se adequa bem

aos espaços disponíveis. O uso de copa dado ao ambiente que originalmente era um banheiro

(tipologia 1B) desafogou a cozinha, ficando esta livre para os afazeres domésticos e também

profissionais, já que a moradora é cozinheira e investiu num espaço em que pudesse realizar

seu trabalho de forma satisfatória (substituiu a pia original por uma bancada de granito em

“L”). A sala ficou livre com um sofá de canto, desobstruindo assim a circulação. O hack

posicionado em baixo do lance mais alto da escada possibilita que todos assistam à televisão

de forma adequada, sem atrapalhae na circulação entre sala e cozinha.

A lavanderia desta tipologia está fora da projeção do pavimento superior, portanto sujeita às

intempéries. Porém, como são comuns as reformas nas casas, a moradora fez uma laje de

cobertura para protejer sua área de serviço, como o quintal não foi coberto, não houve

prejuízo significativo quanto à iluminação da cozinha.

No dormitório do casal o problema se repete, como observado em todos as casas pesquisadas:

a cama fica com um dos lados encostado na parede, prejudicando assim um dos usuários, que

precisa descer da cama pela frente, não existindo a possibilidade de se colocar nenhuma mesa

de apoio ou criado mudo ao lado. No quarto dos filhos, a solução do treliche se mostrou a

melhor alternativa, pois economiza espaço e ainda permite a colocação de uma mesa para

computador, para recreação e estudo das crianças.

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

Figura 24 – Sala de estar

Fonte: arquivo pessoal da autora

Figura 25 – Cozinha

Fonte: arquivo pessoal da autora

Figura 26 – Dormitório do casal

Fonte: arquivo pessoal da autora

Figura 27 – Dormitório dos filhos

Fonte: arquivo pessoal da autora

Casa 03 – Tipologia 1B

Os moradores da casa 03, de mesma configuração interna que a casa 02, optaram por

transformar o banheiro do pavimento térreo em escritório. A sala de estar foge à regra: não

possui televisão, por isso ficou com bastante área de circulação, chegando a gerar espaços

ociosos. Em contrapartida, a cozinha é bem apertada e não possui mesa de refeições, apenas

uma mesa de apoio sem cadeiras. O espaço considerado mínimo nesta pesquisa para o

trabalho seguro na cozinha entre bancada e armário foi preservado, porém a porta não abre

100% devido ao posicionamento do paneleiro. A lavanderia foi coberta pelo morador e parte

do quintal foi integrado à área útil da casa.

Nos dormitórios, devido ao número reduzido de pessoas, não foi observado

congestionamentos relevantes, uma vez que apenas um berço e armário de roupas pequeno

ocupa um dos quartos, e no quarto do casal, sem cama ainda, mas com o colchão no chão, é

possível perceber o conflito que será gerado entre o armário e a futura cama. A televisão fica

sobre um hack, que faz vezes de cômoda. A circulação fica comprometida entre o armário e o

hack, com apenas 50 cm de passagem.

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

Figura 28 – Sala de estar

Figura 29 – Cozinha

Figura 30 - Dormitório do casal

Figura 31 – Quarto do bebê

Casa 04 – Tipologia 1A

A tipologia 1A possui originalmente em sua planta banheiro no pavimento térreo, porém os

moradores optaram por transformá-lo em lavanderia, podendo assim este espaço ficar maior e

abrigar mais equipamentos pertinentes a essa área, como lavadora e tanquinho de roupas.

A sala de estar e a cozinha possuem entraves no que tange à boa circulação. Os móveis, além

de robustos, como o sofá e a poltrona da sala, estão alocados em pontos de passagem,

comprometendo assim a movimentação livre no interior da casa. Na cozinha há uma mesa

pequena de refeições com os três lados comprometidos, pois um encosta na parede, outro na

geladeira, e o terceiro no armário, impossibilitando assim o seu uso pleno.

O armário de madeira para guardar louças está muito próximo à bancada da pia, deixando um

espaço entre eles de apenas 37 cm. Outro ponto ruim encontrado foi o estrangulamento entre

sala e cozinha, pois o sofá avança num trecho da escada e o armário da cozinha estreita a

passagem de um cômodo para o outro.

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

O dormitório do casal apresenta o mesmo inconveniente relatado nos três casos acima: a

proximidade da casa de casal com uma das paredes. Nessa tipologia a janela do quarto fica

livre, permitindo assim seu acionamento sem conflito com os móveis do quarto. No

dormitório dos filhos, o problema foi resolvido com o beliche, como observado em todos os

casos.

Figura 32 – Sala de estar

Figura 33 - Cozinha

Figura 34 – Dormitório do casal

Figura 35 – Dormitório dos filhos

5. Conclusões

Os resultados obtidos com a análise das plantas originais e das plantas mobiliadas pelos

moradores permite-nos concluir que, inicialmente, existe um certo distanciamento entre o

projeto de arquitetura e a realidade das casas habitadas. Os itens considerados no layout ainda

em fase de projeto não correspondem integralmente às necessidades levantadas com a

pesquisa da pós-ocupação, como por exemplo o espaço para as refeições na cozinha, o espaço

para armário, espaço para criado mudo nas laterais da cama do quarto de casal, espaço para

escrivaninha no quarto das crianças, etc., além de outros itens que ajudam na organização do

espaço, como sapateiras, cômodas e cesto de roupa.

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

Esse distanciamento se deve também ao padrão dos móveis utilizados pela classe “D” que

muitas vezes não corresponde ao mobiliário utilizado como ferramenta de organização

espacial por arquitetos e projetistas. Os sofás da “vida real” em geral são muito largos, os

armários para quarto possuem no mínimo 1,80 m de comprimento e as camas de solteiro ou

beliche são mais largos que o usual (90cm).

Por isso, falar em Ergonomia no contexto doméstico sem considerar o mobiliário da casa

popular é um equívoco, pois ele é, sem dúvida, a medida de referência do interior da casa da

família brasileira. Num contexto em que é necessário trabalhar sempre com o mínimo, faz-se

necessário o domínio sobre o que tem sido comercializado e consumido por esta parcela da

população para que se obtenha resultados satisfatórios.

E para não deixar escapar, aproveitando que é o assunto do momento, o programa do governo

federal Minha Casa, Minha Vida traz especificações mínimas de projeto para habitação de

interesse social, dentre elas o mobiliário que a casa deve conter. O problema é que o

referencial de área é sempre muito enxuto, ou seja, a área mínima exigida pela Caixa

Econômica Federal ainda é muito pequena para comportar todo o mobiliário exigido (36m²

para dois dormitórios – sem contar a área de serviço), isso sem falar nas áreas de circulação,

áreas de uso dos equipamentos e móveis, acionamento de portas e janelas e tudo o mais que

foi levantado aqui como parte fundamental do funcionamento integral da casa.

As tipologias estudadas neste trabalho possuem, como já informado, área útil de 40,72 m², e

ainda assim apresentam problemas ergonômicos e de arranjo espacial. Quanto mais problemas

não apresentarão os projetos que seguirem o mínimo exigido pelo governo federal? Será

possível enquadrar os parâmetros de mobiliamento mínimo, aliados ao conforto e à segurança,

em áreas tão diminutas?

6. Considerações finais

Espera-se com este trabalho ter contribuído, ainda que de forma singela, aos estudos na área

da habitação, fornecendo ferramentas que permitam aos arquitetos avaliarem os espaços e

analisá-los criticamente a fim de obterem um bom resultado, que é traduzido em qualidade

projetual e satisfação do morador.

Além dos conhecimentos técnicos, a análise crítica quanto à produção habitacional também se

faz necessária. É imperativo rever o modelo produzido hoje no Brasil, que está mais

comprometido com o lucro das construtoras do que com a qualidade habitacional das classes

menos privilegiadas. É preciso sempre trazer ao centro das discussões o interior da casa

popular, não só quantitativamente, mas também qualitativamente, observando o programa de

necessidades que de fato satisfaz a família e atende de maneira adequada os padrões de

habitabilidade. Esta pesquisa está longe de ser conclusiva, pretendendo-se apenas ser o

pontapé inicial para estudos mais profundos e relevantes na área em questão.

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

7. Bibliografia

ABERGO - Associação Brasileira de Ergonomia. www.abergo.org.br. Disponivel em:

<http://www.abergo.org.br/internas.php?pg=o_que_e_ergonomia>. Acesso em: 04/ 01/ 2012.

BINS-ELY, V. H. M. Fundamentos da Ergonomia e da Psicologia Ambiental.

Florianópolis: Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo.

BROSIG, P. O mobiliário na habitação popular. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo -

Universidade de São Paulo. São Paulo. 1983.

CÍRICO, L. A. Por dentro do espaço habitável: uma avaliação ergonômica de apartamentos

e seus reflexos nos usuários. Dissertação de Mestrado. Florianópolis: Programa de Pós-

Graduação em Engenharia de Produção, 2001.

FOLZ, R. R. Mobiliário na habitação popular. Escola de Engenharia de São Carlos da

Universidade de São Paulo. São Carlos, p. 199. 2002.

GURGEL, M. Projetando espaços: guia de arquitetura de interiores para áreas residenciais.

5ª. ed. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2002.

GURGEL, M. Projetando Espaços: design de interiores. 4ª. ed. São Paulo: Editora Senac

São Paulo, 2007.

MINISTÉRIO das Cidades. www.cidades.gov.br. Disponivel em:

<http://www.cidades.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1069:fundo-

de-arrendamento-residencial-far&catid=94&Itemid=126>. Acesso em: 02/ 05/ 2012.

NEUFERT, P. Arte de projetar em arquitetura. Tradução de Benelisa Franco. 17ª. ed.

Barcelona: Gustavo Gili, 2004.

NOBRE, A. L. Carmen Portinho: o moderno em construção. Rio de Janeiro: Relume

Dumará: Prefeitura, 1999.

PEREIRA, F. O. R. et al. Inserção urbana e avaliação pós-ocupação (APO) da habitação

de interesse social. São Paulo: FAUUSP, v. 1, 2002. 373 p.

PRONK, E. Dimensionamento em arquitetura. 7ª. ed. João Pessoa: Editora Universitária

UFPB, 2003. 56 p.

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

SZÜCS, C. P. et al. Habitação Social: uma visão projetual. IV Colóquio de Pesquisas em

Habitação. Belo Horizonte: [s.n.]. 2007.

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

ANEXO

PLANTAS COM O MÉTODO APLICADO PROJETO ORIGINAL – TIPOLOGIA 1 – PAV. TÉRREO

Cozinha A9,38m²

Sala A8,03m²

Escada B1,67m²

Escada A1,67m²

Banho 1A2,66m2

Banho 1B2,51m²

Cozinha B8,11m²

Sala B9,34m²

Lavandeira e quintal5,70m² *

60

706

0

80 80

80

105

70

60

70

60

60

80

80

105

70Lavanderia

2,15m²

Quintal4,20m²

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

PROJETO ORIGINAL – TIPOLOGIA 2 – PAV. TÉRREO

Cozinha A12,21m²

Escada B1,67m²

Escada A1,67m²

Lavanderia e quintal6,90m² *

Sala A8,22m²

Sala B12,19m²

60

70

60

70

105

8080

80 80

70

70

60

60

105

Cozinha B8,25m²

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

PROJETO ORIGINAL – TIPOLOGIA 3 – PAV. TÉRREO

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

70

60

60

105

60

155

80

1054

04

0

70

10

5

70

80

80

80

51

51

80

70

60

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

PROJETO ORIGINAL – PAV. SUPERIOR (IGUAL PARA TODAS AS TIPOLOGIAS)

Dormitório 1A8,06m²

6060

70

70

60 60

70

70

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

MOBILIÁRIO UTILIZADO NO LAYOUT DAS PLANTAS ORIGINAIS

186

72

116

56

50

405

0

1 2

3 4 5

74

56

50

70

101

103

52

60

63

65

68

120

53

1 2 3

4 5

70

80

6

Ø35 Ø35

1

2

3

1

2

3

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

1 2

44

56 60

60

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

CASA 01 – PAV. TÉRREO E SUPERIOR

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

Escada B1,67m²

Lavandeira3,49m²

Sala B9,33m²

Cozinha B8,09m²

Escritório2,51m²

70

60

70

60

8080

80

10

5

70

34

Lavandeira3,22m²

54

24

Dormitório 026,69m²

Dormitório 018,06m²

Banho2,51m²

60

70

70

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

MOBILIÁRIO UTILIZADO PELOS MORADORES – CASA 01

1 2

3 4 5

205

85

90

153

160

47

90

40 45

45

120

53

12

3 4 5

120

80

45

45

61

58

53

59

72120

48

48 3

0

1 2

53

63

50

50

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

1

2

3

20

5

90

85

200

47

158

31

47 50

304 5

1 2

140

19

5

47

22

0

CASA 02 – PAV. TÉRREO E SUPERIOR

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

60

60

70

105

70

8080

80

Escada B1,67m²

Cozinha B8,10m²

Sala B9,32m²

Lavandeira e quintal5,70m² *

Copa2,77m²

70

70

70

Banho B2,51m²

Dormitório 1B8,06m²

Dormitório 026,69m²

Cama de casal com um dos ladosencostado na parede

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

MOBILIÁRIO UTILIZADO PELOS MORADORES – CASA 02

12

200

20

0

75

75

12

5

125

47

16

4

3

Ø88

47

70

71

10

6

24

7

24

16

6

135

65

71

10

12

4

64

1

23

4

67

77

68

70

1 2

50

50

62

62

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

1 2

3

1401

85

18

3

47

50

30

Dimensão dos móveis ut ilizadosno layout do Dormitório 02

1 - Cama solteiro2 - Armário de roupas3 - Mesa para computador

19

4

96

168

47

67

40

CASA 03 – PAV. TÉRREO E SUPERIOR

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

Escada B1,67m²

Escritório2,51m²

Sala B9,39m²

Lavandeira e quintal5,70m² *

Cozinha B8,05m²

70

105

70

60

60

70

70

70

50

Circulação estreitaentre os móveis

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

MOBILIÁRIO UTILIZADO PELOS MORADORES – CASA 03

12 3

15

3

90

52

50

45

12

0

50

52

70 66 105

33

5045

62

67

50

53

35

40

100

60 55

150 63

65

12 3

4 5 6 7

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

1

2

3

140

18

5

22

5

5552

13

4

1 2

13

4

75 50

12

0

CASA 04 – PAV. TÉRREO E SUPERIOR

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

Sala A8,05m²

Escada A1,67m²

60

70

70

Cozinha A9,38m²

105

80

37

45

57

60

46

70

60

70

Cort ina

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

MOBILIÁRIO UTILIZADO PELOS MORADORES – CASA 04

12

3

82

22

5

80

82

120

43

1

2

3

5

4

6

55

15

4

71

11

1

50

53

55

58

70 175

29

113

46

1

42

56

2 3

57

57 55

60

O interior da habitação popular: uma análise do arranjo do mobiliário pela ótica da Ergonomia janeiro/2013

19

0

140 80

82

180

481

2

3

1

2

3

4

19

5

85

50

90 45

86

90

50