o inquÉrito policial e seu carÁter...

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ NILO CÉSAR CARVALHO MORÁS O INQUÉRITO POLICIAL E SEU CARÁTER INQUISITIVO CURITIBA 2015

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

NILO CÉSAR CARVALHO MORÁS

O INQUÉRITO POLICIAL E SEU CARÁTER INQUISITIVO

CURITIBA

2015

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

NILO CÉSAR CARVALHO MORÁS

O INQUÉRITO POLICIAL E SEU CARÁTER INQUISITIVO

Monografia apresentada ao Curso de Direito da

Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade

Tuiuti do Paraná, como requisito para a obtenção

do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dálio Zippin Filho

CURITIBA

2015

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TERMO DE APROVAÇÃO

NILO CÉSAR CARVALHO MORÁS

O INQUÉRITO POLICIAL E SEU CARÁTER INQUISITIVO

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da

Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ____ de ____________ de 2015

__________________________________________ Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite

Coordenador do Núcleo de Monografia Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador:______________________________________ Prof. Dálio Zippin Filho

Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito

Prof.:______________________________________ Universidade Tuiuti do Paraná

Curso de Direito

Prof.:______________________________________ Universidade Tuiuti do Paraná

Curso de Direito

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EPÍGRAFE

Não são sagradas as regras, os princípios sim.

Abraham Lincoln

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DEDICATÓRIA

Dedico a árdua, porém enriquecedora e proveitosa pesquisa à minha família

como um todo!

Ao meu Pai Nillo que sempre depositou em mim toda confiança e liberdade

para agir como bem aprouvesse;

À minha Mãe Denise que em momento nenhum deixou de acreditar;

À minha irmã Roberta que mesmo longe contribuiu como pôde;

À minha amada e querida esposa Mirna que apoiou e incentivou quando se

instalava o desânimo e,

Em especial ao meu amado e admirado filho Bruno César idealizador e

colaborador desta realização!

Muito obrigado à todos!

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Deus pela oportunidade de realizar este sonho.

Agradeço aos meus queridos Pais Nillo e Denise por tudo que fizeram por

mim.

Agradeço à minha querida e amada esposa Mirna por estar junto a mim nas

horas que precisei.

Agradeço aos amigos e colegas que de alguma maneira contribuíram para

esta realização.

Agradeço ao nosso Professor e Coordenador Eduardo de Oliveira Leite,

incansável na transmissão do conhecimento.

Agradeço ao Professor e Orientador Dálio Zippin Filho pelos ensinamentos e

paciência para comigo.

Agradeço à Instituição de ensino Tuiuti pela efetiva participação desta

realização.

E, agradeço em especial ao meu amado e admirado filho Bruno César,

idealizador deste sonho e parceiro incondicional, muito obrigado.

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RESUMO

A análise profunda sobre o poder que o Estado exerce através de um procedimento administrativo chamado inquérito policial, é o tema geral do presente estudo. A pesquisa bibliográfica será sob a ótica geral do inquérito policial, porém, será um tanto quanto minuciosa em uma de suas características, a inquisitoriedade. Então faremos dessa relevante característica, o núcleo da pesquisa. A escolha pelo tema apresentado tem embasamento no sentido do mesmo ter entendimentos diversos sobre o respeito a princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, princípios estes garantidos a todos. Veremos entendimentos divergentes de nosso doutrinadores e o quanto tais posicionamentos são salutares para o universo jurídico brasileiro. O inquérito policial como procedimento preparatório para uma futura ação penal, possui objetivo extremamente importante em nossa justiça, é de suma importância então que o mesmo exerça o papel a que se destina, a busca pela verdade real. Mister se faz a lembrança de que o assunto está envolto de vidas humanas, então uma vez ferido o tecido social, necessário é que o infrator penal arque com as consequências na medida do seu erro, nem mais, nem menos. Ademais, esperamos que a minúcia da discussão seja benéfica para os detentores do poder público assim como para os operadores do direito. Lembremos sempre que, se ache o culpado e não que se faça ele.

Palavras-chave: Inquérito policial, inquisitoriedade, ampla defesa e contraditório.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................08

2 CONCEITO DE INQUÉRITO POLICIAL ............................................................09

3 HISTÓRICO E SURGIMENTO NO BRASIL DO INQUÉRITO POLICIAL .........11

4 FINALIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL..........................................................12

5 CARACTERÍSTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL .............................................14

5.1 OFICIALIDADE ...................................................................................................14

5.2 AUTORITARIEDADE ..........................................................................................14

5.3 PROCEDIMENTO ESCRITO ..............................................................................14

5.4 INDISPONIBILIDADE ..........................................................................................15

5.5 DISCRICIONARIEDADE .....................................................................................15

5.6 OFICIOSIDADE ...................................................................................................16

5.7 TEMPORARIEDADE ...........................................................................................17

5.8 PROCEDIMENTO SIGILOSO .............................................................................18

5.9 INQUISITORIEDADE ..........................................................................................20

6 O CARÁTER INQUISITÓRIO NO INQUÉRITO POLICIAL ................................22

6.1 A INQUISITORIEDADE E OS SEUS ASPECTOS NO INQUÉRITO POLICIAL.22

6.2 A EXCEÇÃO AO CARÁTER INQUISITÓRIO DO INQUÉRITO POLICIAL ........29

7 VALOR PROBATÓRIO .......................................................................................30

8 CONCLUSÃO ......................................................................................................32

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1 INTRODUÇÃO

O Inquérito Policial é um procedimento de atos administrativos, pré-

processual, facultativo, inquisitório e está inserido no poder soberano que o Estado

exerce. Sua finalidade é o engendramento de ações que permitam ao Estado-

Administração apurar a autoria e materialidade de uma infração penal, buscando a

verdade real visando à elucidação do ilícito penal. Assim sendo, o procedimento

Estatal alcança o objetivo que mira, subsidiar elementos contundentes para a

satisfação da pretensão punitiva através da segunda fase da persecução penal, a

ação penal.

Entretanto, ao mesmo tempo o Inquérito não possui o contraditório nem a

ampla defesa, princípios constitucionais garantidores de direitos básicos. Ademais, a

conclusão do instituto, fica a cargo exclusivamente de um ser humano, que pode

errar, já que erro é inerente aos humanos, a então autoridade policial através da

pessoa do delegado de polícia.

O presente estudo aborda o poder que o Estado exerce através justamente

deste instrumento denominado “Inquérito Policial”. Para isto serão estudados o

conceito, o surgimento, a finalidade, suas características, seu valor probatório e o

núcleo do estudo que se aprofunda no caráter inquisitório do Inquérito Policial, os

doutrinadores críticos e os que arrazoam ser o caráter inquisitório uma necessidade

para o objetivo positivo do Inquérito Policial.

Serão analisadas as características positivas e negativas do Inquérito

Policial, buscando assim, um entendimento criterioso diante do que se propõe o

objetivo central do fim a que se destina o Inquérito Policial.

A referente pesquisa objetiva a conclusão de uma monografia, como requisito

básico para a obtenção do diploma de Bacharelado em Direito pela Universidade

Tuiuti do Paraná.

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2 CONCEITO DE INQUÉRITO POLICIAL

Para se entender este instituto, algumas definições do mencionado “Inquérito

Policial” são procuradas.

É sabido que se trata de um conjunto de atos administrativos praticados pelo

poder estatal a fim de viabilizar uma possível ação penal por parte do Ministério

Público com o objetivo de determinar seus agentes e a sua responsabilidade, mas

como definir Inquérito Policial?

Inquérito, segundo a definição do Dicionário Compacto do Direito, quer dizer

“procedimento administrativo ou judicial de natureza investigatória” (CUNHA, 2010,

p. 220). Polícia, conforme Julio Fabbrini Mirabete: “é uma instituição de direito

público destinado a manter a paz pública e a segurança individual” (MIRABETE,

1994, p.35).

Segundo Paulo Rangel, o Inquérito Policial:

É um conjunto de atos praticados pela função executiva do Estado com o escopo de apurar a autoria e materialidade ( nos crimes que deixam vestígios – delicta facti permanentis) de uma infração penal, dando ao Ministério Público elementos necessários que viabilizem o exercício da ação penal (RANGEL, 2015, p.71).

Para Guilherme de Souza Nucci: “O Inquérito Policial é um procedimento

preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia

judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma

infração penal e sua autoria” (NUCCI, 2015, p.98).

Conforme Renato Brasileiro de Lima afirma, o Inquérito Policial é um:

Procedimento administrativo inquisitório e preparatório, presidido pela autoridade policial, consistem um conjunto de diligências realizadas pela polícia investigativa objetivando a identificação das fontes de prova e a colheita de elementos de informação quanto a autoria e materialidade da infração penal, a fim de possibilitar que o titular da ação penal posa ingressar em juízo (LIMA, 2015, p. 109).

Na mesma linha de raciocínio, diz Fernando Capez que o Inquérito Policial: “É

o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma

infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar

em juiz” (CAPEZ, 2015, p.110).

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No Código de Processo Penal Brasileiro não há uma definição clara do que

realmente vem a ser o Inquérito Policial, entretanto no Código de Processo Penal

Português é encontrado uma clara definição do Inquérito Policial:

O Inquérito Policial compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação.

Tendo por base as características reconhecidas nos dias atuais pela doutrina

e pela jurisprudência, para Edilson Mougenot Bonfim se conceitua:

O Inquérito Policial como o procedimento administrativo, preparatório e inquisitivo, presidido pela autoridade policial, e constituído por um complexo de diligências realizadas pela polícia, no exercício da função judiciária, com vistas à apuração de uma infração penal e à identificação de seus autores (BONFIM, 2015, p. 166).

Então, trata-se de um procedimento de natureza instrumental, por se destinar

a esclarecer os fatos delituosos relatados na notícia de um crime, fornecendo

subsídios, sejam de caráter testemunhal, probatório ou interrogativo, para o

prosseguimento ou o arquivamento da persecução penal.

Apesar de o Inquérito Policial não obedecer a uma ordem legal rígida para a

realização dos atos, isso não lhe retira a característica de procedimento, já que o

legislador estabelece uma sequência lógica para sua instauração, desenvolvimento

e conclusão.

Dessa forma, muito embora a fase investigatória possa ser realizada por

diversos meios no Brasil, o instrumento usualmente adotado na investigação pré-

processual é o Inquérito Policial, este procedimento é conduzido pelo representante

da polícia judiciária no papel da autoridade do Delegado de Polícia.

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3 HISTÓRICO E SURGIMENTO NO BRASIL DO INQUÉRITO POLICIAL

O Inquérito Policial tem como uma de suas raízes a Roma antiga. Lá, o

magistrado dava ao acusador direito para proceder às diligências. No Brasil, o

Inquérito Policial foi implantado pelo Decreto n° 4.824, de 1871:

Art. 38. Os Chefes, Delegados e Subdelegados de Policia, logo que por qualquer meio lhes chegue a noticia de se ter praticado algum crime commum, procederão em seus districtos ás diligencias necessarias para verificação da existencia do mesmo crime, descobrimento de todas as suas circumstancias e dos delinquentes. (...) Art. 42. O inquerito policial consiste em todas as diligencias necessarias para o descobrimento dos factos criminosos, de suas circumstancias e dos seus autores e complices; e deve ser reduzido a instrumento escripto, observando-se nelle o seguinte:

Segundo Antonio Scarance Fernandes, o surgimento se deu graças à

preocupação com os constantes abusos de autoridades da época. Afirma

Fernandes:

Fruto de uma preocupação do Estado monárquico com os direitos e garantias individuais, pois os abusos eram constantes por parte das autoridades policiais que, desde a Lei de 3 de dezembro de 1841 e do Regulamento 120, de 31 de Dezembro de 1842, possuíam poderes excessivos no sistema processual brasileiro (FERNANDES, 2005. p. 92).

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4 FINALIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL

Quando da ocorrência de um delito, surge para o Estado o poder-dever de

apontar e punir o seu autor. Entretanto, para o início da persecução criminal por

órgãos de juízo, existe a imperativa existência de elementos de informação quanto à

materialidade e autoria da infração penal. A reunião desse lastro probatório mínimo

é a finalidade do Inquérito Policial segundo Fernando Capez, ou, em suas próprias

palavras: “A finalidade do Inquérito Policial é a apuração de fato que configure

infração penal e a respectiva autoria para servir de base à ação penal ou às

providências cautelares”. (CAPEZ, 2015, p.114)

Sem este lastro mínimo, o próprio Código de Processo Penal em seu artigo

395 veda o exercício da ação penal por ausência de justa causa. Assim o Inquérito

Policial possui importância dupla, pois, ao mesmo tempo em que colhe informações

para o oferecimento da peça acusatória, ele também contribui “para que pessoas

inocentes não sejam injustamente submetidas às cerimônias degradantes do

processo criminal”. (LIMA, 2015, p. 110). Medidas cautelares, tais como a prisão

preventiva ou a interceptação telefônica, também só são viáveis perante a convicção

do titular da ação penal, quando fundamentadas por elementos de informação

advindos de outras diligências do Inquérito Policial.

Importante mencionar que a distinção de Inquérito Policial e da instrução

processual se dá pelos seus objetos resultantes. Enquanto esta colhe provas para a

legitimidade da acusação ou da defesa, aquela busca somente dados informativos

para que o órgão acusatório dê parecer sobre a possibilidade de propositura da ação

penal. O Código de Processo Penal, em seu artigo 155, versa sobre a possibilidade

de utilização de ambos pelo juiz quando de sua tomada de decisão:

O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Dados informativos são caracterizados por serem colhidos na fase

investigatória, sem dialética das partes, não havendo, portanto contraditório nem

ampla defesa. Já as provas são elementos de convicção produzidas durante o

processo judicial, ou seja, com o contraditório e a ampla defesa.

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Assim, é requisitada a participação tanto do acusador, quanto do acusado e

de seu advogado para a geração da prova. Observando-se o artigo 399, parágrafo

2° do Código de Processo Penal, que afirma o parecer da sentença pelo juiz que

presidiu a seção e a dependência do contraditório como condicionante para a

existência de prova, Renato Brasileiro de Lima pondera que “só podem ser

considerados como prova, portanto, os dados de conhecimento introduzidos no

processo na presença do juiz e com a participação dialética das partes”. (LIMA,

2015, p. 111).

Deste modo, mesmo sendo objetos diferentes, os dados de conhecimento,

objeto final do Inquérito Policial, e as provas, objeto resultante do contraditório,

guardam estreita relação entre si. Esta relação se dá pelas provas serem resultado

dialético justamente dos dados de conhecimento obtidos por investigação criminal.

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5 CARACTERÍSTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL

Para se compreender a fundo o instituto do Inquérito Policial, é de

fundamental importância a compreensão de suas principais características. Esta

caracterização varia de autor para autor, porém de maneira geral pode-se afirmar

que as principais características acerca do Inquérito Policial são: oficialidade,

autoritariedade, procedimento escrito, indisponibilidade, discricionariedade,

oficiosidade, temporariedade, procedimento sigiloso e inquisitoriedade.

5.1 OFICIALIDADE

A Oficialidade é uma característica do Inquérito Policial, pois, segundo o

artigo 144, §1° e §4°da Constituição Federal, sua atividade investigatória deve ser

sempre feita por órgãos oficiais do Estado, e de maneira nenhuma por particulares.

5.2 AUTORITARIEDADE

A autotariedade é uma característica do Inquérito Policial expressa no Texto

Constitucional, em seu artigo 144, § 4°. O Inquérito Policial é presidido por uma

autoridade pública, ou seja, uma autoridade policial, então cabe ao Delegado de

Polícia, podendo ser Civil ou Federal, a presidência do instituto.

Cabe destacar que há autores, como Renato Brasileiro de Lima, que não

distinguem a autoritariedade da oficialidade como características do Inquérito

Policial.

5.3 PROCEDIMENTO ESCRITO

O Inquérito Policial deverá ter suas peças reduzidas a escrito ou

datilografadas, conforme aponta o artigo 9° do Código de Processo Penal: “Todas as

peças do Inquérito Policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou

datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade”.

Entretanto é interessante ressaltar que o mesmo Código de Processo Penal

entrou em vigor em 1° de Janeiro de 1942, data que impedia a menção à instalação

de gravações audiovisuais no instituto. Numa interpretação progressiva ou até pela

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aplicação do artigo 405, § 1° do Código de Processo Penal, é admitida a utilização

de novos meios tecnológicos no curso do Inquérito. Deste modo, segundo Brasileiro

de Lima:

Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, do indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações. (LIMA, 2015, p. 116).

5.4 INDISPONIBILIDADE

Segundo o artigo 17 do Código de Processo Penal, autos de Inquéritos

Policiais não poderão ser arquivados por autoridades policiais. O arquivamento

somente é possível a partir de pedido formulado pelo titular da ação penal, com

apreciação da autoridade judiciária competente posteriormente.

Assim, mesmo o Delegado de Polícia não possuindo a obrigação de instaurar

o Inquérito Policial ao observar notificação de infração penal, ele não poderá

determinar seu arquivamento, mesmo que conclua pela atipicidade da conduta

investigada.

É importante salientar o reconhecimento de investigações preliminares à

instauração do Inquérito Policial pela jurisprudência. Este reconhecimento se dá pelo

procedimento de Verificação de Procedência de Informação (VPI).

5.5 DISCRICIONARIEDADE

De maneira distinta à fase judicial, a qual possui todo um rigor nos

procedimentos adotados, a autoridade policial conduz a fase preliminar de

investigações de maneira discricionária. Assim, é ela que determina o rumo das

diligências do caso concreto, sempre visando às peculiaridades de cada caso.

O artigo 6º do Código de Processo Penal enumera variadas diligências

cabíveis de serem tomadas pela autoridade policial quando do conhecimento da

infração penal, dentre elas estão, a oitiva do indiciado, a oitiva do ofendido, a ordem

para a averiguação da vida pregressa do indiciado bem como ordenar sua

identificação, além é claro de colher todas as provas cabíveis ao procedimento e

objetos relacionados aos fatos, dentre outras diligências. Mas é importante salientar

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que o artigo, segundo Brasileiro de Lima: “contempla um rol exemplificativo de

diligências que podem ser determinadas pela autoridade policial” (LIMA, 2015, p.

122) (grifo próprio). Ou seja, a Autoridade Policial não é jamais obrigada a seguir

esta marcha procedimental, sendo ela “apenas uma sugestão das principais

medidas a serem adotadas pela autoridade policial, o que não impede que outras

diligências também sejam realizadas” (idem). O caráter discricionário do Inquérito

Policial está aí exposto.

Entretanto, é salutar destacar o uso da palavra discricionário na natureza

jurídica. Ao se procurar o significado da palavra discricionário num dicionário de

língua portuguesa, é provável que o texto dê significâncias que extrapolem o âmbito

característico do Inquérito. Ao se procurar o termo num minidicionário escolar, por

exemplo, acha-se: “discricionário: adj. Que procede ou se exerce à discrição;

arbitrário” (FERREIRA, 2005, p. 321) (grifo próprio). É justamente no termo

arbitrário que se faz a confusão. Embora a Autoridade Policial possua liberdade para

atuar da maneira que pense ser a melhor, esta é uma liberdade legal, ou seja,

situada dentro dos parâmetros previstos na Constituição Federal e na legislação

infraconstitucional, ou como argumenta Brasileiro de Lima: “Discricionariedade

implica liberdade de atuação nos limites traçados pela lei. Se a autoridade policial

ultrapassa esses limites, sua atuação passa a ser arbitrária, ou seja, contrária à lei”

(LIMA, 2015, p. 122).

5.6 OFICIOSIDADE

De acordo com o artigo 5º do Código de Processo Penal, a instauração do

Inquérito Policial é obrigatória ao se observar uma notícia de infração penal. Assim

fica claro que as atividades das autoridades policiais independem de qualquer forma

de provocação. Havendo a notícia de fato formalmente típica, a autoridade policial

deve abster-se de qualquer pré-julgamento quanto a possíveis causas excludentes

da ilicitude ou da culpabilidade, instaurar Inquérito e estabelecer as diligências para

a apuração do delito.

Embora num primeiro momento pareçam contraditórias, a oficiosidade e a

discricionariedade são compatíveis e complementares. Enquanto esta versa sobre a

liberdade legal de atuação do Delegado Policial para estabelecer as diligências,

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aquela refere-se ao caráter da obrigatoriedade de instauração do Inquérito por parte

da autoridade policial. Brasileiro de Lima esclarece:

A oficiosidade está relacionada à obrigatoriedade de instauração de Inquérito Policial quando a autoridade policial toma conhecimento de infração penal de ação pública incondicionada; a discricionariedade guarda relação com a forma de condução das investigações, seja no tocante à natureza dos atos investigatórios (provas periciais, acareações, oitiva de testemunhas, etc.), seja em relação à ordem de sua realização (LIMA, 2015, p. 122).

5.7 TEMPORARIEDADE

O artigo 10 do Código de Processo Penal aborda os prazos para que o

Inquérito Policial seja finalizado. Nos casos nos quais o indiciado foi preso em

flagrante ou preventivamente, o instituto deverá terminar num prazo de 10 dias,

contando a partir do dia de execução da ordem de prisão. Já para os casos nos

quais o indiciado está solto, seja mediante fiança ou não, o prazo para término do

Inquérito é de 30 dias.

Entretanto, no artigo 10, §3°, do Código de Processo Penal, o texto determina

que, estando o indiciado solto e sendo o fato de difícil elucidação, é cabível por parte

da autoridade o requerimento da devolução dos autos, para posteriores diligências.

No cotidiano das mais variadas delegacias e fóruns criminais é comum se

notar pilhas gigantes de Inquéritos com seus prazos de conclusão prorrogados

indefinidamente. Embora estes prorrogamentos sejam legais, conforme prevê o

parágrafo 3° do artigo 10 do referido código, sua influência sobre os indiciados é

maléfica, já que trás consigo abalos das mais variadas formas. A Constituição

Federal, em seu artigo 5°, LXXVIII, alude sobre “razoável duração” de processos

judiciais. Assim, a autoridade policial deve determinar as diligências necessárias

para elucidação do caso, e paralelamente, sendo o fato de grande complexidade o

procedimento do Inquérito necessitará de um maior período de tempo para se

efetuar as diligências devidas. Porém não havendo possibilidade de colheita de

elementos caracterizantes para oferecimento de denúncia, o arquivamento dos

autos deverá ser requerido pelo Promotor de Justiça.

Partindo desta ótica, em setembro de 2008 a 5° Turma do STJ determinou

trancamento de um Inquérito Policial em andamento. O Inquérito, que na época

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estava instaurado há 7 anos, ainda não oferecera denúncia, pelo Ministério Público,

contra os indiciados. Segundo o Min. Napoleão Nunes Maia Filho:

É certo que existe jurisprudência, inclusive desta Corte, que afirma inexistir constrangimento ilegal pela simples instauração de Inquérito Policial, mormente quando o investigado está solto, diante da ausência de constrição em sua liberdade de locomoção; entretanto, não se pode admitir que alguém seja objeto de investigação eterna, porque essa situação, por si só, enseja evidente constrangimento, abalo moral e, muitas vezes, econômico e financeiro... (STJ, 5° Turma, HC 96.666/MA, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 04/09/2008, DJe 22/09/2008) (Grifo próprio).

5.8 PROCEDIMENTO SIGILOSO

A Constituição Federal, no seu artigo 93, inciso IX, versa que:

Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

Assim é garantida ao cidadão a publicidade dos julgamentos no Judiciário. A

importância dessa publicidade é abordada por Renato Brasileiro de Lima:

A Publicidade dos atos processuais, garantia do acesso de todo e qualquer cidadão aos atos praticados no curso do processo, revela uma clara postura democrática, e tem como objetivo precípuo assegurar a transparência da atividade jurisdicional, oportunizando sua fiscalização não só pelas partes, como por toda a comunidade. (LIMA, 2015, p. 118).

E clarificada por Antônio Scarance Fernandes:

São evitados excessos ou arbitrariedades no desenrolar da causa, surgindo, por isso, a garantia como reação aos processos secretos, proporcionando aos cidadãos a oportunidade de fiscalizar a distribuição da justiça. (SCARANCE, 2002, p. 68).

Assim, a publicidade é importante para o alcance de uma sociedade mais

justa e madura. Entretanto, cabe ressaltar que a própria Carta Magna no seu artigo

5°, inciso XXXIII ressalva que poderá haver sigilo de informações de interesse

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particular quando imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Ou seja, a

publicidade não terá caráter absoluto.

Havendo possibilidade de sigilo na fase processual, é evidente que o sigilo

também pode ser observado no curso de uma investigação policial. Na realidade, o

Inquérito somente será sigiloso quando necessário à elucidação do caso, ou ainda,

corroborando com a Carta Magna, para preservar o interesse social. Edilson

Mougenot Bonfim resume que “Não é o sigilo, portanto, característica de todo e

qualquer Inquérito Policial. É o delegado de polícia que decidirá, discricionariamente,

acerca da necessidade ou não do sigilo” (BONFIM, 2015, p.170).

O sigilo também não é único. Ele pode variar entre sigilo externo e sigilo

interno. O primeiro restringe a publicidade dos atos de investigação às pessoas do

povo, ou seja, terceiros. Já o último impossibilita a tomada de conhecimento sobre

as diligências realizadas e o acompanhamento dos futuros atos investigatórios pelo

investigado.

Tanto o Ministério Público quanto o Poder Judiciário têm a faculdade de

acompanhar o curso do Inquérito. Assim, numa interpretação fechada, o sigilo não

pode ser visto como absoluto mesmo quando da decisão da Autoridade Policial pela

sua adesão.

Há certa controvérsia sobre o sigilo interno. O artigo 7º, inciso XIV, do

Estatuto da Advocacia garante o direito do advogado de “examinar em qualquer

repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de Inquérito, findos

ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar

apontamentos”. De maneira oposta, é lógico de se pensar que a publicidade de

certas diligências depende, fundamentalmente, do desconhecimento por parte do

investigado. A realização de escutas telefônicas, diligência garantida pelo artigo 8°

da Lei 9296/96, é um exemplo.

Este tipo de diligência terá sigilo completo enquanto de sua realização, pois

no “Inquérito Policial não se aplica o princípio da ampla defesa por ser procedimento

meramente informativo de natureza administrativa” (STJ, 5° T., RMS 15.167, Rel.

Félix Fischer, j. 3.12.2002, DJU, 10.3.2003), de maneira que o “necessário sigilo

pode ser imprescindível para as investigações, reconhecendo a prevalência do

interesse público sobre o privado” (STJ, 5° T., RMS 13.010, Rel. Gilson Dipp, j.

3.12.2002, RT, 818/534). Evidentemente que após a conclusão das investigações e,

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juntada aos autos do Inquérito Policial, é garantido o acesso às informações pelo

indiciado e sua defesa.

Ainda sobre o caráter sigiloso do Inquérito Policial, cabe destacar o parágrafo

acrescentado pela Lei nº. 12.681/2012 no artigo 5º do Código de Processo Penal:

“Nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não

poderá mencionar quaisquer anotações referentes a instauração de Inquérito contra

os requerentes”.

Assim, é seguido o princípio constitucional da presunção de não

culpabilidade, já que sendo o Inquérito Policial um instituto investigativo, ele não

confere juízo de certeza ao caso concreto, e “sua manutenção nas folhas de

antecedentes criminais acessíveis ao público pode acarretar sérios prejuízos ao

investigado” (BONFIM, 2015, p.172).

5.9 INQUISITORIEDADE

Nesse tópico, o caráter inquisitório é abordado, de maneira sucinta, como a

última das características do Inquérito Policial. Por se tratar do núcleo do presente

estudo, no próximo item o assunto será desenvolvido com as minucias necessárias

para as reflexões a que se destina.

No Inquérito Policial, prevalece na doutrina e na jurisprudência, o

entendimento de que se trata de um procedimento inquisitorial, a ele não se aplicam

o contraditório e a ampla defesa. A negativa em conceder tais benefícios de defesa

ao investigado se deve em virtude do Inquérito Policial se tratar de um procedimento

de natureza administrativa e, ainda nessa fase, não de um processo judicial ou

administrativo, então não há de se falar em imposição de qualquer sanção.

Entretanto, alguns defensores, como Sinnédria dos Santos Dias em artigo

chamado “Inquérito Policial – um procedimento inquisitivo ou contraditório?”,

arrazoam que no Inquérito Policial antes de um possível indiciamento não se aplica

o contraditório, porém após o indiciamento, uma vez que a autoridade policial

reconheceu os indícios da conduta delituosa, o contraditório não conspiraria contra o

êxito das investigações, ao contrário, asseguraria maior teor de confiabilidade dando

maior legitimidade à conclusão do Inquérito pela autoridade policial.

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Fernando de Costa Tourinho Filho afirma que, havendo o princípio do

contraditório, a defesa não deveria estar sujeita a restrições, porque quando se fala

em contraditório, remete-se a completa igualdade entre a acusação e a defesa, o

que realmente não existe no Inquérito Policial, pois, neste momento procedimental,

não há um acusado e sim um indiciado.

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6 O CARÁTER INQUISITÓRIO NO INQUÉRITO POLICIAL

6.1 A INQUISITORIEDADE E OS SEUS ASPECTOS NO INQUÉRITO POLICIAL

O artigo 5°, inciso LV, da Constituição Federal de 1988 dispõe que a todos em

geral, será assegurado em um processo judicial ou administrativo, o benefício do

contraditório e da ampla defesa, in verbis: “aos litigantes, em processo judicial ou

administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla

defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”

Da norma constitucional depreende-se o direito assegurado do contraditório e

da ampla defesa nos processos administrativos e judiciais. Entretanto, doutrinadores

como Fernando Capez, Guilherme de Souza Nucci e Renato Brasileiro de Lima

dentre outros, entendem que por ser o Inquérito Policial um procedimento

administrativo, então não estaria admitido durante o mesmo, o contraditório e a

ampla defesa.

A partir desses entendimentos é que se instala no universo jurídico Brasileiro

a discussão sobre o caráter inquisitivo do Inquérito Policial. A doutrina e a

jurisprudência entendem que o Inquérito é um procedimento inquisitorial,

significando que não se aplicam o contraditório e a ampla defesa, isso porque se

trata de mero procedimento administrativo e não de um processo judicial ou

administrativo já que durante o Inquérito não resulta nenhuma imposição de sanção.

Caracteriza-se como inquisitivo o procedimento em que as atividades

persecutórias concentram-se nas mãos de uma única autoridade, empreendendo

com discricionariedade, as atividades necessárias ao esclarecimento de um crime e

de sua autoria.

A autoridade policial tem em suas mãos todo o poder de direção do Inquérito

Policial, inquirindo ,investigando de modo geral, testemunhas do fato delituoso e

tentando esclarecer as circunstâncias em que estes fatos teriam ocorrido.

O Inquérito Policial é, por sua própria natureza, inquisitivo, ou seja, não

permite ao indiciado ou suspeito à ampla oportunidade de defesa, produzindo e

indicando provas, oferecendo recursos, apresentando alegações, entre outras

atividades que, como regra, possui durante a instrução judicial. Entretanto, há o

entendimento entre outros doutrinadores que, a vantagem e a praticidade de ser o

Inquérito inquisitivo, concentram-se na agilidade que o Estado possui para investigar

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o ilícito penal e descobrir sua autoria. Caso fosse concedido o contraditório, tal ato

processual estaria comprometido e poderia não apresentar resultado favorável à

elucidação do crime.

Arrazoam sobre esse entendimento que, em função de uma agilidade da

resposta do judiciário à sociedade e à vítima ou aos seus familiares, se fosse

aplicado o princípio do contraditório no Inquérito Policial, estar-se-ia ferindo a outro

princípio constitucional, que é o princípio da eficiência, previsto no artigo 37° da

Constituição Federal Brasileira. Aplicado o contraditório durante o Inquérito Policial,

não só as investigações, como todo o procedimento teria sua efetividade abalada, e

assim o trabalho investigatório policial se tornaria moroso e cerceado da agilidade

necessária a elucidação dos delitos e de sua autoria. O artigo 37 da Constituição

Federal de 1988 afirma: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos

Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos

princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e,

[...].”

O Inquérito Policial, sendo um procedimento meramente administrativo

informativo, que se destina à investigação de um fato possivelmente criminoso e à

identificação de seu autor com objetivo de obtenção de elementos necessários e

suficientes para a propositura de uma ação penal, não integra o processo penal

propriamente dito, então, não está sujeito ao contraditório e a ampla defesa. A

situação tem jurisprudência pacificada no Supremo Tribunal Federal e no Superior

Tribunal de Justiça. O suspeito apresenta-se apenas como elemento passível de

investigação, sendo resguardados seus direitos e garantias pessoais.

Então, deve-se almejar a exata medida que considere o Inquérito inquisitivo,

sem que essa condição contamine o magistrado na prolação da sentença. De

acordo com Guilherme de Souza Nucci:

O Inquérito destina-se, fundamentalmente, ao órgão acusatório, para formar a sua convicção acerca da materialidade e da autoria da infração penal, motivo pelo qual não necessita ser contraditório e com ampla defesa eficiente. Esta se desenvolverá, posteriormente, se for o caso, em juízo (NUCCI, 2015, p.124).

É assegurada à autoridade policial, que a mesma conduza as investigações

por meio de Inquérito Policial, com o objetivo de identificar as circunstâncias, a

materialidade e a autoria das infrações penais. Esse firmamento se dá pela Lei nº

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12.830/13 que, em seu artigo 2º esclarece que as funções da polícia judiciária e a

apuração de infrações penais exercidas pela autoridade policial, são exclusivas do

Estado. Cabe então ao Delegado de Polícia, na função de autoridade policial, a

condução da investigação criminal através do Inquérito Policial com o objetivo da

apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais,

bem como a requisição de perícia, documentos e dados que interessem à apuração

dos fatos.

O Superior Tribunal de Justiça fixou jurisprudência em 2003 em relação aos

princípios do contraditório e da ampla defesa no Inquérito Policial:

-PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL. INEXISTÊNCIA: “(...) Os princípios do contraditório e da ampla defesa não se aplicam ao Inquérito Policial, que é mero procedimento administrativo de investigação inquisitorial” (STJ, 5ª T., rel. Min. Gilson Dipp, j. 27-5-2003, DJ, 4 ago. 2003, p. 327).

De acordo com Paulo Rangel: “O caráter inquisitivo do Inquérito Policial faz

com que seja impossível dar ao investigado o direito de defesa, pois ele não está

sendo acusado de nada, mas, sim, sendo objeto de uma pesquisa feita pela

autoridade policial” (RANGEL, 2015, p. 95). O mesmo prossegue: “A inquisição dá à

autoridade policial a discricionariedade de iniciar as investigações da forma como

melhor lhe aprouver”. (idem).

O Inquérito Policial é de forma livre, portanto, não existem regras previamente

determinadas para que se inicie uma investigação e consequentemente um Inquérito

Policial. Como visto, o artigo 6° do Código de Processo Penal deixa claro que

quando a autoridade policial tiver conhecimento de uma eventual prática delituosa, a

mesma autoridade tem o poder discricionário para começar uma investigação. Os

procedimentos investigatórios estarão a critério da autoridade policial que adotará

medidas e providências como as achar necessárias, sob seu entendimento e sem

obedecer qualquer rito, essa característica é inerente ao Inquérito Policial. Tais

medidas compreendem atos investigatórios como a busca e apreensão, oitiva de

testemunhas, oitiva do acusado, oitiva do ofendido, isolamento e conservação do

local do crime, como já mencionado.

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O objetivo do Inquérito Policial é reunir elementos e informações da maneira

mais precisa possível, a fim de que as provas angariadas durante a investigação

sejam bem aproveitadas em uma futura ação penal.

O caráter inquisitivo do Inquérito Policial é demonstrado claramente no artigo

14 do Código de Processo Penal, in verbis: “O ofendido, ou seu representante legal,

e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a

juízo da autoridade.” Tal artigo dá à autoridade policial, a discricionariedade

necessária para verificar se as diligências requeridas pelo ofendido ou pelo indiciado

prejudicarão ou serão úteis ao curso das investigações, podendo assim deferi-las ou

não.

O Inquérito Policial é conduzido pela autoridade policial, dessa maneira, o

instrumento investigativo assume um caráter inquisitivo uma vez que o Estado

exerce a função de acusação e de defesa concomitantemente, logo, a autoridade

policial tem o poder total sobre a investigação, permitindo a ele que, sob seu poder

discricionário, comprove tanto a inocência quanto indícios que indicarão ser o

suspeito autor de um ilícito penal.

O poder discricionário conferido à autoridade policial assegura à ela o direito

de atuar e acompanhar o Inquérito Policial segundo suas convicções e vontade, à

mesma é conferida também a legitimidade para agir ou deixar de agir conforme seus

entendimentos e os ditames constitucionais.

A inquisitoriedade no Inquérito Policial tem sofrido críticas por alguns

operadores do ordenamento jurídico brasileiro, primeiro pela impossibilidade de

recurso na recusa de diligências requeridas pela parte. O entendimento é de que de

nada adianta conceder ao indiciado o direito de requerer diligências, uma vez que as

mesmas só serão realizadas segundo o julgamento da autoridade policial. Nesse

aspecto, poderá a autoridade policial, por exemplo, se recusar a interrogar uma

testemunha a requerimento do investigado, que busca provar sua inocência, a

possível recusa pode acontecer sem mesmo que a autoridade policial precise

justificar ou se manifestar em qualquer sentido.

O comando da inércia é tão centralizado no entendimento singular da

autoridade policial, que existe a possibilidade de não instauração do Inquérito

Policial a requerimento da parte, a autoridade policial tem ao seu livre entendimento,

a possibilidade de não instaurar o Inquérito Policial, quando achar que o fato narrado

não constitui crime, ou sob o seu entendimento, quando achar que não há indícios

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suficientes para a comprovação da autoria e materialidade do fato. Tal entendimento

reveste à autoridade policial de um poder para prever uma absolvição sumária,

como se juiz fosse.

Outro aspecto que sofre críticas é a impossibilidade de alegação de

suspeição e impedimento da autoridade policial, a mesma tem autonomia para

decidir sobre o início de uma investigação, sobre a instauração de diligências e

conclusões de um Inquérito Policial. Tal Inquérito Policial poderia investigar um

crime cometido por um conhecido ou mesmo por parente desta autoridade, mesmo

se tratando de um caso hipotético, em uma situação fática, a autoridade não

precisaria ser afastada das investigações, nem seriam nulas ou consideradas

suspeitas suas conclusões, pelo menos não por força de lei, os valores éticos e

morais não estão sob análise no presente estudo.

A prática de tal forma de procedimento torna o mesmo questionável,

levantando sérias reflexões sobre a razoabilidade, a veracidade e a credibilidade dos

procedimentos investigativos. É razoável que juízes, promotores e demais agentes

do Estado exercem suas funções sobre o dever de respeito às normas, e por isso

fiquem impedidos de atuar em situações que lhe dizem respeito. E em relação à

pessoa da autoridade policial, é razoável que o procedimento de seus atos seja

diferente?

O caráter inquisitivo está relacionado à eficácia das diligências investigativas,

argumenta Renato Brasileiro de Lima:

Deveras, fossem os atos investigatórios precedidos de prévia comunicação à parte contrária, seria inviável a localização de fontes de prova acerca do delito, em verdadeiro obstáculo à boa atuação do aparato policial. Funciona o elemento da surpresa, portanto, como importante traço peculiar do Inquérito Policial (LIMA, 2015, p. 121).

O caráter inquisitorial do Inquérito Policial se firma disposto no artigo 107 do

Código de Processo Penal, in verbis: “Não se poderá opor suspeição às autoridades

policiais nos atos do Inquérito, mas deverão elas declarar-se suspeitas, quando

ocorrer motivo legal.”

Não se pode deixar de citar que, apesar de o investigado ou indiciado não ter

a aplicabilidade durante o Inquérito Policial do contraditório e a ampla defesa, a ele

são garantidos direitos fundamentais como o direito ao silêncio, ser assistido por

advogado, etc.

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Então se houver durante o Inquérito Policial momentos de violência ou de

qualquer coação ilegal, deverá ser assegurada a ampla defesa.

Aury Lopes Jr. pensa em sentido contrário em relação ao direito de defesa, o

doutrinador entende que o investigado tem direito de defesa no decorrer do Inquérito

Policial. O pensamento é embasado no raciocínio de que, durante o Inquérito

Policial, o investigado tem a possibilidade de se defender, de fazer sua autodefesa

dando a sua versão sobre os fatos ocorridos, tal situação, é entendida pelo

doutrinador como um direito de defesa durante a investigação criminal. Aury Lopes

Jr. preceitua:

É lugar-comum na doutrina a afirmação genérica e infundada de que não existe direito de defesa e contraditório no Inquérito Policial. Está errada a afirmação, pecando por reducionismo. Basta citar a possibilidade de o indiciado exercer no interrogatório policial sua autodefesa positiva (dando sua versão aos fatos); ou negativa (usando seu direito de silêncio). Também poderá fazer-se acompanhar de advogado (defesa técnica) que poderá agora intervir no final do interrogatório. Poderá, ainda, postular diligências e juntar documentos (art. 14 do CPP). Por fim, poderá exercer a defesa exógena, através do habeas-corpus e do mandado de segurança (LOPES JR., 2015, p. 170).

Em relação ao contraditório, o pensamento do doutrinador caminha no

mesmo sentido que vários outros doutrinadores analisados no presente estudo. O

argumento de Aury Lopes Jr. se faz no sentido de que não pode existir o

contraditório em virtude de não existir – na fase do Inquérito Policial – uma relação

processual que caracterize o processo. Ressalta ainda Aury Lopes Jr.: “em sentido

estrito, não pode existir contraditório pleno no Inquérito porque não existe uma

relação jurídico-processual, não está presente a estrutura dialética que caracteriza o

processo” (LOPES JR., 2015, p. 171).

Entretanto, entende o mesmo doutrinador que o contraditório não se perfaz

em sua plenitude, mas se manifesta de maneira superficial através da garantia de

“acesso” aos autos do Inquérito Policial.

O Supremo Tribunal Federal se manifestou em relação ao contraditório e a

ampla defesa, ipsis verbis:

A investigação policial, em razão de sua própria natureza, não se efetiva sob o crivo do contraditório, eis que é somente em juízo que se torna plenamente exigível o dever estatal de observância do postulado da bilateridade dos atos processuais e da instrução criminal. A inaplicabilidade da garantia do contraditório ao Inquérito Policial tem sido reconhecida pela

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jurisprudência do STF. A prerrogativa inafastável da ampla defesa traduz elemento essencial e exclusivo da persecução penal em juízo. (STF- 1ªT.- HC nº 69.372/SP- rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção l, 7 maio 1993, p. 8.328).

A centralização de uma investigação criminal, concentrado em uma só

autoridade e dando a essa mesma autoridade o poder total conforme seu arbítrio

para realizar os atos da maneira como achar necessária, é que torna esse

procedimento inquisitório, segundo o raciocínio de Fernando Capez:

Caracteriza-se como inquisitivo o procedimento em que as atividades persecutórias concentram-se nas mãos de uma única autoridade, a qual, por isso, prescinde, para a sua atuação, da provocação de quem quer que seja, podendo e devendo agir de ofício, empreendendo, com discricionariedade, as atividades necessárias ao esclarecimento do crime e da sua autoria. (CAPEZ, 2015, p. 118).

Como já visto, evidencia a natureza inquisitiva do procedimento o artigo 107

do Código de Processo Penal, que proíbe a arguição de suspeição das autoridades

policiais, e o artigo 14 também do mesmo Código, que permite à autoridade policial

indeferir segundo seus entendimentos e convicções, qualquer diligência requerida

pelo ofendido ou indiciado.

Há, porém, um entendimento entre doutrinadores que advogam que, o

benefício do contraditório deveria ser concedido ao investigado, se não durante o

início da investigação, então a partir do indiciamento do investigado, pois a partir de

seu indiciamento deixa o investigado de ser um simples investigado e passa ser um

indiciado propriamente dito.

Consequentemente, a ele seriam asseguradas todas as garantias previstas

constitucionalmente, entre tais garantias estariam a de ser assistido pelo seu

advogado com ampla liberdade para sua instrução, poder requerer a autoridade

policial – o delegado de polícia – a produção das provas cabíveis, solicitar exames e

a oitiva das testemunhas que, segundo seu entendimento serão necessárias para a

elucidação do crime.

A partir então da concessão do benefício do contraditório ao indiciado, não

teria a autoridade policial o poder para recusar tais requerimentos sob pena de

privação dos direitos constitucionais garantidos ao indiciado e, consequentemente

do cerceamento de sua defesa.

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6.2 A EXCEÇÃO AO CARÁTER INQUISITÓRIO DO INQUÉRITO POLICIAL

A exceção ao caráter inquisitório do Inquérito Policial é aquele instaurado pela

polícia federal, a pedido do Ministro da Justiça, que tem como objetivo a expulsão de

estrangeiro. De acordo com o artigo 71 da Lei nº 6.815/80 há de ser garantido ao

estrangeiro o “direito de defesa”, o que induz, por conseguinte, uma antecipação do

contraditório nessa fase, in verbis o artigo 71 da Lei nº 6.815/80:

Nos casos de infração contra a segurança nacional, a ordem política ou social e a economia popular, assim como nos casos de comércio, posse ou facilitação de uso indevido de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, ou de desrespeito à proibição especialmente prevista em lei para estrangeiro, o Inquérito será sumário e não excederá o prazo de quinze dias, dentro do qual fica assegurado ao expulsando o direito de defesa.

Há de se lembrar que a observância do contraditório é obrigatória em se

tratando de Inquérito que objetiva a expulsão de estrangeiro. O Decreto nº 86.715/81

estabelece uma sequência de etapas que devem ser observadas para que seja

concretizada a expulsão do estrangeiro, aí abrangida à possibilidade de ampla

defesa e do contraditório. Assim, estaria se garantindo ao investigado durante o

Inquérito Policial, o direito de defesa já que se antecipou, nessa fase, o direito ao

contraditório.

Em real sentido, o contraditório e a ampla defesa incidem nessa fase em

virtude de se tratar de um real processo, muito embora tenha o Inquérito Policial

uma natureza de procedimento administrativo. Uma vez finalizado o Inquérito

Policial, a expulsão fica a cargo de um decreto do Presidente da República.

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7 VALOR PROBATÓRIO

Muito se discute na doutrina acerca do uso de elementos probatórios, obtidos

via Inquérito Policial, como fundamentos em juízo. Ao não passar pela Ampla Defesa

e nem mesmo pelo Contraditório, esses elementos não possuem validade para a

tomada de decisão do juiz, mas apenas para a proposição da ação penal.

Neste ponto, Fernando Capez é claro:

O Inquérito Policial tem conteúdo informativo, tendo por finalidade fornecer ao Ministério Público ou ao ofendido, conforme a natureza da infração, os elementos necessários para a propositura da ação penal. No entanto, tem valor probatório, embora relativo, haja vista que os elementos de informação não são colhidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa, nem tampouco na presença do juiz de direito (CAPEZ, 2015 , p. 119).

Deste modo, elementos probatórios, como por exemplo, a confissão

extrajudicial, terão de ser confirmados por outros elementos obtidos na instrução

penal para a convicção do juiz. O artigo 155 do Código de Processo Penal, já

mencionado neste trabalho, discorre exatamente sobre este tema ao negar a

fundamentação de decisão do juiz amparada por elementos informativos advindos

de investigação criminal.

Entretanto, parcela da doutrina aceita o valor probante do Inquérito Policial

quando da impossibilidade ou até mesmo dificuldade da repetição em juízo no que

concerne às provas periciais. Magalhães Noronha pondera: “Não obstante a

natureza inquisitorial da investigação da polícia, não se pode de antemão repudiar o

Inquérito, como integrante do complexo probatório que informará a livre convicção

do magistrado” (NORONHA, 2002, p.29).

Mas o próprio adverte: “Se a instrução judicial for inteiramente adversa aos

elementos que ele contém, não poderá haver prevalência sua” (idem).

Aqueles que defendem este uso versam que essas provas estariam sim

sujeitas a um contraditório diferido. Isto ocorre não no Inquérito, mas no decorrer do

processo penal quando o réu, junto de sua defesa, poderá examiná-las e impugná-

las de maneira que realmente tivessem sido produzidas no decorrer do processo.

Destarte, há autores, como Edilson Mougenot Bonfim, que separam as provas

em duas classes distintas, as repetíveis e as irrepetíveis. As primeiras podem ser

realizadas novamente na presença do contraditório. Nesta classe, pode-se

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classificar, por exemplo, o reconhecimento, a oitiva de testemunhas, a confissão

dentre outros. Já na outra classe constam os elementos não passíveis de serem

renovados em fase processual, já que possuem um caráter definitivo. Os exames de

lesões corporais são um célebre exemplo, visto que é de se presumir que os

vestígios já podem ter desaparecido quando da fase processual.

Assim, os dados informativos irrepetíveis podem ser usados como provas,

porém é negada “a possibilidade de uma condenação lastreada tão somente em

provas obtidas durante a investigação policial” (BONFIM, 2015, p. 208). Até porque,

isto seria uma afronta ao próprio artigo 5°, inciso LV da Carta Magna.

Há inclusive jurisprudência ressaltando a impossibilidade do uso de

elementos informativos para justificativa de condenação.

O Inquérito Policial é mera peça informativa para embasar eventual denúncia. Os elementos aí recolhidos, por si sós, não se prestam para amparar eventual condenação. Daí não ser necessária a presença de advogado para acompanhá-la. (STJ, 6° T. rel. Min. Pedro Acioli, DJU, 18 abr. 1994, p.8525).

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8 CONCLUSÃO

Ao Estado-Administração é incumbido o poder e a obrigação de perquirir

aquele que trouxe desestabilidade e insegurança a sociedade, então tem o Estado o

dever de perseguir criminalmente quem o fez.

A constatação da prática de um crime, trás consigo a exigência da sociedade

na repressão da infração penal e de seu autor. Entretanto, tem também o Estado o

dever de promover uma persecução criminal imediata, eficaz e amplamente justa no

sentido de assegurar ao sujeito ativo garantias humanitárias e constitucionais.

Ao poder estatal são concedidos meios para que se busquem elementos

probatórios mínimos com o objetivo de alcançar, ou pelo menos chegar próximo, da

verdade real.

O que se espera do Estado são ações eficazes, céleres e concisas, mas,

como alcançar objetivos tão longínquos em se tratando de cometimento de infrações

penais?

Como reprimir a prática de uma infração penal sem que se deixe que o sujeito

ativo mobilize elementos e procedimentos jurídicos?

O presente trabalho versou sobre o Inquérito Policial e minuciou seu caráter

inquisitivo.

A autoridade policial, na condição de presidente do Inquérito Policial, tem sob

o poder discricionário a ela conferido, uma parcela do poder estatal, os mesmos

decidem, nos limites impostos pela Constituição, conforme seus entendimentos e

convicções.

Entretanto, a autoridade policial há de ter o cuidado para não agir de forma

arbitrária, tem a mesma o dever da ação no sentido de se chegar a verdade real

com isenção e equilíbrio, mas, não pode fazer parte em qualquer que seja o polo

processual.

A autoridade policial deve agir procedimentalmente, durante o Inquérito

Policial, buscando a tão almejada verdade real, observando e assegurando ao

investigado seus direitos fundamentais.

Então, o Inquérito Policial, apesar de dispensável, é extremamente importante

no universo jurídico brasileiro, representa o mesmo uma garantia à sociedade.

O caráter inquisitório do Inquérito Policial representa para o Estado uma

espécie de paridade de armas, já que o sujeito ativo da infração penal está um

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passo a frente do poder cognitivo da autoridade policial. Entretanto, o caráter

inquisitivo deve ser aproveitado com ressalvas pela autoridade policial e pelos

membros do judiciário, e de maneira vinculada pelo Ministério Público.

As ressalvas por parte da autoridade policial são no sentido de ter sob seu

comando um instrumento importante para a busca da elucidação dos fatos e

consequentemente ao conhecimento da autoria, contudo, o uso desse instrumento

deve estar em consonância com os direitos fundamentais garantidos

constitucionalmente e, pela legislação pertinente em vigor.

As ressalvas referidas aos membros do judiciário são no sentido de não se

influenciar pelas conclusões emanadas pela autoridade policial, para prolação de

sentenças.

A vinculação referida ao Ministério Público se deve a uma forma mais efetiva

de controle por parte deste, assim coibiria eventuais excessos fazendo com que

fossem cumpridos os princípios constitucionais que norteiam um processo justo e

legítimo, assim sendo, estariam alcançadas as condições ideais a que se propõe o

Inquérito Policial.

A questão referente ao núcleo do presente estudo faz referência ao caráter

inquisitivo do Inquérito Policial. Jurisprudência e doutrina entendem que o Inquérito

Policial é realmente inquisitivo, tratamos do aspecto conhecendo da falta do

contraditório e da ampla defesa, ao rememorarmos o fim do Item 5.1, ressaltamos

que parte de nossa doutrina defende que o contraditório seja concedido ao sujeito

ativo da infração penal a partir do momento do seu indiciamento, pois como já

tratado, a partir desse momento o investigado passa a figurar indiciado e responderá

a uma infração penal com as garantias a que tem direito constitucionalmente e pelo

regramento pertinente vigente.

Não esqueçamos, Inquérito Policial: inquisitivo necessariamente, eficaz e

justo sempre, abusivo nunca.

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