o imperio knuto germanico e a revolução social (1871) - mikhail bakunin

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  • 8/2/2019 O Imperio Knuto Germanico e a Revoluo Social (1871) - Mikhail Bakunin

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    Mikhail Bakunin

    O imprio knuto-germnico1

    e a revoluo social (*)2

    Genebra

    Imprimerie cooperative

    1871

    Lyon, 29 de setembro de 1870

    Meu caro amigo,

    No quero ir embora de Lyon sem falar contigo uma ltima vez. A prudncia me impede

    de vir apertar a sua mo mais uma vez. No tenho mais nada para fazer por aqui. Eu havia vindoa Lyon para combater ou morrer com vocs. Eu havia vindo porque tenho a suprema convicode que a causa da Frana voltou a ser, hoje, a causa da humanidade, e que sua queda, suasujeio a um regime que lhe seja imposto pelas baionetas dos prussianos, seria a maiordesgraa que, do ponto de vista da liberdade e do progresso humano, pode acontecer com aEuropa e com o mundo.

    Participei do movimento de ontem e assinei meu nome sob as resolues do ComitCentral da Salvao da Frana3, porque, para mim, evidente que, com a destruio real e

    1 Knout ou knut significa chicote.

    2 Todas as notas de rodap so do tradutor. Os nmeros entre parnteses indicam as notasoriginais do autor, que se encontram a partir da p. 66.

    3 Comit central du Salut de la France. O termo salut apresenta dignifica tanto salvao

    quanto bem-aventurana (religioso, porm passvel de extrapolao para qualquer contexto),ou simplesmente, bem. Segundo os contextos ser traduzido de uma ou outra forma.

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    completa de toda a mquina administrativa e governamental de seu pas, no resta outro meio desalvao Frana a no ser a rebelio, a organizao e a federao espontneas, imediatas erevolucionrias de suas cidades e aldeias4, fora de qualquer tutela e de qualquer direo oficiais.

    Todos estes restos da antiga administrao do pas, essas municipalidades compostas, em

    grande parte, de burgueses ou de operrios convertidos burguesia; gente rotineira demais,desprovida de inteligncia, de energia e carecendo de boa-f, todos esses procuradores daRepblica, esses prefeitos e sub-prefeitos departamentais5, e, principalmente, esses comissriosextraordinrios munidos de plenos poderes militares e civis, e que a autoridade fabulosa e fataldesse resto de governo que tem sua sede em Tours, acaba de investir, nesta hora, de umaditadura impotente; tudo isto s serve para paralisar os ltimos esforos da Frana e paraentreg-la aos prussianos.

    O movimento de ontem, se tivesse permanecido triunfante e ele teria continuado de talforma se o general Cluseret, cioso demais de agradar a todos os partidos, no houvesseabandonado to cedo a causa do povo esse movimento que teria derrubado a municipalidadeinepta, impotente, e reacionria na proporo de trs quartos, de Lyon, e teria substitudo esta

    por um comit revolucionrio, todo-poderoso porque teria sido a expresso no fictcia, masimediata e real da vontade popular; esse movimento, digo, teria podido salvar Lyon, e comLyon, a Frana.

    Eis que vinte e cinco dias se passaram desde a proclamao da Repblica, e o que se fezpara preparar e para organizar a defesa de Lyon? Nada, absolutamente nada.

    Lyon a segunda capital da Frana e a chave do Midi. Afora o cuidado de sua prpria

    defesa, a cidade tem, assim, um duplo dever a cumprir: organizar o levante armado do Midi elibertar Paris. Ela podia fazer, ela ainda pode fazer uma e outra coisa. Se Lyon se levantar,

    puxar consigo, necessariamente, todo o Midi da Frana. Lyon e Marseille vo transformar-senos dois plos de um movimento nacional e revolucionrio formidvel, de um movimento que,levantando ao mesmo tempo o campo e as cidades, suscitar centenas de milhares de

    4 O texto original apresenta a palavra communes, que tem uma dimenso formal, estatal, pela

    qual se refere a uma diviso administrativa francesa semelhante a municpios, e umadimenso informal e emprica, a qual faz referncia, simplesmente, a aglomerados

    populacionais em geral, abarcando seu aspecto comunitrio e geogrfico.

    5 prfets et sous-prefets. Prfet: Funcionrio colocado no comando de um departamentoou de uma regio, representante do poder central e do departamento (dicionrio Le Robert),sendo comparvel, no Brasil atual, a um governador de estado; a palavra prefeito (ou seja,chefe do poder Executivo no municpio), em portugus, traduz-se por maire em francs.

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    combatentes, e opor s foras militares e organizadas da invaso a potncia absoluta darevoluo.

    Porm, deve ser evidente para todo mundo que, se Lyon cair nas mos dos prussianos, aFrana estar irrevogavelmente perdida. De Lyon a Marseille, eles no acharo mais obstculos.

    E da? Da, a Frana vai-se tornar o que a Itlia foi durante tanto tempo, tempo demais, frente aoseuimperador: uma vassala de sua majestade o imperador da Alemanha. Seria possvel decairmais do que isso?

    S Lyon pode lhe poupar esta queda e esta morte vergonhosa. Mas, para tanto, Lyonteria que acordar, teria que agir, sem perder um dia, um instante. Os prussianos, infelizmente,no perdem mais. Eles desaprenderam a dormir; sistemticos como sempre so os alemes, elesseguem, com uma desesperante preciso, seus planos sabiamente combinados e, juntando a estaantiga qualidade de sua raa uma rapidez dos movimentos que se considerava, at ento, comoatributo exclusivo das tropas francesas, eles avanam, resolutamente e mais ameaadores quenunca, em direo ao prprio corao da Frana. Eles marcham sobre Lyon. E o que Lyon faz

    para se defender? Nada.

    Entretanto, desde que a Frana existe, nunca se encontrou numa situao maisdesesperada, mais terrvel. Todos os seus exrcitos esto destrudos. A maior parte de seumaterial de guerra, graas honestidade do governo e da administrao imperial, nunca existiua no ser no papel, e o resto, graas sua prudncia, foi to bem escondido nas fortalezas deMetz e de Estrasburgo, que servir, provavelmente, muito mais ao armamento da invaso

    prussiana que quele da defesa nacional. Esta ltima, em todos os pontos da Frana, carece hoje

    em dia de canhes, de munies, de fuzis, e o que pior, carece de dinheiro para comprar. Noque o dinheiro falte burguesia da Frana: ao contrrio, graas a leis protetoras que lhepermitiram explorar largamente o trabalho do proletariado, seus bolsos esto cheios. Mas odinheiro dos burgueses no patriota, e ele prefere ostensivamente, hoje, a emigrao, ou at asrequisies foradas dos prussianos, ao perigo de ser chamado a contribuir com a salvao da

    ptria aflita. Enfim, eu diria que a Frana no tem mais administrao. A que ainda existe e queo governo da Defesa Nacional teve a fraqueza de manter, uma mquina bonapartista, criada

    para o uso particular dos bandidos do Dois de Dezembro, e como eu disse em outro lugar, capazsomente, no de organizar, mas de trair a Frana at o fim e entreg-la aos prussianos.

    Privada de tudo o que constitui a potncia dos Estados, a Frana no mais um Estado. um imenso pas, rico, inteligente, cheio de recursos e de foras naturais, mas completamentedesorganizado e condenado, em meio a essa desorganizao assustadora, a se defender contra ainvaso mais mortfera que acometeu uma nao. O que pode esta nao opor aos prussianos?

    Nada, a no ser a organizao de um imenso levante popular, a Revoluo.

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    Aqui, eu ouo todos os partidrios da ordem pblica a qualquer preo 6, os doutrinrios,os advogados, todos esses perfeitos exploradores7 do republicanismo burgus, e at mesmo bomnmero dos auto-declarados representantes do povo, como seu cidado Brialon, por exemplo,trnsfugas8 da causa popular, que so empurrados hoje para o campo dos burgueses por umaambio miservel, nascida ontem; eu os ouo gritar:

    A Revoluo! Nem pense nisso, seria o cmulo da desgraa para a Frana! Seria umadilacerao interior, a guerra civil, na presena de um inimigo que nos esmaga, nos oprime! Aconfiana mais absoluta no governo da Defesa Nacional; a obedincia mais perfeita frente aosfuncionrios pblicos militares e civis, aos quais foi delegado o poder; a unio mais ntima entreos cidados das opinies polticas, religiosas e sociais mais diferentes, entre todas as classes etodos os partidos: eis os nicos meios para salvar a Frana.

    A confiana produz a unio e a unio cria a fora, eis a, sem dvida, verdades queningum tentar negar. Mas para que sejam verdades, precisa-se de duas coisas: precisa-se que aconfiana no seja uma tolice, e que a unio, igualmente sincera de todos os lados, no seja umailuso, uma mentira, ou uma explorao hipcrita de um partido por um outro. Todos os

    partidos precisam unir-se, esquecendo totalmente no para sempre, sem dvida, mas por todoo tempo que deva durar esta unio seus interesses particulares e necessariamente opostos; queestes interesses e esses objetivos que nos tempos corriqueiros os dividem, os deixem absorverigualmente na perseguio do bem comum. De outra maneira, o que acontecer? O partidosincero vai se tornar vtima do engodo daquele que for menos, ou nem um pouco sincero, e sever sacrificado, no ao triunfo da causa comum, mas ao detrimento desta causa e em benefcioexclusivo do partido que explorar hipocritamente esta unio.

    6 Quand mme, de toda forma, apesar de tudo, ou seja, refere-se aos partidriosincondicionais da ordem pblica.

    7 No original, figurava en gants jaunes, expresso que equivale a como manda o figurino,dando um tom mais irnico frase.

    8 Trnsfuga: soldado ou militar que, em tempo de guerra, deserta das fileiras de seu pas epassa a servir no exrcito inimigo; desertor (Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa). Nooriginal, transfuge.

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    Para que a unio seja real e possvel, no preciso, pelo menos, que o objetivo em tornodo qual os partidos se devem unir seja o mesmo? Acontece isto hoje em dia? Pode-se dizer quea burguesia e o proletariado querem absolutamente a mesma coisa? De jeito nenhum.

    Os operrios da Frana querem a salvao da Frana a qualquer preo, mesmo que seja

    preciso, para salv-la, explodir todas as casas, destruir e incendiar todas as cidades, arruinartudo o que caro ao corao dos burgueses: propriedades, capitais, indstrias e comrcio,resumindo: converter o pas em uma imensa tumba para enterrar os prussianos. Eles querem aguerra at a vitria total, a guerra brbara, de faca, se for preciso. No tendo nenhum bemmaterial para sacrificar, eles do sua vida. Muitos deles, e precisamente a maior parte daquelesque so membros da Associao Internacional dos Trabalhadores, tm plena conscincia da altamisso que incumbe, hoje, ao proletariado da Frana. Eles sabem que, se a Frana sucumbir, acausa da humanidade na Europa estar perdida por, pelo menos, meio sculo. Eles sabem queso responsveis pela salvao da Frana, no s frente Frana, mas frente ao mundo inteiro.

    Estas idias, sem dvida, s so divulgadas nos meios operrios mais avanados, mas osoperrios da Frana, sem nenhuma distino, entendem instintivamente que o avassalamento deseu pas sob o jugo dos prussianos seria a morte para suas esperanas de futuro; e eles estomais determinados a morrer do que a legar aos seus filhos uma existncia de miserveisescravos. Eles querem, pois, a salvao da Frana a qualquer preo, e incondicionalmente.

    A burguesia, ou, pelo menos, a imensa maioria dessa classe respeitvel, quer totalmenteo contrrio. O que lhe importa, acima de tudo, a conservao a qualquer preo de suas casas,de suas propriedades e de seus capitais; no tanto a integridade do territrio nacional quanto aintegridade de seus bolsos, preenchidos pelo trabalho do proletariado por ela explorado sob a

    proteo das leis nacionais. Em seu foro interior, e sem ousar admiti-lo em pblico, ela quer, pois, a paz a qualquer preo, mesmo que fosse preciso compr-la pelo rebaixamento, peladecadncia e pelo avassalamento da Frana.

    Mas, se a burguesia e o proletariado da Frana perseguem objetivos no somentediferentes, mas absolutamente opostos, que milagre faria uma unio real e sincera estabelecer-seentre eles? Est claro que esta conciliao to louvada, to apregoada, nada ser alm de umamentira. a mentira que matou a Frana; espera-se que lhe devolva a vida? Por mais que secondene a diviso, ela no deixar de existir de fato, e j que ela existe, j que ela deve existir

    pela prpria fora das coisas, seria pueril, digo mais, seria funesto, do ponto de vista da salvao

    da Frana, ignorar, negar, no confessar altamente sua existncia. E, j que a salvao da Franachama-os unio, esqueam, sacrifiquem todos os seus interesses, todas as suas ambies etodas as suas divises pessoais; esqueam e sacrifiquem o quanto for possvel as diferenas de

    partido... Mas em nome desta mesma salvao, cuidado com qualquer iluso, pois, na situaopresente, as iluses so mortais. Procurem a unio s com aqueles que, de maneira to sria eapaixonada quanto vocs prprios, querem salvar a Frana a qualquer preo.

    Quando vamos ao encontro de um imenso perigo, no melhor caminhar com poucos,com plena certeza de no sermos abandonados no momento da luta, do que arrastar conoscouma multido de falsos aliados que vo nos trair no primeiro campo de batalha?

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    A disciplina e a confiana so como a unio: so coisas excelentes quando bem situadas,e funestas quando dirigidas a quem no as merece. Sendo amante apaixonado da liberdade,confesso que desconfio muito daqueles que sempre esto falando em disciplina. excessivamente perigoso, principalmente na Frana, onde disciplina em geral significa, por umlado, despotismo, e por outro, automatismo. Na Frana, o culto mstico da autoridade, o amor

    pelo comando e o costume de ser comandado sem resistncia, destruram, na sociedade, assimcomo na grande maioria dos indivduos, todo sentimento de liberdade, toda f na ordemespontnea e viva que somente a liberdade pode criar. Se lhes falar sobre a liberdade, eles

    protestaro contra a anarquia; pois lhes parece que, a partir do momento em que essa disciplina,sempre opressiva e violenta, do Estado, parar de agir, toda a sociedade se despedaaria ederrocaria. A jaz o segredo da surpreendente escravido que a sociedade francesa agentadesde que ela fez sua grande revoluo. Robespierre e os Jacobinos lhe legaram o culto dadisciplina do Estado. Este culto, vocs vo ach-lo por inteiro em todos os seus republicanos

    burgueses, oficiais e oficiosos, e ele que leva, hoje, a Frana perdio. Ele a leva perdio

    ao paralisar a nica fonte e o nico meio de libertao que lhe sobrou, o desenvolvimento livredas foras populares, ao faz-lo procurar sua salvao na autoridade e na ao ilusria de umEstado, que no apresenta hoje mais que uma vaga pretenso desptica, acompanhada de umaimpotncia absoluta.

    Apesar de ser inimigo daquilo que se chama, na Frana, de disciplina, eu reconheo quecerta disciplina, no automtica, mas voluntria e deliberada, e de perfeito acordo com aliberdade dos indivduos, continua necessria e sempre o ser, todas as vezes que muitosindivduos, unidos livremente, empreenderem um trabalho ou uma ao coletiva qualquer. Estadisciplina, ento, no nada alm da concordncia voluntria e deliberada de todos os esforosindividuais em direo a um objetivo comum. No momento da ao, no meio da luta, os papisse dividem mutuamente, segundo as aptides de cada um, apreciadas e julgadas pelacoletividade inteira: uns dirigem e comandam e outros executam os comandos. Mas nenhumafuno se petrifica, se fixa e fica irrevogavelmente ligada a nenhuma pessoa. A ordem e a

    progresso hierrquicas no existem, de maneira que o comandante de ontem pode virarservidor hoje. Ningum se eleva acima dos outros, e, se se eleva, para cair novamente depoisde um instante, como as ondas do mar, voltando ao nvel salutar da igualdade.

    Neste sistema, no h mais poder propriamente dito. O poder se funde na coletividade, e

    transforma-se na expresso sincera da liberdade de cada um, a realizao fiel e sincera davontade de todos; cada um s obedece porque o chefe do dia s lhe prescreve aquilo que elemesmo quer.

    Eis a a disciplina verdadeiramente humana, a disciplina necessria organizao daliberdade. Tal no a disciplina louvada por seus republicanos, homens de Estado. Eles querema velha disciplina francesa, automtica, rotineira e cega. O chefe, no eleito livremente esomente por um dia, mas imposto pelo Estado por muito tempo, seno para sempre, manda, e

    preciso obedecer. A salvao da Frana, eles lhes dizem, e at a liberdade da Frana, s existe atal preo. A obedincia passiva, baseada em todos os despotismos, ser ento, tambm, a pedra

    angular sobre a qual vocs fundaro sua repblica.

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    Mas se meu chefe me manda virar os exrcitos contra esta repblica, ou entregar aFrana aos prussianos, devo obedecer, sim ou no? Se eu obedecer, eu traio a Frana; se eudesobedecer violo, quebro esta disciplina que vocs querem me impor como nico meio desalvao para a Frana. E no diga que este dilema, ao qual eu lhe rogo que responda, umfalso dilema. No, ele de uma atualidade palpitante, pois nele que esto seus soldados nestemomento. Quem no sabe que seus chefes, seus generais e a imensa maioria de seus oficiaissuperiores so devotados de corpo e alma ao regime imperial? Quem no v que eles conspiramabertamente e em todo lugar contra a Repblica? O que devem fazer os soldados? Se elesobedecerem, trairo a Frana; se desobedecerem, destruiro o que resta a vocs de tropasregularmente organizadas.

    Para os republicanos, partidrios do Estado, da ordem pblica e da disciplina a qualquer preo, este dilema insolvel. Para nossos revolucionrios socialistas, ele no oferecedificuldade nenhuma. Eles devem desobedecer, eles devem se revoltar, eles devem quebrar esta

    disciplina e destruir a organizao atual das tropas regulares; eles devem, em nome da salvaoda Frana, destruir este fantasma deste Estado, impotente para o bem, potente para o mal;porque a salvao da Frana s pode vir da nica potncia real que resta Frana, a Revoluo.

    E agora, que dizer desta confiana que lhes recomendam hoje como a mais sublimevirtude dos republicanos! Outrora, quando se era republicano de verdade, recomendava-se, paraa democracia, a desconfiana. Alm disso, no era nem preciso aconselh-la; a democracia desconfiada por posio, por natureza e tambm pela experincia histrica; pois, desde sempre,ela foi vtima e trouxa para todos os ambiciosos, para todos os intrigantes, classes e indivduosque, sob pretexto de dirigi-la e lev-la a um bom destino, a exploraram e enganaram

    estranhamente. Ela no fez nada, at agora, alm de servir de trampolim.

    Agora, os senhores republicanos do jornalismo burgus aconselham-lhe a confiana.Mas em quem e em qu? Quem so eles para ousar recomend-la, e o que fizeram para merec-la? Eles escreveram discursos vazios, de um republicanismo muito plido, todas impregnadas deum esprito estreitamente burgus, e s.E quantos bons aspirantezinhos a Olliviers no h entreeles? O que h em comum entre eles, os defensores interessados e servis da classe detentora,exploradora, e o proletariado? Compartilharam alguma vez os sofrimentos deste mundooperrio ao qual eles ousam, desdenhosamente, dirigir suas reprimendas e seus conselhos;simpatizaram, pelo menos, com estes? Defenderam alguma vez os interesses e os direitos dos

    trabalhadores contra a explorao burguesa? Muito pelo contrrio, pois todas as vezes que agrande questo do sculo, a questo econmica, foi colocada, eles se fizeram os apstolosdaquela doutrina burguesa que condena o proletariado eterna misria e eterna escravido, em

    proveito da liberdade e da prosperidade material de uma minoria privilegiada.

    Eis a a gente que se acha autorizada a recomendar ao povo a confiana. Mas, vamos verquem mereceu e quem merece, hoje em dia, esta confiana?

    Seria a burguesia? Mas, mesmo sem falar do furor reacionrio que esta classe mostrouem junho de 1848, e da covardia complacente e servil de que fez prova durante vinte anos

    seguidos, tanto sob a presidncia quanto sob o imprio de Napoleo III; sem falar da exploraoimpiedosa que passa para seus bolsos todo o produto do trabalho popular, deixando no mais

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    que o estritamente necessrio aos infelizes assalariados; sem falar da avidez insacivel e destaatroz e inqua cobia, que, fundando a prosperidade da classe burguesa sobre a misria e sobre aescravido econmica do proletariado, fazem dela a inimiga irreconcilivel do povo; vejamos:quais podem ser os direitos atuais desta burguesia sobre a confiana do povo?

    Acaso as infelicidades da Frana a transformaram de repente? Ser que ela se tornoufrancamente patriota, republicana, democrata, popular e revolucionria? Por acaso mostrou adisposio de levantar-se em massa e de dar sua vida e sua bolsa pela salvao da Frana?Arrependeu-se de suas covardes iniqidades, de suas infames traies de ontem e de anteontem,e jogou-se com franqueza nos braos do povo, cheia de confiana nele? Colocou-se ela, decorao, frente do povo, para salvar o pas?

    Meu amigo, basta fazer estas perguntas para que todo mundo, vendo o que acontecehoje, seja forado a responder negativamente. Infelizmente, a burguesia no se transformou,nem melhorou, nem se arrependeu. Tanto hoje como ontem, e at mais do que ontem, trada pelaluz denunciadora que os eventos jogam sobre os homens, assim como sobre as coisas, ela semostra dura, egosta, cpida, estreita, burra, ao mesmo tempo brutal e servil, feroz quando elaacha que pode s-lo sem muito perigo, como nos nefastos dias de Junho, sempre prosternadafrente autoridade e fora pblica, de quem ela espera sua salvao, e inimiga do povosempre e incondicionalmente.

    A burguesia odeia o povo justamente por causa de todo esse mal que ela lhe fez; ela oodeia porque v na misria, na ignorncia e na escravido desse povo sua prpria condenao,

    porque sabe que mereceu muito o dio popular, e porque se sente ameaada em toda a sua

    existncia por esse dio que, dia a dia, se torna mais intenso e mais irritado. Ela odeia o povoporque ele lhe d medo; ela o odeia duplamente hoje, porque, sendo o nico patriota sincero,acordado de seu torpor pela infelicidade desta Frana, que no foi, alis, assim como as outras

    ptrias do mundo, mais que uma madrasta para ele, o povo ousou levantar-se; ele se reconhece,se conta, se organiza, comea a falar alto, canta a Marselhesa nas ruas, e pelo barulho que faz,

    pelas ameaas que j profere contra os traidores da Frana, atrapalha a ordem pblica, aconscincia e a quietude dos senhores burgueses.

    A confiana s se ganha atravs da confiana. A burguesia mostrou a menor confianano povo? Longe disso. Tudo o que fez, tudo o que faz, prova, ao contrrio, que sua desconfiana

    nele ultrapassou todos os limites. Isto a um ponto que, num momento onde o interesse, asalvao da Frana exige, evidentemente, que todo mundo esteja armado, ela no quis lhes dararmas. O povo tendo ameaado tom-las fora, ela teve que ceder. Mas, depois de lhe entregaros fuzis, ela fez todos os esforos possveis para que no lhe fossem dadas munies. Ela teveque ceder mais uma vez; e agora que o povo est armado, ele s ficou mais perigoso edetestvel aos olhos da burguesia.

    Por dio e por receio do povo, a burguesia no quis e no quer a repblica. Noesqueamos nunca, caro amigo: em Marselha, em Lyon, em Paris, em todas as grandes cidadesda Frana, no foi a burguesia, foi o povo, foram os operrios que proclamaram a repblica, e,

    em Paris, no foram nem os pouco ferventes republicanos irreconciliveis do Corpo Legislativo- hoje, quase todos, membros do governo da Defesa Nacional -, foram os operrios de la Villette

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    e de Belleville que a proclamaram contra o desejo e a inteno claramente exprimidos destessingulares republicanos da vspera. O espectro vermelho, a bandeira do socialismorevolucionrio, o crime cometido pelos senhores burgueses em junho, lhes fizeram perder ogosto pela repblica. No esqueamos que, no 4 de setembro, os operrios de Belleville, tendoencontrado o senhor Gambetta e tendo-o saudado com o grito de Viva a Repblica, ele lherespondeu por estas palavras: Viva a Frana!Digo eu.

    O senhor Gambetta, como todos os outros, no queria a repblica. Ele queria ainda menos arevoluo. Sabemos isto, alis, por todos os discursos que ele pronunciou desde que seu nomechamou a ateno do pblico para si. O senhor Gambetta no tem problema em se dizer umhomem de estado, um republicano comportado, moderado, conservador, racional e

    positivista(1); j a revoluo lhe provoca horror. Ele no tem problema em governar o povo,mas no aceita ser dirigido voluntariamente por ele. Desta forma, todos os esforos do senhorGambetta e de seus colegas da esquerda radical do Corpo Legislativo, s tenderam, em 3 e 4 desetembro, para um nico objetivo: o de evitar, a toda fora, a instalao de um governooriginado de uma revoluo popular. Na noite de 3 a 4 de setembro, eles tiveram um trabalhoinaudito para fazer com que a direita bonapartista e o ministrio Palikao aceitassem o projeto dosenhor Jules Favre, apresentado na vspera e assinado por toda a esquerda radical; projeto queno pedia nada alm da instituio de uma comisso governamental, nomeada pelo CorpoLegislativo, consentindo, at, que os bonapartistas nele estivessem em maioria, e no colocando

    outra condio a no ser a entrada, nesta comisso, de alguns membros da esquerda radical.Todas estas maquinaes foram quebradas pelo movimento popular que explodiu na noite de 4de setembro. Mas, no meio do levante dos operrios de Paris, tendo o povo invadido as tribunase a sala do Corpo Legislativo, o senhor Gambetta, fiel a seu pensamento, sistematicamente anti-revolucionrio, recomenda, ainda, ao povo, que se mantenha em silncio e que respeite aliberdade dos debates(!), para que no se possa dizer que o governo que deveria sair do votodo Corpo Legislativo, tenha sido constitudo sob a presso violenta do povo.

    Como um verdadeiro advogado, partidrio da fico legal a qualquer custo, o senhor Gambetta

    pensou, sem dvida, que um governo que fosse nomeado por este Corpo Legislativo sado dafraude imperial, e que contm em seu seio as infmias mais notrias da Frana, seria mil vezesmais imponente e mais respeitvel que um governo aclamado pelo desespero e pela indignaode um povo trado. Esse amor mentira constitucional tinha cegado tanto o senhor Gambettaque ele no entendeu, com toda sua inteligncia, que ningum iria poder nem querer acreditarna liberdade de um voto emitido em tais circunstncias. Felizmente, a maioria bonapartista,amedrontada pelas manifestaes cada vez mais ameaadoras da ira e do desprezo populares,fugiu; e o senhor Gambetta, ficando sozinho com seus colegas da esquerda radical na sala doCorpo Legislativo, viu-se forado a renunciar, sem dvida de muita m-vontade, aos seussonhos de poder legal, e a agentar que o povo depositasse nas mos desta esquerda o poder

    revolucionrio. Eu direi, daqui a pouco, que uso miservel ele e seus colegas fizeram, durante asquatro semanas que se passaram desde 4 de setembro, deste poder que a eles tinha sido confiado

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    pelo povo de Paris para que eles provocassem, em toda a Frana, uma revoluo salutar, e queeles s usaram, at agora, ao contrrio, para paralis-la por todos os cantos.

    Sob esta relao, o senhor Gambetta e todos os seus colegas no foram nada alm da expressomuito justa dos sentimentos e do pensamento dominante da burguesia. Rena todos os

    burgueses da Frana e pergunte-lhes o que eles preferem: a libertao de sua ptria por umarevoluo social e no pode haver outra revoluo, hoje, a no ser a revoluo social ou oseu avassalamento sob o jugo dos prussianos? Se eles ousarem ser sinceros, por menos queestejam em posio de dizer seu pensamento sem perigo, nove dcimos, digo, noventa e novecentsimos, ou at mesmo novecentos e noventa e nove milsimos responderiam, sem hesitar,que preferem o avassalamento revoluo. Pergunte-lhes ainda, supondo que o sacrifcio deuma parte considervel de suas propriedades, de seus bens, de sua fortuna mobiliria eimobiliria, se torne necessrio para a salvao da Frana, se eles se sentem dispostos a fazereste sacrifcio? E se, para usar a figura de retrica do senhor Jules Favre, eles esto realmente

    decididos a deixar-se enterrar nos escombros de suas cidades e de suas casas, ao invs de asentregar aos prussianos? Eles lhe respondero, unanimemente, que preferem compr-las devolta dos prussianos. Voc acredita que, se os burgueses de Paris no se encontrassem sob osolhos e sob os braos sempre ameaadores dos operrios de Paris, Paris teria oposto umaresistncia to gloriosa aos prussianos?

    Acaso estou caluniando os burgueses? Caro amigo, voc bem sabe que no. Alm disso, existeagora, s vistas de todos, uma prova irrefutvel da verdade, da justia de todas as minhasacusaes contra a burguesia. A m vontade e a indiferena da burguesia no se manifestam

    pouco na questo do dinheiro. Todo mundo sabe que as finanas do pas esto arruinadas; queno h um centavo nas caixas deste governo da Defesa Nacional, que os senhores burgueses

    parecem sustentar, agora, com um zelo to ardente e to interessado... Todo o mundo entendeque este governo no as pode encher pelos meios ordinrios dos emprstimos e impostos. Umgoverno irregular no pode encontrar crdito; quanto ao rendimento do imposto, ele tornou-senulo. Uma parte da Frana, que compreende as provncias mais industriais, mais ricas, estocupada pelos prussianos, e sendo regularmente pilhada por estes. Em todos os outros lugares, o

    comrcio, a indstria, todas as transaes de negcios pararam. As contribuies indiretas nodo mais nada, ou quase nada. As contribuies diretas se pagam com uma imensa dificuldade ecom uma lentido desesperadora. E isso num momento em que a Frana precisaria de todos osseus recursos e de todo o seu crdito para bancar as despesas extraordinrias, excessivas,gigantescas da defesa nacional. Mesmo as pessoas menos acostumadas com os negcios devementender que se a Frana no achar dinheiro, muito dinheiro, imediatamente, ser impossvel

    para ela continuar sua defesa contra a invaso dos prussianos.

    Ningum deveria compreender isto melhor que a burguesia, ela que passou toda sua vida nomanejo dos negcios, e que no reconhece outra potncia afora a do dinheiro. Ela deveria

    entender tambm que, no mais podendo a Frana obter, pelos meios regulares do Estado, todoo dinheiro que necessrio sua salvao, ela forada, ela tem o direito e o dever de tom-lo

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    de onde ele se encontra. E onde ele se encontra? Certamente, no nos bolsos deste miservelproletariado ao qual a cupidez burguesa mal deixa o suficiente para se alimentar; , ento, nicae exclusivamente, dos cofres dos senhores burgueses. Somente eles detm o dinheiro necessrio

    para a salvao da Frana. Por acaso ofereceram espontaneamente, de forma livre, pelo menosuma pequena parte?

    Voltarei, caro amigo, a esta questo de dinheiro, que a questo principal quando se trata demedir a sinceridade dos sentimentos, dos princpios e do patriotismo burgus. Regra geral: querreconhecer de uma maneira infalvel se o burgus quer seriamente esta ou aquela coisa?Pergunte se, para obt-la, ele sacrificou dinheiro. Porque, tenha certeza, quando os burguesesquerem alguma coisa com paixo, eles no recuam frente a nenhum sacrifcio de dinheiro. Elesno gastaram somas imensas para matar, para sufocar a repblica em 1848? E, mais tarde, novotaram com paixo todos os impostos e todos os emprstimos que Napoleo III lhes pediu, eno acharam, em seus cofres, somas fabulosas para subscrever a todos estes emprstimos?

    Enfim, proponha-lhes, mostre-lhes o meio de restabelecer na Frana uma boa monarquia, bemreacionria, bem forte, e que lhes d, junto com esta cara ordem pblica e a tranqilidade nasruas, a dominao econmica, o precioso privilgio de explorar sem piedade nem vergonha,legal e sistematicamente, a misria do proletariado, e voc ver se eles sero avarentos!

    S lhes prometa que, uma vez os prussianos varridos do territrio da Frana, vai-se restabeleceresta monarquia, com Henrique V, com um duque de Orlans, ou at com um descendente doinfame Bonaparte, e esteja persuadido de que os cofres deles vo se abrir na mesma hora, e queeles acharo todos os meios necessrios expulso dos prussianos. Mas est-lhes sendo

    prometida a repblica, o reino da democracia, a soberania do povo, a emancipao da ral, e

    eles no querem nem a repblica de vocs, nem esta emancipao, de forma alguma, e eles lhesprovam isto mantendo seus cofres fechados, no sacrificando um centavo.

    Voc sabe melhor que eu, caro amigo, qual foi a sorte deste infeliz emprstimo aberto para aorganizao da defesa de Lyon, para a municipalidade desta cidade. Quantos subscritoresvieram? To poucos que at aqueles que louvam o patriotismo burgus mostraram-sehumilhados, desolados e desesperados.

    E recomenda-se ao povo que tenha confiana nesta burguesia! Esta confiana, ela tem o topete,o cinismo, de pedi-la, quer dizer, de exigi-la ela mesma. Ela pretende governar e administrar

    sozinha esta repblica que ela amaldioa do fundo do corao. Em nome da repblica, ela seesfora em restabelecer e reforar sua autoridade e sua dominao exclusiva, abalada por ummomento. Ela apoderou-se de todas as funes, ela preencheu todos os lugares, s deixandoalgumas para alguns operrios trnsfugas que ficam muito felizes de se sentarem entre ossenhores burgueses. E que uso fazem do poder do qual se apossaram assim? Pode-se julg-lo aoconsiderar os atos de sua municipalidade.

    Mas a municipalidade, diro, voc no pode atacar; pois, nomeada depois da revoluo, pelaeleio direta do prprio povo, ela o produto do sufrgio universal. Sendo assim, ela deve sersagrada para ele.

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    Confesso-lhe sinceramente, caro amigo, que no compartilho de forma alguma a devoosupersticiosa de seus burgueses radicais ou de seus republicanos burgueses pelo sufrgiouniversal. Em outra carta eu vou lhe expor as razes que no me permitem exaltar-me por ele.

    Ser suficiente colocar aqui, em princpio, uma verdade que me parece incontestvel e que noser difcil, para mim, provar mais tarde, tanto pelo raciocnio quanto por um grande nmero defatos pegos da vida poltica de todos os pases que gozam, a esta hora, de instituiesdemocrticas e republicanas, a saber: que o sufrgio universal, enquanto for exercido numa

    sociedade onde o povo, a massa dos trabalhadores, for economicamente dominada por uma

    minoria detentora da propriedade do capital, por mais independente ou livre que for, ou

    melhor, que parea na configurao poltica, nunca poder produzir nada alm de eleies

    ilusrias, anti-democrticas e absolutamente opostas s necessidades, aos instintos e vontade

    real das populaes.

    Todas as eleies que, desde o golpe de Estado, foram feitas diretamente pelo povo da Frana,no foram diametralmente opostas aos interesses deste povo, e a ltima votao, no plebiscitoimperial, no deu sete milhes de SIM ao imperador? Diro, sem dvida, que o sufrgiouniversal nunca foi livremente exercido no imprio, a liberdade da imprensa, a de associao edas reunies, condies essenciais da liberdade poltica, tendo sido proscritas, e o povo tendosido entregue sem defesa ao corruptora de uma imprensa comprada e de uma administraoinfame. Certo, mas as eleies de 1848 para a constituinte e para a presidncia, e as de maio de1849 para a Assemblia Legislativa, foram absolutamente livres, eu acho. Elas fizeram-se forade qualquer presso ou mesmo interveno oficial, em todas as condies da mais absoluta

    liberdade. Entretanto, o que produziram? Nada alm de reao.

    Um dos primeiros atos do governo provisrio, disse Proudhon (2), aquele pelo qual ele maisse aplaudiu, a aplicao do sufrgio universal. No mesmo dia em que o decreto foi

    promulgado, escrevamos estas prprias palavras, que poderiam ento passar por um paradoxo:O sufrgio universal a contra-revoluo. Pode-se julgar, a partir do evento, se ns nosenganamos. As eleies de 1848 foram feitas, em imensa maioria, pelos padres, os legitimistas,

    pelos dinsticos, por tudo aquilo que a Frana encerra de mais reacionrio, de mais retrgrado.No podia ser de outra forma.

    No, no podia ser, e ainda hoje no poder ser, enquanto a desigualdade das condieseconmicas e sociais da vida continuar a prevalecer na organizao da sociedade; enquanto asociedade continuar dividida entre duas classes, das quais uma, a classe exploradora e

    privilegiada, goza de todas as vantagens da fortuna, da instruo e do lazer, e a outra,compreendendo toda a massa do proletariado, s ganha a parcela9 do trabalho manual, fastidiosoe forado, a ignorncia, a misria e seu acompanhamento obrigatrio, a escravido, no dedireito, mas de fato.

    9 O quinho, a parte de um todo dividido entre dois entes.

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    Sim, a escravido, pois, por mais largos que sejam os direitos polticos que voc conceder aestes milhes de proletrios assalariados, verdadeiros condenados da fome10, voc nuncaconseguir subtra-los da influncia perniciosa, da dominao natural dos diversosrepresentantes da classe privilegiada, comeando pelo padre, indo at o republicano burgusmais jacobino, mais vermelho; representantes que, por mais divididos que paream ou quesejam de fato, entre eles, nas questes polticas, no so menos unidos num interesse comum esupremo: aquele da explorao da misria, da ignorncia, da inexperincia poltica e da boa-fdo proletariado, em proveito da dominao econmica da classe possuidora.

    Como o proletariado dos campos e das cidades poder resistir s intrigas da poltica clerical,nobiliria e burguesa? Ele s tem uma arma para se defender, seu instinto que tende quasesempre ao verdadeiro e ao justo, porque ele prprio a principal, seno a nica vtima dainiqidade e de todas as mentiras que reinam na sociedade atual, e porque, oprimido pelo

    privilgio, ele reclama, naturalmente, a igualdade para todos.

    Mas o instinto no uma arma suficiente para proteger o proletariado contra as maquinaesreacionrias das classes privilegiadas. O instinto abandonado a si prprio, enquanto no transformado, ainda, em conscincia refletida, em um pensamento claramente determinado,deixa-se, facilmente, desorientar, falsear e enganar. Mas impossvel, para ele, elevar-se a estaconscincia de si prprio, sem a ajuda da instruo, da cincia; e a cincia, o conhecimento dosnegcios e dos homens, a experincia poltica, faltam completamente ao proletariado. Aconseqncia fcil de tirar: o povo quer uma coisa; homens hbeis, aproveitando de suaignorncia, o fazem fazer outra, sem que ele ao menos duvide que est fazendo o contrrio doque quer, e quando ele percebe, no final, geralmente tarde demais para consertar o mal que ele

    fez e, naturalmente, necessariamente e sempre, ele a primeira e principal vtima.

    assim que os padres, os nobres, os grandes proprietrios e toda esta administraobonapartista que, graas tolice criminosa do governo que se intitula governo da DefesaNacional (3), pode continuar tranquilamente, hoje, sua propaganda imperialista nos campos; assim que todos estes fomentadores da franca reao, aproveitando da ignorncia crassa docampons da Frana, procuram levant-lo contra a Repblica, em favor dos prussianos. E elesconseguem muito bem, infelizmente! Pois no vemos comunas no s abrindo suas portas aos

    prussianos, mas tambm denunciando e escorraando os batalhes livresque vm libert-las?

    Os camponeses da Frana teriam deixado de ser franceses? De jeito nenhum. Acho, inclusive,que em nenhum lugar, o patriotismo, tomado no sentido mais estreito e mais exclusivo da

    palavra, conservou-se to potente e to sincero quanto entre eles; pois eles tm mais que todasas outras partes da populao este apego ao solo, este culto da terra, que constitui a baseessencial do patriotismo. Como ento que eles no querem ou que eles hesitam ainda a selevantar para defender esta terra contra os prussianos? Ah! porque eles foram enganados, e

    10 A expresso em francs forats de la faim [condenados da fome] corresponde ao segundoverso da primeira estrofe do hino da Internacional, no lugar de famlicos da terra, em suaverso em lngua portuguesa.

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    continuam a engan-los. Por uma propaganda maquiavlica, comeada em 1848 peloslegitimistas e pelos orelanistas, em concerto com os republicanos moderados, como o senhorJules Favre e cia., depois continuada, com muito sucesso, pela imprensa e pela administrao

    bonapartista, conseguiram persuadi-los de que os operrios socialistas, os partageux11 nopensam em nada menos do que lhes confiscar as terras; de que s o imperador quis e podedefend-los contra esta espoliao, e que, para se vingar, os revolucionrios socialistasentregaram-no, junto com seus exrcitos, aos prussianos; mas que o rei da Prssia acaba de sereconciliar com o Imperador e que ele vai traz-lo de volta, vitorioso, para restabelecer a ordemna Frana.

    muito bobo, mas assim. Em muitas, digo, na maioria das provncias francesas, o camponsacredita muito sinceramente em tudo isto. E a nica razo de sua inrcia e de sua hostilidadecontra a repblica. uma grande tristeza, pois claro que se o campo fica inerte, se oscamponeses da Frana, unidos aos operrios das cidades, no se levantam em massa para

    escorraar os prussianos, a Frana est perdida. Por maior que seja o herosmo que as cidadesvenham a empregar e preciso que empreguem muito as cidades, separadas pelos campos,sero isoladas como osis no deserto. Elas devero, necessariamente, sucumbir.

    Se h algo que me prova a profunda inpcia deste singular governo da Defesa Nacional, que, desde o primeiro dia de sua chegada ao poder, no tenha tomado, imediatamente, todas asmedidas necessrias para esclarecer o campo sobre o estado atual das coisas, e para provocar,

    para suscitar em todo lugar o levante armado dos camponeses. Era to difcil assim entenderesta coisa to simples, to evidente para todo mundo, que do levante em massa dos camponeses,unido quele do povo das cidades, dependeu e depende ainda a salvao da Frana? Mas ogoverno de Paris e de Tours fez, at o momento, um passo sequer? Tomou uma s medida para

    provocar este levante dos camponeses? No fez nada para apoi-los, mas, ao contrrio, fez tudopara tornar este levante impossvel. Esta a sua loucura e o seu crime; uma loucura e um crimeque podem matar a Frana.

    Ele tornou o levante do campo impossvel, mantendo em todas as comunidades da

    Frana a administrao municipal do imprio: estes mesmos prefeitos12

    , juzes de paz, guardas

    11 Em francs, partageux uma palavra que figura no dicionrio Robert como antiga. Refere-se pejorativamente aos partidrios da partilha dos bens (alm de comunistas e socialistas).Seria possvel traduzi-la usando um neologismo como compartilheiros, divideiros, etc.

    12 maires, e no prfets. Cf. nota 4.

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    rurais13, sem esquecer os senhores padres, que s foram triados, escolhidos, institudos eprotegidos pelos senhores prefeitos e sub-prefeitos, assim como pelos bispos imperiais, para umnico objetivo: o de servir, contra todos e contra tudo, contra os interesses da prpria Frana, osinteresses da dinastia; estes mesmos funcionrios que fizeram todas as eleies do imprio,inclusive o ltimo plebiscito, e que, no ltimo ms de agosto, sob a direo do senhor Chevreau,ministro do Interior no governo Palikao, tinham suscitado, contra os liberais e os democratas detodas as cores, em prol de Napoleo III, na mesma hora em que este miservel entregava aFrana aos prussianos, uma cruzada sangrenta, uma propaganda atroz, espalhando em todas ascidades e vilas esta calnia to ridcula quanto odiosa, de que os republicanos, aps teremempurrado o imperador para esta guerra, aliaram-se agora, contra ele, com os soldados daAlemanha.

    Tais so os homens que a mansido, ou a tolice, igualmente criminosa, do governo daDefesa Nacional, deixaram at hoje, no comando de todas as comunidades rurais da Frana.

    Estes homens, to comprometidos que qualquer recuperao se tornou, para eles, impossvel,podero desembaraar-se agora, e, mudando de repente de direo, de opinio, de discurso, podero agir como apoiadores sinceros da repblica e da salvao da Frana? Mas oscamponeses ririam de suas caras! Eles esto, pois, forados a falar e agir, hoje, da mesma formaque ontem; forados a defender, no discurso e na prtica, a causa do imperador contra arepblica, da dinastia contra a Frana; e dos prussianos, hoje aliados do imperador e de suadinastia, contra a defesa nacional. Eis o que explica por que as comunidades, longe de resistiraos prussianos, lhes abrem suas portas.

    Volto a repetir, uma grande vergonha, uma grande desgraa e um imenso perigo para a

    Frana, e toda a culpa cai sobre o governo da Defesa Nacional. Se as coisas continuarem acaminhar assim, se no mudarmos as disposies do campo o mais rpido possvel, se nolevantarmos os camponeses contra os prussianos, a Frana est irrevogavelmente perdida.

    Mas como levant-los? Tratei amplamente desta questo numa outra brochura (4). Direiapenas poucas palavras aqui. A primeira condio, sem dvida, a revogao imediata e emmassa de todos funcionrios municipais atuais, pois enquanto estes bonapartistas se mantiveremonde esto, nada poder ser feito. Mas esta revogao ser apenas uma medida negativa. absolutamente necessria, mas no suficiente. Sobre o campons, cuja natureza a maisrealista e desafiadora que h, s se pode agir de maneira eficaz por meios positivos. Basta dizer

    que os decretos e as proclamaes, mesmo que fossem assinados por todos os membros - alis,desconhecidos para ele - do governo da Defesa Nacional, assim como os artigos de jornal, notem efeito nenhum sobre ele. O campons no l. Nem sua imaginao nem seu corao estoabertos s ideias, quando estas aparecem sob uma forma literria ou abstrata. Para atingi-lo, asideias devem manifestar-se para ele atravs da palavra viva de homens vivos, e pela potnciados fatos. Ento ele ouve, entende, e acaba se deixando convencer.

    13 Gardes-champtres: agente da fora pblica preposto guarda das propriedades rurais,num municpio (traduo livre do dicionrio Robert)

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    Ser preciso enviar para o campo propagadores, apstolos da repblica? O meio noseria mau, s que representa uma dificuldade e dois perigos. A dificuldade consiste no fato deque o governo da Defesa Nacional, que to cioso de seu poder quanto este nulo, e fiel ao seuinfame sistema de centralizao poltica, numa situao em que esta centralizao se tornouabsolutamente impossvel, querer escolher e nomear por conta prpria todos os apstolos, ouento deixar a tarefa aos cuidados dos novos prefeitos e comissrios extraordinrios, dos quaistodos, ou quase, pertencem mesma religio poltica que ele, ou seja: todos, ou quase todos,sendo republicanos burgueses, advogados ou redatores de jornais, adoradores platnicos e soos melhores, mas no os mais sensatos -, ou muito interessados numa repblica cuja idia notomaram da vida, mas dos livros, e que promete a uns a glria com o trofu do mrtir, e aosoutros, carreiras brilhantes e posies lucrativas; alis, muito moderados; republicanosconservadores, racionais e positivistas, como o Sr. Gambetta, e, enquanto tais, inimigos darevoluo e do socialismo, e adoradores do poder de Estado apesar de tudo.

    Estes honrveis funcionrios da nova repblica s vo querer, naturalmente, enviar,como missionrios, para o campo, homens de natureza igual deles, e que compartilhemabsolutamente suas convices polticas. Seriam necessrios, para toda a Frana, pelo menosalguns milhares. Onde raios os vo pegar? Os republicanos burgueses so to raros, hoje em dia,at entre os jovens! To raros que, numa cidade como Lyon, por exemplo, no se encontra o

    bastante para preencher as funes mais importantes e que deveriam ser confiadas apenas arepublicanos sinceros.

    O primeiro perigo consiste no seguinte: mesmo que os prefeitos e sub-prefeitosachassem, em seus respectivos departamentos, um nmero suficiente de jovens para ocupar o

    ofcio de propagadores no campo, estes missionrios novos seriam necessariamente, quasesempre e em todo lugar, inferiores, tanto por sua inteligncia revolucionria quanto pela energiade seus caracteres, aos prefeitos e sub-prefeitos que os tivessem enviado, assim como estesltimos so inferiores a estes filhos degenerados e mais ou menos castrados da granderevoluo, que, preenchendo hoje os supremos cargos de membros do governo da Defesa

    Nacional, ousaram segurar com suas mos dbeis os destinos da Frana. Assim descendo cadavez mais baixo, de impotncia a maior impotncia, no se vai encontrar nada melhor paraenviar, enquanto propagadores da repblica no campo, alm de republicanos do tipo do senhorAndrieux, o procurador da repblica, ou do senhor Eugne Vron, o redator do Progrs14 de

    Lyon; homens que, em nome da Repblica, faro a propaganda da reao. Voc acha, caroamigo, que isto possa criar, nos camponeses, apreo pela Repblica?

    Infelizmente, temo o contrrio. Entre os plidos adoradores da repblica burguesa,atualmente impossvel, e o campons da Frana, no positivista e racionalcomo o senhorGambetta, mas muito positivo e cheio de bom-senso, no h nada em comum. Mesmo queestivessem animados pelas melhores disposies do mundo, veriam toda a sua retrica literria,doutrinria e advocatria desabar frente ao mutismo astuto destes rudes trabalhadores docampo. No impossvel, mas muito difcil despertar paixo nos camponeses. Para tanto, seria

    14 Aparentemente, um nome de jornal, Le Progrs.

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    necessrio, antes de tudo, carregar em si mesmo esta paixo profunda e potente que mexe comas almas, e provoca, e produz aquilo que, na vida comum, na existncia montona de cada dia,chamamos de milagres: milagres de devoo, de sacrifcio, de energia e de ao triunfante. Oshomens de 1792 e de 1793, principalmente Danton, tinham esta paixo, e, com ela e atravsdela, tinham a potncia de tais milagres, tinham o diabo no corpo, e conseguiram pr o diabo nocorpo de toda a nao; ou melhor, eles mesmos foram a expresso mais enrgica da paixo queanimaria a nao.

    Entre todos os homens de hoje e de ontem que compem o partido radical burgus daFrana, voc j conheceu, ou pelo menos ouviu falar de um s do qual se possa dizer quecarrega, em seu corao, algo que ao menos se aproxime desta paixo e desta f que animaramos homens da grande revoluo? No existe nenhum, no ? Mais tarde vou expor a voc asrazes s quais deve ser atribuda, a meu ver, esta decadncia deplorvel do republicanismo

    burgus. Contento-me, agora, em constat-la e afirmar, em geral, deixando para prov-lo mais

    tarde, que o republicanismo burgus foi moral e intelectualmente castrado, tornado burro,impotente, falso, covarde, reacionrio e definitivamente rejeitado, enquanto tal, para fora darealidade histrica, pela apario do socialismo revolucionrio.

    Estudamos com voc, caro amigo, os representantes deste partido na prpria Lyon. Nsos vimos em ao. O que disseram, o que fizeram, o que fazem no meio da crise terrvel queameaa engolir a Frana? Nada alm da miservel e pequena reao. Nem ousam ainda fazer agrande. Duas semanas lhes bastaram para mostrar ao povo de Lyon que, entre os autoritrios darepblica e aqueles da monarquia, s muda o nome. a mesma inveja de um poder que detestae teme o controle popular. A mesma desconfiana do povo, o mesmo enlevo e as mesmas

    complacncias pelas classes privilegiadas. E, enquanto isso, o senhor Challemel-Lacour,prefeito, e hoje transformado, graas covardia servil da municipalidade de Lyon, em ditadordesta cidade, um amigo ntimo do senhor Gambetta, seu caro eleito, o delegado confidencial ea expresso fiel dos pensamentos mais ntimos deste grande republicano, deste homem viril, dequem a Frana espera hoje, estupidamente, sua salvao. Porm, o senhor Andrieux, hoje

    procurador da Repblica, e procurador realmente digno deste nome, pois promete ultrapassarem breve, atravs de seu zelo ultra-jurdico e de seu amor desmesurado pela ordem pblica, os

    procuradores mais zelosos do imprio, o senhor Andrieux tinha-se colocado, no regime anterior,como um livre-pensador, como o inimigo fantico dos padres, como um partidrio devotado do

    socialismo e como amigo da Internacional. Acho at que, poucos dias antes da queda doimprio, ele teve a honra insigne de ser preso enquanto tal, e que foi triunfalmente retirado de lpelo povo de Lyon.

    Como que estes homens mudaram, e que, sendo revolucionrios ontem, tornaram-sereacionrios to resolutos, hoje? Ser o efeito de uma ambio satisfeita, e que, por estarem,hoje em dia, graas a uma revoluo popular, em posies bastante lucrativas e bastante altas,querem conserv-las mais do que qualquer outra coisa? Ah! Sem dvida o interesse e a ambioso potentes elementos mobilizadores, e que depravaram bastante gente, mas no creio que duassemanas de poder tenham podido bastar para corromper os sentimentos destes novos

    funcionrios da Repblica. Teriam eles enganado o povo, apresentando-se a ele, no imprio,como partidrios da revoluo? Pois bem, francamente, no posso crer nisto; no quiseram

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    enganar ningum, mas tinham-se enganado a si mesmos, por conta prpria, imaginando queeram revolucionrios. Tinham confundido seu dio muito sincero, se no muito enrgico emuito apaixonado, contra o imprio, com um amor violento pela revoluo, e, iludindo-se a simesmos, nem imaginavam que eram partidrios da repblica e reacionrios ao mesmo tempo.

    O pensamento reacionrio, diz Proudhon (5), que o povo nunca o esquea, foiconcebido no prprio seio do partido republicano. E, mais frente, acrescenta que este

    pensamento tem sua origem no zelo governamental deste partido, um zelo governamentalmexeriqueiro, meticuloso, fantico, policial e desptico na medida em que acha que pode tudo,o seu despotismo tendo, sempre, como pretexto, a prpria salvao da repblica e da liberdade.

    Os republicanos burgueses identificam, muito erroneamente, a repblica deles com aliberdade. A est a fonte de todas as iluses deles, quando se encontram na oposio; das suasdecepes e de suas inconseqncias, quando tem o poder em suas mos. A repblica deles inteiramente fundada sobre a idia do poder e de um governo forte, de um governo que devemostrar-se ainda mais enrgico e potente por ter sado da eleio popular; e eles no querementender esta verdade to simples, e confirmada, alis, pela experincia de todos os tempos e detodos os pases: todo poder organizado, estabelecido, agindo sobre o povo, exclui,necessariamente, a liberdade do povo. Como o Estado poltico no tem outra misso a no ser

    proteger a explorao do trabalho popular pelas classes economicamente privilegiadas, o poderdo Estado s pode ser compatvel com a liberdade exclusiva destas classes cujos interesses elerepresenta, e, pela mesma razo, deve ser contrrio liberdade do povo 15. Quem diz Estado ou

    poder diz dominao, mas toda dominao presume a existncia de massas dominadas. OEstado, consequentemente, no pode confiar na ao espontnea e no movimento livre das

    massas, cujos interesses mais caros so contrrios sua existncia; ele o inimigo naturaldestas, seu necessrio opressor16, e, sempre cuidando em no admitir isto, ele sempre deve agirenquanto tal.

    Eis o que a maioria dos jovens partidrios da repblica autoritria e burguesa noentendem, enquanto ficam na oposio, enquanto eles mesmos no provaram o poder. S

    porque detestam, do fundo de seus coraes, com toda a paixo de que so capazes estas pobresnaturezas degeneradas e raivosas, o despotismo monrquico, eles imaginam que detestam odespotismo em geral; s porque gostariam de ter a potncia e a coragem de derrubar um trono,acham-se revolucionrios; e no imaginam que no do despotismo que eles tm dio, e sim de

    15 tout pouvoir organis, tabli, agissant sur le peuple, exclut ncessairement la libert du peuple. L'tat politique n'ayant d'autre mission que de protger l'exploitation du travail populaire par les classes conomiquement privilgies, le pouvoir de l'tat ne peut trecompatible qu'avec la libert exclusive de ces classes dont il reprsente les intrts, et par lamme raison il doit tre contraire la libert du peuple.

    16 leur opresseur oblig.

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    sua forma monrquica, e que este mesmo despotismo, por pouco que revista a formarepublicana, encontrar seus mais zelosos aderentes em meio a eles prprios.

    Ignoram que o despotismo no est tanto na forma do Estado ou do poder quanto noprincpio do prprio Estado e poder poltico, e que, portanto, o Estado republicano deve ser,

    pela sua essncia, to desptico quanto o Estado governado por um imperador ou um rei. Entreestes dois Estados, no h nenhuma diferena real. Todos dois tem por base essencial e porobjetivo a subjugao econmica das massas, em proveito das classes possuidoras. Mas diferem

    pelo seguinte: para atingir este objetivo, o poder monrquico, que nos dias de hoje tendefatalmente a se transformar em ditadura militar, no admite a liberdade de nenhuma classe, nemmesmo daquelas que protege em detrimento do povo. Ele aceita servir os interesses da

    burguesia, e forado a faz-lo, mas sem permitir a esta intervir seriamente no governo dosnegcios do pas.

    Este sistema, quando aplicado por mos inbeis e por demais desonestas, ou quandocria uma oposio demasiado flagrante dos interesses de uma dinastia com aqueles dosexploradores da indstria e do comrcio do pas, como acabou de acontecer na Frana, podecomprometer gravemente os interesses da burguesia. Ele apresenta outra desvantagem bastantegrave, do ponto de vista dos burgueses: ele lhes fere a vaidade e o orgulho. Ele os protege, verdade, e oferece-lhes, do ponto de vista da explorao do trabalho popular, uma segurana

    perfeita, mas, ao mesmo tempo, humilha-os ao por limites muito estreitos sua maniarespondona17, e, quando ousam protestar, ele os maltrata. Isto impacienta naturalmente a partemais ardente, se preferir, a mais generosa e menos racional da classe burguesa, e assim que seforma no seio desta, por dio desta opresso, o partido republicano burgus.

    O que quer este partido? A abolio do Estado? O fim da explorao das massaspopulares, oficialmente protegida e garantida pelo Estado? A emancipao real e completa paratodos, por meio da emancipao econmica do povo? Nada disso. Os republicanos burguesesso os inimigos mais enraivecidos e mais passionais da revoluo social. Nos momentos decrise poltica, quando precisam do brao potente do povo para derrubar um trono,condescendem em prometer melhorias materiais a esta classe to interessante dos trabalhadores;mas, como ao mesmo tempo esto animados, pela mais firme das resolues, a conservar emanter todos os princpios, todas as bases sagradas da sociedade atual, todas estas instituieseconmicas e jurdicas que tem como conseqncia necessria a servido real do povo, suas

    promessas, naturalmente, sempre se esfumaam. O povo, decepcionado, murmura, ameaa,revolta-se, e ento, para conter a exploso do descontentamento popular, os revolucionrios

    burgueses vem-se forados a recorrer represso todo-poderosa do Estado. Da resulta que oEstado republicano to opressivo quanto o Estado monrquico; porm, no para as classes

    possuidoras, e sim, exclusivamente, contra o povo.

    17 raisonneuse, que tambm poderia ser traduzido como replicante, perdendo talvez umpouco, neste caso, o efeito irnico do autor adotar o ponto de vista do rei.

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    Nenhuma forma de governo teria sido to favorvel aos interesses da burguesia, nem toamada por esta classe, quanto a repblica, se a primeira tivesse, na situao econmica atual daEuropa, a potncia de se manter contra as aspiraes socialistas, cada vez mais ameaadoras,das massas operrias. Os burgueses duvidam no da bondade da repblica, que toda a favordeles: da potncia desta enquanto Estado, ou da sua capacidade de manter-se e proteg-loscontra as revoltas do proletariado. No h um burgus que no lhe diga: A repblica umacoisa boa, infelizmente impossvel; ela no pode durar, pois nunca encontrar em si mesma a

    potncia para se constituir num Estado srio, respeitvel, capaz de ser respeitado e de fazer comque o sejamos pelas massas. Adorando a repblica de um amor platnico, mas duvidando dasua possibilidade, ou, pelo menos, de sua durao, o burgus tende, consequentemente, acolocar-se sempre novamente sob a proteo de uma ditadura militar que ele detesta, que oofende, o humilha e sempre acaba arruinando-o, mais cedo ou mais tarde, mas que, pelo menos,lhe oferece todas as condies da fora, da tranqilidade nas ruas e da ordem pblica.

    Esta predileo fatal da imensa maioria da burguesia pelo regime do sabre o desesperodos republicanos burgueses. Por isto fizeram e fazem hoje, precisamente - esforos sobre-humanos para que esta maioria goste da repblica, para provar a ela que, longe de lesar osinteresses da burguesia, ao contrrio, ela ser totalmente favorvel a esta, ou seja, sempre seroposta aos interesses do proletariado, e ter toda a fora necessria para impor ao povo orespeito das leis que garantem a tranqila dominao econmica e poltica dos burgueses.

    Tal , hoje, a preocupao principal de todos os membros do governo da DefesaNacional, assim como dos prefeitos, subprefeitos, advogados da Repblica e comissrios geraisque os primeiros delegaram nos departamentos. No se trata tanto defender a Frana contra a

    invaso dos prussianos, mas, principalmente, de provar aos burgueses que os membros dogoverno tem toda a boa vontade e toda a potncia desejada para conter as revoltas do

    proletariado. Ponha-se neste ponto de vista, e voc compreender todos os atos,incompreensveis de outra forma, destes singulares defensores e salvadores da Frana.

    Animados por este esprito e perseguindo esta meta, so necessariamente empurrados emdireo reao. Como poderiam servir e provocar a revoluo, mesmo a revoluo sendo,como hoje, evidentemente, o nico meio de salvao geral da Frana? Estas pessoas quecarregam a morte oficial e a paralisia de toda ao popular neles mesmos, como levariam omovimento e a vida para o campo? O que poderiam dizer aos camponeses para sublev-los

    contra a invaso dos prussianos, na presena dos padres, destes juzes de paz, destes prefeitos edestes guardas rurais bonapartistas, que seu amor desmesurado pela ordem pblica mandarespeitar, os quais fazem e continuaro a fazer, da manh at noite, armados de uma influnciae de uma potncia de ao muito diferente, em termos de eficcia, da que eles18tem nos campos,uma propaganda totalmente contrria? Vo se esforar a emocionar os camponeses atravs dediscursos vazios, todos os fatos sendo opostos a estes discursos?

    18 Ainda os membros do governo da Defesa Nacional.

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    Saiba bem disto: o campons tem dio a todos os governos. Ele os suporta porprudncia; ele lhes paga regularmente os impostos e atura que tomem seus filhos para delesfazer soldados, porque no v o que poderia fazer, e no contribui para nenhuma mudana

    porque acha que os governos se equivalem, e que o governo novo, dando-se ele o nome que for,no ser melhor que o antigo, e porque quer evitar os riscos e os custos de uma mudana intil.De todos os regimes, alis, o governo republicano -lhe o mais odioso, primeiro porque este lhelembra os centavos adicionais de 1848, e depois porque trabalhou-se vinte anos seguidos paradifam-lo em sua opinio. o capeta para ele, pois representa, aos seus olhos, o regime daviolncia exercida sem nenhuma vantagem, mas, ao contrrio, com a runa material. Arepblica, para ele, o reino daquilo que ele detesta mais do que qualquer outra coisa, aditadura dos advogados e dos burgueses das cidades, e ditadura por ditadura, ele tem o maugosto de preferir a da espada.

    Como esperar, pois, que os representantes oficiais da repblica possam convert-lo

    repblica? Quando se sentir o mais forte, ele vai rir destes e expuls-los de seu vilarejo; quandofor o mais fraco, vai fechar-se no seu silncio e na sua inrcia. Enviar republicanos burgueses,advogados ou redatores de jornais para o campo para fazer propaganda em favor da repblicaseria dar o golpe de misericrdia na repblica.

    Mas, ento, o que fazer? H um nico meio, que revolucionar o campo, assim como ascidades. E quem pode faz-lo? A nica classe que carrega hoje, realmente, de maneira franca, arevoluo em seu seio: a classe dos trabalhadores das cidades.

    Mas como os trabalhadores das cidades faro para revolucionar o campo? Enviaro, para

    cada vilarejo, operrios isolados como apstolos da repblica? Mas onde pegaro o dinheironecessrio para cobrir os custos desta propaganda? verdade que os senhores prefeitos, ossubprefeitos e comissrios gerais poderiam envi-los s custas do Estado. Mas a no seriammais delegados do mundo operrio, mas do Estado, o que mudaria singularmente o carterdeles, o seu papel, e a prpria natureza de sua propaganda, a qual viraria, por isto mesmo, uma

    propaganda no revolucionria, mas necessariamente reacionria; pois a primeira coisa queseriam forados a fazer seria inspirar, nos camponeses, a confiana nas autoridades,recentemente estabelecidas ou conservadas, pela repblica, portanto a confiana, tambm,nestas autoridades bonapartistas cuja ao malfica continua ainda a pesar sobre o campo. Alis, evidente que os Sres. prefeitos, os subprefeitos e os comissrios generais, conforme esta lei

    natural que faz cada um preferir aquilo que concorda consigo, e no o que lhe contrrio,escolheriam, para desempenhar este papel de propagadores da repblica, os operrios menosrevolucionrios, os mais dceis ou mais complacentes. Continuaria a ser a reao, sob umaforma operria; e, como dissemos, s a revoluo pode revolucionar o campo19.

    Enfim, preciso acrescentar que a propaganda individual, mesmo que fosse exercidapelos homens mais revolucionrios do mundo, no conseguiria ter uma grande influncia sobreos camponeses. A retrica, para eles, no tem charme, e as palavras, quando no so a

    19 la rvolution seule peut rvolutionner les campagnes.

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    manifestao da fora, e no so imediatamente acompanhadas por fatos, so, para eles, apenaspalavras. O operrio que for, sozinho, fazer discursos num vilarejo, bem corre o risco de serridicularizado e expulso como um burgus.

    O que preciso fazer, ento?

    preciso enviar para o campo, enquanto propagadores da revoluo, CorposFrancos.

    Regra geral: quem quer propagar a revoluo deve ser francamente revolucionrio. Parasublevar os homens, preciso ter o diabo no corpo; de outra forma, s se faz discursos queabortam, ou que apenas produzem um barulho estril, e no atos. Assim, antes de tudo, osCorpos Francos propagadores devem ser revolucionariamente inspirados e organizados. Devemcarregar a revoluo em seu seio, para poder provoc-la e suscit-la entre eles. Depois, devemtraar para si mesmos um sistema, uma linha de conduta conforme meta que se propem.

    Qual esta meta? No impor a revoluo ao campo, mas provoc-la e suscit-la ali.Uma revoluo imposta, seja por decretos oficiais ou mo armada, no mais a revoluo,mas o contrrio da revoluo, pois provoca, necessariamente, a reao. Ao mesmo tempo, osCorpos Francos devem se apresentar no campo como uma fora respeitvel e capaz de se fazerrespeitar; no para violent-los, sem dvida, mas para afastar deles a vontade de rir ou demaltrat-los, antes mesmo de os terem escutado, o que bem poderia acontecer com

    propagadores individuais e no acompanhados de uma fora respeitvel. Os camponeses so umpouco grosseiros, e os espritos grosseiros deixam-se levar facilmente pelo prestgio e pelasmanifestaes da fora, a no ser que se revoltem contra ela mais tarde, se esta fora lhes

    impuser condies demasiado contrrias a seus instintos e a seus interesses.

    disso que os Corpos Francos devem resguardar-se. No devem impor nada, e simsuscitar tudo. O que podem e o que devem fazer, naturalmente, afastar, desde o incio, tudo oque possa entravar o sucesso da propaganda. Assim, devem comear por quebrar, sem desferirum s golpe, toda a administrao comunal20, necessariamente infectada de bonapartismo, ouat de legitimismo ou orleanismo; atacar, expulsar, e, precisando, prender os senhoresfuncionrios comunais, assim como todos os grandes proprietrios reacionrios, e o senhor

    padre com eles,por nenhuma outra causa alm da conivncia secreta destes com os prussianos .

    O municpio legal deve ser substitudo por um comit revolucionrio, formado por um pequenonmero dentre os camponeses mais enrgicos e mais sinceramente convertidos Revoluo.

    Mas antes de constituir este comit, preciso ter produzido uma converso real nasdisposies, se no de todos os camponeses, pelo menos de uma grande maioria. preciso queesta maioria se apaixone pela Revoluo. Como produzir este milagre? Atravs do interesse.Diz-se que o campons francs cpido; pois bem, preciso que sua prpria cupidez seinteresse pela Revoluo. preciso oferecer-lhe e dar-lhe, imediatamente, grandes vantagensmateriais.

    20 Municipal.

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    Que no haja exaltao contra a imoralidade de um sistema assim. Nos dias de hoje, e na

    presena dos exemplos que nos do todos os graciosos potentados que tem nas mos os destinosda Europa, seus governos, seus generais, seus ministros, seus altos e baixos funcionrios, etodas as classes privilegiadas: clero, nobreza, burguesia, seria m-f revoltar-se contra ele. Seriahipocrisia por nada. Os interesses, hoje, governam tudo, explicam tudo. E j que os interessesmateriais e a cupidez dos burgueses perdem a Frana hoje, por que os interesses e a cupidez doscamponeses no poderiam salv-la? Tanto que j a salvaram uma vez, isto em 1792.

    Escute o que disse sobre este assunto o grande historiador da Frana, Michelet, que,certamente, ningum acusar de ser um materialista imoral (6):

    No houve nunca um labor de outubro como o de 91, aquele em que o trabalhador,seriamente advertido por Varennes e por Pilniz, imaginou pela primeira vez, listou mentalmenteos perigos, e todas as conquistas da Revoluo que lhe queriam arrancar. Seu trabalho, animado

    por uma indignao guerreira, j era, para ele, uma campanha para o esprito. Ele trabalhavacomo soldado21, impunha carroa o passo militar, e, tocando seus animais com uma vara maissevera, gritava para um: , Prssia!, ao outro: Anda logo, ustria. O boi andava como umcavalo, a relha do arado ia rspida e rpida, o sulco preto chegava a soltar fumaa, cheio deflego e cheio de vida.

    que este homem no suportava pacientemente ver-se assim importunado em sua posse

    recente, neste primeiro momento em que a dignidade humana tinha despertado nele. Livre, episando um campo livre se batesse o p, ele sentia sob si mesmo uma terra sem direito nem

    dzimo, que j era sua ou seria sua amanh...; No tem mais senhores! Todos senhores! Todosreis, cada um sobre sua terra, o velho ditado realizado: Pobre homem, em sua casa, rei 22. Nasua casa e fora dela. A Frana inteira no a sua casa agora?

    E, mais frente, falando do efeito produzido sobre os camponeses pela invaso deBrunswick:

    Brunswick, tendo entrado em Verdun, encontrou-se to comodamente ali, que ficou

    uma semana. A os emigrantes que circundavam o rei da Prssia j comearam a lembrar-lhe aspromessas que ele tinha feito. Este prncipe tinha dito, quando partiu, estas estranhas palavras(Hardenberg as ouviu): Que no se meteria no governo da Frana, que apenas devolveria ao rei

    21 en soldat, ou seja, imaginando-se como um soldado e/ou imitando certas atitudes ou gestosde um soldado, enquanto mantm seu prprio trabalho, objetivamente.

    22 Pauvre homme, en sa Maison, Roi est.

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    a autoridade absoluta. Devolver ao rei a realeza, os padres s igrejas, as propriedades aosproprietrios, era sua nica ambio. E para todas estas benfeitorias, o que pedia Frana?Nenhuma cesso de territrio, nada alm dos custos de uma guerra empreendida para salv-la.

    Esta pequena expresso: devolver as propriedades, continha muita coisa. O grande

    proprietrio era o clero; tratava-se de restituir a ele um bem de quatro milhes, de anular asvendas que tinham sido feitas por um milho a partir de janeiro de 92, e que, desde ento, emnove meses, tinham aumentado enormemente. O que se tornavam uma infinidade de contratoscuja ocasio direta ou indireta foi a citada operao? No somente os compradores foramlesados, mas aqueles que lhes emprestaram dinheiro, mas os sub-compradores aos quais tinhamvendido, uma multido de outras pessoas . . . . . . .23um grande povo, e verdadeiramente ligado Revoluopor um interesse respeitvel.Estas propriedades, desviadas havia sculos da metados piedosos fundadores, a Revoluo chamou-as de volta ao seu destino verdadeiro, a vida e amanuteno do pobre. Elas tinham passado da mo morta viva, DOS PREGUIOSOS AOS

    TRABALHADORES, dos abades libertinos, dos cnegos barrigudos, dos bispos faustosos, aohonesto trabalhador. Uma Frana nova tinha-se feito neste curto espao de tempo. E estesignorantes (os emigrantes) que traziam o estrangeiro no o imaginavam. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. .

    Com estas palavras significativas de restaurao dos padres, de restituio, etc., ocampons levantou a orelha e entendeu que era toda a contra-revoluo entrando na Frana, queuma mutao imensa tanto das coisas como das pessoas ia chegar. Nem todos tinham fuzis, masos que tinham os pegaram; quem tinha um garfo de feno pegou o garfo, e quem tinha uma foice

    pegou a foice. Um fenmeno aconteceu sobre a terra da Frana. Ela pareceu mudada, de

    repente, passagem do estrangeiro. Transformou-se num deserto. Os gros desapareceram, e,como se um turbilho os tivesse levado, foram para o oeste. S sobrou uma coisa, no caminho,

    para o inimigo: as uvas verdes, a doena e a morte.

    Mais frente, Michelet descreve o seguinte quadro do levante dos camponeses:

    A populao corria para o combate com tanto embalo que a autoridade comeava atemer, puxando-a para trs. Massas confusas, mais ou menos sem armas, precipitavam-se emdireo a um mesmo ponto; no se sabia como abrig-los nem como aliment-los. No leste,especialmente na Lorena, as colinas, todos os postos dominantes tinham-se transformado em

    acampamentos grosseiramente fortificados com rvores abatidas, maneira de nossos velhosacampamentos do tempo de Csar. Vercingtorix teria pensado, vendo isto, que estava em plenaGlia. Os alemes tinham muito em que pensar quando ultrapassavam, quando deixavam atrsde si estes acampamentos populares. Qual seria, para eles, a volta? O que teria sido umdescaminho atravs destas massas hostis, que, de todas as partes, como se fossem muita nevederretendo, desceriam na direo deles? Deviam perceber isto; no era com um exrcito queestavam lidando, e sim com a Frana.

    23 Esta srie de pontos foi copiada tal e qual da verso francesa. Ser a indicao de uma lacunaou sero reticncias em excesso? Acontece outras vezes no texto.

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    Ora, no exatamente o contrrio do que vemos hoje? Mas por que, nesta mesma Franaque em 1792 tinha-se sublevado inteiramente para rechaar a invaso estrangeira, por que nose subleva hoje, que est ameaada por um perigo muito mais terrvel que o de 1792? Ah! que

    em 1792 ela foi eletrizada pela Revoluo, e hoje est paralisada pela reao, protegida erepresentada por seu governo da assim chamada Defesa Nacional.

    Por que os camponeses se tinham revoltado em massa contra os prussianos em 1792, epor que ficam no somente inertes, mas at favorveis a estes mesmos prussianos, contra estamesma Repblica, hoje? Ah! que, para eles, no mais a mesma Repblica. A Repblicafundada pela Conveno Nacional, no dia 21 de setembro de 1792, era uma Repblicaeminentemente popular e revolucionria. Ela tinha oferecido ao povo um interesse imenso, ou,como diz Michelet, respeitvel. Atravs do confisco em massa dos bens da Igreja, primeiro, emais tarde, da nobreza emigrada ou revoltada, ou suspeita e decapitada, ela deu ao povo a terra,e para tornar impossvel a restituio desta terra aos seus antigos proprietrios, o povo tinha-sesublevado em massa, enquanto que a Repblica atual, nada popular, mas, ao contrrio, cheia dehostilidade e desconfiana contra o povo, Repblica de advogados, de impertinentesdoutrinrios, e a mais burguesa de todas, s lhe oferece discursos, um aumento de impostos e deriscos, sem a menor compensao material.

    O campons tambm no acredita nesta Repblica, mas por outra razo que a dosburgueses. Ele no acredita nela precisamente porque a acha burguesa demais, favorvel demaisaos interesses da burguesia, e ele alimenta, no fundo de seu corao, um dio dissimulado, o

    qual, s por se manifestar de uma forma diferente, no menos intenso que o dio dos operriosdas cidades contra esta classe hoje to pouco respeitvel.

    Os camponeses, pelo menos a imensa maioria dos camponeses, no esqueamos nuncadisto, mesmo tendo-se tornado proprietrios, na Frana, no deixam de viver do trabalho de

    seus braos. A est o que os separa, no fundo, da classe burguesa, cuja maioria vive daexplorao lucrativa do trabalho das massas populares, e o que o une, de outro lado, aostrabalhadores da cidade, apesar da diferena de suas posies, em total desvantagem destesltimos, e da diferena de idias, dos mal-entendidos nos princpios que desta resultam,infelizmente, demasiadas vezes.

    O que distancia, principalmente, os camponeses dos operrios da cidade, uma certaaristocracia da inteligncia, alis muito mal fundada, que os operrios muitas vezes cometem oerro de demonstrar em frente a eles. Os operrios, no se pode dizer o contrrio, so maisletrados; sua inteligncia, seu saber, suas idias, so mais desenvolvidos. Em nome destasuperioridade cientfica, s vezes acontece de olharem de cima os camponeses, de demonstrardesprezo em relao a eles. E, como j observei em outro escrito (7), os operrios esto errados,

    pois, ao mesmo ttulo, e com muito mais razo aparente, os burgueses, que so muito maiscultos e muito mais desenvolvidos que os operrios, teriam ainda mais direito de desprezar estesltimos. E estes burgueses, como sabemos, no deixam de tirar vantagem disto.

    Permita-me, caro amigo, repetir aqui algumas pginas do escrito que acabo de citar:

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    Os camponeses, eu disse nesta brochura, consideram os operrios das cidades como unspartageux, e temem que os socialistas venham confiscar sua terra, que eles amam acima dequalquer outra coisa. O que devem fazer os operrios para vencer esta desconfiana e estaanimosidade dos camponeses contra eles? Primeiro, parar de mostrar seu desprezo, parar dedesprez-los. Isto necessrio para o xito da revoluo, pois o dio dos camponeses constituium imenso perigo. Se no houvesse esta desconfiana e este dio, a revoluo teria sido feita htempos, pois a animosidade que existe, infelizmente, no campo, contra as cidades, constitui, nosomente na Frana, mas em todos os pases, a base e a fora principal da reao. Pelo interesseda revoluo que deve emancip-los, os operrios devem parar o mais rpido possvel demostrar este desprezo quanto aos camponeses; eles devem isto tambm por justia, pois no temnenhuma razo para desprez-los, nem para detest-los. Os camponeses no so vagabundos,

    so rudes trabalhadores como eles prprios; porm, trabalham em condies diferentes. Sisto.Na presena do burgus explorador, o operrio deve sentir-se irmo do campons.

    Os camponeses marcharo com os operrios das cidades pela salvao da ptria assimque estiverem convencidos que os operrios das cidades no pretendem impor-lhes suavontade, nem uma ordem poltica e social qualquer inventada pelas cidades pela maior

    felicidade dos campos; assim que tiverem adquirido a segurana de que os operrios no tem a

    menor inteno de tomar sua terra.

    Pois bem, indispensvel, hoje, que os operrios renunciem realmente a esta pretenso ea esta inteno, e que renunciem a elas de maneira que os camponeses o saibam e fiquemcompletamente convencidos. Os operrios devem renunciar a elas, pois, mesmo que pretensesdo tipo fossem realizveis, seriam soberanamente injustas e reacionrias; e, agora que sua

    realizao se tornou absolutamente impossvel, constituiriam apenas uma criminosa loucura.

    Com que direito os operrios imporiam aos camponeses uma forma de governo ou deorganizao econmica qualquer? Com o direito da revoluo, diz-se. Mas a revoluo no mais revoluo quando age como dspota, e quando, ao invs de provocar a liberdade nasmassas, provoca a reao em seu seio. O meio e a condio, se no a meta principal darevoluo, a anulao do princpio da autoridade em todas as suas manifestaes possveis, aabolio completa do Estado poltico e jurdico, porque o Estado, irmo mais novo da Igreja,como Proudhon demonstrou muito bem, a consagrao histrica de todas as sujeieseconmicas e sociais, a prpria essncia e o centro de toda reao. Quando, em nome da

    Revoluo, se quer fazer Estado, nem que seja Estado provisrio, faz-se reao e trabalha-separa o despotismo, e no pela liberdade; para a instituio do privilgio contra a igualdade.

    de uma clareza cristalina. Mas os operrios socialistas da Frana, criados nas tradies polticas dos jacobinos, nunca quiseram entend-lo. Agora sero forados a entend-lo,felizmente para a Revoluo e para eles prprios. De onde lhes veio esta pretenso to ridculaquanto arrogante, to injusta quanto funesta, de impor seu ideal poltico a dez milhes decamponeses que no o querem? ainda, evidentemente, uma herana burguesa, um legado

    poltico do revolucionarismo burgus. Qual o fundamento, a explicao, a teoria destapretenso? a superioridade, pretensa ou real, da inteligncia, da instruo, resumindo, dacivilizao operria em relao civilizao do campo. Mas voc sabe que, com tal princpio,

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    se pode legitimar todas as conquistas, todas as opresses? Os burgueses nunca tiveram outro[princpio] para provar sua misso degovernar, ou, o que significa a mesma coisa, de explorar omundo operrio. De nao para nao, assim como de uma classe para outra, este princpio fatale que no outro que a autoridade, explica e d um direito a todas as invases e todas asconquistas. Os alemes no se serviram sempre dele para executar todos os seus atentadoscontra a liberdade e contra a independncia dos povos eslavos, e para legitimar a germanizaoviolenta e forada? , dizem eles, a conquista da civilizao sobre a barbrie. Tome cuidado; osalemes comeam a perceber tambm que a civilizao germnica, protestante, bem superior civilizao catlica, representada, em geral, por povos de raa latina em geral 24, e civilizaofrancesa em particular. Tome cuidado para que eles no imaginem, em breve, que tem a missode civilizar e emancipar seus compatriotas, seus irmos, os camponeses da Frana. Para mim,uma ou outra pretenso so igualmente odiosas, e eu lhe declaro que, tanto nas relaesinternacionais como nas relaes entre uma classe e outra, estarei sempre do lado daqueles quese quer civilizar por este processo. Vou me revoltar com eles contra todos estes civilizadores

    arrogantes, que se chamem operrios, ou alemes, e, revoltando-me contra eles, servirei arevoluo contra a reao.

    Mas, se assim, diro, deve-se abandonar os camponeses ignorantes e supersticiosos atodas as influncias e a todas as intrigas da reao? Nada disso. preciso esmagar a reao,tanto no campo quanto na cidade; mas preciso, para isto, atingi-la nos fatos, e no lhe fazerguerra atravs de decretos. J disse, no se extirpa nada com decretos. Ao contrrio, os decretose todos os atos de autoridade consolidam aquilo que querem destruir.

    Em vez de querer tomar dos camponeses as terras que possuem hoje, deixe-os seguir seu

    instinto natural, e sabe o que acontecer ento? O campons quer ter para ele toda a terra; eleolha o grande senhor e o rico burgus cujas vastas propriedades, cultivados por braosassalariados, diminuem seu campo, como estrangeiros e usurpadores. A revoluo de 1789 deuaos camponeses as terras da Igreja; eles gostariam de aproveitar de outra revoluo para

    ganhar aquelas da nobreza e da burguesia.

    Mas, se isto acontecesse, se os camponeses pusessem a mo sobre toda a poro do soloque ainda no lhes pertence, no se teria permitido um reforo fastidioso do princpio da

    propriedade individual, e os camponeses no estariam, mais do que nunca, hostis aos operriossocialistas das cidades?

    Nem um pouco, pois, a partir do momento em que o Estado fosse abolido, aconsagrao jurdica e poltica do Estado, a garantia da propriedade, vai lhes faltar. A

    propriedade no ser mais um direito, ser reduzida ao estado de um simples fato.

    Mas ento ser a guerra civil, voc dir. No sendo mais a propriedade individualgarantida por nenhuma autoridade superior, e sendo apenas defendida pela energia do

    24A repetio presente na verso francesa foi mantida: reprsente en gnral par les peuplesde race latine en gnral.

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    proprietrio, cada um querer apropriar-se do bem de outrem, os mais fortes pilharo os maisfracos.

    certo que as coisas no acontecero de uma maneira absolutamente pacfica desde oincio: haver lutas, a ordem pblica, este tesouro sagrado dos burgueses, ser perturbada, e os

    primeiros fatos que resultaro de um estado de coisas semelhante podero constituir o que seconvencionou chamar de guerra civil. Mas voc prefere entregar a Frana aos prussianos? . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . .

    Alm disto, no tema que os camponeses se devorem mutuamente; mesmo se quisessemfaz-lo no incio, no tardaro em convencer-se da impossibilidade material de persistir nestavia, e ento poderemos ter certeza que trataro de entender-se, transigir e organizar-se entre eles.A necessidade de comer e alimentar suas famlias, e de [defender] sua prpria vida contraataques imprevistos25, tudo isto vai for-los indubitavelmente a entrar logo nas vias dosarranjos mtuos.

    E no creia que nestes arranjos, forjados fora de qualquer tutela oficial, pela fora dascoisas unicamente, os mais fortes, os mais ricos, exercero uma influncia predominante. Ariqueza dos ricos, no sendo mais garantida por instituies jurdicas, deixar de ser uma

    potncia. Os ricos s so to influentes hoje porque, cortejados pelos funcionrios do Estado,so especialmente protegidos pelo Estado. Se este apoio vier a lhes faltar, sua potnciadesaparecer ao mesmo tempo. Quanto aos mais astutos, aos mais fortes, sero anulados pela

    potncia coletiva da massa, do grande nmero de pequenos e micro camponeses, assim comodos proletrios do campo, massa hoje reduzida a um sofrimento mudo, mas que o movimento

    revolucionrio armar de uma irresistvel potncia.No pretendo, note bem, que os campos que assim se organizarem, de baixo para cima,

    criaro, de primeira, uma organizao ideal, conforme em todos os pontos quela que nssonhamos. Estou convencido de que ser uma organizao viva e, enquanto tal, mil vezessuperior que existe agora. Alm disto, esta organizao nova, ficando sempre aberta

    propaganda ativa das cidades, e no podendo mais ser fixada, e, por assim dizer, petrificada,pela sano jurdica do Estado, progredir livremente, desenvolvendo-se e aperfeioando-se deuma maneira indefinida, mas sempre viva e livre, jamais decretada nem legalizada, at chegar,enfim, a um ponto to razovel quanto se possa esperar nos dias de hoje.

    Como a vida e a ao espontnea, suspensas durante sculos pela ao absorvente doEstado, sero devolvi