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TEXTO PARA DISCUSSÃO N O 505 O Impacto Econômico da AIDS/HIV no Brasil André Nunes AGOSTO DE 1997

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TEXTO PARA DISCUSSÃO NO 505

O Impacto Econômicoda AIDS/HIV no Brasil

André Nunes

AGOSTO DE 1997

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TEXTO PARA DISCUSSÃO NO 505

O Impacto Econômico daAIDS/HIV no Brasil*

André Nunes**

Brasília, agosto de 1997

* O autor agradece ao dr. Euclides Ayres de Castilho, do

Ministério da Sáude, por sua cuidadosa leitura e comen-tários.

** Da Universidade de Brasília — UnB e consultor do IPEA.

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M I N I S T É R I O D O P L A N E J A M E N T O E O R Ç A M E N T OM i n i s t r o : A n t ô n i o K a n d i rS e c r e t á r i o E x e c u t i v o : M a r t u s T a v a r e s

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

P r e s i d e n t eF e r n a n d o R e z e n d e

D I R E T O R I A

C l a u d i o M o n t e i r o C o n s i d e r aG u s t a v o M a i a G o m e sL u í s F e r n a n d o T i r o n iL u i z A n t o n i o d e S o u z a C o r d e i r oM a r i a n o d e M a t o s M a c e d oM u r i l o L ô b o

O IPEA é uma fundação pública, vinculada ao Ministério doPlanejamento e Orçamento, cujas finalidades são: auxiliaro ministro na elaboração e no acompanhamento da políticaeconômica e promover atividades de pesquisa econômica aplicadanas áreas fiscal, financeira, externa e de desenvolvimento setorial.

TEXTO PARA DISCUSSÃO tem o objetivo de divulgar resultadosde estudos desenvolvidos direta ou indiretamente peloIPEA, bem como trabalhos considerados de relevânciapara disseminação pelo Instituto, para informarprofissionais especializados e colher sugestões.

Tiragem: 160 exemplares

SERVIÇO EDITORIAL

Brasília — DF:SBS Q. 1, Bl. J, Ed. BNDES, 10o andarCEP 70076-900E-mail: [email protected]

Rio de Janeiro — RJ:Av. Presidente Antonio Carlos, 51, 14o andarCEP 20020-010E-mail: [email protected]

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SUMÁRIO

SINOPSE

1 INTRODUÇÃO 7

2 EPIDEMIOLOGIA DA AIDS NO BRASIL 8

3 O IMPACTO ECONÔMICO DA AIDS PARA O SISTEMA

PÚBLICO DE SAÚDE NO BRASIL 15

4 CONCLUSÃO 19

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 20

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SINOPSE

ste texto analisa os principais aspectos etendências da epidemia de AIDS nos últi-mos dez anos, no Brasil, assim como rea-liza uma estimativa dos custos da doença

para o Sistema Único de Saúde (SUS). Destaca-se ocrescimento do número de soropositivos em po-pulações heterossexuais, principalmente entre asmulheres e entre os usuários de drogas injetáveis.Com relação à questão dos custos da epidemiapara o SUS, considerando-se a atenção ótima aospacientes com AIDS, estimaram-se gastos de apro-ximadamente US$ 963 milhões para o ano de1997. A extensão do tratamento integral, inclusi-ve com o fornecimento gratuito de remédios, a to-dos os portadores de HIV no país implicaria custosestimados entre US$ 2,29 e US$ 2,90 bi-lhões/ano.

E

O CONTEÚDO DESTE TRABALHO É DA INTEIRA E EXCLUSIVA RESPONSABILIDADE DE SEU AUTOR,CUJAS OPINIÕES AQUI EMITIDAS NÃO EXPRIMEM, NECESSARIAMENTE, O PONTO DE VISTA DO

MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO.

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O IMPACTO ECONÔMICO DA AIDS/HIV NO BRASIL 7

1 INTRODUÇÃO

Até o ano de 1982, tinham sido diagnosticadosnove casos de AIDS no Brasil, concentrados nas ci-dades de São Paulo e Rio de Janeiro. Passadosquinze anos, após todos os esforços do Ministérioda Saúde para o desenvolvimento de ações educa-tivas e para a montagem de um sistema de vigi-lância epidemiológica, o número de casos chegoua mais de 103 mil [AIDS (1997)], distribuídos portodo o território nacional.

O tratamento dos pacientes com AIDS evoluiu si-gnificativamente nesse período. Hoje, a medicinadispõe de, pelo menos, oito anti-retrovirais que,combinados de formas diversas, proporcionammaior sobrevida, bem como melhoria da qualida-de de vida aos portadores da síndrome [Wilson eHirsch (1995)].

O crescimento da epidemia e a elevação dos cus-tos do tratamento dos pacientes com AIDS, princi-palmente no que se refere à aquisição de medica-mentos e à sobrevida que trouxeram aos pacien-tes, provocaram significativa elevação dos custostotais para o sistema de saúde público brasileiro.Estima-se, para o ano de 1997, um gasto aproxi-mado de um bilhão de dólares para a prestaçãodos cuidados integrais aos pacientes portadoresde AIDS. Note-se que se incluem nessa análise ape-nas os pacientes sintomáticos de AIDS, estimados,para o ano de 1997, em 60 mil. Caso fossem com-putados os custos com pacientes soropositivosque não desenvolveram sintomas da doença, essecusto se elevaria para algo entre US$ 2,29 e US$2,90 bilhões, para um número entre 344 e 497mil infectados pelo HIV no Brasil, em 1997.

Alguns estudos de estimação sobre o crescimen-to da epidemia de AIDS apontam para uma evoluçãodo número de soropositivos em populações hete-

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8 O IMPACTO ECONÔMICO DA AIDS/HIV NO BRASIL

rossexuais e marginalizadas [Mann (1996)]. Issoposto, parece meramente incidental a infecçãonos grupos inicialmente chamados de risco, que seconverteu em uma epidemia entre pessoas tradi-cionalmente marginalizadas socioeconomica-mente e e sem distinção de preferências sexuais[Izazola-Licea (1996)]. As informações epidemio-lógicas dos últimos dois anos indicam que essatendência de heterossexualização da epidemiaencontra-se em processo de plena expansão noBrasil.

A tendência de crescimento da epidemia, a am-pliação irrestrita dos grupos infectados, os fre-qüentes descobrimentos científicos e a elevaçãodos custos do tratamento indicam que a AIDS setorna, cada vez mais, uma endemia, com a qual ossistemas de saúde terão que conviver daqui emdiante, pelo menos em um horizonte de curto pra-zo, pois a descoberta de uma vacina parece bastan-te remota.

É mister que os tomadores de decisão, não só daárea da saúde como também da econômica, to-mem conhecimento dessas questões com o objeti-vo de dar continuidade a, ou até reforçar, uma in-tensa e eficaz estratégia de prevenção e de contro-le da infecção, assim como uma estratégia de cui-dados integrados de saúde ao paciente com AIDS.

2 EPIDEMIOLOGIA DA AIDS NO BRASIL

A informação epidemiológica é fundamentalpara os tomadores de decisão. O direcionamentodas campanhas de prevenção e a real eficácia dasintervenções governamentais, para modificarcomportamentos de risco e interferir no curso daepidemia, estão diretamente relacionados à qua-lidade das informações epidemiológicas.

Atualmente, reconhece-se que fatores biológi-cos, sociais e de comportamento sexual são de-terminantes para traçarmos o curso da epidemia.

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O IMPACTO ECONÔMICO DA AIDS/HIV NO BRASIL 9

Cada vez mais a AIDS tem-se revelado um impor-tante fator de mortalidade e morbidade, sobrecar-regando, ainda mais, o combalido Sistema Únicode Saúde (SUS) no Brasil. As estatísticas vitais deSão Paulo1 mostram que, em 1994, o número deóbitos provocados pela AIDS equivalia à soma detodas as ocorrências de doenças infecciosas e pa-rasitárias [Camargo (1996)], sendo a populaçãode jovens adultos o grupo mais atingido. Ainda emSão Paulo, a partir de 1991, no grupo masculinode faixa etária de 15 a 39 anos, a taxa de mortali-dade por AIDS passou a superar todas as taxas cal-culadas separadamente por tipo de causa de mor-te, excluindo-se aquelas relacionadas a causas ex-ternas (homicídios e acidentes de veículos a mo-tor) [Como Vai? População Brasileira ( 1996)].

Para mensurar o número de casos de AIDS (paci-entes sintomáticos) no Brasil, utilizaram-se osdados do Boletim Epidemiológico do Ministérioda Saúde, Semana Epidemiológica — 46/96 a09/97. O último boletim fornece informações pre-liminares até a nona semana de 1997. Os casos re-latados nas nove primeiras semanas de 1997 fo-ram computados nesse trabalho como se fossemcasos de 1996.

O gráfico 1 apresenta a evolução do número decasos de AIDS no Brasil nos últimos dez anos. Op-tou-se por uma forma de apresentação que mostrao número de casos notificados por ano e por sexo.Note-se que os dados primários se referem a casosnotificados, fato que, com certeza, subestima oreal tamanho da epidemia, por pelo menos três fa-tores: o elevado tempo de latência da doença, quepode demorar de 5 a 20 anos [Bacchetti e Moss(1996)]; a subnotificação, por erro, ou mesmo in-tencional, por questões ligadas a discriminação; epor problemas relacionados a coleta e registro de

1 O estado de São Paulo, até fevereiro de 1997, concentra-

va mais de 50% dos casos de AIDS no país (53 572 casosnotificados).

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10 O IMPACTO ECONÔMICO DA AIDS/HIV NO BRASIL

dados, principalmente aqueles oriundos do atrasode notificação.

GRÁFICO 1Evolução da AIDS por Sexo — Casos/Ano

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MAS

FEM

Fonte: Ministério da Saúde.

Com o objetivo de minimizar os problemasapresentados, utilizou-se o modelo de correção deatraso de notificação por região brasileira deBarbosa e Struchinner (1996). Optou-se pela cor-reção do atraso de notificação a partir do ano de1993, por se considerar não significantes os er-ros aquém desse ano. Os índices de correção anu-alizados, aplicados na amostra, foram: para 1993,0,019; para 1994, 0,035; para 1995, 0,08; e para1996, 0,50. Feitas essas correções, trabalha-secom o número de casos corrigidos de AIDS no Bra-sil.

Observa-se, no gráfico 1, que parece existir umatendência de estabilização do número de casos deAIDS no sexo masculino. É bom lembrar que o nú-mero de casos registrados no gráfico refere-se aoscasos de pacientes com AIDS, ou seja, que já desen-volveram os sintomas da doença. Entre os ho-mens maiores de 12 anos, atualmente a formamais comum de transmissão é a sexual, com cer-ca de 56,9% dos casos, sendo 23,4% por via ho-mossexual, 12,4% entre bissexuais, e 21,1% porvia heterossexual. Aqui, observamos uma nítida

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O IMPACTO ECONÔMICO DA AIDS/HIV NO BRASIL 11

reversão das formas de infecção. Há dez anos acategoria de exposição homossexual respondiapor aproximadamente 60% dos casos, e a heteros-sexual, por menos de 1%. Essa mudança de padrãopode ser observada no gráfico 2. A categoria deexposição sangüínea responde por 24,6% dos ca-sos, sendo 21,5% de usuários de drogas injetáveis(UDI), 0,8%, de hemofílicos, e 2,3%, de transfusãosanguínea. Aproximadamente 19% dos casosapresentam fonte de infecção ignorada.

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GRÁFICO 2Evolução da AIDS por Exposição Sexual — Ca-

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HOMO

BISSEX

HETER

Fonte: Ministério da Saúde.

Verificando-se o comportamento do grupo fe-minino, observamos uma nítida tendência decrescimento no número de casos. Quando se re-gistraram os primeiros casos de AIDS, a epidemiaparecia ser tipicamente masculina. No final dosanos 80, a proporção de casos homem/mulher erade 8/1. Atualmente, esse número é de 3/1, o querevela elevação de casos entre heterossexuais.Aproximadamente 57,5% dos casos de AIDS emmulheres maiores de 12 anos são por via heteros-sexual; cerca de 19,3%, por exposição sangüínea,sendo 13,3% por uso de drogas injetáveis comcompartilhamento de seringas e/ou agulhas con-taminadas, e 6%, por transfusão sangüínea; e, em23,2% dos casos, a forma de transmissão é igno-rada. No grupo feminino observamos tambémuma nítida reversão das formas de transmissão.Em 1986, apenas 22,4% dos casos eram registra-dos na categoria de exposição heterossexual.Prevalecia, àquela época, a via de transmissãosangüínea, com 57% dos casos.

A tipificação do modo de transmissão é funda-mental para a orientação das campanhas preven-tivas, principalmente em países como o Brasil,onde se percebe importante diferenciação regio-

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O IMPACTO ECONÔMICO DA AIDS/HIV NO BRASIL 13

nal nas categorias de exposição. O conhecimentoda fonte mais importante de disseminação do ví-rus em certa localidade elevará a efetividade dascampanhas educativas e preventivas. A diferen-ciação entre os infectados por contacto homosse-xual/bissexual e entre os usuários de drogas in-travenosas mostra-se relevante não apenas no as-pecto preventivo, já que os homossexu-ais/bissexuais parecem ser mais suscetíveis àscampanhas educativas que os usuários de drogasintravenosas, mas também pelos custos. Algunsestudos apontam que portadores de AIDS homos-sexuais e bissexuais têm um índice de internaçãoe de permanência hospitalar mais reduzido que osusuários de drogas injetáveis [Office of Technolo-gy Assessment (1987)], por possuírem, em média,nível socioeconômico mais elevado. Entretando,pacientes homossexuais parecem possuir maiorprevalência de sarcoma de Kaposi e outras infec-ções oportunistas, fato que elevaria o número dedias de internação [Hardy et alii (1986); Drummonde Davies (1988)].

Infelizmente, o conhecimento pleno das carac-terísticas e formas de transmissão parece bastan-te limitado no Brasil, assim como em toda a Amé-rica Latina. Uma das mais intrigantes caracterís-ticas das estatísticas epidemiológicas regionais éo grande percentual de casos classificados comoignorados. Essa categoria deve ter, pelo menos, duasexplicações: a pouca qualidade da notificação doscasos, e a discriminação e o estigma social produ-zidos pela informação correta do tipo de contágio.A proporção de casos na categoria de transmissãodesconhecida varia por país — de 13%, para Ar-gentina, Chile, Paraguai, Uruguai, até 50% parapaíses como Bolívia, Colômbia, Equador, Peru eVenezuela [Avila-Figueroa et alii (1996)]. No Brasil,o índice de casos notificados como ignoradosatinge aproximadamente 20%.

A atual classificação brasileira, segundo a cate-goria de exposição, contempla quatro divisões: sexu-

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14 O IMPACTO ECONÔMICO DA AIDS/HIV NO BRASIL

al, que se subdivide em homossexual, bissexual eheterossexual; sangüínea, subdividida em usuários dedrogas injetáveis, hemofílicos e transfusão; perinatal;

e ignorada. No grupo ignorado, incluem-se casos e/oucategorias não investigadas, ou transmissão in-vestigada sem, entretanto, ser caracterizada, ou,ainda, outra categoria não definida entre as qua-tro citadas. Os gráficos 2, 3 e 4 ilustram a distri-buição dos casos de AIDS no Brasil, segundo a cate-goria de exposição.

GRÁFICO 3Evolução da AIDS por Exposição Sangüínea — Ca-

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UDI

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TRANSF

Fonte: Ministério da Saúde.

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O IMPACTO ECONÔMICO DA AIDS/HIV NO BRASIL 15

GRÁFICO 4Evolução da AIDS por Tipo de Exposição — Ca-

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SEXUALSANGUINEAPERINATAL

IGNORADA

Fonte: Ministério da Saúde.

No gráfico 2 — número de casos de AIDS por ex-posição sexual —, observa-se que, até o ano de1991, a via de transmissão homossexual era amais freqüente. A partir do ano de 1992, verifica-se uma forte reversão dessa tendência, e passa aocorrer uma explosão dos casos da subcategoriaheterossexual, provocada pelo crescente númerode mulheres infectadas. Observa-se, também, es-tabilização do número de casos por exposiçãohomossexual. Considerando-se apenas o grupomasculino, no ano de 1996, verifica-se que, na ca-tegoria de exposição sexual, a forma de transmis-são mais comum continua sendo o contacto ho-mossexual(2 685 casos corrigidos), porém, seguido de pertopelo heterossexual (2 539 casos corrigidos).

O número de casos via exposição bissexualapresentou comportamento crescente até o ano de1992. Dessa data em diante, parece ter havido es-tabilização do número de casos. Essa estabiliza-ção entre os grupos homo e bissexual pode revelarque as campanhas de prevenção, no princípio vol-tadas para os chamados grupos de risco, surtiram efeitopositivo nesses grupos. Parece que o grande desa-fio agora é sensibilizar os heterossexuais sobre orisco da infecção. Essa questão passa por proble-

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16 O IMPACTO ECONÔMICO DA AIDS/HIV NO BRASIL

mas culturais, como, por exemplo, convencer asmulheres casadas da importância do uso do pre-servativo.

No gráfico 3 — evolução do número de casos porexposição sangüínea —, verifica-se o grande cres-cimento do número de casos entre usuários dedrogas injetáveis. Há dez anos, essa via de trans-missão representava cerca de 4% dos casos de AIDS

no país; atualmente, é responsável por cerca de20% dos novos casos. Se existe hoje a possibilida-de de se falar em grupo vulnerável, este seria, comcerteza, o de usuários de drogas injetáveis. Os UDI

mostram-se muito pouco sensíveis às campanhasde prevenção vinculadas na mídia em geral, o quetem sido fator complicador da prevenção da epi-demia nesse grupo de pessoas.

Outra grande questão a interferir no controle daepidemia nesse grupo é a polêmica gerada no paísa respeito da questão moral sobre a distribuição gratuitade seringas descartáveis. Alguns grupos, maismoralistas, condenam a distribuição gratuita porentender que isso poderia incentivar o uso de dro-gas. Não é intenção deste trabalho discutir ques-tões éticas ou morais. O fato é que medidas como adistribuição gratuita de seringas, como se tem ob-servado em outros países, poderiam ser altamen-te benéficas no que diz respeito ao controle e pre-venção da epidemia de AIDS, principalmente noslocais em que a contaminação por uso de drogasinjetáveis se mostra preponderante.

A infecção em hemofílicos parece controlada nopaís. O número de casos cresceu até 1992 e, dessadata em diante, apresenta tendência de reduçãoano a ano. A transfusão sangüínea apresentou umcomportamento semelhante: cresce até 1992 e, apartir dessa data, apresenta crescimento perto dezero. Em 1986, a transfusão sanguínea represen-tava cerca de 6% dos casos de AIDS no país (63 ca-sos em um total de 1 113). Em 1996, esse índicecaiu para 2,7% (440 ocorrências em 16 555 casoscorrigidos). Embora não se possa afirmar que

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O IMPACTO ECONÔMICO DA AIDS/HIV NO BRASIL 17

exista um controle pleno de todo o sangue utiliza-do no país, pois alguns laboratórios continuam arealizar exames em pool, ou mesmo a não realizá-los, pode-se concluir que houve melhoria no sis-tema de controle e de qualidade do sangue, basea-do na redução proporcional do número de casosde AIDS nessa subcategoria.

No gráfico 4, observa-se a predominância de ca-sos via transmissão sexual. O crescimento expo-nencial desse tipo de infecção, nos anos de 1991 a1994, coincide com a elevação da taxa de cresci-mento entre os heterossexuais. Os últimos trêsanos apontam para uma tendência de estabiliza-ção do número de casos.

O período de maior crescimento dos casos detransmissão sangüínea — 1990 a 1993 — tambémcoincide com as elevadas taxas de crescimento datransmissão entre UDI. O comportamento dos úl-timos dois anos aponta para uma estabilização donúmero de casos.

O crescimento do número de casos de AIDS pelavia perinatal correlaciona-se com o número demulheres infectadas, e acentua-se a partir do anode 1989 em quase todo o período analisado.

O número de casos ignorados, que, em 1986, erade cerca de 11% do total das ocorrências, atingeatualmente cerca de 20% dos casos. É curioso ofato de que o percentual de casos de contágio igno-rado entre as mulheres é de 23%, contra 19% entrehomens. Uma explicação para esse fato pode serque homens casados estão se tornando o principalagente de infecção para suas parceiras, o que nemsempre é admitido pelo casal. Se isto realmenteocorrer, esse tipo de via de transmissão estariacontribuindo para elevar a estatística dos casosignorados.

Uma outra característica epidemiológica quemerece atenção especial é a faixa etária de maiorincidência da infecção pelo HIV. Essa informação éparticularmente interessante quando se pretende

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18 O IMPACTO ECONÔMICO DA AIDS/HIV NO BRASIL

realizar avaliações sobre as perdas econômicasproduzidas pelo óbito prematuro de pessoas emplena vida produtiva. O gráfico 5 apresenta o nú-mero de casos de AIDS acumulados, por sexo e fai-xa etária.

GRÁFICO 5Casos de AIDS por Sexo e Faixa Etária — Casos

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e m

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Homens

Mulheres

Fonte: Ministério da Saúde.

Nas primeiras faixas etárias, nas quais atransmissão se dá via perinatal, observamos queo número de casos entre homens e mulheres sedistribui de forma igual. O número de casos noshomens é mais concentrado na faixa etária de 24a 39 anos. As mulheres também apresentam umaconfiguração de casos mais concentrada na mes-ma faixa etária, porém, sua distribuição pelas ou-tras faixas etárias é bem mais proporcional que ados homens.

Caso a evolução da epidemia de AIDS siga a mes-ma direção dos últimos dois anos, podemos dizer,com certeza, que há uma tendência à estabilizaçãoda doença no Brasil. Esse fato, apesar de auspici-oso, não deve ser comemorado, pois essa estabili-zação significa algo entre 16 ou 17 mil novos ca-sos de AIDS por ano no país. Isso sem contar o nú-mero de pessoas infectadas pelo HIV e ainda nãoconsideradas pacientes com AIDS.

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A evolução do contágio entre os heterossexuaise os usuários de drogas injetáveis é que nos dirásobre o futuro da epidemia de AIDS no Brasil. Acontinuidade e o aperfeiçoamento dos programasde prevenção e controle da AIDS, principalmenteaqueles desenvolvidos pelo Programa Nacionalde Doenças Sexualmente Transmissíveis/AIDS, doMinistério da Saúde, são fundamentais para oacompanhamento epidemiológico e o direciona-mento das ações preventivas e curativas voltadasaos pacientes portadores do HIV.

3 O IMPACTO ECONÔMICO DA AIDS PARAO SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE NO BRASIL

Para mensurar o impacto econômico da epide-mia, é fundamental saber o número de pessoasdoentes. Os dados epidemiológicos apresentadosna primeira parte deste trabalho referem-se aonúmero total de casos de pacientes com AIDS. Comoo objetivo central é produzir uma previsão de gas-tos, não se pode considerar apenas esses núme-ros, pois estão superestimados por não conside-rar os óbitos no período, e subestimados por nãoconsiderar o número de infectados pelo HIV queainda não são considerados pacientes sintomáti-cos.

A enumeração dos pacientes não-sintomáticos,ou seja, portadores de HIV, passa a ser importantenão apenas sob o aspecto epidemiológico, mastambém sob o aspecto de custos para o sistemapúblico de saúde brasileiro, já que, com a promul-gação da Lei Federal no 9 313, de 13 de novembrode 1996, ficou assegurado a todos os portadoresde HIV e doentes com AIDS o acesso a medicamentosnecessários para o tratamento.

Para estimar, de forma preliminar, o númerode pessoas infectadas pelo HIV, iremos utilizar aseguinte metodologia [Castilho (1996)]. Dividi-mos o país em três regiões, de acordo com o nívelde incidência de casos de AIDS.

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· A região I, de alto nível de endemicidade (RJ, SP

e DF).

· A região II, com nível médio de endemicidade(RR, AP, PE, BA, MG, ES, PR, SC, RS, MS, MT e GO).

· A terceira região, de nível de endemicidadebaixo, inclui os demais estados do país (RO, AC,AM, TO, MA, PI, CE, PB, AL e SE).

Os resultados da estimação (ver tabela 1) apon-tam para um número entre um mínimo de 337,92mil e um máximo de 488,37 mil infectados peloHIV no Brasil em 1996, na faixa etária de 15 a 49anos.

TABELA 1Estimativa de Infectados pelo HIV nas Faixas Etá-

rias de 15 a 49 AnosBrasil — 1996

Região População(em mil

hab.)Prevalência Es-

timada (%)

No Estimado deInfectados (em

mil hab).Baixa Alta Min. Máx.

Alto risco(mas.)

13212,54

1,0 1,2 132,12

158,55

Alto risco(fem.)

13723,44

0,8 1,0 109,78

137,23

Médio risco(mas.)

19084,93

0,3 0,5 57,25 95,42

Médio risco(fem.)

19604,07

0,1 0,3 19,60 58,81

Baixo risco(mas.)

7603,24

0,2 0,4 15,20 30,41

Baixo risco(fem.)

7954,91

0,05 0,1 3,97 7,95

Total 81183,0

- - 337,92

488,37

Fonte: Castilho ( 1996), Ministério da Saúde, DST/AIDS.

Tendo em vista esses resultados, pode-se traba-lhar, para efeito de custos, com três possibilida-des: o número de pacientes sintomáticos, o núme-ro mínimo de infectados, ou o número máximo deinfectados. Para a primeira possibilidade, consi-dera-se uma morbidade de 60% para os pacientescom AIDS. Para o número corrigido de casos, essecálculo nos fornece cerca de 43,5 mil pacientesaté o ano de 1996. Se considerarmos a hipótese daestabilização da epidemia e supusermos, para1997, o mesmo número de casos de 1996, teremosalgo em torno de 16,5 novos casos, o que totaliza-

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O IMPACTO ECONÔMICO DA AIDS/HIV NO BRASIL 21

ria, aproximadamente, 60 mil pacientes portado-res de AIDS no ano de 1997.

Na segunda e terceira possibilidades levanta-das, trabalha-se com o número mínimo de 337,92mil e o máximo de 488,37 mil infectados pelo HIV,para o ano de 1996. Assumindo-se a estabilizaçãodo crescimento da epidemia e supondo-se que estacrescerá à mesma taxa do crescimento populaci-onal, que é de 1,87 %, para 1997 (índice estimadode crescimento no período 1991/1997 para a fai-xa etária de 30 a 34 anos) [IBGE (1991) e últimasPNADS], tem-se, na projeção mais otimista, o núme-ro de 344,23 mil infectados e, na projeção pessi-mista, o número de 497,50 mil casos para o anode 1997.

Quanto aos custos diretos do tratamento dos pa-cientes com AIDS e dos pacientes infectados comHIV, infelizmente não existem no sistema públicode saúde brasileiro estimativas recentes e confiá-veis. O melhor, e talvez único, estudo [Médice eBeltrão (1992)] estimou os custos totais de cuida-dos médicos dos pacientes com AIDS em 16 689 dó-lares por ano. Desse total, cerca de 38,2% eramgastos com medicamentos (US$ 6 373,00) e61,8% (US$ 10 316,00) compunham os outrosgastos, como custos de pagamento de pessoal (mé-dico, enfermeiro, pessoal de apoio), de interna-ções, de exames de diagnóstico e outros.

Os resultados obtidos no estudo em referênciaestão próximos dos custos estimados, em 1996,para o Sistema Público de Saúde da Inglaterra[Petrou et alii (1996)]; para o paciente com AIDS atin-giu o valor aproximado de US$ 17 731 por ano.Como o levantamento brasileiro foi realizado hácinco anos e o inglês, no ano passado, a primeiraquestão a ser levantada é se o aumento dos gastoscom remédios, ocorrido nos últimos anos, não re-duziu o gasto com internações. Alguns estudosapontam para a manutenção do custo de sobrevi-da dos pacientes para valores aproximados de 119mil dólares [Hellinger (1993)]. A hipótese que

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vamos admitir é que o valor médio do tratamentonão tem-se alterado significativamente nos últi-mos anos, com exceção dos custos de medicamen-tos [Green e Arno (1990); Hellinger (1990)].

Para se estimarem os custos totais com a epi-demia de AIDS para o Sistema Único de Saúde noBrasil, admitiu-se o valor de 10 316 dólares/anocomo o ótimo custo de atenção médica integral aospacientes, com exceção dos custos de medicamen-tos.

A aquisição dos medicamentos necessários àatenção integral aos pacientes com AIDS — sendo osprincipais a Zidovudina, a Didanosina, a Lami-vudina, a Estavudina, o Indinavir, o Ritonavir, oSaquinavir e o Glanciclonavir — vinha sendo rea-lizada pela Central de Medicamentos (CEME), órgãodo governo federal responsável pela aquisição demedicamentos, a um custo médio, para os pacien-tes, estimado em cerca de 5 740 dólares por ano.Apenas para exemplificar, o Ministério da Saúde,por intermédio do Programa Nacional de DST/AIDS,estima, para 1997, a aquisição mínima de remé-dios no valor total de um bilhão de dólares. Até apresente data já foram autorizadas as aquisiçõesde US$ 85,5 milhões em Zidovudina, US$ 70,6milhões em Didanosina, US$ 76,7 milhões emLamivudina, e US$ 125,3 milhões em inibidoresde protéase (Indinavir, Ritonavir, Saquinavir).

Considerando-se as hipóteses apresentadas, ocusto total dos pacientes com AIDS no ano de 1997(60 mil pacientes) seria de US$ 618, 96 milhões,relativos à atenção médico-hospitalar, e US$344,40 milhões, para aquisição dos medicamen-tos, em um custo total de US$ 963,36 milhões, ouseja, um custo médio de US$ 16 056 por pacien-te/ano.

Para cumprir com rigor a lei que manda forne-cer atenção médica, assim como toda medicação, atodos os portadores do HIV, estima-se que o custototal para o SUS, na hipótese mais otimista, atingi-ria a cifra de US$ 2,29 bilhões. A estimação dos

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O IMPACTO ECONÔMICO DA AIDS/HIV NO BRASIL 23

custos para o grupo de pacientes assintomáticosnão é trivial. Esse grupo divide-se, dependendo doestágio da doença, em dois subgrupos distintos: aspessoas com HIV assintomáticas propriamente di-tas, e as pessoas com sintomas da doença, porémainda não classificadas como pacientes com AIDS.Para se mensurar o custo total para o SUS, temosque saber quantos pacientes se enquadram emcada subgrupo, pois os custos entre eles são bas-tante diferenciados. Utilizaram-se, como referên-cia para essa estimação, os dados para a Inglater-ra [Petrou et alii (1996)], em 1996. Pessoas com HIV

assintomáticas representavam 62% do total deHIV/AIDS (entre 1992 e 1997). Pessoas com sinto-mas, porém não-AIDS, e representavam aproxima-damente 20% do total de HIV/AIDS, sendo o restanteconsiderados como pacientes com AIDS.

Caso esse padrão se reproduza no Brasil, tende-ríamos a aceitar a projeção mínima do número decasos de infectados para 1997 (cerca de 344,23mil). Ou seja, para 60 mil pacientes com AIDS (cer-ca de 17,4%), teríamos 215,40 mil pacientes as-sintomáticos (cerca de 62,6%) e 68,83 mil pacien-tes sintomáticos não-AIDS.

No que se refere aos custos dos pacientes assin-tomáticos e sintomáticos não-AIDS, infelizmente,não dispomos de informações no sistema públicode saúde brasileiro. Utilizaremos uma proxy dospercentuais de custo do sistema de saúde inglês[Petrou et alii (1996)], no qual o paciente assintomá-tico custa 21% do paciente AIDS, e o paciente sinto-mático não-AIDS custa 55% do paciente AIDS. Su-pondo-se esse mesmo padrão de custos no Brasil econsiderando-se o customédio unitário do paciente AIDS em cerca de US$16 056 por ano, tem-se um custo de US$ 3370/ano para o paciente assintomático, e de US$8 830/ano para o paciente sintomático não-AIDS.Considerando-se a projeção mínima de infecta-dos, teríamos um custo para pacientes assintomá-ticos de cerca de US$ 725,89 milhões, e para os

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24 O IMPACTO ECONÔMICO DA AIDS/HIV NO BRASIL

pacientes sintomáticos não-AIDS, de aproximada-mente US$ 607,76 milhões, num total de US$ 1333,65 milhões por ano. Adicionando-se a essemontante o custo dos pacientes com AIDS (US$963,36 milhões), o custo total para o sistema desaúde brasileiro será de aproximadamente US$2,29 bilhões de dólares no ano de 1997.

Esse valor fica ainda maior admitindo-se a hi-pótese da ocorrência do número menos otimistade infectados, 497,50 mil. Na ocorrência dessahipótese, os gastos do tratamento ótimo aos paci-entes assintomáticos e sintomáticos não-AIDS

atingirão a cifra de US$ 1,95 bilhão, que, somadosaos custos dos pacientes com AIDS, atingem umcusto total de US$ 2,90 bilhões no ano de 1997.

Para se ter uma idéia do que esses números signi-ficam na realidade do sistema de saúde públicobrasileiro, basta compará-los com o procedimentode internação hospitalar mais freqüente realizadopelo SUS, que são as internações para parto. Soma-dos todos os procedimentos de parto realizados noBrasil em 1995 (parto normal, parto normal comatendimento em sala de parto, parto cesariana, par-to cesariana com atendimento em sala de parto eoutros), chegamos a mais de 2,8 milhões de proce-dimentos. O gasto total do SUS para atender a esseimenso número de pacientes foi de, aproximada-mente, 430 milhões de dólares [DATASUS (1996)]. Ouseja, o gasto com o atendimento de todas as parturi-entes durante um ano, em todo o país, é menos dametade do gasto que se realizará apenas com aaquisição de remédios para os pacientes portadoresdo HIV e AIDS durante o ano de 1997.

Essa simples comparação de custos é bastantereveladora da importância do controle da epidemiade AIDS no Brasil, tanto com relação às variáveisepidemiológicas, que estão diretamente relaciona-das à saúde das pessoas, quanto com relação aosgastos de tratamento envolvidos nos cuidados aospacientes portadores de HIV.

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4 CONCLUSÃO

Este estudo tem, pelo menos, três limitações. Aprimeira é que as análises de custo da atençãomédica no Brasil não são muito confiáveis, poisforam realizadas em 1992 e referem-se a custosapurados em apenas três hospitais da rede do SUS.Em segundo lugar, a suposição de que a distribui-ção de casos, entre pacientes assintomáticos, pa-cientes sintomáticos não-AIDS e pacientes AIDS, as-sim como de que o percentual de custos no Brasilsegue o mesmo padrão da Inglaterra carece deuma base empírica, sendo admissível apenascomo referência. Por fim, o trabalho limita-se auma análise de custos diretos para o sistema desaúde no Brasil, não mensurando questões im-portantes como a perda da produtividade dos pa-cientes com AIDS e todos os demais custos indire-tos que seriam necessários mensurar para umacompleta análise do impacto econômico da AIDS noBrasil.

Considerando-se essas restrições, pode-se con-cluir que o ritmo de crescimento da epidemia deAIDS no Brasil, a partir do ano de 1997, será de-terminado pelo comportamento dos indivíduosem duas modalidades de exposição: a transmis-são entre os heterossexuais, principalmente entreas mulheres, e a disseminação do HIV entre os usu-ários de drogas injetáveis.

É fundamental que as campanhas de prevençãovoltem seus esforços para a sensibilização dessesgrupos, modificando a idéia generalizada de que aepidemia de HIV é restrita a grupos específicos derisco.

Estima-se, para o ano de 1997, a existência de60 mil pacientes com AIDS e um número entre 344mil e 497 mil pacientes portadores de HIV no Bra-sil. Esses números, quando transformados emcustos para o SUS, revelam-se assustadores na rea-lidade da falta de recursos do sistema público desaúde brasileiro. Apenas o tratamento dos pacien-

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26 O IMPACTO ECONÔMICO DA AIDS/HIV NO BRASIL

tes com AIDS atingiria um custo de US$ 963,36 mi-lhões no ano de 1997. A extensão desse tratamen-to, prevista por lei, a todos os portadores de HIV nopaís implicaria custos estimados entre US$ 2,29a US$ 2,90 bilhões/ano.

Isso posto, é fundamental que os esforços detoda a sociedade, não apenas dos gestores de saú-de pública do país, sejam direcionados, não parase gastar menos com a epidemia de AIDS, mas, sim,para reduzir o número de casos e, dessa forma,influenciar definitivamente para minimizar oscustos sociais que a AIDS representa para o Siste-ma Único de Saúde e para a sociedade.

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