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O IDEÁRIO DA INCLUSÃO (SOCIAL E EDUCACIONAL) NA POLÍTICA PARA A

EDUCAÇÃO ESPECIAL BRASILEIRA PÓS 1990

Ana Paula Hamerski Romero1

Amélia Kimiko Noma2

Universidade Estadual de Maringá –UEM

INTRODUÇÃO

O objetivo deste estudo é a análise da configuração da política brasileira para a

Educação Especial a partir de compromissos balizados internacionalmente em

conferências mundiais sobre Educação. Busca-se evidenciar em torno de que

principais idéias e justificativas a proposta da inclusão social e educacional brasileira

está amparada. Para esse fim, analisa-se o conteúdo de documentos acordados na

Conferência Mundial de Educação para Todos (1990) e na Conferência Mundial sobre

Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade (Salamanca, 1994).

Dar conta da análise da política para a Educação Especial demanda a inserção no

debate sobre os processos de construção e execução de políticas públicas

educacionais pós 1990. Isso por sua vez, em termos metodológicos, implica no

entendimento de que os fundamentos que dão sustentação à política educacional

adotada pelo governo brasileiro, obviamente, não são gerados exclusivamente em

âmbito nacional. Em decorrência, ao admitir vinculações de abrangência mundial,

torna-se obrigatório considerar a influência direta ou indireta das agências

internacionais nas reformas estruturais de cunho neoliberal implementadas pelos

1 Professora de Educação Especial da Rede Estadual e Municipal-PR e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Estadual de Maringá. Endereço: Rua Osvaldo Cruz, 2992,apto 33, bloco 01. Cascavel. PR. CEP: 85810150. Fone: (45) 3223-0751. Email:<[email protected]>2 Professora do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-Graduação emEducação, da Universidade Estadual de Maringá.

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governos, bem como no direcionamento das políticas públicas, dentre elas a

educação.

Essas considerações permitem argumentar que os programas de ajustes estruturais,

dentre eles o da educação, mantêm vinculações com a conjuntura mais geral de

reestruturação capitalista e de ajustes macroeconômicos implementados sob

orientações de instituições financeiras internacionais. Nesse sentido, o Banco Mundial

e demais instituições associadas aparecem como os principais articuladores de

consensos sobre prioridades e estratégias de reformas educacionais, as quais têm

como alvo principal os países considerados “em desenvolvimento”. É atribuído papel

central à educação básica como fator de desenvolvimento social e de garantia de

estabilidade do sistema capitalista mundial.

No entanto, há de se enfatizar que esse poder é assumido paralelamente à atuação

dos governos e de outros atores e autores nacionais, não significando, dessa forma, a

supremacia dessas agências sobre todas as decisões efetivadas. Destarte,

necessário se faz a consideração de que

“[...] embora seja reconhecida a importância das mencionadasagências na formulação das políticas sociais dos países emdesenvolvimento, sobretudo os devedores do FMI [Fundo MonetárioInternacional], não é possível considerar que suas agendas seresumem em mera execução das orientações oriundas daquelesorganismos” (OLIVEIRA, 2000, p.108).

Os documentos analisados neste trabalho, ao expressarem as orientações e

recomendações aprovadas pelos representantes dos Estados-membros e demais

participantes nas ditas conferências, configuram-se numa peculiar relação interestatal

de poder, caracterizada pela capacidade do conjunto de atores estatais de aprovar

recomendações, propostas e sugestões que podem influenciar a tomada de decisão

dos governos para definição de linhas e a implantação de políticas educativas pelos

países membros.

O IDEÁRIO DA INCLUSÃO

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Da análise das fontes selecionadas apreende-se que os encaminhamentos propostos

para a promoção da reforma educacional brasileira estão balizados,

fundamentalmente, pelas exigências impostas ao processo de ajuste estrutural do

país. Nesse sentido, as agências internacionais, representadas mais especificamente

pelo Banco Mundial (BM), pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), pela Comissão

Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) e pela Organização das Nações

Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), prescrevem as mudanças

na esteira de uma concepção desenvolvimentista, em que os pressupostos da

inclusão social passam a ser amplamente difundidos nos países periféricos.

A promoção da “igualdade de oportunidades” é o grande eixo sustentado por essas

iniciativas, justificando-se as mudanças nos modelos educacionais propostos para as

pessoas com deficiência. Defende-se que todas as pessoas, sem distinção, tenham

asseguradas, na escola de ensino regular, as devidas condições para o seu

desenvolvimento, independentemente do tipo da demanda requerida. Assim, a

eqüidade3 torna-se a principal referência na construção de uma sociedade em que

todos os indivíduos, sem distinção, possam participar na sociedade e ter assegurados

seus direitos sociais.

O ideário da inclusão social e educacional, defendido em âmbito nacional e

internacional, torna-se um dos pontos principais de consolidação dos preceitos de

uma sociedade justa, igualitária e aberta à diversidade. Em conformidade com essa

perspectiva, as políticas públicas brasileiras para a Educação Especial formuladas e

implementadas no período pós-1990, se fundamentam em princípios integradores

firmados nas declarações e recomendações balizadas nas conferências mundiais de

educação.

Os preceitos defendidos na Conferência Mundial de Educação para Todos e na

Declaração de Salamanca orientam-se pela necessidade de mudança da perspectiva

social, no sentido de intervir nas condições de segregação nas quais têm sido

relegadas não só as pessoas com deficiência, mas também os grupos considerados

minoritários. Essa intervenção está ancorada fundamentalmente em questões de

ordem humanitária, prescrevendo-se a necessidade de formação de valores como o

altruísmo, a tolerância, a solidariedade, bem como a formação de atitudes de não

discriminação. 3 Segundo Fonseca (2003, p.8), “No quadro mais atual das relações humanas e internacionais, aeqüidade passou a adquirir o sentido de um julgamento fundamentado na apreciação do que é devido acada um (...). Por conseqüência, as desigualdades entre os homens são consideradas como efeitosnaturais da sua própria circunstância.”

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Na legislação brasileira, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, o

Plano Nacional de Educação (2001) e a Resolução CNE/CEB 2/2001 (Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica) definem a

Educação Especial em conformidade ao sistema educacional inclusivo a ser ofertada

preferencialmente na rede regular de ensino. Ressalte-se que para alguns autores, o

indicativo “preferencialmente” pode constituir-se em termo-chave para o não

cumprimento do direito à inclusão escolar, “pois quem ‘dá primazia’ já tem a exceção

arbitrada legalmente” (MINTO, 2002, p.20).

O termo inclusão tem sido mencionado em discursos progressistas e conservadores,

servindo a diferentes posicionamentos político-ideológicos, fato que gera dificuldades

para identificar suas filiações. Esse parece ser um conceito originado na

contemporaneidade por sua focalização, no debate das políticas sociais, feito a partir

de meados dos anos 1990, sendo-lhe dada uma ênfase própria na área da educação

e educação especial. A questão que se busca compreender é “porque, justamente

num momento histórico em que o mundo produz tamanha desigualdade social, esse

conceito ganha a cena no discurso de agências multilaterais e governos de diferentes

países, com orientações político-partidárias diversas e antagônicas” (GARCIA, 2004,

p. 23).

O questionamento de Garcia é de muita pertinência, sendo que uma análise mais

aprofundada da crise do capital e do processo de monopolização revela a

exacerbação das contradições imanentes ao próprio sistema capitalista. De acordo

com Mazzucchelli (1985, p.96), “a monopolização se refere [...] ao domínio do ‘capital

global da sociedade’ pelos grandes blocos privados de capital”. Congrega, nesse

processo, “a própria internacionalização dos circuitos produtivos e financeiros de

valorização”, a partir da “exportação do capital”, onde os “blocos do capital

centralizados monopolicamente tendem a exercer o comando da produção e do

trabalho numa escala mundial” (MAZZUCCHELLI, 1985, p. 99).

Chesnais (1997, p.46) utiliza-se do termo mundialização do capital para designar “um

modo de funcionamento específico do capitalismo predominantemente financeiro e

rentista, situado no quadro ou no prolongamento direto do estágio do imperialismo”.

De acordo com o autor, a chamada globalização "não tem nada a ver com um

processo de integração mundial que seria um portador de uma repartição menos

desigual das riquezas". Ao contrário, a mundialização, nascida da liberalização e da

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desregulamentação, "liberou todas as tendências à polarização e à desigualdade que

haviam sido contidas, com dificuldades, no decorrer da fase precedente" (CHESNAIS,

2001, p.12). O que significa dizer que a "homogeneização, da qual a mundialização

do capital é portadora no plano de certos objetos de consumo e de modos de

dominação ideológicos por meio das tecnologias e da mídia, permite a completa

heterogeneidade e a desigualdade das economias". O resultado é "a polarização da

riqueza em um pólo social (que é também espacial), e no outro pólo, a polarização da

pobreza e da miséria mais desumana” (CHESNAIS, 2001, p.13).

Exatamente nesse contexto de exacerbação da desigualdade, da exclusão, da

marginalização social e econômica de imensas parcelas da população mundial, ao ser

apropriado no campo das políticas, “o conceito inclusão, nas suas diferentes

expressões (social, educacional, escolar, entre outras), aparece acompanhado de

uma aura de ‘inovação’ e ‘revolução’, até mesmo como ‘novo paradigma’ social”.

Embora “suas raízes pareçam estar em uma matriz de pensamento que explica de

maneira mecânica as relações sociais, e de ter sido originado numa compreensão que

privilegia a manutenção da organização social vigente”, atualmente, o termo vem

assumindo o significado de “algo que pode superar a ordem social estabelecida”,

sendo “apresentado como solução para a exclusão social” (GARCIA, 2004, p.24).

As políticas públicas eiras para a Educação Especial, implementadas a partir

da década de 1990, anunciam uma significativa reorientação destas em

relação às até então existentes, sendo elas respaldadas por um conjunto de

tendências propaladas e assumidas pelos mais diversos segmentos da

sociedade nacional e internacional. O foco principal é a proposta de integração

e inclusão educacional das pessoas com deficiência na rede regular de ensino.

Embora a defesa pela integração ou inclusão educacional já tenha sido pauta

das políticas educacionais anteriores à década de 1990, é a partir desse

período que esse ideário assume uma dimensão maior e passa a constituir-se

em referência principal no conjunto das diretrizes educacionais estabelecidas.

Esse movimento está atrelado, em parte, à tendência mundial em curso, que

preconiza a oferta de educação básica para todos, a partir da Conferência

Mundial de Educação para Todos (UNESCO, 1990) e da Declaração de

Salamanca (UNESCO, 1994).

A INCLUSÃO EDUCACIONAL A PARTIR DE JOMTIEN E SALAMANCA

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Tem-se, a partir da Declaração Mundial de Educação para Todos, realizada em 1990,

em Jomtien (Tailândia), o marco principal do postulado das redefinições da política

educacional nacional, convergindo-se inicialmente para a estruturação e promoção

educacional básica. A promoção da “educação para todos” justifica-se num contexto

definido por sérios limites no acesso educacional, fator esse que compromete a

inserção dos países ditos periféricos aos padrões requeridos pela competitividade

internacional.

Pautando-se em metas que preconizam não só a luta pela “satisfação das

necessidades básicas de aprendizagem para todos” (UNESCO, 1990, p.4), o referido

documento contempla a destinação de tais medidas a todos os grupos considerados

minoritários, entre esses, o grupo das pessoas com deficiência. Propala-se que “As

necessidades básicas das pessoas com deficiência requerem atenção especial. É

preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso aos portadores de todo e

qualquer tipo de deficiência como parte integrante do sistema educativo” (UNESCO,

1990, p.5).

A meta de “educação para todos”, amplamente preconizada pelas agências

internacionais encontra, na reforma educacional brasileira, o principal argumento para

a viabilização do processo de inserção de todos os alunos na esfera escolar. Um dos

pontos da reforma preconiza a necessidade de a escola não só ampliar-se como

também readequar-se às diferentes demandas educativas, resultante do ingresso de

uma significativa parcela da população que, por razões diversas, estariam afastadas

do âmbito educativo. É nessa perspectiva que ganha terreno a defesa da educação

inclusiva, cujo princípio fundamental recai na condição de todas as crianças

aprenderem juntas.

No plano educacional, a propalada eqüidade deverá ser viabilizada a partir do acesso

à educação básica de qualidade, traduzida pela educação aos diferentes grupos, tal

como prescreve a Declaração Mundial de Educação para Todos: “Para que a

educação básica se torne eqüitativa, é mister oferecer a todas as crianças, jovens e

adultos, a oportunidade de alcançar e manter um padrão mínimo de qualidade da

aprendizagem.”(UNESCO, 1990, p. 4).

De tal modo, o discurso promovido acerca da necessidade do acesso à educação por

todos aqueles grupos considerados minoritários, e os possíveis efeitos que tal oferta

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definitivamente sugere viabilizar, realmente conduzem ao entendimento de que, à

educação, parece estar delegada toda a responsabilidade de resolução das

problemáticas de diversas ordens, sejam estas sociais ou econômicas. O viés

integracionista pela qual o acesso eqüitativo é proclamado na proposta de Educação

para Todos pauta-se na defesa de “um compromisso efetivo para superar as

disparidades educacionais”.

O tom humanitário é evidenciado quando enfatiza que o grupo dos excluídos4 “não

deve sofrer qualquer tipo de discriminação no acesso às oportunidades educacionais”

(UNESCO, 1990, p. 5). A questão da eqüidade está relacionada aos preceitos da

inclusão social, uma vez que sugere que a viabilização do acesso às condições

sociais e educacionais por diferentes indivíduos reverte-se em desenvolvimento. Essa

condição é analisada por Oliveira (2000, p. 126), que associa a defesa do critério da

eqüidade em relação à “uma nova percepção de que uma distribuição mais eqüitativa

de recursos públicos e privados pode melhorar as perspectivas de crescimento

futuro”.

Em razão dessa assertiva, os encaminhamentos são propostos com base no

entendimento de que “capacidades humanas bem desenvolvidas e oportunidades bem

distribuídas podem assegurar que o crescimento não seja desequilibrado e que seus

benefícios sejam partilhados eqüitativamente.” Embora a eqüidade seja apresentada

sob uma nuance que realmente sugira igualdade nas diferentes formas de

participação social, o fato é que, de acordo com Oliveira (2003), a promoção da

eqüidade, no plano educacional, demandaria altos custos, o que contradiz a retórica

de minimização dos gastos públicos. De tal forma a eqüidade fica reduzida à oferta

mínima da educação.

[...]da forma como aparece nos estudos produzidos pelosOrganismos Internacionais ligados à ONU e promotores daConferência de Jomtien, sugere a possibilidade de estender certosbenefícios obtidos por alguns grupos sociais à totalidade daspopulações, sem, contudo, ampliar na mesma proporção asdespesas públicas para este fim. Nesse sentido, educação comeqüidade implica oferecer o mínimo de instrução indispensável àspopulações para sua inserção na sociedade atual. (OLIVEIRA, 2003,p. 74)

4 Tal como consta na Declaração Mundial de Educação para Todos, o grupo dos excluídos estariarepresentado pelos “pobres; os meninos e meninas de rua ou trabalhadores; as populações dasperiferias urbanas e zonas rurais; os nômades e os trabalhadores migrantes; os povos indígenas; asminorias étnicas, raciais e lingüísticas; os refugiados; os deslocados pela guerra; e os povos submetidosa um regime de ocupação” (UNESCO, 1990, p. 4 -5).

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Na esteira das deliberações que orientam as propostas para a reforma educacional,

situam-se também os compromissos e orientações da Conferência Mundial realizada

em Salamanca, Espanha, no período de 7 a 10 de junho de 1994, na qual aprovou-se

a Declaração de Salamanca e Linhas de Ação sobre Necessidades Educativas

Especiais.

Amparada na estrita defesa do acesso educacional eqüitativo, tal Declaração promove

em suas diretrizes as “Linhas de Ação sobre necessidades educativas especiais”, que

devem viabilizar as condições necessárias para a inserção dos grupos considerados

minoritários, no sistema educacional.

Ratifica-se, portanto, a proposta da Educação para Todos, fundamentada num viés

integrador e direcionada ao reconhecimento das especificidades de diferentes grupos.

Propala-se, assim, a defesa da luta contra a exclusão, uma vez que “a integração e a

participação fazem parte essencial da dignidade humana” (UNESCO, 1997, p.23).

Dessa forma, os representantes de 92 governos e 25 organizações internacionais

reafirmam, na referida Declaração, o compromisso com a “educação para todos”,

onde reconhecem a “necessidade e a urgência de ser o ensino ministrado no sistema

comum da educação, a todas as crianças, jovens e adultos com necessidades

educativas especiais” (UNESCO, 1997, p. 9).

Na referida Declaração, a definição da expressão “necessidades educativas especiais”

é associada a “todas as crianças e jovens cujas necessidades decorrem de sua

capacidade ou de suas dificuldades de aprendizagem.” Considera-se que “muitas

crianças experimentam dificuldades de aprendizagem e tem, portanto, necessidades

educativas especiais em algum momento de sua escolarização” (UNESCO,1997, p.

18). Percebe-se o quanto os limites dessa definição tornam-se amplos, uma vez que

considera as necessidades educativas especiais no contexto das dificuldades de

aprendizagens, não se definindo, portanto, os critérios ou os determinantes para

estabelecer as causas associadas a essas dificuldades.

Portanto, as deliberações promovidas pela Declaração Mundial de Salamanca estão

fundamentadas, em grande medida, na oportunização das condições educacionais a

todos os indivíduos, inclusive ao grupo das pessoas com necessidades educativas

especiais. Propala-se, assim, uma “reforma considerável da escola comum”

(UNESCO, 1997, p. 5), uma vez que tem como critério a condição primeira de que

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[...] as escolas devem acolher todas as crianças, independentementede suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais,lingüísticas ou outra. Devem acolher crianças com deficiências ecrianças bem dotadas; crianças que vivem nas ruas e que trabalham;crianças de populações distantes ou nômades; crianças de minoriaslingüísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos ouzonas de desfavorecidos ou marginalizados. (UNESCO, 1997, p. 17-18)

Enfatiza-se, para tanto, a organização e adaptação da escola para responder a essa

diversidade. A escola integradora deve oportunizar as devidas condições para que

todas as crianças possam aprender juntas, independentemente de suas dificuldades

ou diferenças. Defende-se para isso que “as escolas integradoras devem reconhecer

as diferentes necessidades de seus alunos e a elas atender”, como também deve

“adaptar-se aos diferentes estilos e ritmos de aprendizagem das crianças e assegurar

um ensino de qualidade por meio de um adequado programa de estudos, de boa

organização escolar, criteriosa utilização dos recursos e entrosamento em suas

comunidades” (UNESCO, 1997, p. 23).

Por conta disso, o Banco Mundial orienta que “as escolas comuns têm de estar aptas

a reconhecer e a responder as necessidades dos diversos estudantes, incluindo

aqueles que têm tradicionalmente sido excluídos, tanto do acesso escolar, como de

uma participação e oportunidades iguais na escola” (PETERS, 2005 , p.1).

A Unesco centra a análise sobre a questão da desigualdade social e a indicação dos

possíveis caminhos para debelá-la, na necessidade da “reavaliação do papel e das

funções da política social” (KLIKSBERG, 2002, p. 39). A desigualdade, na ótica da

Unesco, encerra um “circuito perverso”, cujos inúmeros determinantes a ela ligados

compõem o problemático quadro enfrentado principalmente pelos países

considerados em desenvolvimento. Assim, as orientações elaboradas por essa

agência concernentes aos efeitos dessa desigualdade, focalizam-se sobre os níveis

indicadores da pobreza e seus impactos, na questão do desemprego e informalidade,

nos déficits em saúde pública, no aumento da criminalidade, no problema do acesso à

educação, etc. (KLIKSBERG, 2002)

Em busca de alternativas e levando em conta as “contingências e idiossincrasias do

cotidiano das pessoas” a proposta para as políticas educacionais está embasada num

viés humanitário, enquadrado na perspectiva da “formação humana” que é

amplamente referenciado como parte da condição para o equacionamento das

desigualdades, concernentes aos países periféricos. É nesse sentido que a defesa

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dos princípios e valores humanos5 compõem, em grande medida, as orientações

propostas pela Unesco. A ênfase na “urgente necessidade de uma mudança de

paradigma nas relações humanas” (KLIKSBERG, 2002, p. 31), é sustentado diante

das ameaças que o acirramento de situações conflituosas mundiais representam.

Isso sugere o entendimento de que a manifestação desses conflitos se deve,

fundamentalmente, a determinantes pessoais, circunscritos, por exemplo, a aspectos

de ordem moral, tal como a discriminação, o preconceito, a intolerância; não se

enfrentando, portanto, as causas que realmente estão na origem dessas expressões

de conflitos. Se o foco é convertido para a questão da formação moral, logo é a

educação, em grande medida, que deverá propiciar as bases para essa mudança.

Assim, “quando a Unesco persegue hoje uma cultura de paz, percebe-se logo que a

âncora dessa busca é a educação [...]. É por intermédio da educação que reside a

esperança de formação de mentes verdadeiramente democráticas” (WERTHEIN;

CUNHA, 2000, p. 7). Portanto, não só o conhecimento, mas acima de tudo, a

necessidade de formação humana, perfazem o eixo das propostas empreendidas pela

Unesco. A relevância concedida a essa condição é assim expressa:

A educação deve ter como objetivo o pleno desenvolvimento dapersonalidade humana e o fortalecimento do respeito pelos direitoshumanos e pelas liberdades fundamentais. Ela deve promover acompreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e osgrupos religiosos e raciais (WERTHEIN; CUNHA, 2000, p. 7).

Neste trabalho, partindo-se do pressuposto de que as denominadas políticas

inclusivas assumem tal dimensão num contexto histórico, marcado fundamentalmente

pelo acirramento das condições de desigualdade e de exclusão social, questiona-se

em que medida a educação inclusiva de cunho neoliberal realmente responderá aos

preceitos de uma sociedade justa, humana e igualitária, como está exposto nas

Declarações de Jomtien e de Salamanca.

Argumenta-se que a análise do movimento da inclusão não deve estar dissociada da

análise do contexto em que este movimento se constitui. Deve-se levar em

consideração o modo como tais iniciativas são implementadas, atentando-se para o

fato de que geralmente as forças que são impostas e legitimadas provêm de

segmentos defensores da manutenção do capital. Assim, considerando-se, por

exemplo, o foco de intervenção das agências internacionais, sugere-se que, à primeira

5 Esses valores estariam representados pela: tolerância, solidariedade, cooperação, altruísmo,compreensão, amizade.

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vista, estas sinalizam e amplificam as possibilidades de acesso educacional, dada a

pertinência da proposta de ampliação das oportunidades educacionais. Entretanto,

dado o contexto social em que estas propostas estão circunscritas, ou seja, num

momento histórico de acirramento das contradições sociais, questiona-se sobre a

dimensão que o ideário de inclusão educacional tem assumido.

Subjacente ao discurso da “igualdade de oportunidades”, foco principal das

deliberações promovidas pelas agências internacionais, gesta-se o consenso de que a

oportunização do acesso educacional igualitário responderá pelas condições de

exclusão pelas quais os indivíduos se encontram. Logo, a situação da exclusão social

parece, de fato, estar equacionada quando se propala que a inclusão educacional

dará conta de responder pela exclusão social.

A análise da exclusão social, situada numa perspectiva reducionista, conforme indica

Castel (2000, p. 25) é improcedente. Ao dimensionar esse aspecto, explica o autor

que “economiza-se a necessidade de se interrogar sobre as dinâmicas sociais globais

que são responsáveis pelos desequilíbrios atuais”, adverte para a tendência em que

“descreve-se da melhor forma estados de despossuir, mas criam-se impasses sobre

os processos que os geram”. A exclusão portanto, passa a ser explicada somente na

perspectiva de “análises setoriais, renunciando-se à ambição de recolocá-las a partir

dos mecanismos atuais da sociedade.”

Esse tipo de enfrentamento aos aspectos que se julga estarem associados à exclusão

implica, na concepção do autor, em uma maneira reducionista de conceber esse

problema. Tratado sob essa dimensão, a “luta contra a exclusão fica reduzida a um

pronto socorro social, isto é, intervir aqui e ali para tentar reparar as rupturas do tecido

social”. O autor reconhece que “esses empreendimentos não são inúteis”, mas

adverte para o fato de que “deter-se neles implica a renúncia de intervir sobre o

processo que produz essas situações” (CASTEL, 2000, p.28).

Ao mesmo tempo, essas medidas focalizadas, embora até permitam melhorias nas

condições de vida de grupos mais desfavorecidos, há de se destacar que não

sugerem mudanças nos padrões em que já estão constituídas essas relações, fator

esse que implica portanto, na permanência de situações de exclusão.

CONCLUSÃO

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Os princípios que orientam os documentos analisados amparam-se na concepção de

que as condições de segregação às quais os grupos minoritários estão expostos se

devem à mera perspectiva de ordem pessoal e singular. Isso significa que o

enfrentamento às situações de segregação deve ocorrer a partir da própria formação

de valores pessoais, como por exemplo, a eliminação de atitudes discriminatórias e a

convivência com as diferenças.

Pautando-se a análise da exclusão social em uma perspectiva reducionista,

certamente neutraliza-se o enfrentamento das complexas relações sociais da

sociedade capitalista que implicam nas atuais circunstâncias de segregação,

ignorando-se a amplitude dos processos sociais, políticos e econômicos que as

geram.

É necessário considerar o fato de que a defesa da igualdade de oportunidades

educacionais vem sendo empreendida num contexto de prática social orientada pela

redução de direitos sociais universais, num movimento em que o Estado, ao

configurar-se numa perspectiva neoliberal, torna-se mínimo apenas para as políticas

sociais e máximo para o capital. Este fator tende a comprometer a qualidade do

processo educacional inclusivo de pessoas, cujas necessidades e demandas reais

são requeridas; resultando na permanência de situações de segregação vivenciadas

pelas pessoas com deficiência.

Há de se reforçar o fato de que o movimento da inclusão, seja social ou educacional,

não ocorre num espaço social vazio, e por isso, de forma alguma se apresenta

condicionado estritamente às deliberações políticas em âmbito nacional e

internacional. Por essa razão, torna-se fundamental considerar que,

concomitantemente às forças que são legitimadas pelos segmentos defensores do

capital, atuam também nessa arena de embates amplos segmentos da sociedade que

lutam pela garantia e ampliação dos direitos sociais das pessoas com deficiência.

Essas forças têm, certamente, produzido um legado histórico sem precedentes no que

condiz à viabilização de condições de vida digna a essas pessoas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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