o herdeiro

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O Herdeiro I Vitor entra no quarto no momento em que Amélia tirava um comprimido da embalagem. - O que é isso? Tá tomando remédio por quê? questiona, preocupado. Amélia ri: - Isso é meu anticoncepcional, seu tonto... - Ah... ele fica meio sem graça, depois ri de si mesmo Viajei legal, né? - É ela concorda enquanto larga o copo de água sobre o criado-mudo, após engolir o comprimido. Em seguida se aproxima de Vitor e acaricia os cabelos dele Homens são meio desligados para essas coisas mesmo... - Ainda mais quando o homem em questão é casado com uma mulher tão linda como você... não consigo ver mais nada, só a sua beleza ele a enlaça pela cintura, olhando nos olhos dela Eu só quero olhar pra você, tocar na sua pele, beijar esses lábios... enquanto fala, Vitor se aproxima do rosto de Amélia e termina beijando-a. - Ah, Vitor, você tem me feito muito feliz, sabia? Parece que nós estamos sempre em lua-de-mel... suspira Amélia, quando descolam os lábios. - É essa a intenção devolve Vitor, sorrindo. - Obrigada para ser tão maravilhoso ela diz, dando um rápido beijo nos lábios dele, e se afasta para guardar a cartela de comprimidos. Quando Amélia se aproxima dele novamente, Vitor a abraça por trás e fala perto do ouvido dela: - Meu amor, por que você não pára de tomar esses comprimidos? Quero ter um filho com você. Nossa vida já entrou nos eixos, a Rurbana é um sucesso, o frigorífico está numa das melhores fases, nós montamos esse apartamento, nosso cantinho... é o momento ideal para encomendarmos um bebê. Ela se vira de frente para ele: - Eu já tinha pensado nisso... - Já? ele sorri, quase emocionado. - É, eu vinha tentando encontrar o momento certo para falar nesse assunto... Vitor, eu não tenho mais muito tempo para tentar ter um filho. Não sei nem se vou conseguir engravidar de forma natural... Amélia explica, um tanto preocupada, e Vitor tenta acalmá-la: - Olha o exemplo da Pérola, ela tem mais idade que você, e teve uma gravidez normal. - Sim, eu sei, mas a probabilidade de isso acontecer é pequena. - No que depender de mim, vai ser fácil aumentar as probabilidades... Porque quanto mais a gente tentar, maiores as chances, né? ele retruca com um sorriso malicioso. - Ah, é? ela ri. - É... podemos começar agora mesmo... Quer dizer, agora não dá porque você já tomou o comprimido, mas daqui um mês, você se prepare, viu? - Tá bem... Sabe, eu já tinha pensado no assunto também porque eu já tenho dois filhos, mas você não. - Pois é, e os seus filhos são muito grandinhos para eu adotá-los como meus... - Bobo... - Sabe, Amélia, perdi meus pais muito cedo, fiquei sozinho no mundo... Desde então eu sonhava em construir uma família, ter novamente alguém com quem

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Page 1: O herdeiro

O Herdeiro I

Vitor entra no quarto no momento em que Amélia tirava um comprimido da embalagem. - O que é isso? Tá tomando remédio por quê? – questiona, preocupado. Amélia ri: - Isso é meu anticoncepcional, seu tonto... - Ah... – ele fica meio sem graça, depois ri de si mesmo – Viajei legal, né? - É – ela concorda enquanto larga o copo de água sobre o criado-mudo, após engolir o comprimido. Em seguida se aproxima de Vitor e acaricia os cabelos dele – Homens são meio desligados para essas coisas mesmo... - Ainda mais quando o homem em questão é casado com uma mulher tão linda como você... não consigo ver mais nada, só a sua beleza – ele a enlaça pela cintura, olhando nos olhos dela – Eu só quero olhar pra você, tocar na sua pele, beijar esses lábios... – enquanto fala, Vitor se aproxima do rosto de Amélia e termina beijando-a. - Ah, Vitor, você tem me feito muito feliz, sabia? Parece que nós estamos sempre em lua-de-mel... – suspira Amélia, quando descolam os lábios. - É essa a intenção – devolve Vitor, sorrindo. - Obrigada para ser tão maravilhoso – ela diz, dando um rápido beijo nos lábios dele, e se afasta para guardar a cartela de comprimidos. Quando Amélia se aproxima dele novamente, Vitor a abraça por trás e fala perto do ouvido dela: - Meu amor, por que você não pára de tomar esses comprimidos? Quero ter um filho com você. Nossa vida já entrou nos eixos, a Rurbana é um sucesso, o frigorífico está numa das melhores fases, nós montamos esse apartamento, nosso cantinho... é o momento ideal para encomendarmos um bebê. Ela se vira de frente para ele: - Eu já tinha pensado nisso... - Já? – ele sorri, quase emocionado. - É, eu vinha tentando encontrar o momento certo para falar nesse assunto... Vitor, eu não tenho mais muito tempo para tentar ter um filho. Não sei nem se vou conseguir engravidar de forma natural... – Amélia explica, um tanto preocupada, e Vitor tenta acalmá-la: - Olha o exemplo da Pérola, ela tem mais idade que você, e teve uma gravidez normal. - Sim, eu sei, mas a probabilidade de isso acontecer é pequena. - No que depender de mim, vai ser fácil aumentar as probabilidades... Porque quanto mais a gente tentar, maiores as chances, né? – ele retruca com um sorriso malicioso. - Ah, é? – ela ri. - É... podemos começar agora mesmo... Quer dizer, agora não dá porque você já tomou o comprimido, mas daqui um mês, você se prepare, viu? - Tá bem... Sabe, eu já tinha pensado no assunto também porque eu já tenho dois filhos, mas você não. - Pois é, e os seus filhos são muito grandinhos para eu adotá-los como meus... - Bobo... - Sabe, Amélia, perdi meus pais muito cedo, fiquei sozinho no mundo... Desde então eu sonhava em construir uma família, ter novamente alguém com quem

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compartilhar minha vida. Quando a Manu rompeu comigo, senti como se meus sonhos estivessem desmoronando. Mas depois eu descobri que você é o grande amor da minha vida, e tudo mais ficou em segundo plano, só você me importava. Eu só queria ter você ao meu lado. Agora, que tudo se ajeitou, o sonho de ter filhos voltou com força. Às vezes eu vejo na rua um pai com uma criança e fico me imaginando na mesma situação... - Nossa, não imaginei que esse desejo fosse tão forte assim. Quero muito poder te dar essa alegria. - Você vai conseguir, tenho certeza. E nós vamos ser a família mais feliz desse mundo – Vitor abraça Amélia, que deita a cabeça no ombro dele, com um olhar preocupado, com receio de não corresponder às expectativas dele. Amélia está desenhando novas peças, alguns dias depois, quando Vitor chega do frigorífico com uma sacola nas mãos. Depois de beijá-la, ele passa a sacola às mãos dela: - Meu amor, comprei um presente para você. Ela sorri: - Você não pára de me surpreender... – Amélia abre o pacote e fica boquiaberta. É um tip-top verde bem clarinho, do tamanho de bebê recém-nascido – Vitor... pra que isso? Ainda nem começamos a encomendar nosso filho... - Ah, passei na frente de uma loja de roupas para bebês e não resisti... comprei verde porque serve tanto para menino quanto para menina. Não é lindo? – ele pega a roupinha das mãos de Amélia e coloca sobre os próprios braços, como se tivesse uma criança no colo – Imagina, Amélia, nosso bebê aqui, vestindo essa roupinha? - Você é louco... – ela murmura, sorrindo mas com os olhos marejados. Solta um suspiro e continua – Você está sonhando muito com isso, né? - É o meu maior sonho, hoje – Vitor olha nos olhos de Amélia e percebe que ela está apreensiva, então segura as mãos dela – Mas não sinta isso como uma cobrança. Eu sei que pode demorar, que talvez a gente tenha que batalhar bastante para conseguir gerar esse filho... meu amor, eu vou estar ao seu lado o tempo todo, fica tranquila. Amélia acaricia o rosto dele: - É por isso que eu te amo... porque sei que eu tenho um companheiro. - Sempre, e para tudo que vier – ele completa, trazendo-a para mais perto de si, para enfim colarem os lábios em um beijo que começa carinhoso mas vai ficando mais intenso. Passam-se mais algumas semanas. Uma noite, Amélia abraça Vitor, contando: - Hoje era dia de tomar a anticoncepcional, mas não tomei... Ele sorri de um jeito malicioso: - Então a partir de agora a temporada de tentativas está aberta? Ela balança a cabeça afirmativamente. - Não vamos perder tempo – avisa Vitor, tomando Amélia nos braços e a beijando com paixão, enquanto a conduz até a cama. Um mês depois, Vitor chega em casa e encontra Amélia tristonha, encolhida no sofá. Ele se ajoelha ao lado dela e pergunta: - Que foi, meu amor?

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- Minha menstruação desceu – ela solta um suspiro. Vitor beija as mãos dela e lhe acaricia os cabelos enquanto diz: - Não precisa ficar assim, a gente vai continuar tentando... essa é a melhor parte, tentar de manhã, de tarde, de noite, de madrugada, todos os dias, não acha? – ele questiona com um olhar travesso. Ela abre um sorriso: - Tanto assim, é? - Você duvida? Esqueceu que tem o homem mais apaixonado do mundo ao seu lado? Vontade de te amar é que o não falta aqui... Amélia ri, e Vitor comemora: - Assim é que eu gosto... você fica tão linda quando ri, sabia? Ela fica séria novamente: - Ah, meu amor, às vezes me sinto tão angustiada... Tenho medo de não conseguir engravidar. - Não pensa nisso. Daqui a algum tempo, se você não tiver engravidado, a gente faz um tratamento, ou até adota uma criança, tá? – ele garante. Amélia sorri outra vez: - Você é um anjo... – emocionada, ela o beija delicadamente.

II

As tentativas continuam, durante cinco meses. Cada vez que a menstruação chega, Amélia fica frustrada, mas tenta não se abalar. Ela está recostada na cama, estudando algo na agenda, quando Vitor sai do banho. - Vitor! – ela exclama quando o vê – Eu estava conferindo o calendário... estou atrasada uma semana! - Atrasada pra quê? – ele pergunta, distraído, enquanto passa a toalha nos cabelos. Amélia tem um ataque de risos, depois respira para recuperar o fôlego e explica: - Na verdade, ela está atrasada... aquela visita de todo mês, sabe? Vitor olha para ela ainda sem entender, mas logo se dá conta: - Amélia, você está achando que... – ele corre até a esposa e põe a mão sobre a barriga dela. Ela hesita: - Pode ser... mas também pode ser um alarme falso... a menopausa chegando, talvez... - Menopausa, Amélia? Duvido. Como diria o Mamede, você ainda tem muita lenha para queimar... - Não acredito que estou ouvindo isso... - ela ri. - Por quê? Não é verdade? - ele a puxa para seus braços e beija seu pescoço, enquanto murmura – Eu sei que é, sinto todas as noites... - Ai, Vitor, assim eu fico sem graça... - Estamos só nós dois aqui, pra quê vergonha? Vem cá, meu amor... – ele a beija com paixão, enquanto vai tirando a camisola de Amélia, e os dois se amam intensamente.

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De madrugada, Amélia levanta-se para ir ao banheiro. Ao voltar para a cama, está entristecida. Vitor percebe quando ela se aproxima e abre os olhos, notando a tristeza dela: - O que aconteceu? – ele pergunta com a voz meio enrolada de sono. - Não aconteceu... ainda não foi dessa vez. Acabei de menstruar. Vitor ergue um pouco o corpo e abraça Amélia: - Calma... não fica assim... não queria te ver desse jeito, tão arrasada... Ela se aconchega nos braços dele, e questiona com voz chorosa: - Você está decepcionado comigo? - Não... Claro que não... – ele beija os cabelos dela e prossegue - Amélia, ter um filho com você é o meu maior desejo, mas eu não quero que isso seja um sofrimento para você. É para ser uma alegria... - Eu sei, mas a cada mês fica mais doloroso ver que ainda não foi dessa vez... Ele a olha como se quisesse ter o poder de lhe tirar aquela dor: - Vamos fazer uma coisa? Continuamos tentando, mas sem pensar se vai acontecer ou não. E também vamos evitar tocar nesse assunto. Tenta não criar tanta expectativa, tá? - Vou tentar. Quem sabe se eu me concentrar mais no trabalho, né? – ela promete, mais conformada. - Isso! Aproveita para criar muitas peças, porque depois o tempo vai ficar mais escasso... – Vitor diz num impulso. - É verdade. Você não tem ideia do trabalho que dá cuidar de um bebê. - Mas você vai me ensinar tudo, e eu vou ajudar a trocar fralda, dar banho, botar pra dormir... – ele comenta, empolgado. Amélia esboça um sorriso: - Quero só ver... - Tá duvidando, né? Espera então, pra ver o pai exemplar que eu vou ser... - Convencido... – Amélia ri, mas logo fica melancólica de novo – Ah, Vitor, eu quero tanto que isso aconteça... - Opa, a gente combinou que não ia mais ficar falando nesse assunto... mas é difícil evitar, né? - É. - Meu amor, nós enfrentamos tanta coisa para ficarmos juntos... nosso amor é tão forte que é capaz de tudo... talvez seja apenas uma questão de tempo para realizarmos mais esse sonho. A Terê diz que tudo acontece na hora certa. - Tomara – Amélia suspira. - O que eu faço pra trazer de volta o seu sorriso? – ele questiona, aflito – Você quer passar uns dias em Girassol? Quem sabe se afastar desse apartamento ajude um pouco a sair dessa angústia. - Pode ser. - Então, tá. Amanhã vamos para Girassol. Agora vem aqui, fica bem pertinho de mim – ele a estreita mais em seus braços e fica acariciando seus cabelos – Deixa eu tentar te confortar com meu carinho... Ela se deixa ficar com braços dele, que continua acarinhando seus cabelos até que Amélia adormeça. Manu, Rudy, Fred e Jana recepcionam Amélia e Vitor com um almoço na fazenda. Depois de abraçar os filhos, Amélia olha para a netinha, no colo de Jana:

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- Nossa, como está grande! E cada dia mais linda... deixa eu pegar um pouco minha netinha? - Claro, Amélia – Jana passa a menina para os braços da sogra. Maravilhada com a neta, Amélia não pensa muito no filho que ela e Vitor querem ter. Mas ele observa a esposa com a bebê de pouco mais de um ano no colo, e fica contemplando a cena, achando lindo. De repente, os olhos de Amélia encontram os dele, e ela percebe o que ele está imaginando. Amélia baixa os olhos e devolve a neta para Jana, depois se aproxima de Vitor, que fica meio sem graça. - É natural que você fique imaginando nosso filho ao me ver com um bebê no colo. Está tudo bem, não se preocupa – ela o tranquiliza. - Mesmo? – ele acaricia o rosto dela. Amélia balança a cabeça afirmativamente. - A alegria de ter uma neta tão linda é bem maior do que a tristeza de não estar ainda esperando nosso bebê. Como eu posso ficar triste diante dessa coisa fofa? – ela sorri, e dá um selinho nos lábios de Vitor, que sorri de volta. Após o almoço, Amélia e Vitor saem para dar uma volta na cidade. Encontram com uma mulher que leva um menininho pela mão. Amélia logo a reconhece: - Mariana! Lembra, Vitor, que te falei dela, que havia ganho um bebê lindo, o Benjamin? - Lembro. - Pois aquele bebê agora é esse rapazinho aqui – Mariana avisa, pegando o filho no colo – Dá oi pra dona Amélia, filho. O menino, meio encabulado, apenas dá um tchauzinho com a mão. Amélia e Vitor sorriem, encantados. - Parabéns, Mariana, seu filho é muito lindo – diz Amélia, contemplando o menino. - Obrigada. Desculpa a pressa, mas tenho ir andando. Tudo de bom pra senhora. - Pra você também, e para essa riqueza de menino – Amélia retribui, e fica vendo Mariana se afastar com a criança. Vitor percebe a tristeza no olhar dela, e abraça, sem dizer nada. - Se a gente tiver um menino, será que ele vai ser lindo como o Benjamin? – ela pergunta, sem se soltar do abraço. - Claro que vai, com essa mãe linda que ele vai ter... - E o pai também, né? – Amélia levanta a cabeça e olha para Vitor – Tomara que ele puxe teus olhos verdes... - Ah, é? E eu quero que tenha o teu sorriso... – ele acaricia o rosto dela, tentando não falar demais.

III Nas semanas seguintes, Amélia mergulha no trabalho. Mesmo em casa, está sempre com papéis e lápis por perto, desenhando novas jóias. Assim ela passa por quase três meses, procurando não ficar mais tão triste cada vez que a menstruação desce. Amélia senta-se para tomar o café da manhã e fica olhando para a mesa com uma careta: - Ai, acho que não vou conseguir comer nada...

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- Que foi, está se sentindo mal? – pergunta Vitor, preocupado. - Acordei com um enjoo... não consigo nem olhar direito para essa comida. - Tenta tomar um suco, pelo menos... você não pode trabalhar sem nada no estômago. - É, vou fazer um esforço – ela bebe um gole do suco, mas logo leva a mão à boca e sai correndo para o banheiro. Vitor vai atrás, apreensivo: - Amélia, que houve? Ela abre a porta do banheiro, enxugando o rosto com a toalha: - Acho que o suco nem chegou ao meu estômago... voltou tudo. - Você está pálida... vem, vou te levar até o sofá – ele pega Amélia no colo e a deita no sofá, depois se ajoelha ao lado dela – Está melhor? Ela sorri suavemente: - Já está passando, não precisa ficar preocupado. - Você não vai trabalhar assim. Fica descansando, e se esse enjoo não passar, mais tarde te levo ao médico – Vitor avisa em tom quase de ordem. Amélia fica pensativa, como que se lembrando de alguma coisa: - Vitor, pega minha agenda? - Pra quê? – ele a olha sem entender. - Traz pra mim, por favor? Ele busca a agenda, e entrega para Amélia, que confere o calendário e abre um sorriso: - Minha menstruação está atrasada duas semanas! Tenho andado tão ocupada com a Rurbana que nem me dei conta... - Amor, você está achando que esse enjoo é de gravidez? - Pode ser. Eu já senti enjoos bem parecidos antes. Vitor ri, sem conseguir acreditar, e segura as mãos dela: - Amélia... - Calma, Vitor... e se for apenas uma indisposição? Vamos esperar mais uns dias antes de comemorar – ela pede, receosa. - Tá, vou tentar segurar minha empolgação – ele promete, soltando um suspiro. Amélia continua enjoada por mais alguns dias, mas em reluta em ir ao médico. - Amélia, precisamos saber o que você tem... – Vitor insiste. - Ainda não, Vitor... – ela pede com olhar de súplica. - E... sua menstruação, veio? – ele pergunta ansioso. - Não... – ela sorri de um jeito cheio de expectativa. Vitor olha fixamente para ela e comenta: - Eu acho que você tem quase certeza de que está grávida, e tem medo de confirmar. Amélia põe as mãos no rosto, e olha para Vitor de um jeito angustiado: - Talvez seja isso mesmo... tem paciência comigo? Ele respira fundo e assente com a cabeça, desviando o olhar. - Preciso ir para o frigorífico agora, tá? Se cuida – ele a beija e sai. Mais tarde, quando volta para casa, Vitor entrega um pacote de farmácia para Amélia: - Comprei um teste de gravidez. Por favor, vamos acabar com essa aflição? – ele implora.

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- Vitor... – ela tenta reagir, mas Vitor a olha de um jeito tão suplicante que não Amélia não consegue dizer não – Está bem. Ela entra no banheiro, e Vitor anda de um lado para o outro no quarto. Depois de alguns minutos, Amélia sai do banheiro segurando o teste, com uma expressão enigmática: - E então, amor, o que deu? – ele pergunta com a respiração alterada, de tão ansioso. Sem falar nada, ela mostra o teste. - Mas o que quer dizer isso? – Vitor torce os dedos, nervoso. Amélia abre um sorriso e finalmente revela: - Positivo! Vitor ri quase descontrolado, pega Amélia e rodopia com ela. Depois a coloca no chão de volta, se ajoelha e enche a barriga dela de beijos. Amélia sorri e deixa cair algumas lágrimas ao mesmo tempo. - Amélia... nosso filho já está aqui... – diz Vitor, com a voz embargada. - Tudo indica que sim – ela responde de um jeito emocionado também. Ele se levanta a olha nos olhos: - O que você quer dizer com “tudo indica”? - Que nós precisamos confirmar com um exame de sangue. Testes de farmácia podem falhar – Amélia explica, tentando acreditar nas próprias palavras. - Você ainda acha que pode ser um alarme falso? - Na verdade, não – ela põe as mãos sobre barriga – Eu sinto que tem uma vida crescendo aqui, sabe? Também estou sentindo as mudanças no meu corpo... eu conheço esses sinais, já passei por isso duas vezes. Vitor coloca sua mão em cima das mãos de Amélia, que continuam sobre a barriga, e murmura: - Nosso filho, Amélia, o nosso filho... – as lágrimas começam a cair dos olhos dele. Vitor abraça a esposa e eles ficam alguns instantes em silêncio, apenas abraçados e emocionados. Depois ele enxuga as lágrimas e a olha com carinho: - Amor... você precisa ir ao médico, fazer todos os exames. Eu vou acompanhar tudo, cada consulta, cada ultrassom... - Eu já marquei um horário com a dra. Lilian, minha médica. Depois da conversa que tivemos mais cedo, eu decidi consultar logo. Ia te contar assim que você chegasse, mas você não me deu tempo – ela ri. - Quando vai ser a consulta? - Depois de amanhã, às 14 horas. Vitor sorri: - Ótimo. Depois de amanhã, então, iremos à primeira consulta do seu pré-natal. Amélia acaricia o rosto dele, emocionada. Vitor se ajoelha de novo, acarinha a barriga, depois aproxima bem o rosto e diz: - Sei que você ainda é muito pequenininho, nem pode me ouvir ainda, mas eu já te amo com toda a força que alguém pode amar nessa vida. Ele dá um beijo suave mas demorado no ventre de Amélia e se levanta, com os olhos marejados. Ela acaricia a barriga enquanto fala com doçura: - A mamãe também já te ama demais, demais... Vitor sorri ao ouvir as palavras de Amélia: - Que coisa mais linda, você assim, conversando com nosso filho...

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Ela dá um sorriso iluminado e acarinha mais um pouco a barriga, enquanto Vitor continua com olhar de contemplação. Depois Amélia fica séria e pede: - Não conta pra ninguém por enquanto? - Por quê? Eu estou feliz que tenho vontade de sair gritando pela rua “Eu vou ser pai, gente!” - Mas a gravidez está tão no comecinho... tenho medo de que aconteça alguma coisa. Se todo mundo já estiver sabendo vai ser mais doloroso ainda – ela explica, apreensiva. Vitor segura as mãos dela: - Tudo bem, vamos esperar pelo menos até você fazer os exames de que precisa. Mas fica tranquila, não vamos pensar no pior. - Tá certo, vamos curtir essa alegria, né? Depois de todos esses meses de angústia... ele está aqui, Vitor, dentro de mim! – Amélia sorri de novo.

IV Na sala de espera da médica, Vitor segura a mão de Amélia o tempo todo, e está mais nervoso do que ela. Ele não pára de bater o pé no chão, cada vez mais rápido. - Calma, amor... – pede Amélia – Ela já vai nos chamar. - Quero saber logo se está tudo bem com você e com nosso filho. - Eu também, mas não precisa ficar nessa ansiedade toda. Se você já está assim na primeira consulta, imagina na hora do parto? Vai precisar de um calmante! – ela ri. - Não, eu quero estar totalmente lúcido nessa hora – ele ri também, depois olha nos olhos de Amélia, acaricia o rosto dela – Acho que vai ser o dia mais feliz da minha vida. - Vai ser, com certeza. Você vai conhecer um amor incondicional... – ela fica com o olhar distante, de quem está viajando no tempo – quando você pega nos braços aquela pessoinha tão frágil e tão dependente, tem certeza de que é capaz de tudo por ela, até das coisas que parecem mais impossíveis. Vitor fica com os olhos marejados diante das palavras de Amélia. Ela olha para ele, também emocionada, e ficam em silêncio, sem conseguir dizer mais nada, apenas sorrindo um para o outro. São interrompidos pela voz da médica: - Amélia Vilar. - Chegou a nossa vez, vamos – Vitor se levanta, puxando Amélia pela mão. Depois de ser examinada pela médica numa saleta reservada, Amélia senta ao lado de Vitor novamente. Ele nem espera a dra. Lilian tomar seu lugar e já pergunta: - E então, doutora? - Vou pedir um exame de sangue para confirmar, mas pelos sintomas e pelo exame clínico, é praticamente certo que a Amélia está grávida, sim. Vitor e Amélia se olham, cada qual com um sorriso maior no rosto. Mas ela fica séria de repente e se volta para a médica: - Mas... eu preciso saber... vou conseguir ter uma gestação normal nessa idade? Preciso de cuidados especiais? - Uma gravidez na sua idade realmente tem mais riscos, mas como você é bastante saudável, acredito que vá correr tudo bem – afirma dra. Lilian num tom calmo.

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- Que bom – Amélia suspira, aliviada. - Mesmo assim, precisamos fazer um acompanhamento rigoroso. Estarei sempre à disposição, vocês têm meu celular, qualquer coisa estranha que você sentir, pode me ligar na mesma hora. - Pode deixar, doutora, que eu vou ficar de olho nessa moça – garante Vitor, olhando para Amélia de canto de olho – A senhora tem alguma recomendação? - Alimentação balanceada, pouco sal, e evitar fazer grandes esforços. Por enquanto é isso, quando você me trouxer os resultados dos exames, Amélia, a gente vê se é necessário algo mais, algum suplemento vitamínico, por exemplo. Amélia balança a cabeça, concordando. Depois Vitor questiona, sem olhar diretamente para a médica, meio sem graça: - Doutora, quanto à parte do esforço físico... – ele fica sem saber como continuar, mas dra. Lilian percebe qual é a dúvida e sorri: - Se a Amélia estiver se sentindo bem, vocês podem namorar, não há problema. Mas evitem movimentos bruscos nesse primeiro trimestre, pelo menos. Vitor e Amélia se entreolham, meio encabulados, enquanto a médica faz a requisição dos exames. - Acho que em no máximo uma semana você já deve estar com os resultados prontos, daí nos veremos de novo, certo? – ela instrui enquanto passa a requisição às mãos de Amélia. - Pode deixar, vamos passar agora mesmo no laboratório – avisa Vitor. - Ah, agora é assim? Você responde por mim, decide meus passos... – retruca Amélia, rindo. Ele olha para Amélia, colocando uma das mãos na barriga dela: - Estou cuidando de você e do nosso filho... Se eu pudesse não sairia nem um minuto de perto de vocês. Ela sorri. Eles se despedem da médica e vão para o laboratório. Quando chegam em casa, encontram Manu à espera deles. - Filha! Você não avisou que vinha! – comenta Amélia, enquanto a abraça. - Tive que resolver uns problemas burocráticos aqui em Juruanã e aproveitei para fazer uma visita... A empregada disse que vocês foram ao médico, que a senhora andou passando mal, dona Amélia... que história é essa? Vitor e Amélia olham um para o outro, sorrindo, depois se voltam para Manu, e ele revela: - Na verdade, nos fomos fazer a primeira consulta do pré-natal... - Pré-natal? Mãe, você está esperando um bebê? – pergunta Manu, surpresa. Amélia acaricia a barriga enquanto responde: - Sim, você vai ganhar um irmãozinho ou irmãzinha... - Ah, mãe, que notícia linda... – ela abraça a mãe, emocionada, depois faz um carinho na barriga dela. - Você está sendo a primeira a saber – acrescenta Amélia. - Hum, fico honrada... – Manu sorri. - Mas não conta pra ninguém ainda? Estou completando o primeiro mês a recém... – pede a mãe. - Se você quer assim... Mas vai ficar todo mundo tão feliz, já estou imaginando o Fred, a Pérola, a Terê...

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- Eu sei, filha. Também é porque eu gostaria de dar a notícia pessoalmente, assim que eu puder ir a Girassol. Vitor interfere: - Você só viaja se a dra. Lilian liberar. E não acho prudente você pegar estrada antes de fechar o primeiro trimestre, viu? Tem que ficar quietinha enquanto nosso bebê está se formando aí dentro. - Tá vendo, Manu, o que eu fui arrumar pra minha vida? Agora o Vitor não vai me deixar fazer mais nada! - Amélia ri. - Mas ele está certo, a senhora precisa se cuidar – Manu pisca para Vitor, que olha para Amélia com um jeito de quem quer dizer “ouviu?”. - Tá bem... mas mesmo assim, Manu, guarda segredo por enquanto. E... você tinha mesmo que ser a primeira a saber. - É? Por quê? - Nem falei com o Vitor ainda sobre isso – Amélia olha para ele – Amor, quero a Manu seja a madrinha do nosso filho, você concorda? - Claro, meu amor! – ele sorri. - Sério? Ai, assim eu fico emocionada... – diz Manu, e abraça a mãe e Vitor ao mesmo tempo. Quando se soltam do abraço, Vitor questiona Amélia: - E o padrinho? Você não tá pensando no Rudy, tá? - Que você tem contra o meu marido? – retruca Manu, em tom de brincadeira. - Nada contra... só tenho medo do que aquele maluco vai ensinar pro meu filho... Os três riem, até que Amélia explica: - Não, Vitor... pensei em convidar o Fred. - Perfeito, Amélia. Ninguém melhor do que os irmãos mais velhos para batizar nosso bebê. - Concordo – Manu acrescenta – Ah, mãe, então pelo menos pro Fred eu posso contar, né? - Pode, sim. Na verdade, filha, eu não vejo a hora de contar pra todo mundo... só tenho um pouco de medo. - Eu entendo... – responde Manu, observando atentamente a mãe – Tô imaginando você com um barrigão... vai ficar tão bonita. - Vai ser a grávida mais linda do mundo, né? – concorda Vitor, olhando para Amélia com ar apaixonado. - Só vocês mesmo pra achar isso... – diz Amélia, balançando a cabeça para os lados.

V Amélia completa dois meses de gestação. Ela e Vitor vão a mais uma consulta, desta vez para fazer um ultrassom. Amélia deita na maca e Vitor fica ao lado, segurando a mão dela. A dra. Lilian passa um gel na barriga de Amélia, depois posiciona o aparelho. No monitor, começam a aparecer as imagens, e logo ela explica: - Estão vendo essa manchinha aqui? Isso é o coração do bebê de vocês. Agora nós vamos ouvir os batimentos dele. Ao ouvir o coraçãozinho do filho, Vitor fica por alguns instantes paralisado, boquiaberto, até que lágrimas começam a escorrer por seu rosto, ao mesmo tempo em que ele sorri. Depois olha para Amélia, que também chora:

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- Tá ouvindo, Amélia? - Estou – ela responde com a voz embargada. A doutora interrompe: - O coração está batendo perfeitamente. Pelo que estou vendo aqui, o bebê está se formando direitinho, está tudo dentro do esperado para esse tempo de gestação. Amélia e Vitor se olham, sorrindo, e ele dá um selinho nos lábios dela. No mês seguinte, o bebê já está quase totalmente formado, e Amélia e Vitor se encantam com as imagens do ultrassom. - Olha, Amélia, as mãozinhas dele... – murmura Vitor. - E os pezinhos? – acrescenta Amélia - Parabéns, não vejo nada de anormal ou preocupante. A gestação está correndo muito bem – comenta dra. Lilian. - Eu sabia que ia dar tudo certo – diz Vitor, olhando para Amélia. Depois ele volta a observar o monitor – Olha a carinha dele, meu amor... será que é mais parecido com você ou comigo? - É muito cedo ainda pra saber, Vitor... mas com certeza ele vai ter um pouco de nós dois – ela contempla as imagens na tela, emocionada. Mais tarde, em casa, Amélia está recostada na cama, enquanto Vitor acaricia a barriga dela, já um pouco crescida. - No próximo ultrassom nós já vamos saber o sexo – lembra ele. - É, mas eu sinto que estamos esperando um menino... tenho certeza – ela afirma. - Um garotão? Nossa, vou ensinar tanta coisa para ele... – os olhos de Vitor brilham – Amor, você já pensou em algum nome? - Ainda não. E você? - Também não. Ó, Vitor Vilar Filho nem pensar, é total falta de criatividade. E quero que meu filho tenha um nome só dele. - Concordo. Sabe, o Max queria que o Fred se chamasse Maximiliano Martinez Filho, mas não aceitei. Imagina o quanto meu filho ia sofrer se carregasse esse nome? - É, seria um tormento pra ele. Por isso a gente tem que pensar bem, escolher um nome do qual nosso menino possa se orgulhar. - Exatamente. Vamos decidir com calma, temos alguns meses ainda pela frente. Vitor balança a cabeça, concordando, depois aproxima os lábios do ventre de Amélia: - Meu filho... papai tá te esperando. Não vejo a hora de te ter nos meus braços. Mas por enquanto você tem que crescer e ficar forte para enfrentar o mundo aqui fora. Te amo, viu? – ele beija com carinho a barriga de Amélia, que observa emocionada. Algumas semanas depois, Amélia finalmente convence Vitor a irem até Girassol. - A dra. Lilian disse que não tem problema, é pertinho... Já passei do primeiro trimestre, não era isso que te preocupava? Poxa, Vitor, quero dividir essa alegria com meus filhos, com nossos amigos... - Está bem. Pode ligar para a Manu e avisar que vamos amanhã.

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Amélia beija Vitor com alegria, e se afasta para telefonar. Manu organiza uma verdadeira festa para recepcioná-los na fazenda. Fred e Janaína com a filha, Bruno e Terezinha, Pérola e Cirso, Safira e Geraldo (com os dois filhos que adotaram), Esmeralda e Tavinho, Ametista e Ricardo, Terê, Solano e Estela com Beni, dona Mariquita, todos já estão sabendo da gravidez e são convidados para um almoço. Quando Amélia e Vitor chegam, são recebidos com muitos abraços. Pérola abraça Amélia, muito emocionada: - Ai, amiga, eu sei a emoção que você está sentindo... Um filho nessa altura da vida é uma enorme duma benção. E ainda mais sendo fruto de um amor tão grande quanto o de vocês... não pode ter alegria maior. - É verdade, Pérola... – concorda Amélia, enxugando uma lágrima que está querendo cair – Você lembra o quanto eu lutei para viver esse amor? - Claro que lembro, quantas vezes te ajudei pra que você conseguisse falar com o Vitor, ver ele... e eu faria tudo de novo, pra ver essa felicidade estampada no seu rosto. Amélia sorri e põe a mão na barriga: - Pois é... tá aqui a recompensa. Pérola abre um grande sorriso: - Vocês merecem, minha amiga! Estão todos almoçando quando Amélia abaixa a cabeça, com as mãos sobre a testa, e respira fundo. Vitor percebe: - Amélia, que foi? Que você está sentindo? – ele pergunta, aflito. - Só uma dor de cabeça, já vai passar – ela responde, ainda de cabeça baixa. Ele procura Ricardo na mesa com o olhar: - Ricardo, a Amélia está com dor de cabeça. É normal na gravidez? - É melhor medir a pressão dela. Ametista, busca minha maleta no carro? Enquanto Ametista busca a maleta, Ricardo se aproxima e toma o pulso de Amélia. - A pulsação está normal. Vamos coloca-la ali no sofá, é mais confortável. Vitor pega Amélia no colo e acomoda no sofá. Ricardo mede a pressão arterial dela, e faz uma cara preocupada ao ver o resultado: - 14 por 10. Está um pouco elevada, Amélia. Pode ser apenas por causa da viagem, das emoções desse dia... mas recomendo que você procure o médico está acompanhando sua gestação assim que voltar a Juruanã. A hipertensão pode trazer complicações na gravidez, ainda mais quando a mãe já tem um pouco mais de idade, como você. Vitor fica nervoso: - Vou ligar agora mesmo para a dra. Lilian. - Não precisa, Vitor... – diz Amélia, mas ele não lhe dá ouvidos, já está fazendo a chamada no celular, e se afasta para falar. Quando se aproxima de volta, ele entrega o telefone para Ricardo: - A doutora vai te passar algumas instruções. Depois se ajoelha ao lado de Amélia, segura uma das mãos dela e explica com carinho: - Ela disse para você repousar um pouco, num lugar bem calmo, e daqui um tempo medir a pressão de novo. Se continuar alta, o Ricardo já vai estar informado do que fazer. E amanhã, assim que chegarmos à Juruanã, nós

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vamos ao consultório da dra. Lilian. Eu queria ir hoje mesmo, mas ela disse que é melhor você ficar de repouso, a agitação da viagem poderia fazer a pressão subir mais ainda. Amélia suspira, resignada: - Tá certo. Vitor olha para Manu, que está ao lado deles: - Vou levar a Amélia lá pra cima, tá? - Claro, já tinha deixado o quarto de vocês preparado para essa noite, pode levar ela pra lá. Com cuidado, Vitor coloca Amélia em seu colo de novo: - Pra quê isso, amor... posso subir as escadas com minhas pernas – ela afirma. - Não mesmo. Você não vai fazer nenhum esforço – ele responde com firmeza, e carrega Amélia para o quarto. Ricardo vai junto, e assim que Amélia já está acomodada na cama, ele avisa: - Daqui a uma meia hora eu volto para medir sua pressão, tá, dona Amélia? - Obrigada. - Vou ficar aqui cuidando dela, avisa todo mundo lá embaixo? – pede Vitor. - Pode deixar – garante Ricardo, fechando a porta. Vitor senta na cama ao lado de Amélia e acaricia os cabelos dela enquanto diz: - Agora tenta não pensar em mais nada, ficar bem tranquila... Pode fechar os olhos que eu vou estar aqui ao seu lado o tempo todo. Ela olha para ele e sorri de um jeito comovido: - Você é mesmo um anjo, né? Você veio do céu só pra entrar na minha vida, não foi? Vitor e sorri e começa a cantar bem suavemente a música “Seu Anjo”, do Roupa Nova: - “Eu vim pra ser seu anjo, pra lhe proteger, do céu de onde eu desci, eu vim cuidar de você...” Enquanto ele canta, Amélia vai fechando os olhos devagarinho.

VI Quase uma hora depois, Ricardo bate de leve na porta e abre uma fresta: - Posso entrar? Vitor faz um sinal com a mão para que ele entre e quando o médico chega mais perto, explica: - A Amélia está dormindo. - Assim que ela acordar você me chama, então. Ela ouve as vozes deles e abre os olhos, procurando Vitor, e sorri ao ver que ele continua sentado ao seu lado: - Oi... dormi muito? - Quase uma hora. O dr. Ricardo veio medir sua pressão de novo. - Como está se sentindo, dona Amélia? – questiona o médico, enquanto a ajuda a se erguer um pouco na cama e lhe coloca o aparelho no braço. - Muito bem... – ela dirige a Vitor um olhar cúmplice – Muito tranquila... - Que bom – devolve dr. Ricardo, e conclui o exame – 12 por 8. Ótimo, sua pressão está normal. - Posso voltar lá pra baixo? – pergunta Amélia, já colocando os pés para fora da cama. - Calma, Amélia... – Vitor tenta contê-la.

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- Eu não estou doente, Vitor... quero ir para junto dos nossos amigos. - Você pode descer, mas vá devagar e tente não se emocionar muito. Antes de eu ir embora vamos medir sua pressão de novo – orienta o médico. Amélia procura os sapatos, mas Vitor os pega primeiro, e coloca nos pés dela, que sorri encantada: - Eu tenho um verdadeiro cavalheiro ao meu lado... - Você ainda não sabia disso? – ele retruca, levantando-se e olhando nos olhos dela. Ricardo se retira, deixando os dois sozinhos. Só então Amélia diz: - Sabia, sim... só me surpreendo porque o tempo passa e você continua sendo tão maravilhoso quando no início da nossa história. - É porque eu te amo demais... – Vitor responde aproximando seus lábios dos dela. - Eu também... – Amélia sussurra, e eles trocam um beijo carinhoso. Só depois saem do quarto e descem as escadas devagar, Vitor de olho em cada passo de Amélia, segurando-a pela cintura. - Tá, melhor, mãezinha? – pergunta Manu. - Estou sim. Estraguei o almoço, né? - Que nada, dona Amélia... todo mundo entendeu. Solano, Estela e dona Mariquita tiveram que ir embora, Tavinho e Esmeralda, Geraldo e Safira também, mas todos deixaram abraços pra você – garante a filha. Amélia sorri, passando a mão sobre a barriga, depois olha para os amigos: - É muito bom poder dividir minha felicidade com vocês... Vitor balança a cabeça, concordando. Terê se aproxima: - Bom é ver vocês dois tão felizes, esperando esse filho... – ela segura as mãos de Amélia e tem um visão: primeiro, a amiga com a barriga já bem mais crescida, assustada com um sangramento, e depois o bebê sendo erguido por duas mãos na hora do parto. Terê abre os olhos tentando sorrir, mas Amélia tinha percebido que ela estremecera um pouco antes, e pergunta, preocupada: - Você viu alguma coisa, Terê? - Vi um bebê lindo e saudável que tinha acabado de nascer. Vitor abre um grande sorriso: - Sério? – ele e Amélia abraçam Terê, bastante emocionados. No final da tarde, Ricardo mede outra vez a pressão arterial de Amélia, que continua estável. - Muito obrigado, dr. Ricardo – agradece Vitor. - Não tem de quê, estou aqui pra isso. Qualquer coisa podem me ligar, a Manu tem meu celular. - Valeu mesmo – Vitor dá um tapinha nas costas do médico. Para o jantar, ficam só Manu e Rudy, Fred e Jana, Amélia e Vitor, além de Terezinha e Bruno, que cuidam da irmãzinha dele enquanto os adultos fazem a refeição. - Gente, vamos fazer um brinde? – propõe Manu – À nossa família, que nunca foi tão feliz! Todos tocam as taças. Amélia toma a palavra:

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- Quero aproveitar esse momento para fazer um convite ao meu filho querido – ela olha para Fred com carinho – O Vitor e eu convidamos a Manu para ser a madrinha do nosso bebê, e queremos que você, meu filho, seja o padrinho. - Ô, mãe... - ele segura as mãos dela – Fico muito orgulhoso de ter sido escolhido. Amélia sorri, depois se dirige ao genro e à nora: - Rudy, Jana, espero que vocês não fiquem incomodados... - Claro que não, Amélia, acho muito justo a Manu e o Fred serem os padrinhos – assegura Jana. - Concordo. Mas mesmo sem ser meu afilhado, podem crer que vou levar esse moleque pra dar umas bandas de moto com o titio aqui – brinca Rudy. - Enquanto eu puder evitar, não vai não. Imagina se eu vou deixar meu filho andar de moto por aí com um maluco que nem esse alemão? – retruca Vitor, rindo – Desculpa, aí, Manu, mas você sabe que ele não bate muito bem. - Sei sim... ô se sei... – ela ri também. - Poxa, fui chamado de louco e minha mulher ainda concorda? Tô desmoralizado mesmo... – Rudy protesta em tom de brincadeira, fazendo com que todos caiam na risada. Amélia e Vitor se preparam para dormir. Assim que ela se acomoda na cama, ele pergunta: - Está se sentindo bem? Não dói a cabeça? - Estou ótima, fica tranquilo – ela garante. - Se você sentir qualquer dor ou mal estar, me acorda, a hora que for, tá? - Não precisa tanta preocupação, meu amor... – Amélia diz, olhando bem para ele. Vitor coloca uma das mãos sobre a barriga dela e com a outra lhe acaricia o rosto: - Vocês dois são a minha vida. Amélia não consegue dizer mais nada, apenas olha nos olhos dele com um olhar cheio de amor. Vitor retribui o olhar e aproxima o rosto devagarinho, até encontrar os lábios dela num beijo bem carinhoso. Depois ele dá mais um beijo na barriga e ele deita ao lado de Amélia, que se aconchega nos braços dele, para enfim dormirem assim, abraçadinhos. No dia seguinte, eles partem para Juruanã ainda pela manhã. Descansam um pouco para que Amélia se recupere da viagem, e só à tarde para o consultório da dra. Lilian. Ela mede a pressão de Amélia: - 13 por 9. Está só um pouco alterada. Vocês chegaram há pouco de viagem? - Não, viemos pela manhã justamente para que a Amélia descansasse antes da consulta. Ela ficou de repouso, não entendo... o que está acontecendo, doutora? – Vitor fica preocupado. - É o que vamos investigar. Você já havia tido alguma crise de hipertensão antes da gravidez, Amélia? - Não, nunca... - Certo – a médica faz anotações na ficha de Amélia – Tem mais algum sintoma? - Um pouco de dor de cabeça. - Bom, como a pressão está quase normal, só um pouquinho acima, pode ter sido só por causa da viagem mesmo, junto com as próprias mudanças que o

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corpo sofre na gestação. Mas vamos continuar monitorando. Quero que você fique de repouso nos próximos dias, tá, evite o sal na comida, e volte depois de amanhã para medirmos a pressão de novo. Vou pedir um exame para ver a o nível de proteínas na urina também. - Por quê? O que isso tem a ver com a hipertensão? – pergunta Vitor. - Os dois sintomas juntos caracterizam um quadro de pré-eclâmpsia. Não acredito que seja o caso da Amélia, até porque ela ainda está na 15ª semana de gestação, e a pré-eclâmpsia costuma aparecer a partir da 20ª. Mas não custa excluir essa possibilidade, né? Ou, se houver mesmo alguma alteração, detectar o mais cedo possível, para evitar complicações. Amélia e Vitor se olham, tensos, e ele questiona ainda mais ansioso: - É muito grave, essa pré-eclâmpsia? - Se não for controlada, pode evoluir para uma eclampsia, com risco de óbito da mãe e do bebê. Vitor quase entra em choque ao ouvir a palavra óbito. Ele aperta a mão de Amélia e responde quase chorando: - Doutora, não me diz isso... eu não posso perder a Amélia. Seria como perder uma parte de mim. - Calma, rapaz... A Amélia está bem assistida, não vamos deixar que nada de grave aconteça. Não quis assustar vocês – assegura a médica. - É, Vitor... eu estou me sentindo bem, não há de ser nada... você vai ver, minha pressão vai se estabilizar – Amélia tenta tranquilizá-lo também. Ele respira fundo e depois olha para a esposa: - Eu vou cuidar de você, não vou deixar que nada de mal aconteça com você e com nosso filho, eu juro.

VII Assim que chegam ao apartamento, Vitor conduz Amélia até o quarto: - Vem, amor, você tem que deitar um pouco agora, já agitou demais por hoje. Lembra do que a doutora disse: repouso. - Tá bem, eu vou obedecer porque estou realmente cansada... mas não pensa que você vai ficar mandando em mim assim o tempo todo, viu? – ela ri, enquanto Vitor a ajuda a se acomodar na cama. - Ah, é? – ele ri também, depois senta na beira da cama e olha para Amélia com ternura - Você tem ficar quietinha, pro seu bem e do nosso bebê. Eu sei que não é bom ficar de cama, mas às vezes é necessário. - Sim, eu sei disso... e vou me comportar – ela sorri. - Promete? Você promete que vai fazer tudo a dra. Lilian mandar? Eu preciso de você – ele põe uma das mãos na barriga de Amélia – e dele. - Prometo. Fica tranquilo, meu amor, tenho certeza que vai ficar tudo bem. - Assim espero – ele solta um suspiro, se levanta e dá um beijo na testa de Amélia – Eu vou falar com a empregada sobre o sal na comida e já volto, tá? Quando ele volta, Amélia está cochilando. Vitor aproveita para estudar alguns documentos do frigorífico e da Rurbana, ali no quarto mesmo, mas a toda hora olha para a cama. Depois sai de novo. Amélia está acordando quando ele entra carregando uma bandeja. - Boa noite... o jantar está chegando... já está na hora, sabia? – ele avisa ao vê-la já desperta. - Vitor... não precisava trazer no quarto, eu podia ir para a mesa.

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- Não mesmo, hoje nós vamos jantar aqui. Você tem que sair dessa cama o mínimo possível – Vitor explica enquanto coloca a bandeja diante de Amélia. - Ah, eu estou presa na cama, é? – ela ri. - Está – ele dá um leve sorriso malicioso – pena que não posso me aproveitar dessa situação... - Bobo... Ele ri: - Melhor parar de bobagem, né... vocês precisam se alimentar. Vamos, Amélia, quero ver você comer tudinho. - Você tá muito chato, hein? – brinca Amélia. - Desculpa, eu vou tentar ser um pouquinho menos chato... – ele retruca, rindo. Ela joga um beijinho pra ele e começa a comer. Vitor fica primeiro só observando, depois inicia a refeição também. Depois que terminam o jantar, Vitor leva a bandeja para a cozinha e volta rapidamente para junto de Amélia. - Agora vai ser assim, vou ficar o tempo todo do seu lado – ele avisa. Ela sorri, encantada, depois questiona: - Adoro sua companhia mas... não tá esquecendo de nada, não? - De quê? - Quem vai cuidar do frigorífico, do escritório da Rurbana... hein? - Ah, do frigorífico a Fátima toma conta. E quanto à Rurbana, eu resolvo muita coisa daqui mesmo, só preciso ir ao escritório quando é realmente necessária a presença de um de nós dois. - Já sei, quando eu tiver que assinar alguma coisa você traz os papéis aqui... acertei? - Acertou. Enquanto estiver de repouso, você não vai para o escritório. - Eu não tenho escolha mesmo, né? - Não... Amélia dá de ombros, com uma expressão resignada. Vitor acaricia o rosto dela: - Não fica assim... pensa que nós vamos passar mais tempo juntos – ele dá um sorriso travesso - O difícil vai ser ficar tanto tempo ao seu lado sem fazer nada... a partir de agora vou ter que ser um santo – ele solta um suspiro e ri – Tá vendo, o castigo não é só seu... Amélia ri também: - É muito bobo mesmo... Ele a contempla por alguns instantes e depois diz, chegando mais perto: - Acho que uns beijinhos não fazer mal, né? - Claro que não, vou até ficar melhor – ela afirma, sorrindo. - Ah, é? – Vitor diz quase encostando os lábios no dela, depois lhe dá beijos suaves. Amélia e Vitor voltam na médica com o resultado do exame: - O nível de proteínas na urina está dentro do normal, mas perto do limite. Daqui a um mês vamos refazer esse exame – explica dra. Lilian. A pressão de Amélia continua 13 por 9. - Se continuar assim, não subir mais, ainda não é perigoso, mas vamos continuar de olho – avisa a médica.

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- Preciso continuar de repouso? O Vitor não me deixa fazer nada, me trata como doente – questiona Amélia, ansiosa. Dra. Lilian sorri: - Procure não se agitar muito, não fazer esforço, mas não é necessário você ficar de cama. - Ai, que bom... Ouviu, Vitor? – Amélia olha para ele segurando uma risada. - Ouvi muito bem. Você está liberada da cama, não de ficar quietinha, né, doutora? - A Amélia só precisa seguir um ritmo mais lento do que estava acostumada, apenas isso. E vamos monitorando essa pressão, ok? Amélia entra na 20ª semana de gestação. Ao voltar para casa depois de resolver algumas coisas no escritório da Rurbana, Vitor acha a esposa um pouco abatida. - Que você tem, Amélia? - Não sei... estou me sentindo meio inchada, pesada, sabe? Mas eu estou mais pesada mesmo, né? Acho que engordei mais do que deveria nas últimas semanas, parece que aumentei de tamanho para todos os lados – ela sorri. Ele balança a cabeça negativamente: - Você está mais linda do que nunca - depois insiste - É só isso mesmo? Não tá sentindo nenhuma dor? Não é melhor ligar para a dra. Lilian? - Não, amor, não precisa... E tenho consulta marcada amanhã, esqueceu? - É mesmo. Então deita um pouco, descansa... eu fico com você no quarto. Amélia nem contesta, já vai caminhando para o quarto, Vitor vai junto e a ajuda a se acomodar na cama. Ele senta na beira da cama e segura uma das mãos da esposa, ao mesmo tempo em que acaricia a barriga dela. Fica algum tempo assim, contemplando Amélia e a acarinhando. Até que Vitor diz, emocionado: - Você está linda mesmo, viu? Com aquela beleza que só uma mulher grávida tem... a beleza de quem carrega uma vida dentro de si. Ela sorri: - Que bom ouvir isso... – Amélia olha para Vitor com ternura e pede – Deita aqui do meu lado? Ele se ajeita ao lado dela. Amélia então chega mais perto e deita a cabeça no peito dele: - É só disso que eu preciso agora... – ela murmura. - Meu amor... – ele e abraça e começa a acariciar os cabelos dela – Você pode ficar assim o tempo que você quiser... pode ficar a vida toda. Amélia apenas sorri, e fica de olhos fechados sentindo o aconchego nos braços de Vitor. Os dois permanecem em silêncio, abraçados, por um bom tempo. Já mais disposta, Amélia abre os olhos e comenta: - Humm, tá sentindo? Isso é cheiro de mané-pelado? Me deu água na boca agora... - Acho que é, sim. Eu pedi hoje cedo para a empregada fazer. Vou buscar um pedaço pra você, tá? - Não mesmo, vou junto até a cozinha – ela avisa já sentando-se – Já estou melhor. - Tem certeza? - Tenho.

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- Então tá... Vem – ele estende a mão para ajudá-la a levantar da cama, e depois que ela está de pé, pergunta de novo – Está bem mesmo? - Estou. Vamos logo comer esse mané-pelado? – ela ri. Vitor sorri, mais tranquilo.

VIII

No dia seguinte, ao acordar, Amélia diz que quer ficar um pouco mais nada cama. - Não está se sentindo bem? – Vitor fica apreensivo. - Estou com dor de cabeça – ela responde fazendo uma careta. - E pela sua cara está mais forte que da outra vez – ele percebe. - É, um pouco... Vitor anda de um lado para o outro, nervoso, tentando ordenar os pensamentos: - Vou ligar para a dra. Lilian, pedir para te atender mais cedo. - Não... deixa eu ficar deitada mais um pouco – Amélia pede com uma voz manhosa – Por favor... - Tá... tá bem... mas só concordo porque você já tem mesmo consulta daqui há algumas horas. - Obrigada – ele responde já com os olhos fechados. Vitor fica olhando para ela, angustiado, pensando: “Tomara que a pressão não esteja alta, tomara...” Ele deixa que Amélia repouse por meia-hora, sem sair do lado dela. Só depois desse tempo é que ele vai até a cozinha para buscar uma bandeja de café da manhã. Ao voltar, coloca a bandeja sobre a cama e chama Amélia, falando baixinho perto do rosto dela: - Amor... acorda... você precisa se alimentar nas horas certas. Ela abre os olhos, parecendo cansada ainda: - É... preciso... – ela ergue-se, e Vitor a ajuda a se acomodar, depois pergunta: - Tá doendo a cabeça ainda? - Está – Amélia responde franzindo a testa e soltando um suspiro. - Ai, Amélia... estou preocupado. - Calma, daqui há pouco a gente vai na médica – ela tenta tranquilizar Vitor, enquanto pega o copo de suco. Ele fica observando Amélia fazer a refeição, sem dizer nada. - Você não vai comer? – ela pergunta. - Já tomei uma xícara de café enquanto preparava a bandeja – ele tenta parecer calmo, mas o olhar entrega a tensão. Na hora da consulta, Amélia continua com dor. Assim que entram na sala da dra. Lilian, Vitor já avisa: - Doutora, a Amélia acordou com dor-de-cabeça hoje, e não passou até agora. A médica olha para Amélia, que concorda: - É verdade. - Vamos medir sua pressão – dra. Lilian se aproxima de Amélia, e ao concluir o exame fica com uma expressão preocupada. Vitor percebe e pede, aflito: - Doutora, fala logo... tá alta, né? - 16 por 10. Essa pressão não pode ficar assim. Vou te deixar em observação, Amélia, no ambulatório aqui da clínica, por algumas horas.

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Segurando forte a mão de Amélia, Vitor afirma: - Vou ficar junto com ela. - Claro, pode ficar – diz a médica – Vocês trouxeram os exames? Amélia passa os resultados para a doutora, que analisa: - Os exames de sangue estão todos bons. Agora, a proteína na urina... está um pouco acima do limite. Amélia não consegue falar nada, apenas põe as mãos sobre a barriga. Vitor está quase tremendo: - Isso quer dizer... que a Amélia está com pré-eclâmpsia? - Prefiro dizer que ela está começando a desenvolver esse quadro. Mas nós vamos controlar a pressão dela... não se desesperem. Vamos para o ambulatório. Vitor respira fundo, tentando se acalmar. Ele não larga a mão de Amélia em nenhum momento, procurando se mostrar forte para dar força à ela. - Temos que pensar que vai ficar tudo bem, né? – ele diz com a voz trêmula, enquanto acaricia a mão dela. - Vai sim... – ela diz de um jeito tão confiante que deixa Vitor um pouco mais calmo. A pressão arterial cede e cerca de três horas depois, Amélia é liberada, com recomendação de repouso absoluto e de entrar em contato com a médica ao ter qualquer sintoma. - Graças a Deus... – murmura Vitor, com um suspiro de alívio – Tem certeza, doutora, a Amélia pode ir para casa? - Pode, sim, vocês só tem que ficar atentos a qualquer indício de que a pressão voltou a subir. - Eu vou ficar de olho na Amélia o tempo todo. E ela vai ficar de repouso, eu garanto – ele afirma, ainda um tanto nervoso. - Claro que vou, Vitor... – Amélia acaricia a barriga – Não vou colocar nosso filho em risco. Vitor olha para ela de um jeito aflito: - E nem você mesma, por favor... – ele dá um beijo na testa de Amélia e acaricia o rosto dela, que ainda está deitada na maca. Ela estende a mão, e Vitor a ajuda a se levantar, depois a conduz até o carro, dizendo o tempo todo “cuidado... devagar...”. Amélia sorri, achando graça do excesso de zelo dele. Ao chegarem no prédio ondem moram, eles descobrem que o elevador acabou de ter uma pane. - Vamos de escada, são só dois andares – diz Amélia com tranquilidade – Eu subo bem devagarinho. - De jeito nenhum, você não vai subir escada – ele responde com firmeza – Eu te levo. - Vitor... – ela murmura comovida, enquanto ele a pega no colo e começa a subir os degraus. Ao alcançar o primeiro andar, Vitor pára e pergunta: - Está tudo bem? Posso continuar? - Sim – ela devolve sorrindo. Ele continua subindo, com o rosto brilhando de suor. Eles chegam no segundo andar, e Amélia avisa:

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- Pronto, agora eu posso ir caminhando, né? - Não – Vitor balança a cabeça – Já estamos quase chegando, vou te carregar até a cama. - Eu não estou muito pesada? – ela questiona, querendo rir. - Quê? Tá me chamando de fraquinho? – ele brinca, enquanto chegam na porta do apartamento – Agora é que não te largo mesmo... Vitor coloca Amélia na cama, tira os sapatos dela e ajuda a ficar bem acomodada. - Obrigada, meu anjo – ela agradece com um olhar de encantamento. Ele sorri e dá um selinho nos lábios dela, depois pergunta: - Está se sentindo bem? - Estou. - Então posso te deixar sozinha uns minutinhos, enquanto tomo um banho? Olha meu estado, estou com a camisa toda molhada de suor... Amélia olha para ele de um jeito meio travesso: - Você fica tão bonito assim, suado... sabia? - Amélia... nem pensa nessas coisas... – ele censura, mas sorrindo. - Que coisas? Não disse nada... - Eu conheço esse olhar... – Vitor a encara, depois dá um sorriso apaixonado – Aliás, eu adoro quando você me olha assim, com desejo... – ele muda de expressão, balançando a cabeça, parecendo querer afastar os próprios pensamentos – Melhor parar com esse assunto, vou tomar meu banho. Amélia ri do jeito de Vitor, enquanto ele vai para o banheiro. Depois fica acariciando a barriga, imaginando como o filho está lá dentro. Quando Vitor sai do banho, Amélia está cochilando. Ele pega o celular e vai para o local mais afastado da cama. Procura o número de Manu, e liga: - Oi, Manu. Tudo bem por aí? - Tudo. Aconteceu alguma coisa? Sua voz tá estranha... - A Amélia está dormindo, por isso não posso falar alto. Achei melhor te avisar logo: a pressão dela subiu de novo, está começando uma pré-eclâmpsia. - Ai, Vitor, não me esconde nada... como ela está? – Manu fica preocupada. - Agora está bem, a pressão foi controlada. Mas tem que ficar de repouso e sob um acompanhamento rigoroso. Eu estou cuidando dela. - Isso me deixa mais tranquila. Sei que ninguém seria mais dedicado à minha mãe do que você. Vitor solta um suspiro: - Ah, Manu... estou tentando parecer forte, mas no fundo eu estou apavorado. Não vou aguentar se acontecer alguma coisa com a Amélia – ele desabafa com jeito de quem está com um nó na garganta. - Calma... vai dar tudo certo. Amanhã eu vou aí visitar minha mãe, tá? - Vem mesmo, ela vai adorar – Vitor sorri, e despede de Manu.

IX

No dia seguinte, Vitor está aparentemente concentrado no computador, trabalhando no quarto, quando Amélia tenta sair da cama. Ele vê e corre até ela: - Onde você pensa que vai?

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- Pegar meu material para desenhar, estou com umas ideias para uma nova coleção. - Deixa que eu pego pra você. - Ah, Vitor... preciso mexer minhas pernas um pouco... – Amélia protesta, mas Vitor não lhe dá ouvidos, já está buscando os lápis e papel. - Pronto, acho que está tudo aqui. Se estiver faltando alguma coisa, me pede – ele avisa enquanto entrega o material a ela. - Você acha que eu ia ficar andando de um lado para o outro? Só ia até ali pegar meus lápis e já voltaria pra cama, não acredita? Às vezes parece que você não confia em mim – Amélia questiona, meio chateada. - Acredito e confio, sim, meu amor, mas... – ele segura as mãos dela – eu tenho tanto medo que seu estado se agrave que fico achando que todo cuidado é pouco. Amélia acaricia os cabelos dele, olhando-o com ternura: - Eu sei... Acho que nunca te vi tão preocupado, nem quando o Max nos ameaçava. - Eu também tinha muito medo de te perder naquela época... mas o Max era uma ameaça visível, e que de certa forma a gente sabia como lidar, como se defender. Lembra, tudo que eu queria era te levar pra longe do Max, porque assim eu sabia que conseguiria te proteger... eu podia te afastar do perigo. Mas agora, não depende de mim, a ameaça está no seu corpo, não é algo do qual a gente possa se manter distante – Vitor solta um profundo suspiro – Então, tudo que estiver ao meu alcance, eu vou fazer, vou cuidar de você como nunca cuidei nem de mim... Ele termina de falar com os olhos marejados. Amélia se inclina um pouco para abraça-lo, e Vitor chega mais perto e a abraça forte, cuidando para não apertar a barriga dela. Depois de alguns instantes em silêncio naquele abraço, ela diz: - Nós dois juntos somos fortes e vamos superar mais essa, viu? Ele beija delicadamente os lábios dela e responde, com o rosto ainda quase colado ao de Amélia: - Vamos, sim... Amélia está desenhando novas jóias quando a campainha toca. Ela coloca o material de lado rapidamente: - Deve ser a Manu! - Fica quietinha aí que eu vou atender – avisa Vitor. - Sim, senhor... – retruca Amélia, segurando uma risada. Ele sorri e vai para a sala. Logo em seguida volta trazendo Manu, que corre até a cama, e abraça e beija a mãe. - Filha, que bom te ver... – diz Amélia, radiante. - Como você está, mãe? O Vitor já me contou tudo. - Estou bem, fica tranquila. O Vitor não me deixa sair da cama pra nada. E fica vigiando pra ver se eu não fujo, sabia? – brinca Amélia. - Sei que você não vai fugir... mas eu gosto de ficar te olhando, admirando toda essa beleza que é só minha – ele responde dando uma piscadinha para a esposa. Manu ri, olhando para o padrasto e depois para a mãe: - Você não enjoa com esse mel todo? Amélia e Vitor riem também, e Manu continua:

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- Agora falando sério, mãe, você tem que fazer o que a médica mandou. E como está meu afilhado? – ela pergunta passando a mão na barriga de Amélia – Já sabem se é menino mesmo? - Não, eu ia fazer o ultrassom ontem, mas como minha pressão estava muito alta a médica adiou para hoje, se eu estiver bem. - Hum, então vou junto, posso? - Claro, filha... - Não sei se eu quero que você vá, não... – retruca Vitor. - Ué, por quê? – Manu se vira para ele, que cai na risada. - Tô brincando, magrela... – ele abraça a enteada e lhe dá um beijo no rosto – É bom ter você aqui, ter mais alguém pra dividir tudo isso que estamos passando... - Conta comigo, estamos juntos nessa. À tarde, os três vão para o exame de ultrassom. Primeiro, a dra. Lilian mede a pressão de Amélia. - 13 por 9. Bom, tem que pelo menos continuar assim, Amélia. Ela e Vitor sorriem, enquanto a médica os encaminha para a sala do exame. Depois de analisar atentamente as imagens no monitor, a doutora avisa: - Está tudo bem o bebê. Querem saber o sexo? - Queremos! – Amélia e Vitor respondem ao mesmo tempo. - Olhem aqui... – a médica aponta na tela – Não há dúvidas, vocês estão esperando um meninão. - Um menino! Você estava certa, amor! – exclama Vitor, com um sorriso bobo. - Eu sentia... – diz Amélia, sorrindo também. - Vocês já escolheram o nome? – pergunta a doutora. - Não decidimos ainda – Vitor explica. Manu se manifesta: - Meu irmãozinho ainda não tem nome? Vocês precisam dar um jeito nisso logo, hein? - O Vitor não gostou de nenhuma das minhas sugestões – revela a mãe. - Nem você das minhas – ele retruca, sem perder o sorriso, depois acaricia os cabelos de Amélia – A gente ainda vai achar o nome perfeito, né, meu amor? - Claro que vai – ela sorri, olhando para Vitor, e os dois ficam por alguns instantes trocando um olhar emocionado. De volta ao apartamento, Vitor está terminando de ajudar Amélia a se acomodar na cama quando o celular dele toca. - É do escritório – ele diz ao olhar o visor de aparelho – Alô? O que houve? Pode deixar, eu ligo para ele. Amélia observa preocupada e pergunta assim que Vitor desliga o telefone: - Algum problema? - Depende do ponto de vista, minha cara designer de sucesso. O volume de pedidos está tão grande que nossas artesãs lá do Jalapão não estão dando conta. O Antônio, supervisor delas, ligou pedindo autorização para contratar mais gente. - É mesmo? E quantas artesãs a mais vamos precisar? – questiona Amélia, empolgada.

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- Não sei, vou ligar para o Antônio agora mesmo – ele se dirige à enteada, mas apontando para Amélia – Manu, você fica de olho nessa moça enquanto eu cuido dos negócios da família? Vou telefonar da sala. - Pode trabalhar sossegado – Manu afirma enquanto senta-se na cama e segura as mãos da mãe – Enquanto isso nós vamos conversar assuntos de mulheres, né, mãe? - Não vão falar mal de mim, né? – brinca Vitor. - Por que, você deu motivo? – retruca Manu, rindo. - Espero que não – devolve Vitor, já se dirigindo para a porta – Qualquer coisa, me chamem, estou ali na sala, viu? Amélia ri: - Já sei, Vitor... Ele atira um beijinho e sai. Manu olha para a mãe: - Temos que começar a pensar no seu chá de bebê... - Ah, Manu, queria poder fazer o chá em Girassol, minhas amigas todas estão lá... mas não posso nem cogitar essa possibilidade, o Vitor não vai querer nem ouvir – Amélia comenta meio decepcionada. - E com razão, né? A senhora está de repouso absoluto. - É, não tem jeito mesmo. - Que nada, dona Amélia, a gente traz a mulherada toda pra cá... deixa que eu dou um jeito nisso. Já pensou em quem vai convidar? Além da Jana, da Pérola e as meninas e da Terê, que já sei que são certas na lista. - A dona Mariquita e a Estela... a Beatriz também... ah, coloca a Elen, da loja de artesanato... Você não esqueceu da Lurdinha, né? – enquanto Amélia fala, Manu vai anotando. - Que nada, a Lurdinha é presença importantíssima. Ela vai ficar encarregada de fazer um bolo daqueles que só ela sabe... – Manu ri - Temos que fazer a lista de presentes também. Eu me encarrego de passar para as convidadas. - Nem precisa, filha. O Vitor já comprou quase tudo. O importante é a confraternização, é compartilhar esse momento. - Assim não tem graça, o melhor é a brincadeira de adivinhar os presentes! – contesta Manu – Mas tudo bem, sem lista, então. Mesmo assim eu tenho certeza que você vai ganhar várias coisas fofas... - Vamos ver, né... – Amélia sorri. As duas estão revisando a lista de convidadas quanto Vitor retorna ao quarto, com uma expressão preocupada: - Vitor, que cara é essa? – questiona Amélia, apreensiva. - O Antônio não quer fazer a contratação das novas artesãs sozinho. E ele tem razão de não querer assumir essa responsabilidade, a função dele é supervisionar a produção e nos remeter o material pronto. Preciso ir até o Jalapão – Vitor solta um suspiro e senta na beirada da cama, olhando para Amélia enquanto acaricia a barriga – mas não quero ficar longe de você e do nosso filho, num momento desse... - Eu fico com a minha mãe, Vitor... e você não vai demorar muito por lá, né? – assegura Manu. - Se puder eu volto no mesmo dia, no máximo no dia seguinte. Você pode mesmo cuidar da Amélia, Manu? - Claro...

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Vitor fica olhando para Amélia, angustiado, tentando encontrar uma maneira de não precisar viajar.

X

Sem outra alternativa, Vitor acaba indo para o Jalapão no dia seguinte. Mas a toda hora ele telefona para saber de Amélia. A seleção das artesãs termina tarde, e Vitor não consegue voo para voltar no mesmo dia. Amélia e Manu ainda estão dormindo quando Vitor entra quarto, cuidando para não fazer barulho. Ele se aproxima da cama e sorri ao ver que Amélia dorme tranquilamente. Abaixa-se e beija o rosto dela delicadamente. Ela abre os olhos e fala baixinho: - Vitor! Você madrugou pra chegar tão cedo assim? - E você acha que eu consegui dormir? Até tentei, mas eu só pensava em você e no nosso filho – ele ergue um pouco o corpo de Amélia e abraça com força, enquanto pergunta – Ficou tudo bem mesmo enquanto estive fora? - Ficou, sim. Estamos bem – ela responde sorrindo. Vitor a deita de volta, dá um beijo nos lábios dela e depois aproxima bem o rosto da barriga de Amélia – Meu filho... papai chegou... De repente, Amélia fica com uma expressão de surpresa e põe a mão na barriga. - Ele mexeu, Vitor! - Mexeu? – Vitor põe as duas mãos sobre a barriga de Amélia. - De novo! Sentiu? – ela avisa. - Agora eu senti! Meu filho... – ele confirma com os olhos ficando marejados – Estou sentindo você, filho... Só então Manu, que dormia ao lado de Amélia, acorda e se vira para a mãe: - O que está acontecendo? Vitor? – ela se surpreende ao vê-lo. Mas ele nem a ouve, ainda está extasiado acarinhando a barriga da esposa. - O bebê mexeu, filha! – conta Amélia. - Ah, eu quero sentir também... – Manu toca a barriga da mãe, e fica decepcionada – Não estou sentindo nada. - Acho que ele resolveu ficar quietinho – comenta Vitor com voz doce, sem parar de sorrir. Ele solta um suspiro e então olha para Manu – E então, como correram as coisas durante a minha ausência? - Eu cuidei direitinho da dona Amélia, e ela se comportou muito bem – relata Manu. - Que bom – ele olha para Amélia com ternura. Manu continua: - Posso voltar para a fazenda logo depois do almoço, então? Preciso ver o que o Rudy está aprontando por lá – ela ri. - É, não dá pra confiar muito naquele alemão... – brinca Vitor. - Por que você implica tanto com meu marido, hein? – retruca Manu. - Ah, Manu... porque eu acho que você merecia algo melhor, um cara mais sério, mais centrado... entende? - Entendo... O Rudy é meio maluco mas é gente boa, tá? - Eu sei... senão já tinha botado ele pra correr – Vitor continua brincando, e Manu devolve: - Ih, só porque casou com minha mãe você tá achando que é meu pai, querendo escolher meus namorados?

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Ele faz uma careta: - Nem tanto, né? – depois dá um sorriso - Mas sou seu padrasto agora, tenho que cuidar de você. E mesmo que não fosse... te quero muito bem, viu, Manu? Você é uma das pessoas que mais quero bem nessa vida. Posso não achar o alemão o cara certo pra você, mas se ele te faz feliz, está tudo bem. Manu sorri: - Valeu, padrastinho... também te quero muito bem. - Ah, que bonito ver vocês falando assim... – comenta Amélia, que observava toda a conversa. Vitor a abraça: - Ah, é? - É tão bom ver o carinho que você tem pelos meus filhos... - Tudo que vem de você é importante para mim – ele acaricia o rosto dela enquanto fala. Amélia sorri, e eles trocam um olhar enamorado. Manu se levanta e avisa: - Bom, enquanto vocês ficam aí namorando, eu vou tomar um café e depois arrumar minhas coisas. Ela sai, e Vitor puxa Amélia com cuidado para seus braços: - Vem cá, ainda não matei a saudade dos seus lábios... – ele a beija com paixão mas ao mesmo tempo com suavidade para não deixá-la muito agitada. As semanas vão passando, Amélia continua em repouso e Vitor cheio de cuidados. Assim a gestação vai transcorrendo com relativa tranquilidade, embora a pressão arterial oscile um pouco, mas sem precisar de medicação ainda para ser controlada. Amélia está quase no sétimo mês quando o chá de bebê finalmente acontece. Sentada numa poltrona, ela olha Manu e Lurdinha arrumarem a sala para a confraternização, quando Vitor chega carregando algumas sacolas. - Amor, não me diz que você comprou mais roupinhas... – diz Amélia, pondo as mãos no rosto e rindo – Quantos bebês você acha que estou esperando? - Ah, eu não resisti... passei na frente daquela loja que tem quase ao lado do nosso escritório e fiquei imaginando nosso filho nesse conjunto que estava na vitrine – ele tira de uma das sacolas e mostra um macacãozinho de um azul claro mas bem vivo, com uma blusa de um verde bem suave por baixo. - Awnnn, que lindo! – exclamam Manu e Lurdinha quase juntas. - Lindo mesmo... mas Vitor, você já comprou tanta roupa que nosso menino nem vai conseguir usar tudo... – Amélia censura sem conseguir deixar de achar graça da situação. - É verdade, acho que não tem mais nem lugar no armário pra guardar – acrescenta Manu, olhando para as outras sacolas – Que mais você comprou aí? Vitor sorri e mostra um par de tênis tipo All Star, mas do modelo para bebês, quase minúsculos. - Olha isso, que coisa mais fofa... – Manu fica encantada. - Meu filho vai ser cheio de estilo, né, gente? – brinca ele. - Ah, vai ser muito chique... – Lurdinha dá sua opinião – E há de ser uma criança bonita por demais, porque a dona Amélia é tão linda que até parece estrela de cinema, e o seu Vitor é o homem mais bonito que eu já vi... com todo o respeito, dona Amélia.

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- Tudo bem, Lurdinha... – Amélia sorri e olha para Vitor – Ele é mesmo lindo. - Você que é a mulher mais linda do mundo, meu amor – ele devolve. O toque do interfone interrompe a conversa. Vitor atende e avisa: - A mulherada de Girassol chegou, já estão subindo. - Então você trate de ir saindo... nem era para ter voltado pra casa agora – ordena Manu. - Não mesmo, eu sou pai da criança, tenho o direito de participar. Ninguém me tira daqui – ele retruca. - Eu acho que você pode ficar, sim. Qual o problema, Manu? – intercede Amélia. - Era pra ser uma reunião só de mulheres, mas fica, então, seu chato! – Manu ri, olhando para Vitor – Só não atrapalha, tá? A campainha toca antes que ele consiga responder. Manu corre para atender, e Vitor vai junto. As convidadas entram, e por último vem Fred. - Ué, achei que só vinha mulher... – brinca Vitor, enquanto cumprimenta o enteado. - Por isso mesmo... vim te convidar pra tomar um chope enquanto essa mulherada faz a festa aí – explica Fred. - Nem pensar, vou ficar aqui, de olho na Amélia. E não adianta insistir. Fred olha para a irmã, dizendo: - Eu tentei... - Ah é, Manu? Você pediu pro Fred tentar me tirar de casa? – Vitor olha para ela também. - Eu sabia que não ia ser fácil. Te conheço não é de hoje, né? – ela devolve. Vitor ri e se volta para o enteado: - Chega mais, Fred, a gente fica observando essa bagunça ali da cozinha. Ele serve um refresco para Fred, e os dois sentam em um lugar de onde podem ver bem a confraternização. - Vitor, por que essa cara? – questiona Fred, percebendo a tensão do padrasto. - Não sei se eu devia ter permitido esse chá de bebê. A Amélia não pode se agitar, não quero nem pensar na pressão dela subindo de novo. - Relaxa, cara... Olha como minha mãe está feliz. Acho que essa farra vai fazer é bem pra ela. - Tomara, Fred, tomara... – Vitor suspira e fixa o olhar em Amélia, e sorri ao notar o quanto ela está radiante ao conversar com as amigas.

XI Depois que todas já abraçaram Amélia e acariciaram sua barriga, Pérola é a primeira a passar um pacote às mãos da amiga, que pressiona um pouco o embrulho: - É uma roupinha. - Acertou! Amélia abre e vê um conjunto de casaco e calça brancos, de linha. - Ah, Pérola... obrigada. Ele vai usar essa roupinha no dia do batizado, viu? Depois ela pega os presentes de Safira, Esmeralda e Ametista. Cada uma deu uma camisetinha, nas cores azul, verde e lilás, respectivamente. - Olha o tamanho dessas camisetas, parecem de boneca! – brinca Manu. - Obrigada, meninas... adorei! – agradece Amélia. Dona Mariquita entrega um pacote, explicando:

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- Eu queria bordar as toalhinhas com o nome da criança, mas ninguém sabia me dizer... então só bordei uns desenhos. Mas se você quiser depois eu coloco o nomezinho dele. Amélia olha encantada para os bordados: - Dona Mariquita... não precisava. Imagino quanto tempo a senhora se dedicou a esse trabalho. - Que nada, Amélia... A Estela me ajudou. Demorou, mas ela aprendeu a bordar direitinho. - Obrigada também, Estela. Chega a vez de Terê, que dá uma caixa para Amélia. Ela quase não acredita quando tira dali um palhacinho de pano, bem colorido: - Ah, que lindo! Só você mesmo, Terê... Vitor, vendo tudo da cozinha, acha graça: - Olha aquilo, Fred... que bonitinho! A Terê não existe... - Acho que você está querendo brincar com o palhacinho... confessa – Fred ri. - E daí? Vou brincar com meu filho. Quer saber, vou até treinar uma voz para o palhaço... Enquanto os dois dão risadas, Amélia continua abrindo os presentes. Depois as mulheres conversam e degustam os quitutes de Lurdinha. Quando o chá termina e todas vão embora, menos Manu e Lurdinha, que ficam arrumando a sala, Vitor senta ao lado de Amélia: - E então, meu amor, como está se sentindo? - Leve... feliz... foi tão bom passar essas horas com pessoas que me são tão queridas. Eu estava com tanta saudade da Pérola, da Terê, de todas... E viu quanta coisa linda nosso filho ganhou? - Eu vi. Adorei aquele palhacinho que a Terê deu. Vamos colocar ele lá no berço? - Vamos. Me ajuda aqui? Essa barriga está ficando pesada... Vitor ajuda a levantar-se e depois pega os presentes para levar para o quarto do bebê, que já está praticamente pronto. Eles colocam o palhacinho num canto do berço e ficam olhando para o espaço vazio: - Mais um pouco e nosso menino vai estar aqui, dormindo nesse berço... – Vitor coloca uma das mãos na cintura de Amélia e com a outra acaricia a barriga dela, depois se abaixa e quase encosta os lábios – Não vejo a hora de ter nos meus braços, filho... te amo muito, viu? Vitor fica por alguns instantes em silêncio, com o rosto colado na barriga de Amélia, que acaricia os cabelos dele, emocionada. Ele se levanta e toca no rosto dela de leve, enquanto solta um suspiro, depois enxuga uma lágrima que está quase caindo dos olhos dela. - Você não pode se emocionar muito... – ele lembra com doçura, e a olha de um jeito compreensivo – Está sendo bem difícil para você, né, ter que se privar de várias coisas, ter que praticamente parar sua vida para esperar esse filho, que ficar sempre se policiando e sendo policiada por mim... eu não queria que fosse desse jeito. - Tudo isso vai ter valido a pena quando a gente olhar para a carinha do nosso bebê... já está valendo, só de ver essa felicidade no seu olhar. Você é um homem maravilhoso, e merece esse presente que graças a Deus eu vou poder te dar – ela fala enquanto acaricia a barriga.

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Sentindo um nó na garganta, Vitor não consegue dizer mais nada, apenas beija delicadamente os lábios dela, e sussurra: - Te amo... Amélia segue fazendo repouso e monitorando a pressão. Vitor praticamente não sai de perto dela, quando precisa resolver alguma coisa volta o mais rápido possível. Duas semanas depois do chá, ela está se ajeitando na cama para dormir, enquanto ele toma banho. Amélia sente uma dor na barriga. Logo depois, percebe que há algo estranho e põe os dedos sob a calcinha. Ao olhar para a mão de volta, fica apavorada e grita: - Vitor! Ele sai correndo do banheiro e fica pálido ao ver sangue nos dedos dela: - O que é isso, Amélia? - Um sangramento... – ela responde com voz trêmula e lágrimas brotando nos olhos. Vitor põe as mãos na cabeça, tremendo: - Ah, meu Deus... o que eu faço agora? – ofegante, ele tenta ordenar os pensamentos – Onde está a chave do carro? Vamos para o hospital, rápido! Vitor põe a primeira roupa que vê pela frente. Depois pega Amélia no colo e sai carregando ela enquanto diz: - Temos que avisar a dra. Lilian também. Ele aperta o botão do elevador várias vezes, nervoso. Quando o elevador chega, Vitor nem espera a porta abrir totalmente e já vai entrando, carregando Amélia. Enquanto descem, ele a estreita em seus braços, querendo ter o poder de protegê-la com aquele abraço. Vitor entra no hospital com Amélia nos braços, desesperado: - Minha mulher está perdendo sangue, alguém atende aqui... o meu filho... a minha mulher – ele implora. Uma enfermeira traz uma cadeira de rodas para levar Amélia. Vitor tenta entrar junto, mas a enfermeira o contém: - O senhor aguarde aqui, por favor. Ele anda de um lado para o outro, angustiado, e tira o celular do bolso para ligar para a dra. Lilian. Está tão nervoso que deixa o aparelho cair no chão. Trêmulo, ele junta o telefone e finalmente consegue falar com a médica, que promete chegar no hospital o mais rápido possível. Depois de desligar, Vitor senta numa cadeira da recepção e baixa a cabeça, prendendo os dedos entre os cabelos: - Ah, meu Deus... não deixa nada de mal acontecer com a Amélia nem com meu filho... - ele murmura quase chorando. Algum tempo depois, dra. Lilian aparece na recepção: - Vitor, me acompanha... - A senhora já viu a Amélia? Como ela está? - Ela passou por uma bateria de exames e está em observação. Vem, agora você pode ficar ao lado dela. Ele segue a médica, ansioso. Encontra Amélia deitada em uma maca, recebendo soro. - Meu amor... – ele segura a mão dela.

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- Já estou melhor... – ela diz com a voz meio enrolada por causa dos medicamentos que está recebendo. Vitor olha para a médica: - Doutora, me diz de uma vez, o que a Amélia tem? É grave? - Tenta se acalmar, Vitor... A Amélia teve um começo de descolamento de placenta. Foi bem pequeno esse descolamento, e o bebê está bem. Mas eu quero que ela fique internada pelas próximas semanas, porque se a placenta se descolar mais, teremos que antecipar o parto, para não colocar o bebê em risco. - Meu filho pode morrer? E a Amélia também? – pergunta Vitor, quase em choque. - O estado da Amélia é delicado. Mas é justamente para que não aconteça nada mais grave com ela e com o bebê, que sua mulher precisa ficar no hospital até a criança nascer. Vou providenciar a baixa dela, está bem? Não precisa se desesperar, vai dar tudo certo – a doutora tenta tranquiliza-lo, e sai para tomar as providências necessárias.

XII

Já no quarto do hospital, Amélia dorme sob efeito dos medicamentos. Vitor a observa angustiado, depois vai para perto da janela e telefona para Manu, contando-lhe o que aconteceu: - Vou praí agora mesmo. Não se desespera, tá? A dona Amélia é forte, vai superar tudo isso – ela responde. Já está amanhecendo quando Manu e Rudy chegam no hospital. Ela entra no quarto e corre em direção à cama: - Mãezinha... – Manu acaricia os cabelos da mãe, que ainda dorme. - Ela foi medicada, acho que vai dormir bastante – explica Vitor. - Vitor... – Manu o abraça com carinho – Como você está? - Tentando me manter em pé, ser forte... mas acho que eu nunca senti tanto medo na minha vida, nem quando eu estava perdido na mata, sozinho, ferido... Acho que não existe medo maior do que o de perder as pessoas que a gente mais ama – ele desabafa. - A gente vai dar força um pro outro, tá? – ela garante. - É isso aí, cara, conta comigo também – avisa Rudy, que entrara junto com Manu. - O Rudy fez questão de me trazer – explica Manu. - Claro, você estava tremendo de tão nervosa. Acha que ia te deixar dirigir assim, de noite? – o marido dela retruca. - Muito bem, alemão, é assim que se faz. Bom saber que você cuida direito dessa moça – Vitor chega a esboçar um sorriso, mas o olhar permanece triste. Manu olha para ele atentamente e questiona: - Você está aqui direto, desde ontem à noite? Vitor apenas balança a cabeça afirmativamente. - Não quer sair para comer alguma coisa? Eu fico aqui – ela garante. - Não, Manu... não vai descer nada. E só saio daqui depois que a Amélia acordar e eu conseguir falar com ela. - Eu vou buscar um café pra nós, então, certo? – avisa Rudy. - Faz isso mesmo, obrigada – concorda Manu.

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Depois que Rudy sai, Manu senta na beira da cama e fica acariciando os cabelos da mãe. Vitor vai até a janela, e olha para a rua, pensativo, como se carregasse um peso enorme no coração. Manu se aproxima dele: - O que foi? O que está te atormentando? - A culpa é minha, Manu... – ele confessa com a voz embargada. - Que é isso, Vitor... – ela tenta argumentar, mas ele não deixa, continua falando: - A Amélia não precisava estar passando por isso. Fui eu quem pedi pra ter um filho. Ela já tinha você e o Fred, não precisava passar por isso... Manu olha com firmeza para o padrasto: - Mas ela quis ter esse filho tanto quanto você. Vitor deixa sair um suspiro triste: - Quis, sim... pra que eu pudesse viver essa alegria de ser pai. Ah, Manu, a Amélia é tão linda e cheia de vida que esqueço que ela tem um tanto de idade a mais que eu... nem pensei nisso quando disse que queria um filho. Eu fui egoísta... - Não, Vitor... não pensa assim – pede Manu. Vitor abaixa a cabeça e continua: - Fui egoísta, sim. Desde o começo a Amélia estava com medo de não conseguir engravidar, de acontecer alguma coisa... e eu insisti. A gente podia ter adotado uma criança, mas eu quis primeiro esgotar todas as possibilidades de gerar um filho junto com a Amélia. - Você sempre sonhou em ser pai, eu sei bem disso. Lembra, você dizia que queria uma casa cheia de crianças... Ele olha para a enteada novamente: - É estranho isso, sabe? Acho que naquela época eu queria preencher um vazio que nem sabia porque sentia... só hoje eu tenho realmente a dimensão do que significa ter um filho. É como se o amor que a Amélia e eu vivemos fosse tão grande que precisasse ser dividido com mais alguém... Ela sorri levemente: - Imagino, não conheço amor maior do que o de vocês dois. - Então você sabe que eu não vou aguentar perder a Amélia... se acontecer algo mais grave com ela, não vou me perdoar nunca – ele diz com a respiração quase suspensa. - Não vai acontecer nada, viu? Não pensa no pior – Manu o abraça, e ele deita a cabeça sobre o ombro dela por alguns instantes, enquanto ela tenta confortá-lo. Estão abraçados ainda quando Rudy entra com dois copos de café. Ao vê-lo, eles se afastam, e o jornalista entrega um copo para Vitor e outro para Manu, explicando: - Nada melhor do que um café quente pra ajudar a raciocinar melhor. - Valeu – agradece Vitor, e bebe o café enquanto olha para a cama, onde Amélia ainda está dormindo. Algum tempo depois, Amélia desperta e chama: - Vitor... - Estou aqui, meu amor... – ele segura uma das mãos dela ao mesmo tempo em que acaricia seus cabelos.

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- O que aconteceu? Eu ainda estou no hospital? – ela pergunta ainda meio sonolenta. - Você vai ter que ficar internada até nosso bebê nascer, pra que não aconteça nada mais sério. Amélia olha para ele com uma expressão triste, e Vitor assegura: - Não vou te deixar sozinha, vou ficar com você o tempo todo. Eu não saí mais do seu lado desde que me deixaram entrar na enfermaria, você já estava adormecendo por causa dos remédios. Depois te colocaram nesse quarto. - Ah, Vitor, não queria que isso estivesse acontecendo... eu estava fazendo o repouso direitinho, não estava? – ela lamenta. - Estava sim, você não tem culpa – ele responde com ternura, ainda acariciando os cabelos dela. Manu se aproxima e dá um beijo no rosto de Amélia: - Mãe... estou aqui também. Você não vai ficar sozinha nenhum minuto, viu? - Filha... que bom que você veio... A dra. Lilian entra no quarto e sorri ao ver Amélia conversando com Vitor e Manu: - Que bom te ver acordada, Amélia... vamos medir essa pressão? Amélia estende o braço e a médica faz o exame, depois diz: - Muito bem, 12 por 8. Ontem estava um pouco alta quando você deu entrada no hospital. Mas agora não vamos deixar essa pressão subir mais, não é? Você vai receber também uma medicação para amadurecer os pulmões do bebê mais depressa, porque talvez a gente precise antecipar mesmo o parto. Eu espero que não seja necessário, mas vamos nos cercar de todas as precauções para que essa criança nasça o mais forte possível. - Então a Amélia está bem? – questiona Vitor, temendo a resposta. - Você pode se acalmar, porque o quadro dela está sob controle. Depois que a médica sai, Manu ordena: - Agora, Vitor, você vai descer com o Rudy para comer alguma coisa, enquanto eu fico com a dona Amélia. - Manu, depois eu vou... - Você não vai conseguir cuidar da minha mãe se desmaiar de fome – devolve a enteada. - É, Vitor, vai comer... por favor... eu fico bem aqui com a Manu – pede Amélia. - Tá, então eu desço rapidinho na lanchonete aqui do hospital e já volto – ele beija os lábios de Amélia – Eu não demoro. Vitor está abrindo a porta quando Manu pergunta: - Vitor, você avisou o Fred? - Não... esqueci dele, não estava conseguindo nem pensar direito. Eu ligo pra ele agora, enquanto faço o lanche.

XIII Quando Vitor volta para o quarto, é Manu quem desce para almoçar. Assim que a filha sai, Amélia pede para Vitor, que está em pé ao lado da cama: - Senta aqui ao meu lado, bem pertinho de mim? - Claro, meu amor... – ele se acomoda, e Amélia recosta a cabeça no peito dele. Ele a envolve com os braços, tomando cuidado para não apertá-la muito. - Me sinto tão segura, assim, nos seus braços... – ela comenta baixinho.

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- Quem me dera que eu pudesse te deixar realmente protegida com meu abraço... eu ficaria o tempo todo assim, pra que nenhum mal te acontecesse. - Mas você me protege, sim – ela assegura – Você me dá paz, e é disso que eu preciso agora, não é? - É... – ele suspira enquanto acaricia os cabelos dela. Manu retorna trazendo algumas revistas para que Amélia se distraia e sugere à Vitor: - Você não quer ir para casa um pouco? Você passou a noite em claro, precisa descansar. - Mais tarde eu quero passar em casa para tomar um banho, trocar de roupa, e depois volto para passar a noite com a Amélia. Mas só mais tarde, tá? – ele responde. - Vitor, eu posso dormir com a minha mãe. Enquanto ela estiver internada eu vou ficar em Juruanã. O Rudy até já voltou pra fazenda. - Não, Manu. Vamos nos revezar durante o dia, mas as noites são minhas – Vitor afirma com tanta veemência que a enteada não insiste mais. - Tudo bem, que seja como você achar melhor... Só no final da tarde Vitor vai até o apartamento. Entra no chuveiro, e enquanto a água cai por seu corpo, as lágrimas começam a correr por seu rosto, até o choro ficar mais intenso. Ele chega a soluçar, finalmente se permitindo desmoronar sob a tensão daquele dia. Mais aliviado, ele se veste e coloca em uma bolsa algumas coisas que Amélia pediu para levar. Ao chegar de volta no hospital, Vitor encontra Amélia com Manu de um lado da cama e Fred do outro, e sorri ao ver a expressão animada da esposa: - Nem preciso perguntar se você está bem, né? Amélia apenas sorri de volta. Vitor se aproxima do enteado e o cumprimenta com um tapinha nas costas: - E aí, cara? - Que susto, hein? - Nem me fala... - Mas agora está tudo bem, não é? - Sob controle. Bem mesmo só vai estar depois que essa criança nascer. Fred segura no ombro no padrasto: - Nós somos uma família, e estamos juntos para o que der e vier. A Manu já me disse que vocês vão se alternar para ficar com a dona Amélia... eu estou à disposição também, viu? - Obrigado, Fred. Mas eu pretendo sair de perto da Amélia o mínimo possível. Hoje só preciso que você leve sua irmã para jantar e descansar. Ela saiu da fazenda de madrugada e está até agora aqui. Vão lá para o nosso apartamento, podem usar como se fosse de vocês – pede Vitor. - Pode deixar. Daqui há pouco eu levo essa moça e cuido dela – ele garante, enquanto olha para Manu. Eles conversam mais um pouco com Amélia, até que Fred avisa: - Agora vamos, Mané Magrela. Ordem de irmão mais velho. - Até parece que você ainda me dá ordem... – ela retruca.

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- Pode ir, filha, eu vou ficar bem cuidada – assegura Amélia, falando com doçura. - Disso eu tenho certeza. Se o Vitor já não tivesse passado uma noite em claro, era capaz dele passar a noite inteira olhando pra você, sem pregar o olho – Manu sorri. - Mas é isso mesmo que vou tentar fazer... – garante Vitor, olhando para Amélia enquanto segura a mão dela. - Eu não disse? – Manu ri – Vê se dorme um pouco, Vitor, porque temos algumas semanas pela frente. - É, né? E aqui posso ficar até mais tranquilo, já estamos dentro do hospital caso aconteça alguma coisa – ele concorda. - E eu vou embora mais sossegada por saber que você já está menos abalado. Pensa positivo, tá? – ela abraça Vitor, dá um beijo no rosto da mãe e vai embora com Fred. Mais tarde, Vitor ajeita a poltrona do quarto, que tem o encosto reclinável, ficando como uma cama. Ele se deita de lado, com o cotovelo sobre a almofada e a mão sob o queixo, mantendo assim meio corpo erguido. Nessa posição, ele fica olhando para Amélia, que também está deitada de lado, virada na direção da poltrona. Vitor sorri, e ela sorri de volta. De repente ele levanta e se aproxima da cama de Amélia, e fala com os lábios quase colados na barriga dela: - Boa noite, filho – ao mesmo ele acaricia a barriga de Amélia. Depois beija os lábios dela – Dorme bem, meu amor... Ela olha para ele com ternura: - Você ainda está apreensivo, né? - Ah, eu fiquei com tanto medo... não posso nem imaginar minha vida sem você... sem vocês. - Vitor... você não vai me perder nunca. Depois de tudo que eu enfrentei pra viver esse amor, pra ficar ao seu lado, nada vai me tirar de você, nem essa pré-eclâmpsia ou o que for, entendeu? Lembra que um dia você me disse que quando ficou perdido na mata você só queria sobreviver pra me ver de novo? - Claro que eu lembro... você já era a razão da minha vida – ele sorri. - Da mesma forma, meu amor, eu não vou deixar nada me derrubar... porque eu tenho você, e quero te amar por muito tempo ainda, quero viver muita coisa ao teu lado. Emocionado, Vitor não consegue dizer nada, apenas beija Amélia de um jeito apaixonado, mas suave. - E agora nós temos uma razão maior para lutar, não é? – ela acrescenta enquanto acaricia a barriga. - É verdade... – ele também passa a mão sobre a barriga dela – E o nosso amor, junto com o amor que já temos por esse filho, vai ser mais forte que tudo, vai nos dar forças para superar tudo. - Assim é que eu quero te ver, Vitor, confiante – ela sorri. Vitor dá mais um beijo nos lábios de Amélia, e depois se acomoda em sua poltrona, novamente com a mão sob o queixo. Ele fica observando a amada com olhar de contemplação. - Como você consegue olhar pra mim desse jeito? Eu estou toda inchada, com essa barriga... bem diferente da mulher elegante que você conheceu – ela acha graça.

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- Você continua linda... com uma beleza diferente, mais sublime... – ele sorri. - Te amo... – Amélia devolve, com os olhos já querendo se fechar. - Eu também te amo – Vitor retribui, e fica olhando para Amélia até que ela adormeça. Só então ele se deixa vencer pelo cansaço daquele longo dia, e dorme profundamente. Sob monitoramento constante no hospital, Amélia consegue levar o restante da gravidez sem novas complicações. Vitor dorme todas as noites com ela, e Manu fica durante parte do dia. Fred vem de Girassol para ver a mãe com frequência. E assim os dias vão passando, com Amélia muito tranquila e Vitor a cada dia mais seguro de que tudo daria certo. Dois dias antes de completar 38 semanas, Vitor está sozinho com Amélia no quarto quando ela solta um gemido e põe as mãos na parte mais baixa da barriga. - Amélia, o que foi? – ele pergunta, apreensivo. - Tive uma contração! Tá chegando a hora do nosso filho nascer, Vitor! - Uma contração? Tem certeza? – Vitor questiona já apertando o botão da campainha – Minha mulher está tendo contração, alguém vem aqui depressa! Uma enfermeira vai até o quarto e examina Amélia, que tem outra contração. - Você está começando mesmo a entrar em trabalho de parto, está com dilatação também. As contrações ainda estão bem espaçadas. Vão controlando o tempo entre uma e outra, enquanto vou localizar a dra. Lilian – orienta a enfermeira. A médica estava fazendo um parto em outro hospital, e demora a chegar. Enquanto isso, as contrações de Amélia ficam mais constantes, e ela é levada para a sala de pré-parto. Vitor liga para Manu e depois vai se preparar para acompanhar o nascimento do filho. Já com as vestimentas apropriadas, ele se aproxima da maca de Amélia e segura a mão dela: - Como você está, meu amor? - Bem – ela se contorce com mais uma contração, mas logo que a dor alivia, sorri – Ele está nascendo... - Está... – murmura Vitor, sem conseguir dizer mais nada. Dra. Lilian finalmente chega e ao examinar Amélia, exclama: - A cabecinha do bebê já está saindo! – preocupada, ela chama uma das enfermeiras – Como está a pressão da Amélia? - Sob controle. - Será possível? – balbucia a médica, espantada, enquanto Amélia geme por causa de uma nova contração. Dra. Lilian se posiciona e instrui – Vamos lá, Amélia, um pouco mais de força... vamos trazer essa criança ao mundo!

XIV

Vitor assiste a tudo sem soltar a mão de Amélia: - Força, meu amor... – ele diz, com a respiração quase tão ofegante quanto a dela, de tanta ansiedade. - Está vindo, está vindo! – avisa a doutora. Logo ela ergue o bebê, e o choro dele ecoa pela sala. Vitor olha boquiaberto para o filho, ainda sujo de sangue:

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- Nosso filho nasceu, Amélia... Ela sorri, bastante cansada. Após limpar um pouco o bebê, uma enfermeira o coloca sobre o peito de Amélia. - Meu filho... – ela murmura, com lágrimas caindo dos olhos. Vitor enxuga uma lágrima que escorre por seu rosto, mas ao mesmo tempo sorri, encantado: - Ele é lindo, Amélia... Ela olha para o marido e depois para o bebê novamente: - É, sim... eu consegui, Vitor, consegui te dar um filho... - Conseguiu... – Vitor concorda com a voz embargada, sem parar de chorar – Obrigada, meu amor, por fazer de mim o homem mais feliz do mundo... A enfermeira se aproxima: - Agora preciso levá-lo, mas logo ele volta para os braços de vocês. Parabéns. Amélia e Vitor observam a enfermeira se afastar com o bebê, depois se olham, sorrindo. Enquanto a criança recebe os cuidados necessários e passa pelos primeiros exames de sua vida, Amélia vai para a sala de recuperação. Vitor continua ao lado dela: - Está se sentindo bem? - Só cansada... mas tão feliz... – ela afirma. Dra. Lilian chega perto da maca com uma expressão de surpresa: - Ainda não consigo acreditar no que aconteceu aqui... não era para esse bebê ter nascido de parto normal, e de forma tão tranquila. A indicação era de cesariana, por causa da sua hipertensão, Amélia. Mas, não sei explicar como, sua pressão se manteve estável durante o parto, e você deu à luz como se não existisse nenhuma complicação anterior. Vitor olha para Amélia, também sem entender como aquilo foi possível. - É muito amor, doutora... será que isso explica? – ela sugere, sem tirar os olhos de Vitor, que não pára de sorrir. - Pode ter sido, Amélia... não duvido mais de nada – a médica sorri, depois avisa – Você já vai para o quarto, logo em seguida. E o bebê também. - Então a Amélia está fora de perigo? – questiona Vitor. - Está – a médica responde sorrindo. Ele solta um profundo suspiro de alívio e inclina o rosto para ficar com o rosto bem próximo ao de Amélia: - Meu amor... a partir de agora, vai ser só felicidade! Assim que Amélia é acomodada no quarto, Manu entra e abraça a mãe: - Mãe! Eu sabia que ia dar tudo certo. Parabéns! - Obrigada, filha. - E cadê meu irmãozinho? Ainda não consegui vê-lo! - Estou chegando, dinda... – Vitor faz voz de criança, enquanto entra junto com a enfermeira que traz o bebê. Depois ele pega a criança nos braços e se aproxima de Manu e Amélia. - Ai, que coisinha mais linda... – suspira Manu, encantada com o bebê. - Meu filho é lindo mesmo... – diz Vitor, com um sorriso bobo, e dá um beijo na testa da criança, antes de entregá-lo para Amélia. Os dois ficam contemplando o filho, extasiados, até que Manu pergunta:

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- E aí? Decidiram o nome? Amélia e Vitor se olham e dizem ao mesmo tempo, como se tivessem pensado juntos: - Vicente! Eles riem e Vitor completa, olhando para o bebê: - Vicente, “aquele que vence”... e você venceu muita coisa, filho, para poder estar aqui com a gente. - Nós três vencemos, meu amor – acrescenta Amélia. - Gostei. Vicente... é um nome lindo – considera Manu – Agora posso pegar meu irmão e afilhado um pouquinho? - Claro, filha... – Amélia lhe entrega o bebê. Manu fica enternecida, olhando em silêncio para a criança em seus braços. - Olha, Amélia, acho que a Mané tá ficando com vontade de ter um também... – brinca Vitor. Mais tarde, Vitor desce para fazer um lanche. Quando retorna, encontra Amélia amamentando o bebê, e se aproxima devagarinho, contemplando a cena, maravilhado, chegando a ficar com os olhos marejados: - Tem cena mais linda do que minha mulher amamentando nosso filho? Ah, Amélia, acho que nunca vi nada tão encantador na minha vida. - Olha como ele mama com vontade... É esfomeado esse menino! – ela ri. Vitor observando em silêncio até que o bebê acabe de mamar. Após colocar o filho para arrotar, Amélia pede a Vitor: - Põe ele no bercinho? Ele segura o bebê e responde: - Ainda não... deixa eu curtir um pouco – Vitor suspira, e fica olhando para o filho, encantado – Ah, Amélia, como a gente pode amar tanto essa pessoinha ainda tão pequena? - Lembra que eu disse que você ia conhecer o amor incondicional? – ela devolve sorrindo e com os olhos brilhando – Você não se sente capaz de fazer qualquer coisa por causa dele? - Com certeza. Eu daria a minha vida por ele... – o bebê abre os olhos por um instante e Vitor fica ainda mais bobo – É, filho... meu filho... – ele fica bem pertinho de Amélia e os dois olham juntos para a criança – Nosso filho, Amélia... - Sabe um coisa que me deixa muito, muito feliz? – ela pergunta, emocionada. - O quê? – ele diz sem tirar os olhos do menino. - É que o Vicente não vai sofrer como a Manu e o Fred sofreram, porque ele tem um pai que realmente o ama, que jamais vai querer fazê-lo sofrer. Você não sabe o quanto dói ver a dor de um filho, ainda mais sendo provocada pelo próprio pai dele – Amélia chega a ficar com a voz embargada. Vitor olha para ela com ternura: - Amélia... tudo isso ficou pra trás. Nosso Vicente vai ser sempre feliz, eu prometo pra você e pra ele. Se ele passar por algum sofrimento, que seja apenas o necessário para crescer... - Que bom... – ela apenas murmura. Ele beija com cuidado a testa do filho, e depois continua contemplando do bebê, junto com Amélia, como se o tempo tivesse parado, como se não existisse mais nada no mundo além da felicidade de ter aquela criança nos braços.

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Dois meses depois, Vitor, ajoelhado ao lado da cama, cuida de Vicente enquanto Amélia termina de se arrumar para irem a Girassol, onde vão batizar o filho. - Mas ele é muito lindo mesmo, né, amor? – comenta Vitor, olhando embevecido para o bebê. - Claro, é parecido com você... – ela sorri. - Você acha mesmo? - Ele é a sua cara, Vitor! Repara nos olhos verdes, no narizinho... – Amélia os observa através do espelho enquanto coloca os brincos. - Mas a boca é sua, ele tem o seu sorriso que eu adoro tanto... – ele contesta. - Tá, pode ser... mas eu ainda acho que o Vicente é a cópia do pai. - É um Vilar legítimo, né? – Vitor ri. - Bobo... – ela devolve – Você conferiu a bolsa do bebê como te pedi? Ele faz uma careta: - Não... eu olho pro nosso filho e esqueço de tudo que tenho pra fazer. - Então deixa eu ver se não está faltando nada. Amélia confere a bolsa e Vitor continua ao lado da cama. Ele dá beijos na barriguinha de Vicente, provocando risadas no bebê. - Isso, ri pro pai... – Vitor diz com um sorriso bobo e continua brincando com o filho até que Amélia chama. - Vamos? Estou pronta. - Vamos – Vitor pega o filho no colo enquanto Amélia dá uma última olhada no espelho e ajeita o decote do vestido: - Escolhi esse vestido porque é mais fácil para amamentar, mas acho que meus seios quase não estão cabendo dentro dele. Será que não está parecendo decotado demais? – ela questiona inocentemente. - Você está linda... – ele responde com um sorriso travesso, dando uma olhada maliciosa para o decote dela. - Vitor! Nem com nosso filho no colo você sossega? – ela censura, rindo. - Desculpa, filho... – Vitor olha para o bebê – é o que o seu pai ama muito a sua mãe, viu? Amélia sorri, e Vitor passa o bebê para os braços dela, depois pega as malas para levar para o carro.

XV

Ao chegarem em Girassol, eles vão direito para a fazenda, onde Manu e Rudy, Fred e Jana com os filhos, os esperam para um almoço. Amélia entra carregando Vicente, e Manu corre até eles: - Oi, mãe! – ela faz um carinho no bebê – Oi, lindinho da dinda... como está grande! Fred também se aproxima: - Esse carinha cresceu mesmo, hein? – ele segura a mãozinha de Vicente, que aperta o dedo do irmão. Manu e Fred ficam por alguns instantes olhando para o irmãozinho, enquanto Vitor, que entrou logo atrás de Amélia, larga as malas no chão e fica parado, um pouco afastado deles, com um olhar contemplativo. - Que foi, amor? – Amélia questiona ao perceber que ele está quase em transe. Vitor abre um grande sorriso:

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- Estou observando a minha família... É tão bom ver todos vocês juntos e saber que sou parte disso, sabia? – ele solta um suspiro – Durante um bom tempo na minha vida eu fui sozinho no mundo, solto, sem ter alguém pra quem voltar. Agora eu tenho uma mulher linda e um filho, que fazem de mim um homem completo, e ainda de brinde dois enteados que hoje considero os meus melhores amigos. Amélia sorri, comovida com as palavras dele, e Manu também. Fred acrescenta, rindo: - E tem uma neta emprestada também, esqueceu? Vitor faz uma careta: - Com essa parte eu ainda não me acostumei – ele ri. - Vem aqui pra junto da gente – pede Amélia. Vitor fica bem na frente dela, que lhe passa o bebê. Depois Amélia se posiciona atrás dele e abre os braços chamando Manu e Fred para que fiquem cada um de um lado dela. E então ela abraça os três ao mesmo tempo, dizendo: - Agora eu posso dizer que sou plenamente feliz... de um jeito que nem imaginei que fosse possível, com uma família onde só existe amor. Todos ficam emocionados. Logo depois, Vitor deixa o filho com Amélia e leva as malas para o quarto. Quando volta para a sala, ele tenta pegar o bebê de volta. - Vou trocar a fralda dele agora, estou achando que está bem molhada – Amélia avisa, já levantando-se. - Não, não, fica aí conversando com a Manu e o Fred que eu cuido disso – Vitor se prontifica. Amélia entrega o filho para ele. - O quê? O Vitor troca fraldas? – comenta Manu, rindo. - E troco direitinho, não é, meu amor? – ele retruca. - É, sim – confirma Amélia – Ele até ajuda a dar banho no Vicente... você não imagina como o Vitor é jeitoso com criança, minha filha. - Às vezes eu acho que o Vitor que eu conheci lá em Juruanã não é esse que está aí... – devolve Manu, ainda mais surpresa. - E não é mesmo... se você quer saber, nem eu acredito que eu era aquele cara que só pensava em negócios e se achava o tal – ele acrescenta, já subindo as escadas. O batizado acontece no dia seguinte, depois da missa. Manu segura o afilhado enquanto padre Emilio despeja água benta sobre a cabecinha dele. - Eu te batizo, Vicente Vilar, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Que assim como diz teu nome, você consiga vencer todas as adversidades que encontrar na vida, e seja um motivo de muitas alegrias para seus pais e padrinhos, que hoje te trouxeram para que também sejas um filho de Deus – diz o padre, que em seguida olha para Vitor e Amélia – Vocês, meus filhos, foram abençoados com essa criança. Que Deus lhes dê sabedoria e discernimento para educar e orientar esse menino. Na saída da igreja, as crianças do padre Emílio cercam Amélia e Vitor, pedindo para ver o bebê. Amélia se abaixa um pouco e as crianças ficam encantadas com Vicente.

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- Ele é muito lindo! – comenta Madalena – Dona Amélia, você deixa eu pegar ele no colo um pouquinho? - Depois eu deixo, lá na fazenda. Vocês também vão para a festa, né? - Vamos sim. - Então quando você estiver sentadinha no sofá lá da fazenda, eu coloco o Vicente no seu colo – promete Amélia. - Oba! – comemora a menina. - Ah, eu também quero... – dizem Verônica e Maria, ao mesmo tempo. - Ele vai ficar um pouquinho com cada uma, tá? - Amélia garante. - Vamos, pessoal, o pai está esperando a gente – chama Pedro. As crianças vão se afastando, só Madalena fica para trás, olhando para o bebê mais uma vez: - Daqui um pouco a gente se vê, tá, Vicente? – ela diz, depois sai correndo atrás dos irmãos. Amélia sorri: - Que gracinha essa menina, né, amor? Vitor não responde. Ela olha para o lado e vê que ele estava observando Madalena, mas ao mesmo tempo está pensativo, com um sorriso de quem acalenta uma ideia. - O que você está imaginando aí? – Amélia pergunta no ouvido dele. Vitor sorri ainda mais e olha para ela: - Eu ia adorar ter uma menina também... já pensou nisso? - Ah, Vitor... – balbucia Amélia, com um olhar tenso de quem quer dizer que não quer tentar ter outro filho, mas não sabe como falar isso. - Calma, amor, você não vai passar por outra gravidez, não mesmo... – ele a tranquiliza – mas a gente pode adotar uma menina, que acha? - É, quem sabe... vamos esperar o Vicente crescer mais um pouquinho, tá? – ela sorri. - Tá bem... – Vitor acaricia a mãozinha do bebê – Mas pensa no quanto ele ia gostar de ter uma irmãzinha... Nesse momento, Manu se aproxima e ri: - Eu ouvi direito? Vocês já estão pensando em ter outro filho? - Vamos adotar uma menina, né, Amélia? – explica Vitor, olhando para a esposa com um jeito meio travesso. Depois ele se dirige à enteada – Você não acha que eu ia deixar a Amélia passar por tudo aquilo de novo, né? Claro que valeu muito a pena, porque depois de todo aquele sofrimento veio esse menino lindo, mas não quero sentir todo aquele desespero outra vez, não mesmo... - É, filha, se decidirmos ter uma menina, vamos adotar – confirma Amélia, dando um olhar de leve censura para Vitor. - Coitada dessa criança... – brinca Manu. - Ué, por quê? – retruca Vitor. - Porque eu aposto que você vai ser um pai muito ciumento, nem vai querer deixar a menina namorar... – ela dá uma risada. - Até parece... e que moral eu tenho pra falar qualquer coisa, se fiquei meses me encontrando escondido com uma mulher casada? – ele devolve, rindo também, e trocando um olhar cúmplice com Amélia. - Ainda bem que você não desistiu de esperar que eu estivesse livre... – diz Amélia.

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- Nem que eu quisesse, meu amor... eu não ia conseguir viver sem você – Vitor responde a olhando de um jeito apaixonado, depois beija de leve os lábios dela, e em seguida acaricia a cabeça do filho, que dorme no colo de Amélia. - Desculpa interromper os pombinhos, mas todo mundo já partiu para a fazenda, só faltam vocês – avisa Manu. - Vai indo, Manu... eu, a Amélia e nosso filho vamos passar em um lugar antes, mas não iremos demorar – explica Vitor. - Aonde? – pergunta Amélia, curiosa. - Você já vai saber – ele sorri. Vitor pára o carro quase na margem do rio, depois ajuda Amélia a descer e pega o filho no colo. Os três vão até bem perto da água. Vitor enlaça Amélia pela cintura com um dos braços, e com o outro segura o bebê. Ele olha para o horizonte, depois para Vicente, e diz: - Filho, esse é o rio Araguaia. Olhando assim, ele parece imenso, tão imenso quanto o amor que eu tenho por você e pela sua mãe. Mas meu amor por vocês é ainda maior que esse rio... - O meu amor por vocês dois também... – murmura Amélia, bastante emocionada. Vitor olha para ela, também com os olhos marejados. Depois volta o olhar para o filho outra vez: - Vicente, nosso pequeno vencedor... você é o nosso amor em forma de criança... e aqui, diante do Araguaia, eu agradeço a Deus, ou a qualquer que seja a força maior que rege esse mundo e que permitiu que você viesse para nós. Ele coloca o bebê nos braços de Amélia e conclui: - Por sua causa, filho, nós somos as pessoas mais felizes desse mundo... - Somos... – Amélia concorda, com a voz embargada. Eles ficam por mais alguns instantes diante do rio, contemplando o filho. Depois começar a caminhar de volta para o carro, sentindo-se como se nada pudesse ser capaz de acabar com toda aquela felicidade.

FIM?