o guru barth resenha

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  • 7/21/2019 O Guru Barth Resenha

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    BARTH, Fredrik. 2000. O Guru, o Iniciador e Outras Variaes

    Antropolgicas (organizao de Tomke Lask). Rio de Janeiro:

    Conra Ca!a Li"raria. 2#$ !!.

    %&iane Canarino '*+er

    Professora, UFF

    A publicao de uma coletnea de textos do antroplogo Fredrik

    Barth no Brasil em brindar!nos com uma obra instigante, cr"tica dos

    dogmas e pressupostos tericos da disciplina, #ue abre noos

    hori$ontes para a pr%tica da pes#uisa antropolgica em outros

    uniersos sociais e culturais reconhecidamente complexos,

    diferenciados e sincr&ticos como o nosso' Autor de uma produo

    internacionalmente consagrada, Barth tem sido lido e diulgado noBrasil, basicamente, atra&s da ()ntroduo( ao liro Grupos tnicos

    e suas Fronteiras, contribuio inestim%el aos pes#uisadores #ue

    trabalham com sociedades ind"genas e outros grupos &tnicos e

    minorias' Principalmente, nos casos em #ue a fraca diferenciao

    cultural desses grupos, imersos em uma estrutura de interao com

    outros subgrupos de fortes marcadores regionais *como no

    +ordeste, des#ualifica, do ponto de ista do obserador externo, asidentidades &tnicas assumidas como ind"genas ou comunidades de

    afro!descendentes #ue reiindicam do -stado brasileiro, na

    atualidade, o reconhecimento do territrio #ue ocupam e de

    um status&tnico distinto, de acordo com determinados preceitos

    constitucionais' .esse modo, a problem%tica da definio de um

    grupo &tnico, de acordo com as reflex/es de Barth, tem sido

    largamente empregada pelos antroplogos #ue esto enolidos com

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    a elaborao de laudos periciais nesse contexto de aplicao dos

    direitos constitucionais'

    A edio em portugu0s dessa coletnea permite, igualmente, sua

    diulgao para um p1blico mais amplo, de estudantes e de

    especialistas #ue atuam em outras %reas do saber em suas interfaces

    com a antropologia, como o campo disciplinar do direito' Para os

    antroplogos profissionais, o t"tulo do liro fa$ 2us a seu autor,

    mesmo #ue gurue iniciadortenham sido termos originalmente

    empregados por Barth no contexto de uma reflexo comparatia

    entre duas grandes regi/es etnogr%ficas, o 3udeste da 4sia e a

    5elan&sia, sobre as (no/es de uma sociologia do conhecimento #ue

    a2udam a esclarecer o modo pelo #ual as id&ias so moldadas pelo

    meio social em #ue se desenolem( *6789' As categorias natias

    de gurueiniciadorso usadas, respectiamente, para indicar formas

    distintas de compartilhar id&ias e tradi/es de conhecimento, atra&s

    da falao ou do ocultamento, e podem ser pensadas como

    e#uialentes ao papel assumido por Barth no campo do saberantropolgico de (enfrentar noos desafios tericos( *6:;s teorias e aos

    grandes temas da disciplina'

    +os estudos sobre grupos &tnicos no Brasil, inclusie nas condi/esde produo do laudo antropolgico, priilegiar o trabalho de campo

    tem permitido romper, a partir da inestigao dos fatos emp"ricos,

    ao se lear em conta os argumentos e conceitos comuns propostos

    por Barth, com a (premissa do racioc"nio antropolgico de #ue a

    ariao cultural & descont"nua( *6:?' @ poss"el, igualmente,

    abandonar a (iso simplista de #ue os isolamentos social e

    geogr%fico foram os fatores cruciais para a manuteno dadiersidade cultural( *6:' +a concepo do autor no se dee

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    (considerar como caracter"stica prim%ria dos grupos &tnicos seu

    aspecto de unidades portadoras de cultura( *6:' Para Barth, (ao se

    enfocar a#uilo #ue & socialmenteefetio, os grupos &tnicos passam a

    ser istos como uma forma de organi$ao social( *697' +esse caso,(a caracter"stica cr"tica( na definio desses grupos passa a ser a

    atribuio de uma identidade ou (categoria &tnica( *69: determinada

    por uma origem comum presumida e destinos compartilhados'

    A organi$adora da coletnea, Comke Dask, na apresentao do liro

    *6s tomadas de posio de Barth, ao seu

    empenho pessoal (em promoer o papel do antroplogo na ida

    p1blica( *67?' 3ugere ainda #ue isso se aplicaria ao papel #ue os

    antroplogos no Brasil t0m assumido em relao ao reconhecimento

    dos direitos ind"genas como grupos &tnicos diferenciados' Pode!se

    considerar igualmente ilustratio, no contexto desta resenha, pensar

    as implica/es tericas e metodolgicas do pensamento de Barth

    #uando aplicado ao reconhecimento dos direitos constitucionais de

    outra minoria &tnica, os chamados (remanescentes de #uilombos(,termo de origem 2ur"dica #ue a princ"pio parece mais afeito >s

    defini/es historiogr%ficas e comproa/es ar#ueolgicas' Afinal, at&

    recentemente, o termo quilomboera de uso #uase restrito a

    historiadores e demais especialistas #ue, atra&s de documentao

    dispon"el ou in&dita, procuraam construir noas abordagens e

    interpreta/es sobre o nosso passado como nao' A partir da

    Eonstituio de 7,quilomboad#uire uma significao atuali$ada,ao conferir direitos constitucionais aosremanescentes de

    quilombos#ue, segundo o texto constitucional, este2am ocupando

    suas terras' Eomo no se trata de uma expresso erbal #ue

    denomine indi"duos, grupos ou popula/es no contexto atual, seu

    emprego na Eonstituio leanta uma #uesto de fundo6 #uem so os

    chamados remanescentes de quilombos#ue t0m seus direitos

    atribu"dos pelo dispositio legalG

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    Pode parecer paradoxal #ue os antroplogos, 2ustamente eles #ue

    marcaram suas distncias e rupturas com a historiografia ao

    definirem seu campo de estudos por um corte sincrHnico no (presente

    etnogr%fico(, tenham sido colocados no epicentro dos debates sobre aconceituao de #uilombo e a identificao da#ueles #ualificados

    como remanescentes de quilombos para fins de aplicao do preceito

    constitucional' Acontece, por&m, #ue o texto constitucional no eoca

    apenas uma (identidade histrica( #ue pode ser assumida e acionada

    na forma da lei' @ preciso, sobretudo, #ue esses su2eitos histricos

    presum"eis existam no presente' = fato de o pressuposto legal estar

    referido a um con2unto poss"el de indi"duos ou atores sociaisorgani$ados segundo sua situao atual, permite conceitu%!los,

    segundo a teoria antropolgica mais recente, como grupos &tnicos

    #ue existem ou persistem ao longo da histria como um (tipo

    organi$acional(, atra&s de processos de excluso e incluso #ue

    permitem definir os limites entre os considerados de dentro e os de

    fora'

    A persist0ncia dos limites entre os grupos deixa de ser colocada por

    Barth em termos dos conte1dos culturais #ue encerram e definem

    suas diferenas' +o cap"tulo (Irupos @tnicos e suas Fronteiras( *6:?!

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    A centralidade dos conceitos de grupo &tnico e de etnicidade na

    leitura da obra de Barth, no esgota a noidade de suas

    contribui/es, #ue possibilitam desnaturali$ar o mundo social, mas

    tamb&m os instrumentos do fa$er antropolgico' @ o #ue ocorre comas concep/es antropolgicas conencionais de cultura' +o cap"tulo

    inicial do liro, emos #ue os pressupostos impl"citos no uso desse

    conceito so transgredidos na relao de no!correspond0ncia

    estabelecida por Barth entre os limites sociais das unidades &tnicas e

    o compartilhamento de uma cultura comum, #ue deixa de ser

    considerada uma caracter"stica prim%ria e definitia na organi$ao

    de um grupo' A necessidade para a antropologia de (remodelar suasafirma/es( & explicitamente colocada no cap"tulo (A An%lise da

    Eultura nas 3ociedades Eomplexas( *67;

    e#uiocado do termo cultura dee ser testado (na an%lise da ida real

    tal como ela ocorre em determinado lugar do mundo( *67;' A ilha

    de Bali passa a ser o local escolhido para refletir sobre a (pr%xis

    antropolgica(' A diersidade de atiidades, assim como a mistura do

    noo com o elho em um cen%rio cultural sincr&tico, permite

    #uestionar a linguagem do estruturalismo com sua 0nfase nas

    conex/es e o pressuposto de uma coer0ncia lgica generali$ada' Para

    Barth, na medida em #ue (as realidades das pessoas so

    culturalmente constru"das LMN, o #ue os antroplogos chamam

    de culturade fato torna!se fundamental para entender a humanidade

    e os mundos habitados pelos seres humanos( *6777' 5as, em e$ de

    focar a an%lise no interior de uniersos fechados e de culturas

    distintias, & preciso explorar a ariedade de fontes dos padr/es

    culturais, #ue podem ser resultado de processos sociais espec"ficos'

    -m lugar de descartarmos as incoer0ncias obseradas > nossa olta,

    deemos confrontar o #ue & problem%tico e reali$ar a (tradicional

    tarefa naturalista da antropologia de constituir uma cuidadosa e

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    meticulosa descrio de uma ampla gama de dados( *6778' A iso

    da cultura como fluxo e correntessimultneas de tradies

    culturais*67:9 defendida por Barth, no recoloca a #uesto das

    culturas (feitas de retalhos e remendos( do difusionismo' = #ueimporta nesse argumento so as interpretaes e os es#uemas de

    significao #ue s podem ser entendidos corretamente #uando

    relacionados (ao contexto, > pr%xis e > inteno comunicatia(

    *6797'

    Ao $igue$aguear entre as se/es do liro, sem obedecer > ordem de

    sua exposio, seguimos outra possibilidade de leitura, sugerida pela

    prpria reunio dos textos na coletnea, #ue no pedem para ser

    compreendidos atra&s de uma disposio linear do menos ao mais

    inclusio' Crata!se, ao contr%rio, de diferentes e ariados planos de

    temas e #uest/es #ue se entrecru$am na interseo dos seus

    argumentos e reflex/es cr"ticas'

    As possibilidades criatias e os usos inoadores de Barth podem ainda

    romper fronteiras entre disciplinas e tradi/es de conhecimento' +o

    posf%cio *6:9!:89, escrito pelo cientista pol"tico 5arco 5artiniello, a

    #uesto da etnicidade como problema social a ser enfrentado na

    atualidade, ao reerter a crena de #ue raa e etnicidade

    desapareceriam no contexto da moderni$ao e ps!colonialismo,

    conida os cientistas pol"ticos a colocar a obra de Barth na agenda de

    sua disciplina' =utras fronteiras internas > antropologia, #ue separamo conhecimento produ$ido de outras formas de saberes aplicados,

    t0m sido rompidas atra&s da problem%tica proposta por Barth O no

    Brasil, mediante a noo de uma antropologia da aoem #ue,

    diferentemente da chamada (antropologia aplicada(, menos

    comprometida com as popula/es >s #uais se refere, o antroplogo

    no perde sua base acad0mica, como portador de slida formao na

    disciplina, aaliado e reconhecido pelos seus pares da comunidadecient"fica'

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    -m entreista publicada na coletnea *6:;7!::, Barth concorda #ue

    (faamos uso de nossos insightspara agir no mundo e transform%!lo(

    *6:7, mas aderte #ue (deemos deixar de enfati$ar tanto a

    etnicidade, pois ela pode representar apenas um pe#ueno setor daherana cultural de uma pessoa( *6:7