o grande desafio

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Trabalho final apresentado a disciplina de Projeto II - Atividades Práticas Integradoras, do curso de Letras, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), sob orientação da Profa. Dra. Cyntia Belgini Andretta.

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Page 1: O grande desafio

O grande desafioRafael Gonçalves

Aparentemente era uma manhã como todas as outras. Ao abrir os meus olhos, a

claridade solar, inundada através da janela do meu quarto, anunciava a hora de ir em

busca de algum propósito para a minha vida.

Há alguns meses atrás, especificamente cinco, meu contrato como aprendiz em uma

conceituada universidade ao norte da cidade havia chego ao fim. Nas primeiras

semanas, pude recompor todo o sono perdido dos últimos dois anos, em que dormia

apenas quatro horas por dia, e assistir a todas as séries e filmes que estavam em

atraso. Eu nem me lembrava do quão era prazeroso ter um tempo para fazer coisas

das quais gostava, como assistir a um desenho animado do Cartoon pela manhã,

bebendo um pouco de achocolatado, por exemplo, ou ler a um romance literário

estrangeiro em que sempre, ao final da história, o ex-marido ciumento é morto e a

mocinha fica com o cara bonitão que acabou de conhecer. Típicas histórias de

Nicholas Sparks, das quais gosto muito. Mas, passadas algumas semanas, tudo isso

foi perdendo o sentido para mim. Eu não tive uma adolescência fácil e confesso que o

trabalho foi a melhor coisa que apareceu em minha vida, pois eu não tinha tempo para

ter pensamentos aleatórios, de coisas totalmente deprimentes, como sempre fui

acostumado a ter. Mas agora, me encontro sozinho em casa, sem ter nada para fazer

além de estudar.

Conforme os dias se passaram, decidi aperfeiçoar o meu inglês. Aprender uma nova

língua não era algo que me atraía aos 13 anos, quando iniciei o nível básico, porém,

agora com 16, é algo que se tornou prioridade para mim. Hoje em dia é difícil se

destacar profissionalmente sem o conhecimento de uma língua estrangeira

mundialmente falada e reconhecida. Comecei assistindo a vídeo aulas no Youtube e

resolvendo exercícios de gramática pelos diversos sites educativos da internet, mas

não demorou muito para que eu recorresse a minha antiga professora. Eu e o inglês

ainda temos sérios problemas um com o outro.

Com bastante tempo livre, foram raras às vezes em que recusei o convite de algum

amigo para sair. Recentemente, o pessoal da escola se reuniu no cinema para assistir

ao penúltimo filme da trilogia dos Jogos Vorazes e confesso que todos saíram

arrasados pelo fato da história estar chegando ao fim. Isso também aconteceu quando

fomos assistir ao último filme do Harry Potter, só que de forma bem mais depressiva e

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intensa. Até hoje espero pela minha carta de aceite da Escola de Magia e Bruxaria de

Hogwarts.

Saindo do cinema, meus amigos e eu nos deparamos com um menino todo

ensanguentado sentado na calçada e rapidamente fomos saber o que tinha acontecido

por ali. Passados alguns minutos, depois que ele se recompôs e de termos solicitado

uma ambulância ao SAMU, toda a trágica história foi esclarecida. Acontece que o

garoto, cujo nome é Lucas, foi brutalmente espancado, sem nenhum motivo, apenas

por ser homossexual. Mas em que mundo vivemos? Por que alguém sai por aí com o

intuito de encontrar pessoas indefesas, “diferentes” do modelo que a sociedade impõe

ser correto, para praticar tamanha violência? É um absurdo! Cada um tem a liberdade

para construir o seu próprio projeto de vida e é preciso respeitar isso.

Esperamos por mais alguns minutos até que a ambulância chegasse e, de tanto

insistir de que já estava melhor e que não precisávamos acompanha-lo ao hospital,

deixamos o Lucas aos cuidados dos paramédicos. Fomos em direção ao ponto de

ônibus mais próximo, há duas quadras de onde estávamos, com destino a minha casa.

Por todo o trajeto, em silêncio, com o meu fone de ouvido e a atenção voltada às

paisagens por de trás do vidro, fiquei refletindo sobre diversas coisas a respeito do

que aconteceu e de que forma poderia contribuir para que amenizasse essa prática do

preconceito. É um assunto muito sério, pois, além do preconceito sexual, há também

os de culturas, crenças, religiões, entre vários outros tipos que, geralmente, deixam as

vítimas sem expectativa nenhuma de vida. Como reverter essa situação?

Logo que completei meus 15 anos, idade muito esperada pelas crianças e repleta de

boas lembranças para os adultos, resolvi criar um blog para praticar a minha escrita e

compartilhar os meus gostos com pessoas do mundo inteiro. E foi realmente isso que

aconteceu. Em menos de três meses em que o blog estava disponível na web, já era

assustador a grande interação de pessoas de diferentes lugares do mundo. Sempre

gostei muito de literatura, assim como de filmes, gastronomia, músicas e viagens. E as

publicações nunca fugiram disso. Mas, por meu espaço virtual possuir credibilidade e

conseguir atingir diferentes públicos, resolvi então criar uma campanha em prol da

igualdade para todos. Espalhei por toda a escola o meu projeto e, com o apoio de

alguns professores, consegui um enorme número de participantes e alguns patrocínios

que ajudaram na criação de materiais e divulgação dos resultados.

Diferente de alguns dias atrás, a semana seguinte foi inteiramente repleta de

compromissos e dedicação total à campanha. A ideia principal foi produzir vídeos para

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conscientizar as pessoas, além de relatos, em forma de crônicas, para publicação em

jornais e outdoors espalhados pela cidade com imagens que transmitem um árduo

vazio, por conta da exclusão social, de pessoas que sofrem por tamanha ignorância

dos agressores. Tivemos até o apoio do senhor Forman, prefeito da cidade.

Diversas pessoas conheceram a campanha através do blog e, de forma solidária, se

propuseram a gravar vídeos nos principais pontos turísticos de suas cidades para dar

mais repercussão ao movimento antipreconceito. Escritores e jornalistas renomeados

criaram charges e textos maravilhosos. Artistas globais compartilharam, em suas

redes sociais, plaquinhas com as hashtags #INCLUSÃOPARATODOS e #EUAPOIO

que não demoraram muito para entrar nos trends topics do Twitter e estar entre os

assuntos mais comentados da semana.

No domingo, ainda sozinho em minha casa, porém desta vez muito atarefado, pude

sentir toda a força da corrente de pessoas que juntas dedicaram o seu tempo para

lutar em busca de uma sociedade mais humana e justa. Acompanhei os noticiários e

as redes sociais durante todo o dia e enxerguei nos olhos de todos aqueles cidadãos o

sonho e a vontade de viver em um mundo mais harmônico, sem diferenças e

discriminações.

Surpreendentemente, a iniciativa da campanha foi partida por mim junto a um pequeno

grupo de amigos. Mas, na verdade, o grande protagonista de tudo isso foi o Lucas. O

personagem principal dessa história de esperança e de expectativas para um mundo

melhor. Foi ele que, em seu momento de sofrimento, pode tocar o coração de

desconhecidos que ali passavam. Em toda a campanha, ele sempre demonstrou

alegria e força de vontade para que o projeto saísse do jeitinho que foi planejado.

Nunca se abalou com o que aconteceu, pois sempre pensou grande. Sempre pensou

em seu futuro. A fome de ser um grande profissional de Arte e poder inspirar milhares

de pessoas o levou, anos depois, aos Estados Unidos para uma bela jornada na

televisão. Estreou em um pequeno programa de música infantil até chegar a uma série

adolescente, como Glee e Gossip Girl, ao lado de grandes estrelas de Hollywood.

“O combate ao (próprio) preconceito é uma luta constante, que precisamos travar a

cada contato, a cada nova amizade, a cada conversa, a cada decisão.” Não podemos

deixar essa questão de lado. Precisamos principalmente de uma reforma pública em

questões educacionais e de informação, para que o tema seja abordado com mais

clareza e possibilidade de discussão para formação de opiniões.

Todo mundo pode fazer algo para combater o preconceito. Só basta querer!