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O Globo -Historia Das Copas

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HISTÓRIASDAS COPASCrônicas de JOÃO

MÁXIMO

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HISTÓRIAS DAS COPASTexto: João MáximoIlustração: Cláudio DuarteProjeto gráfico: Marcio CoutinhoCoordenação: Ana Lucia Azevedo e Paulo Thiagode Mello—ISBN: 978-85-98888-99-6Copyright © Infoglobo Comunicação eParticipações S.A.Rio de Janeiro, 2014Todos os direitos reservados. Nenhuma partedesta edição pode ser utilizada ou reproduzida, emqualquer meio ou forma, nem apropriada ouestocada em sistema de banco de dados sem aexpressa autorização da editora.

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SUMÁRIO

ApresentaçãoCapítulo 1 - As Copas

Capítulo 2 - Os Craques

Capítulo 3 - Os Técnicos

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APRESENTAÇÃO

JOÃO, OMÁXIMOPor MARCEU VIEIRA

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Poucos jornalistas no mundopoderiam assinar com tantapropriedade uma série de textossobre a história das Copas e seuspersonagens brasileiros maisrelevantes quanto o nosso JoãoMáximo. Talvez menos que poucos.Talvez quase nenhum. Talveznenhum.

Menino de calças curtas aindana desdita de 1950, João estava noMaracanã na tarde infeliz daquele

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junho, em que Ghiggia nos adiou osonho. Homem sábio no auge desua lucidez, este mesmo João, àsvésperas de seus 80 anos, narra ahistória descrita nas páginasseguintes credenciado para cobrir asegunda Copa do Mundo no Brasil.

É natural, portanto, que osadjetivos excedam para classificara importância deste trabalho, se jánão excedessem também paradescrever a importância do nosso

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querido João na crônica esportiva.

Pois o destino me concedeu asorte de ser o editor de Esportes doGLOBO nesta Copa no Brasil,tendo o querido João ao alcance deum pedido para produzir textos tãopreciosos e tão belos sobre osMundiais e seus protagonistas.

Esta série, agora reunida em e-book, tem valor de enciclopédia.Os heróis das 20 edições dasCopas, seus treinadores principais,

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os bastidores de cada uma delas,tudo isso estava guardado namemória de um jornalista maior,testemunha de acontecimentos tãoditosos quanto o massacrebrasileiro no Mundial de 1970,com Pelé, Jair, Gérson, Tostão,Clodoaldo, Rivellino, ou tãoemblemáticos das maldadesaprontadas pelo insondável quantoa frustração amarga de 1982,quando caímos de joelhos nagrande área do tempo com Zico,

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Sócrates, Falcão, Cerezo, Leandro,Júnior.

João vivenciou tudo isso. Nãoescreve aqui como um consultadorda História, mas como seu fielobservador.

Xará de outro grande João, oSaldanha, arquiteto primeiro daconstelação que nos deu o tri em1970, ele nem de longe seassemelha aos "joões" a que sereferia um certo Mané, o

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Garrincha, ao sublimar seusmarcadores.João, o Máximo, é umPelé da escrita, um Zico danarrativa, um Zizinho do texto, umLeônidas da crônica esportiva, umDomingos da Guia da palavra, umelegante Nilton Santos do relato.

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CAPÍTULO 1

AS COPAS1930Quando a História nos leva de

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volta a 1930, em Montevidéu, ondeteve lugar a primeira Copa doMundo, é inevitável concluirmosque o campeonato por cujarealização Jules Rimet, HenriDelaunay e outros idealistashaviam lutado tanto estavacondenado ao fracasso. Em 1920,Rimet, advogado francês de 46anos, substituíra o também francêsDelaunay na presidência da Fifa,entidade de nome bilíngue(Fédération Internationale de

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Football Association) que nemtodos reconheciam como única comdireito e condições de organizarcompetição de tal porte. Era ocaso, por exemplo, do blocobritânico, com a Inglaterra à frente.Para esse bloco (reforçado porpaíses de uma elite europeiadefensora do amadorismo puro),mais importante que umcampeonato mundial era o torneiode futebol dos Jogos Olímpicos, oprimeiro dos quais os ingleses

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tinham vencido em 1908.

Se a aprovação do Uruguaicomo primeiro país-sede pareceu,desde o primeiro momento, umequívoco, ao qual se pode atribuirpelo menos parte do fracasso, osJogos Olímpicos foram justamenteos responsáveis pela escolha.Afinal, a seleção uruguaia, aindaamadora, vencera os dois últimostorneios – o de 1924, em Paris, e ode 1928, em Amsterdã – de modo

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que esse detalhe pesou mais do queo Uruguai comemorar, exatamenteno mês marcado para a Copa doMundo, o centenário dapromulgação de sua primeiraconstituição, ato que oficializava econsagrava a independênciaconseguida, na prática, dois anosantes.

As vitórias olímpicas uruguaiasforam, de fato, um acontecimentoimportante na evolução do futebol

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rumo a se tornar, como Rimetsonhava, uma paixão mundial.Constatava-se então que na distanteAmérica do Sul havia times ejogadores tão bons ou mesmomelhores que os da Europa. Ejogadores negros, como JoséLeandro Andrade, destinado a ficarcomo emblema de um formidávelperíodo para o futebol uruguaio.Somava-se a isso o fato de a finalde 1928 ter sido entre os doisrepresentantes sul-americanos, com

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o Uruguai impondo-se por 2 a 1 àArgentina, desde 1916 suaprincipal rival nas competiçõescontinentais.

E o futebol brasileiro, onde seincluía em tudo isso? Certamente,passos atrás dos seus vizinhos. Nãose exagera quando se diz que, emsua estreia em Copas do Mundo, oBrasil trabalhou por seu própriofracasso. Se o do campeonatopropriamente dito deveu-se

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principalmente à distância quenaqueles dias separava Montevidéuda Europa, o do Brasil teve comocausa o despreparo quase primáriodos homens que dirigiam clubes efederações. As quatro primeirasdécadas de história do futebolbrasileiro foram marcadas porcrises, cisões, bairrismos,desencontros políticos, queacabaram influindo negativamenteno futebol que se jogava dentro docampo. Porque, neste, até que o

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Brasil não ia tão mal.

A DECEPÇÃO DE RIMET

Rimet, em sua autobiografia,"L'histoire merveilleuse de laCoupe du Monde", fala de seudesapontamento, mesmoreconhecendo que a criseeconômica deflagrada meses antespelo "crack" da Bolsa de NovaYork conspirava contra seusplanos. Países que eram forças no

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futebol, casos de Itália, Áustria,Espanha, Hungria e Alemanha,davam outra razão: 15 dias de ida aMontevidéu, 15 de volta, mais trêssemanas de jogos, significavamquase dois meses fora, prejuízocerto para os times já profissionaise inadmissível ausência no trabalhopara os ainda amadores. Odesapontamento de Rimet sejustificava, pois somente 13 paísesse inscreveram para as 16 vagas,quatro deles da Europa.

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Assim mesmo, a França só ofez por insistência de Rimet, desde1919 presidente também daFederação Francesa; a Bélgica,pelas tradicionais ligações com aFrança e seu futebol; a Romênia,por interferência de seu rei, CarolII, coroado cinco semanas antes dojogo de abertura, conseguindo quejogadores fossem liberados de seustrabalhos, com a devidaindenização aos respectivospatrões.

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Além de fracassar pela falta deinteresse, a primeira Copa doMundo começou sem que o EstádioCentenário, construído para aocasião, estivesse pronto. Culpou-se a chuva. Outro detalhe que diz oquanto estão longe aqueles tempos:enquanto os iugoslavos viajaram abordo do navio-correio "Florida",três outras seleções – França,Romênia e Brasil – chegaram aMontevidéu a bordo do luxuosotransatlântico italiano Conte Verde,

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que levou também Jules Rimet euma bagagem valiosa: a taça deouro representando uma Vitóriaalada, sobre base octogonal, obrado artesão francês Abel Lefleur. Oterceiro presidente da Fifa, entãocom 56 anos, nem imaginava queum dia a taça teria seu nome. E que,destinada a quem a ganhasse trêsvezes, seria conquistada emdefinitivo por um dos países menoscotados para fazer bonito emMontevidéu.

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Mas por que o Brasil era umdos menos cotados? Filiado à Fifadesde 1923 (mesmo ano do Uruguaie seis anos depois da Argentina), ofutebol brasileiro era dirigido poruma entidade eclética denominadaConfederação Brasileira deDesportos (CBD). Tinha sede noRio e era presidida por RenatoPacheco, dos primeiros a aceitar oconvite uruguaio. O próprioPacheco formou o que ele entendiaser a comissão técnica ideal para a

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seleção: Píndaro de CarvalhoRodrigues, Gilberto de AlmeidaRego e Elias de Mendonça, todosresidentes no Rio. Para o caso de acomissão precisar de ajuda,Pacheco nomeou mais doisdirigentes denominados "adidos":João Paulo Vineli de Moraes eFábio de Oliveira, também do Rio.A convocação foi feita no dia 7 demaio, 11 jogadores de clubescariocas, 11 de paulistas: ArakenPatusca, Filó, Amilcar Barbuy,

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Feitiço, Petronilho, Del Debbio,Grané, Athiê Jorge Curi, De Maria,Heitor e, naturalmente, o lendárioArthur Friedenreich, 38 anos, masainda em atividade. Destes, nomínimo cinco tinham condições deser titular. Tudo certo, mas nãopara a também eclética AssociaçãoPaulista de Esportes Atléticos(Apea), que não se conformou coma ausência de ao menos um nomede São Paulo na tal comissão ou, napior das hipóteses, entre os

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"adidos".

O resultado é que a Apeacomunicou à CBD que seus clubesnão cederiam jogadores à seleção.Com os dois lados irredutíveis, láse foi um combinado cariocarepresentar o Brasil. De São Paulo,um reforço solitário: ArakenPatusca, que desobedeceu àsordens da Apea e, quando o ConteVerde aportou em Santos,embarcou, tornando-se assim o 24º

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jogador da delegação (segundoentrevista de anos depois, para nãoter a bordo o mesmo luxo econforto dos demais brasileiros, oumelhor, cariocas).

Futebol de verdade, naMontevidéu invernal e chuvosadaquele julho, só jogaram Uruguaie Argentina, os finalistas do torneioolímpico de 1928. Resumindo oque fizeram as candidataseuropeias, a França venceu o

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México, mas perdeu para aArgentina e Chile; a Romêniaderrotou o Peru, sendo goleadapelo Uruguai; a Bélgica acabousuperada pelos Estados Unidos epelo Paraguai; e a Iugoslávia,depois de eliminar Brasil eBolívia, parou na semifinal diantede um Uruguai irresistível: 6 a 1.

BRASIL ELIMINADO LOGO

O jogo de estreia dos brasileiros,

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em 14 de julho, no Parque Central,foi definidor. Não tanto pelos 2 a 1em favor dos iugoslavos, mas pelaatuação do time escalado porPíndaro de Carvalho. Emboraalguns citassem o frio de cincograus para justificar a má atuação,somente dois jogaram o quesabiam: o capitão Preguinho, autordo único gol brasileiro, e Faustodos Santos, centromédio queganhou da imprensa local o apelidode "Maravilha Negra". O que

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parece ter prevalecido na atuaçãodos brasileiros foram ainsegurança, a hesitação, o medo deenfrentar um time mais forte,embora os sérvios do outro ladonão fossem tão fortes assim.

A recuperação foi tardia, poisos 4 a 0 sobre a Bolívia já nãovaliam nada. Só o primeiro de cadagrupo avançava às semifinais e aIugoslávia também houveragoleado este adversário por 4 a 0.

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Eliminados, os brasileiros ficarampara assistir ao restante do torneio,já então no imponente EstádioCentenário. Na final entre Uruguaie Argentina, quase 70 mil pessoaslotaram o estádio, parte formadapela multidão de argentinos emtorno de um gramado no qual 22jogadores lutaram pela vitória comgarra, força, coragem e, bem noestilo dos dois lados, ardorespatrióticos. Aquele pequeno grupode brasileiros começou a aprender

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que uma Copa do Mundo, tímidaque tenha sido em seu primeiro ato,não era lugar para improvisaçõesde última hora, intransigências,birras, vaidades, política,regionalismo barato. Foi mesmo umcomeço, pois o aprendizadohaveria de custar anos e anos denovos erros e algumas derrotas.

A final salvou a festa. E deu aoUruguai motivos de orgulho pororganizar um evento em que poucos

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acreditavam. Como prêmio, aindaocorreu a vitória de 4 a 2 sobre aArgentina, depois de um primeirotempo em 2 a 1 para osadversários, numa final à altura detodas as que estavam por vir. Foium jogo aquecido pela paixão dedois países para os quais o futebol,então e para sempre, seriaexatamente aquilo que Jules Rimetesperava.

A Copa do Mundo de 1930

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pode ter sido o oposto do queRimet e a Fifa sonhavam, pode tersido algo a que as principais forçaseuropeias não deram a mínima,pode ter sido merecido castigopara um futebol brasileiro amador,bairrista e desorganizado, mas,para os uruguaios, foi tudo. Aconsagração definitiva da místicada "Celeste Olímpica", e o direitode ser, até que outros fatos odesmentissem, os tricampeões domundo.

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1934A história se repetiu. As causasforam outras, mas o despreparo doshomens que dirigiam o futebolbrasileiro e os desastrosos efeitosde seus atos foram os mesmos.Conclusão: o Brasil fez na segundaCopa do Mundo, em 1934, naItália, papel ainda maisinsignificante que na primeira. Se a

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história se repetiu com a seleçãobrasileira, o mesmo não aconteceucom tudo mais. O principal motivopara o que já se pode considerarum êxito – ou, no mínimo, a certezade Jules Rimet de que o sonho deum campeonato mundial fortalecidovingaria – foi a vantagem óbvia deo país-sede ser na Europa. Onúmero de países inscritos subiu de13 seleções para 32, tornando-senecessária a criação de uma fasepreliminar eliminatória para se

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chegar aos 16 participantes da fasedecisiva.

A escolha da Itália para sediara segunda Copa do Mundo foilógica, apesar da dor de cabeçaque seu apoio causou a JulesRimet. Para convencer a seleção daFrança a ir a Montevidéu quatroanos atrás, o presidente da Fifaprometera aos compatriotas que opróximo Mundial seria em seu país.Promessa não cumprida, Rimet

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defendeu-se com o argumento deque o futebol profissional atingiraseu ponto mais alto na Itália.

Oito cidades italianas, cadauma com um grande estádio,sediariam os jogos, além do que,graças ao interesse do ditadorBenito Mussolini pelo esporte, oapoio financeiro oficial era agarantia de que tudo correria bemnesta segunda competição. Outraconfirmação, se não apenas essa

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tranquilidade em relação aoslucros, também era animadora.Surgia como novidade o inéditointeresse que o campeonatodespertava em todas as partes domundo. Estava definido que, pelaprimeira vez, os jogos seriamtransmitidos pelas emissoras derádio para 12 países.

Benito Mussolini foi mais doque um torcedor de peso para aseleção da Itália, cujos integrantes

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eram conhecidos como os "azzurridi Mussolini". Ele acompanhou deperto os preparativos epraticamente exigiu do técnicoVittorio Pozzo a conquista dotítulo. Pozzo, que comandou a Itáliaem 95 jogos, ganhando 63, econquistando as Copas de 1934 e1938, além das Olimpíadas de1936 (é até hoje o único técnicobicampeão em Copas e que ganhoutambém um título olímpico),negaria o fato em sua autobiografia,

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ou melhor, no livro em que contasua experiência de mais de 20 anosà frente da seleção italiana. Masnão negou que a disciplina militarimposta aos seus comandados teveentusiástica aprovação do Duce.Para o ditador italiano, aorganização do Mundial e possívelconquista do título representavamuma oportuna propaganda.

De qualquer modo, exigir otítulo mundial naquela ou em

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qualquer Copa do Mundo chegariasempre aos limites do absurdo. Atéporque, em 1934, outras seleçõesnacionais eram tão boas ou mesmosuperiores à italiana. Uma delas, ada Áustria, ainda merecia serchamada de Wunderteam, a equipemaravilhosa que desde fins dadécada passada vinha encantando aEuropa. Era dirigida por um astutotático, Hugo Meisl, e tinha craquescomo Peter Platzer, Karl Zischek,Johann Owarth e o notável Mathias

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Sindelar, até hoje uma espécie desímbolo do esporte austríaco.

Havia também a Espanha, jáentão se autoproclamando "LaFúria". Nela, um goleiroextraordinário: Ricardo Zamora.Cotada também estava a Hungria,por onde Meisl tinha andado edeixado bons ensinamentos. Umpouco abaixo, a Tchecoslováquia,a cujo centroavante, OldrichNejedlý, caberiam as honras de se

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tornar o artilheiro do segundoCampeonato Mundial.

NOVO FRACASSO SUL-AMERICANO

No terreno das previsões epossibilidades, que lugarocupavam as seleções sul-americanas? Em 1934 aconteceramdois fatos que jamais se repetiriam.O primeiro, o país-sede ter departicipar das eliminatórias,

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classificando-se com goleada de 4a 0 sobre a Grécia. Sabiamente, aFifa resolveu mudar o regulamentopara 1938, na certa porque alguémmais lúcido imaginou o que teriasido uma Copa na Itália... sem aItália. O outro fato é que osuruguaios pagaram os italianos namesma moeda. Se estes não tinhamido a Montevidéu, os uruguaiostambém não iriam à Itália. Foi aúnica vez que um campeão nãodefendeu o título na Copa seguinte.

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Com isso, e com a desistênciade outros países, Argentina e Brasilacabaram sendo os únicosrepresentantes sul-americanos,ficando livres das eliminatórias,nas quais o adversário do Brasildeveria ser o Peru. A Argentina –desfalcada de alguns craques (doisdeles, Luisito Monti e RaimundoOrsi, "oriundi" contratados porclubes italianos, iriam reforçar aesquadra de Pozzo) – passaria peladecepção de perder para a Suécia

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por 3 a 2, em Bolonha, e voltarpara Buenos Aires no dia seguinte.

Sorte igual teria o Brasil,eliminado pela Espanha.

Desde algum tempo estava emcurso no Brasil uma verdadeirarevolução. Em 1932, para surpresade todo mundo, uma seleçãobrasileira, muito diferente docombinado carioca de 1930,impôs-se à seleção uruguaia,praticamente igual à Celeste

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Olímpica campeã mundial. E empleno Estádio Centenário: 2 a 1,dois gols do jovem Leônidas daSilva. O jogo valeu pela recém-criada Copa Rio Branco e foirecebido no Brasil como heroicaressurreição de um futebolaparentemente morto e sepultadoem Montevidéu. No mínimo, era aprova do que se podia fazer compaulistas e cariocas unindo forças.De volta para casa, os jogadoresdesfilaram em carro aberto,

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aplaudidos das sacadas do Paláciodo Catete por Getúlio Vargas, líderde outra revolução, a quedesaguava na Nova República. Eraum novo Brasil.

Mas não no futebol. Ou melhor,não na organização do já entãomais popular esporte do país. Avitória de 1932, revelando novageração de gênios da bola, casosdo goleador Leônidas e do zagueiroDomingos da Guia, atraiu a atenção

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de clubes de países de futebol jáprofissionalizado. Tanto um comooutro acabariam seduzidos pelodinheiro que lhes era acenado,sobretudo do Uruguai (Argentina,Espanha, Itália e até Suíça iriam sejuntar à lista de importadores decraques da terra). Foi o principalmotivo que levou clubes efederações a iniciar movimentopela profissionalização do futebolbrasileiro.

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UMA COPA LUCRATIVA

Até aí, uma revolução lógica,modernizadora e, dadas ascircunstâncias, inevitável.Moralizadora, também, pois sepropunha a acabar de vez com apraga do falso amadorismo (haviatempo que muitos jogadoresbrasileiros eram disfarçadamenteremunerados). Em reuniãoconvocada em 23 de fevereiro de

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1933 por Oscar Costa, presidentedo Fluminense, contando com aparticipação de dirigentes daAssociação Paulista de EsportesAtléticos, ficou-se sabendo que osdois principais centros do futebolbrasileiro eram pelaprofissionalização. O que não ficouclaro e acabou resultando numainesperada cisão foi que, enquantoos principais clubes cariocas epaulistas se batiam pela fundaçãode nova entidade para gerir os

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profissionais, a FederaçãoBrasileira de Futebol (FBF), oBotafogo do Rio e alguns filiados àAmea batiam-se para que o futebol,amador ou profissional,continuasse sob a guarda da CBD,então presidida por Álvaro Catão.Afinal, era a única reconhecidapela Fifa.

Esse episódio, ironicamente tãoamadorístico e na essência nadafutebolístico, foi o que determinou

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o papel que o Brasil faria nasegunda Copa do Mundo. Porque,no começo de 1934, quando chegouo momento de convocar osjogadores que iriam à Itália,concluiu-se que os melhoresatuavam por clubes da FBF. Catãonão teve outro jeito senão autorizara cooptação de todo bom jogadorque o dinheiro pudesse comprar. Obotafoguense Carlito Rocha e seuamigo Luís Augusto Vinhaistiveram importante papel nas

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investidas. Contrataram oitojogadores que acabariam titulares.Um deles, Leônidas da Silva.Outro, o são-paulino Waldemar deBrito, futuro descobridor de Pelé.Bem que tentaram mais. Inclusive,Romeu Pelliciari e outrosjogadores do Palestra Itália, o queobrigou os dirigentes do clubepaulista a escondê-los numafazenda do interior, guardada porseguranças armados.

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Coube a Vinhais convocar,escalar e dirigir a seleçãobrasileira que viajou na manhã de12 de maio, a bordo do ConteBiancamano. Foram 11 dias deviagem. O chefe da delegação eraLourival Fontes, homem forte dogoverno Vargas, que ganhou doismeses de licença remunerada daPrefeitura do Distrito Federal parapropagandear na Europa as belezasdo Rio. Tempo para isso teve, poiso Brasil na Copa do Mundo se

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limitou a 90 minutos contra aEspanha.

A Copa cumpriu-se pelomesmo perverso sistema: as 16seleções se enfrentando em jogoúnico de oitavas-de-final. As oitovencedoras avançavam. A Itáliaestreou com goleada sobre osEstados Unidos, 7 a 1, que osjornais italianos, severamentecensurados pelo governo fascista(sobre a seleção, só podiam fazer

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elogios), fizeram uma festa. Que setornou mais e mais contida a partirdas quartas-de-final, quando atabela foi pondo no caminho dePozzo temíveis adversárias:Espanha, Áustria eTchecoslováquia. Para vencer osespanhóis pela diferença de um gol,os italianos tiveram de enfrentá-los, em Florença, durante 210minutos. A primeira partida acabou1 a 1 após a prorrogação. Nodesempate, dois dias depois, a

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Espanha estava desfalcada deZamora. Giuseppe Meazza fez o golsalvador que levou a Itália àsemifinal.

Nesta, em Milão, novosofrimento: 1 a 0 sobre oWunderteam austríaco, gol deEnrique Guaita. Na decisão com aTchecoslováquia, que batera aAlemanha na outra semifinal, umdramático fim de festa: Antonin Pucmarcou para os tchecos, aos 26

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minutos do segundo tempo; o ítalo-argentino Orsi empatou dez minutosdepois; e Angelo Schiavo decidiuaos 5 minutos da prorrogação.Quando lhe perguntaram ondeencontrara força para dar o títuloao seu país, Schiavo responderia,quase sem fôlego: "Foi a força dodesespero".

A segunda Copa do Mundochegou ao fim com vitória italianaem todos os sentidos. O lucro

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financeiro só com a renda dos 17jogos foi tal que vários países secandidataram a organizar apróxima. Sem chance, porém, poisesta Jules Rimet já estava devendoà sua França. Quanto aosbrasileiros, no seu único jogo pelaCopa, com apenas 30 minutos, jáperdiam por 3 a 0. O gol deLêonidas, no segundo tempo, sóserviu para tornar menos pesado oplacar final. Os brasileiros, esomente eles, não gostaram do

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árbitro alemão Alfred Birlem.Teria anulado mal um gol deLuisinho e não marcado um pênalticlaro do zagueiro Quincoces.Deram mais importância a isso doque ao pênalti que Waldemar deBrito perdeu e Zamoraespetacularmente defendeu. Ahistória realmente se repetiu. Umadas poucas mudanças de umcapítulo para outro foram asexplicações. Em 1930, culpou-se ofrio. Em 1934, o árbitro. Começava

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ali a tradição brasileira de jamaisperder uma Copa do Mundo semuma desculpa.

1938Já se disse que foi na terceira Copado Mundo, em 1938, na França,conquistada pela Itália, que ofutebol brasileiro começou a serdescoberto. Os europeus ficaramsabendo, surpresos, que nem só no

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Uruguai e na Argentina, osfinalistas de 1930, estava a forçasul-americana. Começou a serdescoberto e a se descobrir, poisfoi nela que um país de resultadosinternacionais até então modestosse convenceu de que era bom obastante para sonhar com o títulode campeão – convencimento que oacompanhará enquanto a Copa doMundo existir. Bom, excepcional, o"melhor do mundo", foi assim que aincipiente crônica esportiva

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brasileira saudou a seleção de1938. Bastaram para isso trêsvitórias, um empate e uma derrotaem gramados franceses, prova deque o futebol brasileiro já nãoprecisava de muito para sonharalto.

Foi uma Copa do Mundorealizada em clima político maiscarregado do que a festa do Duce.No Brasil, em novembro de 1937, adecretação do Estado Novo tornava

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clara uma ditadura até entãodisfarçada. Na Espanha, umaguerra civil impedia La Fúria de irà França e, em março daquele ano,o Anschluss (anexação político-militar) tornava a Áustria parte daAlemanha nazista, outro prenúnciode guerra mundial próxima. Omenos preocupante nesse últimoepisódio foi o fim do Wunderteamque lotara estádios nos anosanteriores, todo ele igualmenteanexado à seleção alemã. Por isso,

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no jogo que deveriam fazer, já naFrança, pelas oitavas de final, osaustríacos foram derrotados pelossuecos no único WO registrado atéhoje em fases decisivas da Copa doMundo.

DERROTA ALEMÃ SURPREENDE

Voltando ao futebol brasileiro,outro fato – politicamenteacanhado, porém positivo – foi ojogo entre América e Vasco, na

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tarde de 31 de julho de 1937. Logo,a um ano da Copa do Mundo. Comele, a partir dali denominado"Clássico da Paz", finalmente asduas entidades que disputavam qualdelas deveria administrar o futebolno país (a oficial CBD e a oficiosaFBF) trocaram de bem, ficando aprimeira, por ser a filiada à Fifa,como única e soberana.

Esse fato, que nada tinha a vercom a ditadura, muito menos com a

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guerra, possibilitou ao futebolbrasileiro passar a borracha nosequívocos cometidos em 1930 e1934 e, pela primeira vez nahistória das Copas do Mundo,convocar, selecionar, treinar emandar a campo uma seleçãorealmente representativa. Para sercampeã? Ainda não.

O número de países inscritosfoi exatamente o mesmo de 1934:32. Das Américas, somente Brasil

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e Cuba se interessaram, nãoprecisando passar pelaseliminatórias. O Uruguaicontinuava indo à forra pelaausência europeia em 1930. E aArgentina, derrotada pela Françacomo candidata a sede de 1938,também virou as costas à Fifa. Como número de finalistas reduzido a15 (o décimo sexto seria aÁustria), as oitavas de final foramcumpridas nos dias 5 e 6 de julhoem sete cidades, todas em estádios

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construídos ou reformados para aocasião. Houve uma surpresa,carregada de ironia. Depois deduas partidas e duas prorrogações,a Suíça eliminou a Alemanha que,com o reforço dos austríacos,pretendia não só ser campeã comotambém, com pompas semelhantesàs dos Jogos Olímpicos de 1936,sediar a Copa do Mundo de 1942.

O treinador da seleçãobrasileira em 1938 era o mesmo

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das duas derrotas para a Argentina,em Buenos Aires, no Sul-Americano de 1937: AdemarPimenta. Os 22 jogadores queselecionou, se não eram osmelhores do momento, estavamperto disso. Confiantes, apóstreinos no Rio e na estação deáguas em Caxambu, embarcarampara a França, dia 30 de abril, abordo do navio inglês "Arlanza".Comparada com o que se faz hoje,ou com o que a maioria dos

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europeus fazia, a preparaçãobrasileira era de um primarismoimpressionante. Nenhumtreinamento físico durante aviagem. Pimenta, apostando alto emseus jogadores, acreditava quetécnica individual seria o bastante.Taticamente, não era atualizado.Seus times ainda jogavam no velho2-3-2-3, quando o WM já estavaem curso desde 1925.

Como comandante, pouca

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autoridade. Anos depois, ele sequeixou do comportamento de Time Patesko, não cumpridores dehorários e das ordens de não beber.A delegação não tinha médico.Confiava no acadêmico demedicina Álvaro Lopes Cançado, oNariz, que, era o beque reserva dotricolor Machado.

O Brasil foi um dos oito apassar das oitavas de final, numadifícil vitória de 6 a 5 sobre a

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Polônia, em Estrasburgo. Os trêsgols de Leônidas ganharam maisespaço nos jornais do que doisdetalhes vistos com estranhezapelos europeus. Um, tático: o fatode a seleção ter apenas doiszagueiros, Domingos da Guia eMachado, para marcar três, àsvezes quatro, poloneses (um deles,Willimovsky, autor de quatro gols).Tão perdida ficou a defesa que atéo sereno Da Guia descontrolou-see, dentro da área, agarrou um

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adversário pela cintura: pênalti egol da Polônia. Outro detalhe, dedesconhecimento das leis do jogo,chega ser risível: os brasileirosnão sabiam dar o tiro de meta. Ofaziam com o beque levantando abola para as mãos do goleiro,cabendo a este repô-la em jogo.

Mas Ademar Pimenta estavacerto em confiar na técnicaindividual de seus jogadores, poisdeveu-se a ela, somente a ela, o

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que de melhor a seleção fez naFrança. Duas longas e sofridaspartidas com a Tchecoslováquia,em Bordeaux. O empate de 1 a 1forçou a prorrogação de 30minutos. Mantido o placar, asegunda foi jogada dois diasdepois: 2 a 1 Brasil. Com mais umgol em cada confronto, Leônidasfirmava-se como a granderevelação do campeonato. E faziajus à homenagem que a imprensafrancesa lhe prestava ao chamá-lo

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de "Le Diamond Noir" ou, por seuestilo ágil, sinuoso, como sebelamente coreografado,"L'Homme Élastique".

A vitória sobre aTchecoslováquia não só levava oBrasil para a semifinal contra acampeã do mundo, a Itália, comotambém, nos três dias queantecederam o jogo, dirigentes,técnico, jogadores, sentiram-sepela primeira vez em condições de

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conquistar a taça. Em momentoalgum perceberam que muito doentusiasmo da imprensa francesaera visão política do contrasteentre as semifinalistas.

De um lado, um Brasilsurpresa, com negros talentosos,com um futebol diferente, criativo,alegre, ofensivo. Do outro, apoderosa Itália, incentivada porMussolini, que não esperava menosdo que a repetição de 1934. Como

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não torcer pelos brasileiros após aquarta de final de Paris – vitóriapor 3 a 1 da Itália sobre a França –quando os italianos, ao saberemque os franceses não abriam mãode jogar com sua camisa azul,substituíram a tradicional Azurrapor camisas pretas, como as dopartido? Provocação acrescida dasaudação fascista que os jogadoresfizeram ao entrar em campo. Éclaro, a torcida ficou com osbrasileiros.

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UMA AUSÊNCIA POLÊMICA

Aqueles três dias foram decisivos.E os mais nebulosos. Leônidas nãojogaria contra a Itália. Por que? Hávárias versões, embora todaspartam do mesmo ponto: com osmúsculos minados pelos 300minutos contra os tchecos,Leônidas queixava-se de dores nacoxa. Uma das versões (jamaisconfirmada) é talvez a primeira

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desculpa a beirar o absurdo, dastantas que ainda fariam parte denossa história em Copas: convictode sua importância, Leônidas teriapedido dinheiro extra. Outra versãoé mais lógica: certo que seu timeera superior, Pimenta resolverapoupar Leônidas para umaprovável final.

Na tarde de 16 de junho, noVelodrôme de Marselha, a Itáliavenceu o Brasil por 2 a 1 e

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marchou para se tornar a primeirabicampeã mundial. Há dois ladosnessa frustração brasileira em seusonho de ser campeã. Um, é o daautoconfiança injustificada. Restoua necessidade de explicar o quehouve. Claro, primeiro, a ausênciade Leônidas. Segundo, o pênalti deDomingos em Silvio Piola, que deua Giuseppe Meazza a chance defazer 2 a 0. O árbitro suíço HansWüttrich teria dado providencialajuda aos italianos. O gol de

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Romeu só amenizou o placar.

A Itália ficou com a taça,derrotando a Hungria por 4 a 2 nadecisão. O Brasil acabou emterceiro ao vencer a Suécia por 4 a2, depois de estar perdendo por 2 a0. Leônidas marcou dois gols,totalizando os sete que fizeram deleo artilheiro da terceira Copa.Descoberto o futebol brasileiropelos europeus, o que dizer de seupapel em campos franceses? Não

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foi brilhante, nem tãodecepcionante. Foi muito bom paraum país tão atrasado em táticas, tãoignorante quanto às regras do jogo,tão mal organizado fora de campo.

Consta que um jornal italianoviu nos 2 a 1 prova dasuperioridade branca de sua"squadra" sobre os negros emestiços brasileiros. Sinal dostempos. Em artigo publicado emjornal de Recife, dia 16 de junho

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de 1938, o sociólogo GilbertoFreyre defendia o oposto. E o faziaprofeticamente. Para ele, a manha,a astúcia, a ligeireza, aespontaneidade individual de nosso"mulatismo", que... "marca o estilobrasileiro de jogar futebol, quearredonda e adoça o jogo inventadopelos ingleses e outros europeus,jogado tão angulosamente".

Era o futebol brasileiro sedescobrindo.

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1950Tudo ou quase tudo já se dissesobre a quarta Copa do Mundo, ade 1950, aquela mesma que Brasilperdeu para o Uruguai, na tarde de16 de julho, no antigo Maracanã. Éprovável que, ao longo desses 64anos, ela tenha sido mais citada,contada, estudada, interpretada e,principalmente, mitificada, do que

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qualquer outra, incluindo as cincodas quais o futebol brasileiro saiucampeão. Os que acreditam que ador marca mais que a alegria, ouque as vitórias pesam menos que asderrotas, talvez achem explicaçãopara o fato de tantos livros teremsido escritos, tantos filmesproduzidos, tantas tesesacadêmicas se repetido, sobre umepisódio ocorrido há tanto tempo.Sobretudo nos meses queantecedem a realização de outra

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Copa no país, as televisões domundo inteiro têm nos mandadosuas equipes para saber como foiaquele 16 de julho, ou como está obrasileiro que viveu o episódio jáclassificado como golpe naautoestima de um povo, traumacoletivo, infortúnio, drama,tragédia.

É possível que haja muito deexagero nisso. Ou não? PauloPerdigão, o que melhor e mais

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profundamente escreveu sobre oassunto, assim se refere ao gol comque o uruguaio Alcides EdgardoGhiggia calou um estádio e frustrouo país. "Nunca na história dofutebol mundial, um único lanceacarretou tantas discussões, tantasanálises, tantas evocações, talvezporque nenhum, como este, tenhatranscendido sua simples condiçãode fato esportivo para alçar-se àsdimensões de drama e mitologia,para converter-se em momento

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histórico da vida de uma nação".

A DOR DO PAÍS DO FUTURO

A lembrança do desabafo doromancista José Lins do Rego, aover o torcedor brasileiro deixando,desconsolado, o Maracanã ("... derepente, chegou-me a decepçãomaior, a ideia fixa que se grudou naminha cabeça, a ideia de queéramos mesmo um povo sem sorte,um povo sem as grandes alegrias

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da vitória, sempre perseguido peloazar, pela mesquinharia dodestino..."), confirma o que dizPerdigão. O antropólogo RobertoDaMatta já apontou no desfecho de1950 uma "metáfora para asderrotas da sociedade brasileira".Ao que se pode acrescentar que avitória teria representadoexatamente o oposto para um povoque esperava do futebol aafirmação que lhe faltava em tudomais. Por tudo isso, sobre a quarta

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Copa do Mundo só cabe recontaralgumas passagens que, se não aexplicam, pelo menos podemajudar as novas gerações a ter ideiade como e por que se fala tantonela. O Brasil de então era, comose dizia, "o país do futuro", commuito por fazer e pouco do que seorgulhar. Longe de ser uma naçãodesenvolvida, enfrentava comopodia os tempos de pós-guerra.Redemocratizado havia pouco, opaís tinha novo governo, mas ainda

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guardava vestígios do ufanismo quemarcara a ditadura de GetúlioVargas no Estado Novo quevigorou de 1937 a 1945).

Vargas sempre dera total apoioaos esportes, em especial aofutebol, vendo nele (como os"regimes fortes" sempre o fariam)eficaz instrumento de propaganda.Não seriam muito diferentes seussucessores imediatos, na maioriaseus correligionários ou

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simpatizantes (o própriopresidente, general Eurico GasparDutra, fora eleito com o apoio deVargas). Foi com tal espírito que,no Congresso da Fifa, realizado emLuxemburgo em 1946, acandidatura a país-sede da próximaCopa do Mundo, lançada oito anosantes por Célio de Barros, foirenovada e, por ser a única, acabouaprovada por aclamação. Comoconsequência, o projeto de umgrande estádio, que vinha da época

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de Vargas, foi desarquivado. Nãoapenas um grande estádio, mas o"maior do mundo".

A construção do Maracanã,como tudo que se fez ou se quisfazer para a Copa do Mundo de1950 (que em princípio deveria tersido em 1949) teve caráterpatriótico, de comprovação, deprova da capacidade do homembrasileiro. Erguer o estádio emdois anos era – como foi tão

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repetido por Vargas Neto, JoãoLyra Filho, Geraldo Romualdo daSilva, Mário Filho, nas páginas do"Jornal dos Sports" – um atestadodo valor do engenheiro, doarquiteto e, mais, do operáriobrasileiro. Pensamento semelhanteestendia-se ao futebol. De que eracapaz o craque brasileiro?

Como já vimos no capítulodedicado à Copa do Mundo de1938, uma vez descoberto – pelos

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outros e por si mesmo – o futebolbrasileiro nunca mais deixou deacreditar em seu destino devencedor. Achar-se "o melhor",para esse futebol, independementede resultados. É que o brasileirosempre se considerou dono de umfutebol excepcionalmente bom,quando não superior, mesmodurante as competições sul-americanas ocorridas entre as duasCopas do Mundo, a maioria delasganhas pela Argentina. Sequer se

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levou em conta que, em suaprimeira partida após o exaltadoterceiro lugar em Bordeaux, aseleção, agora dirigida por CarlosNascimento (o mesmo que iráintegrar a vitoriosa comissãotécnica de 1958), sofreu para aArgentina sua primeira derrota desua História em solo brasileiro. Epor placar ultrajante: 5 a 1. E tendoem suas linhas a categoria deLeônidas da Silva, Domingos daGuia, Romeu Pelliciari, o capitão

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Machado, Tim, Hércules, os heróisde 1938.

Por outro lado, havia razõesfortes para o brasileiro se achar,não o melhor, masexcepcionalmente bom. A geraçãode craques que se formou parasuceder a de Leônidas e Domingos,até porque muitos jogaram comeles, incluía alguns dos maisiluminados talentos a pisargramados brasileiros: Zizinho,

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Ademir, Danilo Alvim, Bauer, JairRosa Pinto, Barbosa, Heleno deFreitas, Tesourinha, Cláudio Pinho.Desses, somente os três últimos,por motivos vários, não estariam àdisposição do treinador FlávioCosta para formar uma seleção emcondições de ser campeã em 1950.

Mas por que Flávio Costa?Center-half do Flamengo na décadade 20, então conhecido comoAlicate (por seu temível carrinho

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de pernas cruzadas), Flávio tinhasido nomeado treinador da seleçãoem 1944, para dois amistosos como Uruguai (vitórias por 6 a 1, noRio, e 4 a 0, em São Paulo). Ascoisas não correram tão bem nosdois próximos Campeonatos Sul-Americanos, quando a seleção foiduas vezes derrotada pelaArgentina (3 a 1 e 2 a 0). Essesresultados, mais uma Copa Roccaque começara mal para sua equipe(superada no Pacaembu por Angel

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Labruna, Adolfo Pedernera, MárioBoyé e outros integrantes de umageração de craques) convenceramFlávio Costa de que os argentinosseriam, em qualquer tempo, osmaiores adversários do Brasil.

O DONO DO FUTEBOLBRASILEIRO

Flávio foi mantido no comando daseleção até a Copa do Mundo.Mais do que um treinador, em

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pouco tempo ele se converteranuma espécie de dono do futebolbrasileiro. Mandava mais do que opresidente da CBD ou qualqueroutro dirigente de clube oufederação. Era técnico, preparadorfísico, mentor. Cabia a ele, esomente a ele, determinar o local ehorário das concentrações, dizerque dieta este ou aquele jogadordeveria obedecer, como seapresentar, em campo ou não. Comcurso de sargento do Exército,

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considerava-se um disciplinador.Em nome de tal qualidade, mudou operfil do jogador brasileiro: nadade barba por fazer, meias arriadas,camisa para fora o calção,chuteiras inadequadas e gorrinhoscom as cores do clube, comomuitos gostavam de usar.

Flávio Costa já tinha sidotreinador do Flamengo quandoacompanhou de longe a campanhada seleção na França. Mas soube

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de tudo o que houve por lá. Fezdessas informações a base de todoseu trabalho a partir de então.Taticamente, por exemplo, já haviaaprendido uma útil lição com ohúngaro Dori Kruschner, quepassara pela Gávea em 1937: oWM era sistema mais moderno eeficaz do que o 2-3-2-3 que, porignorância, Ademar Pimentaadotaria no ano seguinte. Fláviotambém não perdoava a delegaçãobrasileira pelo desconhecimento

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das leis do jogo, aquela história denão saber dar tiro de meta. Emrazão disso, dois anos antes daCopa do Mundo em que dirigiria aseleção brasileira, ele fez a CBDcontratar árbitros ingleses paraapitarem jogos dos campeonatos deRio e São Paulo. Nisso, ponto a seufavor.

Em abril e maio de 1949, oBrasil organizou o CampeonatoSul-Americano, com jogos em São

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Januário e no Pacaembu. Sagrou-secampeão depois de um jogo extracom o Paraguai. A Argentina nãoveio. Flávio Costa ficou de talforma desapontado que acabouinfluenciando a CBD no corte derelações com a Associación delFútbol Argentino (AFA). Não era oque Flávio queria. Pelo contrário,achava a presença dos rivais naCopa do Mundo fundamental paravalorizar o título que esperavaganhar. Mas a Argentina preferiu

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ficar em casa a vir ao Brasil comuma equipe desfalcada dos craquesque uma liga pirata, a do EldoradoColombiano, vinha tirando desdeque rompera com a Fifa em 1947.

Não veio a Argentina, mas veioo Uruguai, cujos clubes tinhamsofrido menos com as investidasdos colombianos. Investidas que, épreciso ressaltar, só não atingiu ofutebol brasileiro porque osmelhores jogadores, os com certeza

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ou esperança de que seriamconvocados, nem quiseram ouvirpropostas que os impedissem deser campeões do mundo (entre osque já tinham vestido a camisa daseleção, apenas dois foram jogar naColômbia: Tim, aos 34 anos, já emfim de carreira, e Heleno, cujasúltimas chances de ser chamadoacabaram no final de 1949, quando,armado de revólver, ele brigou feiocom Flávio Costa na sede de SãoJanuário.

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E a Copa do Mundo, a primeirado pós-guerra, a que pareciadestinada a premiar o "melhor"futebol, pouco importando que osargentinos tivessem se recusado aavalizar o título que esse futebolesperava conquistar? Sim, porquefoi em clima de otimismo que oBrasil a viveu, um otimismo que sóestancou diante de uma barreira,sabe-se hoje, intransponível: o golde Ghiggia – lance que, naspalavras de seu melhor historiador,

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transformou o fato esportivo em"drama e mitologia". Diante disso,talvez soe pretensioso dizer algoque ainda não foi dito sobre o 16de julho de 1950. O que não nosimpede de fazê-lo: não é o gol deGhiggia, nem a derrota, nem mesmoa dor que calou 200 mil bocas noMaracanã, o que confere à históriauma dimensão de tragédia, mas omodo como ela foi construída.

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PRIMEIRA COPA SEM FINAL

Passado tanto tempo, é possível vera Copa do Mundo de 1950 – e,nela, a derrota brasileira – comoum roteiro traçado pela lógica dosdeuses para que tudo acontecesseexatamente como aconteceu. Ouseja, a seleção do Brasil, comatuações espetaculares, crescendosempre aos olhos de sua torcida edo observador neutro e tornando-se, sem favor, a grande favorita ao

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título. E a do Uruguai, parecendocada vez menor, cumprindocampanha medíocre, não à altura desua própria história. A comparaçãoentre as duas trajetórias, até o diada derrota final, é que deu ares deabsurdo a um roteiro lógico. Etransformou em "tragédia" o queseria festa.

Tudo começou no sorteio dosgrupos, realizado na Sala deConferências do Itamaraty, no fim

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da tarde de 21 de maio. Portanto, apouco mais de um mês da datamarcada para o jogo de abertura.Não é errado dizer que pode tercomeçado antes, quando a Fifaprogramou as eliminatórias entre as34 seleções inscritas. Um númerorecorde de oito desistênciasregistrou-se em três continentes. NaAmérica do Sul, Peru e Equadorfizeram companhia à grandeausente, a Argentina. Comoconsequência, Uruguai, Chile e

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Bolívia classificaram-se semprecisar ir a campo. Sorte dequem?

A quarta Copa do Mundo, aprimeira com Jules Rimet dandonome à taça de ouro quepraticamente criara, tinha novoregulamento. Os 16 finalistasseriam divididos em quatro gruposde quatro. Dentro de cada grupo, osquatro jogariam entre si. Oprimeiro lugar de cada grupo

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passaria à fase final, na qual osquatro se enfrentariam, saindo dalio campeão. Em consequência, oregulamento não previa uma final,como acontecera antes e voltaria aacontecer depois. Se, por acaso, oúltimo jogo da tabela fosse tambémo decisivo, seria meracoincidência, Ou parte da lógica doroteiro.

O sorteio no Itamaraty, onde aFifa foi representada por Ottorino

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Barassi (o italiano que escondera ataça durante a guerra, livrando-adas mãos de quem pudesse sumircom ela), não obedeceu a critériostécnicos. De um lado, os cabeçasde chave: Brasil, Itália, Uruguai eInglaterra, que finalmentereconhecia a Copa do Mundo comoum campeonato importante,retribuindo assim a ajuda que aFifa lhe dera ao organizar o torneiode futebol dos Jogos Olímpicos de1948, em Londres. Do outro lado,

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os outros 12 finalistas foramdispostos em ordem alfabética:Bolívia, Chile, Espanha, EstadosUnidos, França, Índia, Iugoslávia,México, Paraguai, Suécia, Suíça eum X representando a esperança deque Portugal, derrotado pelaEspanha nas eliminatórias,aceitasse o convite da CBD parasubstituir a Escócia. Feito osorteio, no grupo 1 ficaram Brasil,Iugoslávia, México e Suíça. No 2,Inglaterra, Espanha, Chile e

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Estados Unidos. No 3, Itália,Suécia, Paraguai e Índia, quetambém desistiria. E no 4, Uruguai,França, Bolívia e o X de Portugal.Como este decidiu não vir (aderrota de 5 a 1 para a Espanha, emMadri, pelas eliminatórias, seriaatestado de que pouco poderiafazer numa Copa do Mundo) ecomo a França também pulariafora, não aceitando viajar paraenfrentar o Uruguai em PortoAlegre e o X em Belo horizonte, o

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grupo 4 ficou reduzido a doisconcorrentes. E seria decididonuma única partida entre Uruguai eBolívia. Sorte de quem?

Tudo isso é para explicar deque forma tantas desistências e umsimples sorteio contribuíram para oroteiro. A Copa do Mundocomeçou, jogou-se a primeira fase,quatro seleções se classificarampara decidirem o título noquadrangular. No grupo 2, o do

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vexame do English Team (derrotapara os Estados Unidos em BeloHorizonte), classificou-se aEspanha. No 3, o da decepção daItália (sua seleção, desfalcada doscraques do Torino, mortos em 1949no desastre aéreo de Superga, vieraao Brasil de navio), a Suécia ficouem primeiro. Nos demais grupos,enquanto o Brasil teve de vencer oMéxico (4 a 0), sofrer num empatecom a Suíça (2 a 2) e suar muitopara se impor à forte Iugoslávia (2

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a 0), o Uruguai começoudescansando e treinando para seclassificar com uma goleada sobrea Bolívia (8 a 0). Sorte de quem?

A tabela da fase final tambémfoi elaborada por sorteio. Naprimeira rodada, um Brasil maisinspirado venceu a esforçadaSuécia com surpreendentefacilidade (7 a 1), no Maracanã.No mesmo dia e hora, noPacaembu, a Espanha dominava e

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vencia o Uruguai (2 a 1), com doisgols de seu ponta direita EstanislaoBasora, quando, a 15 minutos dofim do jogo, num improvável chutea 40 metros do gol, Obdulio Varelaempatou. Sorte de quem?

SORTE E COMPETÊNCIA

Na segunda rodada, a seleçãobrasileira cumpriu a que talveztenha sido sua maior atuação nos50 anos de história do antigo

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Maracanã. Flávio Costa, queiniciara sua campanha cercado dedúvidas (usaria sua surrada"diagonal", um WM torto que elepróprio inventara, ou apelaria pelaformação clássica introduzida peloinglês Herbert Chapman em1925?), parecia ter encontrado asrespostas certas. Inclusive sobre sedeveria usar um centroavante fixo,como fizera com Baltazar nas duasprimeira partidas, usando um dosmeias, Ademir, mais avançado,

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como na "diagonal". Ou se optariapela simetria do WM, Zizinho eJair nas duas meias e Ademir nocentro. A vitória sobre aIugoslávia, a da estreia de Zizinho(machucado, ficara de fora nasduas primeiras partidas), tinha sidoo ponto de partida para aquelafantástica exibição diante dosespanhóis. Todos os receios devéspera se dissiparam em meiahora de jogo. Augusto da Costa eBigode conseguiriam marcar

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Basora e Gainza, os pontasespanhóis? O eficiente ataquebrasileiro seria o mesmo frente aum goleiro como AntonioRamallets? Invicta até então, aEspanha do goleador José Zarraera mesmo, como se dizia, "LaFuria"?

A goleada (6 a 1), com direitoa requintes técnicos jamais vistosnuma seleção brasileira, viroufesta. Quando o voluntarioso Chico

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marcou o quarto gol, aos 10minutos do segundo tempo, atorcida enlouquecida cantou emcoro "Touradas em Madrid",sucesso carnavalesco de um 1938que, no futebol, ficava para trásjustamente ali. Como foi, a vitóriasobre a Espanha era, mais que umafesta, a consagração antecipada domelhor futebol do mundo.

No mesmo dia e hora, noPacaembu, a Suécia dominava e

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vencia o Uruguai (2 a 1), quando, a15 minutos do fim do jogo, OscarMiguez empatou. Dez minutosdepois, quando tudo indicava arepetição do jogo anterior, omesmo Miguez, num lance delucidez e oportunismo, fez o gol davitória que deu ao seu time mais doque esperança. Sorte de quem?

ORGIA DE ERROS NA HORA H

A final – ou o jogo histórico que o

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acaso converteu em final – teve umprimeiro tempo sem gol. Aos 2minutos do segundo, Friaça pôs oBrasil em vantagem. Aos 21, JuanSchiaffino empatou (técnico ejogadores brasileiros, mesmosabendo que o empate lhes bastava,teriam sido psicologicamenteafetados pelo silêncio que se fez noestádio). E, aos 39, o gol deGhiggia. O lance foi muitoparecido com o primeiro: Ghiggiaultrapassando Bigode e entrando

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livre pela esquerda da áreabrasileira. Só que, no primeiro gol,ele centrou para Schiaffinofinalizar; no segundo, finalizou elemesmo.

Uruguai 2, Brasil 1. Comosempre, tratando-se de derrota dofutebol brasileiro, o resultado deumargem a incontáveis desculpas,justificativas, explicações. OBrasil jamais perderá uma Copa doMundo sem que que se tente saber

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por quê. De preferência, buscando-se responsáveis. Em 1950, falhouBarbosa ao saltar atrasado no golde Ghiggia; falhou Bigode ao serduas vezes vencido pelavelocidade do ponta uruguaio;falhou Juvenal ao não a darcobertura a Bigode (alguns veriamtraços de racismo nas acusaçõesaos três). E falhou Flávio Costa, aofazer seu time marcar por homematacantes com a habilidade de umJulio Perez, um Schiaffino, um

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Ghiggia.

E falharam os dirigentes, navéspera da decisão, ao mudarem aconcentração dos jogadores dotranquilo Joá para o agitadoambiente de São Januário. Efalharam os políticos ao seaproveitarem disso para, na manhãda decisão, fazerem comício aolado dos craques. E falhou aimprensa, ao proclamar o Brasilcampeão antes que a boa rolasse. E

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falhou até o general AngeloMendes de Moraes, prefeito doentão Distrito Federal, ao fazer,antes do jogo, pelos alto-falantesdo Maracanã, discurso deexortação do tipo "Eu lhes dei oestádio, vocês nos dêem a Copa doMundo". Azarando o Brasil, ogeneral teria soprado a sorte para olado inimigo.

Se se falou tanto em sorte nestecapítulo, e sempre em relação ao

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Uruguai, não foi para explicar apartir dela a derrota brasileira no16 de julho, nem para negar méritosaos vencedores, e sim para que seentenda o roteiro que deu dimensãode tragédia a um simples resultadono futebol. Até no último ato osdeuses trabalharam para que sualógica absurda triunfasse. Fizeramdo Brasil o melhor, o irresistível, oinsuperável, o campeão do mundo,até os 39 minutos do segundotempo e, depois, nos seis minutos

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seguintes, deram à história oinesperado epílogo que a tornaria amais citada, contada, estudada,interpretada e, principalmente,mitificada.

1954Não foi somente a troca da camisabranca pela amarela que distinguiua seleção brasileira de 1950 da queparticipou da quinta Copa do

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Mundo, em 1954, na Suíça. Se numponto – a falta de informação sobrequase tudo – elas se pareciam, aprimeira sabia, pelo menos, quetipo de adversário iria enfrentar nadecisão. Os uruguaios eram velhosconhecidos dos brasileiros, as duasseleções já tinham se cruzado 30vezes antes, em amistosos, na CopaRio Branco e em Campeonatos Sul-Americanos. Portanto, a derrotanão ocorrera por não se saber quemestava do outro lado. Já em 1954,

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quem no Brasil já vira jogar aseleção húngara de Puskas, Kocsise Hidegkuti, campeã olímpica de1952?

Não que este capítulo devacomeçar pelo fim, isto é, com o"porquê" que sempre se exige nosinsucessos do futebol brasileiro.Mas realmente a experiência dedirigentes, treinadores e mesmojogadores em relação à primeiraCopa do Mundo que se realizaria

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na Europa, depois da SegundaGuerra, era quase nenhuma. Asexcursões de clubes brasileiros nãoeram tão frequentes quanto setornariam depois de 1958. E,mesmo quando aconteciam, poucaoportunidade ofereciam paraobservações, análises, estudos dosadversários, com jogos disputadosentre viagens apressadas entre umacidade e outra. Seleção brasileira?Só tinha ido à Europa para asCopas do Mundo de 1934 e 1938.

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Sem os recursos de hoje(televisionamento ao vivo,videoteipes, dadoscomputadorizados), o treinadordaqueles tempos, interessado emsaber o que se passava no futeboleuropeu, tinha de ir ver para crer.

DE 1950, NOVE SOBREVIVERAM

Era justamente o caso de AlfredoMoreira Jr., Zezé Moreira, quesubstituiu Flávio Costa à frente da

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seleção brasileira. Zezé poucoviajara com o Botafogo ou oFluminense, seus clubes até então.Seu conhecimento de futebol tinha amesma base de seus colegas deprofissão no Brasil: a experiênciavivida como jogador e, depois,treinador de equipes de clubes,nunca de seleção. Mas levava umavantagem sobre Flávio Costa: amente mais aberta para asinovações táticas que iamacontecendo. Também ele tivera

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contato com Dori Kruschner,quando este trocara o Flamengo deFlávio Costa pelo seu Botafogo.Aprendera com o húngaro osfundamentos do WM e os adaptou,com êxito, ao individualismo dojogador brasileiro. Por causa desseindividualismo – consequência daexcepcionalidade técnica dejogadores como Zizinho, Ademir eJair, o trio atacante de 1950, e seussucessores, Julinho Botelho e Didi,dois nomes certos para 1954 – era

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confesso inimigo da marcação porhomem que Flávio utilizara contraos uruguaios. Escolhido paradirigir a seleção brasileira pelo seusucesso no Fluminense (cujo"timinho", assim denominado pelaquantidade de jogadores medianosentre seus titulares, sagrara-secampeão carioca em 1951), ZezéMoreira foi, de inicio, malcompreendido. Confundiram sua"marcação por zona" comdefensivismo, quando, na verdade,

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as limitações do time doFluminense é que lhe deram talaparência.

Essas considerações táticas, noentanto, não interferiram na escolhafeita pela CBD, ainda presididapor Rivadávia Corrêa Meyer(durante a Copa do Mundo de1950, por motivo de doença, forainterinamente substituído por MárioPolo). Uma escolha, antes de tudo,pensada. Depois da derrota de

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1950, a seleção brasileira ficou 20meses inativa, como seconvalescendo. Nesse período,nada de amistosos, torneioscontinentais, copas com uruguaios,argentinos, paraguaios ou chilenos.A representação nacional só voltoua campo em abril de 1952 para aestreia no primeiro CampeonatoPan-Americano organizado peloChile. Seu treinador, o homem quelevara o "timinho" tricolor ao títulocarioca.

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Dos convocados por Zezé,poucos tinham estado entre os 22de 1950. Dos titulares de dois anosantes, somente Ademir Menezes,Bauer, Friaça e Bigode. Dosreservas, Castilho, Ely do Amparo,Baltazar, Rodrigues e NíltonSantos. Ao justificar as ausênciasde Zizinho e Jair, o novo treinadorcometeu seu primeiro erro: atribuira eles o mesmo individualismo que,em sua opinião, era um dos maiorestrunfos do futebol brasileiro. Como

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tudo está bem quando acaba bem –e o Brasil conquistou naquele Pan-Americano seu primeiro título noexterior – Zezé Moreira tinha apreferência da CBD para ir àSuíça.

Entre os dois campeonatos, oPan-Americano e a Copa doMundo, houve conturbadoparêntese: o Campeonato Sul-Americano de 1953, em Lima.Nele, outro erro de Zezé: alegando

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problemas profissionais que oimpediam de ausentar-se do Rio,ele indicou para substituí-lo um deseus irmãos treinadores, AimoréMoreira. A perda do título para oParaguai foi o menos grave.Aimoré desmontou toda a base queZezé construíra, não repetiu oataque uma só vez, combinou seisjogadores (Bauer, Brandãozinho,Ely, Danilo, Didi e Zizinho) emsete meios de campo diferentes ealiou-se ao chefe da delegação,

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José Lins do Rego, e ao médicoPaes Barreto, contra as posições deZizinho, segundo eles, um rebelde.

Tudo porque o jogador doBangu, no papel de capitão,representou os companheiros naqueixa pelos prêmios no Sul-Americano serem inferiores aos doPan-Americano. Depois, com doresmusculares, Zizinho recusou-se aentrar em campo na partidadesempate (3 a 2 para o Paraguai),

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sob o efeito de uma injeçãorecomendada pelo médico. Pelarebeldia, seria banido da seleção.Em princípio, banido para sempre.

A seleção brasileira foi para aCopa de 1954 sem Zizinho eAimoré. Mas teria Zezé Moreira eum punhado de craques queficariam entre os mais brilhantes jásurgidos no país: Castilho, DjalmaSantos, Nílton Santos, Bauer, Didi,Julinho. Com coadjuvantes que

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nada deviam aos que tiveram igualpapel em 1950: Pinheiro,Brandãozinho, Pinga, Maurinho eos remanescentes Baltazar eRodrigues. A comparação com1950 faz sentido porque uma dasmetas era fazer tudo rigorosamentediferente da Copa anterior. Amudança do uniforme – calção azule camisa amarela, escolhidos emconcurso promovido pelo "Correioda Manhã" – era a mais visível. Jáfora usada nas eliminatórias

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(quatro vitórias em quatro jogoscontra chilenos e paraguaios). Maisvisível, porém menos importante.

A decisão de 1950, sempre ela,ainda pesava nas cabeças quepensavam a seleção. Um dosmotivos tinha nome curto: raça.Muitos ainda atribuíam o triunfouruguaio à empolgação patrióticade seus jogadores, àquele mito dacamisa celeste com poderesmágicos alimentados pela raça.

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Raça no sentido de dar tudo, deentregar-se, de sofrer pelo time, deser capaz de qualquer sacrifíciopela vitória. Seriam os uruguaiosos únicos no mundo a ter raça?Tanto quanto possível, essafilosofia meio guerreira foi passadaaos jogadores. Na Suíça, eles nãoentrariam em campo sem beijar abandeira, sem cantar o hino novestiário, sem ouvir discursosinflamados (num destes, foraminstados a "vingar nossos mortos de

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Pistoia"). Isso na Suíça, onde asseleções europeias desembarcaramsem pensar em guerra.

A quinta Copa do Mundo tevenúmero recorde de 45 seleçõesinscritas. Duas delas de volta,Alemanha Ocidental e Áustria,agora já separadas. A Alemanhaera dirigida por Sepp Herberger,que voltava ao posto depois deocupá-lo de 1921 a 1925.Herberger e vários de seus

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jogadores tinham sido membros,menos ou mais atuantes, do PartidoNazista. Mas ninguém ali pensavana guerra, menos ainda nos mais de400 soldados da ForçaExpedicionária Brasileira (FEB)sepultados no cemitério de Pistoia,na Itália. Os alemães só pensavamem futebol. E não ligavam a mínimapara os técnicos, observadores ejornalistas que não os levavam asério. Outra seleção a chegar àSuíça era mais do que levada a

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sério. A Hungria, invicta desde1950, que goleara a Inglaterra emdois amistosos (6 a 3 e 7 a 1, naprimeira derrota inglesa em casa,desde que o futebol se oficializaraem 1863), era a favorita a ficarcom a taça que escapara em Paris,na final com a Itália. Seu poderio –reconhecido em toda a Europa, massequer imaginado pelos brasileiros– resultava de um projeto lançadoem 1950 pelo ministro dosEsportes, Gusztav Sebes, projeto

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esse só possível na Hungriacomunista da época. Com o apoiodo governo e a ajuda de outrosministérios, em especial o daDefesa, Sebes transformou eminstituição militar o Kispet,modesto time de bairro de Peste,parte sul da capital húngara. Seusjogadores, entre eles os jovensPuskas e Bozsik, foramincorporados ao Exército, sendopagos para jogar futebol (Puskaschegaria ao posto de major). Sebes

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seguiu convocando os melhoresjogadores do país – Kocsis,Czibor, Budai, Lorant e o goleiroGrozsics – tirando-os de clubescomo o Vasas, MTK, Ujpest,Ferencvaros. Jogando juntos porquatro anos, pode-se imaginar comque entendimento e conjuntoaqueles "soldados" chegaram àSuíça. Sem perder suas últimas 27partidas, os "Mágicos Magiares",como eram chamados, chegarampara vencer.

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Nessa primeira fase, a seleçãobrasileira venceu o México (5 a 0)e empatou com a Iugoslávia (1 a 1).O terceiro erro de Zezé Moreira,este dividido com toda cúpula dadelegação, foi não saber que oempate com os iugoslavosclassificava as duas equipes,tornando desnecessário odesgastante desespero com queseus jogadores disputaram umaprorrogação desnecessária. AHungria cumpriu a primeira fase de

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forma arrasadora, superando aCoreia do Sul (9 a 0) e a AlemanhaOcidental (8 a 3). Certo de que seclassificaria num jogo extra com aTurquia, Herberger poupou váriostitulares contra os húngaros eescalou o truculento WernerLiebrich para anular Puskas. Oobediente líbero levou as ordenstão ao pé da letra que acertou otornozelo do capitão do timeadversário, e o pôs fora decombate por, no mínimo, dez dias.

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Com sorte, Puskas jogaria a final.

O regulamento da quinta Copado Mundo tinha estranha novidade:as oito equipes classificadas naprimeira fase se enfrentariam emquartas de final segundoemparelhamento estabelecido, nãopor tabela prévia, mas por sorteio.Em razão disso, o próximoadversário da seleção brasileirapoderia ser Alemanha Ocidental,Áustria, Hungria, Inglaterra,

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novamente a Iugoslávia, Uruguai(reprise de 1950?) ou Suíça. ZezéMoreira e Luís Vinhais foram aZurique assistir ao sorteio.Deixaram os jogadores no hotel.Sem rádio, sem TV, iam saber doresultado pelo próprio treinador. Játarde da noite, Zezé chegou. Estavapálido, assustado. Diante do olharaflito que os jogadores lhelançaram, resumiu em trêspalavras: "É a Hungria!". Mais umerro de Zezé Moreira. Com a

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informação, dada como quemcomunica um desastre, eletransmitia sua apreensão a todo ogrupo. O ambiente, os efeitosdaquela notícia, a tensão com queos jogadores viveram os três diasaté a partida, produziriam versõesque vão do sério (noites maldormidas) ao folclórico (ingestãode pasta de dente ou outrassubstâncias para, passando mal,não se correr o risco de serescalado). A realidade é que

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seleção brasileira mergulhou, portrês longos dias, num estado entre oexcesso de responsabilidade e omedo da derrota.

Como superar? Com raça, éclaro. Beijos na bandeira, canto dehino, discursos, a seleçãobrasileira entrou em campo"preparada" para enfrentar aHungria. Zezé Moreira mudou sualinha de frente. Manteve Julinho e,na armação, Didi, mas entregou a

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Índio, Humberto Tozzi e Maurinhoas camisas de titular que tinhamsido de Baltazar, Pinga eRodrigues. A defesa foi alertadaquanto ao ímpeto do ataquehúngaro, que tentava decidir o jogoem poucos minutos. De fato, eraimpressionante a frequência comque ele chegava aos 2 a 0 emmenos de dez minutos. Às 5 horasda chuvosa tarde de 27 de junho, noWankdorf Stadium da capital suíça,teve início "a batalha de Berna".

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Com gols de Hidegkuti e Kocsis, aHungria chegou aos temidos 2 a 0.Não aos dez, mas aos sete minutos.Djalma Santos, de pênalti, diminuiuaos 18 minutos. No segundo tempo,Pinheiro cortou uma bola com amão dentro da área e Lantos,cobrando o pênalti, ampliou aos15. Os brasileiros protestaram,alguns tentando invadir o campopara agredir o árbitro inglês ArthurEllis. Mas o jogo prosseguiu,Julinho fez o segundo gol brasileiro

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aos 25 minutos e Kocsis, oartilheiro da Copa, voltou a marcaraos 43 (4 a 2).

Já então a confusão se instalara.Tendo sido tecnicamente tãoaplicada quanto a poderosaadversária, a seleção de ZezéMoreira não percebeu que, com umpouco mais de sorte e muito maisde tranquilidade, poderia conseguirmelhor resultado. A raça que lhefoi cobrada não era a que levou

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Maurinho a cuspir no rosto deLantos, Humberto a agredirBuzanszky, Nílton Santos a trocarpontapés com Bozsik. ExpulsosHumberto, Nílton e Bozsik, o jogochegou ao fim. Mas não a batalha.Os jogadores brigaram, na saída docampo e nos vestiários. Uns seferiram, outros fugiram. Pinheirolevou pontos na cabeça por causade uma garrafada que Puskas lhedesferiu. O ponto alto do episódio,ao menos em termos de

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repercussão, foi a chuteirada comque Zezé Moreira feriu a cabeça doministro Sebes.

A ÚLTIMA COPA DE JULES RIMET

Numa das semifinais, ainda semPuskas, a Hungria venceu oUruguai. Foi a primeira derrota daCeleste Olímpica em Copas doMundo (4 a 2, após prorrogação).Na outra, a Alemanha Ocidentalmandou a Áustria para a decisão do

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terceiro lugar (6 a 1). Nesta, vitóriaaustríaca e o segundo revésuruguaio. A final, em 4 de julho, nomesmo Wankdorf Stadium, tinhatudo para ser a coroação de umaequipe mágica que escrevera omais notável capítulo da história doesporte húngaro. Não foi por outromotivo que, apesar de ainda sentirdores no tornozelo, Puskas jogou.Como deixar de fora o grandecapitão no momento em que JulesRimet entregaria a taça? Puskas

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tinha que jogar.

Além do que a AlemanhaOcidental já tinha sido sobrepujadanaqueles 8 a 3. O começo da finaldeu a impressão de ser merarepetição da história, ocumprimento de um ritual. Puskasaos 6 e Czibor aos 8 marcaram osgols que fizeram as esposas,trazidas especialmente deBudapeste, comemorarantecipadamente na tribuna de

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honra. Mas o primeiro tempo játerminaria 2 a 2, gols de Morlock eRahn. Este, ponta-direita cujahistória acabaria romanceada nofilme "O milagre de Berna",decidiu o título a 6 minutos do fim.

Milagre ou não, os alemãesocidentais eram os campeões domundo – para surpresa de todos epara o significativo comentário deJules Rimet. Em seu último gestocomo presidente da Fifa, após

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entregar a taça de ouro ao capitãoalemão Fritz Walter, Rimet passoua Puskas a medalha de prata,dizendo: "Espero que troque demetal na próxima vez". Não houvepróxima vez. Com o levante queabalou a Hungria em outubro de1956, o mágico exército doministro Sebes se desfez. Puskas ecompanheiros deixaram o país eforam reforçar o futebol de outrasterras. Jules Rimet morreu naquelemesmo outubro, sem imaginar que o

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próximo campeão seria o Brasil.

1958Quando o futebol brasileirocomeçou a se preparar para a sextaCopa do Mundo – a realizar-se noverão sueco de 1958 – Didi aindanão era o titular absoluto daseleção, poucos levavam a sério osdribles de Garrincha, não se sabiaque havia no ataque do Bauru

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Atlético Clube um garoto chamadoPelé e Vicente Ítalo Feola cumpriamodestamente o papel de eternosubstituto de treinadores no SãoPaulo. Dos quatro, Didi era o únicoque podia pelo menos pensar em irà Suécia. A principal ameaça à suacondição de titular, Zizinho, estariacom 37 anos em junho de 1958. Ocorintiano Luisinho, mais moço,bom de bola também, não tinha asua experiência. E WalterMarciano, outro possível

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concorrente, já estaria vestindo acamisa do Valencia espanhol(naqueles tempos, a seleçãobrasileira podia se dar o luxo dedispensar craques que estivessematuando por clubes do exterior).

Começou a se preparar, nocaso, é expressão imprecisa,baseada na crença de que ospreparativos da seleção brasileirapara uma Copa do Mundo têminício logo que a anterior termina.

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Poucas vezes isso terá sido tãofalso como no período entre 1954 e1958. Da derrota para a Hungriaem Berna até a estreia contra aÁustria em Uddevalla, a seleçãobrasileira fez 48 jogos, dos quaisapenas 15 tiveram algo a ver com oque a aguardava em sua sextatentativa de ser campeã mundial.

Para dirigi-la nos 48 jogos,foram chamados sete diferentestreinadores. Houve uma seleção só

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com profissionais do Rio, outra sócom os de São Paulo, uma terceirasó com os de Porto Alegre e umaquarta só de jogadores de Américae Bangu, tão pouco respeitada quea irreverência do torcedor abatizou de seleção suicida. Foramdois Sul-Americanos perdidos: ode 1956, em Montevidéu, ganhopelo Uruguai dos remanescentesMiguez e Rodrigues Andrade, e ode 1957, em Lima, vencido pelaArgentina dos jovens Maschio,

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Sivori e Angelillo.

Nas duas ocasiões, o treinadorbrasileiro foi Osvaldo Brandão.Aproveitando a viagem, assim queo torneio acabou, lá mesmo, emLima, Brasil e Peru se enfrentaramna primeira das duas partidas queapontariam qual dos dois iria àSuécia. Resultado: 0 a 0. No jogode volta, uma semana depois, noMaracanã, 1 a 0, graças ao gol como qual Didi, classificando o Brasil,

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consagrou sua folha-seca.

HAVELANGE MUDA O JOGO

Essa alternância de treinadores eformações evidenciava ainexistência de um projeto visandoà Copa do Mundo de 1958. AConfederação Brasileira deDesportos (CBD) tinha novopresidente desde os primeiros diasde janeiro de 1955: SílvioPacheco. Novo presidente, velhas

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ideias. A seleção brasileira, que sepretendia permanente, continuavasujeita a improvisações ditadaspelas circunstâncias, ora as TaçasO'Higgins e Osvaldo Cruz, ora aCopa Rocca ou os Sul-Americanos,ora amistosos marcados com poucaantecedência ou um desprestigiadoPan-Americano conquistado noMéxico, com uma base Grenalmontada por José Francisco DuarteJr., o pelotense Teté.

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Dos sete treinadores em cujasmãos a CBD entregou a seleção, omais cotado para ir à Copa era oveterano Flávio Costa. Ou seja,exatamente o mesmo da "tragédiade 50", na qual seu maior erro foraa desatualização quanto aossistemas de jogo e aos tipos demarcação. Isso, mais a teimosia,atributo de todo treinador. Porém,nele mais grave na medida em que,a ter de optar entre um homem deconfiança e um jogador

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tecnicamente superior, Flávioficava sempre com o primeiro.

Dois fatos falavam de seufavoritismo para ser novamente oescolhido. Um, a confirmação deseu prestígio, de sua autoridade.Ao levar Zizinho de volta àseleção, Flávio dava fim aoabsurdo banimento a que a CBDcondenara o jogador. O outro fato,a CBD tê-lo chamado para ficar àfrente do seu único projeto visando

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à Copa do Mundo: uma excursão deestudos pela Europa. Com ela,esperava-se evitar surpresas comotinha sido a da Hungria na Suíça.

A excursão fez história. Nãopelos resultados, três vitórias(Portugal, Áustria e Turquia), duasderrotas (Itália e Inglaterra) e doisempates (Suíça e Tchecoslováquia)em sete jogos, e sim pelasobservações que constariam dorelatório que Flávio Costa entregou

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à CBD. Nele, mais do que odesempenho técnico dos jogadores,era analisado seu comportamentofora de campo. Poucos foramaprovados, nenhum deles comdistinção.

O relatório falava da falta deeducação de alguns (coisas comoum jogador adentrar o chá das 5 dedamas inglesas vestido apenas comuma toalha presa à cintura, ou pedira um maître suíço, orgulhoso de

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suas trutas, que a sua lhe fosseservida crua, ou ainda com a barbapor fazer). O relatório falavatambém, e principalmente, daemotividade dos jogadoresbrasileiros, sobretudo dos negros emulatos, sempre afetados pelassaudades de casa, pela melancolia,pelo banzo.

O relatório propunha que "secivilizasse" a seleção brasileira eque se fizesse do jogador um atleta

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frio, mais cerebral que emotivo,sem reações intempestivas, comoas contra a Áustria (vitóriatumultuada por 3 a 2) ou nervosascomo as contra a Itália (derrota feiapor 3 a 0). Em resumo, que ojogador brasileiro se convertessenum combatente em condições deenfrentar e superar o europeu nasbatalhas do futebol.

Em 14 de janeiro de 1958, onovo presidente substituía Sílvio

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Pacheco na CBD: João Havelange.Homem da natação e do waterpolo, sua eleição fazia parte danecessidade de se dar aos demaisesportes sob a guarda da entidadeum tratamento independente dofutebol. Pensando nisso, mesesantes de assumir, Havelangeencomendou ao empresário paulistaPaulo Machado de Carvalho (este,sim, homem do futebol, comestreitas ligações com o São PauloFutebol Clube) um projeto de

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trabalho com vistas à Copa doMundo.

Muito citado, muito discutido,muito exaltado depois de 1958,mas pouco conhecido, o “PlanoPaulo Machado de Carvalho"entrou para a história. Emprincípio, o projeto foi repassadoao então jornalista Paulo PlanetBuarque (em 1954, ele dera umarasteira no guarda suíço que oimpedira de agredir o árbitro de

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Brasil x Hungria), ao comentaristaAry Silva, ao especialista emarbitragem Flávio Iazetti e aVicente Feola, que passara o anode 1957 observando o treinadorhúngaro Bella Gutman levar o SãoPaulo ao título de campeãopaulista. Em resumo, nomes daconfiança do empresário.

Não mais que dois pontosmerecem ser ressaltados no texto: adivisão de tarefas, dentro do que

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ficaria conhecido como comissãotécnica (tirando do treinador aautoridade que tivera até então) e apreocupação com a saúde e o ladopsicológico dos jogadores. Mesmosem referência a racismo e a outrosepisódios da excursão, o plano eraclaramente inspirado no relatório.Tinha tom de aconselhamento, demaneiras a seguir para se chegar auma seleção forte, competitiva,campeã. Paulo Planet Buarque, ementrevista ao “Estado de S. Paulo”,

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resumiu bem o espírito que guiariaa comissão técnica na hora deconvocar e escalar seus jogadores:“Entre o homem e o craque,prefira-se o homem”.

TÉCNICO SEM EXPERIÊNCIA

Uma vez empossado, mais do queaceitar, sem reparos, o plano, JoãoHavelange entregou ao empresárioo futebol da CBD e a chefia dadelegação brasileira à Suécia.

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Então, quando se especulava sobrequem seria o treinador, unsesperando a confirmação de FlávioCosta, outros a volta de ZezéMoreira, outros mais a contrataçãodo paraguaio Fleitas Solich (“ElBrujo”, que dera ao Flamengo otricampeonato carioca, mas que,por ser estrangeiro, tinha ferozesopositores), Paulo Machado deCarvalho optou pelo eternosubstituto de treinadores (RamónPlatero, Alberto Zarzur, Leônidas

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da Silva, Jim Lopes, ArmandoRenganeschi) do seu clube e oencaminhou, convicto, a JoãoHavelange.

A experiência de Feola emseleção brasileira era quasenenhuma. Atuara como preparadorfísico de Flávio Costa durante aCopa do Mundo de 1950 (com todadificuldade imposta pelo peso) edirigira a turma paulista num jogocontra os chilenos, em 1955,

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enquanto Flávio cuidava dacarioca. A convicção de PauloMachado de Carvalho estava emconhecer seu aplicado colaboradore, também, em saber que, dessavez, o papel de treinador deseleção não incluía o excesso deautoridade que marcara osmandatos de seus predecessores.

Trinta e três jogadores foramconvocados. Como de hábito, comcríticas pela omissão de alguns

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nomes, daqueles que “não podemficar de fora”. Eram os casos deJulinho Botelho e EvaristoMacedo, cujas ausências sejustificavam por atuarem,respectivamente, na Fiorentinaitaliana e no Barcelona. Quandoforam cortados os últimos dos onzeexcedentes, reclamou-se porque,entre eles, estavam Almir, oPernambuquinho, e Canhoteiro, naépoca, longe, o melhor ponta-esquerda do Brasil. Os motivos

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seriam a irascibilidade do primeiroe o temperamento boêmio dosegundo. Ao menos ali, na escolhaentre o craque e o homem, seguia-se o plano.

Foram quatro amistosos noBrasil e dois na Itália, antes dodesembarque para a Suécia. Pelasdiferentes formações adotadasneles, conclui-se que o timedefinido por Feola era mesmo oque estrearia contra a Áustria, em 8

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de junho: Gilmar, De Sordi,Bellini, Orlando e Nílton Santos;Dino Sani e Didi; Joel, Mazzola,Dida e Zagallo. Muito se falousobre ser um time tão brancoquanto possível, pois o único negronele, Didi, tinha como reservaoutro negro, Moacir. Umaescalação ditada pelo relatório de1956 ou simples coincidência?

Para nos atermos aos fatos, hádetalhes técnicos chamando a

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atenção naquele time. Um deles,Garrincha como reserva de Joel.Nos seis amistosos, Feola só outilizara em dois, o último contra aFiorentina. Foi quando, a seleçãobrasileira vencendo por 3 a 0,Garrincha recebeu uma bola, saiudriblando e, depois de passar pelogoleiro Giuliani Sarti, voltou paradriblar um beque que corriadesesperado em sua direção, parasó depois fazer o gol. Feola perdeua paciência. Viu ali que João

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Carvalhaes, o psicólogo contratadopela CBD (verdade, a comissãotécnica tinha agora um especialistapara avaliar cientificamente mentese nervos dos craques brasileiros),estava certo em atestar aimaturidade de Garrincha, únicaexplicação para tantairresponsabilidade. Portanto, quefosse o reserva de Joel.

Outro detalhe: Pelé comoreserva de Dida. Feola e toda a

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comissão técnica diriam depois quePelé só não foi o titular, desde ocomeço, por causa de umacontusão. Errado. Antes de semachucar num jogo-treino com oCorinthians, a três dias doembarque, ele já não tinha apreferência do treinador. O titularde Feola, até com certa justiça, eraDida, excelente atacante doFlamengo, ídolo de sua torcida.Quando chegou a Uddevalla, Peléjá estava praticamente liberado

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pelo médico Hilton Gosling.Portanto, que fosse o reserva deDida. Terceiro detalhe: Vaváreserva de Mazzola. No caso, tudobem. O atacante do Palmeiras, JoséAltafini – cujo apelido devia-se àsemelhança com o meia italianoque estivera em São Paulo com oTorino, um ano antes de morrercom o time no desastre aéreo emSuperga – estava em forma. E namira do Milan, que o tinha visto narecente vitória da seleção

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brasileira sobre o rivalInternazionale, em Milão. Vavá,então no Vasco, também estava emforma, mas, por enquanto, que fosseo reserva de Mazzola.

As duas primeiras partidas dafase de grupos (3 a 0 sobre aÁustria e 0 a 0 com a Inglaterra)não deixaram a comissão técnicasatisfeita. Pelo contrário,preocupava-a a decepcionanteatuação de Dida na estreia, quando

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ele não foi o ponta de lança ágil,esperto, ousado e desconcertantede outras ocasiões. Por isso, osubstituíram por Vavá no segundojogo. Neste, quem fracassou foiMazzola, a quem o capitão Bellinichamou às falas quando o viudescontrolado depois de perder umgol. Até que ponto as lirasoferecidas pelo Milan teriamminado seus nervos? Foi só entãoque se viu que a vez era de Pelé,um garoto de 17 anos.

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Duas outras modificaçõesseriam feitas para o jogo decisivocom a União Soviética. Uma, asubstituição de Dino Sani, comestiramento muscular, por Zito, queentrou para ficar. Outra, Garrinchano lugar de Joel. Esta, sóconfirmada na véspera, paraespanto de quem sabia do quantoFeola não gostava de Garrincha.Por que, afinal, o treinador correriao risco de lançar o imaturo, oirresponsável, justamente numa

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partida decisiva? Por isso, e pelamudança que provocou no rumodos fatos, a escalação de Garrinchaacabou se tornando um dos maisnotáveis capítulos dos 100 anos dehistória que a seleção brasileiracompleta neste 2014. Sobre quemconvenceu Feola de que Garrinchaera um fenômeno – e que osfenômenos no futebol, para serementendidos, exigem mentes maisabertas que científicas – háincontáveis versões. Há as que

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nomeiam Bellini, ou Nílton Santos,ou Didi, ou o preparador físicoPaulo Amaral, ou a mais de umdesses juntos, como autorintelectual. Mas a menos citada é amais lógica: o próprio PauloMachado de Carvalho, comdireitos e obrigações de chefe, foiao treinador com o nome deGarrincha já efetivado.

AS JOGADAS DE DIDI

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Mas quem convenceu PauloMachado de Carvalho a convencerFeola? Nos dias seguintes aoempate com a Inglaterra, o chefe dadelegação notou que Didi andavapelos cantos, calado, visivelmentepreocupado. Como Didi era ojogador que ele mais admirava erespeitava, aquele que pareciadeterminar o ritmo de toda aseleção, o dirigente chamou-o parauma conversa franca. Foi quandoDidi falou-lhe da necessidade de

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mudar o ataque contra ossoviéticos. Com Pelé, sim, mas,antes de mais nada, com Garrincha.

O Brasil começou a ganhar aCopa do Mundo, se não naquelemomento, nos dois primeirosminutos de jogo em que Garrinchadesmontou com seus dribles acompacta defesa soviética. Foramdois, três ou mais a tentar marcá-lo,cabendo a Vavá os dois gols davitória. A seleção brasileira

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prosseguiu vencendo, 1 a 0 sobreGales, 5 a 2 sobre a França, outros5 a 2 sobre a Suécia na final.Nesta, como se para arquivarrelatórios, o negro Djalma Santosentrou no lugar do branco De Sordie sagrou-se campeão com honrasde melhor lateral direito docampeonato. Nos últimos trêsjogos, o gênio de Pelé despontou.Fez cinco gols, driblou, participoude lances sensacionais, foidecisivo.

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Vavá também, pelo ímpeto,pelo oportunismo, pelos momentosprecisos em que marcou os gols.Didi, o mestre, o maestro, foi eleitocom justiça o melhor jogador dasexta Copa do Mundo. Mister ouMonsieur Football, como ochamaram, brilhou. Toda a seleçãobrasileira – até hoje consideradapor muitos a melhor já enviada auma competição internacional –teve desempenho exemplar. Masserá exagero afirmar que veio

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mesmo de Garrincha, de seusdribles, de sua capacidade desurpreender, o espírito vencedorque animou aquele time?

Para o futebol brasileiro e porvários motivos, a Copa de 1958permanece como a mais importante.Ainda se falou muito no plano,promoveu-se Paulo Machado a“Marechal da Vitória”, louvou-setoda a delegação, do chefe aodentista, do supervisor ao

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cozinheiro. Perdoou-se o psicólogoe deram-se boas vindas aHavelange. Mas a importânciadeveu-se a ter sido a primeiraganha; por ter sido a que a seleçãochegou mais desacreditada (de umaforma ou de outra, muitosbrasileiros pensavam como aquelerelatório); por ter vindo emsequência a dois sentidosfracassos, o do Maracanã e o deBerna; e por ter libertado oapaixonado torcedor brasileiro da

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incômoda impressão de que osonho de ser campeão do mundojamais se realizaria.

1962Ninguém disse, mas é como setivessem dito: para ser bicampeãoem 1962, no Chile, bastava que sefizesse tudo exatamente igual a1958. O tempo entre uma Copa eoutra – suficiente para profundas

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mudanças no futebol – seencarregaria de convencer osdefensores da ideia de que o"exatamente igual" erasimplesmente impossível. Logo, omelhor era organizar, convocar,escalar e preparar a seleçãobrasileira de modo o mais parecidocom o que dera tão certo quatroanos antes. Pois foi o que se tentoufazer, começando pela manutençãodo alto-comando. O presidente daCBD era, e continuaria sendo por

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muito tempo, João Havelange. Ochefe da delegação, PauloMachado de Carvalho. O treinador,Vicente Ítalo Feola. Tambémmantidos, o supervisor, o médico, opreparador físico, os massagistas.Se o psicólogo de 1958 já nãoestava, ninguém deu por falta.

O fato de a sétima Copa doMundo ser no Chile contava com asimpatia dos atuais campeões. Asduas primeiras conquistas do

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futebol brasileiro no exteriortinham acontecido no EstádioNacional de Santiago: o título doscampeões sul-americanos, peloVasco em 1948, e o primeiro Pan-Americano que a seleção de ZezéMoreira ganhara, em 1952. OBrasil estava entre os países que sebateram para que a escolha dospaíses-sedes, depois da Suécia, sefizesse por rodízio entre Europa eAmérica do Sul. O novo presidenteda Fifa, o ex-árbitro de futebol

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Stanley Rous, assumira emsetembro de 1961 já sabendo que oChile organizaria a próximadisputa, e o seu país, a Inglaterra, ade 1966. Mas estava preocupado.Poderia um país superar o saldo demorte e destruição deixado peloterremoto iniciado em Concepción,no dia 21 de maio de 1960, eagravado pelo de Valdívia, 11 diasdepois? Seria possível transformarruínas em sede de uma competiçãoque, com 57 países inscritos,

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acabara de estabelecer recorde?Carlos Dittborn Pinto, presidentedo Comitê Organizador, um chilenonascido no Rio quando seu paiestava em missão diplomática,garantia que sim. E resumia suaesperança numa frase que serviriade lema: "Porque nada tenemos, loharemos todo" (Porque nada temos,faremos tudo). Dittborn morreria deenfarte, dias antes da Copa.

Muito antes das dúvidas de

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Rous, tudo era certeza no redutobrasileiro. Fazer exatamente igual a1958 não excluía os necessáriostestes de jogadores que não tinhamestado na Suécia, sobretudo osrevelados depois. Os 22 campeõesrealmente seriam a base dotrabalho da comissão técnica, masalgo deveria ser feito depois da idade Vavá para o Atlético de Madrid.Ou a de Mazzola para o Milan(acabaria se naturalizando e, comoJosé Altafini, indo ao Chile pela

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Itália). Por outro lado, JulinhoBotelho estava de volta, agora noPalmeiras. Que outro país domundo contaria no Chile com doispontas como Julinho e Garrincha?Isso e mais a confiança quetreinador, médico e preparadorfísico tinham nos pulmões e nosmúsculos de uma seleção que, a sermantida até junho de 1962, teriamais de 30 anos de média de idade.É verdade que Pelé ainda não teria22, mas Nílton Santos, agora na

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quarta zaga do Botafogo, seria omais velho, com 37.

Um dos que, lá de longe,atentaram para o envelhecimentodos campeões do mundo foiHelenio Herrera, o falastrãotreinador da Espanha, que maisuma vez ia a uma Copa cominjustificado otimismo: "Não sepode contrariar a natureza. OBrasil joga bom futebol, mas suaseleção está quatro anos mais

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velha, quatro anos mais cansada,quatro anos mais viciada numsistema que todos conhecem".Como se dois trunfos de Herrera,Alfredo Di Stéfano e FerencPuskas, ambos naturalizados, nãoestivessem também com mais de 30anos.

A comissão técnica brasileiranão desprezava a garotada que serevelava a cada nova temporada.No Sul-Americano de 1959, no

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qual o Brasil foi mais uma vez viceda Argentina, mas nas 13 partidassob sua direção (amistosos,excursão e Taça do Atlântico),Feola lançou algumas novidades.No Sul-Americano, em BuenosAires, nem tanto. Num torneio emque a presença brasileira foi maisnotada pela vitória sobre o Uruguai(num jogo em que, depois daagressão de Almir, oPernambuquinho, ao uruguaioWilliam Martinez, todo mundo

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brigou), Feola apostou ematacantes como Paulo Valentin eQuarentinha, levou o agitado Almirde volta à seleção, testouChinesinho e outros, mas deixouevidente que a base de 1958 seriamantida, incluindo Garrincha.

Feola já se convencera de queo imaturo e irresponsável craqueera de fato um fenômeno. Chegou apôr o convencimento em dúvidaquando, em 13 de maio de 1959,

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num amistoso com a Inglaterra, oprimeiro do Brasil campeão domundo no Maracanã, ele escalouJulinho no lugar em que todosesperavam ver Garrincha. A vaiacom que foi recebida a escalação,anunciada pelos alto-falantes doestádio, era mais para Feola do quepara Julinho, que acabaria saindode campo ovacionado, depois deespetacular atuação. Feola, porém,desta vez estava inocente:Garrincha não jogou porque, tendo

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farreado na véspera, era mesmomelhor dar a vez a Julinho.

Foram apenas 13 partidasporque, em 1961, problemascardíacos forçaram Feola a deixaro comando. Paulo Machado deCarvalho, vice-presidente da CBDe ainda responsável pela seleção,escolheu o substituto: AimoréMoreira. O tempo confirmaria queas relações profissionais e deamizade entre os dois acabariam

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fazendo de Aimoré o técnico deconfiança do "Marechal daVitória". E seria assim pelospróximos sete anos (ou enquantoPaulo Machado chefiasse outivesse alguma ligação com a CBD,o futebol, a seleção.

Pelos resultados em campo, otrabalho de Aimoré Moreira podiaser considerado superior ao deFeola: 11 vitórias em 11 jogos,contra Paraguai, Chile, Portugal e

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Gales, entre abril de 1961 a maiode 1962. Ao contrário do treinadorque, no Sul-Americano de 1953,perdera-se entre experiências quenão o permitiram formar um time, oAimoré que ia cuidar da seleçãobrasileira na campanha do bi tinhaposições firmes em relação asistemas, táticas e, mais importante,a quem iria executá-los. Com ele, oexatamente igual voltaria aprevalecer.

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O que não estava nada firmeera o relacionamento entre os doishomens mais fortes na cartolagemdo futebol: João Havelange e PauloMachado de Carvalho. Por causada insistência em fazer um amistosocom o Santos, no Pacaembu, emhomenagem ao Príncipe Phillip,duque de Edimburgo, 24 horasdepois de ter decidido o TorneioRio-São Paulo com o Botafogo, oPalmeiras foi suspenso por 60 diaspelo Conselho Nacional de

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Desportos (CND). Vigorava aindaa lei exigindo o intervalo mínimode 72 horas entre um jogo e outro.

Havelange achava a puniçãojusta, mas o presidente daFederação Paulista, MendonçaFalcão, com o apoio de PauloMachado de Carvalho, não. Ereagiu negando-se a ceder àseleção os jogadores dos clubespaulistas. Isso às véspera daconvocação, marcada para 20 de

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março. O problema foi resolvidocom o CND reduzindo em 30 dias asuspensão ao Palmeiras. Mas aharmonia entre o presidente daCBD e o chefe da delegação nuncamais seria a mesma.

Aimoré convocou 41jogadores. O que pode parecer umdesmentido ao exatamente igualera, na verdade, o resultado daspressões de dirigentes. Ou era oCorinthians inconformado com a

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ausência de, entre outros, Oreco,reserva de Nílton Santos em 1958,ou era o Flamengo querendo saberpor que Gérson, o jovemcanhotinha, não fora chamado. Ofato é que Aimoré já tinha seu timena cabeça. Não era totalmentecontrário ao que muitos pregavam:um combinado Botafogo-Santos domeio de campo para a frente: Zito eDidi apoiando Garrincha,Coutinho, Pelé e Pepe. Maisalvinegra ainda seria a seleção se

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se considerasse que Gilmar eMauro agora também eram doSantos, e Nílton Santos, o eternoorgulho do Botafogo.

Mas por que Mauro... e nãoBellini? E por que Coutinho ePepe... e não Vavá e Zagallo? Osúltimos amistosos e os treinosfariam com que o próprio Aimorérespondesse a essas questões,menos no caso de Bellini e Mauro.Coutinho e Pepe, contundidos,

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perderam sua chance. Mas Maurofoi um problema que fez Aimoréperder o sono. Como zagueiroclássico, de técnica apurada,sempre fora superior a Bellini, cujamelhor forma, em 1958, fizera deleo titular e, aos olhos do mundo, ocapitão que imortalizou o gesto deerguer a taça. Agora, porém, nostreinamentos em Poços de Caldas eFriburgo, como nos últimosamistosos no Rio e São Paulo,Mauro conquistara seu lugar no

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time. E como capitão também. Porisso, no dia em que soube deAimoré que Bellini é que atuaria naestreia contra o México, protestou.Se isso acontecesse, ele, MauroRamos de Oliveira, faria as malase voltaria para o Brasil. Aimorésentiu que ele falava sério e acabouesquecendo Bellini.

A escalação para a estreiaquase que repetia a de 1958. A nãoser por Mauro, e por Zózimo no

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lugar de Orlando (desde 1960 noBoca Juniors), o time era o quevencera a Suécia por 5 a 2. Masnem por isso tão igual. O que maishavia mudado na seleção brasileiraera o ambiente. O treinador nãotinha a mansuetude que todosgostavam em Feola. E PauloMachado de Carvalho tambémmudara de estilo.

O chefe amigo, paternalista,principal responsável pelo clima

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que se respirou na Suécia, eraagora um dirigente mais severo,autoritário até em alguns momentos.Se em 1958 ele vira em Didi o seumodelo de craque e líder, em 1962chegara a ameaçar o mesmo Didide desligamento da delegação, porchegar minutos atrasados numareunião de rotina.

Na estreia contra o México, emViña del Mar, uma vitória sembrilho (2 a 0) sobre a retrancada

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defesa à frente do veteraníssimogoleiro Antonio Carbajal. Nasegunda partida, empate sem golcom a Tchecoslováquia, deu-se acontusão que um locutor de rádiodisse "ter doído em toda umanação". Pelé, ao chutar deesquerda, sofreu um estiramento navirilha. A Copa, para ele, acabavaali. Um desfalque de efeitosincalculáveis, já que Pelé, nosquatro anos desde Estocolmo,transformara-se num dos maiores –

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se não o maior – jogador domundo. Era, numa palavra,insubstituível. O que não seconfirmou já no jogo seguinte,contra a Espanha, semelhante aocontra a União Soviética em 1958:quem vencesse, passava às quartasde final. Pois foi justamente osubstituto de Pelé, o valenteAmarildo, quem marcou os doisgols da difícil e discutida vitóriabrasileira.

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Aquele era o jogo que Didiaguardava havia tempo. Queriaenfrentar e superar Di Stéfano,mostrar como era bom, vingar-sedo boicote de que se julgara vítimaquando os dois jogaram no RealMadrid, na temporada de 1959-1960. Di Stéfano, quase dono doclube merengue, reconhecia emDidi um craque, mas achava queseu estilo não se adaptava à pegadaforte do futebol espanhol. Sabendoque Di Stéfano estaria no Chile

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com a seleção de Helenio Herrera,Didi esperava reencontrá-lo emcampo. Mas, para sua decepção, DiStéfano passou toda a sexta Copado Mundo no banco de reservas.

A Espanha não precisou delepara fazer ótimo primeiro tempocontra o Brasil, virando com 1 a 0,gol de Adelardo. No segundotempo, dois erros de arbitragemselaram a sorte dos espanhóis: umpênalti de Nílton Santos, que,

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espertamente, deu dois passos parafora da área, e a anulação de umgol de bicicleta de Puskas. Sódepois desses lances Amarildo fezos gols salvadores.

O restante da campanhabrasileira, como foi tantas emerecidas vezes repetido, resume-se a um só nome: Garrincha. Éclaro que toda a seleção, de Gilmara Zagallo, firmou-se peloentendimento, pela experiência,

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pela motivação de estar lutandopelo bicampeonato, dois títulosconsecutivos que só a Itália haviaconquistado em 1934-1938.Garrincha, chamado pelos jornaischilenos de ser de outro planeta, foidecisivo. E em todos os momentos.Deixou de ser o menino Mané, emcujas travessuras psicólogo etreinador não confiavam, para serum jogador completo, não sódriblando, mas passando,cabeceando, finalizando de pé

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esquerdo, dividindo com Vavá aartilharia brasileira. Garrincha,inspirado, desdobrou-se e fezesquecer a ausência de Pelé.

A vitória sobre o English Team(3 a 1) foi mais tranquila do queseriam todos os Brasil x Inglaterrada história das Copas do Mundo.Garrincha fez dois gols, levou aodesespero os ingleses, foi o melhorem campo. Àquela altura, em partepor ele, Garrincha, começava-se a

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acreditar que o bicampeonatoestava mais do que a caminho. Atemer, mesmo, só o Chile, oadversário numa das semifinais.Não que os chilenos, tendo comotreinador o jovem Fernando Riera,estivessem fazendo grande figura.Eram, porém, os donos da casa.

E estavam encarando a sextaCopa do Mundo com o mesmoacendimento patriótico com que ossul-americanos volta e meia se

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entregam ao futebol. A vitóriasobre a Itália (2 a 0) era prova deque os chilenos estavam querendoir longe, pois a então chamada"Batalha de Santiago" foi algo tãoviolenta, com socos e pontapés departe a parte, que só mesmo umaindesculpável tolerância do árbitroinglês Ken Aston explica por queapenas dois jogadores, ambositalianos, tivessem sido expulsosde campo.

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A ‘ABSOLVIÇÃO’ DE GARRINCHA

Só por isso os brasileiros nãoesperavam tarefa fácil em Santiago,para onde o local do jogo foimudado. A viagem de trem, de Viñadel Mar à capital, foi tensa.Suspeita fundamentada ou paranoia,os brasileiros temiam que algumavilania pudesse ser feita peloschilenos para prejudicá-los. Porexemplo, envenenamento,

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intoxicação ou algo assim.

Por isso, até chegarem aoestádio, só se alimentaram de pão,frutas e refrigerantes. E lá, diantede 75 mil pessoas, iniciaram apartida ainda desconfiados. O quenão impediu Garrincha de marcardois gols. Mesmo com Torodescontando aos 42, o primeirotempo terminou com a seleçãobrasileira mais tranquila, certa deque venceria. Ainda uma vez, pelos

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gols e pela atuação, Garrincha faziao milagre.

A partida chegou a sete minutosde seu final com a vitória realmentegarantida (4 a 2). Vavá fizera maisdois gols e Leonel Sanchez, depênalti, tornara a goleada menosdura. Garrincha, que até ali sofrerasem reagir à marcação desleal dosadversários, revidou mais umaentrada faltosa de Rojas e aplicou-lhe uma joelhada nas nádegas.

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Detalhe: o árbitro peruano ArturoYamazaki, não tendo visto o lance,baseou-se na informação dobandeirinha uruguaio EstebanMarino para desfalcar a seleçãobrasileira de seu melhor jogador.

Como o regulamento de 1962não previa suspensão automáticapara jogador expulso, a presençade Garrincha na final com aTchecoslováquia dependia dojulgamento que os sete juízes da

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comissão disciplinar da Fifa fariamdois dias depois. Uma situação queenvolveria um punhado de pessoas,de anônimos personagens a chefesde estado, numa das mais insólitas(ou mesmo absurdas) manobras debastidores já registradas emcampeonatos mundiais. Um dosprimeiros a se mexer foi JoãoHavelange. Teria mandado paraSantiago uma mala de dinheiro para"cobrir as despesas" de defesa deGarrincha. De Brasília, o primeiro-

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ministro Tancredo Neves fez umapelo à Fifa em nome dos bonsantecedentes do jogador.

O presidente do Peru, ManuelPrado y Ugarteche, atendendo àsponderações de colegas políticosbrasileiros, sugeriu a Yamazaki nãoacusar Garrincha na súmula dojogo, documento principal em que ojulgamento se basearia. Temendoque o bandeirinha pudesse deporno julgamento, Mozart Di Giorgio,

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representando a CBD, conseguiucom que ele, simplesmente,desaparecesse (ganhou de presentepassagem para uns dias de folga emParis).

Esse bandeirinha, que já atuarano Campeonato Paulista na décadade 50, voltaria a ser contratado porMendonça Falcão quando a poeirabaixasse. Com isso, sem súmula,sem depoimento, sem nada quesequer mencionasse a joelhada,

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Garrincha foi absolvido.

A final, em 17 de junho, foi odesfecho lógico de uma Copa nemsempre lógica. Os tchecos nãoforam tão difíceis de dobrar quantonas oitavas de final. Nem osbrasileiros jogaram tão semconfiança como naquela ocasião,em que foram ou não afetados peladistensão de Pelé. Amarildo, Zito eVavá, nessa ordem, fizeram os golsdos 3 a 1, depois de Masopust ter

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marcado primeiro: a vantagemtcheca não durou mais que doisminutos.

Um final lógico que até oschilenos comemoraram,conformados com o terceiro lugarganho na véspera contra osiugoslavos. O Brasil mereceu serbicampeão? Já não importava.Garrincha o mereceu. Foi o craquesupremo da festa em que seufutebol tão ilógico, tão mais arte

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que ciência, fulgiu em Copas doMundo pela última vez.

1966O título "a vitória da bolaquadrada" é pedido emprestado aojornalista português Carlos Pinhão,que o mandou por telefone, docentro de imprensa de Liverpool àredação do jornal lisboeta "ABola", na noite de 17 de julho de

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1966. Para entendê-lo, é precisoconhecer detalhes da participaçãobrasileira na oitava Copa doMundo, partindo do maisimportante: sua preparação.

O sorteio dos grupos para afase final teve lugar em Londres,em dezembro de 1965. No caminhoda seleção brasileira, em três jogosprogramados para o GoodisonPark, estádio do Everton, emLiverpool, estavam três equipes

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europeias: Bulgária, Hungria ePortugal. O brasileiro em geral, eos responsáveis pelo futebol emparticular, redobraram seu jáexagerado otimismo. Poucosacreditavam que o tricampeonatomundial, com a consequenteconquista definitiva da Taça JulesRimet, escapasse ao Brasil emgramados ingleses.

E quais seriam os obstáculos àsua classificação às quartas de

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final? Primeiro, o futebol búlgaro,sem história, sem tradição. Naúnica vez que chegara à fase finalde uma Copa do Mundo, em 1962,no Chile, a Bulgária conseguiraincrível empate (0 a 0) com aArgentina, mas fora goleada (6 a 1)pela Hungria. Esta, tão temida em1954, fazia tempo que já não era amesma. Seu melhor jogador,Florian Albert, premiado como arevelação do campeonato no Chile,não chegava a preocupar os

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brasileiros. E Portugal, bem...Portugal, cujo futebol era objeto detípica gozação brasileira, jogavauma bola quadrada.

O otimismo era mesmoexagerado. A história das Copas doMundo já registrara inúmeraszebras, como a derrota daInglaterra para os Estados Unidosem 1950, e a Bulgária bem podiaser mais uma. Pela história e pelatradição, a Hungria merecia

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respeito. E Portugal, desde queEusébio e Coluna tinham levado oBenfica ao título de campeãoeuropeu, já estava jogando umabola redondíssima.

O otimismo brasileiro tinhamuito de autoadmiração. Ganharconsecutivamente duas Copas doMundo, e ter no Santos obicampeão intercontinental declubes, soava como prova de que oBrasil tinha descoberto a fórmula

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infalível para ser campeão. Quemtinha Pelé e Garrincha no mesmotime tinha tudo. Os outros noveseriam meros complementos. Comose Pelé fosse um super-homem e asluzes do futebol de Garrincha jánão estivessem, pouco a pouco, seapagando.

É evidente que AimoréMoreira, treinador mantido nocargo após a vitória no Chile, nãopensava que bastavam os dois

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gênios. Tanto que, no Sul-Americano de março de 1963, emLa Paz e Cochabamba, nãopodendo contar com nenhum dosbicampeões, deu oportunidade avárias promessas. Se a seleção nãofoi bem (derrotas para o Paraguai,Argentina e Bolívia) e se aspromessas não foram cumpridas,pelo menos havia em Aimoré aintenção clara de renovar. O que seconfirmaria na excursão de abril emaio, quando ele teve todos os

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jogadores à disposição (menosGarrincha, liberado para viajarcom o Botafogo) e tentou armar umtime que, bem trabalhado, poderiarepresentar o Brasil, dali a trêsanos, na Inglaterra.

Estava certo Aimoré, só que aúnica renovação que ele e osdemais treinadores brasileirospareciam conhecer era a dejogadores, a substituição de velhoscraques por novos craques, quando

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outra, tão importante quanto, jávinha ocorrendo na Europa.

Ao morrer, com 89 anos, em2002, o belga Raoul Mollet podiase vangloriar por ter contribuídopara que o futebol se modernizasseno mundo inteiro, ao longo dadécada de 1960. Multiatleta queparticipara do pentatlo de duasOlimpíadas e de competições dehipismo, esgrima, tênis e golfe, suapaixão era, mesmo, o preparo

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físico. Tenente-coronel, foi um dosfundadores do Instituto Militar deEducação Física de Bruxelas e,mais tarde, presidente do ComitêOlímpico Belga. Em sua academia,Mollet criou o método detreinamento total, aplicável emtodos os esportes, incluindo ofutebol.

A lógica do futebol-força erasimples: um jogador com pulmõese músculos mais bem preparados,

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podendo correr mais e emvelocidade, teria condições decumprir mais de uma função emcampo. Em resumo, valeria pordois ou mesmo três, como acabariaocorrendo com os laterais dofuturo, os nossos alas, alternando-se entre marcar, apoiar e atacar.Não seria outro o futebol-força queprevaleceria na Copa do Mundo de1966, um futebol de inícioequivocadamente confundido combriga pela bola, choque, tranco,

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violência.

Alheio a esses detalhes,Aimoré Moreira partiu com suaseleção para a excursão de março eabril. Perdeu (1 a 0) o primeirojogo contra Portugal, em Lisboa. E,quando se esperava tranquilareabilitação diante da Bélgica, nosegundo jogo, o tecnicamentemedíocre time local goleou osbicampeões (5 a 1). Um resultadotão inexplicável que locutores de

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rádio suspeitaram de que o fôlego ea correria belga, o modo comojogadores tão limitados cansaram aseleção brasileira, deviam-se aalgum incentivo extra. Traduzindo,doping. Pelé não jogou, mas mesmocom ele em campo a derrota erainevitável.

Como, oito dias depois, oBrasil perdeu (1 a 0) para aHolanda, em Amsterdã, umaHolanda que ainda estava longe de

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merecer lugar entre as primeirasforças do futebol europeu,acreditou-se que a façanha belgafosse sintoma de que a seleção deAimoré é que ia de mal a pior.Raoul Mollet? Quem era? Maisuma derrota (3 a 0) para a Itália, noSan Siro, e a viagem foi rotuladade excursão vexame, confirmandoque alguma coisa tinha de mudar.

E mudou. Já para a Taça dasNações – comemorativa do

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cinquentenário de fundação daCBD, a ser disputada em maio ejunho de 1964, com Argentina,Inglaterra e União Soviética –Vicente Feola estava de volta àseleção. Não só por isso, mas apartir dali, João Havelange e PauloMachado de Carvalho seenvolveram numa guerra de egosque duraria até pouco antes doembarque para a Copa do Mundo.

Tinham o mesmo objetivo: o

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poder absoluto do futebolbrasileiro. Paulo achava que Joãodevia cuidar dos 24 esportes"amadores" da CBD e deixar, comoem 1958 e 1962, o futebol em suasmãos. João estava convencido deque chegara a hora de ele própriocolher os frutos que só o futebolpropiciava: popularidade,prestígio, possibilidade deexpandir para além-fronteiras suasatividades de cartola maior. Abriga era travada em várias frentes,

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da simples escolha do treinador daseleção (João queria Feola, Paulopreferia Aimoré), até o presidenteda CBD convocar reunião paratratar da Taça das Nações e nãochamar o chefe da delegação paraparticipar.

Houve um primeirorompimento, quando PauloMachado de Carvalho, em carta aHavelange, alertou-o contra a"inconveniência da apresentação da

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seleção bolchevique na Taça dasNações". Ponderava que, poucodepois do golpe militar de 31 demarço, o convite aos soviéticos eraum erro. E concluía a carta comuma exclamação: "Que belosignificado terá para os comunas sea URSS vencer esse torneio!".Havelange rompeu publicamentecom Paulo Machado de Carvalho, eacabou substituindo a UniãoSoviética por Portugal.

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À exceção de ser vice daArgentina na Taça das Nações (3 a0 para os visitantes, no Pacaembu),a seleção brasileira conseguiu bonsresultados na volta de Feola. Em21 amistosos até a Copa do Mundo,foram 16 vitórias e cinco empates.Invencibilidade a justificar ootimismo que foi crescendo desde aforra contra a Bélgica (5 a 0), noMaracanã, justamente no amistosoem que Pelé e Garrincha voltaram ajogar juntos.

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O otimismo brasileiro nãodependia do constante trocar demal e de bem entre João Havelangee Paulo Machado de Carvalho.Mesmo nos rompimentos,Havelange mantinha PauloMachado de Carvalho na chefia dadelegação. Dizia confiar nele. Masoutros fatos colaboraram para quea harmonia não durasse: o Santosnão querendo ceder Pelé à seleção;o presidente da Federação Paulista,Mendonça Falcão, apoiando o

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Santos; Paulo Machado deCarvalho apoiando Falcão; oSantos simulando venda de Pelépara a Alemanha ou excursões aoexterior, sempre para justificar aliberação do jogador; o ConselhoNacional de Desportos (CND)ameaçando suspender o Santos;Havelange aplaudindo o CND.

Quando o presidente da CBDparecia vitorioso e Paulo Machadode Carvalho se dizia conformado,

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mais um problema: a exigênciadeste de que Aimoré fizesse parteda comissão técnica, dividindotudo com Feola. Havelangeaceitava dois treinadores, masqueria Paulo Amaral, o preparadorfísico de 1958 e 1962. Para PauloMachado de Carvalho, era demais.E ele se foi de vez.

Com isso, Havelange estavalivre para assumir a chefia dadelegação. Ele ainda consultou

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outros nomes para o cargo, umdeles o banqueiro José LuísMagalhães Lins, mas, comoninguém aceitou, foi-se reunir comFeola e a comissão técnica para omais importante: a convocação dosjogadores.

O que vem a seguir nunca tinhaacontecido e jamais voltariaacontecer: a convocação de quatrotimes e três suplentes para quedeles fossem tirados os 22 que

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tentariam o tri. Uma comissãotécnica, supervisionada porHavelange, com participação deFeola e Paulo Amaral, promovidoa auxiliar técnico, sofria a pressãode cartolas. O resultado, o caos.

Os critérios principais eramdois: com a certeza de que a JulesRimet já estava ganha, todos osbicampeões ainda em atividadedeveriam fazer parte da lista – erao mínimo que mereciam; e, como

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Havelange tinha interesse emangariar simpatias além dos limitesde Rio e São Paulo, decidiu-sechamar um jogador do Sul, outro deMinas e um terceiro do Nordeste.O que explica que Alcindo, Tostãoe Nado entrassem na história,mesmo que Feola mal osconhecesse.

Dois nomes foram somados aos45 da primeira relação: Amarildo,atuando na Itália, e Ditão, beque

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cuja convocação um cartolacorintiano praticamente exigiu.Amarildo seria cortado porcontusão, quando da breve escalada seleção na Suécia, paraamistosos com três clubes locais.Quanto a Ditão, nenhum dospresentes sabia seu nome completo.Havelange pediu que sua secretáriafosse perguntá-lo a um dosjornalistas que aguardavam do ladode fora. Desinformado, o jornalistatelefonou para o Flamengo, onde

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havia outro Ditão, irmão daquele. Eassim o rubro-negro Gilberto deFreitas Nascimento, mais limitadoque o corintiano Geraldo de FreitasNascimento, foi chamado no lugardo irmão. Erro cometido, erromantido.

Os quatro times treinaram noRio, em São Paulo e, sempre apósfestivos convites dos respectivosprefeitos, em Lambari,Teresópolis, Caxambu e Serra

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Negra. Cada time vestia camisa deuma cor (verde, amarela, branca evermelha), mas o único detalhe querealmente as diferenciava, para quese soubesse qual delas seria atitular, era a presença de Pelé.Garrincha não ia muito bem nostreinos, mas todos confiavam nele.

Os últimos cortes, para reduziros quatro times a dois, foram feitosjá na Europa, com as inevitáveissurpresas. A maior foi, sem dúvida,

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a do palmeirense Servílio: nenhumoutro entrosara tão bem com Pelé,nos jogos e nos treinos. Já emLiverpool, no dia 10 de julho,Havelange dava entrevista dizendoque a seleção estava pronta para aestreia. O que fazia supor queFeola já tinha definidos seus onzetitulares e que todos estavamtécnica e fisicamente em forma.Com Paulo Amaral no papel deauxiliar de Feola, todo treinamentoda seleção estava entregue a um só

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homem: Rudolf Hermany. Professorde judô que, embora contratadopela CBD desde 1964, jamaismexera com o futebol, Hermany eraamigo de Paulo Amaral e de outrosmembros da comissão técnica esobrinho da esposa de Havelange.Casado com Teresa Jobim, irmã deTom, tinha 36 anos e era figuramuito querida. Mas, possivelmente,nunca tinha ouvido falar em powertraining.

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Ao contrário dos treinadores deInglaterra, Alemanha Ocidental,Portugal e União Soviética, que,com seu futebol força, alcançariamos quatro primeiros colocados daoitava Copa (os ingleses seriam oscampeões, numa prorrogação comos alemães, 4 a 2, e ajuda de umgol que não aconteceu).

O Brasil começou vencendocom alguma dificuldade (2 a 0) ostais búlgaros sem tradição. Pelé e

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Garrincha marcaram os gols,ambos em cobrança de falta. Foi aúltima atuação dos dois juntos, demaneira que a seleção brasileira,com eles, seria eternamente invicta.Os búlgaros foram duros, violentosna marcação, contribuindo para quese confundisse futebol força comaquilo. As contusões começaram aprovocar baixas entre osbrasileiros, razão da ausência dePelé no segundo jogo. O estreanteTostão o substituiu, marcando o

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único gol brasileiro contra aHungria, que venceu com categoria(3 a 1).

A derrota e o placar punham osbicampeões do mundo em situaçãodificílima. Para não ser eliminadanas oitavas de final, o que nãoacontecia desde 1934, uma seleçãotecnicamente desentrosada efisicamente minada teria de vencerPortugal por diferença de três golsno mínimo. Ou então, por qualquer

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placar, mas torcendo para que aHungria perdesse para a Bulgáriano dia seguinte.

Sem Garrincha e com Pelé – emais sete modificações em relaçãoao jogo anterior – a seleçãobrasileira voltou ao Goodison Parkpara enfrentar os portugueses.Feola e seus escolhidos (20 foramutilizados em três jogos de umaCopa do Mundo em que ainda nãoeram permitidas substituições)

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jogavam por um milagre. Eusébio,que seria o artilheiro do torneio,fez dois gols e Simões, um. Para osbrasileiros, marcou Rildo. Avitória (3 a 1) de Portugal, treinadopelo brasileiro Otto Glória, foiindiscutível. Por mais que avocação brasileira para encontrardesculpas se concentrasse nasviolentas faltas com que o celeradoMorais tirou Pelé de campo, évitória que deve ser explicada pelaexcelência técnica e física de um

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time que, terminando o campeonatoem terceiro, faria ali sua melhorCopa do Mundo.

Com tal desfecho – e a perdado tri diante de adversário que lhefoi superior – o futebol brasileironunca mais se atreveu a negar oportuguês. É o que fez CarlosPinhão proclamar, orgulhoso e commotivos, a vingança da bolaquadrada.

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1970Sempre que perguntavam a JoãoSaldanha por que o tinham tiradoda seleção brasileira, às vésperasda nona Copa do Mundo, elerespondia, muito ao seu jeito: “Porque me tiraram, eu sei. O que nãosei é por que me botaram lá”.Referia-se ao convite que o diretorde futebol da CBD, Antônio doPasso, lhe fizera para ser o novo

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treinador da seleção. É verdadeque ninguém esperava que opresidente João Havelange oincumbisse de tal missão. Mas nãoé menos verdade que Saldanha nãoficou surpreso (tinha sido sondadomeses antes), nem desconhecia asrazões por trás do convite.

E a escolha não tinha relaçãocom a política. Quer dizer, com agrande política, aquela que acabarade mergulhar o país na escuridão

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do AI-5. Por essa, como opositorda ditadura e membro do PartidoComunista, Saldanha jamais teriapassado pela porta da sede da Ruada Alfândega. Mas a outra política,a do futebol, abria a possibilidadede se resolver o problema que aCBD e, por extensão, a seleçãobrasileira vinham enfrentando: odescrédito e a impopularidade.

Havelange voltou da Inglaterra,onde pela primeira vez chefiara a

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delegação a uma Copa do Mundo,sem saber que rumo dar ao futebolbrasileiro. O primeiro round de sualuta regionalista com PauloMachado de Carvalho estavaperdido. A péssima campanhabrasileira em Liverpool provaraque ele estava errado em preferirVicente Feola a Aimoré Moreira.Aimoré era o protegido dodirigente paulista, de modo que ofracasso de Feola só vinha reforçarque, na luta pelo poder no futebol

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brasileiro, o “Marechal da Vitória”sabia muito mais que o presidenteda CBD. E sabia mesmo.

Confuso quanto ao que fazer,Havelange tentou alguns caminhos.Segundo revela a “HistóriaInstitucional da CBD”, livropublicado em 2006, ele cuidava dadifícil tarefa já sob a vigilância dosagentes do Serviço Nacional deInformação (SNI), pois o fracassona Inglaterra 1966 quase resultara

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em inquérito parlamentar para quese achassem os culpados. Atéretratação pública, de dirigentes,treinadores e jogadores, foisugerida como medida para que aseleção brasileira não repetisse em1970, no México, os pecados de1966.

O que de melhor Havelangepôde encontrar, logo depois detentar regionalizar seleções paraalguns amistosos, foi a criação da

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Comissão Selecionadora Nacional(Cosena). Tratava-se de novogrupo de trabalho com PauloMachado de Carvalho à frente(levar o dirigente de volta àseleção não deixava de ser umpedido de desculpas de Havelangea quem sabia mais). Nela,obviamente, o treinador seriaAimoré. Osvaldo Brandão, osupervisor. Passo, o diretor. MarioJorge Lobo Zagallo e EvaristoMacedo, os observadores táticos.

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Todos com direito a opinião, fossequanto a jogadores ou quanto asistemas e estratégias, não podiafuncionar.

Ao lado de alguns bonsresultados, pelo menos trêstropeços fizeram parte do balançoda Cosena: derrotas para AlemanhaOcidental, Tchecoslováquia eMéxico na excursão que a seleçãocumpriu pela Europa e Américas.Depois disso, ainda houve outro

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fracasso: nova derrota para oMéxico em pleno Maracanã. Quemacreditava na seleção? Talvez ospoucos que a foram ver numamistoso com o combinado da Fifa.No fim de 1968, sem relação com oAI-5, Paulo Machado de Carvalhodemitiu-se do que seria sua últimachefia. E Havelange desfez aCosena. Era preciso recomeçar dozero, mas, em ano de eliminatóriase com o prestígio da seleção embaixa, como?

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O nome de João Saldanhasurgiu como por encanto. Poucoimportava se não gostava dosmilitares, se era contra a ditadura,se tinha ou não carteirinha doPartidão. Era, por várias razões, onome certo. Conhecia futebol, era ocomentarista de rádio maispopular, figura carismática da qualtodos, até os inimigos, gostavam.Sua experiência como treinador erapouca, mas o bastante para dar aoseu Botafogo o título de campeão

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carioca de 1957. Foi nisso, embusca da popularidade perdida, queHavelange e Passo pensaram.

Um ponto escapara àobservação dos dois dirigentes daCBD: a independência deSaldanha. Nem imaginaram que aprincipal causa da credibilidadeque o novo treinador devolveria àseleção, transformando-a emlegítima representante do homemdas arquibancadas, estava

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justamente na independência, emser um anticartola, um homem quejamais aceitaria as pressões quetradicionalmente eram feitas sobreos treinadores. Por isso, seuprimeiro ato ao ser apresentado àimprensa por Havelange e Passofoi puxar do bolso um papel com osnomes de seus 22 futurosconvocados: Félix, Carlos Alberto,Djalma Dias, Brito, Rildo, WilsonPiazza, Gérson, Dirceu Lopes, Pelée Tostão, os onze titulares; e

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Cláudio, Zé Maria, Scalla, Joel (odo Santos), Clodoaldo, PauloCésar Caju, Paulo Borges,Toninho, Rivelino e Edu, osreservas. É claro que alteraçõesaconteceriam durante aseliminatórias, mas sem que oscartolas soprassem nomes noouvido do treinador.

A resistência sofrida porSaldanha no início, vindaprincipalmente de São Paulo, logo

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seria vencida. O “Jornal da Tarde”,que recebera sua indicação comuma manchete histórica (“Perdemosa seleção!”) não tardaria a elogiá-lo. Pelas seis vitórias nos seisjogos das eliminatórias e peloapoio popular que a seleçãobrasileira tinha como nunca tivera.A vitória no amistoso com aInglaterra, campeã do mundo, numMaracanã lotado, empurrava para opassado o desempenho da seleçãoda Cosena contra os mexicanos no

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mesmo estádio.

As 180 mil pessoas que foramver o último jogo com o Paraguai, 1a 0, gol de Pelé, cantaram o hinonacional em coro, numa época emque o brasileiro, calado peladitadura, via em todo ato cívico umapoio a ela. Eram tempos tãoabsurdamente insólitos que,enquanto o torcedor hesitava emapoiar a seleção, os militares nopoder estavam satisfeitos. O

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futebol fazia o povo feliz? Queassim fosse. No fundo, no fundo, avitória de Saldanha era boa para oregime. Logo, deixaram que eletrabalhasse em sossego.

Esse apoio durou até o reiníciodos trabalhos, nos primeiros diasde 1970. Tudo mudou, então. Aseleção sofreu para a Argentina, emPorto Alegre, a primeira derrota (2a 1) sob sua direção. Quatro diasdepois, no Maracanã, devolveu o

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placar aos seus mais tradicionaisadversários, mas umdesentendimento entre Saldanha ePelé sobre como o time deveriajogar no segundo tempo foisintomático. A proposta de Peléprevaleceu. Num jogo-treino emBangu, empate de 1 a 1, Saldanhacobrou, com ironia, que Pelécorrigisse com suas táticas os errosdo time. Àquela altura, as coisas jáestavam praticamenteincontornáveis. E por fatos que se

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acumulavam desde o ano anterior.

Primeiro, foi o descolamentode retina que afastou Tostão. Seriaoperado em Houston, Texas, e nãovoltaria ao time tão cedo. Saldanhaperdia seu ponto de referência noataque, artilheiro nas eliminatórias,e não conseguira recompô-lo comDirceu Lopes ao lado de Pelé.Como o general-presidente, EmílioGarrastazu Médici, dera entrevistafalando de sua admiração por

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Dario, do Atlético Mineiro, Passopôs-se a pressionar o treinadorpara convocá-lo (ganhou os jornaisa réplica de Saldanha: “Opresidente escala o ministério delee eu escalo o meu time”). Umjogador que Saldanha tinha comoum dos seus atacantes para oMéxico, Toninho Guerreiro, foicortado pelo médico Lídio Toledo,à revelia do treinador. Motivo:sinusite. Abria-se uma vaga paraDario, mas Saldanha,

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acintosamente, preencheu-a commeio-campista Zé Carlos, doCruzeiro.

À medida que os homens daCBD se irritavam, os nervos deSaldanha iam sendo minados. Suasreações às críticas violentas apósos insucessos refletiam isso. Comona noite em que, provocado einsultado por Yustrich, treinador doFlamengo, Saldanha foi atrás dele,armado de revólver, na

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concentração de São Conrado(Yustrich, que felizmente nãoestava lá, acreditava que, com aqueda do titular, ele seria o novotreinador). De Brasília, Havelangerecebia “recomendações” para quese pusesse ordem na seleção.

Na reta final para a Copa doMéxico, uma crise explode nocomando da seleção brasileira. Ascríticas a João Saldanha setornaram mais intensas quando ele

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assinou contrato com jornal, rádioe televisão, acumulando as funçõesde comentarista com as detreinador da seleção. Por fim, elebarrou Pelé num amistoso com oChile, espalhando que, comproblemas visuais, o maior jogadordo mundo já não era o mesmo. Foio suficiente para que, no fim datarde de 17 de março, JoãoHavelange o demitisse.

É inegável a influência política,

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da grande política, na decisão deHavelange. Os homens do poder, oministro Jarbas Passarinho emprimeiro lugar e o capitão CláudioCoutinho logo atrás, convencendo opresidente Emilio GarrastazuMédici de que o ambiente naseleção já não era tão favorável aoregime. Uma seleção tranquila, bemtreinada, vencedora, era de vitalinteresse do governo. Lemas como“Ninguém segura este país” ou “Prafrente Brasil” ou “Ame-o ou deixe-

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o” passavam pelo desempenho daseleção. Pressões foram feitassobre o presidente da CBD. E este,naturalmente, cedeu.

É aí que a seleção brasileira semilitariza de vez. Na delegação,após a saída de Saldanha, láestavam Coutinho e outros militaresna preparação física. Lá estava otemível major Ipiranga dosGuaranys, homem da repressão queiria cuidar, no México, da

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segurança dos jogadores, evitando,entre outras ameaças, que eventuaisexilados políticos se aproximassemdo quartel-general, cujo chefe era obrigadeiro Jerônimo Bastos. Delonge, todos os dias, Médici ligariade Brasília para mandar um abraçoou uma palavra de incentivo aoscraques.

O DESPERTAR DE RIVELINO

O novo treinador seria Zagallo.

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Boa escolha, levando-se em contaque nomes mais cotados, comoDino Sani e Otto Glória, nãoaceitaram o desafio. Desde muito aseleção era o sonho de Zagallo,competente técnico do Botafogo,ótimo montador de times, defensordo 4-3-3, com ponta esquerdarecuado. Por esse motivo – e pelaconclusão equivocada de que, coma saída de Saldanha, elerepresentava uma guinada à direita– foi muito combatido até a ida

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para o México. Convocou Dario,evitando com isso o amuo deHavelange, Passo e todos osbajuladores da cúpula da CBD.Armou sua seleção com umcentroavante de área, RobertoMiranda, e com Paulo César naponta. Nesse esquema, não havialugar para Tostão, em fase final derecuperação. Para Zagallo, Pelé eTostão não podiam jogar juntos.

A seleção foi se acertando nos

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treinos em Guadalajara, já comRivelino como falso pontaesquerda, pois na verdade seupapel seria o de compor o meio decampo com Clodoaldo e Gérson.Mas a improvisação de Rivelinocomo ponta deveu-se a umaemergência. No amistoso com aBulgária (0 a 0), no Pacaembu,Paulo César tinha sidoimpiedosamente vaiado, emboranão tivesse jogado tão mal. Para oamistoso de despedida, conta a

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Áustria, no Maracanã, Zagalloachou melhor poupá-lo. Para nãoescalar um ponta avançado, osantista Edu, preferiu deslocarRivelino. Em princípio, só naqueleamistoso. Mas Rivelino jogoumuito, fez o único gol, foiovacionado à saída de campo eacabou embarcando como titular.Para completar os 11, já então peloque viu nos treinos, Zagallorendeu-se a Tostão ao lado de Pelé.Na verdade, Tostão em toda parte,

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solto, preenchendo espaços com ainteligência do mais modernojogador brasileiro de sua geração.A teimosia de Zagallo ia só atéonde vai a de qualquer treinador.Inteligente, percebeu nos coletivosque sua seleção funcionavaperfeitamente com um grupo quevinha de trás, atacando em bloco,ficando Jairzinho como o único semobrigação de voltar. O “Furacão daCopa” faria gol em todos os jogos.

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Se é verdade que muitosbrasileiros começaram torcendocontra aquela seleção, vendo nela –a pátria de chuteiras – arepresentação de uma ditadura queatingia ali sua fase mais dura, maisperversa, é verdade também que,assim que as vitórias foramocorrendo, assim que atuaçõesirresistíveis foram se repetindo, atorcida contra mudou de lado.

A nona Copa do Mundo foi a

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primeira a ser televisada em cores(no Brasil, não ainda paraaparelhos particulares). Foi aprimeira, também, a permitirsubstituição durante os jogos, duaspor equipe. E a primeira em que osárbitros usaram os cartõesvermelho e amarelo. A realizaçãode jogos ao meio-dia, de modo aque o televisionamento para que aEuropa se fizesse em horárioadequado, foi muito criticada pelamaioria dos times. Somava-se à

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altitude das cidades mexicanascomo uma limitação de seudesempenho. Já aí o Brasilcomeçou a levar vantagem sobre osadversários europeus. Suapreparação para jogar na altitudefoi exemplar, com base,principalmente, nos estudos docapitão Lamartine Pereira daCosta, ainda quando Saldanha era otreinador. Aconteceria no Méxicoexatamente o oposto do que sepassara na Inglaterra: o melhor

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preparo físico era o dosbrasileiros.

A estreia contra aTchecoslováquia, em 3 de junho,no Estádio de Jalisco, foi o pontode partida. Houve o susto pregadopelo gol de Petras, aos 11 minutos,mas pouco depois uma faltacobrada por Rivelino, o falso pontaque começava a ficar conhecidocomo “La Patada Atômica”,empatava. A seleção brasileira

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chegaria facilmente à vitória (4 a1). Um simples lance – a tentativade Pelé de vencer o goleiro Viktorcom um chute do meio de campo –pode ser visto como prenúncio deque aquela seria a sua Copa doMundo, a que o faria superar afrustração por não ter jogado porinteiro as duas últimas edições doCampeonato Mundial.

Quatro dias depois, no mesmoJalisco, a que seria considerada

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melhor partida das 32 disputadasem campos mexicanos. De um lado,a Inglaterra, campeã do mundodefendendo o seu título com umaequipe tão boa ou melhor que a de1966. Do outro, o Brasil,desfalcado de Gérson, o cérebro eseu meio de campo. Quemvencesse, estaria matematicamenteclassificado às quartas de final.Uma partida equilibradíssima, comdefesas espetaculares dos doisgoleiros (em especial a de Gordon

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Banks na cabeçada de Pelé), golsperdidos, lances de emoção.Primeiro tempo: 0 a 0.

Aos 14 do segundo, Zagallo,pensando em tornar o ataque maisofensivo, manda Roberto Mirandaentrar no lugar de Tostão. Robertoassina a súmula e fica de foraesperando a bola sair. Nesseinstante, Tostão desarma umadversário, avança para a área,dribla outro, passa a bola entre as

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pernas de um dos maioreszagueiros do mundo, Bobby Moore,gira o corpo e centra para a áreainglesa. Pelé recebe a bola, rola-amansamente para Jairzinho, gol doBrasil. Depois das comemorações,Tostão sai, Roberto entra. Se aseleção brasileira ainda nãopensava no tri, passou a pensar ali.

Os dois próximos jogos foram,por motivos diversos,surpreendentes. Quando se pensava

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que a Romênia seria adversáriofácil, na briga pelo primeiro lugardo grupo, o Brasil não foi além deum placar apertado (3 a 2), doisgols de Pelé e um de Jairzinho. Equando se temia a equipe do Peru,dirigida por mestre Didi, o “MisterFootball”, a vitória veio com folga(4 a 2), dois gols de Tostão, um deRivelino e outro de Jairzinho. Didie os peruanos acreditavam queteriam melhor sorte se o goleiroRubiños não fosse tão mal.

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A semifinal com o Uruguai tevequase tudo que o velho clássicosul-americano vinha acumulandoem termos de rivalidade, mística,escrita, história, lenda. Inclusivecom Luís Cubilla marcando oprimeiro gol aos 19 minutos. Umlançamento perfeito de Tostão deua Clodoaldo a chance de empatarainda no primeiro tempo. Nosegundo, Jairzinho e Rivelinodecidiam a passagem brasileira àquarta final de sua história (3 a 1).

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Não há exagero em afirmar que,contribuindo com o imaginário doclássico, o lance mais memorávelfoi o gol que não houve: Pelé, semtocar na boa, aplicando umsensacional drible em LadislaoMazurkiewicz e, com o gol vazio,chutando para fora. Uma vez mais,o gol apenas esboçado por Peléprenunciava que aquela Copa doMundo seria sua.

Uma grande final, ou melhor, a

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maior de todas as finais pela TaçaJules Rimet. E por um motivo:Brasil ou Itália, bicampeõesmundiais, um dos dois conquistariadefinitivamente o troféu. Ositalianos vinham de dramáticasemifinal com os alemãesocidentais (4 a 3), os cinco últimosgols marcados na prorrogação.Gigi Riva e Gianni Rivera eram oscraques da Azzurra que sedestacaram contra o time de FranzBeckenbauer, o alemão que

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terminara o jogo com o ombrodeslocado na tipoia. Um drama,realmente, que aumentava asexpectativas para o confronto comum Brasil que tinha vivido, em suadespedida de Jalisco, seu própriodrama.

Os supersticiosos entraram emcena na véspera da decisão, queseria testemunhada por 107.412pessoas no Estádio Azteca.Ressaltavam que, até aquela data,

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nenhuma seleção de camisa azulhavia perdido uma final de Copado Mundo. Temiam que osbrasileiros marcassem o primeirogol, pois, também até aquela data,quase sempre abrir o placarsignificava derrota. A própriaseleção do Brasil passara por essaexperiência em suas três finaisanteriores. E mais: a não ser aprópria Itália, em 1938, nenhumaseleção campeã chegara à final semter sofrido ao menos um empate. E

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agora, no México, enquanto osbrasileiros tinham vencido todas assuas partidas, os italianos haviamempatado três.

AS LIÇÕES DO TRI

Como estatística não ganha jogo,muito menos superstição, a nonaCopa do Mundo teve o desfechoque deveria ter. Os brasileirosjogaram de amarelo contra ositalianos, tradicionalmente de azul.

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Pelé marcou o primeiro gol. E aseleção de Zagallo chegou à suasexta e definitiva vitória (4 a 1). Ataça de ouro, conquistada parasempre, foi erguida por CarlosAlberto, que repetiu o gesto deBellini e Mauro.

Pode ser que, revendo o jogocom os olhos de hoje, alguém façaalguns reparos técnicos àqueladecisão, não a achando tãoexcepcional quanto se disse. A

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tensão natural, o desgaste dos doistimes, o forte calor de meio-dia doverão mexicano, tudo isso pesou.Mas alguns lances, de pura arte,atestam que os tricampeões domundo jogaram ali um futebol paranão ser esquecido. A simbolizá-lo,nada melhor do que o quarto gol,para o qual a bola foi passandopelos pés de sete jogadoresbrasileiros até chegar a Pelé, que aencaminhou, com precisão, para ochute certeiro de Carlos Alberto.

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É provável que ainda hajamuito a se dizer sobre certosaspectos – os da grande política –que balizaram a nona Copa doMundo. Sobretudo hoje, quandosão revistos fatos dos anos 70,ocorridos paralelamente aoesporte. O tricampeonato – aconquista do troféu que desde1930, de início timidamente, ofutebol brasileiro perseguiu – foivivido em tempos sombrios, deditadura e de grande futebol. Os

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dois mundos se confundindo,acabaram confundindo o própriobrasileiro, que custou a perceberque um nada tinha a ver com ooutro. E que única relação dogeneral e comandados, com a maisformidável seleção que o Brasilmandou a uma Copa do Mundo, foitentar aproveitar-se de sua glória.

1974

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É possível que a primeira vez emque se empregou a palavraentressafra em futebol tenha sido apropósito da preparação e, emseguida, participação brasileira nadécima Copa do Mundo, disputadana Alemanha Ocidental, em 1974.Com ela se queria dizer que umageração de craques do Brasil haviase aposentado sem que uma novageração de craques viesse ocupar oseu lugar. Quem iria substituirGérson, Tostão, Carlos Alberto e

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Pelé, heróis do tri, quandochegasse a hora de defender o títulocontra fortes equipes europeias?

É fato que nem todos ostricampeões haviam largado a bola.Mas só em saber que Pelé nãoqueria mais nada com a seleção –da qual já havia se despedido,solenemente, num amistoso comIugoslávia no Maracanã – faziaZagallo e sua comissão técnicaencarar a entressafra como um duro

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golpe em seus planos paraconquistar a nova taça. Em junhode 1974, Pelé estaria com 33 anos.Com sua excepcional condiçãoatlética, sua experiência e, claro,seu futebol, certamente ainda seriao principal trunfo de Zagallo. Mas,com o insucesso em seus negócios,e sem ter a ajuda que esperava parasuperá-lo, Pelé disse adeus àseleção.

Tostão, forçado pelo

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agravamento do problema na vistaesquerda (o mesma que quase oimpedira de jogar em 1970),encerrara prematuramente abrilhante carreira. Gérson aindadava seus últimos passes peloFluminense, mas ele próprio sabiaque seu tempo passara. CarlosAlberto ficou de fora por decisãode Zagallo. De qualquer forma,quatro grandes da conquista de1970 não estariam na Alemanha em1974.

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Pelo menos politicamente, oumelhor, o modo como o futebolbrasileiro era administrado nosgabinetes da confederação e daditadura, não diferia muito do queocorrera em 1970, depois da saídade João Saldanha. João Havelangeainda era o presidente da CBD(com a conquista do tri, a intençãode afastá-lo, articulada por gentedo governo, teve de ser adiada).Mas já se sabia que os quatro anosde seu mandato até a Copa do

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Mundo na Alemanha seriam decampanha para tentar o que muitospensavam ser impossível: eleger-sepresidente da Fifa. O comandomilitar foi mantido, só que comoutros nomes. O chefe dadelegação seria o coronel EricTinoco, o do hipismo; supervisor,major Carlos Alberto Cavalheiro, oex-goleiro; coordenador técnico,capitão Claudio Coutinho, o futurotreinador em 1978; preparadorfísico, capitão Raul Carlesso; e

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secretários, novas funções, oscapitães Kleber Camerino eOsvaldo Costa Lobo. Como oseventuais brasileiros na Alemanhanão pareciam oferecer os mesmosriscos dos asilados no México, nãose integraria à delegação umsegurança fardado como o majorIpiranga dos Guaranis.

Em campo, Zagallo teveoportunidade de testar seus novosconvocados. E vários deles. E em

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várias ocasiões. O ano de 1971 foireservado aos amistosos, como oda despedia de Pelé (nem os gritosde "Fica! Fica! Fica", vindos detodos os setores do Maracanã, odemoveram). Amistosos em que otreinador ainda pôde contar com abase de 1970. Em 1972, ocalendário da seleção resumiu-seao comemorativo Torneio doSesquicentenário da Independência,ganho pelo Brasil em jogos contraa Tchecoslováquia (0 a 0),

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Iugoslávia (3 a 0), Escócia (1 a 0)e Portugal (1 a 0). Sem Pelé, claro,mas ainda com Gérson e Tostão.Até ali, não se falava ementressafra.

No ano seguinte, os trabalhosdo treinador se intensificaramjustamente porque tinha que definiros substitutos na mais longaexcursão que a seleção brasileirafazia ao exterior até então. Foramnove jogos, na Europa e na África.

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Jogadores já com experiência emseleção, como Rivelino, Jairzinho,Clodoaldo, Wilson Piazza, PauloCésar, Zé Maria, Leão, atuavam emvárias formações com os estreantesLuís Pereira, Marinho Chagas,Valdomiro, Palhinha, Dirceu,Leivinha, este já tendo entrado esaído nas cinco partidas peloTorneio do Sesquicentenário.

Em termos de resultados (seisvitórias, empate com a Áustria e

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derrotas para Suécia e Itália), obalanço da excursão ficou dentrodos limites do razoável. As críticasmais consideráveis eram ao modode a seleção jogar. Na maioria dasvezes, no 4-3-3 tão caro a Zagallo,mas um 4-3-3 de meio de camporeforçado numa clara intenção dedefender. Os cinco jogos em que aseleção não sofreu gol e os três emque o goleiro da vez só levou um,eram sinal de que a primeirapreocupação de Zagallo era se

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defender bem. O que, no anoseguinte, só se intensificou nosamistosos antes do embarque:apenas dois gols sofridos em novejogos. Se por um lado essaestatística favorecia a defesa, poroutro a média inferior a 1,5 golspor jogo era uma das mais baixasdesde que Zagallo assumira.

Longe dali, algo de novo – equase oposto ao que se vivia noBrasil – estava acontecendo no

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futebol até então modesto dosPaíses Baixos. A seleção que dezanos antes surpreendera abrasileira dera lugar a outra, que demodesta nada tinha. Com base noAjax – clube de Amsterdã trêsvezes vitorioso na Liga dosCampeões (1971, 1972 e 1973) euma na Copa Intercontinental(1972), em cima do Independientede Buenos Aires – a nova seleçãoholandesa propunha a revoluçãotática que assinalaria a década

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como a do Carrossel Holandês ouda Laranja Mecânica, o futebol-total que acabaria sendo a principalatração da décima Copa do Mundo:todos atacando, todos defendendo,todos ocupando espaços ou abrindoespaços para todos. Um futebolaparentemente anárquico, masinteligente e organizado, solidárioe eficaz. João Saldanha,comentando para a TV, cometeuinjustiça com aquele time aochamar seu estilo de jogo de "tática

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de pelada".

A se indicar os responsáveispela revolução, que sejam os dotreinador Rinus Michels, 46 anosem 1974, e do múltiplo JohanCruyff, 27. A partir deles, ou emtorno deles, o Ajax foi campeão,avançou e serviu de alicerce para aseleção. Michels era um treinadortático, acreditava na posse de bola,e fazer seu time rodar como sefosse no vôlei. E, mais ainda, em

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craques polivalentes. Cruyff era umdesses craques. O mais completode sua geração, talvez no mundointeiro. Nasceu praticamente noAjax, onde seus pais trabalhavam,ela como faxineira, ele comovendedor de frutas. Foi em atençãoao casal que os dirigentes deixaramo jovem Johan treinar, acreditandoque isso corrigiria os pés-chatos.Ganharam na loteria, pois, com 18anos, ela já era titular do timeprincipal. Em que posição? Todas,

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uma vez que este era o espírito doAjax: sua estrela sendo capaz dedefender, marcar, armar e fazergols.

Se nas primeiras Copas doMundo o desconhecimento deadversários em ascensão provocarasituações negativas, em 1974 issonão aconteceria. Ao contrário doque ocorrera com Zezé Moreira e aHungria de Puskas (com a qual aequipe de Rinus Michels chegou a

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ser comparada), Zagallo sabiamuito bem o que era a Holanda deCruyff. Só não se impressionavatanto com aquele excesso detoques, de bola passada de pé empé, de jogadores sem posiçõesfixas, aparentementedesorganizados. O treinadorbrasileiro apareceria no filmeoficial da oitava Copa do Mundoclassificando, em português, ofutebol da Holanda de “tico-tico nofubá”. Muita posse de bola, muita

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firula, muita figuração, mas, nofundo, show para a torcida ver.

Na Alemanha, o Brasil seconcentrou num local que, se erabucólico, convidativo, tinha nomeassustador: Floresta Negra. Longede tudo e de todos, não ajudou.Dois empates de 0 a 0, nosprimeiros jogos com Iugoslávia eEscócia, em Frankfurt. Pelaprimeira vez aquela história de nãolevar gol e não fazê-los ameaçava a

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seleção. Para passar à segundafase, o time de Zagallo teria devencer, em Gelsenkirchen, por trêsou mais gols de diferença, oestreante Zaire, já derrotado pelaEscócia (2 a 0) e pela Iugoslávia (9a 0).

Somente uma vantagem nosaldo de gols salvaria ostricampeões da eliminação. Pois 3a 0 foi o resultado, gols deJairzinho, Rivelino e Valdomiro (o

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ponta do Inter de Porto Alegre, queentrara no lugar de Leivinha nomeio do jogo, marcou o terceirogol aos 34 minutos do segundotempo, contando com a importanteajuda do goleiro adversário).

A segunda fase, dividida emdois grupos de quatro, para que omelhor colocado de cada grupofosse à final, punha comoadversários do Brasil a AlemanhaOriental, Argentina e Holanda. Os

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dois primeiros jogos em Hannover,o terceiro em Dortmund. Manobraesperta, mas indigna, fizera aAlemanha Ocidental fugir do outrogrupo: deixara-se derrotar pelosvizinhos orientais (1 a 0) e caíracom Iugoslávia, Polônia e Suéciano grupo mais fraco. E claro que osanfitriões foram à final. Alheio aisso, o Brasil começou dandoesperanças ao vencer os alemãesorientais (1 a 0) e argentinos (2 a1). Mas, no dia 3 de julho, foi a vez

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de os brasileiros conhecerem muitode perto a força de Johnny Rep eRob Rensenbrink, Johan Neeskense Wim van Hanegen, Ravo Krol eWim Suurbier. Mais,evidentemente, o líder deles,Cruyff. É certo que o ataquebrasileiro perdeu pelos menos doisdos chamados gols feitos, ainda noprimeiro tempo, e que, com umpouco de sorte, o desfecho do jogopoderia ter sido outro. Mas osholandeses tiveram mais

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tranquilidade, mais atitude e maisfutebol, ao menos para chegar aos 2a 0, gols de Neeskens e Cruyff.

Os brasileiros lutaram. Emalguns momentos, passando daconta. Poucas vezes terá apeladotanto pera a violência. Várias faltascometidas mereciam expulsão, massó Luís Pereira acabou expulso(sua saída de campo, misto dedeboche e desespero, foi um dosmomentos mais lamentáveis da

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participação brasileira na oitavaCopa do Mundo). Apenas umreflexo de como a seleção deZagallo estava fragilizada e,naquela tarde, tão consciente de suainferioridade.

Cruyff não foi somente omelhor jogador da nona Copa doMundo, com todo respeito a FranzBeckenbauer, o Kaiser alemão, quemereceu ser o primeiro capitão ater nas mãos a taça de ouro criada

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pela Fifa para substituir a JulesRimet. O holandês foi, também, omais lúcido. No livro que escreveulogo após o campeonato, observou:“Ao Brasil faltaram jogadoresgeniais. A equipe brasileira,campeã do mundo, apoiava suasações em três verdadeiros gêniosdo futebol: Gérson, Tostão e Pelé.Com três jogadores dessa categoriaassombrosa no ataque, as coisasficavam bem mais fáceis”. Cruyffconcluía livrando Zagallo da culpa

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que lhe atiraram por armar-se tãodefensivamente: “Creio que oBrasil não errou de tática. Ele nãotinha homens para outra coisa”.

VIOLÊNCIA CONTRA HOLANDA

Sobre a final entre Holanda eAlemanha Ocidental, dia 7 dejulho, no Estádio Olímpico deMunique, um dramático 2 a 1 paraa seleção local, seria ainda deCruyff, lúcido dentro e fora de

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campo, o comentário maisdefinidor, pois fundamentado naideia de que muito da emoção, dofascínio, do drama do futebol, estáno inexplicável: “Tínhamos aopinião geral a nosso favor, o que ésempre perigoso. Tivemos um golimediato, o que é mais perigosoainda. Foi um pênalti claríssimo deVogts, minha sombra, que meatingiu quando entrei na área.

Primeiro minuto. Neeskens

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venceu Maier à meia altura.Decorridos 60 segundos de jogo,achamos que já éramos campeõesdo mundo. Uma sensação devertigem. E notamos que aAlemanha ofegava, como se tivessesido vítima de um knock down, doqual parecia não poder se refazer.Começou aí a nossa cadeia deerros: com 80 minutos pela frente,o passe para trás, frequentes bolasentregues lateralmente, atranquilidade de nos sabermos na

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frente (...) e nossa última meia horado segundo tempo foi fatal”.

Com Cruyff e seuscompanheiros repentinamentedesconectados do que deveriamfazer, a Laranja Mecânica deixarade funcionar no exato momento emque mais precisava da eficiência desuas peças. Àquela altura, Zagalloe sua comitiva já estavam de malasprontas para voltar ao Brasil. Semao menos o consolo de um terceiro

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lugar. Com o justo 1 a 0 obtidosobre os brasileiros, na véspera, nomesmo local da final, os polonesesconfirmaram a impressão quehaviam causado em Cruyff (“É omelhor futebol do momento...”) eficaram com o bronze. Fora dopódio, restava ao quarto colocadopôr a culpa na entressafra.

1978

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Por seu papel na história do futebol– país de grandes craques eempolgados torcedores – aArgentina sempre mereceu sediaruma Copa do Mundo, distinção queperseguiu desde antes do primeirocampeonato realizado na vizinhaMontevidéu. De fato, assim que seabriu concorrência para escolheronde seria a primeira disputa, osargentinos se apresentaram. Doisimbatíveis argumentos levaram aFifa a optar pelo Uruguai: seu

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bicampeonato olímpico em 1924 e1928 (neste, numa final contra osargentinos), e 1930 ser o ano docentenário da promulgação daprimeira constituição do país, atoque consagrara a independênciaobtida, na prática, em 1828. Depoisde tentar outras vezes, a Argentinapor fim o conseguiu. Ironicamente,no congresso de Londres, em julhode 1966, quando até o presidenteda Fifa, o inglês Stanley Rous,parecia concordar com técnico Alf

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Ramsey, para quem os argentinosnão passavam de animais.

Todo esse introito, sobre fatosaparentemente sem relação com ofutebol brasileiro, é para reafirmaro merecimento argentino e lamentarque o momento tão aguardado poreles fosse acontecer sob a guardada "mais sangrenta e cruelditadura" das tantas sofridas pelopaís – como a definiu o jornalistaEzequiel Moores, historiador dos

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chamados anos de chumbo. Aditatura que levou ao poder ogeneral Jorge Rafael Videla,depois de formar uma junta com oalmirante Emilio Massera e obrigadeiro Orlando Agosti, foiimplantada em 14 de março de1976. Portanto, quando ospreparativos do comitêorganizador, o Ente AutárquicoMundial (EAM), já estavam emandamento.

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Presidido pelo general CarlosOmar Actis, o EAM, movimentavagrandes somas em dinheiro,despertando o interesse de gestoresambiciosos. Como o almiranteCarlos Lacoste, vice de Actis eopositor deste em ideias sobregastos na construção de estádios.Actis, homem sério, muitorespeitado nos meios esportivos,era contra. Justamente quando iadefender suas posições numaentrevista coletiva, foi morto a

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tiros à saída de sua casa, no bairrode Wilde. Oficialmente, porterroristas. Esse episódio, somadoaos quase 1.500 corpos que asautoridades haviam identificadocomo "novas vítimas doterrorismo", correu o mundo.

A preocupação era de que aArgentina estivesse mergulhadanuma guerrilha. Alguns paíseschegaram consultar a Fifa sobre seseria seguro um evento nessas

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condições. Na França, cartazesforam afixados contra o "mundialda ditadura". Em Haia, oparlamento holandês foi além,sugerindo que os jogadores daseleção nacional boicotassem ocampeonato. O que, antes disso,Johan Cruyff, agora no Barcelona,já decidira por conta própria. Seriao grande ausente de 1978.

Enquanto isso, em BuenosAires, o general Antonio Luís

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Merlo assumia o EAM. Eautorizava o vice Lacoste aconstruir seus estádios emCórdoba, Mendoza e Mar del Plata.Para isso, o almirante tinha muitose influentes amigos, além de Merlo.O mais importante, o poderosoMassera, de quem era o braço-direito. Outro, João Havelange, quenão só apoiava Lacoste no EAM,como fez dele um dos novos vice-presidentes da Fifa e seu assessorfinanceiro. Porque agora,

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cumprindo seu segundo ano demandato, o brasileiro tinha poderespara isso.

A amizade não se limitava àárea esportiva, uma vez queHavelange, ou melhor, a Fifa, aindaseria citada como avalista (oumesmo patrocinadora) dosnegócios que enriqueceriamLacoste em seus país e no Uruguaie que lhe custariam problemasquando a ditadura chegasse ao fim

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(jamais conseguiu explicar como,de 1977 a 1979, sua fortunacresceu em 443%). Por ora, eletinha cacife suficiente para levarHavelange até Videla, com agarantia de que a décima primeiraCopa do Mundo seria mesmo naArgentina.

E o futebol brasileiro? Aquantas andava a CBD com a saídapara a Fifa do homem que apresidira por 14 anos? Caminhando

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para desaparecer, a fim de quecada esporte passasse a ter suaprópria entidade – a ConfederaçãoBrasileira de Futebol (CBF) seriacriada em 1979 – a velha CBDlevava sua militarização aoextremo. E as ligações com apolítica, mais ainda. O escaladopelo governo para substituirHavelange era o almirante Helenode Barros Nunes, não por acaso opresidente do partido da ditadura, aAliança Renovadora Nacional

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(Arena), no estado do Rio deJaneiro. A presidência continuariasua quando a CBF fosse criada. Eos destinos da seleção brasileira,também. Menos mal que oalmirante fosse um apaixonadopelo futebol, torcedor do Vasco efrequentador do Maracanã.

Dezessete dias antes do golpeem Buenos Aires, a seleção doBrasil venceu (2 a 1) a daArgentina, no Estádio Monumental

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de Nuñez, pela Taça do Atlântico.O título de campeão serialevantado pelos brasileiros, comquatro vitórias nos jogos de ida evolta contra seus mais tradicionaisadversários, argentinos euruguaios. Em maio, pelo torneiocomemorativo do Centenário daIndependência dos Estados Unidos,novo título, com vitórias sobre aInglaterra (1 a 0) e Itália (4 a 1). Otreinador era o veterano OsvaldoBrandão, que substituíra Zagallo

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como escolha do almirante HelenoNunes.

Os resultados, mais os deamistosos até janeiro de 1977 (16jogos, 13 vitórias, dois empates esomente uma derrota) davam aimpressão de que o técnico para aCopa seria mesmo Brandão. Pelaexperiência, pelo modo paternalcomo tratava os jogadores, porestar vencendo e por acreditar emrenovação. Foi sua a decisão de

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convocar e escalar, já em 1976,Roberto Dinamite, Falcão e Zico,que estreavam na seleção.

Apesar dos resultadosfavoráveis, a posição de OswaldoBrandão não era tão sólida. Tantoque bastou um empate sem gol coma Colômbia em Bogotá, noprimeiro jogo das eliminatórias,para Brandão sair. Sua demissãoaconteceu dentro do avião quetrazia de volta a delegação

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brasileira. O substituto já estavaacertado quando o avião pousou:Cláudio Pecego de MoraesCoutinho, 37 anos, capitão doExército com formação emeducação física no Brasil e noexterior. O mesmo Coutinho queapresentara a João Saldanha oaltitude training e seu autor, oprofessor Lamartine Pereira daCosta; o mesmo que integrara,como preparador físico ousupervisor, as comissões técnicas

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de 1970 e 1974; e o mesmo quetrouxera dos Estados Unidos osmétodos de avaliação de KennethCooper, os tão falados e poucocompreendidos testes de Cooper,aqui transformados joggings.Enfim, um profissional do esporte,mas sem experiência comotreinador, de clube ou de seleção.

A equipe de Coutinho, como seesperava, passou sem maiorespercalços contra colombianos e

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paraguaios, classificando-se para irà Argentina com mais de um ano deantecedência. O que deu ao novotreinador tempo de sobra parapreparar um time. Como Coutinhopregava, um time cuja filosofia dejogo se aproximasse o maispossível do que a Holanda exibiraem 1974. Ele voltara da Alemanhaimpressionado com o que faziamCruyff e sua Laranja Mecânica.Sabia que igual era impossível,mas acreditava poder adotar nas

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equipes um princípio sagrado naseleção de Rinus Michels: o dasolidariedade, o da individualidadea serviço do coletivo, daquilo,enfim, que dera sentido ao futeboltotal.

A POLIVALÊNCIA DE COUTINHO

A partir daí, a seleção brasileirarealizou uma série de amistosos,incluindo uma excursão à Europa apoucos meses da estreia contra a

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Suécia em Mar del Plata. ParaCoutinho, os números dessesamistosos (oito vitórias, quatroempates e a derrota para a Françano Parc des Princes) importavammenos que o desempenho do time.Não deste ou daquele jogador emparticular, mas de todo o time.Apesar de pouco tempo para mudaro que, por tradição, era o próprioestilo brasileiro de jogar futebol(estilo que, para bem ou para mal,fundamentava-se na

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excepcionalidade de seus craques,no brilho individual de suasestrelas), Coutinho esperava queuma nova seleção estivessenascendo.

Contrariando as justasexpectativas dos maispreocupados, a décima primeiraCopa do Mundo transcorreu sem ostiros e bombardeios que se temiam.Com milhares de pessoasdesaparecidas, ou presas e

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torturadas num quartel a poucosquarteirões do Monumental deNuñez, o estádio do River Plateonde seria disputada a final, mastudo longe dos olhos do visitante.Muito da paz, diziam osgovernantes argentinos, devia-se àhábil trégua que Videla fizera comos guerrilheiros do MovimentoPeronista Montonero.

Na primeira fase, os empatescom a Suécia (1 a 1) e Espanha (0

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a 0) mostraram ao próprioCoutinho que sua seleção em nadase parecia com a do CarrosselHolandês. Ele abrira mão de certasindividualidades (Marinho Chagas,Paulo César Caju, Falcão)convencido de que armadoresmenos criativos, porém aplicados(Batista, Chicão, Dirceu, queacabaria sendo o destaquebrasileiro), fariam melhor. Asindividualidades em que investira(Zico, Reinaldo, Rivelino), com

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problemas físicos, não renderam oque sabiam.

E as inovações que propôs,confiando na polivalência de seuscomandados (polivalência seriauma das palavras que introduziriano vocabulário do futebolbrasileiro), não funcionaram. Noempate com os espanhóis, além demanter Edinho improvisado nalateral esquerda, escalou doislaterais pela direita (Nelinho e

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Toninho), ambos correndo por ali,sem que se soubesse se erampontas ou laterais mesmo. Ao verseu treinador perdido, o almiranteHeleno Nunes interveio, mudou aseleção, exigiu que RobertoDinamite entrasse e, com gol dele,a vitória de 1 a 0 sobre a Áustriaclassificou o Brasil.

Como o regulamento repetia ode 1974, com os oitos primeiros dafase inicial enfrentando-se em dois

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grupos de quatro na semifinal,Peru, Argentina e Polônia, nessaordem, eram os obstáculobrasileiros rumo a que seria suaquinta final em mundiais (no outrogrupo, mesmo sem Cruyff, aHolanda se qualificaria para umadecisão em que esperava melhorsorte que em 1974). Em 21 dejunho, durante a meia hora queseparou Brasil x Polônia, noEstádio Libertador General SanMartin, em Mendoza, do início de

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Argentina x Peru, no EstádioArroyito, em Rosário (jogosestranhamente marcados parahorários diferentes, quando oresultado de um interessava ao dooutro), quem duvidava de que osbrasileiros tivessem asseguradosua quinta final?

Ao vencerem os peruanos (3 a0, dois gols de Dirceu e um deZico, de pênalti) e ao derrotaremagora os poloneses (3 a 1, dois

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gols de Roberto Dinamite e um deNelinho), os brasileiros chegavamao saldo de cinco gols. Osargentinos, com a vitória sobre ospoloneses (2 a 0) e o empate comos brasileiros (0 a 0), tinhamapenas dois gols de saldo. Logo,iam para o jogo com os peruanosprecisando de uma vitória pordiferença superior a três gols. Pormais irregular que fosse a seleçãotreinada por Marcos Calderón (atéali, duas vitórias, um empate e duas

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derrotas) e por mais que não fossetão melhor a campanha do time deCesar Menotti (três vitórias umempate e a derrota para a Itália),era pouco provável uma goleadaargentina por 4 a 0 ou mais.

É nesse ponto que se escreveem Rosário o capítulo maiscontroverso da histórias doscampeonatos mundiais: os 6 a 0 daArgentina sobre o Peru, os golssucessivamente marcados por

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Kempes, Tarantini, novamenteKempes, Luque. Houseman e outravez Luque, numa defesa apática,desatenta, vulnerável. A ideia deque os peruanos haviam facilitadoas coisas para os anfitriões, deinício entendida como choro deperdedor (a delegação brasileiranão se conformava, o que permitiua Cláudio Coutinho, findo ocampeonato, proclamar osbrasileiros campeões morais de ummundial vergonhoso).

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UM TÍTULO E MUITAS VERSÕES

O tempo, porém, se encarregou deprovar que aquele jogo em Rosáriofoi no mínimo esquisito, nadefinição do goleiro RamónQuiroga, e no máximo umescândalo arquitetado pela ditaduraVidela, como argumenta o inglêsDavid Yallop em seu livro "Howthey stole the game" (Como elesroubaram o jogo). Quiroga,

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argentino naturalizado peruano,contaria que sua família foraameaçada de morte antes dapartida. Negaria sempre terrecebido dinheiro para deixar asbolas passarem, mas não livroualguns companheiros: "Os quelevaram grana já morreram oumorreram para o futebol".

Yallop conta que Juan CarlosOblitas, em 1986, no México, ondea Argentina ganhou bem a Copa que

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não merecera ganhar em casa,referiu-se aos 6 a 0 como "um jogoem que coisas estranhasaconteceram". Hector Chumpitaz,capitão da seleção peruana,confirmou a outro jornalistaargentino, o conceituado CarlosJuvenal, ter havido um "prêmioadicional" pela derrota, mas disseque jamais o confirmaria empúblico.

As hipóteses sobre como teria

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ocorrido o suborno dos jogadoresperuanos variam. Vão da menoscrível, de dinheiro do cartel deCáli usado pelos militaresargentinos, à noticiada pelo jornal"La Nación" sobre crédito nãoreembolsável, de Videla aopresidente peruado José MoralesBermudez, para "a compra dequatro mil toneladas de trigo agranel".

Suspeitas levantadas por

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Yallop citam o próprio Lacostecomo provável intermediário naoperação. E Calderón, o técnicoperuano, como proponente de que,"para não passar vergonha", suaseleção entrasse em campo comoutra camisa que não a tradicionalbranca com a faixa diagonalvermelha.

Vários outros livros foramescritos sobre o assunto. Numdeles, o jornalista argentino

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Ricardo Goffe dá detalhes da visitaque Videla, acompanhado do ex-secretário de Estado americanoHenry Kissinger, fizera, minutosantes do jogo, ao vestiário peruano:"Nenhum dos dois era exatamenteum símbolo da paz – diz Goffe. – Apresença deles era toda umaimagem de intimidação".

Outro detalhe lembrado pelojornalista: no exato momento doquarto gol, o primeiro de Luque,

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uma bomba explodiu na casa deJuan Alemann, civil, professor deeconomia e, como secretário daFazenda, declarado opositor dosgastos defendidos por Lacoste.Anos depois, no documentário deTV "La fiesta paralela", Alemanndiria: "Quem armou o atentadosabia que haveria quatro gols".

Na finalíssima, a Argentina seimpôs à Holanda (1 a 1 nos 90minutos, 2 a 0 na prorrogação).

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Não sem antes levar um susto: aos45 minutos do segundo tempo,Rensenbrink mandou uma bola natrave de Fillol. Na fim, festa dotítulo, com Videla, todo seu staff eHavelange aplaudindo da tribuna aconquista da taça. A vitória ( 2 a 1)sobre a Itália deu o terceiro lugarao Brasil. De volta para casa,nunca mais se falou sobre o quehouve em Rosário. Nenhuma críticado almirante Heleno Nunes, ou deHavelange, ou do governo

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brasileiro. Em Cláudio Coutinho, omesmo silêncio. Para ele, sercampeão moral bastava. Mas aslições que aprendera, sobre ofutebol total à brasileira, foiproveitosa. O técnico em que ele setornou seria muito superior aocapitão da polivalência perdida.

1982Como esta série tem procurado

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mostrar, não há Copa do Mundoperdida, ou melhor, não ganha peloBrasil que o torcedor, o craque, otreinador, o cartola ou o mesmo oanalista neutro, objetivo, frio, nãose sinta obrigado a encontrarporquês. O erro do árbitro, a falhade um jogador, o time malescalado, o mau tempo, o gramado,a bola, tudo serve para explicar oque às vezes não se explica. Atémirabolantes teorias conspiratóriaspodem ser criadas, como

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acontecerá em 1998. Apossibilidade de o adversário tersido, naquele dia, naquelas duashoras, superior à seleçãobrasileira, não passa pelasconsiderações dos que buscamdesculpas para a derrota, sempreapoiados, conscientemente ou não,na convicção de que, em condiçõesnormais, o Brasil tem de sercampeão. O que nos remete a 1982,na Espanha.

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A décima segunda Copa doMundo teve como principalnovidade o número de participantesna fase final: 24. Com isso, JoãoHavelange, ainda na presidência daFifa, cumpria as promessaseleitoreiras às federações que oapoiaram na vitória sobre StanleyRous, em 1974. Os ingleses nuncao perdoaram por isso. E passarama culpá-lo pelo que até hoje veemcomo empobrecimento técnico demundiais onde seleções africanas e

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asiáticas têm vagas garantidas.

O futebol brasileiro manteve-sesempre fora dessas discussões. Apreocupação, naqueles últimosanos de ditadura, devia seconcentrar em reparar o caosinstaurado pela administração doalmirante Heleno Nunes, o queacumulara a presidência da CBF(ex-CBD) com a do partido dogoverno, a Arena fluminense.Muitos dos clubes que passaram a

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disputar o Campeonato Brasileiro ofaziam como convidados, paraagradar aos estados que a Arenaprecisava conquistar politicamente.A gozação popular (onde Arena vaimal, um clube no Nacional) tinharazão de ser: hipertrofiou-se oprincipal certame do futebolbrasileiro. É evidente que o novopresidente da CBF, o empresárioGiulite Coutinho, empossado emjaneiro de 1980, não poderiadesfazer o estrago em apenas três

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anos de mandato. Mas, pelo menos,era um civil bem intencionado, semligações com a política, muitomenos com os militares. Assim,suas atenções voltavam-se para aseleção brasileira.

O almirante manteve ClaudioCoutinho até o final de seu mandato(oito jogos, quatro vitórias, doisempates e derrotas para Bolívia eParaguai). Giulite Coutinhopreferia Telê Santana. Não que isso

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significasse mais um passo nosentido de desmilitarizar o futebol.Telê era, simplesmente, o favoritoda maioria dos que achavam que aseleção precisava de novas ideias.E isso ele tinha. Um dos maiseficientes jogadores do famoso“timinho” do Fluminense nos anos50, inteligente, bom atacante, ótimoarmador, o Telê treinador pregavaum jogo ofensivo e sem truques.Não tolerava violência eacreditava que a força do futebol

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brasileiro estava mesmo no craque.

Tão logo foi contratado, Telêdeu entrevista à revista “Placar”,publicada na edição de 19 defevereiro de 1980, oferecendopistas de como armaria seu timepara as eliminatórias e, depois,para a Copa do Mundo. Lateraisque avançassem, fazendo as vezesde ponta; pontas que recuassem,ajudando os armadores ou, quandonecessário, marcando; cabeças de

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área para dar cobertura ao meio decampo; goleiro calmo, semesbravejar, nunca reclamando doscompanheiros. Telê gostaria queseus armadores fossem, também,excelentes finalizadores. Sobre oataque, em particular ocentroavante, era mais específico:“Dou preferência ao jogadortécnico. Meu centroavante serácraque como foi Tostão em 70”.

Nos dois anos e meio em que

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esteve à frente da seleçãobrasileira, Telê procurou pôr suasideias em prática, de início,somente com os jogadores queatuavam no Brasil, o que explica aausência de Falcão, já contratadopelo Roma, nos 24 jogos dastemporadas de 1980 e 1981. Obalanço desses jogos (quatro delespelas eliminatórias contraVenezuela e Bolívia) foi positivo.Houve apenas uma derrota em cadaano, a primeira (2 a 1) para a

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União Soviética, no Maracanã, e asegunda (2 a 1) para o Uruguai, emMontevidéu, na final doMundialito, torneio com o qual agoverno militar uruguaio esperavaa mesma exposição que a Copa de1978 dera ao argentino. Nas duasderrota os centroavantes de Telê,Nunes e Serginho, nada tinham doTostão de 1970. Eram amboshomens de área, brigadores,corajosos, oportunistas, mas detécnica nada refinada.

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O balanço positivo dos doisanos completou-se com 18 vitóriase quatro empates. Para os quegostam de números, cabe alembrança de que a seleção, jácomputados os seis amistosospreparativos de 1982 (quatrovitórias e dois empates), chegaria aSevilha, local dos seus trêsprimeiros jogos na Copa, com umaproveitamento de 83,33%. E comum centroavante, Careca, bempróximo do que Telê queria.

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Se a seleção brasileira estavapraticamente pronta para fazer umaboa campanha, duas de suastradicionais adversárias, Argentinae Itália, desembarcavam naEspanha repletas de problemas. Osargentinos tinham deixado para trásum país que acabara de entrar emguerra com a Inglaterra pela possedas Ilhas Malvinas. O ditador davez, general Leopoldo Galtieri –ex-chefe do Batalhão deInteligência, uma espécie de

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esquadrão da morte do regime –ordenara a invasão numadesesperada tentativa de recuperaro prestígio perdido por seugoverno. Como sempre, a seleçãoargentina contava com excelentejogadores, entre eles um promissoratacante de 21 anos chamado DiegoArmando Maradona. Mas, com acabeça longe, o que esperar deles?Não houve surpresa na derrota paraa Bélgica (1 a 0), na estreia emBarcelona.

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A Itália não estava em guerra,mas sua seleção, dirigida por EnzoBearzot, 54 anos, experiente emmundiais (enfrentara o Brasil nadecisão pelo terceiro lugar em1978), tinha suas razões para temermaus resultados na Espanha. Umadessas razões, o ataque. Mais doque em outras ocasiões, ositalianos confiavam em sua defesa,mas não acreditavam numa linha defrente tão econômica em matéria degols. Um de seus homens, Paolo

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Rossi, 25 anos, jogador doJuventus, agravava o problema, pornão estar jogando bem e por não tera simpatia dos jornalistas italianosque estavam em Vigo, noroeste daEspanha, cobrindo sua seleção.

Tudo porque Bearzot teimaraem convocar o maledetto Rossi, umdos 27 jogadores envolvidos noescândalo conhecido comoTotonero, esquema de manipulaçãode resultados do Totocalcio, a

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loteria esportiva italiana. Acusadode ter apostado contra seu própriotime, o Perugia, na partida contra oVicenza, pelo Campeonato Italianode 1980, Paolo Rossi foi absolvidopela Justiça comum, mas suspensopor três anos pela FederaçãoItaliana. Com isso, não poderia ir àCopa. O próprio Bearzot foi umdos líderes do movimento para queseu atacante fosse anistiado, o queaconteceu a menos dois mesesantes do embarque para a Espanha.

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EUFORIA DESMEDIDA

Em campo, os temores do treinadorpareciam se confirmar. A Itáliaempatou seus três jogos daprimeira fase. Pela ordem, contraPolônia (0 a 0), Peru, com obrasileiro Tim no comando (1 a 1)e Camarões (1 a 1). Seu ataque nãofuncionou. Tarantini e Antognonimarcaram os gols que seesperavam de Rossi, substituído

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por Causio contra o Peru erigorosamente nulo nos outros doisjogos.

A Polônia, por ter conseguido aúnica vitória do grupo (5 a 1 sobreo Peru), classificou-se emprimeiro. A Itália, por ter marcadoum gol a mais que Camarões, ficouem segundo. De tal modo, esseinício de campanha incomodou osjornalistas italianos que um grupodeles foi à chefia da delegação

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sugerir que, para não mancharainda mais as tradições da Azzurra,voltassem todos imediatamentepara casa. É claro que nãovoltaram.

Sem se preocupar compossíveis adversários, a seleçãobrasileira passou com folga por seugrupo. Já não contava com Careca,cortado na Espanha por causa deuma contusão (Roberto Dinamitefoi chamado em seu lugar, mas,

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entre os dois, Telê preferiuSerginho como titular). Houve umcomeço hesitante contra a UniãoSoviética, o primeiro tempo emdesvantagem no placar e a viradade jogo no segundo (2 a 1), gols deSócrates e Éder. Contra a Escócia,outra vitória (4 a 1), gols de Zico,Oscar, Éder e Falcão.

Na despedida de Sevilha, maisuma goleada (4 a 0) sobre a NovaZelândia, dois gols de Zico, um de

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Falcão e um de Serginho. O Brasilera o primeiro do grupo. O que ocolocava diante de dois segundoscolocados na segunda fase, a queapontaria um deles para a fasesemifinal. Ou seja, contra a Itáliade Rossi e a Argentina dasMalvinas. Um inglês empolgado foiao quadro de avisos do Centro deImprensa de Madri e escreveu oque pensava da seleção de Telê:time dos sonhos – o time com oqual vinham sonhando todos os

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amantes do futebol jogado comclasse, estilo, inspiração, beleza e,claro, eficiência.

Foi exatamente assim, com essefutebol, de toque de bola,inteligência, criatividade, praticadopor craques da estatura de Falcão,Zico, Sócrates, Leandro, ToninhoCerezo, Oscar, Júnior, que o Brasilvenceu seus três adversários emSevilha, e também a Argentina (3 a1), gols de Zico, Serginho e Júnior,

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na abertura da segunda fase, emBarcelona. Esse jogo, em queMaradona foi expulso de campo(entrada violenta em Batista, queacabara de substituir Zico), foiconsiderado o melhor do time dossonhos até ali. Como a Itáliavenceria a Argentina por placarmenor (2 a 1), o melhor saldo degols dava à seleção brasileira avantagem do empate na decisão queos times de Telê e Bearzot fariamno Estádio Sarriá.

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Uma justa euforia tomou contado torcedor brasileiro que fora àEspanha. Só inferior a que, delonge, acontecia nas principaiscidades brasileiras. Numa tradiçãoque se mantém até agora, as ruas seenfeitaram para acompanhar osjogos da seleção brasileira.Paredes e asfaltos pintados, gentefantasiada, torcedores com acamisa canarinho, charangas,serpentina, barris de chope, telões,tudo isso que ainda hoje se vê em

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dias de jogo do Brasil em Copasdo Mundo, ganhou grande dimensãoem 1982. Espontaneamente, sem acara institucionalizada de umafanfest.

Na tarde de 5 de julho, toda aeuforia chegou ao fim. E num jogoque parecia pôr em confrontoforças muito desiguais: um Brasilaté então impecável, encantado, desonho, vindo de quatro vitóriasseguidas, e uma Itália improvável,

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com um retrospecto (três empates euma vitória) que não a credenciavaa ser uma das quatro semifinalistas.Pois a lógica do futebol foi maisuma vez contrariada. A seleçãoitaliana jogou ali como não haviajogado desde que desembarcara naEspanha. Paulo Rossi, o atacantesem gol, marcou três na defesabrasileira. Desencantou,redescobriu-se, renasceu, para sero artilheiro da competição e eleitoo seu craque número um (distinção

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conferida pela primeira vez,oficialmente, pela Fifa).

Mais edificante ainda: para sero principal obreiro de um time que,no Sarriá, começava a trabalharseriamente para conquistar o título.O placar final (3 a 2) refletia oequilíbrio da partida. Ecomprovava a tenacidade de Rossiao pôr sua equipe sempre emvantagem depois que os gols deSócrates e Falcão renovaram as

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esperanças brasileiras. Ao Brasil,não restaria sequer o consolo deum quarto lugar, como de 1978.

Por que? Porque naquele dia,naquelas duas horas, a Itália jogaratão bem quanto o Brasil e mereceravencer. Por sorte ou por acertarmais (é de Johan Cruyff a assertivade que o futebol é um jogo deerros... "vence sempre quem erramenos"), ficava com as honras quepareciam reservadas aos

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brasileiros. Vencendo a Polônia nasemifinal (2 a 0) e a AlemanhaOcidental na final (3 a 1) a Itália deEnzo Bearzot – e Paolo Rossi –sagrou-se campeã mundial pelaterceira vez.

1986Na noite de 21 de dezembro de1983, a Taça Jules Rimet –definitivamente conquistada pelo

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Brasil como tricampeão em 1970,no México – desapareceu da sededa CBF, na Rua da Alfândega,centro do Rio. Por inexplicávelcontrassenso, estava numa vitrine àprova de bala, cercada porprecária armação de madeira,enquanto uma réplica era guardadanum cofre. Os três ladrões, depoisde fundi-la para vender seus 3,8quilos do ouro, ainda seriam presose condenados, mas logo estariam narua, contando vantagem e

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lamentando apenas que a políciativesse ficado com o produto doroubo. Quando, como e com quefim, nunca se soube. De qualquerforma, a Fifa acabou presenteandoa CBF com outra, igualzinha àoriginal, mas sem a mesmo valorsimbólico.

O episódio não impediu queGiulite Coutinho fosse reeleitopresidente da CBF. Suaadministração tinha sido, até o

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episódio, irrepreensível. Não sedevia levar em conta a piada quecorria a seu respeito ("Além de nãoganhar a taça de 82, o homemperdeu a única que a genteganhou"). Até porque o dirigente jáantecipara sua intenção de não secandidatar novamente em fins de1985, de modo que a 13ª Copa doMundo, de início marcada parameados de 1986, na Colômbia, jánão seria de sua alçada.

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Nem seria da alçada daColômbia, cujo presidente,Belisario Betancur, já decidira queseu país não tinha condições deassumir tamanha empreitada,aprovada pela Fifa em 1974, nocongresso de Frankfurt. Baseadonum plebiscito, Betancur concluíraque, entre as exigências dafederação presidida por JoãoHavelange (12 estádios para umaCopa do Mundo com 24participantes) e certas carências do

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país (hospitais, escolas, transporte)optar pelo futebol seria um luxo aque seu governo, recém-empossado, não podia se permitir.Com a desistência colombiana,primeira e única na história dasCopas, as candidaturas estavamabertas. A do Canadá foi logodescartada pela Fifa. Restavam asde Estados Unidos, Brasil eMéxico. Enquanto não se decidiapor uma das três, o futebolbrasileiro seguia sua vida.

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A VOLTA DE TELÊ

Saído de cinco anos de experiênciano Kuwait, Carlos Alberto Parreirafoi o técnico escolhido por GiuliteCoutinho para substituir TelêSantana. Durante todo o ano de1983, a seleção dirigida por eledisputou 15 partidas (cincovitórias, oito empates e duasderrotas). As seis últimas valerampela Copa América, um frio vice-

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campeonato com derrota e empatenos dois jogos com a Argentina e omesmo contra o Uruguai. Em 1984,o ano das Diretas Já, enquantoParreira era contratado peloFluminense, a seleção foi entreguea Edu Coimbra, ex-craque doAmérica, irmão de Zico, que ficouno cargo por três jogos apenas(vitória, empate e derrota).

Em 1985, com o do fim daditadura, novo treinador: Evaristo

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de Macedo. Com ele, foram cincoamistosos (três vitórias e duasderrotas) e o primeiro jogo pelaseliminatórias, contra o Chile. Aderrota (2 a 1) foi o suficiente paraGiulite Coutinho chamar Telê devolta e irritar Evaristo, que voltoudizendo que sua maior preocupaçãoseria como gastar sua fortuna. , EmSantiago, a seleção de Evaristo,insatisfeita com as críticas, chegoua criar movimento de boicote àimprensa. Mas vencendo o Chile no

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jogo de volta (3 a 1), vencendo eempatando com o Paraguai (2 a 0 e1 a 1) e vencendo e empatando coma Bolívia (2 a 0 e 1 a 1), a seleçãobrasileira estava classificada paraa Copa... Onde?

A escolha do país-sede para1986 foi complicada – e maisnegociada do que se noticiou naépoca. Agora que a Fifa exigia oaval do presidente do paíscandidato (como Lula daria em

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2007 para o Brasil de 2014), eRonald Reagan não se mostravainteressado em promover o futebolnos Estados Unidos, sobraramBrasil e México. Paradesapontamento da CBF, o generalJoão Baptista Figueiredo, alegandooutras prioridades, disse não. Eramais um sinal de que a ditaduraestava no fim. Em outros tempos, ogoverno militar certamenteaplaudiria uma Copa do Mundoaqui, como o general Jorge Rafael

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Videla fizera em 1978.

Assim, ganhou o México dopresidente Miguel de la Madrid.Pesadas acusações foram feitas aHavelange a propósito de suaconfessada parcialidade naescolha. De ter usado alguma formade influência para convencerFigueiredo, até suas ligaçõespessoais e comerciais com oempresário Guillermo Cañedo,sócio do poderoso Emilio

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Azcárraga na Televisa e homeminfluente nos bastidores do futebol.Mesmo com o terremoto que atingiu850 mil metros quadrados deterritório mexicano, causando 35mil mortes e mais feridos, o paísentraria para a história por ser oprimeiro a sediar duas Copas doMundo.

PREPARAÇÃO CONTURBADA

Naquele mesmo dezembro, os

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jornais brasileiros antecipavam queo treinador da seleção no Méxiconão seria Telê, mas Zagallo. Osucessor de Giulite Coutinho naCBF, segundo as intenções devotos das diversas federaçõesestaduais, certamente seriaMedrado Dias. E o treinador deMedrado, ele já o antecipara, eraZagallo. Tudo certo até que, no diada eleição, por uma série demanobras, federações mudaram seuvoto e o presidente acabou sendo

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Otávio Pinto Guimarães. Versõescruéis correram a respeito. Umadelas, sobre o câncer do novopresidente, dizia que toda amanobra visava a, mais adiante,levar ao cargo o vice Nabi AbibChedid (por ironia, Otávio viveriapara cumprir integralmente seumandato).

Com o resultado da eleição,saía Zagallo e voltava Telê, que,assim, teria sua segunda chance em

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Copas do Mundo. Mas a situaçãoagora era outra. Nem o tempo queteve para preparar a seleção seriao mesmo, nem os jogadores do"time dos sonhos" estariam tão bemcomo quatro anos antes. Técnica oufisicamente, craques que sedestacaram na Espanha, emespecial Falcão, Toninho Cerezo,Júnior e Zico, haviam perdido aantiga forma. E dois outros que otreinador chamara para o seu setorde criação, Elzo e Alemão,

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estavam longe do ser o queToninho Cerezo e Falcão tinhamsido.

A preparação no Brasil foibastante tumultuada. Não peladerrota nos dois jogos quemarcaram a reestreia de Telê,ambos em março, um contra aAlemanha Ocidental (2 a 0) e outrocontra a Hungria (3 a 0). Osresultados seguintes serviram paraapagar a má impressão e devolver

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a confiança em Telê. O problemamaior aconteceu às vésperas doembarque, quando Renato Gaúcho,por não ter respeitado o toque derecolher na concentração na Tocada Raposa, em Belo Horizonte, foicortado por Telê.

Ele e Leandro chegaram juntos,quase de manhã. Solidário com ocompanheiro que não conseguiuescalar o muro para voltar aodormitório, Renato Gaúcho ficou

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com ele do lado fora. Por algummotivo (provavelmente por contarcom Leandro, e não com RenatoGaúcho, para titular do seu time), otreinador só puniu um. Com isso, epor já ter dispensado antes obanguense Marinho, a seleçãoficava sem ponta ofensivo para oMéxico.

O desdobramento do caso foiainda mais sério. Na noite de 8 demaio, toda a delegação já no

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Galeão, pronta para embarcar comdestino ao México, Leandro nãoapareceu. Chefe, supervisor,técnico, jogadores, todos semostravam perplexos com umaatitude que seria a primeira (naverdade, a única) em toda a históriado futebol brasileiro: um jogadordeixar a seleção esperando e nãoviajar. Zico ainda pegou um táxi efoi até a casa de Leandro numatentativa de demovê-lo. Inutilmente.O corte injusto do amigo – ou o

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perdão imerecido que tivera – oferira profundamente.

A COPA DE JOSIMAR

Na pressa, já no México, Telêmandou buscar no Rio o lateral doBotafogo, Josimar, para substituirLeandro. Convocação inesperada,já que ele jamais vestira a camisaamarela, com Telê ou não. Com oengano de se referir a Josimarcomo Perivaldo, este sim,

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botafoguense que já servira à CBFem 1981, Telê deixava no ar adúvida sobre se conhecia bemquem estava chamando. Dequalquer modo, quem estreou nolugar de Leandro, na apertadavitória sobre a Espanha (1 a 0), golde Sócrates, foi o corintiano ÉdsonBoaro. Vitória apertada ediscutível: o árbitro australianoChristopher Bambridge não viu abola chutada pelo espanholFrancisco, bater no travessão e

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entrar 20 centímetros da meta deCarlos.

Édson Boaro foi mantido nasegunda partida contra a Argélia,outra vitória apertada (1 a 0), golde Careca. A seleção, com Elzo eAlemão de apoiadores, nãoacertava. Josimar entrou na terceirapartida, vitória mais folgada (3 a 0)sobre a Irlanda do Norte, mas aindacom dúvidas em relação ao timeque Telê queria. Nesse jogo,

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depois de dois gols de Careca,Josimar venceu Pat Jennings comum petardo cruzado, que acabousendo a sensação do dia. Não quefizesse esquecer Leandro. Mas ofato de entrar no fogo, marcar umgol e o Brasil vencer tirava-o doquase anonimato. Mais sensaçãoainda Josimar causou ao marcarnovamente, agora nas oitavas-de-final contra a Polônia, na melhoratuação brasileira (4 a 0), os outrosgols foram marcados por Careca,

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Sócrates e Edinho. Só então, tardede 16 de junho, em Guadalajara, foipossível acreditar na seleçãobrasileira.

Cinco dias depois, no EstádioJalisco, mesmo local das quatrovitórias até então (mesmo local,também, da quase totalidade dosformidáveis triunfos da seleção de70), as quartas de final contra aFrança. Embate duríssimo, tendo deum lado uma equipe que começava

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a crescer, a do Brasil, e do outro,uma com talentos que se uniam emtorno de um talento maior: MichelPlatini. Careca marcou primeiropara o Brasil, Platini empatouainda no primeiro tempo. Aos 27do segundo, Zico, ainda longe desua forma física ideal, entrou nolugar de Muller, figura apagada doataque brasileiro.

Um minuto depois, lançouBranco em profundidade. Já dentro

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da área, Branco foi derrubado pelogoleiro Joel Bats: pênalti. Apoucos mais de 15 minutos do fim,era a chance para o Brasil passaràs semifinais. Mas Zico chuta mal,sem muita força, quase no meio dogol, e Bats defende. Mais do que aperda de uma excelenteoportunidade, o lance abateu o timebrasileiro. Os 30 minutos deprorrogação nada decidiram e asorte foi para os pênaltis.

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Apesar do caráter fortuito eburocrático que caracteriza todadecisão por pênaltis, a queeliminou o Brasil merececomentários. Primeiro a cobrar,Sócrates o fez da mesma forma doseu gol contra a Polônia: comalgum efeito, visando ao canto, mascom um toque leve. Deu certonaquela ocasião, mas não contra aFrança. Bats defendeu semdificuldade. Os três primeirospênaltis franceses foram

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convertidos. Os três seguintesbrasileiros, Alemão, Zico eBranco, também. O quarto francês,Platini perdeu. No quintobrasileiro, Júlio César fez o opostode Sócrates: chute forte, longe dogoleiro, e a bola bateu na trave. Porúltimo, Luis Fernandez marcou epôs a França na semifinal.

A EXPLOSÃO DO GÊNIO

É curioso como a maioria das

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análises feitas pela imprensa naocasião não fala da boa atuaçãobrasileira, não lembra as situaçõesde gol criadas por Careca e seuscoadjuvantes, nem reconhece oseventuais méritos da equipeadversária. A ênfase está quase quesomente nos pênaltis perdidos. Umcomentário, do escritor JoãoUbaldo Ribeiro, vale por outros:"... os dois pênaltis – o de Zico e ode Sócrates – perdidos beiram, naminha opinião, a

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irresponsabilidade. Jogadorescomo eles não podem fazer aquilo,simplesmente não podem (...)Pênalti em decisão é para sercobrado com uma cacetada nocanto, nada daquela frescura decolocar a bola e deslocar o goleiro.Vocês já repararam que brasileiro,por causa dessa mania, perdesempre disputa de pênalti? Paramim, desculpem se estou errado, édisplicência, negligência eincompetência".

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Até onde teria ido o Brasil nãofosse a derrota para a França?Superaria a Alemanha Ocidental nasemifinal? E como seria uma finalcom a Argentina, no mesmo EstádioAzteca do tri? Essas questõesmorrem no campo das hipóteses.Certo, mesmo, é que para, Telê, foio adeus à seleção. Carregaria poralguns anos a falsa pecha de ser umperdedor, um pé-frio.

Quanto à Argentina, ela é que

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venceu a Alemanha na final. Comotinha vencido Coréia do Sul,Bulgária, Uruguai, Inglaterra eBélgica. Tudo por obra e artedaquele jovem que fora expulso decampo contra o Brasil, emBarcelona: Diego ArmandoMaradona. Houve quemcomparasse o papel dele ao deGarrincha em 1962. Liderando seutime, autor de façanhas incríveis,como os dois gols contra aInglaterra, Maradona começou ali a

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ser reconhecido como o maior domundo.

No primeiro dos dois gols,brilhou a categoria, driblando meiotime inglês, desde o meio-campo;no outro, a picardia de desviar coma mãoa bola que o goleiro inglêsjulgava sua. Maradona foi muitocriticado por isso, uma jogadadesonesta que, malandramente, eleremeteu à "mão de Deus".

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1990Nunca é demais lembrar que TelêSantana teve de conviver com aimerecida fama de perdedor, porser o primeiro treinador brasileiroderrotado em duas Copas doMundo. O mínimo que se disse,após 1986, é que ele não tinhasorte, que era pé-frio. Competente,porém sem o carisma de umvencedor. Alguns anos e muitas

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vitórias depois, sobretudo no SãoPaulo, sua imagem mudou. A talponto que, ao morrer em 2006, seunome já estava consagrado, comoexemplo para os melhorestreinadores do país.Independentemente do quepensavam de Telê, antes ou depoisde se tornar unanimidade, com doispontos os analistas do futebolconcordavam.

O primeiro, que a derrota do

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chamado "futebol-arte", na Espanhae no México, foi decisiva para aadoção de filosofias de jogo que,em oposição à de Telê, vingaramem toda parte. Segundo, que foiuma espécie de projeto anti-Telêque guiou a seleção brasileira até aItália para disputar a décima quartaCopa do Mudo.

Carlos Alberto Silva, mineiro,57 anos, pouco conhecido no Rio,mas com positivas experiências em

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clubes de São Paulo e Minas,incluindo o título de campeãobrasileiro pelo Guarani, foi otreinador que Nabi Abib Chedidindicou a Otávio Pinto Guimarãespara dirigir a seleção brasileira,em maio de 1987. Não era uminimigo das táticas e sistemas deTelê, e tampouco era contra aexploração do talento individual dojogador brasileiro.

Nas 11 partidas da seleção

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naquele ano (sete vitórias, doisempates e duas derrotas), deuinício a um válido processo derenovação,fazendo uma excursãopor Inglaterra, Irlanda, Escócia,Finlândia e Israel.

De seus convocados, apenasoito tinham estado no Mundial doMéxico com Telê. E nada menosque oito futuros campeões domundo foram lançados por ele naseleção: Taffarel, Romário,

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Bebeto, Dunga, Jorginho, RicardoRocha, Raí e Gilmar, o goleiro quevirou empresário.

Parte dessa renovação foi feitacom a equipe que ganhou a medalhade ouro nos Jogos Pan-Americanosde Indianápolis, classificou-se nopré-olímpico e, depois, ganhou amedalha de prata nas Olimpíadasde Seul, em1988. Neste mesmoano, com três vitórias e um empate,a seleção principal foi campeã do

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Torneio do Bicentenário daIndependência da Austrália. Osoito jogos na temporada (cincovitórias e três empates) davam aimpressão de que Carlos AlbertoSilva continuaria seu trabalho em1989. Quer dizer, se a dupla Otávioe Nabi se reelegesse em fins de1988.

É neste momento que entra emcena um personagem que, nospróximos 23 anos – e com plenos

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poderes – iria presidir a CBF:Ricardo Terra Teixeira. Presidir aentidade, nos tempos que estavampor vir, não significava dividirtarefas com eventuaiscolaboradores. Muito menos ter opapel quase secundário dospresidentes anteriores, quando oassunto fosse a seleção brasileira.Teixeira vinha para interferirdecisivamente nos destinos dofutebol tricampeão mundial e, maisainda, das equipes que

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representariam o Brasil em seisCopas do Mundo. Transformandoessas equipes em marca valiosa,faria da CBF uma instituiçãomilionária e enriqueceria elepróprio.

Teixeira se iniciou no esportepelas mãos de seu sogro, JoãoHavelange. E adotando, parachegar à CBF, estratégiassemelhantes às que tinham levado osogro à Fifa. Assim como

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Havelange fizera toda sorte deagrados às federações nãoeuropeias para derrotar StanleyRous em 1974, Teixeira viajoupelo Brasil distribuindo promessasou mesmo patrocinando clubes efederações que votariam nele. Paraisso, contou até com o jatinho dopresidente da Federação Goiana,Miguel Estêvão de Oliveira, irmãodo empresário e futuro deputado esenador Luiz Estêvão. Desse modo,não foi difícil Teixeira derrotar

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Nabi, candidato da situação nolugar de Otávio.

O novo presidente tinha 41anos quando assumiu em janeiro de1989. Começou dividindoopiniões. De um lado, via-se comotimismo a chegada de um moçocom novos projetos para umaentidade desgastada e poucoprofissional (entre as restriçõesque fazia aos que o precederamestava a de se valerem de

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artimanhas para prolongar seusmandatos). Mal comparando, aadministração Teixeira trazia comela os mesmos ventos promissoresque muitos viam na chegada deFernando Collor de Mello àpresidência do Brasil. Assemelhanças não param por aí, masTeixeira duraria bem mais.

Do outro lado, porém, osprimeiros críticos apontavam nosmétodos de Ricardo Teixeira uma

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espécie de assistencialismo caça-votos, temendo-se que justamenteisso o fizesse mudar de ideia eeternizar-se no cargo. "Não estoucomprando votos (defendeu-se emmeio a uma campanha baseada nadoação de material esportivo e atéde dinheiro a clubes de váriosestados). É só uma ajuda aentidades que já me apoiavam, ematenção a meu sogro e a mim".

O coro dos críticos aumentou

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muito quando Teixeira nomeoupara diretor de futebol o semprepolêmico Eurico Miranda, vice-presidente do Vasco, quedemonstrava ter mais força políticano clube do que o própriopresidente Antônio SoaresCalçada.

Os 23 anos de poder conferidoa si mesmo por Teixeira, emsucessivas eleições apoiadas emtroca de benesses (como ainda

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acontece na CBF de 2014),desfilarão pelos próximoscapítulos de nossa história. Porora, basta lembrar que uma dasprimeiras medidas do novopresidente, como era de se esperar,foi a contratação do treinadorsugerido por Eurico Miranda:Sebastião Barroso Lazaroni,mineiro, 38 anos. A escolha faziasentido. Lazaroni acabara deconquistar seu terceiro títuloconsecutivo como campeão

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carioca, o de 1986 pelo Flamengo,e os de 1987 e 1988 pelo Vasco.Simpático, otimista, falante,acreditava ser capaz de iniciarnova era no futebol brasileiro. Semse referir especificamente ao estilode Telê, defendia sistema de jogomais compactado, de marcação eocupação de espaços, o mesmo queos melhores times europeusdesenvolviam.

Na seleção, adotaria,

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praticamente sem variações, umesquema com três zagueiros (umdeles atuando como líbero), doislaterais, dois ou três meias e doisou três atacantes. Em resumo, acompactação tinha objetivosclaramente defensivos. ParaLazaroni, não foi muito tranquilo oano de 1989. Teixeira passou maisda metade do ano se questionandose ele, Lazaroni, era mesmo ohomem. O balanço do time em 22jogos até poderia ser considerado

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satisfatório: 15 vitórias e quatroempates. Mas as três derrotas emjunho – Suécia (2 a 1) e Dinamarca(4 a 0), pelo torneio comemorativodo centenário da FederaçãoDinamarquesa, e Suíça (2 a 1), numamistoso em Basileia – eramdifíceis de aceitar. Em particular, agoleada para os dinamarqueses.

No mês seguinte, na CopaAmérica realizada no Brasil (pelaprimeira vez desde 1949), o

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dirigente esteve muito perto dedemitir o técnico. Nos trêsprimeiros jogos, na Fonte Nova, emSalvador, a seleção enfrentou trêsadversários fracos e uma torcidahostil.

No meio de uma crise, queexacerbou o clima de tensão queuma competição continental por sisó já oferece, o técnico SebastiãoLazaroni provou que no futebol oque manda é resultado positivo. Na

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estreia na Copa América, a vitória(3 a 1) sobre a Venezuela não calouas vaias que o público dirigia, nãoà seleção, mas a Lazaroni. Motivo:não ter convocado Charles, oatacante do Bahia que não tinhajogado bem nos amistosos emCopenhagen. Dos jogos seguintesna Copa América, dois empatessem gol com Peru e Colômbia,quem não gostou foi RicardoTeixeira. O presidente da CBFteria demitido Lazaroni se

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houvesse novo tropeço. O técnicoacabou sendo salvo pelas vitóriassobre Paraguai (2 a 0 e 3 a 0),Argentina (2 a 0) e Uruguai (1 a 0),que lhe garantiram o título da CopaAmérica.

Depois, vieram aseliminatórias, consolidando aposição do técnico. Com duasgoleadas sobre a Venezuela (4 a 0e 6 a 0) e o empate (1 a 1) com oChile, em Santiago, a vaga ia ser

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decidida na tarde de 3 de setembro,no Maracanã. Os brasileirosvenciam os mesmos chilenos por 1a 0, gol de Careca, quando umfoguete de sinalização, acionadodas cadeiras pela torcedoraRosemary Mello, caiu dentro docampo, a poucos metros do goleiroRoberto Rojas. Os chilenos logoimprovisaram uma farsa diante demais de 140 mil pessoas. Rojascaiu, como se atingido pelofoguete.

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Seus companheiros correramem seu socorro e, depois, cercaramo árbitro, exigindo a suspensão dapartida por falta de segurança. Porfim, carregando o goleiro como seestivesse desacordado,abandonaram o campo. A Fifadaria ao Brasil a vitória peloplacar simbólico de 2 a 0 esuspenderia o Chile decompetições internacionais porlongo tempo. O treinador falastrãoOrlando Aravena e o goleiro Rojas

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acabaram banidos do futebol pelafarsa.

A décima quarta Copa doMundo, a primeira de RicardoTeixeira e primeira e última deLazaroni, estava de volta à Itália.Se o país-sede foi modelo deorganização, com seuspatrocinadores fortes, seus belosestádios, sua paixão pelo futebol,para a seleção brasileira foi algomuito perto de um desastre.

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Menos dentro de campo, onde aseleção perdeu a única partida emque não jogou mal, masprincipalmente nos bastidores, umcaos que envolveu jogadores,médicos, técnico e, evidentemente,o presidente recém-empossado.Brasil à parte, 1990 é também oano em que se viu o pior futebolexibido num Campeonato Mundial.Todas as equipes decepcionaram,inclusive a da Alemanha Ocidentalque, dirigida por Franz

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Beckenbauer, chegaria ao seutricampeonato vencendo por 1 a 0,gol de pênalti, uma Argentina emque nem Diego Maradona repetia odesempenho histórico de quatroanos antes, no México.

O APOGEU DO LAZARONÊS

A Itália, dona da festa e, por isso,favoritíssima, pararia nassemifinais, numa decisão porpênaltis com a Argentina, em

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Nápoles. Com todo o brilho dogoleiro Sergio Goycochea, quedefendeu as duas últimas cobrançasdos italianos, foi uma decisão tãolotérica quanto todas as realizadaspela mesma norma. Vitória muitofestejada por Maradona sem saberque sentenciava ali o fim doendeusamento pelos italianos que oveneravam por seus feitos com acamisa do Nápoli. Do outro ladoda chave, para ir à final, osalemães tiveram de superar os

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ingleses numa série semelhante,critério nem sempre justo que atéhoje vigora no mundo inteiro.

Para se ter ideia do nível dofutebol jogado na Copa do Mundode 1990, basta dizer que a médiade gols marcados (2,2 por partida)é até hoje a mais baixa emMundiais. E que o eleito pela Fifacomo craque do campeonato foi umcentroavante robusto, esforçado,mas tecnicamente limitado, o

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italiano Salvatore Schillaci, quemarcou seis gols e, como PaoloRossi em 1982, ganhou também otroféu chuteira de ouro comoartilheiro. Mas quem se lembra deTotó Schillaci hoje?

O Brasil começou a fazer feiofora de campo. O ponto de partidabem pode ter sido o contrato depatrocínio assinado por Teixeiracom a Pepsi, que incluía Lazaronientre os beneficiados, mas não os

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jogadores. Estes protestaram. Nafoto oficial da seleção, ainda naGranja Comary, em Teresópolis,apareceriam com a mão no peitoencobrindo o nome dapatrocinadora. Já na Itália,concentrada em Asti, nos arredoresde Turim, a seleção tinha tudo,menos sossego. O local, repleto deparentes, amigos e fãs dosjogadores, além de empresárioscom propostas de clubes europeus,era vedado para a imprensa, cujas

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críticas ao time cresceram com aderrota (1 a 0) para o combinadoda Úmbria, em Terni, a poucos diasda estreia contra a Suécia, marcadapara 10 de junho, no estádio DelleAlpi, em Turim.

Nada, nem o mau resultado noúltimo teste, abalava a confiança deLazaroni em seu time. Mesmo jásabendo que seria obrigado a abrirmão do que parecia ser seu trioatacante ideal: Bebeto, Careca e

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Romário. Obrigado, porém,somente no caso de Romário, poisCareca continuaria como titular, eBebeto, ao optar o técnico por umterceiro homem mais atrás, acaboudando o lugar a Valdo. Bebeto nãose conformou. Como não seconformaram Renato Gaúcho eAldair por estarem na reserva.

Como também não seconformou Romário por ter ficadono banco, ainda contundido. O

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artilheiro se apresentou lutandopara se recuperar de uma fratura nopé direito, ocorrida num jogo peloPSV Eindhoven, em 1990(problema agravado pelaparticipação na gravação de umcomercial de chuteiras, que oobrigou a tirar fotos sem que afratura estivesse totalmenteconsolidada). Como também não seconformou o médico Lídio Toledoao saber que, num esforço parajogar, Romário preferira os

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serviços de um terapeuta particular,Nilton Petrone, o Filé, aos dele,médico da CBF.

Lazaroni, no seu linguajarpróprio, cheio de metáforas etermos nem sempre muito claros,chamado pelos jornalistas de"lazaronês", continuavaacreditando-se profeta de uma novaera, a do jogo cauteloso mas duro,defensivo mas competitivo, feiopara os olhos mas bom para quem

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quer vencer. Um jogo que,claramente, se opunha ao do Brasildas duas últimas Copas. Ninguém,segundo Lazaroni, simbolizavamelhor a nova era do que seu meio-campista Dunga, sério, aplicado,capaz de qualquer entrega pelotime. O próprio jogador assumiu opapel: "Também gosto de futebolbonito, mas o importante, paramim, é vencer". Foi o que rotulou apassagem de Lazaroni pela seleçãocomo o criador da "Era Dunga".

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Um detalhe estava definidopara a estreia: o time. Taffarel nogol; Mauro Galvão de líbero;Jorginho, Ricardo Gomes, Mozer eBranco na excelente linhadefensiva; Dunga e Alemão nomeio de campo, ajudados porValdo; Careca e Muller na frente; eo restante, inclusive Romário, nobanco. Na vitória sobre a Suécia (2a 1), dois gols de Careca, Silassubstituiu Valdo a oito minutos dofim. O time foi mantido contra a

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Costa Rica (1 a 0), gol de Muller,repetindo-se a entrada de Silas nolugar de Valdo e, já nos últimossete minutos, uma novidade poucoduradoura: Bebeto no de Careca.Terceiro jogo, outra vitóriaapertada sobre a Escócia (1 a 0),novamente com gol de Muller, aos40 minutos do segundo tempo, euma alteração: Romário entrou desaída, jogou 65 minutos e entãoMuller o substituiu. Três partidas,três atuações pouco convincentes.

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TIME FORTE MAS IRREGULAR

Nas oitavas, em 24 de junho, contraa Argentina, no mesmo Delle Alpi,em Turim, foi mantida a formaçãoinicial dos dois primeiros jogos.Como se disse, para a melhoratuação da seleção na Itália. Muitomotivada, é verdade, pelatradicional rivalidade entre ofutebol dos dois países. Sorte ouazar (os brasileiros acertaram a

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trave em dois lances), um passeperfeito de Maradona pôs ClaudioCannigia frente a frente comTaffarel, a dez minutos do final. Oargentino driblou o goleiro emarcou o gol que eliminou acompetitiva seleção de Lazaroni.

Muito se criticou na época ofato de alguns jogadores brasileirosque atuavam em clubes italianostratarem Maradona com uma doseimerecida de generosidade,

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sobretudo Alemão e Careca, seuscompanheiros no Nápoli. Pois najogada do gol, inciada pelo astrono meio do campo, Alemão evita afalta após ser driblado e Dunga,que voltava para fechar o setorapós uma ação ofensiva, tambémnão entra firme o suficiente paraevitar que o argentino deixasseCannigia em condições de marcar.

Anos depois, já aposentado,Maradona confirmaria num

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programa de televisão, entresonoras gargalhadas dosentrevistadores, o que até então erasó suspeita: durante umaparalisação do jogo, um massagistaargentino deu para Branco beberuma "água batizada". A droga nelacontida fez o lateral brasileiropassar boa parte da partida grogue,sem saber onde estava. Para otorcedor brasileiro, aquele quesempre precisa de explicação parauma derrota de sua seleção (ou

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talvez para Sebastião Lazaroni), adesonesta atitude de que Maradonae outros argentinos tanto sevangloriaram pode cair como umaluva. Quando, na realidade, ofutebol que o Brasil tentou jogar emTurim é que não se explica.

1994Quem acompanhou de perto areunião em que a Fifa decidiu onde

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seria a décima quinta Copa doMundo, a de 1994, teveoportunidade de ver como eramdiferentes propostas e intençõesdos três países concorrentes:Brasil, Marrocos e Estados Unidos.Era segunda-feira, 4 de julho de1988, 212º aniversário daIndependência americana. Adelegação brasileira apresentou,como principais argumentos,atrações turísticas como o carnavalno Rio e as festas populares da

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Bahia. A marroquina fixou-se nofutebol, na dimensão que o esporteadquirira em toda a África.Esperava, com isso, comover JoãoHavelange, presidente da Fifa, eoutros dirigentes que vinhamtrabalhando pela globalização doesporte. Quanto à numerosacomitiva americana, tinha doistrunfos poderosos: o apoio de JoãoHavelange e os dólares que todosganhariam se o torneio serealizasse no país onde o "soccer"

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finalmente vingara. Nem é precisodizer por qual dos trêsconcorrentes a Fifa optou.

É claro que o futebol ainda nãovingara nos Estados Unidos. Suapopularidade crescera nos últimos15 anos, mas não a ponto decompetir com modalidades como obeisebol, o basquete, o golfe, otênis, o futebol de bola oval. Mascrescera o bastante para que umaCopa do Mundo em casa fosse um

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sucesso financeiro. É claro,também, que Marrocos teria deesperar muito até que a Áfricativesse vez. Mais claro ainda é queo Brasil não estava nem um poucointeressado em ganhar a disputapara ser a sede de 1994.

Na segunda-feira, 4 de julho de1988, e nos três dias queantecederam a escolha da sede daCopa de 1994, uma disputa nem tãosilenciosa envolvia os homens que

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dirigiam a CBF e seus opositores(ou melhor, um só opositor). Nosábado, no passeio de navio que seseguiu ao banquete da Fifa (e aoqual estavam presentes Pelé,representantes de mais de 60países, o presidente JoãoHavelange e toda a cúpula daentidade), Otávio Pinto Guimarães,o presidente da CBF que chefiava ogrupo brasileiro, ouviu de RicardoTeixeira uma quase sentença: "Éperda de tempo você fazer planos

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para 1994, quando o presidente daCBF serei eu". Portanto, o genro deHavelange não só estava certo deque seria eleito dali a 18 meses,como também já tinha os olhosvoltados em pelo menos mais ummandato.

Teixeira realmente pensava àfrente. Politicamente, diga-se.Porque, em seus 23 anos depresidência da CBF, ele jamais seocupará de um plano de trabalho

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para a seleção brasileira que nãoseja a substituição, nunca estudada,de um treinador por outro, e ocumprimento de calendáriosdivididos entre competiçõesoficiais e amistosos cujo interesse,na maioria das vezes, será menos aformação de um time do que osmilhões que poderia ganhar comeles.

Não foi, portanto, emobediência a algum plano de

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trabalho que Teixeira chegou aPaulo Roberto Falcão parasubstituir o já demitido SebastiãoLazaroni. Catarinense, 37 anos,com brilhante carreira comojogador de clubes e seleções,campeão italiano pelo Roma (ondea imprensa e a torcida o coroaramcomo Rei de Roma), Falcãochegava à seleção com currículo decraque, mas sem experiência comotreinador. E chegava menos de doismeses após a campanha em Turim.

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Quer dizer, em plena ressaca daderrota. A justificativa para aescolha era simples: renovação.Era preciso desfazer tudo queLazaroni fizera e, como numrepetitivo vaivém, voltar ao que sequisera apagar em Telê Santana.

Falcão sabia que era contratadopara mais um período de transiçãono futebol brasileiro e tinha ideiaspróprias para cumprir a tarefa.Ideias que não eram as de Lazaroni,

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nem as de Telê, o homem que odirigira no time dos sonhos. Suaseleção começou perdendo de 3 a 0para a Espanha, em Gijón, e só foisaber o que é vencer em sua sextapartida, contra a Romênia (1 a 0).Onde Falcão teria chegado comsuas ideias é impossível dizer, poisseus resultados (14 jogos, cincovitórias, seis empates e trêsderrotas, com um vice para aArgentina na Copa América de1991, no Chile), acabaram

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forçando-o a deixar a seleção novemeses depois de assumi-la.

E quem entrou em seu lugar?Ernesto Paulo, treinador campeãosul-americano sub-20 e vice-campeão mundial da categoria, emPortugal, mas sem sorte em suaúnica partida como substituto deFalcão: derrota (1 a 0) para Galesem Cardiff. Ernesto Paulocontinuaria na CBF, cuidando dasdivisões de base até fracassar no

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pré-olímpico para os Jogos deBarcelona, em 92. Contudo, suacarreira na seleção principalcomeçara e acabara naquele únicojogo.

Como se esquecendo de queCarlos Alberto Parreira tinha sidoa primeira opção de GiuliteCoutinho depois do Telê de 1982,Teixeira chamou-o de volta.Parreira tinha sido campeãobrasileiro pelo Fluminense, em

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1984, e acabara de levar um timedo interior paulista, o Bragantino,ao segundo lugar do CampeonatoBrasileiro de 1991, ganho pelo SãoPaulo de Telê. Dessa vez, Parreiracontava com um colaborador depeso, Mário Jorge Lobo Zagallo,que estaria ao seu lado nas funçõesde coordenador técnico.

Parreira era o que continuariasendo ao longo de uma carreiracheia de vitórias: um estudioso, um

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pragmático, um teórico convencidode que sistemas e táticas estavamcada vez mais universalizados, aponto de uma equipe, por exemplo,do Kuwait ou dos Estados Unidos,estar tão bem informada sobre oassunto quanto outra, da ArábiaSaudita ou da Espanha, para citaraqui apenas quatro países onde eletrabalhou. O que diferia um futeboldo outro era a qualidade, mais queo estilo, do material humano de queum treinador dispunha na hora de

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decidir como armar seu time.Ainda bem que o material humanobrasileiro era de primeira.

No reinício de Carlos AlbertoParreira na seleção, em 1991, aequipe fez apenas dois jogos:vitórias sobre a Iugoslávia (3 a 1) eTchecoslováquia (2 a 1). No anoseguinte, foram dez (sete vitórias,um empate e duas derrotas).Somando às 23 que faria em 1993 e1994, antes de seguir para o

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Estados Unidos, o total chegaria a35. Muitos jogos e muitas viagens,com tempo relativamente curto paraos treinos táticos que Parreirapretendia dirigir, em especial naGranja Comary, em Teresópolis,onde a seleção treinava e seconcentrava entre um vôo e outro.As viagens ao exterior, no caso daseliminatórias de julho a setembro,eram inevitáveis, pois assimdeterminava o regulamento.

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Mas os amistosos e jogosoficiais em Varginha, Goiânia,Ribeirão Preto, Maceió, Recife,Fortaleza, Florianópolis, Cuiabá,Campina Grande e, naturalmente,Porto Alegre, Belo Horizonte, Rioe São Paulo, se submetiam aseleção a um esforço inadequado,atendiam aos compromissos dopresidente da CBF com asfederações que o reelegeriamenquanto ele quisesse.

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O 4-4-2 com que Parreiraarmou sua seleção lembrava a deLazaroni, sem líbero, mas com amesma excelente linha dezagueiros. Sua concepção de jogoficava distante da de Telê. Atacavae defendia em bloco, semprereduzindo os espaços entre asdiversas linhas, com um meio decampo visivelmente preparadopara marcar, para filtrar a bola atéa sua defesa, mas só indo ao ataquemunido de muita cautela. Para os

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dois homens de frente, Parreiratinha muitas opções. Só em 1992,quando quase não convocoujogadores atuando no exterior,foram testados, entre outros,Muller, Bebeto, Evair, Edmundo,Valdeir, Palhinha. E, também,extremas mais ofensivos, comoRenato Gaúcho e Elivélton.

Foi assim até dezembro,quando, para um amistoso com aAlemanha, em Porto Algere,

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decidiu-se requisitar o que haviade melhor, aqui e lá fora. De fato,na equipe que entraria em campono dia 16, sete jogadores tinhamvoado da Europa para o amistoso.O oitavo era Romário, ídolo doPSV Eindhoven. Contando asescalas, foram quase 20 horas deviagem, da cidade holandesa, a 106quilômetros de Amsterdã, até PortoAlegre. O cansaço só fez aumentara indignação de Romário quandosoube que ficaria no banco.

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DRAMA NAS ELIMINATÓRIAS

Mesmo considerando que os doishomens de ataque escalados porParrreira para iniciar o jogo contraos alemães também tinham vindode longe, Bebeto da Espanha eCareca da Itália, a barração deRomário soava estranha. Por quenão, tratando-se de simplesamistoso, testar um possível 4-3-3com Careca entre Bebeto e

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Romário? Mas Parreira tinha seumodo de pensar e só mandouRomário entrar aos 22 minutos dosegundo tempo, no lugar de Careca,ao mesmo tempo em que RenatoGaúcho substituía Bebeto.

Vinte e três minutos em campo,depois de longa viagem, para umjogador que tinha motivos para seconsiderar um dos melhoresatacantes do mundo, era pouco. Uminsulto, como ele próprio disse,

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com outras palavras, aocoordenador técnico Zagallo.Furioso, Romário foi além doslimites que o respeito, mais que ahierarquia, impõe. Ofendido,Zagallo decidiu com Parreiraexcluir Romário de futurasseleções.

O ano de 1993 foi de atividadeintensa e acidentada. Em junho,após dois amistosos na Argentina enos Estados Unidos, a seleção

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brasileira perdeu a Copa Américanuma decisão por pênaltis com osargentinos. Menos de um mêsdepois, a estreia nas eliminatóriaspara a Copa do Mundo, com umdecepcionante empate em zero como Equador, em Guaiaquil. Aprimeira atuação deu parapreocupar, em particular pelodesempenho de Careca e Bebeto,dos quais Parreira esperava muito.Mas o pior ainda estava a caminho:derrota (2 a 0) para a Bolívia, na

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altitude de La Paz.

Era a primeira vez que o Brasilperdia em eliminatórias. E perdiafeio. O ambiente tenso, de baixomoral, no reduto da seleçãobrasileira, tornou-se pior quando aCBF foi comunicada de que oresultado do exame antidoping deZetti, um dos goleiros reservas deTaffarel, dera positivo por uso decocaína. Embora a CBFapresentasse evidências de que o

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encontrado na urina de Zetti eramtraços do chá de coca (bebidapreparada à base de folhas, paradiminuir os efeitos da altitude), aFifa suspendeu-o por irrisóriosquatro dias.

Após a derrota para a Bolívia,o Brasil se recuperou. A vitóriafácil (5 a 1) sobre a Venezuela, emSan Cristóbal, teria servido paradiminuir a tensão entre osbrasileiros, se, ao chegar de volta

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ao Brasil, Careca não pedisse paraser dispensado. Jogara ao lado deBebeto a que seria sua últimapartida com a camisa da seleção. Oempate (1 a 1) com o Uruguai, emMontevidéu, é a única partida emque o Brasil não venceria até o dia19 de setembro, quando voltaria aenfrentar o mesmo Uruguai, noMaracanã. Até lá, uma sequênciade vitórias sobre o Equador (2 a0), Bolívia (6 a 0) e Venezuela (4 a0).

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O que não deu para quechegasse à última rodada emsituação tranquila. Brasileiros,uruguaios e bolivianos lideravam ogrupo com o mesmo número depontos e só dois deles garantiriama ida aos Estados Unidos. ABolívia conseguiu a vagaempatando com o Equador emGuaiaquil. Pelo saldo de gols, oempate também servia ao Brasil,mas, uma decisão com o Uruguai, eno Maracanã, mexia com a

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memória e os nervos do torcedor eda seleção (por essa razão, àsvésperas do jogo, a CBF proibiu aentrada na Granja Comary deBarbosa, o goleiro de 1950, emvisita produzida pelainsensibilidade de uma televisãoestrangeira).

O ASTRO DA COPA

Duas semanas separavam a vitóriasobre a Venezuela, no Mineirão, do

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jogo com o Uruguai. Tempo paraParreira pensar em quem seriamseus dois atacantes. Bebeto eMuller? Haveria lugar para Evair,ou Palhinha, ou Luiz Henrique, ouValdeir? Talvez por essas dúvidas,ou talvez por pensar nas atuações enos gols que Romário ia marcandopor seu novo time, o Barcelona, otreinador chegou a um acordo como coordenador e convocou ojogador. Fim da história: Brasil 2,Uruguai 0, dois gols de Romário,

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mais de 100 mil pessoascomemorando no Maracanã a idapara mais uma Copa.

Nos Estados Unidos, Romáriofoi, outra vez, o astro do show.Muitos compararam seu papel naseleção brasileira ao de Garrinchaem 1962 e ao de Maradona em1986. Aquela história de ganhar ataça sozinho, exagero cometido emnome do reconhecimento que oscraques de exceção merecem. Mas

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em futebol não há super-homem queprescinda da ajuda de bonsparceiros. Como Romário teve emBebeto, em Taffarel, em toda linhade zagueiros, em alguns suplentese, principalmente, em seu amigoDunga, que o seguia por toda parte,vigilante e protetor. O Dunga queParreira passou meses recuperandodo estigma que lhe atiraram emcima ao convertê-lo em símbolo deuma era a ser esquecida.

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Dunga, ótimo jogador, mereciamais. Sobretudo a honra de, comocapitão, levantar a taça que oBrasil ainda não tinha. A campanhatranscorreu sem derrotas: UniãoSoviética (2 a 0), Camarões (3 a 0)e Suécia (1 a 1), na primeira fase;Estados Unidos em outro 4 de julho(1 a 0); Holanda, no jogo maisemocionante (3 a 2); novamente aSuécia, agora na semifinal (1 a 0);e por fim a Itália, em mais umadecisão entre os dois tricampeões,

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com direito à extenuanteprorrogação. A não ser pelo direitode os brasileiros festejarem, foiuma final desapontadora. Para ositalianos e para o público, por terpenado ao sol de Pasadena, durante120 minutos de bola rolando, golsperdidos e nenhum marcado.

Tanto o time de Parreira comoo de Arrigo Sacchi jogaram ofutebol de competição quepretendiam, de muito coração, mas

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defensivo. Um futebol tradicionalpara o italiano, opcional para obrasileiro. Eventualmentevencedor, mas feio. Naquela tardede 12 de julho, com o futebolcastigado pela agonia de se decidirtudo no jogo de azar que é umasérie de pênaltis, até os craquesfalharam. Baresi mandou por cimado travessão a primeira cobrança;o goleiro Pagliuca defendeu a deMárcio Santos; Albertini, Romário,Evani e Branco, nesta ordem,

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marcaram; Taffarel defendeu ochute de Massaro; Dunga marcou; eRoberto Baggio, um dos melhoresda Itália, repetiu Baresi no chutepor cima. Decidia-se um Mundialno erro de um craque.

Romário, autor de cinco dosdez gols do Brasil, foi eleito, comjustiça, o craque do torneio. OBrasil ficou com o Troféu FairPlay. Por alguma razão, a Fifaconsiderou o futebol do time de

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Parreira o "most entertaining" detodos. Mas, de acordo com o que amaioria de seus jogadores achava,o importante era vencer, nuncajogar bonito.

A Copa do Mundo nos EstadosUnidos foi a primeira em que avitória passou a valer três pontosem vez de dois. Foi a primeira,também, a permitir trêssubstituições por time numapartida. E foi a última com 24

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participantes. Em 1998, na França,o número aumentaria para 32.Registrou-se nos EUA novorecorde de público nos estádios:3.587.538 pessoas, mais de 67 milpor jogo. Teria o futebol realmentevingado no país do soccer? Talvez.Para o torcedor brasileiro, porém,o importante era saber se o futebolcompetitivo e vencedor de 1994vingara... para sempre.

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1998Entre os 22 jogadores da seleçãobrasileira tetracampeã em 1994estava um atacante de 17 anos,nascido no subúrbio carioca deBento Ribeiro, revelado pelo SãoCristóvão do Rio, já contratadopelo Cruzeiro de Belo Horizonte e,segundo os que entendiam, com umbaita futuro no futebol. Seu nome:Ronaldo Luís Nazário de Lima.

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Pelo jeito de menino grande,tímido, meio desligado, aparelhonos dentes, era, simplesmente, oRonaldinho. Talvez por ser tãojovem, não foi cogitado por CarlosAlberto Parreira para qualquer umadas sete partidas daquela Copa.Tanto que, nos minutos finais daprorrogação contra a Itália,pensando em tornar o time maisofensivo, quem o treinador mandouentrar no lugar de Zinho foi o maisexperiente Viola. Os dois goleiros

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reservas, o zagueiro Ronaldão(mandado vir do Japão para o lugarde Ricardo Gomes) e ele,Ronaldinho, foram os quatro únicosque não entraram em campo nosEstados Unidos.

Os que entendiam estavamcertos. O futuro de Ronaldinho, suaascensão em tão pouco tempo,justificaria plenamente o adendoque lhe fizeram ao nome:Fenômeno. Profissional aos 13

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anos, campeão pelo Cruzeiro aos16, tetra mundial aos 17 (poucoimporta que sem jogar), início deespetacular carreira internacionalaos 18, eleito o melhor do mundoaos 20. É evidente que Zagallocontava com ele para tentar o pentana décima-sexra Copa do Mundo,em 1998, na França.

A ida de Parreira para oValencia, da Espanha, tornou quaseautomática a promoção de seu

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coordenador técnico ao posto detreinador, do qual estava afastadohavia 20 anos, ou seja, desde aderrota para a Holanda de Cruyff,em Dortmund. Logo no primeiroamistoso com Zagallo, vitória (2 a0) sobre a Iugoslávia, em dezembrode 1994, no Estádio Olímpico dePorto Alegre, lá estava Ronaldinhocomo titular.

Politicamente, nada mudara naCBF. Ricardo Teixeira caminhava

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para o terceiro mandato de suainterminável permanência comopresidente. Continuaria marcandoamistosos para diversos estadosbrasileiros, garantia de votos, epara outras tantas cidades doexterior, em busca das fortunasarrecadáveis com o prestígio daseleção tetracampeã. Esse mesmoprestígio lhe garantia patrocínioscom o qual o futebol brasileirojamais sonhara, um deles com aNike, empresa americana de

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material esportivo, concorrente daalemã Adidas. A CBF enriquecia.E seu presidente, também.

AS DESVENTURAS DOSATACANTES

Desde que Zagallo reassumiu e atéestreia na França, a seleçãocumpriu uma sequência recorde dejogos, amistosos ou por torneiosinternacionais. Foram, ao todo, 55.Somente em 1997, 24, média de

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dois por mês. O trabalho dotreinador, em tão longa e intensaprogramação, foi o de investir noscraques do tetra que ainda podiamse destacar em 1998 e, ao mesmotempo, testar jovens valores.

Quer dizer, o mesmo desempre. A CBF e seu departamentode futebol continuavam sem umprojeto de trabalho entre uma Copado Mundo e outra. Além do quê, aZagallo era entregue a seleção que

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tentaria a medalha de ouro nosJogos Olímpicos de Atlanta, em1996. Pelo novo regulamento, acada país era permitido inscrever17 jogadores com menos de 23anos e três com qualquer idade.Com isso, Zagallo poderia ter emsua equipe olímpica algunsjogadores da seleção principal.Entre eles, claro, Ronaldinho,agora no PSV Eindhoven, no lugarque pertencera a Romário. Um "golde ouro" da Nigéria, na

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prorrogação de Atlanta ( 3 a 3 notempo regulamentar), mais uma vezremetia o Brasil para o segundodegrau do pódio.

Mas a média de resultadosconseguidos por Zagallo, nos 55jogos, foi das mais positivas jáconseguidas pelo Brasil entre doismundiais. Duas Copas América,uma na Bolívia e outra no Uruguai;a primeira Copa dasConfederações, na Arábia Saudita;

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e a Copa de Ouro da Concacaf, nosEstados Unidos, foramacrescentadas à sua coleção detítulos. Os números estavam mesmoa favor de Zagallo: 44 vitórias, oitoempates e três derrotas, nos trêsanos e meio à frente da seleção queiria à França. Em síntese, 84,19%dos pontos possíveis. Númeroscom que o treinador rebatia ascríticas que, como de hábito, aimprensa lhe dirigia. Foi durante asegunda Copa América que, após

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mais uma vitória, dirigiu-se,veemente, aos jornalistas: "Vocêsvão ter que me engolir!".

E tiveram mesmo. Pois Zagalloseria o primeiro treinador, depoisdele mesmo, de 1970 a 1974, a nãoter sua atuação interrompida pelassempre intempestivas trocas detécnicos promovidas pela CBF,antes ou depois de RicardoTeixeira. Portanto, chegou firme a1998. Firme e, como sempre,

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confiante. E seus críticos,convencidos de que nada poderiaimpedir a seleção brasileira defazer bela campanha tendo umadupla de atacantes como Romário eRonaldinho. Juntos, até a derrota (1a 0) no amistoso com a Argentina,em abril, no Maracanã, eles tinhamatuado em 18 das 55 partidas emarcado 35 gols, 20 de Romário,15 de Ronaldinho.

A seleção brasileira tinha uma

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nova estrutura de comando.Zagallo, naturalmente, em primeirolugar. Como assessor de Zagallo,Zico. O craque, com tristeslembranças de 1978, 1982 e 1986,tinha agora a chance de sair bem deuma Copa. No dia 1º de julho, osbrasileiros desembarcaram emParis. Ronaldinho era a maioratração: campeão pelo PSV,contrato milionário com oBarcelona e mais alguns milhõespara defender o Inter de Milão,

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onde viraria "Il Fenomeno" e sesagraria campeão da Copa da Uefa,acrescentando-se a isso a prêmiosindividuais como o de melhor domundo em 1996 e 1997, para aFifa; em 1997, para a revista"World Soccer", e no mesmo ano,para "France Footbal".

Mas, se chegava à França comfé absoluta em Ronaldinho, aseleção brasileira tinha tambémuma dúvida: Romário. Contundido

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na panturrilha, num jogo doFlamengo com o Friburguense, peloCampeonato do Rio de Janeiro, oparceiro de Ronaldinho aindaestava em tratamento quando adelegação pousou no Charles DeGaulle. Na semana seguinte,embora dizendo-se recuperado,Romário foi cortado pelos médicosda seleção. Com os quais Zagallo eZico concordaram, sobretudo Zico,citando sua própria experiência dedisputar mundiais sem estar cem

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por cento fisicamente. Romáriochorou ao ser comunicado do corte.E voltou para o Brasil convencidode que Zagallo ainda não esqueceradezembro de 1992, em PortoAlegre, nem Zico que ele, Romário,já o tachara de perdedor. Assim, adupla em que todo mundo apostavadesfez-se antes da hora.

A campanha brasileira naFrança foi surpreendentementeirregular. Por si só, a ausência de

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Romário não justificava o fato de otime, em especial o ataque, não terse encontrado. Afinal, Zagallo tinhaà disposição bons homens de frente(Bebeto e Edmundo), para fazerdupla com Ronaldinho, e maisoutros, em boa forma (Rivaldo eDenílson), para ajudá-los. Noentanto, na estreia contra a Escócia,em Paris, a vitória (2 a 1) só foiconseguida com um gol do meio-campista César Sampaio e outro,contra, do escocês Tommy Boyd.

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Na segunda partida, em Nantes,vencer Marrocos (3 a 0), gols deRonaldinho, Rivaldo e Bebeto, nãofoi o suficiente para devolver aconfiança ao time.

Houve em campo um lance decuja importância não se podiasequer suspeitar: a entrada dura domarroquino Said Chiba emRonaldinho, atingindo-o no joelhodireito. Até o final da Copa, oatacante brasileiro se entregaria a

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um tratamento intensivo, à base deVoltarem, no qual alguns veriamuma das causas do estresse comque chegou ao final da Copa.Possivelmente ali, naquele lance,estava também a origem dasatribulações que o joelho causariaem Ronaldinho depois da Copa.

Na terceira partida, derrota (2 a1) para a Noruega, em Marselha,gols marcados nos últimos 15minutos. Confirmava-se que a

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seleção brasileira ainda não estavapronta. Longe disso. Melhorou,com os resultados das oitavas equartas de final: vitórias sobre oChile (4 a 1), em Paris, e sobre aDinamarca (3 a 2). Ronaldinho sóapareceu bem no primeiro, comdois gols, passando a dividir aartilharia do time com CésarSampaio, autor de outros dois.Rivaldo se juntou a eles com doisnos dinamarqueses. A semifinalcontra a Holanda, em Marselha, foi

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dos encontros mais equilibrados dacampanha brasileira.

Nos 90 minutos regulamentares,gols de Ronaldinho e Kluivertdeixaram tudo igual e mandaramduas das candidatas ao título paraos pênaltis. Ronaldinho, Rivaldo,Emerson e Dunga converteramquatro cobranças brasileiras. FrankDe Boer e Bergkamp, também, asduas primeiras dos holandeses.Como Taffarel defendeu chutes de

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Philip Cocu e Ronald De Boer, otime brasileiro classificou-se paraa final contra a França, quederrotara a Croácia (2 a 1), nasemifinal.

SUPERIORIDADE FRANCESA

Nos dias que antecederam adecisão, tudo parecia ter voltadoao normal no Châteu de Grande-Romaine, em Lésigni, onde aseleção brasileira estava

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concentrada. Não se falava emRomário. Nem na derrota para aNoruega. Nem nas más atuações dafase inicial. Pareciam superados osproblemas que tinham preocupadoRonaldinho, a família inteirahospedada ali perto, a namoradanão tão perto, as dores muscularesque o haviam incomodado. OBrasil estava pronto para o penta.

Até que, na manhã de domingo,12 de julho, tudo mudou. Depois do

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almoço, no quarto que dividia comRoberto Carlos, Ronaldinhoadormeceu. Pouco depois, RobertoCarlos notou que Ronaldinhomovia nervosamente braços epernas, ofegante, língua enrolada,como se sofresse um ataque.Apavorado, Roberto Carlos saiupelo corredor gritando que ocompanheiro estava tendo umaconvulsão.

Outros jogadores correram, uns

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mais assustados. César Sampaiotentou com os dedos desenrolar alíngua de Ronaldo, enquanto osmais nervosos gritavam: "Ronaldoestá morrendo! Ronaldo estámorrendo!". Quando os médicoschegaram, Ronaldinho já dormiatranquilo. Mais tarde, quando todadelegação seguia de ônibus para oStade de France, os médicos LídioToledo e Joaquim da Mata levavamRonaldinho para exames naClinique des Lilas.

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Daí em diante, a história secomplica e vai gerar umainfinidade de versões. Não sobreRonaldinho, mas sobre o que terásido a final da décima-sexta Copado Mundo. Porque os exames deRonaldinho – os mais detalhadospossíveis – nada acusaram deanormal. Os médicos francesesgarantiram aos brasileiros que ojogador não sofrera nenhumaconvulsão, tivera apenas umdistúrbio de sono e que só

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dependia dele mesmo enfrentar aFrança. Ronaldinho foi taxativo:queria jogar. E por que não, se nãosentia nada que o impedisse? Foicom o mesmo espírito que elechegou ao vestiário, onde Zagallojá escalara Edmundo em seu lugar.Com a garantia dos médicos e avontade de Ronaldinho, Zagallonão teve alternativa: desescalouEdmundo e mandou para o jogo oantecipadamente eleito craque daCopa de 1998.

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A vitória francesa (3 a 0) foiclara. "Les Bleus" jogaram comocampeões, com coração einteligência. Dois gols de cabeçade Zinédine Zidane, no primeirotempo, e um de Emmanuel Petit, jános acréscimos do segundo,decidiram a sorte dos que lutavampelo penta. Era a maior goleadasofrida pela seleção brasileiranuma Copa. Detalhe: Ronaldinhonão jogou bem, mas esteve longe deser a pior figura do time de

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Zagallo. Toda a defesa andou mal,Júnior Baiano falhou seguidamente,Roberto Carlos foi displicente, omeio de campo claudicou eTaffarel não pôde fazer milagre.Uma das explicações para tantodesacerto foi a de que todo o timeainda se ressentia do queacontecera com Ronaldinho. Masonde ficava em tudo isso a grandeatuação francesa?

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EXPLICAÇÕES ABSURDAS

Mesmo reconhecendo que buscardesculpas para os fracassosbrasileiros em campeonatosmundiais é comum, cultura que vemdesde 1930, passou-se dos limitesem 1998. O festival de explicaçõespara o resultado vai das que fazemalgum sentido às mais absurdas,compreendendo teoriasconspiratórias jamais formuladasem competição do futebol

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internacional.

1. Ronaldinho não tinhacondições de jogo, ao contrário doque os médicos disseram, mas foiobrigado a jogar pela Nike,patrocinadora da seleção e dojogador. 2. Zagallo queria tanto queRonaldinho jogasse que nempercebeu que, poupando-o,poupava todo o time brasileiro. 3.Joseph Blatter, recém eleitopresidente da Fifa, fez um acordo

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com Ricardo Teixeira: o Brasildeixaria a França ganhar, em trocada garantia de que ganharia a Copade 2002. 4. O próprio Teixeira fezesse acordo, convencendo seusjogadores a amolecerem para ossimpáticos anfitriões.

Absurdas que sejam taishipóteses, a verdade é que, tanto sefalou nelas, que acabaram emComissão Parlamentar de Inquérito.Por que perdemos na França?

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Como se esperava, a CPI e outrasinvestigações deram em nada. Maisuma vez, onde ficava em tudo issoa grande atuação francesa?

2002Se o último dia da Copa do Mundode 1998 foi vivido em clima dedrama e frustração, os primeirosdias dos preparativos para a Copado Mundo no Japão e na Córeia do

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Sul foram mais incertos do quecostumavam ser. O clima da finalcontra a França resumia-se a um sónome: Ronaldinho. A incerteza emrelação a 2002, a outro: RicardoTeixeira. No terceiro ano de seuterceiro mandato como presidentede CBF, o agora ex-genro de JoãoHavelange, já um ex-presidente daFifa, mais preocupado em reeleger-se e em faturar sempre mais,voltava a desconsiderar umplanejamento para a seleção

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brasileira.

As reeleições, segundoprovaria a CPI da CBF/Nike,presidida pelo deputado e, hoje,ministro dos Esportes, AldoRebelo, mencionavam um esquemade agrados financeiros àsfederações estaduais (a CPI, comose sabe, nada fez). Quanto aofaturamento, cresceu com arenovação do contrato com a Nike(US$ 160 milhões até 2006) e

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amistosos cujo único interesse eralevar a marca da CBF a cidades epaíses que pagassem por ela. Trêsdesses amistosos, Iugoslávia,Equador e Rússia, aconteceram,ainda em 1998, poucos mesesdepois da Copa do Mundo naFrança. Nenhum deles comRonaldinho.

Como Teixeira precisava maisde alguém para substituir Zagallodo que de planejamento, fato

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inédito ocorreria nas eliminatóriaspara 2002: em vez de um técnico,quatro, um após outro, dirigiriam aseleção. As escolhas eram sempreirrefletidas, feitas ao sabor dosúltimos resultados. Ao menos oprimeiro dos quatro, VanderleiLuxemburgo, tinha comocredenciais dois títulos paulistas edois brasileiros pelo Palmeiras, umpaulista pelo Bragantino e outrobrasileiro, a caminho, peloCorinthians.

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OS DOIS RONALDOS

Teixeira parecia querer tantoLuxemburgo que concordou em nãoo ter na seleção em tempo integral.Até 31 de dezembro, trabalhariapara a CBF e o Corinthians aomesmo tempo. Fluminense de NovaIguaçu, 46 anos, depois de umacarreira mediana como lateral doFlamengo, tornara-se aquilo que jáentão se chamava de técnico de

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ponta.

E seus primeiros passos nocomando da seleção brasileiraforam de fato promissores. É claroque só depois da derrota de 1 a 0para a Coreia do Sul, dia 23 demarço, em Seul, onde não deracerto sua intenção de usar o mínimode jogadores da final do Mundialde 1998. Cafu, no Roma, eRivaldo, no Barcelona, eram osúnicos remanescentes da derrota

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em Paris. Os demais, Rogério Ceni,Odvan, Jardel, Flávio Conceição,Amoroso, Fábio Júnior, não teriammuito futuro na seleção, comLuxemburgo ou não.

Passos promissoresprincipalmente pela Copa Américaconquistada no Paraguai, com seisvitórias em seis jogos. Há quantotempo o Brasil não saía de umacompetição internacional tendovencido seus dois mais tradicionais

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rivais no continente, Argentina (2 a1) e Uruguai (3 a 0)? A equipebásica no torneio pouco tinha daque fracassara em Seul. Maisimportante é que, nela, jogavamjuntos pela primeira vez doisRonaldos. O mais jovem, de 19anos, revelado pelo Grêmio dePorto Alegre, é que passaria a serchamado de Ronaldinho, o Gaúcho,enquanto o mais velho, 23 anos, oque tinha sido Ronaldinho em 1994e 1998, ficava sendo,

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simplesmente, Ronaldo. Ou, comoqueriam os italianos depois davitória da Inter de Milão na Copada Uefa, "Il Fenomeno". O episódioem Lésigny, na Copa do Mundo daFrança, o da tal convulsão que nãohouve, estava esquecido. Aomenos, pelo próprio.

De 23 de setembro de 1998 a 3de setembro de 2000, a seleçãoprincipal do Brasil disputou 32partidas sob o comando de

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Luxemburgo, vencendo 20,empatando sete e perdendo cinco.Fazem parte do balanço seispartidas pela Copa América noParaguai (seis vitórias), cinco pelaCopa das Confederações noMéxcico (quatro vitórias) e setepelas eliminatórias para 2002(quatro vitórias, dois empates euma derrota para o Paraguai por 2a 1. Aproveitamento de 83,3% nosprimeiros 18 jogos. Mas o quecomeçara promissor para

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Luxemburgo ficava incerto emtorno de um só nome: Ronaldo.

Na longa e tortuosa caminhadada seleção brasileira rumo aopenta, técnicos e torcedores sepreocuparam com um dosobstáculos que o destino pôs nafrente do Brasil: as lesões nojoelho direito de Ronaldo. O dramado atacante começou em 1999.Liberado pelo técnico VanderleiLuxemburgo de dois amistosos

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caça-níqueis em Sydney, Austrália,no dia 21 de dezembro, Ronaldomarcava de pênalti o quarto gol doInter de Milão nos 6 a 0 sobre oLecce, pelo Campeonato Italiano.Mas, logo no início do segundotempo, pisou numa irregularidadeno gramado do estádio GiuseppeMeazza e caiu. Exames posterioresconfirmaram o rompimento dotendão patelar do joelho direito.Lesão grave e Ronaldo foi seoperar em Paris, com o Gérard

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Saillant, cirurgião especializadoem joelhos. Ficaria cinco meseslonge da bola. Em 13 de abril,depois de tratamento intensivo como fisioterapeuta Nilton Petrone, oFilé, ele estava de volta,enfrentando o Lázio, no EstádioOlímpico de Roma, pela Copa daItália. Aos 12 minutos do segundotempo, o técnico Marcelo Lippimandou-o entrar no lugar doromeno Adrian Mutu.

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O público vibrou com o retornodo artilheiro. Seis minutos depois,num lance com o zagueiroportuguês Fernando Couto, o joelhonão suportou o peso do corpo, aperna se dobrou como se fraturadae Ronaldo foi ao chão, com umaassustadora expressão de dor.Novo rompimento do tendãopatelar, nova operação em Paris e asuspeita de que a carreira acabavaali.

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Com as eliminatórias jáiniciadas, Luxemburgo nem queriapensar na possibilidade de nãocontar com Ronaldo. Preferiagarantir, a todos e a si mesmo, queesperaria até o dia de inscreverseus 23 para a Copa. E explicava:"Ronaldo, fora de forma, é difícilde marcar: em forma, éimpossível".

Quem não esperou por esse diafoi Ricardo Teixeira. Em setembro

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de 2000, depois de vitória (5 a 0)sobre a Bolívia, no Maracanã,Luxemburgo seguiu à frente daseleção olímpica para a Austrália,para tentar mais uma vez a inéditamedalha de ouro, agora nos Jogosde Sydney. Resultado: eliminaçãoprematura dos brasileiros, quesofreram uma derrota para a Áfricado Sul e outra, a decisiva, paraCamarões, em partidas disputadasem Brisbane. Com um detalhe: comdois jogadores expulsos, os

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camaroneses se impuseram aosonze brasileiros, num time quetinha Ronaldinho Gaúcho e outrosda seleção principal. Teixeirasomava esse fato a dois outrosdesastres: a derrota (3 a 0) para oChile, um mês atrás, em Santiago,pelas eliminatórias, e os problemasde Luxemburgo com a Justiça(falsificação de documentos,negócios mal explicados esonegação fiscal). Na volta daAustrália, o presidente demitiu o

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primeiro treinador desse ciclo.

A HORA DO FUTEBOL BANDIDO

O segundo, José Cândido SoutoMayor, o Candinho, tinha sido oauxiliar-técnico de Luxemburgo.Assumiu interinamente, às vésperado jogo com a Venezuela, emMaracaibo, fazendo questão degarantir que seria leal ao seu amigoLuxemburgo e sairia após estejogo. Venceu facilmente (6 a 0) e

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passou o comando para o terceiro,Emerson Leão. Paulista deRibeirão Preto, 51 anos, bomgoleiro, titular da seleçãobrasileira em duas Copas doMundo (1974 e 1978), e detemperamento forte, Emerson Leãoainda não contava com o que ocredenciasse como treinador daseleção a pouco mais de dois anosde um Mundial.

De pouco valiam suas

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experiências em clubes comoAtlético Mineiro, Santos e Sport deRecife. Mas, por algum motivo,Teixeira o contratou. Para searrepender menos de sete mesesdepois. Primeiro, pela derrota (1 a0) para o Equador, em Quito, e oempate (1 a 1) com o Peru, noMorumbi, resultados que deixavammenos segura a posição brasileiranas eliminatórias. Depois, pelodeplorável desempenho na Copadas Confederações, na primeira vez

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em que se realizava na sede doMundial seguinte, com a Fifainiciando a prática do evento testepara as sedes. No caso, Coreia doSul e Japão.

O time dirigido por Leão ficouna vitória de estreia contraCamarões (2 a 0) e, em seguida, sófez feio: empates com Canadá eJapão (ambos em 0 a 0) e derrotaspara França (2 a 1) e Austrália (1 a0). Feio não só pelos resultados,

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mas principalmente pela pobrezatécnica. Por isso, em mais umadecisão não planejada de Teixeira,o treinador saiu de Tóquiodesprestigiado, chegando ao Brasildemitido. O diretor técnico AntônioLopes o dispensara no Aeroportode Narita, no Japão, antes daviagem de volta.

O quarto treinador da lista jáestava à espera, quando Leãochegou. Luiz Felipe Scolari, o

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Felipão, gaúcho de Passo Fundo,53 anos, beque matão na mocidade,treinador de vários clubesbrasileiros, o último dos quais oCruzeiro de Belo Horizonte, foiapresentado à imprensa antes queTeixeira explicasse a Leão osmotivos de sua demissão. Mas nemera preciso. Ao lado do novotreinador, e com uma frase nadafeliz, Teixeira declaroupublicamente o que pretendia:"Quero substituir o futebol

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bailarino de Leão pelo futebolbandido de Felipão".

E a era do futebol bandidocomeçou com derrota. A definiçãode Ricardo Teixeira era umareferência à fama que Luiz FelipeScolari alimentara nos últimosanos, ao fazer suas equipes jogarempesado, duro, com disposição porvezes excessiva, apelando mesmopara o antijogo. Mas era isso que,para o bem e para o mal, se

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esperava dele, fãs e críticos certosde que não mudaria de estilo. MasScolari os surpreenderia. De saída,convocando para o próximo jogopelas eliminatórias, contra oUruguai, dia 1º de julho, emMontevidéu, apenas nove dos quetinham estado com Leão na Ásia.

Nove em 22, nenhum dos novosdando a entender que Scolariesperasse deles o tal futebolbandido. Mais surpreendente ainda:

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a derrota (1 a 0) para os uruguaios,na estreia de Felipão, causavaestranheza. Importante jornalpaulista, por exemplo, dizia não tervisto na seleção brasileira oespírito de luta, a pegada, asqualidades de força que tinhamfeito de Felipão o homem certopara um momento difícil. A derrotaem Montevidéu deixava o Brasilnum desconfortável quarto lugarnas eliminatórias, 11 pontos atrásdo líder, a Argentina de Marcelo

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Bielsa. Mas Scolari não perdia acalma, confiava na classificação.

A Copa América perdida emCáli não conta como desmentido àconfiança do treinador. Duasderrotas, uma para o México (1 a0) e outra para Honduras (2 a 0)pouco significaram, já que aseleção brasileira não foirepresentada pelo que tinha demelhor. Dos 22 inscritos, apenasoito integrariam o que, no

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transcurso da Copa de 2002,ganharia o nome de FamíliaScolari. Ou seja, um grupo fechado,de confiança mútua entre técnico ejogadores, de franqueza notratamento entre todos e, maisrelevante, sem constrangimento ouinveja dos reservas em relação aostitulares. Se outras virtudes Scolarinão teve (muitos censuraram seumeio de campo congestionado eapenas dois homens de frente), aformação de sua família valeu por

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tudo.

É claro que a seleção brasileirase classificou, apesar da derrota (2a 1) para a Argentina em BuenosAires. Já em 2002, após seisamistosos preparatórios (cincovitórias e o empate com Portugalem Lisboa), Scolari definiu seus23. Não sem enfrentar e resolveralguns problemas. Um deles foique, ao mudar paulatinamente depensamento sobre os atacantes (em

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parte porque Ronaldo estava devolta e Ronaldinho Gaúcho vinhajogando o fino), cinco de seusprimeiros convocados foramdescartados: Euller, Ewerthon,Giovanni, Jardel e Romário. Comoacontecera em 1998, Romário nãogostou. Ficou zangado, criticouFelipão, atraiu para seu lado asimpatia dos admiradores, entreeles o presidente FernandoHenrique Cardoso, mas ficoumesmo de fora.

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No meio de todas asexpectativas e tensões que umadisputa pode provocar, uma daspreocupações de Luiz FelipeScolari era o ambiente entre osjogadores. A prioridade continuavasendo a família, o modo como osjogadores – muitos deles estreantesem Copas do Mundo – iriam se sairno Japão e na Coreia do Sul. Ocaso de Romário, naturalmente, nãoera questão de ambiente, mas o deoutros dois, sim. Entre os

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jogadores que ele pretendia ter nasua lista de 23, estavam JúlioCésar, goleiro do Flamengo, eDjalminha, meia do La Coruña.Com a convocação praticamentedefinida, Scolari foi alertado sobrea possibilidade de o ambientemudar com a presença dos dois.Djalminha, filho do zagueiroDjalma Dias, morto em 1990, tinhapavio curto. Acabara de desfecharuma cabeçada no técnico JavierIrureta, durante discussão em

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treino. O caso já correra o mundopelas redes sociais e acaboulevando Scolari a chamar Kaká, doSão Paulo.

Quanto a Júlio César, acabarade se casar com Susana Werner, anamorada de Ronaldo em 1998.Como seria o reencontro dos doisjogadores no meio da família? Porvia de qualquer das dúvidas,Scolari convocou outro goleiro,Rogério Ceni, também do São

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Paulo.

Outra mudança Felipão foiobrigado a fazer no último treinoantes da estreia contra a Turquia.Emerson, meio de campo do Milan,sofreu um deslocamento no ombroquando participava como goleiroda pelada, recreação de véspera dojogo, e foi cortado por decisão domédico. O corintiano Ricardinhofoi chamado para o seu lugar, mas abraçadeira de capitão foi passada a

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Cafu.

A décima sétima Copa doMundo cumpria a penúltima etapado longo e lento processo deglobalização a que a Fifa, sob apresidência de João Havelange, seentregara a partir de 1974. Obrasileiro, desde o congresso daFifa, em 1998, em Paris, passara àcondição de presidente de honra daentidade, assumindo o depresidente executivo seu

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secretário-geral e braço direitodesde 1981, o suíço Joseph Blatter.Para essa penúltima etapa, quelevava a Copa até a Ásia, a Fifaabrira uma exceção, indicando doise não apenas um país-sede: Japão eCoreia do Sul. Mais do que fazerdo futebol um esporte de dimensõesplanetárias, o mais popular em todaparte, o processo ampliava osnegócios da Fifa até alturasincalculáveis, ao internacionalizarainda mais as marcas de seus

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poderosos "partners" e "sponsors"(mais de 20 em 2012). A últimaetapa do processo deveria ser aÁfrica.

Dentro do campo – que é o queinteressava a Scolari e à suafamília – tudo correu bem para oBrasil. Sua campanha, sete vitóriasem sete jogos, foi indiscutível:Turquia (2 a 1), China (4 a 0),Costa Rica (5 a 2), Bélgica (2 a 0),Inglaterra (2 a 1), Turquia

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novamente (1 a 0) e Alemanha (2 a0). O Brasil era campeão mundialpela quinta vez.

Pode-se ponderar que a de2002 não foi, tecnicamente, umagrande Copa. Muitos dos favoritospararam no meio do caminho.Argentina e França, estadefendendo o título de campeã,decepcionaram e não passaram nemda fase de grupos. Equipes tidascomo menos cotadas, como Turquia

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e Coreia do Sul, chegaram entre asquatro primeiras. A seleçãobrasileira, pelo contrário, cumpriuo que se esperava dela. Teve doisexcepcionais jogadores dearmação, Rivaldo e RonaldinhoGaúcho, como havia muito nãotivera.

O MILAGRE DE RONALDO

Rivaldo foi o verdadeiro craque daCopa, embora a Fifa tenhapreferido anunciar, antes da

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finalíssima, que o troféu iria para ogoleiro da Alemanha, Oliver Khan,que Ronaldo venceu duas vezes aomarcar os gols da final, o primeironuma falha bisonha de Khan. E oque dizer do próprio Ronaldo?Alguém classificou de milagre seuressurgimento numa Copa em quesua simples presença já tinha muitode extraordinário.

Depois do problema com queafetou emocionalmente todo o time

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na decisão de 1998; após duaslesões no joelho (a mais complexaparte do corpo de um jogador defutebol); após ter sua mortefutebolística decretada por médicose técnicos – Ronaldo marcou oitogols, impôs-se como o maiorartilheiro, em soma de gols, detodos os 17 mundiais até então. Fezvibrar plateias plurinacionais deUlsan, Seogwipo, Suwon, Kobe,Shizuoka. Saitama, Yokohama, erenasceu mais uma vez.

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2006A volta da dupla Carlos AlbertoParreira-Mário Jorge LoboZagallo, vitoriosa em 1994,surpreendeu a quem esperavarenovação de comando depois queLuiz Felipe Scolari saiu logo apóso penta e acabou dirigindo Portugalna Copa da Alemanha. Surpreendeue decepcionou, pois nenhuma

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renovação estava nos planos daCBF com vistas à décima oitavaCopa do Mundo, marcada parajunho-julho de 2006. A tendênciade não mudar se confirmou quandoZagallo foi escolhido para dirigir aseleção no primeiro amistoso pós-Felipão, em novembro de 2002:vitória (3 a 2) sobre a Coreia doSul, em Seul. E mais ainda quandoo cargo foi entregue a Parreira, emfevereiro de 2003: empate (0 a 0)com a China, em Guangzhou. A

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dupla iria funcionar da mesmaforma que em 1994, Parreira comotreinador, Zagallo como assistente,auxiliar ou que outro nome se desseàs funções de segundo treinador.

Como ainda se pensava emmudança, quer dizer, dentro docampo, confiava-se, pelo menos, naexperiência dos dois e no olhoclínico que, em outrasoportunidades, tinha levado um eoutro, em especial Zagallo, a

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escolher os homens certos para ofutebol competitivo que estaria àespera na Alemanha.

Por futebol competitivoentende-se um estilo de jogo maisatento à marcação, à solidez dadefesa, do que ao atrevimentoofensivo. Parreira, em suasprimeiras entrevistas de retorno,negava essa tendência. E prometia– mesmo dizendo que, "no futebol,gol é apenas um detalhe" – um time

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equilibrado.

Enquanto a dupla de 1994trabalhava para 2006, fora docampo, nos gabinetes de CBF, tudoparecia caminhar como antes. Éfato que começavam a surgir, naimprensa internacional, suspeitasou mesmo acusações deenvolvimento de Ricardo Teixeiraem caso de corrupção na Fifa, decuja Comissão Executiva faziaparte. Embora as suspeitas fossem

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ainda mais longe, atingindo opresidente de honra, JoãoHavelange, e outros próceres damesma federação, o presidente daCBF sentia-se seguro. E segurovoltaria à Europa para nova Copado Mundo. Ele, Parreira, Zagallo,praticamente o mesmo "staff" dotetra.

O tempo que antecedeu a fasefinal na Alemanha foi deinjustificada autoconfiança no

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reduto brasileiro. É evidente quechegar em primeiro lugar,empatado com a Argentina, ao fimdas eliminatórias, contribuía. E queser campeão da Copa América de2004, no Peru, ajudava, pois nelaParreira testou várias promessas dejogador.

A maioria, casos de GustavoNery, Mancini, Dudu Cearense,Vágner Love, Fábio, Cris, AdrianoClaro, não iria muito longe em

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seleções. Mas um, pelo menos,Parreira reconvocou no início de2003 com a convicção de queestaria entre seus 23 na Alemanha:Adriano, mais tarde conhecidocomo Imperador. A equipe que foiao Peru, e ganhou o torneio, erauma espécie de Brasil B, capaz desuperar (4 a 2) a Argentina A,dirigida pelo mago Marcelo Bielsa.E, evidente, também, que vencer aCopa das Confederações de 2005injetava mais autoconfiança nos

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brasileiros, ainda mais que as duasúltimas vitórias, sobre a Alemanha(3 a 2), em Nuremberg, e sobre aArgentina (4 a 1), na decisão emFrankfurt, eram, além deconvincentes, perfeitas. Mas o querealmente fez Parreira chegar aofim de 2005 acreditando no hexafoi seu sistema de jogo.

O QUADRADO MÁGICO

Não era bem um sistema, mas uma

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estrutura apoiada em quatro homenschaves que, para dar-lhes um nome,desarquivou-se velha expressão dofutebol: quadrado mágico. Novelho WM, era o quadriláteroformado pelos dois médios e doismeias, uma espécie de espinhadorsal entre defesa e ataque dasequipes, então, mais modernas,Agora, o termo referia-se aodesenho tático formado por doismeias e dois atacantes, maisconcentrados no ataque.

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Para entender o entusiasmo deParreira é preciso lembrar que elenão pôde contar com Ronaldo naCopa América. E que, a pedido dojogador, sob a alegação de queprecisava descansar, o treinador,nada satisfeito, o liberou do jogocom o Paraguai, dia 5 de junho de2005, em Porto Alegre, pelaseliminatórias. Na época, Ronaldojá trocara o Inter de Milão por "elequipo galáctico" do Real Madrid,onde atuava ao lado de Zinedine

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Zidane, Luís Figo, David Beckhame outras estrelas. O Brasil venceu oParaguai (4 a 1), e Parreira decidiunão chamar Ronaldo para a Copadas Confederações.

Por esse motivo, o quadradomágico do seu time se formou lácom Kaká e Ronaldinho Gaúchocomo meias e Adriano e Robinhocomo atacantes. Tendo funcionadode forma irretocável, era sóimaginar como seria com Ronaldo

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no lugar de Robinho.

Para a Copa dasConfederações, Parreira liberoumais dois de seus titulares certos:Cafu e Roberto Carlos.Coincidência ou não, os dois eRonaldo eram justamente osjogadores que esperavamestabelecer recordes pessoais naAlemanha. Ronaldo, que já marcara12 gols nas Copas de 1998 e 2002,precisava fazer mais três para

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superar a marca que o alemão GerdMüller estabelecera em 1970 e1974.

Dos três, seria o único aalcançar seu objetivo. Cafu já seimaginava como o primeirojogador da história a disputarquatro finais de Copas do Mundo.E mais: o primeiro, como capitãobrasileiro, a erguer a taça de ouropela segunda vez. Roberto Carlospretendia encerrar a discussão que

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alguns conhecedores do futebolmantinham sobre quem teria sido omelhor lateral esquerdo do Brasilem todas as épocas, se NíltonSantos ou ele próprio. A seu favor,argumentava que Nílton Santos foicampeão mundial duas vezes, masjamais ganhou um sul-americano,enquanto ele, Roberto Carlos, sefosse campeão na Alemanha,também teria dois títulos mundiais,mas uma Copa América a mais. Seisso valia de alguma coisa, pouco

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importava. Roberto Carlos já seconsiderava o maior do mundo.

O ano de 2006 tinha começadoem ritmo lento para a seleçãobrasileira. Foram apenas doisamistosos e duas vitórias, sobre aRússia, em Moscou (1 a 0) e sobrea Nova Zelândia, em Genebra (4 a1), já a caminho da Alemanha.Antes disso, o balanço entre osdois Mundiais, a seleçãobrasileira, sempre dirigida por

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Parreira-Zagallo, registrara o totalde 48 jogos, 25 vitórias, 18empates e cinco derrotas. Oaproveitamento de 64,59% não eraanimador, mas a autoconfiançapersistia inabalável.

Entre os jogos com a Rússia e aNova Zelândia, a seleção brasileirafez um festivo amistoso com ocombinado de Lucerna, onde omenos importante era a vitória (8 a0). O amistoso foi promovido pela

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prefeitura de Weggis, cidade de3.886 habitantes, entre o LagoLucerna e os Alpes suíços. Pelaestada da seleção brasileira lá, aCBF recebeu o equivalente a US$ 2milhões, mais hospedagem,alimentação e mordomia por contados organizadores.

A proposta, segundo consta, erabem superior às que a CBFrecebera da França e dos EmiradosÁrabes para que os pentacampeões

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fossem para lá. Por ter preferidoWeggis, Ricardo Teixeira recebeumimo à parte: suíte em hotel cincoestrelas, para ele e senhora,distante do agito da seleção. Eagito é pouco para dizer o quehouve em Weggis. A cidade viveuverdadeiro carnaval durante apermanência dos craques quetentariam o hexa. E estes,liberados, fizeram seu própriocarnaval na noite até entãotranquila da cidade. Alguns

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deixaram nome na memória dapopulação, pela alegria com queanimaram a boate local.

A única consequência práticada estada em Weggis foi o corte deEdmilson, cujo problema no joelhofoi agravado durante o amistosocom o combinado de Lucerna.Mineiro, do São Paulo, foimandado do Brasil para substituirEdmílson. Outra consequência émeramente especulativa, mas faz

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sentido: até que ponto a farra ao pédos Alpes teria contribuído para omau rendimento dos jogadores naAlemanha? Pode-se debitar àquelaescala a evidência de que a seleçãobrasileira estava, no mínimo,desconcentrada, pensando pouco naCopa do Mundo. Porque o maucondicionamento físico,notadamente o excesso de peso dosdois artilheiros, Ronaldo eAdriano, vinha de antes. Importantefrisar é que a seleção brasileira,

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ainda em nome da autoconfiança,não se preparou como devia.

Essa realidade já foi notada naestreia em Berlim contra a Croácia,vitória (1 a 0) com gol de Kaká noúltimo minuto do primeiro tempo.Por que não funcionou o quadradomágico? Qual a razão da lentidãode Ronaldo, além do óbvio excessode peso? E o que ganhou a seleçãocom a substituição de Ronaldo porRobinho, na metade do segundo

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tempo? No jogo seguinte, emMunique, o que melhorou não foi otime brasileiro, mas a Austrália, umadversário bem mais fraco que aCroácia. Outra vez Parreira mexeuno seu quadrado. Mesmo assim, avitória foi menos tranquila do quesugere o placar (2 a 0). O primeirogol brasileiro foi marcado porAdriano e o segundo, pelo atacanteque o substituiu a dois minutos dofim do jogo: Fred, este mesmotitular de Felipão em 2014.

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Tranquilidade, mesmo, só naterceira rodada, em Dortmund:goleada (4 a 1) sobre o Japão,modesta seleção dirigida porArthur Antunes Coimbra, o Zico.Os japoneses marcaram primeiro,mas dois gols de Ronaldo, um deJuninho Pernambucano e outro deGilberto classificaram osbrasileiros como primeiros dogrupo. O que ficava claro, naquelemomento, é que o tal quadradoperdera definitivamente sua magia.

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Já contra o Japão, Kaká saíra paraZé Roberto entrar e Ricardinhosubstituíra Ronaldinho Gaúcho. Noataque, não jogou Adriano e simRobinho. A mesma coisa nasoitavas de final, novamente emDortmund, na vitória (3 a 0) sobreGana, gols de Ronaldo, Adriano eZé Roberto, quando, mesmo emvantagem no marcador, Parreirasubstituiu Kaká e Adriano porRicardinho e JuninhoPernambucano, respectivamente.

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Conclusão: quatro escalaçõesdiferentes em quatro partidas.

Com os jogadores maisimportantes inteiramente fora deforma – Ronaldo e Adrianopesados, Kaká sem jogar o quesabia e Ronaldinho Gaúchocandidato a maior decepção daCopa, além de um treinador semopções – era de se esperar umaquarta de final complicada frente aFrança, em cuja equipe estavam

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Zidane, Thierry Henry, FranckRibéry e outros fora de série queterminariam por levá-la à suasegunda final em CampeonatosMundiais.

Complicação plenamenteconfirmada em Frankfurt, onde aseleção brasileira poucas vezesjustificou a autoconfiança quelevara na bagagem. A começar pelaquinta formação em cinco jogos.Dessa vez, Juninho Pernambucano

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começou jogando para dar lugar aAdriano aos 18 minutos do segundotempo. Kaká, 15 minutos depois,deu a vez a Robinho. Só Ronaldo eRonaldinho Gaúcho jogaram otempo todo, mas sem ameaçar ameta do goleiro Fabian Barthez, omesmo de 1998. Faltavam apenas14 minutos quando Parreira fez oque era reivindicação de muitosbrasileiros: Cicinho no lugar docansado Cafu, que assim viu seusonhado recorde acabar no banco

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de reservas.

O DESCUIDO DE ROBERTOCARLOS

Quando essas alterações foramfeitas, a França já havia marcado oque seria gol único da partida.Zidane cobrou uma falta de longe,junto à lateral esquerda do ataquefrancês. De início, a defesabrasileira, como se para formaruma linha de impedimento, parou

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sobre a risca da grande área, só semovendo quando a bola, cruzadapor Zidane, encaminhava-se para apequena área, caindo nos pés de umHenry desmarcado: gol da França.Como, pouco antes do cruzamento,Roberto Carlos ajeitava sua meiasobre a tal linha de impedimento –e como ele não saiu dali paramarcar Henry – o peso do erro detoda a defesa caiu nas costas do"maior lateral esquerdo brasileirode todos os tempos".

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Copa do Mundo encerrada, emais uma vez perdida, análises,explicações, desculpas e tudoaquilo que habitualmente se faz, acada insucesso brasileiro, voltou ase repetir. Nada tão simples e tãodistante da verdade como resumirtudo num simples ajeitar de meiade Roberto Carlos, no momento emque ele deveria estar marcandoHenry. O Brasil não foi derrotadonum lance, numa bola, mas no cursode todo um preparo mal planejado

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e mal executado. Nada mais. O quenão impede que se lance um olharde compreensão sobre os quatrohomens do quadrado mágico, nãopara culpá-los, mas para entender omomento de cada um na Alemanhae o que representou nas respectivasvidas.

Kaká voltaria ao Milan pararetomar a carreira bem sucedida lá,mas longe disso quando setransferisse para o Real Madri em

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2009. Mas, em termos de seleção,ainda jogaria o bastante para sertitular em 2010. Ronaldo nuncamais seria o mesmo. Continuariajogando pelo Real Madrid, Milan,Corinthians, já no fim de suabrilhante estrada, mas seleção,nunca mais.

Adriano bem que poderia ser oatacante titular de 2010 e até em2014, com 32 anos. Mas só se nãofosse tão grande a distância entre

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seu futebol e seu encrencado modode viver. Teria boas fases nosclubes que defendeu depois de2006, Parma, São Paulo, Flamengo,Roma, Corinthians, novamente oFlamengo, mas, sobre todas essasfases, pairou sempre uma sombrade autodestruição. Ao contrário deRonaldo, os quilos a mais nãoforam o maior problema queAdriano enfrentou, e sim a bebida,o descompromisso com aprofissão, o descuido com o corpo,

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o temperamento instável, asatitudes imprevisíveis, a cabeça. Ocaso de Ronaldinho é maiscomplicado. Eleito pela Fifa omelhor do mundo em 2004 e 2005,já jogou sua última Copa comoquem, desmotivado, cansado detantas vitórias, já não tinha por quelutar.

O DESCONTROLE DE ZIDANE

Nas demais quartas de final,

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nenhuma surpresa. A Alemanhaeliminou a Argentina nos pênaltis,mesmo critério que deu a Portugal,dirigido por Scolari, a vitóriasobre a Inglaterra. Diante daUcrânia, a Itália foi adiante, com omesmo futebol pragmático (evencedor) de sempre. Nassemifinais, enquanto a Françavencia Portugal (1 a 0), a Itáliaderrotava os anfitriões (2 a 0). Adecisão seria, assim, entre duasseleções já campeãs, a da Itália em

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sua quinta final. Perdendo oterceiro lugar para os alemães, osportugueses não conseguiramrepetir sua melhor colocação emMundiais, a de 1966, na Inglaterra,quando tinha Eusébio a marcar seusgols e outro brasileiro, Otto Glória,a dirigi-la.

Como esperado, foi umadecisão equilibradíssima. As duasseleções tinham jogado o suficientepara chegar aonde chegaram. Sem

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brilho, mas com aplicação. Nadade extraordinário em termos táticosou técnicos, mas, se vale acomparação com o Brasil, uma eoutra tinham trabalhado para nãofazer feio. E não fizeram. Zidane,de pênalti, marcou o primeiro gol,aos 7 minutos, e Materazzi, decabeça, empatou, aos 19. Depois,franceses e italianos passaram 101minutos sem chegar às redes.

Já no quinto minuto do segundo

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tempo da prorrogação, justamenteos autores dos únicos gols do jogose viram frente a frente, sem bolaentre eles. Provocado porMaterazzi, Zidane perdeu a cabeça,deu uma cabeçada no peito doitaliano e foi expulso. Ele, craquedo futebol francês, já eleito omelhor jogador da Copa,experiente, frio, dono da bola,cometia um erro imperdoável paraum líder de sua estatura. Faria faltana decisão por pênaltis, quando os

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italianos acertaram cincocobranças e Trezeguet perdeu asegunda dos franceses. A Azzurrado técnico Marcello Lippi sagrava-se tetracampeã.

2010Em 15 de maio de 2004, emZurique, a Fifa escolheu a Áfricado Sul para sediar em 2010 adécima nona Copa do Mundo. A

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decisão, já esperada, encerrava devez uma série de discussões quedesde 1990 dividiam a política dofutebol. De um lado, eram os sul-africanos, esperançosos de que,quando o campeonato chegasse aoseu continente, as honras de país-sede seriam suas. Do outro,estavam os que, liderados pelosingleses, viam o futebol como umafesta europeia, com participação deconvidados ilustres, comoArgentina, Brasil e Uruguai e

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países norte e sul-americanosmenos votados... e só.

Que o futebol um dia chegariaao continente africano erainevitável, apesar da resistênciainglesa ao critério de rodízio paraa escolha do país-sede. Tinha sidoessa a promessa de João Havelangeao eleger-se presidente da Fifa em1974: um futebol realmentemundial, com as federaçõesnacionais tendo o mesmo direito a

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voto nos congressos da entidade(muito por isso ele se elegeu ereelegeu, até 1998, sempre contracandidatos europeus). Em 1990, naescolha para 2006, quando orodízio ainda não estavaoficialmente aprovado, a África doSul andou perto ganhar acandidatura. Perdeu por um votopara a Alemanha. Mas não desistiu.

Entre os ingleses que se batiampor um futebol basicamente

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europeu, opondo-se veementementeao reconhecimento da China pelaFifa, ao banimento de Taiwan e àpolítica antiapartheid na África doSul, estava o jornalista AndrewJennings, admirador (por isso) deSir Stanley Rous, o antecessor deHavelange, e crítico (não só porisso) do dirigente brasileiro. SobreRous, Jennings escreveu: "Elefizera seu dever de casa, tinha lidobastante e sabia que o tal deMandela era comunista e que o

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futebol não tinha nada a ganhartomando partido de presoscondenados". Sobre oantiapartheid: "Se o governo eleitona África do Sul aprovara leisdeterminando que brancos e negrosnão deveriam viver juntos, a Fifanão tinha o direito de interferir".

As mais persistentes acusaçõesde corrupção a Havelange e aopresidente da CBF, RicardoTeixeira, partiam justamente de

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Jennings. Incluía o recebimento depropina da empresa de marketingISL, num total em torno dos R$ 45milhões (algumas notícias falavamem R$ 100 milhões), de 1992 a2000, que custaria aos doisdirigentes e ao paraguaio quepresidira a Conmebol, NicolásLeoz, o fim de suas vidas noesporte. Havelange se desligaria daFifa em 18 de abril de 2013, dozedias antes de ser condenado peloCódigo de Ética da entidade. Com

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isso, deixava de ser o presidente dehonra. Teixeira preferiu nãoesperar: em 12 de março de 2012,já renunciava à presidência quefora sua por 23 anos.

A ILUSÃO DO LEGADO

Com tudo isso, Copa do Mundo de2010 aconteceu mesmo na Áfricado Sul e foi a última de Havelangee Teixeira. Nada mudaria na Fifa,muito menos na CBF. Joseph

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Blatter, inocentado pelo Código deÉtica (disse saber do dinheiro, masnão do seu fim), prosseguiu com apolítica de ampliação dos limitesdo futebol, hoje a caminho daRússia (2018) e do Qatar (2022),sempre atrás da melhor oferta.Blatter e seus colaboradoresintensificam o processo deenriquecimento da poderosaorganização em que a Fifa seconvertera. Na África do Sul, eagora no Brasil, faturaria cada

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centavo, ou melhor, cada milhãoque pudesse abastecer ainda maisos cofres da Fifa House, emZurique, ou dos maiores bancossuíços.

A África do Sul se submeteu aorganizar sua festa nos moldes doque já então se chamava padrãoFifa. Adaptou ou construiu grandesestádios sem ter para elesfinalidade pós-Copa. Imaginou essee outros magníficos legados para a

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população, cuja vitrine seria omagnífico aeroporto deJoannesburgo. O desapontamentoque resultou dessa ingênuaimaginação poderia ter servido deexemplo a países que aindapretendam organizar mundiais comos olhos num improvável legado. Eos 140 mil empregos prometidos àpopulação mais pobre do país sódurariam os dias em que 32seleções estariam lá brigando pelataça de ouro.

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Uma das 32, mais uma vez entreas favoritas, era a do Brasil. Umnovo treinador a dirigia. Novo emtudo, pois Carlos Caetano BledornVerri, o Dunga (apelido ganho pelasemelhança física com um dosanões de Branca de Neve), nuncatreinara uma equipe de futebol.Teixeira cometia o mesmo erro de1990, quando confiara nainexperiência de Falcão paradesfazer os estragos de Lazaroni.Gaúcho de Ijuí, Dunga tinha 32

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anos quando começou a dirigir aseleção num amistoso (1 a 1) com aNoruega, em Oslo. Entre osefetivos (aqueles que não selimitaram a esquentar o banco até otécnico principal chegar), era omais jovem a ocupar tais funções.Tinha aposentado as chuteiras em2000, jogando pelo mesmoInternacional que o revelara.Certamente, com uma Olimpíada etrês Copas do Mundo no currículo(como o capitão ergueu a taça em

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Pasadena), impressionara Teixeirapor seu espírito de liderança.Dunga, diziam, sabia mandar.

APROVEITAMENTO ENGANOSO

Tendo como auxiliar Jorge Amorimde Oliveira Campos, o Jorginho,que estivera ao seu lado nas Copasde 1990 e 1994, Dunga trabalhouseriamente. E o resultado dosquatro anos até a África do Sul,englobando os seis jogos da Copa,

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é desafio para quem pretenda fazeravaliação precisa desse trabalho.Os números estão ao lado dele: 60jogos, 42 vitórias, 12 empates e 6derrotas. O aproveitamento de76,7% foi dos melhores da história.Campeão da Copa América,campeão da Copa dasConfederações, primeiro lugar naseliminatórias sul-americanas. OParreira de 1994 e o Felipão de2002 nem chegaram perto dessesnúmeros. No entanto, daí a

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dificuldade em avaliar. Rarasvezes o time de Dunga convenceu,jogou bem, como se espera de umaseleção brasileira.

Talvez o que tenha impedido otreinador de ter maior apoio tenhamsido alguns resultados negativos.Como a derrota (2 a 0) paraPortugal, no amistoso de 6 defevereiro de 2007, em Londres.Afinal, a seleção portuguesa eradirigida por Scolari, que deixara

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saudade depois do triunfo na Ásia.

Vitórias como os 3 a 0 sobre aArgentina, na decisão da CopaAmérica de 2007, em Maracaibo,pareciam contar menos do que aderrota (2 a 0) para o Paraguai, naprimeira rodada do torneio. ACopa das Confederações de 2009,conquistada com uma virada (3 a 2)sobre os Estados Unidos, foicomemorada com reservas. Osmais cautelosos sabiam que ganhar

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essa taça é bom, mas não significaque o ganhador vá ter a mesmasorte no mundial seguinte.

O primeiro lugar naseliminatórias – com as categóricasvitórias sobre a Argentina (3 a 1),em Rosário, e sobre o Uruguai (4 a0), em Montevidéu, em vez desaudado como parte de umatrajetória mais bem sucedida que astrês anteriores, preocupou. De quemodo jogaria na África do Sul a

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seleção de Dunga? Como emRosário e Montevidéu, ou comonas derrotas seguidas (ambas por 2a 0) para Venezuela (amistoso) eParaguai (eliminatórias)? Fariafeio como fizera em La Paz (2 a 1)?E por que aquele time empatavatanto, sete vezes contra novevitórias e duas derrotas?

Alguns detalhes talvezexpliquem parte das contradiçõesentre os resultados e a qualidade

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do time. Um deles, o chamadogrupo fechado que Dunga eJorginho reuniram em nome do queentendiam por "coerência". Nãoque os jogadores escolhidos nãofossem bons. O que encontravaresistência nos dois treinadoreseram as pressões de fora para queconvocassem este ou aquele.Quando a pressão tinha a força dopresidente da CBF, como no casode Ronaldinho Gaúcho, até queDunga cedia. Chamou o jogador

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algumas vezes, mas não o levoupara a Copa. Já quando a pressãovinha da imprensa – que, encantadacom o futebol de dois futuroscraques santistas, clamava pelaconvocação de Ganso e Neymar –o treinador reagia mal-humorado:"Enquanto vocês dão palpite, nósmantemos a coerência."

O mau humor de Dunga com aimprensa cresceu após um episódioque vinha se contrapor aos bons

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resultados das eliminatórias e dasCopas América e dasConfederação: a derrota (3 a 0)para a Argentina nas semifinais dotorneio de futebol dos Jogos dePequim, em agosto de 2004. OBrasil ficou com a medalha debronze, aumentando assim suafrustração olímpica, mas o que fezDunga romper de vez com aimprensa foi a informação quevazou, de fonte ligada à CBF,dizendo, se voltasse da China sem

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a medalha de ouro, ele seriademitido. Por isso, a derrota paraos argentinos, que acabaramcampeões, foi recebida pelosjornalistas como o fim da linhapara o treinador. Já especulavamaté sobre o substituto. Ou seja, ossuspeitos de sempre. Fim dahistória: a notícia era boato, Dungaficou, levou o trem até o final. Elee seu grupo fechado.

O Brasil estreou em

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Joannesburgo, vencendo (2 a 1)uma Coreia do Norte que voltava àfase final de um Mundial depois de44 anos. Seu time não tinha aquelacapacidade de surpreender, comona vitória sobre a Itália em 1966,mas deu trabalho. Os golsbrasileiros foram marcados pordois jogadores de defesa: Maicon eElano. A segunda partida, nomesmo local, foi mais fácil: vitória(3 a 1) sobre Costa do Marfim.Elano voltou a marcar, e Luís

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Fabiano, com dois gols, fez oataque funcionar. Um ataque queperdera Kaká, contundido naestreia, e ainda dependia daindividualidade de seuscomponentes. Essa individualidadenão deu o ar da graça na terceirapartida da fase de grupos, empate(0 a 0) com Portugal, com CristianoRonaldo, mas com Carlos Queirozno lugar que fora de Luiz FelipeScolari na Copa anterior.

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Também não houve problemapara vencer (3 a 0) o Chile, nasoitavas de final, em Durban. Outravez os gols saíram de defensores,Elano e Juan, cabendo a Robinhocompletar. A seleção brasileiradava um passo à frente para chegarexatamente na mesma fase em que aFrança a eliminara em 2006. Devolta a Joannesburgo, ia ter pelafrente uma adversária mais forte doque tinham sido os franceses quatroanos antes: a Holanda de Van

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Persie, Sneijder, Robben e outrosexcelentes jogadores.

Não deu outra. Até que o Brasilfoi bem no primeiro tempo,Robinho marcando aos 10 minutos,num lançamento primoroso deFelipe Melo. No segundo tempo,porém, tudo mudou. Os holandesescresceram. Aos 8 minutos, Sneijderchutou de longe, Júlio César eFelipe Melo saltaram juntos, sechocaram, e a bola entrou entre os

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dois. Falharam ambos, de formamais grave Júlio César,supostamente o melhor goleiro domundo. Era o empate. A seleçãobrasileira começou a perderespaço. Tensa, abriu a defesa emvárias ocasiões, dando chance paraa Holanda passar a frente, comnovo gol de Sneijder, aos 23minutos. Foi quando mais se sentiuque Dunga, em seu grupo fechado,em sua coerente firmeza, nãodispunha de bom banco. Quem ele

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poderia mandar entrar para tornar osetor de apoio mais efetivo? Josué,Kleberson ou Júlio Baptista? E noataque, Nilmar ou Grafite, quempoderia substituir um Kaká semcondições e um Luís Fabiano seminspiração? Tudo mudou,principalmente para Felipe Melo,que trocou o passe preciso pelafalta desleal. Depois de entradaviolenta em Robben, o brasileiropisou-lhe maldosamente a perna.Sua fama de truculento se

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confirmava. E o árbitro japonêsYuichi Nishimura não hesitou emaplicar-lhe o cartão vermelho. Comum homem a menos, tomada pelonervosismo, a seleção brasileirafoi novamente eliminada numaquarta de final.

Dunga reconheceu a derrota. Naentrevista coletiva após o jogo,admitiu que o nervosismo, a partirdo gol de empate holandês,desestabilizou todo o time. E

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concordou que, depois de 1.386dias como treinador da seleçãobrasileira, era hora de parar. Nospróximos três anos, ficaria longedo futebol, só voltando para treinaro Inter de seus primeiros dias comojogador. Dunga e o restante dadelegação brasileira nem ficarampara assistir ao desfecho da Copa.

Dois campeões do mundoestavam entre os quatro países quechegaram aonde o Brasil não tinha

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conseguido: Alemanha e Uruguai.Dois outros vinham perseguindo otítulo havia tempo: Holanda eEspanha. A Alemanha eliminara aArgentina de Lionel Messi, masseria derrotada pela Espanha numadas semifinais. O Uruguai de DiegoForlán, como se ressurgindo entreas forças do futebol mundial,perderia para Holanda a luta parair à final e acabaria em quartolugar. A decisão entre Espanha eHolanda foi equilibrada, tensa e

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violenta (principalmente por partedos holandeses), mas terminou porrecompensar não só o melhor timenaquela tarde, em Joannesburgo,mas o mais eficiente futebolpraticado na Europa nos últimosanos. Depois do 0 a 0 nos 90minutos regulamentares, o gol donotável Iniesta, a quatro minutos dofim, premiou a Espanha.

DENÚNCIAS DE CORRUPÇÃO

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A Copa da África do Sul foibarulhenta, mas simpática. Obarulho veio das arquibancadas,onde o sopro das vuvuzelas,instrumento tradicional nosestádios sul-africanos, acrescentounovo (mas insuportável) som aocoro das torcidas. Com ela, se nãofoi possível levar muito longe os"Bafana Bafana", como erachamada a seleção nacional(eliminada na fase de grupos), ossopradores de vuvuzelas

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conseguiram irritar os visitantes e aprópria Fifa, que começou a seprevenir para que ruídossemelhantes não ensurdecessemfuturos Mundiais. Do ponto de vistade futebol, mais incômoda ainda foia bola, a insólita Jabulani, maisleve e traiçoeira que qualqueroutra, amiga de quem chuta e terrorde quem defende.

A simpatia ficou por conta doesforço do país para se afirmar

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como organizador de um evento detal dimensão. Nelson Mandelaperderia uma neta durante ocampeonato, mas, tanto quantopôde, prestigiou-o, indo aosestádios ou participando de poucascerimônias. Sir Stanley Rous nãoteria gostado, como não gostouAndrews Jennings, agora pensandona possibilidade de novo mundialna Inglaterra em 2018. O queencaminha os acontecimentos paramais adiante, isto é, dezembro de

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2010, quando o Mundial sul-africano já era assunto do passado.

Naquele mês, a Fifa se reuniupara escolher o país-sede da Copado Mundo de 2018. Candidatos:Rússia, Inglaterra, Holanda-Bélgica e Espanha-Portugal. Avitória da Rússia, por ampla somade votos, provocou forte reaçãodos ingleses, que acusaramdirigentes da Fifa de terem vendidoseus votos aos russos. David

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Triesman, presidente de TheFootball Association, foi aoParlamento britânico para acusarquatro desses dirigentes, um delesRicardo Teixeira, que diante dopedido de Triesman para votar naInglaterra, teria dito "E o que vocêpode fazer por mim?" (a acusação aTeixeira por venda de votos seestenderia à escolha de Qatar para2002).

De qualquer forma, o episódio

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entra aqui, neste fim de história,porque, com ele, reavivado o casoda ISL, começava a desmoronar oimpério de Teixeira na CBF. E ode Havelange na Fifa.

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CAPÍTULO 2

OS CRAQUESPELÉ

Dois dos primeiros episódios docomeço de história de Pelé

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merecem ser revistos. O primeiro,já o foi pelo próprio Pelé, quando,em entrevista recente, lembrando aslágrimas do pai pela perda da Copade 1950 — e pensando napossibilidade de nova derrota esteano — ele disse: "Não quero quemeu filho também me vejachorando". Em entrevistas maisantigas, o episódio terminava comum compromisso: o de quecresceria para dar ao pai um títulomundial. Pelé tinha apenas 10 anos.

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O segundo episódio nos remetea alguns poucos contemporâneos,técnicos e jornalistas, que ainda segabariam de ter previsto oformidável futuro do craque, assimque o viram em campo pelaprimeira vez. Terão mesmo? Ouserá que o Pelé de 16 anos, camisa10 do Santos, artilheiro doCampeonato Paulista de 1957, eraapenas uma promessa, como tantasno futebol brasileiro de então?Mais exato é reconhecer que foi

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preciso um pouco mais de tempo,pelo menos um ano ou dois, paraque se concluísse que o futebol dePelé ia muito além dos limites dasimples promessa.

Fazem parte daquelescontemporâneos os membros dacomissão técnica da seleção de1958 que, uma vez ganha a Copa,alegariam uma contusão parajustificar o fato de Pelé terembarcado para a Suécia como

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reserva de Dida. A contusão defato aconteceu, num jogo-treinocom o Corinthians, pouco antes daviagem. Mas o médico da seleção,Hilton Gosling, garantira àcomissão técnica que o caçula dadelegação teria condições de jogojá na estreia contra a Áustria. Se talnão aconteceu, era porque Dida,excelente atacante do Flamengo,era o dono da posição.

Desse modo, Pelé começa sua

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história em Copa do Mundodesconhecido fora do Brasil eainda sem lugar certo na seleção.Conquistou-o depois do fracassode dois titulares, o mesmo Dida eMazzola, e graças ao gols que foimarcando, jogo a jogo, das quartasde final até a decisão, alguns delesespetaculares. É possível ver, nolance do terceiro gol contra aSuécia, o instante em que o mundoo descobriu, então um adolescenteousando aplicar "chapéu" em gente

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grande. Mesmo assim, nem mesmono Brasil Pelé era tão famoso. Porexemplo, o bem informado repórterGeraldo Romualdo da Silva,narrador do filme oficial da Copade 1958, passou o tempo todo sereferindo a ele como... Pelé.

É fato que nenhum outrojogador, daqui ou de fora, tevecarreira tão brilhante. Brilhante,mas nem sempre ajudada pelasorte. Como o percurso de tantos

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heróis, o de Pelé foi marcado portropeços, surpresas, passagensdifíceis, quando não dramáticas.Nas duas Copas seguintes, járeconhecido como o "melhor domundo", ele foi uma espécie deguerreiro posto fora do combate.Na de 1962, por uma distensãomuscular logo no segundo jogo,contra a Tchecoslováquia. Saiu decampo para não mais voltar. Na de1966, foi vencido por uma série deentradas violentas da defesa

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portuguesa, em especial de seumarcador, Moraes. Na primeira dasduas campanhas, no Chile, foi bemsubstituído pelo bravo Amarildo eainda teve o consolo de verGarrincha e mais dez levarem aseleção à conquista dobicampeonato. Mas quatro anosdepois, na Inglaterra, saiu tudoerrado, a seleção brasileira nãopassou da primeira fase,equivalente às oitavas de finalnuma época em que o torneio era

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disputado por 16 seleções, e ele,Pelé, sofreu a que seria sua únicaderrota em Copas do Mundo: 3 a 1para Portugal de craques comoEusébio e Coluna e marcadorescomo Moraes. Pelé ficou tãotranstornado que, ao voltar aoBrasil, fez uma declaração queganhou as manchetes de todos osjornais: nunca mais jogaria umaCopa do Mundo.

A de 1966, ganha pela

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Inglaterra, tem sido apontada peloshistoriadores como o maiorexemplo de desorganização daseleção brasileira desde 1938. Éaquela em que 45 jogadores foramconvocados para que, no fim, nãose chegasse a Liverpool com 22 àaltura de representar o futebolbicampeão mundial. Mas não foipor isso que Pelé quis desistir de— como dizia — cumprir pelaterceira vez a promessa ao pai.Depois das duas frustrações

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pessoais, não se achava com sorteo bastante para prosseguir. E, porexatos dois anos, não mais vestiu acamisa da seleção.

Mudanças importantesaconteceram no futebol brasileiroao fim daqueles dois anos. Umadelas, a principal, no comandotécnico. A Comissão SelecionadoraNacional (Cosena), de PauloMachado de Carvalho e AimoréMoreira, foi desfeita pela CBD,

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cujo presidente, João Havelange,preocupava-se com a perda deprestígio de uma seleção quesofrera cinco derrotas depois dofracasso em Liverpool (duas delas,sendo uma no Maracanã, para umMéxico que jamais vencera oBrasil). Foi muito pela necessidadede reconquistar a simpatia e aconfiança do torcedor queHavelange autorizou seu diretor,Antônio do Passo, a entregar aseleção a João Saldanha.

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Pelé já estava de bem com acamisa amarela, e já mudara deideia quanto a não jogar outraCopa, quando Saldanha assumiu. Oano de 1969 foi perfeito. Pelé e onovo técnico se entenderam, aseleção ganhou uma cara. Venceuas seis partidas das eliminatórias(na última, num Maracanã compúblico recorde, Pelé marcou o golúnico contra o Paraguai). Enfim, oBrasil garantiu presença na fasedecisiva, no ano seguinte, no

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México. Os canarinhos viraramferas e, pela primeira vez em muitotempo, a esperança voltou.

O ano de 1970 nada teve deperfeito em seus primeiros meses.Pelé e Saldanha não se entenderam,chegando a discutir táticas nos doissofridos amistosos com a Argentina(derrota em Porto Alegre, vitóriaapertada no Maracanã). O técnicotornou público um problema devista de Pelé, barrou-o num

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amistoso com o Chile (segundoexplicaria, para poupá-lo de umdesgaste físico) e, em meio a outrosproblemas (a briga com Yustrich,ter aceito dividir as funções detécnico com as de comentarista dejornal, rádio e TV, as pressõespolíticas que sofria dentro e fora daseleção), Saldanha caiu.

Nunca se soube se, em algummomento, Pelé chegou a temer queaquela má sorte estivesse de volta

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e o impedisse de ser ele mesmo noMéxico. Os únicos comentários quefez, sobre a crise que culminou coma substituição de Saldanha porZagallo, foram de que, para ele, aCopa que se aproximava seria aresposta a todas as questões: sepoderia ou não jogá-la até o fim, seconseguiria ou não voltar a ajudaro Brasil a ganhar a taça de ouro, sehaveria ou não um inexplicávelabismo entre ele e a Copa doMundo. A história, naturalmente,

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teve um final feliz. Para a seleçãobrasileira, primeira tricampeã, epara Pelé, até hoje o únicotricampeão. Das quatro quedisputou, a de 1970 foi a que maisjustiça fez ao seu gênio. Jogoucomo nunca, elegeram-no o craquedo campeonato, saiu de campocomo rei.

GARRINCHA

A definição mais curta, mais

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simples e mais repetida deGarrincha, o craque e opersonagem, resume-se numapalavra: fenômeno. Com ela, fica-se livre da difícil tarefa de explicaro inexplicável. Como foi possívelum moço criado na mais extremapobreza de uma cidade do interior— imaturo, iletrado, sem qualquercompromisso com coisa alguma,bebendo mais do que devia e, aindapor cima, aleijado — alcançar asalturas que alcançou? Com as

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pernas arqueadas para o mesmolado, o peso do corpo apoiado emjoelhos malformados, o moçosequer poderia treinar num grandeclube, se o médico que oexaminasse, com toda razão, ovetasse por ver nele uma aberraçãoanatômica. Foi a primeira dasmuitas vezes em que o fenômenodriblou a razão.

Garrincha disputou, ou melhor,ganhou duas Copas do Mundo para

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o Brasil, as de 1958 e 1962.Houve, é verdade, uma terceira, ade 1966 na Inglaterra, mas essa nãoconta. O Garrincha de Liverpool jánão era o "anjo de pernas tortas",driblador infernal cujo segredotodo mundo conhecia (aultrapassagem pela direita, lanceúnico de seu repertório), masninguém conseguia evitar. EsseGarrincha, como seus 21companheiros de equipe, estavacondenado a fracassar na primeira

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tentativa brasileira de chegar ao tri.

Todos se lembram de comoaquele contingente, o dos 45convocados, foi tão mal preparadoe dirigido. Seu treinador, VicenteÍtalo Feola, cometia ali seusúltimos equívocos à frente daseleção. Um dos primeiros, oitoanos antes, foi justamenteGarrincha. A Copa do Mundo de1958, sucedendo aos traumáticostropeços de 1950 e 1954,

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propunha-se a corrigir "erroscrônicos" no futebol brasileiro,sobretudo na escolha dosjogadores. Pretendia-se, para ir àSuécia, um grupo de profissionaissérios, responsáveis, disciplinados.Um dos pontos estabelecidos peloplano Paulo Machado de Carvalho,aprovado pela CBD (atual CBF),pregava que, entre o homem e ocraque, se preferisse, sempre, ohomem. Até um psicólogo foicontratado para cuidar disso.

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Entre os convocados para1958, havia dois problemas para opsicólogo (ou seus chefes)resolver: Canhoteiro e Garrincha.Um e outro, nos respectivoscampeonatos estaduais de 1957,tinham brilhado. Canhoteiro,campeão pelo São Paulo de Feola ePaulo Machado de Carvalho; eGarrincha, campeão pelo Botafogoque, muito por obra dele, esmagarao Fluminense por 6 a 2 na decisãocarioca. Canhoteiro, em quem

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Zizinho via um Garrincha pelaesquerda (seus dribles eramrealmente espetaculares), estavalonge de ser o modelo decomportamento que o plano exigia.Boêmio, de faltar treino e fugir deconcentração, só fora convocadoporque o comando são-paulino nãoteria coragem de deixar de fora umdos heróis de sua conquista. Mas,de forma alguma, Canhoteiroestaria entre os 22 que iriam aSuécia. Assim, Zagallo e Pepe

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foram no lugar que, bola por bola,deveria ser dele. Quanto aGarrincha, a indisciplina tática, oindividualismo, o jeito de ver nofutebol algo menos solene e gravedo que parecia, incomodavamFeola. Para o treinador, Garrinchaera um irresponsável, não pensavaseriamente o futebol, razão pelaqual iria à Suécia, sim, mas comoreserva. Titular no seu time?Melhor um homem que um craque.

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É estranho que Feolaprecisasse ser convencido dagenialidade de Garrincha, para oescalar num jogo decisivo com aUnião Soviética, quando o mundointeiro já sabia disso. Até NélsonRodrigues — a quem, dizia-se, umamiopia impedia de ver o que sepassava em campo — valeu-se doque acontecia em gramados suecospara explicar, à sua maneira, a artee o "não pensar" de Garrincha:"Todos nós dependemos do

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raciocínio. Não atravessamos arua, ou chupamos um chica-bom,sem todo um lento e intrincadoprocesso mental. Ao passo queGarrincha nunca precisou pensar.Garrincha não pensa. Tudo nele seresolve pelo instinto, pelo jato puroe irresistível do instinto. E, porisso mesmo, chega sempre antes,sempre na frente, porque jamais oraciocínio dos adversários terá avelocidade genial do seu instinto."

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Já é parte de História o queocorreu: Garrincha entrou contra ossoviéticos, desmoronou a defesaadversária, contrariou todos osprincípios técnico-táticos docomando da seleção e, mais umavez, o fenômeno derrubou a razão.Também é parte da História, só quecom muito mais eloquência, o quese passou no Chile quatro anosdepois. Antes e depois da contusãode Pelé (sem cujo talento temia-seque o Brasil não fosse muito

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longe), Garrincha jogou por si epelos companheiros. Enriqueceuseu repertório: jogadas pelo meio,gols de cabeça, gols de péesquerdo e até a valentia com quereagiu à violência de um chileno, aponto de o anjo se transformar emdemônio. Jornal de Santiagoreconheceu o fenômeno emmanchete: "De que planeta veio?"E o bi brasileiro ficou sendo obrade Garrincha e, claro, outros dez.

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Sendo fenômeno, é sempredifícil defini-lo. Mesmo a corajosabiografia que lhe dedicou RuyCastro não consegue explicarGarrincha. Não inteiramente. Ocraque já é um desafio. Com tantoshandicaps, como pode ter chegadoaonde chegou, conquistar vitórias,ganhar títulos, encantar multidões,ser o ídolo de todas as torcidas?No personagem, a mesmacomplexidade. Quem o entendeu,de fato? Repetimos aqui o que

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dissemos quando de sua morte em1983: Garrincha foi amado com amesma força com que o destruíram.Os técnicos, por colher vitóriasescalando-o quando, machucado,nem podia entrar em campo; osmédicos, infiltrando-lhecriminosamente os joelhos para dá-lo como "curado"; os dirigentes,explorando-o para alimentar aprópria vaidade; os companheirosde time, nem sempre agradecidos àgenerosidade de seus passes; a

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imprensa, por saber de suaderrocada e, não a tornandopública, impedindo que alguémfosse em seu socorro; o torcedor,embalado pela alegria de seufutebol, mas esquecido dele quandojá não podia driblar.

O craque foi mesmo umfenômeno. O personagem, também.Um e outro são como o país em quenasceram. Um país que — apesarde contrariar a lógica, os

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princípios, os códigos, osconceitos, as probabilidades, arazão — acontece. Por isso, comosentenciou Araújo Neto, jornalistaseu amigo, Garrincha foi maisbrasileiro que Pelé. E por que nãoo mais brasileiro de todos oscampeões do mundo?

LEÔNIDAS DA SILVA

Leônidas da Silva, o DiamanteNegro, o mais famoso craque

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brasileiro do seu tempo, participoude duas Copas do Mundo. Naprimeira, em 1934, mal teve tempode mostrar quem era. Na segunda,quatro anos depois, brilhou. Raros,se é que algum outro, forampersonagens tão destacados. Dentroe fora do campo. Como observouum de seus biógrafos, em fins dadécada de 30 somente doisbrasileiros podiam competir comele em popularidade: o cantorOrlando Silva e o presidente

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Getúlio Vargas. Leônidas foi aprimeira grande desculpa que obrasileiro se deu para justificaruma derrota em Copa do Mundo.As desculpas continuariam a serdadas pelo tempo afora, maspoucas tão perto da verdade.

Em 4 de setembro de 1932, naCopa Rio Branco, disputada emMontevidéu, Leônidas vestiu acamisa do Brasil pela primeira vez.Marcou os dois gols na histórica

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vitória por 2 a 1 sobre o Uruguai,então campeão mundial, econquistou para sempre o coraçãodo torcedor. Por isso — e porsaber que não havia limites para oseu futebol — anteviu ali, aos 18anos, atuando como amador peloBonsucesso, um formidável futuroprofissional.

Já nesse item Leônidas épioneiro. Toda sua luta, todo seuinconformismo e, sobretudo, toda

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sua dificuldade em dialogar com osdirigentes da época apoiaram-se naconsciência de que o futebol podiaser um interessante meio de vida. Oprofissionalismo ainda não estavaoficialmente implantado no Brasilquando, em 1933, Leônidas aceitouproposta em dinheiro para jogarpelo Peñarol uruguaio. O torcedorde lá não esquecera a espetacularatuação do ano anterior. E oprofissionalismo ainda não chegaraà seleção brasileira quando, em

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1934, ele aceitou proposta emdinheiro da CBD (futura CBF) paradefendê-la na Copa do Mundo daItália. Essa e outras atitudes,legítimas num regime profissional,mas levando-o a mudar de casa acada ano (Vasco, Esporte ClubeBrasil, Botafogo, até chegar aoFlamengo), valeram-lhe aimerecida fama de "mercenário".

Leônidas já era do Flamengoquando Ademar Pimenta o

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convocou para a seleção que iria àFrança para a Copa do Mundo de1938. Nos gramados deEstrasburgo, Bordeaux e mesmoMarselha (nesta, mesmo sem entrarem campo), a consagração. Foramos franceses que criaram epítetospara seu jogo ágil, escorregadio,vivo, inteligente e cheio desurpresas: "Le Diamond Noir" e"L'Homme Élastique". Seu perfil decampo resumia – e antecipava –aquilo que ficaria conhecido como

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"estilo brasileiro" de jogar futebol,um futebol que Gilberto Freyreclassificou de "mulato" paraexplicar, pela arte de seus craquesnegros e mestiços, por que o Brasilfoi tão eficiente e encantador emseu primeiro confronto, para valer,com os europeus. Lêonidassimbolizou o surgimento daquelefutebol aos olhos do mundo.Driblava, passando, não sedeixando marcar, fazendo gol dequalquer modo, brilhava. Tornou-

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se o trunfo brasileiro no jogo com aPolônia e nos dois com aTchecoslováquia. Marcou cincogols nos três e levou a seleçãobrasileira às semifinais.

O adversário era a Itália,campeã mundial em 1934, masLeônidas não jogou. Sofrera umestiramento muscular na coxadireita. Para Pimenta, o problemase agravou porque o suplente,Leonídio Fantoni, o Niginho, não

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pôde substituí-lo. Os italianos —baseados no fato de o jogador ser"oriundo" e ter atuando comoprofissional pelo Lazio, além de terfugido para o Brasil quandoconvocado por Mussolini para lutarna Abissínia — protestaram contrasua escalação. Sem Leônidas, esem Niginho, o Brasil perdeu paraa Itália por 2 a 1 e deu adeus aotítulo. Mas com Leônidas, venceu aSuécia por 4 a 2 na decisão doterceiro lugar. Nesse reencontro

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com a vitória, seus dois golsreforçaram a convicção de que,estivesse ele em campo contra ositalianos, a história seria outra.Pode ser.

Foi de fato a primeira desculpabrasileira por derrotas em Copa doMundo. E, sem dúvida, uma dasmais procedentes. Era inevitávelque histórias surgissem sobreaquela ausência. Uma, de que otécnico, depois da dura partida com

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os tchecos, decidira pouparLeônidas contra os italianos.Estaria tão certo da vitória, quepreferia tê-lo em perfeitascondições numa possível final.Essa versão tem defensoresconfiáveis, embora a maioria dosque viveram a Copa de 38acreditasse que Leônidas realmentenão pudesse jogar. Alguns poucos,entre eles Niginho, divulgaramversão mais feia: o craque serecusara a enfrentar os italianos

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por ter a CBD lhe negado oincentivo em dinheiro que pedirapara entrar em campo.

Tal hipótese, sem fundamento,só ganhou corpo depois, quandoLeônidas firmou-se como oprimeiro personagem cuja famadeve-se tanto ao futebol como àvida fora de campo. Frequentadorda noite e das altas rodas, amigo degente famosa, elegante, bem-falante, assediado na rua,

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incensado pela imprensa e semprepreocupado com o dinheiro, causoudores de cabeça aos clubes quedefendeu, principalmente oFlamengo. Cobrava constantesmelhorias de salário. Insatisfeito,faltava ou chegava atrasado aostreinos. Criava dúvidas sobre ascontusões alegadas para nãoparticipar dos exercícios físicos.Além disso, despertava inveja porreceber "royalties" do chocolateque adotara sua marca e frequentou

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às manchetes ao se envolver nosumiço do colar de certa dama dasociedade. Livrou-se dessa, masnão dos oito meses de detenção naVila Militar, por falsificação doatestado de reservista (ele, o futurotécnico Zezé Moreira e outroscaíram na conversa de um sargentoque lhes cobrou, em 1941, 500 milréis para livrá-los do serviçomilitar).

Ao sair, já rompido com o

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Flamengo, Leônidas transferiu-separa o São Paulo. Segundo umjornal da época, "por uma malacheia de dinheiro". Fez muito bem.Na estreia, recorde de público noPacaembu. Getúlio seria deposto,Orlando Silva perderia a voz, masLeônidas continuava sendo ídolo.No mais, o tricolor paulista seriapara ele o final perfeito de umanotável carreira. Pararia, virariatécnico e, depois, comentarista.Morreu em 2004, aos 90 anos, em

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Cotia (SP). O futebol lhe deve ummonumento.

ROMÁRIO

Romário é um grande personagem.Longe da bola, um homem tão vivo,inteligente, franco, impetuoso,destemido, polêmico e, de certomodo, único, quanto foi o craqueem campo. Há quem não veja nadadesse craque no deputado federalque, como se diz, não tem papas na

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língua. Mas a semelhança existe. Éclaro que o brilho de sua trajetóriacomo jogador de futebol jamaisserá alcançado pelo político. Atéporque a dimensão de sua história— uma história de sucesso —poucas vezes, se é que alguma, foialcançada por um jogador de suageração. A vivacidade, ainteligência, a franqueza, odestemor e a polêmica são o queaproxima um do outro.

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Romário atuou em duas Copasdo Mundo e chegou a estar cotadopara mais duas. Em todas elas,houve polêmica. Na de 1990, naItália, uma contusão o impediu deser o que se esperava que fosse.Jogou apenas um tempo na estreiacontra a Escócia e depois ousoudispensar os serviços médicos daCBF para ser cuidado peloterapeuta Filé. O alto-comando daseleção fez cara feia. E certamentesó o manteve nos planos para a

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próxima Copa porque, pensandobem, ele era Romário.

No caminho para a Copa dosEUA, polêmica ainda maior. Em1993, até a semana que antecedeu apartida com o Uruguai, noMaracanã, decisiva daseliminatórias, Romário era nomeproibido de se pronunciar naGranja Comary, onde a seleçãotreinava e se concentrava. Omotivo é que ele continuava sendo

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Romário. No caso, não o craque,mas o moço impetuoso e destemidoque já então não tinha papas nalíngua. A causa foi um amistosocom a Alemanha, dez meses antes,no Beira-Rio. Convocado, oatacante do PSV Eindhoven viajou17 horas de Amsterdã a PortoAlegre. Na hora do jogo, CarlosAlberto Parreira escalou Careca edeixou Romário no banco (sóentraria aos 22 minutos do segundotempo, no lugar de Careca).

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Romário não gostou. Pior, ficou tãofurioso que perdeu a cabeça numadiscussão com Zagallo, auxiliar deParreira, ofendendo-o de umamaneira que a comissão técnicaconsiderou indesculpável. Foibanido da seleção.

E assim foi até a semana dapartida com o Uruguai. Durantetoda a irregular campanhabrasileira para assegurar a ida aosEstados Unidos, a pergunta que se

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repetia, nas entrevistas comParreira, tinha o mesmo tom: "Porque não convoca o Romário?" E nomesmo tom era a resposta: "Só falodos jogadores que convoquei,nunca dos não convocados".Chegada a hora da decisão,Parreira, Zagallo, os dirigentes,todos, trataram de repensar suasverdades.

O clima era mesmo de decisão,e nervosa. Certamente os homens

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que dirigiam a seleção juntaraminformações — lembranças daderrota de 50 para o mesmoadversário de agora, oreconhecimento de que seleçãoatual ainda não acertara, arepercussão que teria o Brasil forada Copa pela primeira vez e, maisque tudo, o fato de Romário estarsendo Romário na Europa, agora noBarcelona. E o convocaram. Paramarcar os dois gols da vitóriasobre os uruguaios, dando assim o

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primeiro grande passo para, dali aum ano, ser o craque da Copa ejogador decisivo na tão esperadaconquista do tetra.

Polêmica também em 1998,quando Romário foi cortado emParis, sob a alegação de não estarbem fisicamente. Romário viu nadecisão de Zagallo e de seuassessor Zico sinais deressentimentos (anos antes, numaentrevista, Romário se referira a

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Zico como "um perdedor"). Em2002, quando o povo e até opresidente da República o queriamna seleção, ele se viu outra vezpreterido, agora por Felipe Scolari.Como sempre, reclamou. Tinha 36anos e estava "em forma". Acampanha do penta acabou dandorazão ao técnico.

De qualquer forma, foi mesmouma carreira de sucesso. Romáriodeve tudo ao seu futebol, modelo

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de atacante de área, preciso,desconcertante no drible curto,oportuno, simplificador,pensamento e ação em altavelocidade. Sucesso na seleção enos clubes que defendeu.Bicampeão carioca e campeãobrasileiro pelo Vasco, duas vezescarioca pelo Flamengo, campeãona Espanha e na Holanda, seisvezes artilheiro do Carioca e trêsdo Brasileiro. Somam-se a issomais de 20 troféus de "melhor do

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ano", incluindo os concedidos pelaFifa e por "France Footbal" (masterá, mesmo, marcado mais de milgols, ou entram nessa conta osconseguidos em jogos nãooficiais?).

O importante é que tudo issoteve a acompanhá-lo a imagem degaroto rebelde, desobediente,brigão, carismático e, talvez o maisimportante, orgulhoso de suasorigens (ou do modo como o

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esforço próprio o fez superá-las).Romário nasceu pobre na favela doJacarezinho e aos 3 anos foi para aVila da Penha. O modo comoprofere, quase com orgulho, apalavra "favela" (preferindo-a àalternativa "comunidade"), diz bemde seu temperamento e suafranqueza. Ter chegado tão alto,vindo de tão baixo, para ele é maisque uma vitória. O homem, como ojogador, não tem medo de nada.Nem de parecer politicamente

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incorreto ao defender o vascaínoEurico Miranda, pondo acima dasdiferenças a fidelidade que aamizade impõe. Como também nãoteve medo de ser o primeiro súditoa fustigar o Rei por suasdeclarações no mínimo discutíveis.Frase sua que entrou para ahistória: "Pelé, calado, é umpoeta".

Atleta, na acepção da palavra,Romário nunca foi. Sua vida fora

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do campo era a de um convictoantiprofissional. Festas, saídasnoturnas, pouco treino, muitofutevôlei, futebol de praia, papocom os amigos. Nisso, como emquase tudo, é surpreendente. Damesma forma que as colunas defofocas o crucificavam comomarido nada exemplar, adeclaração de amor e apoioirrestrito à filha com Síndrome deDown comoveram até os maisdescrentes e deu exemplo para

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muitos pais.

Eleito em 2010 deputadofederal pelo Rio, como o sextomais votado no estado,surpreendeu. Os que esperavamdesempenho parecido com o deoutros jogadores, alçados pelapopularidade à condição derepresentantes do povo em câmarase assembleias, Romário leva seumandato à sério. Enquanto, porexemplo, Bebeto, seu companheiro

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de ataque no tetra, que atua paraque José Maria Marin ganhemedalhas oficiais, ele, Romário,dedica-se a causas mais nobres. Éum deputado que diz sempre o quequer dizer. O esporte, o futebol emparticular, é sua bandeira. Rebatecom veemência as declaraçõescomprometidas de Pelé, do próprioBebeto e de Ronaldo Fenômeno,para quem "não se faz Copa comhospitais". Atira nas lideranças daCBF, a anterior, a atual e a futura.

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O responsável por esta última oprocessa, perde e leva o deputadoa bendizer sua imunidade. Romáriocobra apuração dos gastos naconstrução de estádios e, olhando àfrente, exige que se saiba como ageo Comitê Olímpico Brasileiro comvistas a 2016. Em sua opinião, aFifa é um antro de ladrões. Chamao presidente Joseph Blatter denomes mais feios e põe no mesmosaco o secretário Jêrome Valcke.Ao contrário do goleador, o

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deputado não tem tanto êxito emsuas ações ofensivas. Mas fala. E,à sua maneira, trabalha.

Romário é mesmo único. Aquem mais Johann Cruyff definiucomo "o gênio da grande área"? Emquem mais Tostão viu "umfenomenal centroavante". QuemDiego Maradona pôs ao lado deVan Basten como os maioresatacantes que viu? Que atacanteEduardo Galeano comparou a um

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tigre que, vindo de regiãodesconhecida, "aparece, dá seubote e se esfuma", deixando a bolanas redes contrárias? Por tudo isso,tanto o personagem como o heróido tetra jamais deixaram de serRomário.

RONALDO

A transformação de Ronaldo LuísNazário de Lima, menino pobre etímido de Bento Ribeiro, sem êxito

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nos estudos e sem sorte com asgarotas, em Ronaldo "IlFenomeno", rico, famoso, o melhordo mundo, ganhador de medalhas ebeldades, é uma das maisexemplares histórias de sucesso dofutebol brasileiro. É bem verdadeque outros craques percorreramatalhos semelhantes, tambémpartindo da pobreza para a glória.Mas os extremos de Ronaldo sãoimpressionantes, fazendo dele umpersonagem diferente. Nenhum

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outro, sendo menino de quem seesperava tão pouco, chegou tãolonge a ponto de viver, dentro efora dos gramados, episódios quemereceram tanto espaço naimprensa internacional.

Diferente por várias razões. Ofato de ser nascido e criado pobrenum subúrbio carioca, e teralcançado fama e fortuna graças aoseu futebol, talvez seja o menosimportante. Também não conta

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muito ser o artilheiro que mais golsmarcou em Copas do Mundo (15),até porque o alemão MiroslavKlose (14) está vindo aí, doidopara superar seu recorde. O quemais ressalta, na biografia deRonaldo, é ter ele sobrevivido atantos momentos críticos, nofutebol e fora dele.

Ronaldo participou de quatroCopas do Mundo e uma Olimpíada.Representou um papel em cada uma

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das competições. No primeiromundial (1994), reserva de luxo.No segundo (1998), responsávelinvoluntário pelo desgastepsicológico que levou a seleção àderrota. No terceiro (2002), herói.No quarto, (2006), decepção. NosJogos Olímpicos de Atlanta-96, atéque ele se saiu bem, mas de nadaadiantou se o Brasil, mais uma vez,ficou sem a medalha de ouro queaté hoje busca. Uma carreira dealtos e baixos? Até certo ponto,

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sim, mas os altos de Ronaldo foramsempre espetaculares — e àmaioria dos baixos, como se disse,ele sobreviveu.

Tudo isso à grande velocidade.Aos 11 anos, era goleiro de futebolde salão em Vila Valqueire; aos 12,virou atacante; aos 13,semiprofissional no futebol decampo do São Cristóvão; aos 16,contratado pelo Cruzeiro de BeloHorizonte, onde, como artilheiro,

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foi campeão; aos 17, seleçãobrasileira e o primeiro títulomundial nos Estados Unidos(Carlos Alberto Parreira nãochegou a usá-lo nas sete partidasdo Brasil); aos 18, ídolo do PSVEindhoven, da Holanda, e começode uma carreira profissionalmarcada por transferênciasmilionárias, do PSV para oBarcelona, deste para o Inter deMilão e deste para "el equipogaláctico" do Real Madrid.

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Artilheiro sempre, campeãoalgumas vezes. E, ao mesmo tempo,titular absoluto da seleçãobrasileira.

Os italianos tinham suas razõespara considerá-lo fenomenal.Atacante veloz, difícil de marcar,inteligente, com um repertório dejogadas que terminavam semprecom uma finalização ditada pelasimplicidade. Marcar gols simples,sem enfeites, depois de

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preparações elaboradas,complicadíssimas, era umacaracterística de Ronaldo.Manteve-a com brilho, na Copa de2002, a do penta, mas perdeu-aquatro anos depois, ao seapresentar pesado, sem condiçõesatléticas satisfatórias. Mesmoassim, é mais lembrado pelofutebol que realmente jogou.

O primeiro dos momentoscríticos aconteceu na França, em 12

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de julho de 1998, dia da final daCopa do Mundo. Ronaldo já tinhasido eleito, por duas vezes, omelhor do mundo e ainda seriaconsiderado pela Fifa o craquedaquele campeonato. Um distúrbiode sono (e não uma "convulsão",como se chegou a dizer),surpreendeu-o após o almoço noChâteau de Grande Romaine, emLésigny, onde a seleção brasileirase hospedava. Seus companheirosentraram em pânico. Alguns,

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vendo-o contorcer-se, babando, alíngua enrolada, pensaram queestivesse morrendo. Isso a horas dadecisão contra a França. Depois dedetalhados exames em Paris, osmédicos o liberaram para jogar.Era o que ele mesmo queria, comoafirmou, categoricamente, aotécnico Zagallo, que chegara aescalar Edmundo em seu lugar.

Ronaldo jogou, a Françavenceu e o Brasil sofreu ali sua

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maior goleada em Copas do Mundo(3 a 0). Toda a seleção brasileira,e não só Ronaldo, teve atuaçãoapagada naquela decisão, mente enervos visivelmente afetados pelodrama de Lésigny. Até que sesoubesse o que realmenteaconteceu, houve quem oresponsabilizasse pela derrota.Ronaldo teria tremido, seacovardado, vencido pelo medo nahora da verdade. Em um país comoo Brasil, essa reação de primeiro

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momento seria o bastante paraacabar com a carreira de qualquerum.

De volta ao Inter de Milão,depois que os fatos de 1998acabaram em ComissãoParlamentar de Inquérito, Ronaldoparecia em forma, em novembro de1999, quando, num jogo contra oLecce, ele sofreu a lesão no joelhoque o obrigou a operar-se em Parise a ficar três meses sem jogar. De

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volta, em abril de 2000, num jogocontra o Lazio pelaCopa da Itália,o mesmo joelho não resistiu aopeso do corpo, a perna se dobrandocomo se fraturada. Mais algunsmeses de tratamento e, agora sim, aquase certeza de que nunca maisjogaria.

De sobrevivência emsobrevivência, Ronaldo chegaria àCopa de 2002, a primeira emestádios da Ásia, como um imenso

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ponto de interrogação. Marcar osdois gols da vitória por 2 a 0 sobrea Alemanha na final em Tóquio,dando ao Brasil opentacampeonato, foi o mínimo queele fez para provar que seu futebolainda era o de um vencedor, umcraque, um fenômeno. Cada vezmais rico, era eleito por revistabrasileira como um dos "100brasileiros mais influentes", nacultura, na política, na sociedade.

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O Ronaldo fora dos camposganhou notoriedade, sobretudo, porseus relacionamentos com belasmulheres. Cada caso mereceu maisespaço no noticiário do que muitoromance envolvendo celebridadesda realeza, do cinema ou de outrasartes. A primeira beldade a ganharesse espaço estava com ele emParis na Copa de 1998. Ou melhor,Ronaldo concentrado e elacontratada como repórter detelevisão. Esse distanciamento,

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com os ciúmes dele, teria causadoo estresse com que chegou à finalda Copa. Com a segunda, atriz,recordista em "embaixadas",Ronaldo se casou. É dela seuprimeiro filho, Ronald. Ocasamento com a terceira foi umacontecimento. Celebrado noChâteau de Chantily, nos arredoresde Paris, custou € 1 milhão aonoivo, que fez questão de uma festapara 250 pessoas, entre parentes,amigos e convidados ilustres,

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vestidos com roupa de grife,música, bufê fantástico, tudo emgrande estilo. Separaram-se trêsmeses depois. A quarta, mãe desuas duas filhas, Maria Sofia eMaria Alice, continuou ao seu ladopor algum tempo depois de ele tersido vítima de extorsão por umtravesti no Rio de Janeiro.

Ronaldo já estava sozinhoquando, gordo, longe de ser omesmo fenômeno de outros tempos,

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decidiu encerrar a carreira. Seusúltimos dois anos de futebol,vestindo a camisa do Corinthians,ainda tinham algo desobrevivência. Na vida civil,seguiria mais rico e famoso, agoracomo astro de comerciais de TV,candidato a empresário,comentarista e um dos membros doComitê Organizador da Copa doMundo de 2014, a segunda sem apresença em campo de seu maiorartilheiro.

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BARBOSA

Algumas das melhores frases sobrefutebol têm se inspirado na vidados goleiros. Uma, de Dom RosséCavaca (frequentemente usada poroutros escribas como se delesfosse), está hoje numa das salas doMuseu do Futebol, em São Paulo:"Desgraçado é o goleiro, onde elepisa nem grama nasce". Outra, deJosé Paulo Kupfer: "Às vezes, o

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que passa entre as pernas dogoleiro não é a bola, mas atragédia." Outra mais, de AraújoNetto: "O goleiro, no Brasil, se nãofor realmente a entidade infalível,não presta; e, sendo infalível, nãofaz mais do que a sua obrigação".Essas e várias outras caberiamcomo epígrafe de qualquer históriaque se fosse contar sobre MoacirBarbosa, o mais sofrido jogador detoda esta série dedicada a grandespersonagens brasileiros em Copas

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do Mundo.

A razão de Barbosa ser tãomaltratado pela História éconhecida por quem quer quealgum dia tenha se interessado porfutebol neste país: foi nele que ouruguaio Alcides Edgardo Ghiggiamarcou o gol que impediu o Brasilde ser campeão mundial em 1950.

Melhor, contudo, seria rever ogol nas raras imagens que sobraremdele e concluir que não houve

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frango. Preocupado com apossibilidade de Ghiggia centrarpara o meio da área, como fizerano primeiro gol uruguaio, Barbosaconcentrou-se naquele ponto, omeio da área. Mas Ghiggia nãocentrou. Chutou prensado, rasteiro,não muito forte, no canto esquerdode Barbosa, que saltou fração desegundo atrasado e não defendeu.Claro, dizer que não foi frango énegar a História. Ou melhor, écontrariar a versão dos primeiros

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historiadores.

A estreia de Barbosa naseleção brasileira deu-se emdezembro de 1945, no Pacaembu,pela Copa Rocca: Argentina 4,Brasil 3. Em 1948, graças às suasatuações pelo Vasco, Barbosatornou-se o goleiro número um dopaís. Pela seleção, foi campeãosul-americano em 1949 e disputouas seis partidas da Copa do Mundo.Até a final fatídica, sofrera quatro

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gols (dois contra a Suíça, um contraa Suécia e um contra a Espanha),todos indefensáveis. Da mesmaforma, não houve como impedirque o petardo desferido por JuanSchiaffino, emendando bolacentrada por Ghiggia, empatasse ojogo. Até o gol de Ghiggia, aos 23minutos do segundo tempo,Barbosa foi entidade infalível por527 minutos. Mas ainda faltavam23.

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Barbosa jamais se esquivou delembrar o fato, com detalhes, parajornalistas, do mundo inteiro, que oprocuraram. Não foi por outromotivo que, em 1993, na vésperado Brasil x Uruguai decisivo daseliminatórias para a Copa doMundo, aceitou convite detelevisão britânica para conversarcom Taffarel na Granja Comary.Infeliz ideia. Mais infeliz ainda foia decisão do comando da seleçãobrasileira de barrá-lo na entrada.

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Motivo? Podia transmitir aogoleiro de agora a maldição de1950.

Talvez tenha partido do próprioBarbosa a consciência mais nítidado absurdo de sua história: "A penamáxima no Brasil é de 30 anos,mas pago há 50 por um crime quenão cometi" — repetiu ele poucoantes de morrer, aos 82, em 2000.Discutia-se então se eram de fatoas traves do Maracanã, as do gol

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de Ghiggia, as que ele queimoupara exorcizar num churrasco osegundo gol uruguaio. Hoje, já nãoimporta se eram as verdadeiras ounão. Se eram para ele, que sejampara nós. Resta a esperança de quea culpa que imerecidamenteBarbosa carregou por tanto tempotenha se ido com a fumaça.

TOSTÃO

De início, faziam trocadilho com o

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apelido de Tostão, por ser ele ojovem atacante de um timechamado Cruzeiro. Depois,descobriram o craque que seescondia por trás do corpo miúdode mineiro tímido. Mais adiante,reconheceram nele o fora de sérieque, ao lado de Pelé, ajudaria oBrasil a ser tricampeão. NoMéxico, detalhe anotado primeiropor observadores europeus, elepassou a ser visto como umpensador a fazer desfilar em campo

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a síntese do mais moderno futebolde seu tempo. Hoje, há mais de 40anos longe da bola, é com o mesmoapelido que ele assina uma dasmais lúcidas colunas de esporte daimprensa brasileira. Engana-sequem pensa que são vários osTostões mencionados acima. Até odoutor Eduardo GonçalvesAndrade, especializado emmedicina psicossomática e terapiapsicanalítica, é parte da construçãodo mesmo personagem.

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Tostão só participou de duasCopas do Mundo, a segunda, a de1970, é aquela em que terminou nu,em pleno Estádio Asteca,torcedores mexicanos levando-lhecamisa e calção como lembrança.No entanto, até na ausência eleesteve presente em outras Copas.Por exemplo, na de 1974, quandoJohann Cruyff assim analisou aseleção de Zagallo que ele, craqueholandês, derrotara em Dortmund:"Ao Brasil faltaram jogadores

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geniais. A equipe brasileira,campeã do mundo, apoiava suasações em três verdadeiros gêniosdo futebol: Gérson, Tostão e Pelé.Com três jogadores dessaassombrosa categoria, as coisasficam bem mais fáceis".

Partindo de Cruyff, o melhor domundo na época, a declaração tinhavalor dobrado. Por vir de quemveio e por ratificar o fecho que ojornalista britânico Hugh

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McIlvanney dá ao seu livro sobre aCopa de 1970: "Por combinar oque há de melhor nos craqueseuropeu e sul-americano, e o quehá de melhor nas velhas artes e nasnovas ciências do jogo, ele(Tostão) bem poderia ser osímbolo perfeito de uma grandeCopa do Mundo em 1974. Só depensar nisso o coração bate maisforte". Pensando em Tostão,McIlvanney antevia Cruyff.

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Os europeus foram de fato osprimeiros a ver em Tostão umpasso adiante. Reconheciam agenialidade individual de Pelé e acapacidade de organização de jogode Gérson, para citar dois dos trêsassombrosos de que fala Cruyff.Mas em Tostão, na inteligência deTostão, na capacidade paradescobrir e ocupar espaços, noespírito de solidariedade e,principalmente, no raciocíniorápido com que fazia os pés

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executarem a jogada tão logo apensava, estava o futebol do futuro.João Saldanha também perceberaessas qualidades em Tostão, masainda o via mais como gênio daraça, cem por cento brasileiro, doque como craque global.

Foi como tal que Tostãotambém esteve presente em 1978,quando Cláudio Coutinho, meiobrincando, disse que seu desejo,para executar o futebol-total na

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seleção brasileira, era ter onzeTostões no time. E presente aindaem 1982, quando Telê Santanalamentou não ter no seu escrete umcentroavante que soubesse jogarcomo Tostão.

Sua carreira profissionalcomeçou no Cruzeiro. Na maisiluminada geração já surgida noclube (ele, Dirceu Lopes, WilsonPiazza, Zé Carlos, Natal, Evaldo,Raul Plasman), foi pentacampeão

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mineiro e campeão da Taça Brasil,derrotando o Santos em históricafinal. Para lançar mão de outrotrocadilho muito usado na época,aquele time pôs o Cruzeiro nomapa do futebol brasileiro. A idapara a seleção brasileira, na Copade 1966, foi encarada por algunscomo uma concessão da CBD aMinas (como tinham sido a deAlcindo ao Sul e a de Nado aoNordeste).

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No dia em que ele chegou, umrepórter perguntou-lhe se a camisada seleção não ia pesar. Tostão pôsa sua na balança e respondeu quepesava tanto quanto a do Cruzeiro.Outro, lhe criticou a altura, umcentímetro a menos que a de Pelé.Mas não tardou a derrubar todas asdesconfianças. Fez o gol brasileirona derrota para a Hungria, voltoupara casa, foi ovacionado nodesembarque e, de uma forma e deoutra, enquanto pudesse, seria

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sempre o titular da seleção.

Artilheiro do CampeonatoMineiro nos quatro primeiros anosdo penta do Cruzeiro e artilheirodas eliminatórias de 1969, nãoforam os gols que conferiram aTostão o caráter de exceção, mastodas aquelas qualidades queacabavam ajudando-o a marcar. NaCopa do Mundo de 1970, só fezdois gols, mas criou jogadas deantologia que acabaram em gol.

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Contra a Inglaterra, livrou-se damarcação de Mullery, passou abola entra as pernas de BobbyMoore, girou o corpo, cruzou paraPelé, que rolou para Jairzinhomarcar o gol do jogo. Contra oUruguai, o passe em profundidade aClodoaldo resultou numprovidencial gol de empate. Numlançamento longo para Jairzinho, 2a 1. E, no mesmo jogo, o passemedido que possibilitou a Pelé ofamoso drible sem bola em

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Mazurkievicz. Esse Tostão, menosvisível aos olhos do observadorcomum que o artilheiro, é que,ajudando o Brasil a ser tri,encantou os europeus.

Tostão esteve ameaçado de nãojogar a Copa no México. Umabolada no olho esquerdo (chuteforte do corintiano Ditão) provocouo descolamento de retina que pormeses o puseram de fora, emcirurgias em Houston e em longos

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tratamentos. Deixou um país inteirona expectativa, mas voltou. Aceitoudignamente a ponderação deZagallo, sobre ele e Pelé nãopoderem jogar juntos, e soubeesperar sua vez. Guarda até hojesincera admiração pelo treinadorque, substituindo Saldanha, foiimportante comandante do timebrasileiro.

Em 1972, sem ambiente noCruzeiro, transferiu-se para o

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Vasco. Por uma soma recorde nofutebol brasileiro. Seguiu-se operíodo mais triste de sua vida nofutebol. O problema na vistaagravou-se no começo de 1973, eleteve de retornar a Houston paranovo tratamento. Melhorou, piorou,quis voltar, mas foi obrigado aparar. Tinha 26 anos. O Vasco nãoaceitou, em especial pelo dinheiroinvestido para ter apenas um ano deTostão. As acusações ao jogador(de que sabia da vista antes de

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assinar com o clube carioca) ofizeram deixar tudo para trás. Pormuito tempo, magoado, saiu decena. Foi estudar medicina,formou-se, trabalhou, aposentou-se.Um dia, passados 20 anos, feridascicatrizadas, voltou como cronista.Escreve sobre futebol com amesma lucidez de quando jogava.

SÓCRATES

Sócrates foi tão admirável como

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personagem — homem capaz depensar o futebol como pensava avida — que às vezes nosesquecemos do excelente jogadorque ele foi. Craque com a bola nospés, não era o mesmo como atleta.Mas suas qualidades técnicas eramtantas que Telê Santana, rigorosodefensor da disciplina, tolerava oseventuais desvios. Convencido deque ele poderia ser 'o novo Tostão'em seu ataque, fez dele o seucapitão.

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Ser o capitão, no caso, deve-setanto ao craque como aopersonagem. Paraense na certidão(nasceu em Belém, em 19 defevereiro de 1954), SócratesBrasileiro Sampaio de SouzaVieira de Oliveira era paulista decoração. Tinhas 19 anos quandoestreou no Botafogo de RibeirãoPreto. Ao mesmo tempo, conscientede que a carreira de jogador eracurta, cursava medicina. A ida parao Corinthians, em 1978, mudou sua

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vida.

Nos seis anos seguintes, noParque São Jorge, registraram-sealguns dos episódios maisimportantes na história de Sócrates.Um deles, a seleção. Em 1979, aoconvocar os jogadores para umamistoso com o Paraguai, ClaudioCoutinho tinha na cabeça acombinação que o levaria aos seusmelhores resultados: jogo coletivo,sim, mas praticado por brilhantes

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individualidades.

Foi assim que, na goleada de 6a 0 sobre os paraguaios, a seleçãocontou pela primeira vez comSócrates. Um ano depois, TelêSantana, o substituto de Coutinho,tinha ideias ainda mais firmessobre o jogo brasileiro. Não abriamão da técnica. O que explicaSócrates como titular absoluto em1982 e 1986. É verdade que oBrasil perdeu as duas Copas. Mas

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nada apaga a impressão de queaquelas foram as seleções quejogaram o futebol mais brasileiro,mais virtuoso, mais bonito dosúltimos 40 anos.

A liderança de Sócrates é umdos traços mais singulares dopersonagem. Em 1982, para livraro Corinthians da administraçãoditatorial de Vicente Matheus,Sócrates e Wladimir se uniram aodiretor Adílson Monteiro Alves

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para democratizar o Parque SãoJorge. A Democracia Corintiananão durou muito, e o fim se deucom a ida de Sócrates para aFiorentina.

Mas algo ficou. Embora ofutebol no Brasil levasse mais de30 anos até que um grupo deprofissionais voltasse a reivindicarmelhores condições de trabalho, onome de Sócrates ainda serve deexemplo. No dia de sua morte, em

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4 de dezembro de 2011, antes dojogo em que o Corinthians sesagraria campeão brasileiro, seusjogadores, imóveis no círculocentral, ergueram os punhos em suahomenagem. Era como o craquecomemorava seus gols, e opersonagem, a liberdade.

ZAGALLO

Mário Jorge Lobo Zagallo é umvencedor. No futebol como na vida,

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tem sido beneficiado, segundo ele,pela sorte, mas, para quemacompanha sua carreira desde ostempos de juvenil do Flamengo,pela coragem. Como personagemda longa história da participaçãodo Brasil em Copas do Mundo, éúnico. Ninguém venceu mais queele e de tão diferentes maneiras.Mesmo assim – e este é outro dadode sua excepcionalidade – foimuitas vezes discutido, contestado,negado. O craque nunca foi o

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favorito dos críticos, e no entantoajudou o Brasil a ganhar doistítulos mundiais. O treinadorassumiu a seleção brasileira nummomento que lhe era desfavorável(para substituir João Saldanha), eno entanto levou seu time ao tri.Por fim, o auxiliar de Parreira,coadjuvante discreto, fez mais doque se pensa para a conquista dotetra.

Zagallo sempre teve

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consciência de que, como jogador,jamais seria um ídolo da torcida.Em campo, era mais cerebral doque emocional. Calculista, nãotinha os arrebatamentos dos que,com vocação para herói, suam acamisa pelo time e pelaarquibancada. O suor de Zagalloera medido, pensado, operoso,razão pela qual o compararam auma "formiguinha" a trabalhar emsilêncio. Zagallo sempre teveconsciência, também, de que, como

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treinador, jamais lhe seriaconcedida uma aprovação unânime(de resto, quantos técnicos nestepaís de técnicos a conseguiram?)Por muito tempo, tal apoio lhe foinegado por adotar, em clube ou emseleção, apenas um sistema dejogo: o 4-3-3 com ponta-esquerdarecuado. Com tudo isso, poucossouberam armar um time tão bem.

É onde entra a coragem, muitomais esta do que sorte. Antes de

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disputar campeonato pelo juvenildo Flamengo, Zagallo andou peloAmérica. Diz a lenda, nãoconfirmada por nenhum dos dois,que ele só foi parar na ponta-esquerda porque o meia-esquerdaera muito melhor: Arnaldo Niskier.De qualquer forma, o ex-aluno doExternato São José (onde sedestacara como exímio tenista demesa), foi fazer ala com China noataque rubro-negro vice-campeãocarioca de juvenis em 1950. No

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campeão, o Fluminense, umpersonagem que teria históriaparecida com a sua: Telê Santana.Só que, no caso, sem a mesmasorte. Como jogador, Telê jamaischegou à seleção brasileira. Comotreinador, duas Copas perdidas.

Se Zagallo não tinha perfil deídolo no Flamengo, pelo qual foitricampeão carioca, e secontinuaria assim no Botafogo, bicarioca e bi do Rio-São Paulo, nos

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times que integrou garantiu lugarpela aplicação, pela regularidade epor ser valiosa peça adicional nosesquemas de jogo de seus técnicos.Impressionava mais por isso, seulugar na equipe, do que pelasvirtudes individuais que tambémtinha: o drible curto, o passepreciso, a inteligência, o fôlego e,naturalmente, a coragem. Quandofoi convocado para a Copa doMundo de 1958, ainda noFlamengo, suas chances de garantir

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um lugar entre os 22 pareciammínimas. Como superar Pepe, quevinha de excelentes atuações noSantos de 1957? E como disputarposição com Canhoteiro, tido comogênio, inclusive por mestre Zizinho,que via nele "o Garrincha pelaesquerda"? Pois Zagallo, desta vezsomando sorte à coragem, venceu.

Nunca tinha sido convocadopara a seleção brasileira quandoVicente Feola o chamou para

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disputar a ponta-esquerda comPepe e Canhoteiro. Era o azarão daparada. Estreou logo no primeiroteste da seleção: vitória de 5 a 1sobre o Paraguai, com dois golsseus. Foi substituído porCanhoteiro no segundo tempo doamistoso seguinte, um 0 a 0 com omesmo Paraguai, e ficou nesseentra e sai com os doisconcorrentes até o embarque para aSuécia, quando Canhoteiro – gêniocujo temperamento boêmio não

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agradava ao alto-comando da CBD– já tinha sido cortado. Portanto,restava Pepe.

Nos dois amistosos na Itália,escalas que antecederam o vôopara Estocolmo, tudo indicava quePepe seria o titular. Jogou os 90minutos contra a Fiorentina e,contundido no segundo tempo, deulugar a Zagallo contra o Inter deMilão. A coragem com que o"reserva" entrou, recuando por

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conta própria em auxílio ao meiode campo e ainda por cimamarcando o quarto gol da vitóriapor 4 a 0, garantiram-lhe a posiçãopara a estreia contra a Áustria.Menos pelo azar de Pepe, sortesua, do que por ter convencido acomissão técnica de que era ohomem certo, Zagallo venceu maisuma vez. Quatro anos depois, noChile, nova contusão de Pepeassegurou-lhe o posto que, emquatro dos seis amistosos

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preparatórios, o técnico AimoréMoreira preferira entregar ao pontasantista.

Os dados do jogador Zagalloem Copas do Mundo sãoimpressionantes: ele formou, comDidi, Nílton Santos e Gilmar, ogrupo dos únicos que atuaram nas12 partidas do bicampeonatomundial brasileiro, seis em 1958 naSuécia, seis em 1962 no Chile.Marcou sua presença com um gol

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na final da primeira e outro gol naestreia na segunda. Quem tiveroportunidade de ver a íntegra deBrasil 5, Suécia 2, perpetuada emvídeo pirata por obra de umcinegrafista japonês, talvez sesurpreenda com a atuação deZagallo: correu, marcou, chutou,passou, fez e salvou gol. Oslocutores de rádio que nostransmitiram aquela final nãosouberam avaliar bem o trabalhodo formiguinha que, não nascido

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para herói, brilhou.

O técnico foi uma consequêncianatural do jeito de ver o futebolcomo complexo somatório detáticas e sistemas. Da mesmamaneira como vivia o jogo emcampo, Zagallo passou a vê-lo defora, primeiro como comandantedos juvenis do Botafogo, clubepelo qual aposentou as chuteira em1965. A preferência pelo 4-3-3com ponta esquerda recuado foi, de

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certo modo, uma tentativa de verrefletida nos time que dirigia suaprópria carreira como jogador. Namaioria das vezes, deu certo. Provadisso são os vários títulos:Botafogo, Flamengo, Fluminense,Emirados Árabes, Kuwait e, o maisimportante de todos, otricampeonato mundial pelaseleção brasileira em 1970. Comeste, Zagallo tornou-se o primeiropersonagem do futebol a sercampeão mundial como jogador e

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como técnico (o segundo, e até hojeúnico além dele, é FranzBeckenbauer, na seleção alemã,capitão em 1974 e técnico em1986).

A Copa do Mundo em 1970 émomento decisivo na história deZagallo. É nele que o técnico obtémsua maior glória e é nele que opersonagem enfrenta as mais durascríticas. Tudo por causa do períodopoliticamente sombrio que o país

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vivia, o futebol intimamenteassociado à ditadura Médici. EZagallo, um apolítico cuja maiorpaixão era o futebol, começoupagando caro por ter substituídoJoão Saldanha à frente da seleção.Um Saldanha muito popular,carismático, igualmenteapaixonado, cuja queda foiatribuída a manobra de bastidoresregida pelo governo militar (o quesó em parte era verdade). Porassociação, o esquerdista Saldanha

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caindo para Zagallo subir, aprimeira reação dos críticos foiassociar o novo treinador aocomando, agora sim, militarizado,comprometido com o regime, daseleção que iria tentar no México aposse definitiva da Jules Rimet.

Zagallo conduziucompetentemente seu time ao tri.Sobretudo depois que — Pelé eTostão jogando juntos (o que elenão queria) e Rivelino entrando

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como falso ponta-esquerda(Zagallo preferia Paulo CésarCaju) — o substituto de Saldanhadeu à seleção a cara que a levou àvitória. Mesmo que suas outrasexperiências como técnico deseleção nem chegassem perto(quarto lugar em 1974 e segundoem 1998), nada apaga o feito de1970. Como auxiliar de Parreiraem 2006, pode não ter tido sortenem coragem (esta, para nãoconcordar com a bagunça em que a

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CBF mergulhou a delegaçãobrasileira). Mas, auxiliar deParreira em 1994, ele fez as pazescom o papel que lhe cabe melhor:vencedor.

Zagallo, o jogador,formiguinha. Zagallo, o técnico, umdevotado. Sendo ambosvencedores, talvez caiba defini-losrecorrendo a versos do poeta PauloMendes Campo sobre a saga dosbicampeões do mundo: "Minuto a

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minuto, durante 540 minutos(durante a vida inteira,acrescentamos nós), Zagallocumpriu o seu dever."

NILTON SANTOS

De todos os personagens destasérie, é provável que nenhum tenhavivido o futebol de modo tãointenso, tão compenetrado e tãosofrido como Nilton Santos. Paraele, em dia de clássico, o velho

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Maracanã era uma imensa panelade pressão a ferver nervos emúsculos de jogadores que, como opróprio, davam a vida pela vitória.Em campo, Nilton Santos não ria,não brincava, não enfeitava, nãotirava os olhos da bola. Fazia tudoisso com a técnica, a classe e orequinte que serviriam de modelopara os melhores zagueiros quesurgissem depois, somando aoprazer de jogar a seriedade comque se cumpre uma obrigação. Em

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Nilton Santos, o intenso, o grave eo sofrido cresciam quando oassunto era a Copa do Mundo,parte fundamental de sua história:por 12 anos, ele participou detodas as glórias e decepções daseleção brasileira, da "tragédia" noMaracanã ao bi no Chile, sem seconformar com o fato de o Brasilter custado tanto a ser campeão.

Certo, Nilton Santos não jogoua Copa do Mundo de 1950. Como

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reserva de Augusto — o lateral-direito, o capitão, o homem deconfiança do técnico Flávio Costa—, foi um dos que sofreram defora, torcendo sem poder ajudar.Analisado à distância, o fato temsignificado histórico. Um ano antes,com apenas dez meses deprofissão, Nilton foi convocadopor Flávio para a seleção do Sul-Americano. Só seria escalado umavez, nos 5 a 0 sobre a Colômbia, noPacaembu. Nos treinos, teve com o

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treinador uma conversa que deixouclaras as diferenças entre os modosde ver o papel do zagueiro. Niltonusava chuteiras leves, adequadas aquem se via como beque que pode,se necessário, passar, avançar edriblar. Flávio exigiu que Niltontrocasse as chuteiras pelas de "bicoduro". Para ele, as funções dozagueiro eram marcar e rebater.Passar e driblar? O técnico nãoacreditava num novo Domingos daGuia.

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O então reserva de Augusto foimais de uma vez comparado a DaGuia, que parou de jogar no mesmoano, 1948, em que Nilton, já com23, começou no Botafogo. Acomparação deve ser tomada comoum elogio ao sucessor, porque osestilos eram diferentes. Niltonsempre quis ser atacante. Desde ostempos de Flecheiras, seu time naIlha do Governador, jogava nafrente, marcando gols. No máximo,aceitava atuar no meio, posição em

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que se apresentou para treinar emGeneral Severiano. O próprioNilton contava que Carlito Rocha,presidente do clube, foi quem viunele um jogador de defesa.Clássico, com estilo, podendopassar, driblar ou fazer o quequisesse, desde que lá atrás, comobeque.

Começou bem, pois entrou notime principal, substituindo Sarno,na segunda partida do Carioca de

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1948 (na primeira, o Botafogo foragoleado por 4 a 0 pelo SãoCristóvão). Como o time não maisperdeu, e acabou campeão, NiltonSantos saiu invicto da primeiraconquista. Primeira e única pormuito tempo. O Botafogo passariaquase dez anos sem título.

De tal maneira ele se destacouque logo foi convocado. Já então,trocando de lado, de uma lateralpara a outra, e como reserva de

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Augusto. No ano seguinte, o daCopa do Mundo, repetiram-se aconvocação, o lado e a reserva.Dos amistosos, atuou em quatro,três deles contra o Uruguai (duasvitórias brasileiras e uma derrota,4 a 3, no Pacaembu, que deveria terservido de alerta para o que estavapor vir). O desfecho da Copa, cujafinal Nilton assistiu das cadeiras,contribuiu para que sua visão defutebol fosse sempre sofrida.Foram muitas derrotas e poucas

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alegrias.

Uma destas, a certeza de que,enquanto jogasse, nunca mais seriareserva. Tanto na seleção como, éclaro, no Botafogo. Seu futebol era,de fato, de exceção. Os limites queFlávio impusera aos bequesbrasileiros — marcar e rebaterantes de tudo — continuavamimperando, com poucas exceções.Nilton era a mais bem-sucedida.Inclusive pelo atrevimento. Ou

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melhor, pela vontade de ir à frente,obediente ao temperamentoofensivo. Além disso, cultivava oestilo clássico de jogador de meiode campo, no toque de bola, nojogar com o time, no ser capaz delivrar-se do adversário com driblede atacante. Somou a esta outrasqualidades: o equilíbrio, a noçãode tempo, a antevisão que opermitia só tentar desarmar oadversário quando tivesse a certezade que o conseguiria. Em sua longa

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carreira, somente em duas ocasiõesfoi vencido pela habilidade doponta adversário, ambos exímiosdribladores: em 1953, noMaracanã, por Julinho Botelho, eem 1956, em Londres, pelo inglêsStanley Mathews. Mais de uma vezNilton Santos bendisse a sorte depassar a vida jogando com (e nãocontra) Garrincha.

A sabedoria com que cumpriaseu papel valeu-lhe o apelido de

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"Enciclopédia" e a eleição pelaFifa, já aposentado, como o melhorlateral esquerdo da História.Nenhuma dessas glórias o fezesquecer a Copa de 1954. Para ele,um fracasso pessoal mais dolorosoque o de 1950. É que a seleção quefoi a Suíça levou uma cargaexagerada de otimismo, como se,finalmente, a conquista da taçafosse sepultar a derrota de quatroanos antes. A seleção tinha novotreinador, Zezé Moreira, mais

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atualizado e menos político queFlávio Costa. Tinha novos craquesalém dele: Didi, Djalma Santos,Julinho, Castilho. O únicoremanescente de 1950, Bauer, eracraque. O que poderia impedir oêxito brasileiro?

Numa palavra, experiência.Ninguém, a começar por Zezé, tinhaideia do futebol jogado na Europa.A última vez que o Brasilatravessara o Atlântico tinha sido

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para a Copa de 1938. A confiançade Nilton Santos e da delegaçãocomeçou se desfazer quando viramum treino da seleção húngara deFerenc Puskás e companhia. No diaem que a seleção a enfrentou, aHungria vinha de duasespetaculares goleadas. Assim,naquilo que ficaria conhecido como"a batalha de Berna" (Niltonexpulso por trocar pontapés comJoszef Boszik, e uma pancadariageneralizada), a derrota por 4 a 2

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foi normal.

Para Nilton, justo, mas nãonormal. Pelo resto da vida, iria sereferir à experiência na Suíça comolição valiosa, apesar de sofrida. Seele reconheceu que podia haverfutebol tão bom ou superior aobrasileiro numa Copa, seconvenceu de que, organizado, comoutra mentalidade, respeito aoadversário e humildade paraaprender com o rival, a sorte

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brasileira poderia mudar. Como defato mudou. As vitórias de 1958 e1962 são os finais felizes de sualonga caminhada pela incertaestrada das Copas do Mundo.Nilton é um dos quatro que atuaramnas 12 partidas das duascampanhas (com Gilmar, Didi eZagallo).

Quem assistir aos filmes verá oquanto foi fiel ao seu modo dejogar, cumprindo o dever sem

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renunciar ao prazer. Não o vemosrindo, nem brincando, nemdeixando de levar o jogo sério.Não mudou de atitude nem nosmelhores momentos: o gol naÁustria e a volta olímpica com ataça, sempre o mesmo: mais tensãoque alegria no rosto do campeão.

Na seleção como no Botafogo.Foi o craque sofrido quecomemorou o Carioca de 1957,após quase dez anos em branco, e

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que viu seu time, ainda comGarrincha, tornar-se a única forçacapaz de competir com o Santos dePelé na década em que ele eGarrincha, saíram de campo parasempre. Já então, deixara gravada areceita para o bi que conquistaramjuntos: "Copa do Mundo se ganhacom amor à bola. E nós,brasileiros, somos amigos deinfância de todas as bolas domundo".

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ZICO

Os deuses do futebol, se é queexistem, podem ser cruéis comalguns dos mortais aos quaisconcederam a graça de jogar bem,ou muito bem, ou excepcionalmentebem. Por exemplo, Zico. Um dosmais completos jogadoresbrasileiros dos últimos 50 anos,combinação perfeita de técnica,inteligência, dedicação e arte,

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encerrou sua formidável carreirasem o título que mais desejava:campeão do mundo. É fato quemuitos outros craques, daqui e defora, sofreram o mesmo castigo.Mas, dos que jogavamexcepcionalmente bem, Zico é oúnico que tentou três vezes eperdeu as três. Até que ponto oconforta ter sido sete vezescampeão carioca, três do Brasil,uma da Libertadores, umaIntercontinental – e de ser ainda o

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maior artilheiro da história doFlamengo, ídolo da maior e dasmais apaixonadas torcidas doBrasil – é difícil saber. Trocariatudo isso pela glória de um títulomundial?

No Brasil, o país que maisganhou Copas do Mundo,esperançoso agora de chegar à suasexta, o torcedor não costuma serbenevolente com os perdedores.Em seu modo quase sempre

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irracional de ver futebol, eleacredita ser quase uma obrigação,não só disputar a Copa, masconquistá-la. Foi assim, no tãolembrado 1950, e é assim até hoje.

Zico, Arthur Antunes Coimbra,nasceu, no subúrbio carioca deQuintino Bocaiuva, três anosdepois daquele mundial perdido noMaracanã. Cresceu numa famíliapermanentemente sintonizada com ofutebol. O pai, José Antunes, um

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português louco pelo Flamengo, foigoleiro na mocidade. Influencioutodos os cinco filhos e a únicafilha. Os garotos já participavamdas peladas com as camisas rubro-negras compradas pelo pai. Doisdeles, Zeca e Edu, também seriamprofissionais, o primeiro conhecidopor Antunes e o segundo, por Edu,mesmo. Este, na modestíssimaopinião de Zico, "o melhor dafamília", incluindo-se o próprioZico. Edu estava começando sua

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brilhante carreira no Américaquando o irmão caçula, com 14anos, foi treinar no Flamengo,levado pelo radialista CelsoGarcia.

Desde o princípio, umaexceção. Tinha muito futebol epouco físico, o moleque quecomeçou na escolinha da Gávea.Exceção pela paciência,determinação e sacrifício com quese submeteu a um dos mais

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impressionantes trabalhosrealizados até então paratransformar um menino franzino ematleta. Uma equipe de médicos epreparadores físicos ciou o que, naépoca, se chamou de “craque delaboratório”. Depois de seis durosmeses ganhando peso e massamuscular, Zico tornou-se titular dojuvenil do Flamengos e, aos 18anos, lançado por Fleitas Solich,passou ao time principal. Seriasucessor da camisa que um dia

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pertencera ao seu ídolo: Dida.

Sua ascensão foi rápida, lógica,previsível. Quando chegou àseleção brasileira, em 1976, já eraum extraclasse. O domínio de bolaem velocidade, o modo de conduzi-la sem dar chance ao adversário deroubá-la, a lucidez no momento dese decidir entre passar, driblar ouchutar a gol, a rapidez deraciocínio no momento de finalizar,a precisão do chute, seja na

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corrida, seja nas cobranças defalta, o oportunismo de artilheiro,tudo isso fez de Zico um dos gêniosde sua geração. Como tal, um sériocandidato a campeão do mundo.

As tentativas foram mesmo três.Em 1978, na Argentina, foi dirigidopor um Cláudio Coutinho ainda nãoconvencido de que a força dofutebol brasileiro estava no talentoindividual de seus craques e nãonum improvável “futebol total” à

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holandesa. No meio da guerra,pressionado pelo presidente daCBF, almirante Heleno de BarrosNunes, Coutinho mudou seu time.Entre outras alterações, barrouZico. O Brasil terminou a Copainvicto, mas em terceiro. Ou, comopreferia o treinador, como“campeão moral”. De volta aoBrasil, nunca mais CláudioCoutinho prescindiria do talento deZico.

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Em 1982, na Espanha, foi otitular absoluto de Telê Santana no“time de sonhos” que encantou omundo até o jogo com a Itália, noSarriá. Falcão, Júnior, Sócrates,Leandro, Oscar, Zico, nunca maisuma seleção brasileira jogaria tãobem e tão bonito como naquelaCopa. A derrota para a azurra dePaolo Rossi doeu em todos, mas,em Edinho, Cerezo e Zico, pelasegunda vez. Os três tinham estadojuntos na Argentina.

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Em 1986, no México, a dormaior. Edinho e Cerezo tambémintegravam a nova seleção de Telê,mas não pesou sobre os ombrosdos dois a culpa pela eliminaçãobrasileira nas quartas de finalcontra a França. Sobre os de Zico,sim. De junho de 1983 a maiode1985, ele jogara ao lado deEdinho no Udinese, da Itália, apóstransação polêmica que, sedependesse dele, nunca teriaacontecido. Voltou ao Flamengo e à

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seleção brasileira em tempo dedisputar sua terceira Copa doMundo. Antes, porém, em jogo peloCampeonato Carioca, atingido pelobanguense Márcio Nunes, Zicosofreu séria lesão no joelho direito.Ainda não estava totalmenterecuperado quando viajou para oMéxico convocado por Telê.

O que ocorreu já se sabe. Aos26 minutos do de segundo tempo,Brasil e França empatados em 1 a

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1, Zico sai do banco e entra nolugar de Müller. Um minuto depois,num passe preciso, ele lançaBranco, que é derrubado pelogoleiro Joel Bats: pênalti.Incumbido da cobrança, Zico tentao canto esquerdo do francês, mas ochute sai fraco e Bats defende. Denada adianta argumentar que o jogoseguiria, haveria uma prorrogaçãosem gols e uma série de pênaltis emque Zico – ao contrário deSócrates, Júlio César e Platini –

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não erraria. De nada adiantaporque, na memória do torcedor (epara castigo imposto a um craque),o jogo terminou ali, na trajetória dabola dos pés de Zico às mãos deBats.

De nada adianta, também,lembrar o extraordinário futebolque Zico jogou, antes, durante edepois dos três mundiaisfrustrados. Muito menos a carreirade jogador que prosseguiu no

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Flamengo e no Japão. Menos aindaa atividade a que se dedicoudepois, como treinador, no futebolasiático. Nisso, a memória dotorcedor brasileiro é diferente damaioria de outros países, ondejogadores como Alfredo DiStefano, Ferenk Puskas, Eusébio daSilva, Johann Cruyff, MichelPlatini e outros, são reverenciadoscomo heróis, mesmo sem teremsido campeões do mundo. De nadaadianta, enfim, lembrar que a Copa

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do Mundo é a mais ilógica, maisimponderável e, em certo sentido, amais misteriosa competiçãoesportiva, tantas vezes ela tem sidoperdida por craques e times quemais a mereciam.

Quanto ao lado particular deZico, não é por acaso que oescolhemos para encerrar esta sériededicada a alguns dos maisnotáveis personagens brasileiros,campeões ou não, nestes torneios

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tão repletos de imprevistos: foisobre ele, Zico, que por três vezesa crueldade dos deuses se abateu.

Mas talvez haja outro modo dever as coisas. Como propõe, emfrase definitiva, FernandoCalazans: “Se Zico não ganhouCopa do Mudo, azar da Copa doMundo.”

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CAPÍTULO 3

OS TÉCNICOSCULPADOS OU INOCENTES?

Desde os primórdios decompetições como a Copa do

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Mundo, os treinadores têmassumido papel de fundamentalimportância no desorganizadofutebol brasileiro, sendoincensados ou execrados de acordocom os resultados.

Qual a importância do técnicono desempenho de uma seleçãobrasileira em Copa do Mundo? Atéque ponto as vitórias ou as derrotastraduzem fielmente o papel que ocomandante da nau representou nas

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sempre difíceis travessias de umcampeonato mundial? Devemosnosso primeiro título à mansuetudede Vicente Ítalo Feola? Ou têmmais peso os erros do zangadoDunga em nosso último fracasso?Será verdade que técnico não ganhajogo, mas pode perdê-lo? Ou ésimplesmente impossível sercampeão mundial nas mãos de umtécnico de pouco valor?

Mais do que responder a essas

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questões, este capítulo pretende pôrao alcance do leitor uma gama deinformações para que ele julguepor si mesmo onde nossos técnicosacertaram ou erraram, se foram ounão responsáveis pelos bons emaus resultados, e se são, em seuofício, craques ou pernas-de-pau. Eaté que ponto nós — "técnicos"num país de técnicos — sabemos obastante para condenar ou absolvercada um dos 14 homens quedirigiram a seleção brasileira nas

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19 Copas do Mundo já realizadas.

BAIRRISMO E DESORGANIZAÇÃO

Muitas vezes as coisas começamtão erradas que não há gênio deboca do túnel que possa consertá-las. À época das duas primeirasCopa do Mundo — a de 1930 noUruguai e a de 1934 na Itália — ofutebol brasileiro engatinhava emtermos de organização. Nossosclubes eram amadoristas em tudo,

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enquanto, na Europa e nos vizinhosUruguai e Argentina, oprofissionalismo já estava emcurso. As federações de Rio e SãoPaulo já se definiam nos nomes:AMEA (Associação Metropolitanade Esportes Atléticos) e APEA(Associação Paulista de EsportesAtléticos), ambas pretendendoabrigar várias modalidades alémdo futebol. Também eclética era asoberana CBD (ConfederaçãoBrasileira de Desportos), à qual

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aquelas duas eram filiadas.Soberana, mas não organizada.Afinal, era uma entidade quesequer sabia como mandar umaseleção brasileira aos JogosOlímpicos que os uruguaios haviamvencido em 1924 e 1928. Ausentedaqueles dois torneios (espécie decampeonato mundial da época), ofutebol brasileiro não quis ficar defora da primeira Copa do Mundo (oprimeiro mundial para valer),marcada para o mês de julho de

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1930, em Montevidéu. Se antes nãosabia como, agora a CBD tinha queconvocar, preparar e enviar umtime para tentar o título mundialque acabaria ficando com osuruguaios (daí o tri de que tanto seorgulham).

A grande maioria dos clubesbrasileiros escalava seus timesatravés de uma comissão, entãodenominada Ground Comitee.Píndaro de Carvalho, homem

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ligado à CBD, foi um dos quesugeriram à entidade a adotar omesmo critério. Naturalmente, comele mesmo sendo um dosselecionadores.

Píndaro já era parte da históriado futebol brasileiro. Foi o bequedireito da primeira seleçãonacional, aquele que derrotou oExter City inglês em 1914. Foitambém um dos líderes que,discordando do Ground Comitee do

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Fluminense, até então seu clube, foifundar o futebol do Flamengo.

Mais dois "técnicos" do Rioforam escolhidos para trabalharcom Píndaro. Juntos, chegaram auma relação de 30 convocados, 15dos quais de São Paulo (entre eles,o lendário Athur Friedenreich). Aoreceber o ofício da CBD, a APEAreagiu com energia ao fato de a talcomissão não ter ao menos umrepresentante seu. Resultado:

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negou-se a ceder seus jogadores,de modo que uma seleção carioca,reforçada pelo paulista ArkenPatuska (que rompeu com a APEAe seu clube, o Santos, para viajarpela CBD), foi representar o Brasilna primeira Copa do Mundo.

O técnico? Aquele a quemcoube escalar e orientartaticamente a seleção? Por ironia,foi um paulista, o mesmo Píndarode Carvalho, vivendo no Rio desde

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a infância. Com esse timeimprovisado, ou melhor,desfalcado, os brasileiros saíramperdendo para os iugoslavos por 2a 0 e, mesmo vencendo osbolivianos por 4 a 0 na segundarodada, só não voltaram mais cedoporque fizeram questão de ver afinal entre Uruguai e Argentina.

Quatro anos depois, chegada avez de armar uma seleção paraoutra Copa do Mundo, a da Itália, a

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desorganização foi ainda maior.Senão a desorganização, pelomenos a briga que separouamadores ou profissionais. É fatoque os lados não eram bem estes, jáque o profissionalismo estavaoficialmente em vigor em todo ofutebol brasileiro. A questão é queos clubes do Rio e de São Pauloque o implantaram queriam quefosse regido por nova entidade, aFederação Brasileira de Futebol,em oposição à CBD. Esta, porém,

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resistiu. Sendo a única entidadebrasileira reconhecida pela Fifa,reivindicou para si o direito decuidar da seleção.

OS PIONEIROS

O que foi feito. A briga, deverdade, começaria depois, quandoa CBD concluísse que, semjogadores paulistas (a APEA ficaracom FBF) e só com o time doBotafogo (único grande do Rio que

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não aderira à nova federação),seria impossível armar umaseleção.

Foi então que o presidente daCBD, Álvaro Catão, pediu socorroaos amigos, liberando-os para, comatraentes ofertas em dinheiro,atraírem profissionais da FBF parao lado de cá. Importante papelnessa investida sobre os jogadoresdo lado de lá tiveram obotafoguense Carlito Rocha e seu

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amigo Luís Augusto Vinhais, queacabaria ficando com o cargo detécnico (Vinhais já dirigira aseleção brasileira, com sucesso, nahistórica Copa Rio Branco de1932).

Há alguns lances espetacularesnesse capítulo, inclusive a tentativada CBD de sequestrar craquespaulistas, o que levou o PalestraItália (atual Palmeiras) a escondero jovem Romeu Pelliciari e outros

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numa fazenda do interior, guardadapor seguranças de carabina atiracolo.

De qualquer forma, o dinheiroda CBD foi o bastante paracontratar oito profissionais da FBF.Foi assim que Leônidas da Silva eWaldemar de Brito (futurodescobridor de Pelé) integraram otime que viajou a Gênova paradisputar apenas uma partida —derrota para a Espanha por 3 a 1 —

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e, como em 1930, mal sentir ogosto de lutar por um títulomundial.

Em resumo, Píndaro Carvalho eLuís e Vinhais foram dois pioneirosque, num futebol tão desarrumadocomo o brasileiro, só entrariampara a história se conseguissemfazer milagres.

ADEMAR

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PIMENTA: O'CHEFE'BRASILEIRODE 1938Campeão carioca pelo SãoCristóvão em 1926, AdemarPimenta comanda a seleção noMundial da França. Apesar dos

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muitos problemas e da falta deinformações, o time do craqueLeônidas da Silva chega emterceiro.

O São Cristóvão de 1938 eramuito diferente do São Cristóvãoque acaba de cair para a terceiradivisão em 2012. Não chegava aser o clube que Lamartine Baboainda cantaria ("São Cristóvão,São Cristóvão, teu passado é tãobelo/Quantas vitórias em Figueira

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de Melo..."), mas podia se orgulharde ter dois jogadores — Afonsinhoe Roberto — convocados para aprimeira seleção realmenterepresentativa que o Brasilmandaria a uma Copa do Mundo.Mais importante: era o seu técnico,Ademar Pimenta (1896-1970), oescolhido para comandar aquelaseleção. Não o técnico doFlamengo, ou do Fluminense, ou doBotafogo, ou do Vasco, muitomenos de algum grande clube

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paulista, mas ele, Ademar Pimenta,do São Cristóvão, campeão de1926.

Não era a primeira vez que seentregava a seleção a Pimenta.Dois anos antes, no CampeonatoSul-Americano — realizado emBuenos Aires, de dezembro de1936 a março seguinte — LuísAranha, o novo presidente da CBD,já confiara nele. E se dera porsatisfeito com o segundo lugar

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brasileiro. Primeiro, porque otítulo ficara com a forte seleçãoargentina. Segundo, porque ofutebol brasileiro ainda estavadividido por conta da mesma cisãoque impedira a formação de umbom time para a Copa do Mundo de1934. Sem jogadores da dupla Fla-Flu, até que Pimenta tinha feito omelhor possível.

FIM DA CISÃO

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Agora, a terceira Copa do Mundo àvista, a situação era outra. A cisãochegara ao fim em 1937. Portanto,Pimenta podia convocar quemquisesse, do Rio ou de São Paulo,do Brasil inteiro e até do exterior,como o recém-repatriado Niginho,que atuara por quase cinco anos nofutebol italiano.

Se por um lado isso era bompara Pimenta, por outro o convertianum alvo de pressões de todos os

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lados. Pela primeira vez — ecertamente não seria a última — umtécnico de seleção ouvia sugestões,apelos ou mesmo exigências dedirigentes, jornalistas e torcedores,para convocar este ou aquelejogador. Pimenta resistiu o maisque pôde. Pelo menos, a julgar pelaentrevista que daria 30 anos depoisà revista "Manchete Esportiva",escolheu "o melhor que tinha ofutebol brasileiro".

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Se não era o melhor, era quaseisso. Em sua própria avaliação,conseguira convocar 22 craques.Ou seja, dois times tão bons que oBrasil poderia ganhar a Copa comqualquer dos dois, o azul ou obranco, como próprio Pimenta osbatizou. Certo ou não, era mesmouma seleção, a primeira, à altura derepresentar o futebol brasileironuma Copa.

Como nosso tema é o técnico,

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passemos por cima dos problemasque acompanharam a seleção emsua viagem para a França: a longatravessia de navio, a falta decondição física de algunsjogadores, dois ou três atos deindisciplina registrados a bordo ejá em terra, certos privilégiosconcedidos a jogadores da amizadedo chefe da delegação, José MariaCastelo Branco (criando-se umambiente de mal-estar), e até adesorganização que resultou na

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falta de uma massagista e naimprovisação de um dos zagueiros,o botafoguense Nariz, comomédico. Nem vale a pena lembrar oquanto os brasileiros, técnicos,jogadores e dirigentes,desconheciam as regas do jogo.

Para a partida de estreia contraa Polônia, Pimenta mandou acampo um dos seus dois times,aparentemente o titular. Como separa provar que qualquer um podia

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jogar, desfez as alas esquerdas jáprontas (Tim e Hércules, doFluminense, e Perácio e Patesco,do Botafogo), para que Perácio eHércules formassem nova ala.Tudo bem, pois o Brasil venceu naprorrogação por 6 a 5 (4 a 4 notempo normal), Perácio marcoudois gols, Leônidas três e Romeuum.

Para o segundo jogo, 1 a 1 coma Tchecoslováquia, o time foi

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mantido. Para o desempate, doisdias depois, trocou dez jogadores.Manteve Leônidas no centro doataque e pôs os reservas em campo.Outra vez tudo bem: 2 a 1 Brasil,gols de Leônidas e Roberto.

DUELO COM ITALIANOS

E então veio a semifinal com aItália, atual campeã, favoritíssimaao bi. Não é verdade que Pimentatenha cometido a loucura de poupar

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Leônidas para uma improvávelfinal. Nem que Leônidas tenhapedido dinheiro para jogar. O fatoé que o craque brasileiro realmentecontundiu-se na segunda partidacom a Tchecoslováquia. Sem podercontar com o centroavante reservaNiginho (cuja dupla cidadania ositalianos consideravam motivo desobra para vetá-lo), Pimentaimprovisou. Mesclou os dois timesque usara nos jogos anteriores,deslocando Romeu para o centro, o

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lugar de Leônidas, e foi para adecisão. A derrota por 2 a 1 (golde honra de Romeu e o segundoitaliano, num pênalti que, semrazão, os brasileirosquestionaram), a Itália eliminou oBrasil de Pimenta, ao qual restariao consolo de vencer a Suécia nadecisão do terceiro lugar.

Dois dados devem serconsiderados ao se avaliar até ondeAdemar Pimenta acertou ou errou.

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O primeiro é o fato de ter escaladoquatro formações distintas emcinco jogos. Orgulhava-se de terdois times para ganhar a Copa enão conseguiu definir um. O outro éque Pimenta, como a totalidade dostécnicos brasileiros de então,estava mais de dez anos atrasadoem questão de táticas e sistemas. Aseleção brasileira ainda usava oobsoleto 2-3-5, quando toda aEuropa adotava o WM ouformações dele derivadas. E o

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WM, Pimenta sequer desconfiava,tinha sido criado pelo inglêsHerbert Chapman em 1925.

FLÁVIOCOSTA: OSENHOR 'EUSOU A

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DERROTA'Flávio Costa cometeu inúmeroserros como treinador e comodirigente no fracasso do Mundialde 1950. Ao chegar para a noite deautógrafos do livro "Anatomia deuma derrota", em que PauloPerdigão narrava o dramáticoinsucesso brasileiro na Copa doMundo de 1950, Flávio Costa foiabordado por uma desinformada

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repórter de TV:

— O senhor é o autor? —perguntou ela.

— Não, eu sou a derrota —respondeu ele.

Trinta e cinco anos se haviampassado desde o 16 de julho emque, sob seu comando, a seleçãobrasileira perdera de 2 a 1 a finalcom o Uruguai, em plenoMaracanã. Portanto, temposuficiente para que ele olhasse com

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humor o s maior fracasso de suacarreira de técnico.

Flávio Rodrigues Costa (1906-1999) foi muito mais do que umtécnico futebol à frente da seleção.Foi, em vários sentidos, umaespécie de dono do futebolbrasileiro. Tinha mais força do quequalquer membro do alto comandoda CBD (futura CBF). Convocava eescalava os jogadores, definiasistemas e táticas, cuidava do

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preparo físico, decidia onde seuscomandados deveriam seconcentrar, controlavapessoalmente seus horários, o quevestir, onde e o quê comer. Tirandoo médico, ninguém sabia mais doque ele, fosse qual fosse o assunto.

Para defender seus pontos devista, Flávio não hesitava emapelar para a força física. Foi oque o levou a desarmar Heleno deFreitas, quando este, revólver na

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mão, foi desafiá-lo em SãoJanuário. Foi quem, a tapas,obrigou Ipojucan a voltar a campo,depois de um chilique no vestiário,no intervalo de uma partidadecisiva.

FAMA DE DISCIPLINADOR

Foram exatamente essas"qualidades" que levaram a CBD aentregar a ele a seleção brasileira,num amistoso com o Uruguai, em

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1944, e mantê-lo no cargo até aCopa do Mundo que o Brasilsediaria seis anos depois. Como sedizia, "Flávio Costa é ótimodisciplinador". Como se disciplinafosse, mesmo, tudo que o futebolbrasileiro precisava para semodernizar naquele pós-guerra. Emoutras palavras, evitar repetir todasorte de erros cometidos em 1938,na França. Disciplina no usar ouniforme (nada de meias arriadas,camisa para fora do calção,

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gorrinho, branco ou com as coresdo clube) e no conhecimento datécnica e das leis do jogo.

O problema das leis, quetinham levado os jogadoresbrasileiros a humilhantes atitudesna Copa anterior, Flávio o resolveufazendo a CBD contratar árbitrosingleses que, a partir de 1948,vieram ensinar aos nossos como sefazia. Já quanto à técnica — oumelhor, os sistemas e táticas em

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que os brasileiros tinham sido tãoprimários em 1938 — Flávio seconsiderava perfeitamente em diacom o assunto. Desde queaprendera com o húngaro DoriKruschner, no Flamengo, queexistia algo chamado WM, Flávio oadaptara aos seus times (notricampeonato do Flamengo e no bido Vasco), transformando-o emalgo mais ou menos híbrido a quedeu o nome de "diagonal". Nesseponto, numa injustificada

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autossuficiência, uma ilusóriapretensão de saber tudo, é queFlávio cometeu o primeiro grandeerro em 1950.

MAIS TÍTULOS EM CLUBES

Sua carreira até ali era mesmovitoriosa, mas em clubes. De 1942a 1949, ganhara cinco dos oitocampeonatos cariocas quedisputara (só perdera o de 1945para o Vasco de Ondino Viera, o

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de 1946 para o Fluminense deGentil Cardoso e o de 1948 para oBotafogo de Zezé Moreira). Mas,em seleção, não tivera a mesmasorte. Altos e baixos nas taças comArgentina, Uruguai, Paraguai eChile e apenas um CampeonatoSul-Americano, o de 1949, emcasa, assim mesmo depois deinesperada derrota para osparaguaios (salvou-o ter voltadoatrás no castigo imposto a Ademir,barrado por ter ousado não cumprir

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ordem do "professor", mas presentee autor de três gols na vitória quedeu o título à seleção brasileira).

Com tudo isso, não se pensavaem outro nome para dar, como seesperava, o primeiro título mundialao Brasil. Ele mesmo acreditavaque sim. Carioca, com curso desargento do Exército, tinha jogadocomo center-half pelo Flamengo,em fins da década de 20, quandoganhara o apelido de Alicate (por

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seu temível carrinho de pernascruzadas). Em 1939, já comotécnico (e figura influente napolítica do clube), levou oFlamengo a ganhar seu primeiroCampeonato Carioca na era doprofissionalismo.

Mas outros erros esperavamFlávio na Copa que ele tinha comoquase certa. Um deles, fazer oBrasil jogar num WM clássico, sóque marcação por homem, cada um

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com o seu. Funcionou até a final,mas resultou em desastre quando,na hora de decisão, Bigode ficousozinho para marcar Gigghia,Juvenal perdido diante de Miguez,Augusto tonto com Schaffinocaindo para o lugar onde eledeveria marcar apenas Moran. Pelomenos, foi como um dos craques doBrasil, Zizinho, comentaria anosdepois, já como técnico e estudiosodas táticas do jogo.

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ERROS TAMBÉM COMO CARTOLA

Flávio, na verdade, cometera errosaté como cartola, papel queassumiu desde os primeiros dias deconcentração em Araxá. Foi ocartola, mais político que técnico,que cometeu a ousadia de escalaruma base paulista em São Paulo,contra a Suíça, na segunda rodadada primeira fase da Copa. Porpouco o Brasil não perde (teria de

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enfrentar a Iugoslávia, três diasdepois, com a obrigação devencer). E foi o cartola, agorapensando em eleger-se vereador nopróximo outubro, quem, na vésperada grande final, tirou os jogadoresda tranquilidade da concentraçãono Joá para um São Januário ondeoutros candidatos faziampromessas, discursavam e tiravamfotos com os "futuros campeões domundo". Se não estava totalmentecerto, estava perto disso quando se

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apresentou à repórter: "Eu sou aderrota...".

Sua carreira não acabaria ali.Ainda seria campeão pelo Vasco. Eainda teria importante missão naseleção brasileira: dirigi-la numaexcursão à Europa, em 1956, aprimeira da história, viagem deestudos para a Copa que serealizaria na Suécia dali a doisanos. Provavelmente não pensavaem si mesmo (mas bem que podia)

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ao dizer sua frase mais conhecida:"O futebol brasileiro só evoluiu daboca do túnel para dentro docampo".

ZEZÉMOREIRA: OJOGO DAS

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'CHUTEIRADAS'Estrategista, Zezé Moreira ficamarcado por derrota para ossurpreendentes e talentososhúngaros no Mundial de 1954, emjogo em que o time brasileiro,despreparado emocionalmente,confundiu futebol bem jogado comguerra.

Na primeira metade da décadade 50, se alguém ousasse elogiar a

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"marcação por zona" de ZezéMoreira, correria o risco de nãoser levado a sério. No entanto,estaria certo. Poucos técnicos deseleção brasileira foram tão malcompreendidos quanto ZezéMoreira. Entre outras razões,porque marcação por zona não era,nunca foi, como muitos pensavam,um sistema de jogo, o sistema deZezé, e sim um modo de marcar porsetores do campo, em oposição àmarcação por homem na qual cada

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defensor se ocupava dedeterminado atacante adversário.Aliás, como sempre, e até hoje,pois ainda há times queeventualmente recorrem (cada vezmenos) à marcação por homem.

O que Zezé queria dizer sobremarcar por zona era, no fundo, ummodo de evitar os riscos de semarcar por homem. Não citava —mas poderia fazê-lo — o exemploda Copa do Mundo de 1950,

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quando seu colega Flávio Costaarmara a seleção brasileira numWM rígido — marcando porhomem. Bigode a Gigghia, Juvenala Miguez, Augusto a Moran, o quefizeram os zagueiros brasileiros acada deslocamento dos uruguaios,ou a cada improvisação deSchiaffino e Julio Perez, meias quepodiam ocupar a posição de cadaum daqueles três atacantes?Resposta: levaram a pior. Namarcação por homem, um jogador

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tecnicamente superior a outro, casode Gigghia a Bigode, pode custarcaro a quem defende. Zezé sempresoube disso.

É possível que AlfredoMoreira Júnior (1917-1998) tenhaconhecido o WM quase ao mesmotempo que Flávio, pois DoriKruschner, o húngaro que o trouxepara o Flamengo, estaria poucodepois no Botafogo, onde Zezéatuava como médio de pouca

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técnica e muita truculência. O WMde Kruschner seria a base de todosos sistemas adotados por Zezéquando, oito anos depois, ele setornasse treinador. Desde ocomeço, marcando por zona.

CAMPEÃO PAN-AMERICANO

Campeão carioca com o Botafogoem 1948, Zezé assinou contratocom o Fluminense em 1951. Armouseu time com três zagueiros

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(Píndaro, Pinheiro e Lafaiete ouNino ou Jair), os três marcando porzona. Mais à frente, dois médios(Vítor e Edson), responsáveis peloprimeiro combate. No Fluminense(como Otávio no Botafogo),Orlando Pingo de Ouro jogavamais à frente do que Didi (comoGeninho no Botafogo). Telê, umcentroavante que Zezé transformaraem ponta-direita, atuava maisrecuado, ajudando o meio-campo,enquanto Paraguaio, no Zezé do

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Botafogo, era ponta que só pensavano ataque.

Como o Fluminense foicampeão e, no ano seguinte, Zezéconquistaria mais dois títulos — oprimeiro Campeonato Pan-Americano de Futebol com aseleção brasileira e a segunda TaçaRio com o Fluminense —, e como aseleção fracassara em Lima no Sul-Americano em que o irmão AimoréMoreira o substituíra, nada mais

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natural que Zezé fosse o escolhidopara técnico da seleção na Copa de1954.

Acusavam sua "marcação porzona" de defensiva, justamente pelaproteção que os dois médios davamà zaga. Defensivo, também, seria orecuo de Telê, numa época que ospontas eram, obrigatoriamente,avançados. Contribuía paraacentuar a fama que o Fluminensecarregava (era o "timinho" de

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Zezé), o fato de suas vitórias seremquase sempre por escores magros.

E lá se foi a seleção, deuniforme novo (a camisa amarelaem lugar da branca de 1950) e detécnico novo em Copas do Mundo.Um técnico que, como a quase atotalidade dos que trabalhavam noBrasil, nunca tinha ido à Europapara ver o que acontecia por lá. E,na Europa de 1954, acontecia aHungria de Ferenc Puskas, o time

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dos "mágicos magiares".

PIOR ADVERSÁRIO POSSÍVEL

Pelos padrões de hoje, é incrívelque ninguém, nem o técnico, nemqualquer dos 22 jogadores doBrasil, jamais tivesse visto aseleção húngara jogar. Desde 1948ela vinha encantando o mundo comseu futebol altamente técnico. Porterem saído mais cedo do torneioolímpico de 1952, nossos

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"amadores" mal tiveram tempo deconhecer de perto os húngaros queganharam ali, em Helsinque, amedalha de ouro. E com o mesmotime que disputaria a Copa naSuíça.

Foi dominada pelos nervos —a preocupação convertida em medo— que a seleção de Zezé Moreiraenfrentou a húngara em Berna,pelas quartas de final. Uma seleçãoque marcava por zona, como

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convinha, e adotava um WMentortado, como a "diagonal" deFlávio Costa (Bauer maisadiantado que Brandãozinho, Didimais recuado que Humberto Tozzi),na disposição dos médios e meias.Mas uma seleção de craques —Castilho e Pinheiro, Djalma eNílton Santos, Bauer e Didi,Julinho Botelho e Maurinho —apesar de incapaz de enfrentar deigual para igual uma Hungria quevinha de duas vitórias naquele

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Copa, 17 gols a favor (com osquatro dos 4 a 2 sobre o Brasil,chegaria à espetacular média de 7gols por partida). Ou seja, umrecorde ainda não superado.

O que dizer de Zezé Moreiranaquela Copa frustrada? Sendoexcelente técnico, com merecidoprestígio de vencedor (continuariacumprindo carreira vitoriosa noFluminense e em outros clubes, doBrasil e do exterior), a Copa de

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1954 entra em sua biografia comoum momento excepcionalmentenegativo. Primeiro, pelos nervosque lhe faltaram em Berna: no meioda batalha que se seguiu ao jogo,foi ele quem agrediu a chuteiradaso ministro húngaro Guzstav Sebes.Segundo, pelo desconhecimento: sóna hora da verdade foi saber quemeram aquelas "mágicos magiares".Terceiro, pelo despreparoemocional da própria seleção: seusjogadores atuaram certos de que

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participavam de uma guerra em queo patriotismo descontrolado valiamais que o futebol bem jogado. Porfim, porque o time húngaro eramesmo melhor.

A marcação por zona? Não tevenada a ver. Se o Brasil marcassepor homem naquela tarde,provavelmente o desastre teria sidomaior.

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UMCAMALEÃOCHAMADOVICENTEFEOLABonachão, tranquilo e educado,treinador foi incensado em 1958,

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mas acabou massacrado após ofracasso no Mundial de 1966.

Os anos passam e é cada vezmais difícil dizer quem foi,exatamente, o técnico de futebolVicente Feola. Dirigiu a seleçãobrasileira em duas Copas doMundo em tudo diferentes, acampeã de 1958 e a fracassada de1966. Elogiado por jogadores queestiveram sob seu comando naprimeira, foi apontado como o

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principal responsável pelo desastreda segunda. Alguns não o levavama sério, chegando a inventarhistórias sobre seu hábito decochilar durante os jogos. Outrosgarantem que seu modo de ser —homem de diálogo, calmo, semarrogância, nada parecido com seusantecessores, os austeros FlávioCosta e Zezé Moreira — era tudoque o futebol brasileiro precisavapara realizar o velho sonho de sesagrar campeão do mundo:

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— O homem, pelo menos, nãoatrapalha — disse dele o mestreDidi.

Vicente Ítalo Feola (1909-1975) atuou nas linhas médias doAuto, do Americano e do SãoPaulo da Floresta. Naturalmente,com 30 anos e 60 quilos menos doque tinha ao chegar ao São PauloFutebol Clube, ao qual dedicaria amaior parte de sua vida. Estevetambém na Portuguesa Santista,

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quando ainda da primeira divisão.

Mas foi mesmo no São Pauloque se afirmou como técnico. Nãotanto pelo bicampeonato de 1948-1949, mas pela frequência com queocupou o cargo, nada menos queoito vezes, substituindo ou sendosubstituído por Ramón Platero,Zarzur, Leônidas da Silva, JimLopes e Renganeschi.

A condição de regra 3 valeu-lhe a indicação para ser auxiliar de

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Flávio Costa na seleção brasileiraque disputaria a Copa de 1950. Omais que fez foi dirigir osexercícios físicos, na épocaconhecidos como "individuais".Fazia-o com esforço, já entãolimitado pelo excesso de peso.Perdida a Copa, voltou ao SãoPaulo.

Sua escolha para técnico daseleção brasileira que ganharia aprimeira Copa surpreendeu.

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Pensou-se novamente em Flávio (otécnico na excursão à Europa, em1956) e em Zezé. Ambosrecusaram. Pensou-se também noparaguaio Fleitas Solich, "ElBrujo", tricampeão carioca peloFlamengo. Mas a ideia de umestrangeiro à frente da seleçãobrasileira teve mais opositores queadeptos.

A escolha de Feola foi feitapouco depois da eleição de João

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Havelange à presidência da CBD,hoje CBF. Homem dos esportesaquáticos, Havelange preferiuentregar o futebol ao empresáriopaulista de rádio e televisão, PauloMachado de Carvalho, vice-presidente do São Paulo. Eleconhecia Feola desde os tempos doSão Paulo da Floresta, queantecedeu o atual tricolor doMorumbi. Daí o inesperado daescolha.

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O modo menos difícil de seentender Feola, como técnico deseleção brasileira (ele forma comZagallo, Telê e Parreira o seletogrupo dos que a dirigiram em maisde uma Copa), talvez seja o tudo ounada que é reservado a quemdesempenha tais funções: se oBrasil vence, o técnico é gênio;mas, se perde, é o maior culpado.

Ao Feola campeão em 1958,foram atribuídas qualidades que ele

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não teve. Como ter inventado o 4-2-4 ou ter insistido para que Pelé,mesmo machucado, viajasse para aSuécia, pois seria o seu titular, enão, como de fato Feola queria, omais experiente Dida. E lhe foramrelevadas algumas falhas graves. Aprincipal, não gostar de Garrincha,o "irresponsável" fenômeno que sóentrou no time quando oconvenceram de que, para umfenômeno, tudo é possível.

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Pela Copa perdida em 1966, éfato que Feola foi o culpado, masnão o único. Ficou perdido no meiodos 45 convocados para osprimeiros treinos e, numa época emque não se permitiam substituições,usou três times, 20 jogadores, emtrês jogos. Pela primeira vez em 32anos, o Brasil não passava dasoitavas de final.

Mas houve outros erros.Fisicamente mal preparada, a

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seleção não teve pernas paraenfrentar os europeus. ComHavelange no lugar de PauloMachado de Carvalho na chefia dadelegação, houve fortes pressõessobre Feola para convocar este ouaquele jogador, os clubes fazendoforça para ter o maior número decraques entre os "futurostricampeões".

Erraram, também, os queapostaram no fato de Pelé e

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Garrincha, juntos, jamais teremsido derrotados, como se issobastasse para garantir o título. EmLiverpool, os dois só atuaramjuntos na única e pálida vitóriasobre a Bulgária. Invictos, sim, massem o tri.

Assim, na Copa do Mundo de1966, o técnico que, pelo menos,não atrapalhava, desmentiu Didi edespediu-se da seleção parasempre.

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AIMORÉMOREIRA: OCOMANDANTEQUASESEMPRE

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ESQUECIDODA SELEÇÃODos treinadores brasileiros que sesagraram campeões mundiais,Aimoré Moreira é, certamente, omenos lembrado. No entanto,depois de Mário Jorge LoboZagallo, foi ele quem mais vezesdirigiu a seleção brasileira em 98anos de história: seis em jogos de

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Copa do Mundo, 57 contraseleções estrangeiras e 67 emamistosos contra equipes de clubesou combinados, daqui ou de fora.Esta impressionante soma de 130jogos, se não chega perto dos 154de Zagallo, supera em muito os 86de Carlos Alberto Parreira, oterceiro lugar da lista. Por querazão, então, Aimoré é menoslembrado que os demais, incluindoquatro que não ganharam Copas doMundo?

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A resposta talvez esteja no fatode raramente ele ter sido a primeiraopção dos dirigentes daConfederação Brasileira deDesportos (CBD), entidade queainda regia o futebol do paísquando, em 1968, Aimorédespediu-se da seleção parasempre. Outro detalhe, talvez maisimportante: nas poucas ocasiões emque ele foi lembrado em primeirolugar, não se saiu bem.

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Até que sua estreia foi bastantepromissora: 8 a 1 sobre a Bolívia,em Lima, na abertura doCampeonato Sul-Americano de1953. Mas a promessa logo setransformou em pesadelo, quando,numa das mais tumultuadasparticipações brasileiras nacompetição continental, Aimoréperdeu o comando, a confiança dosdirigentes e o título para oParaguai. No centro da crise,Zizinho. Ele era o melhor jogador

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brasileiro, líder em campo, líderfora dele. Quiseram obrigá-lo ajogar contundido. Diante de suarecusa, e da reivindicação demelhores prêmios por vitórias paratodo o time, culparam-no peladerrota. Com o sim de Aimoré,Zizinho foi banido das seleçõesbrasileiras até merecidareintegração, promovida por FlávioCosta dois anos depois.

Já nessa primeira experiência,

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Aimoré não era o nome que a CBDqueria, mas o irmão, Zezé Moreira,treinador da seleção vitoriosa noCampeonato Pan-Americano de1952, no Chile. Preso a negóciosparticulares, Zezé não poderiaviajar a Lima e indicou parasubstituí-lo um Aimoré em tudodiferente dele: muito falante, comdificuldade para armar um time efacilmente influenciável pelacartolagem que, desde aconvocação, já então se intrometia

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em assuntos técnicos. Zezé,naturalmente, reassumiria para aCopa do Mundo do ano seguinte, naSuíça.

Aimoré Moreira (1912-1998)nasceu, como os irmãos Zezé eAírton, também treinadores, emMiracema, Estado do Rio. Os trêscomeçaram como jogadores,membros de uma família muitoligada ao Botafogo carioca.Aimoré chegou a atuar na ponta

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direita do Esporte Clube do Brasil,até que, com 1,71m, ousou fazercarreira no gol. Foi o goleiro deestatura mais baixa a jogar pelaseleção brasileira, em curtíssimacarreira: depois de sofrer novegols em dois jogos contra aArgentina, acabou dando o lugar aNascimento no terceiro para nuncamais voltar.

Aimoré também não era otreinador escolhido naquela que

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viria a ser sua maior conquista, aCopa do Mundo de 1962, no Chile.O homem seria, novamente, VicenteFeola, o da campanha histórica de1958, na Suécia. Em 1961, emquatro jogos com Paraguai e Chile,todos vencidos pelo Brasil, ele jáocupara o lugar de Feola, poupadopor questões de saúde. PauloMachado de Carvalho, chefe dasdelegações brasileira à Suécia e aoChile, conhecia-o de sua passagempelo Santos, Corinthians,

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Portuguesa e São Paulo.

E confiava tanto nele como emFeola. Embora este fosse opreferido da CBD, presidida porJoão Havelange, uma nefriteobrigou-o a desistir da seleção, doChile e da possibilidade de tornar-se, como teria sido, o primeirobicampeão mundial comotreinador, desde o lendário VittorioPozzo, da Itália campeã de 1934 e1938.

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A insegurança de Aimoré quasebate de frente com a determinaçãoda comissão técnica de repetir omáximo possível o que fora feitoem 1958. Sua presença jácontrariava essa tendência. Pior foia opinião mais ou menosgeneralizada de que o ataque idealpara a conquista do bi seria o doSantos, com Garrincha no lugar deDorval. Quer dizer, com Pelé entreCoutinho e Pepe em vez de entreVavá e Zagallo. Outra substituição

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que se impunha era a de Bellini porMauro. Quer dizer, do capitão queimortalizara o gesto de levantar ataça, em Estocolmo, por outro maisclássico e em melhor forma. Foramdores de cabeça para AimoréMoreira.

No ataque, ele foi favorecidopelas contusões de Coutinho ePepe, e na do capitão, pela firmezade Mauro, que não aceitou o fato deter sido o melhor nos treinos e nos

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amistosos para, na hora certa,devolver o lugar Bellini. Falandomais alto que o treinador, Mauroacabaria levantando a taça elemesmo.

O bicampeonato foi ganho.Com Amarildo no lugar de Pelé e abase de 1958 mantida. ParaAimoré, o seu melhor momentocomo treinador. Porque, depois, noque diz respeito à seleçãobrasileira, nunca mais. Em 1963, a

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excursão à Europa ficariaconhecida como "a excursãovexame", incluindo as derrotas de 1a 0 para a Holanda (que ainda nãoera a Holanda de Cruyff) e de 5 a 1para a Bélgica, os bicampeõesderrotados pelas quarta e quintaforças do futebol mundial. Mas oano todo foi de decepção. Nãotanto pelo Sul-Americano, no qualAimoré não pôde contar com osmelhores jogadores, mas por umsempre sofrido tropeço diante da

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Argentina, no Morumbi, já entãocom Pelé e todo o ataque doSantos.

Em 1964, Feola voltou empleno curso da Taças das Nações.E ficou, para azar de Aimoré e daprópria seleção, até a Copa doMundo da Inglaterra (na verdade, ofato de Havelange querer Feola, ePaulo Machado de Carvalho bater-se por Aimoré, foi um dos motivosde separação dos dois dirigentes).

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Com o fracasso de Feola, novaoportunidade foi dada a Aimoré.Um 1967 medíocre e um 1968 queincluiu uma humilhante derrota parao México no Maracanã levaram aCBD a optar por uma soluçãoextrema com vistas às eliminatóriasda próxima Copa do Mundo: acontratação de João Saldanha. Naseleção, fim de história paraAimoré Moreira.

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ZAGALLO: AUNIÃO DACOMPETÊNCIACOM A SORTEAo reunir essas característicascomo jogador e treinador, MárioJorge Logo Zagallo forjou umacarreira vitoriosa e irretocável.

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A Zagallo pertencem, dedireito, algumas primazias.Primeira: é ele o único brasileirocampeão do mundo como jogador ecomo técnico (além dele, só oalemão Franz Backenbauer podeorgulhar-se disso, mas somenteuma vez em cada função, enquantoZagallo, o jogador, foi campeão emduas). Segunda: é ele um dosquatro únicos jogadores (os outrostrês são Nílton Santos, Didi eGilmar) a atuar em todas as 12

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partidas das campanhas brasileirasna Suécia e no Chile. Terceira: éele o técnico que mais vezes dirigiua seleção brasileira em Copas doMundo (1970, 1974 e 1998). E, seconsiderarmos seu papel comoassessor técnico de Carlos AlbertoParreira em duas ocasiões (1994 e2006), é ele o detentor de umrecorde quase impossível de serigualado.

São dados conhecidos e sempre

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repetidos quando se propõe acontar sua história. O queraramente se diz, se é que se diz, éque Mário Jorge Lobo Zagallo,alagoano de 1931, foi jogadortecnicamente tão bom quanto seriao treinador. De seus antecessores,nenhum chegou perto de jogar o queele jogava. Dos sucessores, só TelêSantana foi craque de mesmo nível,mas sem a sorte de ter um lugarcomo ponta direita de seleçãobrasileira (numa época em que

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Garrincha e Julinho Botelhobrilhavam) e muito menos a de sercampeão do mundo como técnico.

Sorte é palavra sempreassociada a Zagallo. Ele próprio acarrega como talismã, seja no seuculto ao número 13, seja numa sériede simpatias que foi acumulando aolongo de muitas vitórias. Mas sortenão é o bastante para explicar osucesso. Antes de qualquertentativa nesse sentido, deve-se ter

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em conta que ele, como ponta-esquerda do Flamengo e depois doBotafogo, tinha um temperamentotático que já antecipava o que seriao treinador.

Ao voltar por conta própriapara ajudar o meio de campo,tornou-se o responsável pelatransformação do 4-2-4, sistemacom o qual o Brasil encantou omundo em 1958, no 4-3-3 que ele,técnico, adotaria como sua filosofia

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tática, sempre com recuo do pontaesquerda.

Mas não foi uma filosofiaimutável, repetitiva, teimosa, comose chegou a pensar, mesmo quandoele assumiu o comando da seleçãobrasileira, a dois meses da Copa de1970, em substituição a um JoãoSaldanha que defendia o 4-2-4 componta esquerda avançado. Foi ummomento difícil para Zagallo epara o próprio futebol brasileiro.

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Zagallo já havia conquistado olugar de treinador do Botafogoquando foi levado para a seleçãono meio de uma crise que pareciapor em xeque as possibilidadesbrasileiras de conquistar otricampeonato. Sobrevivendo a ela,voltou do México como campeão.

O jogador realmente tivera umacarreira de conquistas. Começou nojuvenil do América (há quem digaque só foi para a ponta esquerda

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porque o meia, o futuro acadêmicoArnaldo Niskier, era melhor queele). Do América, foi para oFlamengo e deste para a seleção.Não era o favorito de VicenteFeola em 1958, pois, adepto do 4-2-4, o técnico da seleção pareciapreferir o mais ofensivo Pepe.Mas, nos treinos, Zagallo garantiu-se como titular. A história serepetiu quatro anos depois, quandoAimoré Moreira pretendeu investirnovamente em Pepe, deixando

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Zagallo na suplência. Pepe semachucou e Zagallo voltou a campocom seu 4-3-3.

Dirigir a seleção já era umdesejo seu quando Saldanha foiescolhido para substituir Aimoré,antes das eliminatórias de 1969.Quando a oportunidade surgiu,após recusa de Dino Sani e outros,nem precisou pensar: assumiu oposto sem maiores exigências (acomissão técnica, com o médico

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Lídio Toledo e o preparador físicoAdmildo Chirol, já trabalhava comele no Botafogo). E a maioria dosjogadores chamados por Saldanhaestaria em sua própria lista. Houveacréscimos, claro, como RobertoMiranda e Dario, doiscentroavantes típicos, que Zagallopreferia a um Tostão mais clássico,menos entrão e, ainda por cima,com um descolamento de retina queo levara a submeter-se a cirurgiasnos Estados Unidos.

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Zagallo insistia também com o4-3-3, Paulo César Caju sendo oseu favorito para a ponta esquerda.Mas os treinos, sobretudo os já emGuadalajara, o fizeram mudar deplanos. Devolveu a Tostão o lugarao lado de Pelé, escalou Rivelinocomo falso ponta-esquerda (maisum terceiro homem de armação, aolado de Clodoaldo e Gérson, mascom excepcionais recursosofensivos). O novo sistemafuncionou à perfeição, inclusive

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com Tostão, recuperado e dono derara inteligência tática, por vezessuprindo o lugar que Rivelinodeixava vago na esquerda. Quantoa Paulo César, continuaria sendoútil: substituiria com categoria, nomeio de campo, um Gérsonfundamental a quem uma contusãoimpediria de enfrentar a Inglaterraem jogo dramático.

Zagallo foi campeão comméritos em 1970 e não pode ser

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responsabilizado pelodecepcionante papel dostricampeões em 1974.Decepcionante porque, para obrasileiro, um quarto lugar semprehá de soar como derrota. E, afinal,aquela foi a Copa da Holanda, cuja"laranja mecânica" surpreendeu oBrasil em seu melhor jogo naAlemanha: derrota de 2 a 0 paraCruyff & Cia, num dia de muitosgols perdidos pela seleção.

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As Copas de 1994 e 2006 sãoassuntos que dizem respeito aParreira. Mas a de 1998, perdidapara a França numa finaldiscutidíssima, esta é mesmo deZagallo. Começou mal para ele eacabou pior. O corte de Romário,assim que a seleção chegou a Paris,valeu-lhe muitas críticas. E oproblema com Ronaldo Fenômeno,ainda mais grave, custou-lheseveras acusações. O caso deRomário não se discute, já que

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pode correr por conta depreferência pessoal do treinador (omotivo oficial foi uma contusão).Já o de Ronaldo, que passou mal nohotel, foi examinado por uma juntaem Paris e apareceu na hora dojogo disposto a jogar (com adevida autorização dos médicos,brasileiros e franceses), não há porque condenar Zagallo por terescalado o melhor do mundo numadecisão de Copa.

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Foi o último capítulo de umahistória de vitórias e, também, decontestações. Talvez como a dequalquer treinador que tenhadirigido aa seleção brasileira emCopas. Só que, no seu caso, comtantas primazias, as contestaçõescontam menos que as vitórias.

COUTINHO:

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'CAMPEÃOMORAL' EM1978Após oito anos de preparação,técnico assume a seleção brasileirae adota na Argentina, sem sucesso,uma visão 'coletivista'.

Claudio Coutinho chegou aocomando da seleção brasileira

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depois de paciente e estudadaespera. Oito anos separam o dia emque ele passou a fazer parte dacomissão técnica da CBD, entãocomo mero colaborador, dasurpreendente substituição aOsvaldo Brandão, já comotreinador efetivo, em pleno cursodas eliminatórias para a Copa doMundo de 1978. Durante esseperíodo, ocupou vários cargos,sempre pensando em tornar-se umdia o profissional especializado em

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táticas, sistemas e estratégias.Jogar, mesmo, só vôlei, peloFlamengo, seu clube de coração.Mas sempre alimentou, peloesporte em geral e pelo futebol emparticular, especial interesse.Formado pela Escola Superior deEducação Física do Exército(EsEFEx), leu muito, observoumuito, e fez cursos nos EstadosUnidos e na França, antes de seestabelecer por aqui.

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O capitão do Exército ClaudioPecego de Moraes Coutinho (1939-1981) era gaúcho de Dom Pedrito.Seu primeiro contato com a seleçãofoi mesmo como colaborador e temmuito a ver com a tendência que, apartir de 1969, levaria a CBD amilitarizar a cúpula do futebolbrasileiro. É fato que tal tendênciacomeçara a se manifestar quando,já naquele ano, o posto de técnicopassou de Aimoré Moreira a JoãoSaldanha, que não tinha nada a ver

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com ela. É fato, também, que oúnico militar da comissão deSaldanha era o capitão JoséBonetti, espécie de diretor defutebol da eclética CBD,pessoalmente indicado pelopresidente João Havelange.

Se Bonetti tinha poucaimportância para Saldanha,Coutinho seria colaboradorrealmente valioso: foi quem oapresentou ao professor Lamartine

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Pereira da Costa, especialista emBiometeorologia e autor de umestudo, o "Altitude training",fundamental na campanha brasileirana altitude do México, ondeaconteceria a Copa do Mundo de1970. De início, Saldanha não fezmuita fé no papel de Lamartine,mas, por insistência de Coutinho,mudou de ideia para acabar setornando um de seus maioresdefensores.

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Os estudos de Lamartine foramrigorosamente seguidos no México— quando Saldanha já tinhaentregue o lugar a Zagallo — eCoutinho, oficialmente comosupervisor, se juntara aospreparadores Admildo Chirol,Carlos Alberto Parreira, KleberCamerino e Raul Carlesso, os doisúltimos também militares comformação na EsEFEx. É nessemomento que Coutinho introduz naseleção os métodos de avaliação

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aprendidos com Kenneth Coopernos Estados Unidos, os tão faladose mal compreendidos "testes deCooper" (convertidos, aqui, emmeros joggings). Quatro anosdepois, já então como observadortático, ele voltaria a servir àseleção. Depois de ver a Holandade Cruyff, na Copa da Alemanha,suas ideias sobre futebol nuncamais seriam as mesmas.

Coutinho não era exatamente

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um estreante, quando, em março de1977, foi chamado para ser otécnico no lugar de Brandão,demitido dentro do avião que otrazia de volta ao Brasil, apósempate de 0 a 0 com a Colômbia,em Bogota, já pelas eliminatóriaspara a Copa do Mundo. Um anoantes, quando Zizinho se demitirapor desacordo financeiro com aCBD, ele assumira a seleçãoolímpica, eliminada pela Polôniaem Montreal. E, no mesmo ano,

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substituíra Carlos Froner noFlamengo, que cumpriria campanhaapenas regular no CampeonatoCarioca de 1977. Enfim, era toda aexperiência que Coutinho tinha aochegar à seleção principal.

Em tudo isso, deve serlembrado um personagem nemsempre associado a ele: oalmirante Heleno de Barros Nunes,alçado pelo governo militar àpresidência da CBD, um ano

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depois de Havelange ascender àFifa. Foi o almirante quem entregoua equipe olímpica a Coutinho,quem sugeriu seu nome parasupervisor em 1970, quem oindicou ao Flamengo para o lugarde Froner e, ao primeiro tropeço deBrandão, quem telefonou para lheoferecer o que ele vinha esperandohavia oito anos: a seleçãobrasileira.

Há duas fases na carreira de

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Coutinho como técnico, separadaspela Copa do Mundo de 1978, naArgentina. Nos primeiros meses deFlamengo, nas eliminatórias contraColômbia e Paraguai, e de volta aoFlamengo no CampeonatoBrasileiro ganho pelo Guarani deCampinas, ele tentou aplicar naprática suas teorias sobre táticas esistemas. Seu modelo: a "laranjamecânica" holandesa. Nesteprimeiro ano e meio, foi menosrevolucionário do que pareceu ao

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dar nomes novos a coisas antigas("ponto futuro", "polivalência","overlaping") e insistiu em adaptarà individualidade do craquebrasileiro um coletivismo, senãoholandês, o mais próximo disso. Naocasião, acusaram-no de tentar"europeizar" o futebol tricampeãodo mundo.

Não deu certo na Copa de1978. Mesmo considerando que oBrasil voltaria invicto e seria na

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Argentina, nas palavras do próprioCoutinho, "o campeão moral", aseleção que ficou em terceiro lugarnão convenceu. Coutinho preferiraapostar em "coletivistas" de talentolimitado do que em craques comoMarinho Chagas e Paulo CésarCaju, que ficaram por aqui. Chegoua escalar dois laterais pelo ladodireito (Nelinho e Toninho) e sópor influência do almirante seconvenceu de que, em seleção ondeZico e Reinaldo não estavam em

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plena forma física, RobertoDinamite era o atacante ideal paraatuar ao lado do esforçado JorgeMendonça. Um saldo de golsmaroto eliminou o Brasil eclassificou a dona da casa.

Inteligente, estudioso, homemcapaz de aprender com os próprioserros, Coutinho seria outro técnicoapós a Copa. Ainda em 1978, foicampeão carioca com o Flamengo(primeiro dos três títulos do

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segundo tri) e, no ano seguinte,campeão brasileiro. Sua seleçãomostrou-se bem mais convincenteem 1979. Já então, era reconhecidocomo dos maiores técnicos de suageração. Desistira de mudar a carado futebol brasileiro. E, com isso,deixava o Flamengo pronto para,sob a regência de seu sucessor,Paulo César Carpegiani, conquistarem 1981 o título mundial de clubes.

Glória que Claudio Coutinho

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— morto enquanto praticava pescasubmarinha nas Ilhas Cagarras,durante as férias como ex-treinadordo Los Angeles Aztecs — nãoconheceu. Tinha 42 anos.

TELÊSANTANA:PALMAS

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PARA OCAVALHEIRODAESPERANÇAA Espanha foi escolhida parasediar a 12ª Copa do Mundo em1982. Em 1979, um ano após oMundial da Argentina, o presidente

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da Fifa, João Havelange, decidiuaumentar o número de participantesde 16 para 24. Com isso, o númerode jogos também subiu, de 38 para52. Os participantes foramdivididos em seis grupos de quatroseleções. Os dois primeiros seclassificaram para a semifinal,divididos em dois grupos de três.Os vencedores disputaram a final.Nas eliminatórias sul-americanas, aseleção brasileira se classificoucom quatro vitórias, num grupo

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fraco, formado ainda por Bolívia eVenezuela.

O TALENTO COMO MELHORESQUEMA

Telê Santana é o único técnico areceber a missão de dirigir aseleção brasileira em duas Copasdo Mundo, tendo — diferentementede Mário Jorge Lobo Zagallo eCarlos Alberto Parreira — perdidoas duas. Pagou caro por isso. Num

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país onde ser campeão do mundo équase obrigação, só muito depoisde suas experiências mal sucedidasna Espanha, em 1982, e no México,em 1986, obteria o reconhecimentode ser, tanto quanto os melhores,um mestre em seu ofício.

Mal sucedidas? Antes, épreciso lembrar o que foi a seleçãoque ele dirigiu na Espanha, paraentão indagar se, ao menos nela,Telê e seus comandados

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fracassaram. Lembrar, porexemplo, que ao chegar para aentrevista coletiva após a partidaem que a Itália eliminou o Brasil,em Barcelona, técnicos erepresentantes da imprensainternacional o aplaudiram de pé.Quer dizer, enquanto o torcedorbrasileiro chorava a derrota, omundo saudava Telê como se aagradecer pelo futebol que suaseleção jogara.

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Ainda hoje se discute aquelaseleção. Na verdade, mais hoje doque há 30 anos. O que já não sediscute é o papel que Telêrepresentou no futebol brasileiro,não só nas duas Copas perdidas,mas sobretudo nas vitórias queobteria como treinador do SãoPaulo: dois títulos intercontinentais(para nós, mundiais) que valemmais por sua filosofia de trabalhodo que pelos troféus que enfeitamas vitrines do Morumbi.

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Telê Santana da Silva (1931-2006) era um adolescente, dessesde colecionar álbum de figurinhas efotos com times posados, quando oFluminense foi fazer um amistosoem São João Del-Rei, MinasGerais. Jamais esqueceria aemoção que sentiu ao ver Castilhoautografar a foto que ele, Telê, lhelevara no hotel em que a delegaçãotricolor se hospedava. Viera de suaItabirito natal só para ver oFluminense, naturalmente sem

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imaginar que um dia, e por quasedez anos, jogaria no mesmo time do"maior goleiro de todos ostempos", como sempre se refeririaa Castilho. Na ocasião, Telê era ocentroavante do juvenil doItabirense, de onde sairia parajogar no América de São João. Em1950, teve breve passagem peloBotafogo antes de chegar àsLaranjeiras.

Pelo Fluminense, ajudaria o

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time de juvenis a se sagrarpentacampeão em 1950, o deprofissionais a ser campeãocarioca em 1951 e 1959, do Rio-São Paulo em 1957 e 1960 e daTaça Rio (que o clube reivindicacomo título mundial) em 1952, anodo cinquentenário do clube. Tãomagro e tão bom de bola era que atorcida tricolor deu-lhe o apelidode "Fio de Esperança". Depois deencerrar a carreira jogando peloGuarani de Campinas, Madureira e

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Vasco, sempre por curtos períodos,voltaria ao Fluminense para treinaros juvenis e, em 1969, o timeprincipal, campeão carioca emhistórica decisão com o Flamengode Elba de Pádua Lima, o Tim.

É estranho, mas explicável, quea fama de "pé-frio", ou melhor, deeterno perdedor, tenha marcadoTelê depois de se ter tornado oprimeiro (e até hoje único) técnicoa ser campeão estadual nos quatro

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principais centros do futebolbrasileiro: Rio (Fluminense), SãoPaulo (Palmeiras), Minas(Atlético) e Rio Grande do Sul(Grêmio). Explicável na medidaem que, confundindo-se com isso,estão as duas Copas perdidas numpaís em que perder uma já éindesculpável.

É fato que se discute a seleçãode 1982 mais hoje do que quandoela encantou os fãs do bom futebol

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nas vitórias sobre União Soviética,Escócia, Nova Zelândia eArgentina. Muitos ainda acreditamque a derrota brasileira acabousendo a derrota do futebol que Telêpregava: ofensivo, técnico,inspirado na excelência dejogadores capazes de improvisarsobre táticas e sistemas. Além detudo, um futebol plasticamente bomde se ver. Ou seja, bom e bonito,mas sem eficácia, esbarrando nosurpreendente obstáculo italiano,

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ficou marcado como "perdedor". Apartir desse detalhe, a maioria dostécnicos, inclusive brasileiros,passou a adotar padrões "maiscompetitivos" que, negando asideias de Telê, defendia a premissade que "beleza não ganha jogo".Assim, a derrota na Espanha teriamudado, para pior, o própriofutebol.

Há quem discorde. Se o futebolpós-1982 enfeou teria sido porque

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este era o caminho natural deequipes que, não tendo Falcão,Zico, Sócrates, Leandro, Júnior,armava-se com o que tinha. Jogarbem? O importante era vencer.Pelo menos em Copa, esta ficousendo palavra de ordem. Até queuma reviravolta política naseleições para presidente da CBF,devolveu a Telê (campeão doGolfo Pérsico pelo Al Ahlysaudita) o comando da seleção paraa Copa de 1986, a segunda a

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cumprir-se no México. E nela, semcontar com os mesmo craques namesma forma técnica queatravessavam em 1982 (mas fiel àsua filosofia de jogo), a seleção deTelê perdeu pela segunda vez.Desta feita, numa decisão porpênaltis para a França de MichelPlatini.

No São Paulo — contratado emoutubro de 1990, contra a opiniãode vários conselheiros do clube —

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o que parecia fim de carreiratransformou-se em renascimento.Mais que isso, na vitória das ideiasde Telê. No Morumbi, encontrariaapoio para seus planos. E seriavárias vezes campeão, inclusiveduas no Intercontinetal de Clubes.Criaria ali, entre os novoscomandados, a mentalidadeprofissional que fazia da vitória,não a única meta a atingir, mas oresultado justo do trabalho bemfeito. Seus jogadores aprenderam

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com ele o quanto era importantejogar um futebol inspirado nasvirtudes de cada um (como em1982), onde a ocupação de espaçosera mais importante do que osdesenhos táticos que engessavam ocraque em posições fixas. Se em1982 houve quem fizesse piadadessa filosofia ("Bota ponta, Telê",dizia o bordão com que Jô Soares ocriticava pela ausência de um pontadireita fixo), o técnico fazia do quese chamou de "Era Telê" uma

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formidável unanimidade.

LAZARONI:TREINADORMARCADOPELA 'ERADUNGA'

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Sebastião Lazaroni dirigiu aseleção brasileira por um ano e trêsmeses. Foram 101 dias de umcomando discutido, complicado,nervoso às vezes, indefinido quasesempre. Nenhum dos técnicosbrasileiros em Copas do Mundo(Flávio Costa, Zezé Moreira,Vicente Feola, Mário Jorge LoboZagallo, Claudio Coutinho, TelêSantana, Carlos Alberto Parreira,Luiz Felipe Scolari e Dunga) teve aseleção nas mãos por tempo tão

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curto. E poucos sobreviveram comtanta dificuldade à perda do títulomundial.

Dificuldade, diga-se, no futebolbrasileiro, já que sua carreira noexterior, sobretudo no Qatar,jamais seria interrompida depoisda derrota na Copa do Mundo de1990. Lazaroni voltou algumasvezes ao Brasil. Dirigiu, entreoutros, Vasco, Grêmio e Botafogo,sempre por breves períodos e

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sempre saindo para novastentativas na Itália, Holanda, China,Japão, México, Jamaica, Qatar.

Sebastião Barroso Lazaroninasceu em Muriaé, Zona da Matade Minas Gerais, em 1950. Depoisde tentar carreira como goleiro,tornou-se preparador físico e, em1984, técnico do time principal doFlamengo, pelo qual foi campeãocarioca em 1986. No ano seguinte,transferiu-se para o Vasco, onde,

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com o bi de 1987 e 1988,completou a série de três títuloscariocas consecutivos. Essesucesso valeu-lhe o convite paradirigir o distante Al-Ahli, em suaprimeira temporada no Qatar.

Já tinha voltado ao Brasil,contratado pelo Grêmio e depoispelo Paraná, quando RicardoTeixeira, recém-eleito presidenteda CBF — acolhendo sugestão dovice Eurico Miranda — escolheu-o

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para ser o técnico da seleçãobrasileira na primeira Copa doMundo de ambos, Teixeira eLazaroni. Ou seja, a de 1990, naItália. Nas novas funções, Lazaronicomeçou a se destacar por doisdetalhes. Um deles, o menosimportante, a linguagem própria ealgo insólita com que se dirigia aoscomandados ou enfeitava asentrevistas, linguagem logobatizada de "lazaronês". O outrodetalhe, uma filosofia de jogo que,

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sem se declarar abertamente,pretendia ser o oposto à de TelêSantana, derrotada em 1982 e1986.

Lazaroni pregava um futebolcompetitivo, de marcação forte,com cinco zagueiros e três médios,menos bonito e, segundo prometia,"vencedor". Uma das diferençasfundamentais estava no meio decampo. Onde Telê investira emjogadores clássicos, como Paulo

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Roberto Falcão, Lazaroni preferiaum operário aplicado como Dunga.Foi sua admiração por estejogador, logo convertido em seuhomem de confiança, que deuorigem ao termo "era Dunga".Pejorativo, certamente, como se arotular o mau futebol que o Brasiljogaria na Itália, mas injusto com opróprio Dunga, cujas qualidadestécnicas eram bem maiores do queas reconhecidas por seus críticos(depois da Itália, levaria tempo até

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Dunga ser reabilitado comojogador de seleção).

Antes, Lazaroni estreou numasérie de cinco amistosos no Brasil(quatro vitórias e um empate),seguidos de três preocupantesjogos na Europa (três derrotas). Nosegundo dos três — a goleada de 4a 0 para a Dinamarca — ficouclaro que a equipe competitiva queLazaroni buscava estava muitolonge de se definir.

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Na Copa América, no Brasilem 1989, as coisas secomplicaram. Principalmentequando das três primeiras partidas,em Salvador. A torcida local,esperando que o técnicoreconvocasse o atacante Charles,do Bahia (e um dos integrantes daequipe goleada em Copenhague),passou a hostilizar a seleção.Lazaroni optou por Romário eBaltazar. Com os dois, venceu aVenezuela na estreia, mas os

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empates sem gol com Peru eColômbia, somados às vaiasbaianas, levaram o presidente daCBF a admitir que, perdendo aCopa América, Lazaroni seriademitido.

Ainda em ambiente tenso, aseleção partiu para a fase final dacompetição, já longe de Salvador.Foram quatro vitórias, todas semque Tafarel sofresse gol. Melhor:revelava-se ali, com Bebeto e

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Romário, a dupla de atacantes aque a seleção deveria muitas desuas futuras vitórias. Dos oito golsdas vitórias sobre o Paraguai,Argentina, Paraguai e Uruguai,cada um dos dois marcou quatro. OBrasil reconquistou a CopaAmérica e Lazaroni garantiu suapermanência.

Na Copa propriamente dita, ofim da história. E de Lazaroni naseleção. Resultado por resultado,

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até que os três primeiros jogos nãoforam ruins: vitórias apertadassobre Suécia, Costa Rica eEscócia. Tecnicamente, asdecepcionantes atuações tinhamexplicações outras além doeventual mau trabalho do treinador.A primeira e o principal delas foi ocontrato fechado por Teixeira coma Pepsi. A CBF (e, ao que consta,Lazaroni) se beneficiou com odinheiro do patrocínio, mas osjogadores, não. Razão pela qual, na

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foto oficial, todos eles apareceramcom a mão no peito a encobrir onome do patrocinador. O ambienteinterno, a partir dali, foi tenso.Agravaram-no a inexperiência donovo presidente da CBF em Copas,a contusão de Romário (só jogoualguns minutos contra a Escócia) ea reação do médico Lídio Toledoao fato de Romário ter recorrido aum fisioterapeuta particular, o Filé,para cuidar do tratamento.

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Era a desorganização de umaseleção que, pretendendo reverteros quadros das duas Copasanteriores, jamais se encontrou. Aconvicção de que "era hora devencer, mesmo que jogando mal efeio", não deu em nada. A equipe"vencedora" de Lazaroni acaboucaindo, em Turim, diante do eternorival: Argentina 1 a 0, passe deMaradona, gol de Caniggia. OBrasil completava 20 anos semganhar a Copa do Mundo.

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O papel de Lazaroni foi muitoressaltado como o criador da "eraDunga" justamente por terpretendido negar o que TelêSantana fizera (e que só anosdepois seria reconhecido, mesmopelos mais severos críticos deprimeira hora). Por outro lado, erade se esperar que quem quer queassumisse a seleção brasileira,depois das derrotas de 1982 e1986, estivesse tentado a percorrero mesmo caminho inverso que

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Sebastião Lazaroni escolheu. Parase fazer justiça, um caminho que, secomeçou com ele, certamente nãoseria abandonado tão cedo.

PARREIRA: OFIELCONDUTOR

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DO BRASILAO TETRAParreira arma a seleção ao seuestilo e, mesmo contrariando osamantes do futebol-arte, leva aseleção ao título nos EUA.

Quando Carlos AlbertoParreira reassumiu o comando daseleção brasileira, em outubro de1991, substituindo o interino

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Ernesto Paulo, ainda se falava emSebastião Lazaroni. E a chamada"era Dunga" continuava em curso.Mesmo que, entre Lazaroni eParreira, a CBF tinha entregue aPaulo Roberto Falcão a missão depassar uma borracha no queLazaroni fizera — a ideia eracomeçar tudo de novo —, mas osresultados (seis vitórias, seteempates e quatro derrotas em 17jogos) não eram o que se esperavada "renovada" seleção de Falcão.

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E o que se esperava da seleçãode Falcão? Simplesmente, quejogasse como ele jogara em seusmelhores dias de meio de campodo Internacional, do Roma, do SãoPaulo e da seleção brasileira: umfutebol elegante, inteligente,clássico, ofensivo e, claro,vencedor. Negativo. Outra vez seconfirmava que grandes craquesnem sempre dão bons treinadores.Quer dizer, Zagallos e Telês nãoacontecem todos os dias.

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Carlos Alberto GomesParreira, carioca de 1943, nuncafoi craque. Nem grande, nempequeno. Quase não há registro desua curta carreira como goleiro doSão Cristóvão, clube em queiniciou outra carreira, a depreparador físico formado pelaEscola Nacional de EducaçãoFísica e Desportos. Pelo menos poresse começo, sua biografiaassemelha-se à de Lazaroni, outrogoleiro que logo trocou de ofício.

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Em 1970, quando Zagallosubstituiu João Saldanha à frente daseleção brasileira, Parreira já eraconhecido o bastante para integrara equipe de treinadores. Seu papelno México seria não só dividir aparte física com Cláudio Coutinho,Kleber Camerino e Raul Carlesso,mas, também, observar taticamenteos adversários da seleção deZagallo. Seus conhecimentos sobrefutebol já eram muitos. Técnico empotencial, dirigir uma equipe, para

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ele, era questão de tempo.

A oportunidade chegou em1975, no Fluminense, seu clube decoração. Como preparador físico edepois como técnico, suasexperiências no clube tricolor, emGana e no Kuwait o credenciaram asubstituir Telê depois da derrotadeste na Espanha. O ano, 1983, erao primeiro do segundo mandato deGiulite Coutinho na presidência daCBF. Se os números da seleção

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brasileira sob seu comando (cincovitórias, seis empates e duasderrotas em 13 jogos) não forammuito melhores do que os deFalcão, o título de campeãobrasileiro de 1984, dirigindo oFluminense, levava-o para a elitedos técnicos. Mas a CBF só voltoua pensar em Parreira oito anosdepois, já com Ricardo Teixeira napresidência. Pesou na escolha aexperiência de "globetrotter" queele acumulara no Kuwait, Arábia

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Saudita e Emirados Árabes (e queanos depois se estenderia àTurquia, Espanha, Estados Unidose África do Sul). E pesou em suapermanência até a Copa do Mundoos resultados de sua seleção, deoutubro de 1993 a julho de 1994,na última partida antes daseliminatórias (11 vitórias, cincoempates e apenas três derrotas em19 jogos).

Foi o tempo em que Parreira

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armou a seleção ao seu modo. Numestilo mais para Lazaroni do quepara Telê Santana. A valorizaçãoda posse de bola, a marcação, omeio de campo mais de destruiçãoque de armação. Quatro zagueiros,quatro meio-campistas, doisatacantes, um 4-4-2 rígido, mascom opções ofensivas quedependessem de excelentes homensde frente. Uma das preocupaçõesde Parreira era reabilitar Dunga,tão marcado como homem de

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confiança de Lazaroni e, tambémpara ele, peça fundamental. Só emsua 13ª partida, Parreira ousariaconvocar e escalar Dunga comotitular. Para não sair mais e paraser o seu capitão.

As eliminatórias começarammal para o Brasil: empate e derrotanos jogos com Bolívia e Equador.A seleção foi melhorando à medidaque a competição avançava. MasParreira ainda não encontrara o

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parceiro ideal para fazer comBebeto a dupla de atacantes.Romário, o nome óbvio para aposição, estava banido da seleçãoem razão de um desentendimentocom o auxiliar técnico Zagallo.Veio o último jogo, o da luta pelaclassificação com o Uruguai, noMaracanã e, com ele, oprovidencial "perdão" ao banido.Resultado: Brasil 2 a 0, dois golsde Romário.

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A Copa nos Estados Unidos foia da seleção de Parreira.Vencedora, mas pouco apreciadapelos defensores do chamadofutebol-arte. Levantou a taça apósdecisão por pênaltis com a Itália.Graças à sua excelente linha dezagueiros, ao seu sólido quarteto demeio de campo (o capitão Dungaem destaque) e a dupla Romário-Bebeto fazendo os gols, o Brasilera tetra.

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Com todas as ponderaçõescontra, Parreira poderia terencerrado por cima, em 1994, suacarreira como técnico do Brasil emCopas do Mundo. Poderia, nãofosse a de 2006, quando elesurpreendeu seus fãs mandando acampo um time amorfo, sem futebole sem arte, no qual até os doisRonaldos, o Fenômeno e o Gaúcho,fracassaram.

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FELIPÃO:COM OPENTA, OPRESENTE DA'FAMÍLIASCOLARI'

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Felipão abandona o jogo bruto,aposta no talento dos craques econquista o título mundial apóssuperar uma grave crise.

Luiz Felipe Scolari, o Felipão,estreou como técnico da seleçãobrasileira em 1º de julho de 2001,em Montevidéu, já na 13ª rodadadas eliminatórias para a próximaCopa do Mundo. O resultado:Uruguai 1 a 0. O que deixava oBrasil num desconfortável quarto

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lugar, onze pontos atrás do líder, aArgentina de Marcelo Bielsa.Menos atentos a estes números doque ao comportamento dosjogadores em campo, os críticoslogo se confessaram desapontadoscom Felipão.

Importante jornal paulista dizianão ter visto no time o estilo quefizera do técnico o homem certopara assumir o cargo num momentodifícil: o espírito de luta, a pegada,

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o não deixar jogar, o parar oadversário a qualquer custo,mesmo apelando-se para as faltas.Em resumo, Felipão, que levarapara a seleção a fama de truculento,de "mandar bater", estreavacerimoniosamente em Montevidéu.

O desapontamento foi aindamaior quando, duas semanasdepois, já agora pela CopaAmérica, a seleção de Felipão serepetiria, no desempenho e no

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resultado: México 1 a 0. Omomento difícil se tornava crítico.Jogando assim, repetiríamos otítulo continental ganho quatro anosantes? Mais importante:conseguiríamos nos classificar paraa Copa do Mundo do ano seguinte?

Dois pontos devem serressaltados. O primeiro é terFelipão assumido uma seleção quejá vinha de más atuações eresultados desastrosos. Sob o

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comando de VanderleiLuxemburgo, depois da final de1998, ela começara sua campanhanas eliminatórias. Duas derrotas(Paraguai e Chile) e um empate(Colômbia) eram parte das másatuações.

Dirigida por Emerson Leão,depois do parêntese de um jogo(goleada sobre a Venezuela) noqual Candinho substituiu Vanderlei,a seleção sofreu resultados

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desastrosos, incluindo numa Copadas Confederações em que, após avitória da estreia contra Camarões,nada de bom aconteceu.

A eliminação pela França nasemifinal e a perda do terceirolugar para a Austrália selaram asorte de Leão. O próximocompromisso seria o de 1º dejulho, em Montevidéu, e nele, a vezde Felipão.

O segundo ponto a ressaltar é

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que o estilo que se esperava dele(uns acreditando na eficácia dojogo bruto, outros condenando-o)realmente não entrou em camponaquela estreia contra o Uruguai. Enão entraria mais nos 386 dias emque estivesse à frente da seleção.Ou porque Felipão renunciara a eleou porque aprendera na prática quemais vale um craque de verdade doque um time de brucutus.

Luiz Felipe Scolari, gaúcho de

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Passo Fundo, nascido em 1948,descende de italianos do Veneto.Também jogou futebol. Ao queconsta, como becanca duro declubes do interior (Aimoré, Caxias,Novo Hamburgo, CSA, este deAlagoas). Mas essa primeira fase,que antecede a do curso deeducação física, não é a de maissignificado em seu currículo.

Entre os ex-jogadores queacabariam dirigindo a seleção

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brasileira em Copas do Mundo,Felipão sempre esteve mais paraFlávio Costa e Zezé Moreira (doisque se tinham destacado pela açãofísica) do que para Zagallo e Telê(dois que foram craques dentro efora do campo). A primeiraexperiência de Felipão comotécnico foi bem sucedida: levou oCSA ao título estadual em 1982.

Dez anos separaram o Felipãodo primeiro sucesso ao do que

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substituiu Leão em pleno fogo daseliminatórias. Nesse tempo,aprimorou o espírito de liderança,viveu o futebol em vários estágios.Foi técnico dos times do interior desua juventude e também do Grêmio(campeão gaúcho de 1987). Correuo Brasil e foi ganhar dinheiro noKuwait, na Arábia Saudita, noJapão. Esteve no Criciúma, voltouao Grêmio (vários títulosconquistados, um deles o daLibertadores, o Mundial perdido

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nos pênaltis para o Ajax). Esteveno Palmeiras e por fim no Cruzeiro,onde a CBF foi buscá-lo para pôrordem na casa. Não ganhou a CopaAmérica, na qual foi pifiamenteeliminado por Honduras, mas levouo Brasil ao segundo lugar naseliminatórias.

Missão cumprida, Felipão teveum ano para dar à seleção a caraque ela precisava para ser, comode fato seria, a única a sagrar-se

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campeã mundial em três continentes— Europa, Américas e Ásia. Comojá faz parte do contracheque detodo treinador rumo a Copa doMundo, enfrentou problemas. Umdeles, Romário, agora no Vasco.Pela terceira Copa do Mundoconsecutiva, o craque dividiaopiniões, técnicos de um lado e avoz do povo do outro. E o povo,naturalmente, estava com Romário,a quem Felipão nunca maisconvocou depois da derrota para o

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Uruguai (não fosse um amistosocom a Guatemala, no Pacaembu, em2005, aquela partida emMontevidéu teria sido a última deRomário pela seleção). Segundo oFelipão, sua decisão era meramentetécnica. "Nos últimos 20 metros,Romário é um fenômeno", admitia.Mas, aos 36 anos, já não tinha avelocidade e o fôlego que otreinador queria para lutar pelotempo. Tinha muito mais fé emRonaldo que, depois da final de

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1998, na Copa da França, muitossupunham acabado para a seleção.

O que ficou de tudo é que,pouco a pouco, o líder se somandoao técnico, Luiz Felipe Scolariacabou montando uma equipevencedora — e a "FamíliaScolari". Se das eliminatórias aoúltimo amistoso antes da Copa doMundo o balanço ficou mais pararegular do que para bom (11vitórias, cinco derrotas e um

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empate em 17 jogos), no Japão e naCoreia do Sul a campanhabrasileira seria irretocável: setevitórias em sete jogos. Foi umaCopa do Mundo fraca, na qualtodos os favoritos, menos o Brasil,fracassaram? Não importa. Felipãoconsagrou-se ali. Acreditou numadefesa experiente, deu espaçospara Rivaldo ser o melhor da Copa(embora a Fifa não oreconhecesse), apostou no talentode Ronaldinho Gaúcho e

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ressuscitou o outro Ronaldo, oFenômeno. Depois disso tudo,quem choraria a ausência deRomário?

Luiz Felipe Scolari continuaativo e na elite dos treinadoresbrasileiros. Depois de 2002,cumpriu carreiras cheias degrandes altos e grandes baixos.Dirigindo a seleção portuguesa,bateu o recorde de vitóriasseguidas de um treinador em Copas

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do Mundo (sete pelo Brasil em2002 e quatro por Portugal em2006). Levou a seleção lusa àssemifinais, o que não aconteciadesde 1966, sob o comando deoutro brasileiro, Oto Glória, e foicondecorado pelo presidente JorgeSampaio. Já no Chelsea, perdeu-se.De bom, apenas, a gordaindenização que recebeu ao serdemitido do clube inglês. NoUzbequistão, campeão invicto.

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De volta ao Brasil, contratadopelo Palmeiras, um alto, a recenteconquista do título da Copa doBrasil, e outro baixo, a situação emque deixou o time à beira doprecipício no CampeonatoBrasileiro.

DUNGA:ALTOS E

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BAIXOS DEUMATRAJETÓRIATENSACom um retrospecto de muitasvitórias e críticas até chegar àÁfrica do Sul, Dunga não conseguiulevar o Brasil ao hexa.

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A "ERA DUNGA"

Como todo treinador de seleçãobrasileira em Copas do Mundo,Dunga enfrentou um batalhão decríticos: torcedores, dirigentes,jogadores, outros treinadores.Enfim, os opositores costumeirosnum país povoado por "técnicos"de futebol. Mas nenhum, antes oudepois dele, teve contra siimprensa tão adversa. Na maior

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parte de seus 1386 dias à frente daseleção — sobretudo depois deperder para a Argentina mais umachance de conquistar a medalha deouro olímpica — Dunga mantevecom os jornalistas uma relaçãodifícil, de diálogos tensos, ataquesde um lado, contra-ataques dooutro.

Muito por isso não é tarefasimples avaliar com justiça seutrabalho para a Copa do Mundo de

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2010, na África do Sul, onde oBrasil foi eliminado pela Holandanas quartas de final. Como terá sesaído o treinador, praticamente umestreante, na missão de renovar ogrupo que decepcionara na lutapelo hexa em 2006? Uma coisa écerta: pelo menos num primeiromomento, seu desempenho superouo de Paulo Roberto Falcão, a quemfora entregue a mesma tarefarenovadora depois do fracasso daequipe de Sebastião Lazaroni, em

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1990, na Itália.

Os números, por exemplo, sãoamplamente favoráveis a Dunga: 42vitórias, 12 empates e seis derrotasem 60 partidas. Um aproveitamentode 76,7%, incluindo no percurso aconquista da Copa América de2007, na Venezuela, e da Copa dasConfederações de 2009, na Áfricado Sul. Entre uma competição eoutra, aconteceu a tranquilaclassificação nas eliminatórias sul-

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americanas: primeiro lugar nogrupo com apenas duas derrotas,uma para o Paraguai e outra para aBolívia. Tudo isso em nome deuma palavra que Dunga usava comfrequência para definir seutrabalho: coerência.

Nascido em Ijuí, Rio Grande doSul, em 1963, Carlos CaetanoBledorn Verri ganhou o apelido deum tio que o achava muito parecidocom um dos anões de Branca de

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Neve. Além do que, no começo daadolescência, sua altura aindaestava longe do 1,77m que teriaquando assinou contrato com oInternacional. Bom jogador,inteligente, sério, com espírito deliderança, logo se firmou.Convocado por Gílson Nunes, foititular da seleção vice-campeã noPan-Americano de 1983, emCaracas. Já estava no Corinthiansquando integrou a seleção notorneio pré-olímpico de 1984 e,

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meses depois, de volta ao Inter nados Jogos de Los Angeles.

Santos e Vasco foram os clubesque defendeu até se transferir parao Pisa, primeira de trêsexperiências na Itália (Fiorentina ePescara seriam as duas seguintes).Ainda jogava pelo Vasco quandoCarlos Alberto Silva o chamoupara a seleção principal queiniciaria excursão à Europaenfrentando a da Inglaterra, em

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1987, no velho Wembley.Resultado: 1 a 1.

Dois anos se passaram até queDunga voltasse à seleção, agorapelas mãos de um técnico demarcante papel em sua carreira:Sebastião Lazaroni. Escalado numamistoso com um combinado doresto do mundo, em Udine, Itália,Dunga marcou o gol brasileiro naderrota por 2 a 1, foi substituídopor Andrade e, mais importante,

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começou a convencer o técnico deque tinha tudo para ser um de seushomens-chave para a Copa do anoseguinte. Por dois motivos: oprimeiro, Dunga, então naFiorentina, já estar adaptado aofutebol europeu em geral e aoitaliano em especial; e o segundo,seu estilo de meio-campista decombate, aplicado, jogando sério,sem enfeites, como Lazaronipreferia ao jogo mais clássico comque Telê Santana perdera as duas

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Copas do Mundo anteriores. Porproclamar isso, instituindo o queficaria conhecida como a "eraDunga", o técnico fez do seujogador o símbolo de tudo de bome de mau que viesse a acontecer naItália. Como o Brasil foi eliminadopela Argentina nas quartas de final,em Turim, a "era Dunga" chegou aofim.

Carlos Alberto Parreira levoualgum tempo até recuperar Dunga

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para a seleção com que tentaria otetra nos Estados Unidos. Custou aconvencer os críticos de que, naverdade, as qualidades do jogador,logo alçado à condição de capitãodo time, eram muito maiores do queas eventuais limitações que oligavam à tal era instituída porLazaroni. Parreira estava certo. FoiDunga quem ergueu a taça nasofrida final de Palo Alto. E,novamente como capitão, foi neleque Zagallo confiou para, em 1998,

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correr atrás do penta em Paris.Mesmo com a derrota brasileira,Dunga pôde, dois anos depois,novamente no Inter gaúcho,encerrar prestigiado sua carreiracomo jogador.

Foi esse prestígio que levou aCBF a confiar a ele, semexperiência como treinador, aseleção que se propunha a renovartudo que Parreira deixara para trásapós a Copa de 2006. Como se viu

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pelos números, o trabalho de Dungateve até bons resultados, mas aderrota para a Argentina nasOlimpíadas de 2008 não foi aceitapor uma imprensa que tinha comocerta sua demissão, lá mesmo, emPequim. Como, ao contrário do quese dizia, Dunga foi mantido nocargo, o diálogo entre ele (mais seuauxiliar Jorginho) e a imprensa foia pique. Sob críticas — que iam dafalta de padrão de jogo àsausências dos jovens Ganso e

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Neymar entre os convocados,passando pela inexplicáveispresenças, entre os 23, de Grafite,Josué e outros — Dunga foi àÁfrica do Sul. Para lá, cada vezmais criticado, interromper comderrota para a Holanda umacarreira que mal tinha começado.

ELES

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FICARAMPELO MEIODO CAMINHOEste capítulo dedicado aostreinadores brasileiros em Copasdo Mundo completa-se com osúnicos quatro que ficaram pelomeio do caminho. Ou seja, aquelesque, tendo dirigido a seleção

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brasileira nas eliminatórias, nãotiveram oportunidade de fazê-lo nafase final. O primeiro deles passouduas vezes pela mesma situação:classificou ou ajudou a classificaro Brasil e, na hora da verdade, foidescartado. Seu nome: OsvaldoBrandão.

Brandão já era treinadoradmirado e respeitado quandoSílvio Pacheco, presidente da CBD(futura CBF), confiou-lhe a missão

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de dirigir a seleção no Sul-Americano de 1957, em Lima.Missão com importante adendo:terminado o torneio, a seleçãodisputaria com a do Peru aprimeira das duas partidas quedecidiriam qual delas iria à fasefinal da Copa do Mundo na Suécia.Portanto, Brandão era o nome davez.

Dois anos antes, quando seformaram duas seleções — uma

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carioca, com dois técnicos do Rio,e outra paulista, com dois técnicosde São Paulo — Brandão teve suaprimeira chance contra o Paraguaipela Taça Osvaldo Cruz (3 a 3). Jáem 1956, antes que Flávio Costareassumisse para a primeiraexcursão de uma seleção brasileiraà Europa, Brandão foi ocomandante no Sul-Americano deMontevidéu (duas vitórias, doisempates e uma derrota). A todasessas experiências, bem como a da

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missão de 1957, Brandão foralevado pelo título de campeãopaulista pelo Corinthians, em 1953.

O Sul-Americano de 1957 foiperdido para a Argentina deMaschio, Sivori e Angelillo (3 a0), mas a classificação para a Copana Suécia seria merecida, emboradifícil. Depois do empate (0 a 0)em Lima, houve a suada vitória (1 a0) no Maracanã, aquela da folha-seca de Didi. Mas o principal ali,

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além da vaga garantida, foi o timede Brandão ser praticamente a basedo que seria campeão mundial.Incluindo Garrincha, que chegava àseleção pelas mãos do treinador,pouco importa que na ponta-esquerda.

Em janeiro de 1958, JoãoHavelange substituiu SílvioPacheco na presidência da CBD.Homem dos esportes aquáticos,entregou o futebol a Paulo

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Machado de Carvalho, a quemcaberia escolher o técnico. Falou-se em Flávio Costa, pensou-se emZezé Moreira, houve campanha próFleitas Solich, do Flamengo, masBrandão nem foi lembrado.Preferiu-se Vicente Ítalo Feola, domesmo São Paulo do "doutor"Paulo.

Em outro janeiro, o de 1975,quando o almirante Heleno deBarros Nunes ocupou o lugar de

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Havelange, parecia certo queZagallo, o das Copas de 1970 e1974, não seria o homem para1978. Por quê? Em primeiro lugar,porque Nunes queria uma CBDtotalmente distinta da que seuantecessor presidira por 17 anos. Oque explica a substituição deZagallo, mas não a escolha deOsvaldo Brandão, como aconteceupara a Copa América, em Caracas,primeira competição do novopresidente. Afinal, Brandão nada

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tinha a ver com o caráter políticoque o almirante estava incumbidode dar ao futebol nos tempos deditadura. Nunes era presidente,também, da Arena fluminense,razão pela qual seria o responsávelpela hipertrofia do CampeonatoBrasileiro, por interesses políticos,daí o lema "Onde Arena vai mal,mais um clube no Nacional".

Brandão ficou no cargo não sóna Copa América, na qual um

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sorteio eliminou o Brasil nasemifinal com o Peru, mas tambémna Taça do Atlântico e no Torneiodo Bicentenário da Independênciados Estados Unidos, ambos ganhospor sua seleção. Com essascredenciais, ele foi mantido até aseliminatórias em 1977. Mas logona estreia, 0 a 0 com a Colômbia,deu o motivo que o almiranteesperava para fazer o que, naverdade, estava mais de acordocom seus planos: entregar a seleção

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ao capitão Cláudio Coutinho, queiria em frente até a Copa naArgentina. Detalhe: Brandão foidemitido a bordo do avião que otrouxe de Caracas.

Entre uma e outra passagem deBrandão, aconteceu João Saldanha.Sua campanha nas eliminatórias de1969 (seis jogos, seis vitórias)devolveu à seleção a credibilidadeque vinha perdendo desde ofracasso de 1966. Saldanha, como

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Brandão, não era um tático, umestrategista, um teórico dossistemas de jogo. Mas, tambémcomo Brandão, sabia escolher seusjogadores. Com um traço valioso: acoragem. Não aceitava injunções,não participava da política dosbastidores, não dizia "sim" aoscartolas que, de algum modo,pretendiam usar a seleção.

Com dez vitórias e apenas umaderrota em menos de um ano no

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cargo, caiu. Em parte pela distânciaque fazia questão de manter entre ofutebol e a política, em parte porter sido boicotado por membros desua comissão técnica, mas muitopor seus nervos não terem resistidoàs pressões dos opositores. Oepisódio do revólver atrás deYustrich e o fato de, comotreinador, voltar ao jornalismo apropósito de responder críticasforam mais do que duas gotasd'água.

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Nas eliminatórias da Copa de2002, a seleção teve três técnicos.Um recorde que se atribuiu àindefinição de Ricardo Teixeira,agora na CBF, depois daacidentada final de 1998. Suaprimeira opção foi VanderleiLuxemburgo, já nos amistosos quese seguiram à derrota em Paris. Naépoca, parecia a escolha certa,pelo êxito em vários clubes e umainvejável coleção de títulos. Se aconquista da Copa América em

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1999 firmava-o no posto, a perdado ouro olímpico para Camarões,em Sydney, tinha o efeito contrário.A derrota se deu com aseliminatórias já em curso, de modoque, mesmo com uma campanharazoável (quatro vitórias, umempate e uma derrota), Vanderleifoi demitido. Não deixa de terpesado na decisão da CBF omomento complicado que otreinador vivia em sua vidaparticular: falsificação de

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documentos, negócios malexplicados, problemas desonegação fiscal.

Candinho substitui Vanderleiinterinamente. Quer dizer,esquentou lugar para EmersonLeão, talvez a mais surpreendenteescolha de toda a história daseliminatórias. Depois de setemeses e apenas três vitórias em 10jogos, incluindo derrota para oEquador, em Quito, e a pífia

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campanha na Copa dasConfederações, na Coreia do Sul eJapão, Leão também se foi, dando avez a Felipe Scolari. Em termos deconsideração e respeito, teve maissorte que Brandão. Pelo menos, ocoordenador técnico Antônio Lopesesperou o avião pousar antes demandá-lo embora.

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