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O futuro do jornal impresso Passo Fundo, sábado e domingo, 19 e 20 de junho de 2010 Suplemento especial, não pode ser vendido separadamente

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O futuro do jornal impresso

Passo Fundo, sábado e domingo, 19 e 20 de junho de 2010

Suplemento especial, não pode ser vendido separadamente

Sucursal em Porto Alegre: GRUPO DE DIÁRIOS - Rua Garibaldi, 659, conj. 102 – Porto Alegre-RS.

Representante para Brasília: CENTRAL COMUNICAÇÃO.

Representante para São Paulo e Rio de Janeiro: TRÁFEGO PUBLICIDADE E MARKETING LTDAAvenida treze de maio, sala 428 - Rio de Janeiro – RJ.

MC- Rede Passo Fundo de Jornalismo LtdaRua Silva Jardim, 325 A - Bairro AnnesCEP 99010-240 – Caixa postal 651Fone: 54- 3045-8300 - Passo Fundo RSHttp://www.onacional.com.br

Múcio de Castro Filho

Múcio de Castro Neto

Zulmara Colussi

Daiane Colla

Jean Michel Tonial

Múcio de Castro • 1915 + 1981

Filiado à

Conselho Editorial

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Diretor Presidente:

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Projeto Gráfico:Não nos responsabilizamos pelos con-ceitos e opiniões emitidos em colunas e notas assinadas ou matérias pagas. Não devolvemos originais, publicados ou não.

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O Nacional não se responsabiliza por conceitos emitidos em artigos assinados e não devolve originais, publicados ou não.

Para aonde vamos?Um jornal que comemora 85 anos de existência não pode deixar de discutir seu futuro. Em

um mundo de mudanças rápidas e com profundas consequências para todos que vivem nele, o jornal O Nacional discute neste suplemento o seu futuro e de tantas outras mídias impressas. Pensamos que novas transformações virão. Migramos da pedra para o papiro, daí para o papel e chegamos à internet, mas seguimos acreditando que o jornal impresso não irá acabar.

Ele será apenas mais uma ferramenta.ON acompanhou essas últimas transformações. Passamos de um jornal de formato standard

para um jornal em formato tabloide. Acompanhamos a evolução, e hoje O Nacional também está na internet. Todo o conteúdo de ON já é disponibilizado on-line para nossos leitores, cujos acessos ul-trapassam os 40 mil por mês. Esse acesso à informação, garantido pela web, sugere também novas mudanças. Iremos migrar do papel para o meio eletrônico? O jornal impresso, da forma como o co-nhecemos há quatro séculos, irá realmente ser extinto? E o jornalismo continuará sendo o mesmo?

Este suplemento especial, produzido exclusivamente para comemorar os 85 anos do jornal O Nacional, propõe-se a essa e outras reflexões. Cada um dos convidados a colaborar com a discussão do tema ex-pôs a sua opinião, muitas delas controversas, que conduzem a diferentes considerações. Não queremos induzir pensamentos, apenas levantar ideias. As conclusões podem ser tiradas por cada um de nossos leitores.

O mais importante é que, independente da ferramenta, o jornalismo seguirá em primeiro lugar. Para muitos, a internet não fará uma revolução, será apenas fruto de uma evolução, assim como foi o rádio e a televisão. Cabe a nós, como veículo de comunicação impresso, inovar e encontrar novos caminhos para permanecermos atuantes nas eras vindouras, sempre atentos à responsa-bilidade, qualidade e ética, esses, sim, valores imutáveis.

Daiane Colla

Colaboradores desta edição

Múcio de Castro NetoKamal Badra

Ercy Pereira TormaAlberto Dines

Juremir Machado da SilvaMarcelo Träsel

Sônia BertolAntônio Hohlfeldt

Regina Santos

O Nacional - Sábado e domingo, 19 e 20 de junho de 2010 3

(TexTo publicado a revisTa Época de agosTo de 2008)

Múcio de castro Neto *

No ano em que O Nacional com-pleta 85 anos de existência, sendo um dos jornais mais antigos do Rio Grande do Sul (e do Brasil), cabe a reflexão sobre o futuro do jornal im-presso. Muitos estudiosos (e outros nem tanto) profetizam o fim no jornal impresso para que a internet reine soberana como meio de informação.

É fato inquestionável que a inter-net veio para ficar; veio para facilitar nossa vida em todos os aspectos e deu uma dinâmica impressionante à propagação de informações. A

questão que gostaria de discutir aqui é: como sustentar um modelo que tem em sua essência o acesso gra-tuito à informação?

Sim, pois produzir conteúdo de qualidade exige profissionais, estru-tura e equipamentos de qualidade e isso tem um custo significativo aos veículos que os produzem. Os jornais impressos, independente do porte, sabem que o futuro está na internet. Porém, ainda não descobriram como fazer para viabilizar suas operações mantendo o mesmo nível que pos-suem no impresso. Acredito que o jornal on-line e o impresso se com-

plementam. O primeiro trazendo a notícia em primeira mão e o segundo ampliando a matéria, apresentando informações mais aprofundadas.

Não é por acaso que o jornal con-tinua sendo o veículo mais confiável quando falamos em informação. As empresas jornalísticas têm a responsabilidade e o compromisso com aquilo que informam, o que não conseguimos exigir de blogueiros e afins. A imprensa norte-americana já está se organizando contra aque-les que se apropriam de seu con-teúdo para disponibilizar em sites de busca. Nada contra os sites de

busca, mas se pagamos direitos au-torais para um artista, por que não devemos remunerar a empresa que investiu para que aquele conteúdo fosse produzido?

No mundo, os jornais mostram sua recuperação. Europa e Estados Uni-dos voltaram a patamares de rentabi-lidade pré-crise. No Brasil, a tiragem total dos jornais brasileiros expandiu de um milhão nos últimos dez anos para 8,2 milhões.

O mais importante dessa discussão é que não há como fechar a equação conteúdo de qualidade versus gra-tuidade. Não importa como estare-mos daqui a 85 anos, se impresso, on-line ou ambos. A questão é que informação de qualidade, com credi-bilidade e responsabilidade é preceito básico de uma nação forte. Entretan-to, essa informação tem um custo, e não serão banners de internet que irão sustentá-la.

* direTor execuTivo de o NacioNal

O custo da (boa) informação

“O mais importante dessa discussão é que não há como fechar a equação conteúdo de qualidade versus gratuidade”

4 Sábado e domingo, 19 e 20 de junho de 2010 - O Nacional

Para Kamal Badra, o webjorna-lismo e o jornalismo impresso têm papéis diferentes. “O compromisso do webjornalismo é com o imedia-tismo, enquanto o impresso deve buscar uma nova motivação - ampliar as abordagens, aprofundar e dar mais cor à notícia e, assim, manter o leitor”, explica.

O presidente da ADI (Associação de Diários do Interior) acredita que o meio impresso apenas desapa-recerá se não se adequar à nova realidade.

“Não podemos tentar concorrer com o on-line”, garante. Para ele, “jor-nais e revistas devem entender seu novo papel como veículos de comu-nicação e aprimorar-se nesse sentido - gerando pautas mais trabalhadas, aproveitando o tempo maior que têm para publicar a notícia”.

A versão on-line dos veículos impressos também colabora nessa relação, gerando duas alternativas. “O veículo torna o site um modo de pescar o leitor do impresso - ao promover a edição anunciando as notícias e fazendo publicidade - ou opta por encarar o on-line, transfor-mando-se em um site de notícias em tempo real, que da mesma forma di-vulga o impresso exige mais pessoal e um foco maior no que interessa ao veículo - se aumentar os assinantes, abranger os assinantes on-line ou mesmo manter qualquer internau-ta bem informado e ganhar com a

publicidade”, observa.Nessa nova realidade, Kamal Ba-

dra frisa a importância de o jornal impresso não se deixar tornar ob-soleto. “É difícil a extinção do jor-nal impresso, pois ainda é grande a parcela de leitores que prefere o papel à tela do computador. Con-tudo, é importante estar atento ao novo papel do impresso, como cita-do anteriormente.” Aos jornalistas, o desafio é trabalhar essa visão: o que devem noticiar de modo que o jornal não esteja velho na manhã seguinte e como isso deve ser abordado de modo que instigue o

“Jornais e revistas devem entender seu novo papel como veículos de comunicação”O presidente da ADI e diretor do jornal A Platéia, de Santana do Livramento, Kamal Badra, acredita que os jornais impressos devem se adequar à nova realidade, mas sem tentar concorrer com o on-line

leitor a comprar a edição, mesmo que já tenha lido algo sobre o ocor-rido na internet. “Ainda que haja grande diferenciação no texto do impresso e da internet, não vejo isso como um desafio ao jornalista, mas como uma exigência à carreira na atualidade - o profissional já deve ter conhecimento sobre como diferenciar os produtos e como interagir com cada um deles”, des-taca.

Contudo, o presidente afirma não acreditar no fim do impresso. “Hoje, o impresso é um veículo de comuni-cação tradicional, de fácil acesso e, em muitos casos, identificado com o público leitor. Hoje, a versão on-line está em plena expansão, até como forma de buscar novos assinantes e anunciantes (...) acredito talvez em sua popularização, no sentido de precisar tornar-se mais barato e abranger um público mais popular.”

Para Kamal Badra, o impresso continuará como uma forma de ob-ter informações mais aprofundadas, em meio à correria do cotidiano - os outros meios, como o rádio, a TV e a internet fazem breves relatos - salvo o caso de material inteiramente dis-ponibilizado na rede, como acontece com algumas revistas. “O jornal precisa aliar o crédito que detém na comunidade na busca de novas formas de informar e de obter lucro. Isso sem perder o formato singular do impresso, mas reinventando o produto e mantendo seu espaço no mercado”, complementa.

O Nacional - Sábado e domingo, 19 e 20 de junho de 2010 5

“A tecnologia voltada para a comunicação é cada vez mais veloz, apresentando a cada momento uma nova forma de transmitir infor-mações e entretenimento”, afirma o presidente da ARI (Associação Rio-Grandense de Imprensa), Ercy Pereira Torma. Para ele, as platafor-mas usadas para a disseminação de ideias e de conhecimentos são apre-sentadas, modificadas e desenvolvi-das de tal forma que preencham os espaços disponíveis. Para alguns pesquisadores, segundo Torma, a mídia impressa está sabendo melhor aproveitar os espaços oferecidos pela web. “Diante da impossibilidade de colocar no papel o material reunido ao longo do dia, os jornais encontra-ram a forma de utilizá-lo na Internet”, diz. Dessa forma, ele acredita que os bastidores de uma reportagem, as vozes dos interlocutores e dos per-sonagens, o trabalho dos repórteres, enfim, tudo que antes era “jogado fora”, passa a ser disponibilizado para os seus leitores.

Ele defende ainda que os profis-sionais de comunicação, à medida que aperfeiçoam o uso dos blogs, Twitter, Facebook, entre outros espaços, também devem colocar esforços para manter a indepen-dência de um e de outro. “Eles de-vem aproveitar com profundidade suas capacidades, mas sem capitu-lar e sem abandonar seu formato”, destaca.

O jornalismo impressoPara Ercy Torma, o jornalismo não

perderá seu espaço nos próximos anos. “O rádio durante muito tempo foi o principal veículo de comunicação

no mundo. Com o surgimento da televisão, muitas vozes apontaram sua decadência. O rádio não acabou. Ao contrário, continua sendo a princi-pal forma de comunicação em várias partes do mundo. Inclusive em muitas áreas do interior do Brasil. E agora se prepara para ingressar na era digital. Com o advento da internet, as mes-mas vozes apontaram o fim da tele-visão. Ela está mais forte e incorpora avanços extraordinários (LED, LDT, digital, HD, celular, etc.).”

O presidente da ARI acredita que os jornais não estão em processo de extinção, ao contrário do que “os agourentos de vaticinaram”. “Não é isto que acontece no momento. Os principais jornais brasileiros, por exemplo, aumentaram suas tiragens e oferecem continuamente novos produtos a seus leitores. O

jornalismo impresso, assim, ganha novo fôlego e busca atender seu público com conteúdo qualificado, matérias investigativas e prestação de serviços. Assim terá vida longa e produtiva”, acredita.

DesafiosDe acordo com Ercy Torma, os jor-

nais impressos têm como principais desafios a busca por crescimento da circulação, principalmente envol-vendo a criação de novos leitores. “Empresários e profissionais da comunicação deverão estar aber-tos aos novos tempos e atentos às mudanças produzidas em cada segmento de nossa sociedade.” Torma defende ainda que a coragem em adotar propostas ousadas de-verá estar presente, pois o espaço sempre estará sendo disputado com

“O jornalismo impresso ganha novo fôlego”O presidente da ARI, Ercy Pereira Torma, defende que o jornalismo impresso deve buscar atender seu público com conteúdo qualificado, matérias investigativas e prestação de serviços. Para ele, a mídia impressa está sabendo melhor aproveitar os espaços deixados pela web

força pelas novas formas de veicular as informações. “Em várias partes do mundo surgiram os chamados jornais populares, que alcançam as populações das periferias das grandes cidades, até então afasta-dos da mídia impressa tradicional”, exemplifica.

Às faculdades de Jornalismo, se-gundo o presidente da ARI, caberá papel relevante na preparação de pro fissionais capazes de lidar com as tecnologias disponíveis e prepará-los para as que são oferecidas rapida-mente pelo mercado. Passados, dois séculos da fundação do primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense, ele acredita que os desafios ainda são os mesmos. “Percebemos que os desafios de Hipólito José da Costa, fundador do Correio, de aproximar a comunidade do jornal, ainda permanece.”

“Em várias partes do mundo surgiram os chamados jornais populares, que alcançam as populações das periferias das grandes cidades, até então afastados da mídia impressa tradicional”

6 Sábado e domingo, 19 e 20 de junho de 2010 - O Nacional

O jornalista e professor, coorde-nador do curso de especialização em Jornalismo Digital da Famecos/PUCRS, Marcelo Träsel, acredita que o principal desafio dos jornais im-pressos é fazer uma transição suave para o meio eletrônico, sem perder qualidade nem lucratividade

De que maneira você vê a interação entre jornalismo impresso e webjornalismo? Você acredita que haja uma interdependência entre eles ou que eles podem ou devem ser independentes?Marcelo Träsel - Hoje há, com toda

certeza, uma relação de interdepen-dência entre os veículos em papel e os digitais. Por um lado, os webjornais

ainda não são capazes de se sustentar sozinhos, salvo raras exceções, seja por assinaturas seja por anúncios. Depen-dem do faturamento dos outros meios de que, em geral, uma empresa de mídia dispõe. Por outro lado, a audiência dos jornais impressos está morrendo, e os veículos digitais é que têm trazido novos clientes para a empresa. As marcas jornalísticas que ainda não começaram a buscar a audiência on-line provavelmen-te acabarão junto com os leitores do jornal em papel.

- O que você espera do jornalismo impresso nos próximos anos? Ele ainda ganhará espaço ou será “pressionado” pelo jornalismo on-line?

Träsel - Em poucos anos, devemos ter aparelhos baratos e simples de usar para a leitura de jornais eletrônicos bem como um modelo de assinaturas. Quando isso acontecer, apenas regiões do mundo onde a infraestrutura é muito ruim deverão manter os jornais feitos a partir de “árvores mortas”. Talvez haja espaço para alguns veículos impressos de categoria um pouco mais elevada e pouca circulação, destinados a nichos de mercado. Mais ou menos como acontece com os discos de vinil hoje em dia.

- Na tua opinião, quais são os principais desafios dos jornais impressos e os principais desafios dos jornalistas desses veículos?

“Os jornais impressos precisam fazer uma transição suave para a internet”

Träsel - O desafio dos jornais impressos é fazer uma transição suave para o meio eletrônico, sem perder qualidade nem lucratividade. É um enorme desafio. Ninguém, de Nova Iorque a Cacique Doble, sabe como atingir esse objetivo. O modelo de negócios do jornalismo impresso está em coma profundo e o modelo para o jornalismo eletrôni-co está para ser inventado, ainda. Que época para se viver! O desafio posto aos jornalistas é justamente tomar as rédeas desse processo de invenção do modelo de sus-tentação para o jornalismo eletrô-nico. Repórteres odeiam pensar em administração, mas é preciso ter em mente que não existe bom jornalismo sem dinheiro, ainda que o dinheiro venha do governo ou de taxas cobradas da população. Evidentemente, para fazer isso os jornalistas terão de conhecer muito bem esse novo meio, o que é um desafio também, mas com a vantagem de depender apenas da boa vontade individual para ser vencido. Embora esses desafios empresariais e individuais possam gerar muita ansiedade entre os jornalistas, o fato de a internet ter tornado a cadeia produtiva do jornal impresso dispensável para o jornalismo abre muitas oportu-nidades. Ninguém mais precisa ter recursos para investir em um parque gráfico ou na negociação de concessões de radiodifusão se quiser montar uma empresa jornalística capaz de competir com os grandes. Os meios de produção são hoje acessíveis aos repórteres. É preciso usar a criatividade.

As marcas jornalísticas que ainda não começaram a buscar a audiência on-line provavelmente acabarão junto com os leitores do jornal em papel”

8 Sábado e domingo, 19 e 20 de junho de 2010 - O Nacional

sôNia Bertol *

Como O Nacional convidou-me a escrever um artigo para com-por sua edição de aniversário, refletindo sobre o futuro da mídia impressa, valho-me dos privilé-gios de articulista - aquele que escreve e assina um texto de opinião, para expressar algumas ideias sobre o futuro dessa mídia, com a ajuda de algumas referên-cias da História da Comunicação. Disciplina que, aliás, leciono no curso de Jornalismo da Univer-sidade de Passo Fundo desde 1996 e que, em seu conteúdo programático, sempre preserva um espaço para rememorar a trajetória de Tarso de Castro, jornalista de Passo Fundo que ficou conhecido no Brasil inteiro por criar e amar os jornais, es-pecialmente os alternativos, é claro, entre eles o indiscutível O Pasquim.

Da História da Comunicação e de todos os que nela se de-bruçam em busca de evidências

sobre os esforços empreendi-dos pelo homem na tentativa de se comunicar, entre os quais têm uma importância ímpar os arqueólogos, vem a certeza de que uma mídia não acaba com a outra. Do período Paleolítico, cerca de 30 mil anos a.C., são oriundas as primeiras formas de expressão do homem, as pinturas nas paredes das cavernas. Depois vieram as tábulas de argila, o papiro e uma diversidade incrível de materiais que deram suporte à escrita, tais como peles de animais, pedras, madeira e até mesmo casco de tartaruga, que hoje são compreendidos como os primeiros embriões do jornal.

No século 16, a prensa de Gutenberg já havia sido inventada e a arte da tipografia permitia a reprodução em cópias, dispen-sando o trabalho manuscrito dos escribas, uma casta que por sécu-los regozijou-se por dominar essa técnica. Em 1606, o Avisa Rela-tion Oder Zeitung começa a circu-lar com periodicidade semanal na

O futuro (incerto) da mídia impressa

Alemanha, tempos depois passan-do para diário, e a humanidade tem, então, seu primeiro jornal na concepção que temos hoje do que seja um jornal. No final do século 17, também na Alemanha, Tobias Peucer defende a primeira tese de doutorado sobre jornalismo.

Em um estudo pioneiro de apenas 29 parágrafos, erige os parâmetros clássicos e essenciais do jornalismo, que prevalecem até hoje naquilo que se caracter-iza como o método jornalístico, o trabalho exaustivo de apuração jornalística junto às fontes - derivando daí sua credibilidade, os valores-notícia, os critérios de noticiabilidade, o uso do lead e a técnica da pirâmide invertida, entre outros.

Depois vieram o rádio e a te-levisão. Quando o rádio começa a operar, todos pensaram que seria o fim do jornal. Quando entra em operação a TV, é anunciado o fim do rádio. No entanto, nada disso se confirmou.

E agora, em tempos de jornal-ismo on-line, apregoa-se ampla-mente o fim do jornal impresso. Pelas lições da história, não vamos acreditar nisso. Mas por tudo o que se diz, é possível an-tever um novo papel para o jor-nal, isso sim.

Segundo dados do jornal Valor Econômico em uma extensa re-portagem sobre a circulação de

O Nacional - Sábado e domingo, 19 e 20 de junho de 2010 9

jornais publicada em março deste ano, a circulação dos jornais brasileiros caiu no ano passado. A queda de 3,46% é atribuída ao cenário econômico negativo de 2009, quando o produto interno bruto ficou estagnado e a produção industrial encolheu 7%, razão pela qual o setor não

demonstrou grande preocupação. No entanto, outro motivo da queda pode ter sido o impacto da internet, cujo conteúdo dos jornais costuma ser colocado e atualizado de graça; e entre pa-gar e não pagar, a escolha parece óbvia. Vários outros motivos tam-bém compõem o pacote de expli-

cações para a queda de circulação dos jornais brasileiros em 2009, mas, por enquanto, ficaremos no embate jornais impressos x on-line.

Como torcedora atemporal pela sobrevivência dessa mídia, concordo com o geralmente ir-retorquível argumento do profes-sor Nilson Lage, um monstro do jornalismo.

“Através da produção de re-portagens, ‘forma de maior apro-fundamento possível da infor-mação social e, por outro lado, é aquela que responde melhor às aspirações de uma democra-cia contemporânea, com toda a plenitude até mesmo da utopia’ (CREMILDA, Medina apud ALVES, Selmar Becker), os jornalistas ali-mentam a possibilidade de aban-donar o caráter empobrecedor da objetividade que, atualmente, se resume a matérias direciona-das pelo lead e sublead seguidos por parágrafos intercalados por intertítulos a cada 20 linhas, dire-cionados pela técnica da pirâmide invertida.

Inteligência, perspicácia, deter-minação, perseverança acrescidas de pitadas de utopia produzem grandes reportagens, recheadas com saborosas informações que, certamente, o leitor paga, com

Quando entra em operação a TV, é anunciado o fim do rádio. No entanto, nada disso se confirmou. E agora, em tempos de jornalismo on-line, apregoa-se amplamente o fim do jornal impresso.

gosto, para lambuzar-se de con-hecimento. Mas para chegar ao ponto ideal desta receita, os repórteres que permanecem nas redações dos jornais impressos precisam “tratar de ouvir fontes secundárias, construir versões consistentes e analisar cada problema de perspectivas distin-tas” (LAGE, Nilson).

E para essas premonições e para tudo o que de fato vem se delineando, uma pista muito importante foi encontrada em um editorial da revista Vanity Fair, em que seu editor capta o que os jornais vêm fazendo na apuração de diversos fatos marcantes da atualidade, e que lhes diferencia das outras mídias, um papel que parece orgânico ao jornal e que representa o melhor que o bom jornalismo faz para a sociedade: o papel de apurar em profundi-dade, contextualizar e analisar, de forma como não se vê nas demais mídias e pelo que, como disse Nilson Lage, “o leitor paga, com gosto, para lambuzar-se de conhecimento”. Vida longa, en-tão, a O Nacional, já nesse novo papel.

* coordeNadora do curso de JorNalismo da uNiversidade

de passo FuNdo

10 Sábado e domingo, 19 e 20 de junho de 2010 - O Nacional

O jornalista, professor e presidente da Intercom, Antônio Hohlfeldt, acredita que os jornais impressos buscarão alternativas para per-manecer atuantes e critica os jornais gaúchos “quanto mais leio jornal e acompanho suas campanhas de bus-ca de receptores, mais me convenço que as empresas jornalísticas do Es-tado desconhecem o que está ocor-rendo no mundo e tentam postergar, o máximo possível, as modificações necessárias”.

Para o professor de Teorias da Comunicação e de Leituras em Jor-nalismo do PPGCOM da Famecos/PUCRS, pesquisador em produ-tividade do CNPq, presidente da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comu-nicação), mesmo com o advento da internet, o jornalismo não mudou, “continua sendo a narrativa dos acontecimentos do mundo ou de nosso entorno, para atender à curio-sidade e aos interesses imediatos das pessoas que, por isso mesmo, leem jornais/revistas, ouvem rá-dio, assistem à televisão e, agora, consultam a internet”, diz Antônio Hohlfeldt, que é pós-doutor em Jor-nalismo pela Universidade Fernando Pessoa, Porto, Portugal, e membro do Conselho Consultivo da Socie-dade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo.

Ele salienta a existência de uma interdependência entre jornalismo impresso e on-line e lembra algumas mudanças que já foram feitas pela mídia eletrônica a fim de garantir que o jornalismo de qualidade permaneça. “Veja que, nos primeiros momentos, houve a preocupação com a rapidez, atualizando-se site a cada 5 minutos. Isso foi tão desastroso para a boa cobertura jornalística, que se refor-mulou o procedimento e hoje em dia

“O jornalismo impresso tem de manter-se

fiel a sua essência”

as atualizações estão mais rarefeitas, mas a cobertura é mais cuidadosa, o que implica em maior confiabilidade”, explica. Entretanto, isso não significa,

falta de independência entre cada meio ou suporte. “O webjornalismo tem algumas exigências que o jorna-lismo de imprensa não tem, mas que

também são diferentes da televisão e do rádio”, garante.

AlternativasNesse contexto, o jornalismo

impresso já começa a descobrir suas alternativas. Hohlfeldt destaca a valorização da grande reportagem pelos jornais europeus, com matérias de fundo mais desenvolvidas, com atenção para a precisão e o aprofun-damento da informação. “O jornal-ismo impresso não pode nem tem que competir com o rádio ou telejornal-ismo ou o webjornalismo. Ele tem de

“Se ele [o jornal] não decidir assumir-se enquanto um veículo mais crítico e mais exigente, evidentemente vai soçobrar”

O Nacional - Sábado e domingo, 19 e 20 de junho de 2010 11

manter-se fiel a sua essência, que é o desdobramento e o aprofundamento da informação, a análise dos aconteci-mentos e, se for o caso, a projeção de seus desdobramentos.”

DesafiosPara o professor, o maior desafio

do jornalismo impresso é entender exatamente qual o seu papel. “Quando vejo que um veículo gosta de se autopromover dizendo-se fonte da informação, ou que um outro prefere destacar que ele publica noticias curtas, que vão direto ao ponto, e que por isso é um jornal que pode ser lido rapi-damente, fico imaginando que são campanhas feitas por quem não entende o veículo que pretende promover e que imagina que seu receptor igualmente é ignorante”, critica. Ele explica seu ponto de vista. “São atos de suicídio. Afinal, a fonte de uma informação é, na pior das hipóteses, o repórter, e no mais das vezes, as agências noti-ciosas ou mesmo as pessoas/insti-tuições envolvidas diretamente no acontecimento.

Quanto a jornal, se ele não se decidir a assumir-se enquanto um veículo mais crítico e mais exi-gente, evidentemente vai soço-brar.”

No Brasil, o jornalismo impresso ainda tem espaço devido à alta taxa de analfabetos que vai sendo lentamente transformada em

novos leitores. “Isso garante ainda uma margem de crescimento dos jornais - daí o fenômeno recente do crescimento dos jornais ditos populares, com texto curto, letra grande e ilustrações que facilitam a leitura e a compreensão do que é lido - e estão deixando de in-vestir no receptor mais exigente, enquanto leitor de matéria mais desenvolvida.”

Antônio Hohlfeldt afirma que o jornalista tem atualmente, como grande desafio, uma preparação profissional mais complexa. “Hoje o jornalista deve somar o domínio

da tecnologia de informática, para transmissão de dados, pesquisa de arquivos, etc. e o conhecimento de domínio de câmera e equipa-mentos de edição e iluminação, já que no jornalismo televisivo as antigas equipes de três ou quatro membros se transformaram em um único profissional.

Mas isso não muda a essência do jornalismo, isso é que pre-cisa ficar claramente frisado. O jornalismo continua sendo a boa informação e o relato correto e fidedigno de um determinado acontecimento”, destaca.

“Jornalismo continua sendo a boa informação e o relato correto e fidedigno de um determinado acontecimento”

Preparação para mudançasDo ponto de vista tecnológico,

Hohlfeldt não tem dúvidas de que os jornais do Rio Grande do Sul estão preparados para as mudanças que já estão sendo impostas. Entretanto, do ponto de vista da consciência sobre o que devem fazer, “duvido”.

“Quanto mais leio jornal e acom-panho suas campanhas de busca de receptores, mais me convenço que as empresas jornalísticas do Estado desconhecem o que está ocorrendo no mundo e tentam postergar, o máximo possível, as modificações necessárias”, analisa.

12 Sábado e domingo, 19 e 20 de junho de 2010 - O Nacional

Que análise o senhor faz do futuro do jornal impresso?Alberto Dines - Quem falou coisas

decisivas muito recentemente sobre o futuro dos jornais foi Steve Jobs, da Apple. Em uma entrevista formidável, ele fala que não temos que acabar com o jornalismo impresso, mas sim evitar que ele seja apenas o jornalis-mo blogueiro. A internet é formidável, é uma ferramenta insuperável como foram as outras que apareceram antes dela. Fazer da internet um meio de comunicação com equilíbrio necessário, que a imprensa já tinha alcançado ao longo de quatro séculos é um desafio. O que ele diz é fortís-simo, porque ele é um cara sério. As invenções dele são maquinetas inter-essantes, com inúmeras utilidades, mas que não substituem o papel.

Então o papel não irá desaparecer?Dines - Eu acho que o papel não irá

desaparecer, desde que não façamos da atividade profissional do jornal impresso uma atividade blogueira. O não se pode é fazer do jornalismo uma atividade blogueira, sem respon-sabilidade, equilíbrio ou qualquer outra coisa essencial ao jornalismo de qualidade.

Então qual é o caminho do jornalismo?Dines - O caminho do jornalismo é

ser sério. Ele não está conseguindo. Ele acha que simplificar, tornar-se mais barato é a melhor medida para enfrentar a internet. Não é. Pelo con-trário. O jornal impresso tem de se sofisticar, investir, ter qualidade. Claro que ele tem de se proteger, não dis-

cuto se eles devem cobrar pelo con-teúdo na internet. Isso é uma questão complicada. É ruim você dizer, porque são as pessoas que irão decidir, se elas irão continuar acessando inter-net a partir do momento que ela for cobrada. Essa é uma previsão impos-sível de fazer agora. Os jornais não vão enfrentar a internet e não vão se sobrepor a ela se eles continuarem a política suicida de se simplificar. As reformas da Folha de S. Paulo e do

Estadão foram uma brincadeira. A do Estadão ainda trouxe alguma coisa a mais, mas à da Folha não se acrescen-tou nada.

Nesse sentido, o principal desafio é manter a qualidade?Dines - Sim. O principal desafio é o

da qualidade, sem dúvida. É preciso apostar em qualidade. Só a mídia impressa consegue analisar com

“É preciso desenvolver o jornalismo impresso regional”O jornalista e observador da imprensa Alberto Dines defende a permanência dos jornais impressos e ressalta que o momento é oportuno para o crescimento dos jornais regionais. “Esses ainda têm muito espaço para crescer”, garante

profundidade temas importantes. Na imprensa você tem uma coisa arejada. Na internet ficam os palpites, as ofen-sas, a raiva e o ressentimento acerca de determinados assuntos.

Mas há quem goste disso. Não são todos os leitores que tem capacidade de criticar.Dines - Gostam agora, mas não

sei se irão gostar daqui a seis meses. Porque isso não conduz a nada, a coisa alguma. O que realmente vai fazer da internet um veículo jornalisticamente res-peitável é a qualidade, a respon-sabilidade, uma coisa que não seja a estupidez. O processo da mídia impressa, já encontrou uma forma de se depurar. O que é ruim vira lixo mesmo.

E dentro de todas essas mudanças, como ficam os jornais regionais?Dines - Acho importante saudar

o aniversário do jornal. Inclusive o Rio Grande do Sul é um dos estados com a melhor imprensa regional. Um pouco por influência dos países vizinhos. Acho isso extraordinário, porque prova que tem uma cidada-nia já arraigada, que o jornal cria em seu entorno. Esses jornais são monumentos que precisam ser preservados. Os jornais são um braço da sociedade. É por isso que é preciso desenvolver o jornalismo impresso regional. Esse ainda tem muito espaço para crescer. É preciso investir em qualidade, porque são indispensáveis para uma sociedade democrática atuante.

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O jornalista, cronista, professor e sempre polêmico Juremir Machado da Silva acredita que o papel está perdendo espaço para um suporte mais rápido, fácil e prático cha-mado internet. Enquanto leitores e jornalistas desfrutam das novas ferramentas de comunicação, as empresas jornalísticas precisam de investimentos para se adaptar

O senhor ainda vê espaço para o jornalismo impresso no Brasil?Juremir Machado - Acho que

ainda tem espaço para o jornalismo impresso, especialmente para os jornais mais populares. Ainda em um país como o Brasil, existe muita pos-sibilidade de ampliar o número de leitores nas camadas mais baixas, já que uma grande parte da população brasileira não é leitora de jornais por diversos motivos, como falta de hábito, condição social e competência técnica, por serem analfabetos ou analfabetos funcionais. Jornais im-pressos baratos ainda podem ocupar essa fatia. Outra coisa possível tam-bém, e que tem crescido muito, são os jornais impressos gratuitos.

E a longo prazo sua visão é a mesma?Machado - Não. Eu sinceramente

acho que a longo prazo, os jornais impressos tendem a perder espaço. Economicamente o jornal impresso vai se tornando um tanto oneroso em relação ao que se pode fazer com o jornalismo on-line. O jornal impresso sai mais caro que um jornal on-line, por motivos óbvios, e ele chega atrasado com relação ao on-line. Parece-me que o jorna-

lismo impresso está se tornando antieconômico.

- Explique issoMachado - Porque imprimir, trans-

portar e chegar atrasado, se podemos fazer o mesmo sem impressão, papel, transporte, sem todos os encargos e chegar na frente? É claro que as pes-soas estão muito habituadas ao im-presso, têm dificuldade de leitura na tela e também nem todos têm com-putador. Eu acho que isso tudo, com o passar do tempo, irá desaparecer. Cada vez mais as camadas leitoras de jornais terão ou já têm computa-dor e cada vez eles serão rápidos e práticos, com ótimas telas. Já temos inclusive leitores de textos que ainda irão se expandir. Eu acho que é uma concorrência quase desleal. Para mim, que tenho 48 anos, ler na tela é mais fácil do que ler no jornal.

Mais prático, agradável e ainda por cima não suja as mãos. Ainda leio jornal em papel, mas certamente 80% da informação jornalística que obtenho é pela internet.

E o apego ao papel? Ainda temos os que preferem o jornal impresso.Machado - As novas gerações não

têm qualquer apego ao papel e elas são os futuros leitores dos jornais. Lemos o jornal e o jogamos fora. Hoje, os jornais possuem arquivos

“Papel é problema dos papeleiros, o nosso é o conteúdo”

on-line. Por exemplo, é mais fácil achar uma crônica minha pesquisan-do na internet do que folhando jornais.

E nisso tudo, onde fica o jornalismo?Machado - O jornalismo sempre

vai existir. Os produtores de infor-mação continuarão existindo, tendo emprego. A coleta de informações, a redação, sempre existirá. O que vai mudar será o suporte. O papel é problema dos papeleiros, o nosso é o conteúdo. No passado o suporte era outro. Já escrevemos em pedra, pergaminhos, para chegarmos ao papel. Eu acho que o papel está perdendo terreno para um suporte mais rápido, fácil e prático que é a internet. O jornal O Nacional con-tinuará existindo, espero que ele complete 500 anos, mas não será mais no papel, o suporte será outro. Eu vejo o pessoal discutindo a nova diagramação da Folha de S. Paulo, ainda não vi a nova diagramação por uma razão bem simples, eu leio a Folha na internet.

Os jornalistas e as empresas jornalísticas estão preparados para esse novo suporte?Machado - Os jornalistas já es-

tão preparados para tudo isso. Em muitos aspectos da rotina jornalís-tica nada muda e em outras, até facilita como a coleta imagens com celular, que pode ser colocada de forma simultânea na internet. O ato de escrever em si continua a mesma coisa. As empresas jornalís-ticas precisarão se adaptar a essa nova realidade. O sujeito dono de um jornal impresso não precisa ficar preocupado, porque o jornal vai con-tinuar existindo sempre. Ele apenas terá de mudar o suporte, mas vai continuar existindo espaço para o jornalismo e para os jornais.

“O jornal vai continuar existindo sempre. Ele apenas terá que mudar o suporte”

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regiaNe saNtos *

Comumente aplicado em grandes corporações por consultores durante processos de implantação da gestão pela qualidade total, o conceito de reengenharia pode ser incorporado, com propriedade, às empresas jorna-lísticas.

“Começar de novo”, ou seja, “abandonar procedimentos con-sagrados e reexaminar o trabalho necessário para criar os produtos e serviços de uma empresa e propor-cionar valor aos clientes” (LAITER, Élcio) desponta como alternativa à crescente queda nas vendas dos jornais impressos brasileiros

provocada, especialmente, porque “os jornais estão repetitivos, sem conseguir sair da vala comum. Com raras exceções, são tediosos, cha-tos, sem profundidade, não acres-centam, não explicam. Os jornais acabaram se tornando uma repeti-ção da notícia que todo mundo já sabe” (CARVALHO, Ruy Quadros de; RIGHITTI, Sabine).

Pesquisa realizada em 2005 por Bughin e Poppe prova a veracidade de tal situação. De acordo com nú-meros apurados pelos estudiosos, “os jornais estão sofrendo uma redução de circulação de 2% a 4% ao ano, em todo mundo” (SOUSA, Jorge Pedro).

Um “intelectual orgânico”No Brasil, as estatísticas apontam

um cenário ainda mais desanimador para os impressos. “A análise de circu-lação de exemplares no país mostra uma redução de cerca de 11% no número absoluto diário, que passou de 3,5 milhões de exemplares por dia, em 1995, para 3,09 milhões de exemplares por dia, em 2005.

Se observarmos o número de exem-plares para cada mil habitantes, que passou de 22/1000, em 1995, para 17/1000, em 2005, a redução é de aproximadamente 23%” (CARVALHO, Ruy Quadros de; RIGHITTI, Sabine).

Embora o diagnóstico da atual situação em que se encontram os jornais impressos brasileiros não seja otimista, existe a possibilidade de revertê-la por meio da reengenharia, pois “sempre haverá necessidade de acesso à informação de qualidade, ainda que eventualmente, seja uma minoria elitista a necessitar dela, ou a querer usufruir dela, por motivos que vão da formação pessoal, aos negó-cios, à intervenção política ou mesmo ao simples entretenimento” (SOUZA, Jorge Pedro).

Para encarar o desafio de começar de novo, os repórteres que integram as redações dos jornais impressos de-vem incorporar o espírito do intelec-tual orgânico, definido por estudiosos da área como “uma batalha cultural para transformar a mentalidade popu-lar e difundir as inovações filosóficas que se provarão historicamente na medida em que se tornam concreta-mente histórica e socialmente univer-sais.

O novo profissional aproxima-se desse conceito, pois ao desejar o estranhamento do público em relação à narrativa, se instiga uma atitude crítica, um `dominar o mundo´, como pretendiam Brecht e Gramsci, dessa forma, o novo jornalista é um `intelec-

tual orgânico´, usa da sua profissão para provocar espanto e opor-se ao hegemônico jornalismo tradicional” (ALVES, Selmar Becker).

O ponto idealPara iniciar o longo percurso rumo à

qualidade das informações veiculadas pelos jornais impressos, os repórteres têm de aplicar a reengenharia à sua rotina profissional. “Será preciso que os jornalistas aprendam a manusear pacotes de dados; a compará-los; aprimorarem-se e se atualizarem para `traduzir´ melhores linguagens técnicas ou desmontar meras es-camoteações linguísticas; a ter infor-mações antes de formular perguntas; e a indagar em universos que não os propostos por marqueteiros e políti-

Reengenharia para os jornais impressos

O novo profissional aproxima-se desse conceito, pois ao desejar o estranhamento do público em relação à narrativa, se instiga uma atitude crítica, um ‘dominar o mundo’

O Nacional - Sábado e domingo, 19 e 20 de junho de 2010 15

cos” (LAGE, Nilson).Com a produção de reportagens,

“forma de maior aprofundamento possível da informação social e, por outro lado, é aquela que responde mel-hor às aspirações de uma democracia contemporânea, com toda a plenitude até mesmo da utopia” (CREMILDA, Medina aput ALVES, Selmar Becker), os jornalistas alimentam a possibilidade de abandonar o caráter empobrecedor da objetividade que, atualmente, se resume a matérias direcionadas pelo lead e sublead seguidos por pará-grafos intercalados por intertítulos a cada 20 linhas, direcionados pela técnica da pirâmide invertida.

Inteligência, perspicácia, determi-nação, perseverança acrescidas de pitadas de utopia produzem grandes reportagens, recheadas com saboro-sas informações que, certamente, o leitor paga, com gosto, para lambu-zar-se de conhecimento.

Mas para chegar ao ponto ideal dessa receita, os repórteres que permanecem nas redações dos jornais impressos precisam “tratar de ouvir fontes secundárias, construir versões consistentes e analisar cada problema de perspectivas distintas” (LAGE, Nilson).

Um jornal de qualidadeMichel Foucault, no século passado,

já sentenciava: “O mais importante no discurso não é o que ele diz, mas o sentido, a forma, suas conexões

e significações” (FOUCAULT, Michel apud ALVES Selmar Becker), ou seja, o repórter deve reunir diferenciadas habilidades para reinventar, a médio prazo, os impressos e atender às expectativas dos exigentes leitores-consumidores de informações.

Ao alcançar a dimensão reveladora alicerçada no tripé técnica, ética e estética, a reportagem equipara-se ao conceito de cooptação: “Superação das formas concretas ou abstratas de submissão do trabalho intelectual aos interesses do Estado (da sociedade política propriamente) e da Indústria Cultural” (ALVES, Selmar Becker), sepultando, assim, o jornal impresso como “instrumento para a promoção de escândalos (que, repetidos, mais facil-mente levam ao conformismo do que à revolta)” e transformando-o na “ex-posição honesta do jogo de interesses e motivação que se esconde por detrás de cada problema”. (LAGE, Nilson).

Frente à urgência de aplicação da reengenharia às empresas jornalísti-cas, os profissionais da comunicação que dedicam suas carreiras aos im-pressos devem pautar-se pelo “desen-volvimento de um jornal de qualidade, que justifique seu consumo mesmo diante de tantas ofertas de outros meios de comunicação” (MEYER, Philip apud CARVALHO, Ruy Quadros de; RIGHETTI, Sabine).

* JorNalisTa, blogueira, assessora de comuNicação FreelaNce e coluNisTa do JorNal aqui, pedro leopoldo (mg)

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E o que você pensa?Este suplemento propôs-se a discutir o futuro do jornalismo impresso. Para tanto ouvimos jornalistas, professores, teóricos e empresários do setor. Agora queremos saber o que você, leitor, tem a dizer sobre o futuro do jornal impresso.Depois de ler todas essas opiniões, é bem possível que você já tenha sua própria visão sobre o tema. Envie um texto para [email protected] com sua ideia a respeito do futuro do jornalismo impresso. O texto deve ter no máximo 2,5 mil caracteres.Além disso, queremos saber o que você, leitor, gostaria de ver no jornal impresso do futuro. Que temas mais despertam a sua atenção e como eles deveriam ser abordados?Os melhores textos serão publicados em O Nacional e nos ajudarão a compor a nova cara do jornal.Contamos com vocês!