o futuro da genômica no brasil

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ESPECIAL O futuro da genômica no Brasil Demonstrada a expertise dos paulistas, abrem-se novas chances para a pesquisa de genoma no país e reconhecido o feit? hsta de seqüenCiar completamente o pnme1ro genoma de um fitopatógeno, o momento se apresenta fecundo para reflexões sobre o futuro da genômica no Brasil, contra o pano de fundo mais amplo do futuro da pesquisa científica neste país. E são reflexões nesse sentido que emergem dos textos reunidos neste en- carte especial, mesmo quando, para traçar essas antevisões, as palavras esquadrinham muita coisa do passado recente e remoto do panorama da pesquisa brasileira - detendo- se no que significa São Paulo ter feito o projeto da Xylella ou nos esforços nacionais de acumulação de competên- cia científica que floresceram, por exemplo, nesse projeto. O encarte reúne entrevistas do pesquisador George Simpson, coordenador de DNA do projeto Genoma Xylella fastidiosa, do pesquisador belga André Goffeau, membro do comitê consultivo externo do projeto, e do físico José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP; a transcrição dos discursos do governador paulista Má- PESQUISA FAPESP rio Covas e do Ministro da Ciência e Tecnologia, Ronal- do Mota Sardemberg, proferidos durante a bela festa ofe- recida pelo governo estadual aos pesquisadores da Xylella, em 21 de fevereiro passado; e um artigo do professor Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da FAPESP, originalmente publicado na Folha de São Paulo, de 22 de fevereiro e, gentilmente cedido pelo jornal para publica- ção neste encarte (por razões de espaço, fizemos alguns cortes na versão original). As visões apresentadas nesses textos são diferentes, multifacetadas e, em alguns pontos- especialmente na- queles que tratam do que deve ser feito daqui por diante para que o país consolide a posição de destaque que con- quistou na pesquisa internacional de genômica -, franca- mente divergentes. E é natural que assim seja. Como bem diz o professor Perez, quando se olha do alto de um mor- ro uma paisagem totalmente aberta, as visões são múlti- plas. Daí, o desafio passa a ser precisamente definir qual o melhor caminho a tomar.

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Pesquisa FAPESP - Especial ed. 51.

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ESPECIAL

O futuro da genômica no Brasil

Demonstrada a expertise dos paulistas, abrem-se novas chances para a pesquisa de genoma no país

R~alizado e larga~ente reconhecido o feit? p~u­hsta de seqüenCiar completamente o pnme1ro genoma de um fitopatógeno, o momento se apresenta fecundo para reflexões sobre o futuro

da genômica no Brasil, contra o pano de fundo mais amplo do futuro da pesquisa científica neste país. E são reflexões nesse sentido que emergem dos textos reunidos neste en­carte especial, mesmo quando, para traçar essas antevisões, as palavras esquadrinham muita coisa do passado recente e remoto do panorama da pesquisa brasileira - detendo­se no que significa São Paulo ter feito o projeto da Xylella ou nos esforços nacionais de acumulação de competên­cia científica que floresceram, por exemplo, nesse projeto.

O encarte reúne entrevistas do pesquisador George Simpson, coordenador de DNA do projeto Genoma Xylella fastidiosa, do pesquisador belga André Goffeau, membro do comitê consultivo externo do projeto, e do físico José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP; a transcrição dos discursos do governador paulista Má-

PESQUISA FAPESP

rio Covas e do Ministro da Ciência e Tecnologia, Ronal­do Mota Sardemberg, proferidos durante a bela festa ofe­recida pelo governo estadual aos pesquisadores da Xylella, em 21 de fevereiro passado; e um artigo do professor Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da FAPESP, originalmente publicado na Folha de São Paulo, de 22 de fevereiro e, gentilmente cedido pelo jornal para publica­ção neste encarte (por razões de espaço, fizemos alguns cortes na versão original).

As visões apresentadas nesses textos são diferentes, multifacetadas e, em alguns pontos- especialmente na­queles que tratam do que deve ser feito daqui por diante para que o país consolide a posição de destaque que con­quistou na pesquisa internacional de genômica -, franca­mente divergentes. E é natural que assim seja. Como bem diz o professor Perez, quando se olha do alto de um mor­ro uma paisagem totalmente aberta, as visões são múlti­plas. Daí, o desafio passa a ser precisamente definir qual o melhor caminho a tomar.

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ

Boa Ciência no Brasil

Aconclusão do primeiro Projeto Genoma organiza­do pela FAPESP para determinar o código genéti­co da bactéria Xylella fastidiosa representa uma

das grandes realizações da Ciência e da Tecnologia ( C&T) no Brasil. Demonstra a capacitação científica desenvolvi­da em São Paulo e sinaliza o domí-nio de tecnologias essenciais ao

durante décadas houve apoio do governo federal, principal­mente na forma de bolsas de estudo na pós-graduação, para a formação dos cientistas que hoje lideram e tocam o dia-a-dia do projeto. Sua maioria esmagadora formou-se e trabalha em universidades públicas, estaduais ou federais, e é auxi-

liada por um exército de pós-gra­duandos, muitos deles bolsistas de

desenvolvimento econômico e so­cial, num setor da economia que responde por milhares de empre­gos e por faturamento anual supe­rior a US$ 4 bilhões para este esta­do. A bactéria causa a praga do "amarelinho", que danifica laran­jais inteiros. A determinação do genoma da Xylella disponibiliza conhecimentos que poderão ser usados para a identificação de me­canismos de controle da praga.

''o resultado destaca o papel

i nsu bstitu ível

agências federais. Seria uma ilusão perigosa para a C&T em São Paulo crer que o sistema paulista possa fun­cionar exclusivamente com os re­cursos proporcionados pelo contri­buinte paulista através da FAPESP.

e essencial do Estado no desenvolvimento

científico''

Por outro lado, a FAPESP pôde realizar o projeto por dispor de re­cursos para custeio de projetas de pesquisa, o que envolve outras des­pesas e investimentos além de bolsas

Esta realização mostra que a ciência brasileira se tem desenvolvido ao longo dos últi­mos 50 anos, devido ao apoio do Estado. O papel do se­tor privado no desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro ainda é mínimo, ao contrário do que ocorre nos países desenvolvidos e em outros .que são competido­res agressivos, caso da Coréia do Sul.

É papel essencial e inalienável do Estado apoiar o de­senvolvimento científico e criar as condições para que haja desenvolvimento tecnológico, este realizado por empre­sas. Mas o apoio do Estado à C&T no Brasil tem sido mar­cado por defeitos e erros. Os recursos hoje destinados ao setor, especialmente pelo governo federal, são insuficientes. Ainda assim, é o apoio estatal que explica por que a produ­ção de artigos científicos originados no país quintuplicou de 1985 a 1999, ou como nossos cursos de pós-graduação chegaram, em 1998, a formar mais de 4 mil doutores.

Duas são as razões fundamentais por que ciência no Brasil deve ser ainda mais apoiada pelo Estado: porque há pesquisadores excelentes e porque mais ciência será bom para o desenvolvimento do país. Para isto, é preciso que a empresa no Brasil possa se apropriar desse conhecimen­to, tornando-se mais competitiva e gerando riqueza e empregos. Isto só acontecerá se ela valorizar o conheci­mento, empregando cientistas e engenheiros voltados às atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).

O Projeto Genoma em São Paulo é um resultado do apoio estatal à C&T. Mesmo que tenha sido estabelecido pela FAPESP, uma agência estadual, só foi possível fazê-lo porque

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de estudo. A FAPESP soube reconhe­cer que havia uma capacidade ins­

talada e encontrou um problema cientificamente avançado e desafiador, que facilmente envolveu a comunidade cien­tífica. Houve no setor empresarial inusitado interesse.

O sucesso do Projeto Genoma FAPESP destaca que há boa ciência sendo feita no Brasil exatamente quando se inicia uma era na qual o desenvolvimento da economia e do homem será baseado em conhecimento. O resultado des­taca o papel éssencial e insubstituível do Estado no desen­volvimento científico. Mas somente com o envolvimento empresarial como elemento determinante no desenvolvi­mento tecnológico haverá qualquer chance de competiti­vidade para o Brasil. Aliás, tecnologia para a competitivi­dade não se compra, se faz, ao contrário do que pensam nossos planejadores econômicos. É bom lembrar o dizer de Lord Rutherford, citado no documento "Ciência e Pes­quisa" que foi, em 1947, a base conceituai para a criação da FAPESP: "A ciência está destinada a desempenhar um papel cada vez mais preponderante na produção indus­trial. E as nações que deixarem de entender essa lição hão inevitavelmente de ser relegadas à posição de nações es­cravas: cortadoras de lenha e carregadoras de água para os povos mais esclarecidos': Qual das duas queremos ser?

CARLOS H ENRIQUE DE BRITO C RUZ É PROFESSOR TITULAR E DIRETOR

DO INSTITUTO DE F!SICA G LEB W ATAGHIN, DA U NICAMP, E PRESIDENTE

DA FAPESP

A versão original deste artigo foi publicada na Folha de São Paulo de 22/02/2000

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Dificuldades superadas pela coragen1 de arriscar

O doutor Andrew Simpson, um amável e firme inglês de 45 anos, começou a

chegar ao Brasil há 11 anos. Parece estranho, mas começou é exatamente o termo que se aplica ao caso, porque, a princípio, ele veio duas

ô • Como o senhor se sentiu sendo pu­~ blicamente homenageado pelo gover­ª no paulista, em razão do sucesso do § projeto da Xylella? < I:

ou três vezes, para desenvolver alguns trabalhos temporários Andrew Simpson

-Ninguém imaginava ser recebi­do com tanta cerimônia, e obvia­mente não há nada melhor do quer ser publicamente reconhecido. Em alguns momentos, ao longo do pro­jeto, pensei que não haveria qual­quer comemoração, porque sempre trabalhamos com uma preocupa­de pesquisa e mantinha seu

vínculo institucional com o National lnstitute for Medical Research, em Londres. Na última dessas viagens, na véspera de seu retorno, muito triste ante a perspectiva de deixar o país, colocou-se diante de uma questão existencial crucial: "por que tenho que voltar?" Uma noite inteira de debate íntimo, solitário, levou-o na manhã seguinte à decisão que imediatamente comunicou a seus perplexos colegas ingleses e que transformaria a sua vida: permaneceria no Brasil. Foi uma escolha feliz para a pesquisa brasileira e absolutamente compreensível partindo de uma pessoa que, ao lembrar dos passos iniciais para o desenvolvimento do projeto da Xy/e//a diz: "aposto que foi o projeto de sequenciamento de genoma que começou pior preparado no mundo", para acrescentar mais adiante: "quem quer chegar longe na vida não faz somente as coisas que são garantidas". Na entrevista concedida a Pesquisa FAPESP, Simpson, pesquisador do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer e coordenador de DNA do projeto Genoma da Xy/e//a fastidiosa, falou detalhadamente das dificuldades enfrentadas e superadas ao longo de sua execução. Abordou a importância científica do projeto e, de passagem, falou das possibilidades comerciais que ele abre.

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ção: "será que a gente vai conseguir?". Pessoalmente, é uma coisa maravilhosa.

• Alguma vez o senhor imaginou esse tipo de grande home­nagem? Suponho que quando alguém começa uma carreira científica com garra se imagina recebendo um Nobel em al­gum momento.

- É claro. Qualquer jovem entrando em qualquer pro­fissão deve sonhar. Se começa no esporte, deve se ima­ginar recebendo a Copa do Mundo ou o prêmio mun­dial de Fórmula 1. Não há nada de errado em estimular a ambição das pessoas. Às vezes, temos de acordar às cinco da manhã para trabalhar e precisamos de um so­nho. Por outro lado, não acreditamos muito que esse re­conhecimento um dia chegue. Nossa festa não foi um Nobel, foi muito mais importante porque foi uma afir­mação de uma nação, da importância da Ciência. O prê­mio é o reconhecimento ao papel da Ciência no desen­volvimento do país.

• O senhor sentiu que enfrentaria desafios maiores no Brasil do que na Inglaterra, devido à diferença de maturidade da pesquisa nos dois países?

- No início, verifiquei que tudo aqui é um desafio. Até as coisas mais simples são mais difíceis de executar, mas senti muito entusiasmo dos pesquisadores para resolver os problemas. Nunca pensei que este país iria me oferecer a oportunidade de coordenar um projeto dessa magnitu­de, que é extremamente rara em qualquer país.

• Existe uma grande expectativa em relação às aplicações deste projeto. Ainda se está longe de intervir sobre a patoge­nicidade da Xylella?

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- Sim. No começo dos anos 80, foi descoberta a Aids. Em poucos meses, foi identificado o vírus HIV, que cau­sa a doença. Depois, foi feita a seqüência inteira do vírus, um ser simples, com meia dúzia de genes. Vinte anos mais tarde, ainda não temos nada que permita a cura de­finitiva. É errado pensar que apenas o conhecimento do genoma de um organismo leva imediatamente a qual­quer intervenção ou cura. O importante é que o Brasil é suficientemente maduro e sofisticado para contemplar essa abordagem para o problema conhecido como "amarelinho': É muito sofisticado procurar conhecimento e fazer ciên­cia como uma ferramenta para re-solver problemas. Esse projeto, a

tenção de seqüenciar tudo. Quando se faz um shot-gun, em princípio só se seqüenciam as extremidades e, em cer­tos casos, quando é inevitável, se seqüencia tudo, uma, duas, três ou quatro cabeças (reads) de plasmídeos. Senão, é muito trabalho para pouco resultado.

• Tudo aquilo que está sendo usado internacionalmen­te para seqüenciamento genético foi usado no projeto da Xylella ou alguma técnica mais nova ficou fora?

- Uma técnica bastante utilizada em genomas grandes, que não utilizamos, foi a dos BACs ( Cromossomos Artificiais da Bacté­

meu ver, reflete o amadurecimen­to da nossa comunidade. O Estado também tem de ser suficientemen­te maduro para entender que essas descobertas não levam a uma solu­ção imediata. Vai levar a uma solu­ção e permitir a aplicação das fer­ramentas da biotecnologia, mas não podemos esperar uma solução para amanhã. O problema é com­plexo e leva mais anos de pesquisa.

''o prêmio dado pelo governo é o reconheci menta

ria), um pouco antiga. Ela é a base do projeto Genoma Humano e de ou­tros projetos.

Especificamente, o que foi difícil nes­se projeto?

ao papel da Ciência no desenvolvimento

do país''

-Houve dificuldades a cada mo­mento. Primeiro, foi difícil decidir qual organismo seqüenciar. Levou muito tempo. Foi difícil escolher

• Gostaria que o senhor comentasse as técnicas que foram utilizadas no Brasil pela primeira vez num projeto de seqüenciamento que jamais havia sido feito.

- Seqüenciamento em si é uma ferramenta básica da bio­logia molecular que tem sido bastante utilizada no Brasil, mas para seqüenciar um gene, um plasmídeo ou um tre­cho pequeno, com um objetivo específico. A novidade é se­qüenciar um genoma. É muito mais do que um aumen­to quantitativo. É uma mudança fundamental porque se tem de seqüenciar uma coisa completa. Não pode haver buraco e é preciso pegar e anotar e decidir o que é o quê. No início, seguimos um caminho que foi ótimo para a apren­dizagem e certamente garantiu, no final, um projeto mui­to bom, mas não é exatamente o que as pessoas fariam para seqüenciar um genoma, que são os cosmídeos (grandes pedaços clonados de genomas). Depois, complementamos com outras abordagens, como as bibliotecas de lâmbda, que são pedaços grandes de genoma, não tão grandes quanto os cosmídeos. No final fizemos bastante shot-gun sequency, o arroz-com-feijão do seqüenciamento, e coisas complexas, como o PCR (reação de polimerase em cadeia).

• Quando se fala em plasmídeo e cosmídeo, a diferença é basicamente de tamanho?

- Sim. Usamos fragmentos de SOO a 5 mil nucleotídeos, enquanto o plasmídeo tem 40 mil nucleotídeos. A dife­rença é que quando se seqüencia um cosmídeo se tem a in-

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os laboratórios, dos 100 inscritos apenas 35 foram escolhidos. Foi

também muito difícil aprender a lidar com os equipamen­tos, ninguém tinha muita experiência e até erramos ao usar dois tipos de seqüenciadores, apenas um teria sido melhor. Então, não houve só dificuldades, houve erros, também. Depois disso, a logística para importar, instalar e treinar todo mundo para usar as máquinas foi um pro­blema enorme. Havia experiência em montar centros de pesquisa, não ·em espalhar aparelhos em muitos lugares. Mas as equipes administrativas da FAPESP e do Instituto Ludwig conseguiram superar rapidamente as dificulda­des, com muito trabalho e muito empenho.

• E na parte científica, propriamente?

- Quando começamos, ninguém conhecia a bactéria. Aposto que esse foi um projeto de seqüenciamento de ge­noma que começou pior preparado do que qualquer ou­tro na história do mundo. Porque havia um coordenador que nunca seqüenciara um genoma, não trabalhara com bactéria e sequer sabia o que era a Xylella fastidiosa. Ha­via um coordenador de informática que nunca havia lidado com um projeto de DNA na vida e uma equipe es­palhada por todo o Estado de São Paulo. Nenhum pes­quisador havia seqüencionado nada e vários não sabiam quase nada de biologia molecular. Pior: ninguém no es­tado tinha a bactéria viva, muito menos DNA, muito me­nos ainda a biblioteca de DNA. Começamos sem qual­quer evidência de que o trabalho iria funcionar.

PESQUISA FAPESP

• Como fizeram?

-Arrumamos a bactéria rapidamente. O que nos deu a confiança para iniciar o trabalho foi a promessa do pro­fessor José Bové (do Centro Nacional de Pesquisa Científica, da França) de fornecer a bactéria e o DNA que fosse necessário. E ele fez isso. No final, Marcos Machado, do Instituto Agronômico de Campinas, deu todo o DNA que eu logo usei no projeto. Esse não foi um problema, mas uma grande dificuldade, porque anunciamos que iríamos fazer uma coisa sem condições para fazer.

sérios conflitos, quando se dizia "preciso disso para hoje" e como resposta se ouvia "mas não pode':

• A burocracia emperrou?

-Apesar de toda agilidade e qualidade, a FAPESP, correta­mente, tem um sistema de checking and balances que não é muito ágil. A dificuldade da importação de reagentes e os processos de alfândega complicam a pesquisa. Já com as pes­soas, não tive dificuldade nenhuma. Dado o tamanho do grupo, houve muito poucos conflitos. Não tive nenhum

problema com a qualidade científi­ca da equipe, de altíssimo nível. O • O senhor não achou que tudo era

uma loucura de brasileiro?

-Não. Foi confiança na habilida­de da comunidade de executar qualquer tarefa dada. Não há nada de loucura. Na vida, temos de ar­riscar. Quem quer chegar longe na vida não faz somente as coisas que são garantidas. Mas confesso que, quando saiu o anúncio de que a gente ia fazer esse projeto, sem DNA e sem bactéria, deu uma cer-

''o Estado deve ser maduro para

entender que essas descobertas não

levam a uma solução imediata''

projeto é que é complexo. Tudo o que estávamos fazendo era inédito.

• Um dos momentos mais desafian­tes foi vencer os gaps que restavam e concluir o genoma da Xylella, não?

- Foi a parte mais difícil do ge­noma, que ficou mais difícil ainda para nós por dois motivos. Primei­ro, eu não tinha a menor idéia de

ta ansiedade. Aí, decidi levar o projeto a sério, porque se não saísse iriam dizer que a idéia era boa, mas o coordenador era incompetente. Eu nunca tinha organizado um grupo desse tipo e não sabia como fazer. No final, quase não sei como fiz. Foi aconte­cendo no calor das coisas.

• Antes da Xylella, o senhor tinha coordenado grupos de quantas pessoas?

-Acho que o máximo foi tentar reunir minha família e ir para a praia, mas tenho de confessar que não consegui fazer muito bem ... Na área científica, coordenei só um la­boratório com meia dúzia de pessoas e não trabalhando em grupo. Normalmente, cada projeto tinha dois ou três pesquisadores envolvidos. Mas outra dificuldade no pro­jeto da Xylella foi ter muita gente dependendo da rede de informática, que no início era precária. Houve dificulda­des para transmissão e muitos não tiveram uma ligação adequada à Internet. Eu mesmo não tive, pois ainda esta­va usando modem, que é totalmente inadequado para esse tipo de trabalho. Por estar fora da rede, eu tinha de ligar o telefone para saber se alguém havia seqüenciado algo naquele dia. A distância era uma dificuldade. A FAPESP havia assumido um projeto que precisava de agilidade e muito dinheiro para ser gasto num curto período de tem­po e não sabíamos realmente como fazer. Uma equipe peque­na trabalhou muito para enquadrar as regras da FAPESP dentro da necessidade do projeto. Tivemos momentos de

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como fazer. Nunca havia feito e os papers não contam exatamente co­

mo fazer. Era preciso inventar uma solução. Segundo, tínha­mos muito pouca informação sobre o genoma da Xylella antes de começar o seqüenciamento. Não sabíamos se­quer o tamanho dos gaps, porque não sabíamos o tama­nho total do genoma (2,7 milhões de pares de bases). Esse é um problema comum em projetas desse tipo, que acumu­lam muitos dados. Uma porção dos dados não está cor­reta e deve ser excluída. Às vezes faltam dados, mas não se sabe quanto e onde. Ou há dados repetidos que não de­vem ser repetidos ou mesmo que devem ser repetidos, mas não se sabe isso. É um enorme quebra-cabeça. Mas o que me agrada muito são esses pontos finais, o dose, a anotation e o ato de escrever o paper, que também conse­guimos fazer em grupo. Um ano atrás, quando já havía­mos completado os cosmídeos, minha idéia era que os coordenadores fechassem os problemas e escrevessem o paper, mas rapidamente vi que isso teria sido um enorme erro. Primeiro, porque tenho um grupo pequeno aqui no Ludwig, e demoraria um tempo tremendo. É um perigo em termos de dinâmica de grupo concentrar em poucos os esforços de muitos. Inevitavelmente, muitos começariam a cobrar. Segundo, porque para acelerar essa parte final tive de envolver mais pessoas. Todo mundo se conheceu e entrou com sua cabeça no problema. Foi muito agradá­vel. A idéia sempre foi que todo mundo participasse da anotation, mas funcionou muito bem com várias pessoas assumindo áreas que às vezes não eram de conhecimento delas, mas aprenderam e fizeram um excelente trabalho.

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• Dr. Simpson, para nossos leitores não biólogos, daria para lembrar novamente o que é anotation?

- Anotation é o trabalho de identificar um pedaço da se­qüência do genoma que representa um gene, que codifi­ca uma proteína e, em seguida, decidir qual tipo de pro­teína é e qual sua função. Desse modo, descobrimos as prováveis funções biológicas da bactéria com a interpre­tação das seqüências do genoma.

• Existe algum conjunto de gene em processo de patentea­mento?

tratégico para o Brasil. Esse trabalho demonstra que a sociedade pode contar conosco. O fato de o projeto ter sido financiado mostra que, se a gente trabalha bem, há lugar para a ciência no Brasil. Nunca tive dúvidas, e no mundo inteiro também não há muita discussão, sobre a qualidade do cientista brasileiro. Temos uma comunida­de de pessoas jovens, inteligentes e motivadas que ainda estão optando por fazer ciência. A surpresa, se houve, foi o Brasil colocar US$ 12 milhões num projeto científico. Essa decisão implica coragem, investimento e visão es­tratégica- agora, sabemos que existem. O complemento

já sabíamos que existia: é o talen­to científico.

- Sim. São genes que achamos que podem ter alguma relação com a clorose variegada dos ci­tros ou algum valor comercial. In­dependentemente disso, estamos fazendo o pedido de patente. Es­tamos pedindo primeiro nos Esta­dos Unidos.

• Como o senhor situaria o Brasil no quadro internacional da pesqui­sa em genômica a partir do projeto da Xylella?

''Podemos criar uma capacidade de serviços ou de comércio

internacional de tecnologias''

• Qual é a importância económica do projeto para o País?

-A importância econômica po­tencial desse projeto apresenta dois aspectos. Um é o domínio do co­nhecimento sobre genomas e sua aplicação em agricultura, medici­na e meio ambiente. É uma ma­neira de agregar valores a esses

-O Brasil torna-se um país participante. Já estávamos participando, porque há projetas genoma cooperativos, principalmente de parasitas, que contam com grupos brasileiros. Hoje não é mais notícia o seqüenciamento de uma bactéria, que já foi feito dezenas de vezes, mas em poucos países. Essa certamente é uma condição sine qua non para demonstrar que o Brasil é um país onde a genômica está sendo feita. Esse trabalho, na comunida­de de especialistas em patógenos de planta, é muito bem visto. Estamos, sim, numa posição de liderança, mas a Xylella por si não é de grande importância. O fato de o projeto ter sido feito em um país do Mercosul vai cha­mar um pouco a atenção, mas não tanto. Seria notícia muito maior se Angola tivesse realizado um feito desse. Não creio que seja visto com tanta surpresa o fato de o Brasil tê-lo feito. Trata-se de um processo de desenvol­vimento natural de nossa comunidade científica, que já publica bastante em revistas internacionais.

• E qual é o impacto na comunidade científica brasileira?

- O astral dos participantes é excelente. Dá uma grande confiança à comunidade científica saber que a sociedade como um todo está nos apoiando, dando os recursos ne­cessários e a infra-estrutura suficiente para realizar pro­jetas de maior porte, comemorando junto quando temos sucesso e percebendo que ciência faz parte do plano es-

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setores e de ajudá-los a se desen­volver. Torna-se possível monito­

rar melhor a pureza genética dos animais ou realizar testes genéticos em humanos, por exemplo. O outro as­pecto é que a tecnologia por si é uma semente de uma nova vertente comercial, que é a própria biotecnologia. Hoje se pode pensar em criar uma capacidade de servi­ços ou de comércio internacional de tecnologias. Fora do Brasil já há interesse em alugar a ONSA (Organiza­ção para Seqüenciamento e Análises de Nucleotídeos), que chamou atenção também de indústrias brasileiras.

• Na medida em que o Brasil é um país rico em biodiversi­dade, esse conhecimento se torna mais estratégico, não?

- Certamente. Vamos ver como tudo se desenvolve, mas possivelmente se pode contemplar, com grande êxito, a aplicação de genomas em biodiversidade de plantas ou para preservação de espécies, mas não de imediato.

• Qual é o lugar da genômica na ciência do século XXI?

-Uma das ciências-chave do século XXI será a biotec­nologia e biologia molecular, cuja base será a genômi­ca. Em alguns anos, como já disseram, não haverá ne­nhum projeto de pesquisa de biologia que não utilize de uma maneira ou de outra o genoma. A genômica será uma das bases da ciência neste século. E vai mudar nossa vida.

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Un1a proposta de especialização en1 genon1a de patógenos

O belga André Goffeau, respeitado pesquisador do Instituto Curie,

r==:=wrr=:;iiiii:----- ~ • O projeto da Xylella fastidiosa foi ~ concluído com êxito. O que o senhor ~ poderia acrescentar à opinião que deu " sobre ele, em novembro passado?

em Paris, foi o coordenador do projeto de seqüenciamento do genoma da levedura, feito por uma grande rede de cerca de 100 laboratórios europeus, e concluído em 1996. Quando a FAPESP começou a discutir, ainda no primeiro semestre

André Goffeau

- Em novembro, a seqüência já es­tava completa, os buracos já tinham sido fechados, portanto nós estávamos bastante satisfeitos. Restava a incer­teza sobre a capacidade de a rede fa­zer uma anotação correta dos genes, quer dizer, a determinação da fun­ção de genes por análise informática.

de 1997, a possibilidade de realizar em São Paulo o seqüenciamento de um microorganismo, Goffeau foi o primeiro especialista estrangeiro chamado a opinar sobre o assunto. E sua avaliação, de que São Paulo estava preparado para o empreendimento, teve um grande peso na decisão da FAPESP de propor o seqüenciamento da X. fastidiosa. Como se poderá ver por sua entrevista, Goffeau jamais encontrou razões para se arrepender de sua opinião. Ele se mostra um entusiasta absoluto do feito realizado pelos pesquisadores paulistas, não poupa adjetivos de louvação à estrutura montada para o primeiro seqüenciamento completo de um genoma no Brasil, nem à FAPESP, cuja eficácia qualifica de extraordinária, identificando-a como o primeiro fator de sucesso do projeto. Sua idéia sobre o que o Brasil deve fazer daqui por diante em genômica é, com certeza, polêmica. O país, aconselha ele, deve se concentrar em genomas bacterianos patogênicos, realizando um projeto desses a cada ano, e dessa forma se consolidar como a liderança mundial nesse campo. "Por ora - incentiva - vocês já bateram os Estados Unidos. Eles não têm um genoma fitobacteriano. O de vocês é o primeiro".

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• Mas ainda faltava seqüenciar uma base em novembro, não é mesmo?

- Não, na última vez em que estive no Brasil antes da conclusão do projeto, os pesquisadores me disseram que naquele dia mesmo fechariam a última lacuna. Portanto, o que era preciso era ter uma confirmação da segunda parte. Não se sabia como a anotação havia se desenrola­do, sobretudo porque era um trabalho feito por uma rede, com muitos laboratórios, e isso jamais havia sido feito no Brasil ou em qualquer outro país. Normalmente, as anotações vão para um número limitado de pessoas. Desde então - não faz muito tempo: dezembro, janeiro, fevereiro- tcrrnou-se claro que a anotação é muito boa.

• E o senhor já viu os resultados da anotação?

- Não de maneira detalhada, mas eu vi as duas versões do manuscrito. Li em detalhe e, para mim, está muito cla­ro que a anotação foi bem-feita e, inclusive, apresentou resultados ao mesmo tempo totalmente inesperados e in­teressantes, no sentido de que se definiu uma série de re­giões e de genes possivelmente relacionados à virulência e à patogenicidade da Xylella fastidiosa.

• Há nove genes encontrados na bactéria que estão relacio­nados à clorose variegada dos citros (CVC), não é mesmo?

-Já não sei mais se são nove, mas há toda uma série de genes que podem estar relacionados, quer seja com a vi­rulência, quer seja com a goma (N.R. - a goma xantana, que, nas laranjeiras afetadas pela CVC, bloqueia o xilema da planta, prejudicando a circulação da seiva) . Há o ope­ron, que sintetiza a goma, que não é um gene, mas vários

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genes, e depois há toda uma série de outras seqüências que poderiam estar relacionadas com a adesão da bacté­ria ao inseto (N.R.- a cigarrinha transmissora da CVC) e com a virulência em geral. Então, tudo isso é verdadeira­mente exciting, como se diz em inglês. Em paralelo, há mecanismos de patogenicidade que eram esperados, co­mo a secreção pelo complexo três, e que não se confirma­ram, da mesma forma que os genes da virulência clássica em patógenos de animais não foram encontrados. Ao mesmo tempo, encontramos toda uma série de genes que dão verdadeiramente uma imagem interessante da pato­genicidade e pelo menos duas clas-ses de genes que não estão presen-

• E o senhor crê que essa política deveria continuar nos pró­ximos anos?

- Eu diria que sim, porque é sempre perigoso pensar que se pode formar pesquisadores localmente tão bem quanto nos EUA ou na Europa. Pois mesmo na Europa eu exijo que todos os meus estudantes que querem fazer pesquisa façam um curso nos EUA, de maneira a apren­der outros métodos, outras abordagens, outras formas de trabalhar, e estou convencido de que é indispensável con­tinuar a fazer isso. É preciso continuar e o projeto genoma

da Xylella é uma demonstração de que isso não é dinheiro perdido.

tes que não foram encontrados em outros patógenos, sobretudo ani­mais. Isso é muito interessante e pro­va que a anotação foi bem-feita, na minha opinião, justamente porque ela trouxe resultados. É isso que é novo nesses últimos meses: o inte­resse e, provavelmente, a qualida­de da anotação, com a detecção de uma seqüência de candidatos age­nes relacionados à virulência.

''Não se trata de um milagre. Tudo ocorreu

porque havia uma reserva de competência em São Paulo que foi mobilizada

para o projeto''

A outra coisa que é preciso dizer: todos os pesquisadores brasileiros proclamam que sua limitação não é o conhecimento científico e, no Estado de São Paulo, nem mesmo é o dinheiro, mas a burocracia.

• A burocracia?

- Em particular, eles dizem que não têm acesso aos produtos e aos equipamentos que vêm quase to­dos dos EUA, às vezes da Europa, • Podemos falar sobre o começo do

projeto? Quer dizer, o que o levou a pensar, em 1997, que o Brasil seria realmente capaz de realizar um projeto ge­noma?

-Há duas coisas a dizer. O Brasil manteve por pelo me­nos dez anos, ~as talvez por mais tempo, uma política de enviar pesquisadores ao estrangeiro- aos Estados Unidos e à Europa - para pós-doutoramento, quase todos, ou a maioria deles, com uma bolsa financeiramente excelente, por três anos. Era, assim, uma política geral, que o Brasil liquidou há muitos anos. Essa política foi às vezes critica­da num certo sentido, dizia-se que custava muito caro, os melhores nem sempre voltavam, e, uma vez que tives­sem voltado, ficavam sem meios para trabalhar, quer di­zer, sem ter como utilizar o conhecimento adquirido. Mas para mim ficou muito claro, pela primeira vez, que foi graças a essa política, que durou muitos anos, que o Brasil teve a capacidade de assimilar quase instantanea­mente uma tecnologia relativamente nova, para o país, pelo menos, que é o seqüenciamento genético. E em to­dos os seus aspectos: o da seqüência, mas também o da informática, o de mapeamento do genoma e, agora, o da anotação. E, portanto, não se trata de um milagre. Tudo ocorreu porque havia competência, uma reserva de com­petência no Estado de São Paulo, que foi mobilizada logo em seguida para esse novo projeto. Foi, portanto, uma demonstração de que aquela política foi útil e isto deve ser dito claramente.

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porque os procedimentos aduaneiros são extraordina-riamente ineficazes; e a burocracia universitária, assim como a do governo, exige que se faça o planejamento das despesas com mais de um ano de antecedência.

• E no caso da Xylella?

- No caso da Xylella, processou-se um curto-circuito sobre esse sistema graças à ação da FAPESP, que interveio oficialmente ou oficiosamente para acelerar esse proces­so. Mas na vida cotidiana essas mesmas regras continuam a existir e são sempre um fator limitante da pesquisa bra­sileira. Não posso ficar fazendo julgamentos, mas é uma comédia.

• E como poderemos, em sua opinião, resolver o problema da burocracia?

-Creio que a primeira coisa é ser muito claro em rela­ção a esse problema, que nunca foi realmente exposto pela imprensa. Dizer claramente isso: "É nosso fator li­mitante"; e agir no nível dos governos e dos políticos di­zendo: "É isso que limita nossa pesquisa, não é nossa competência, não é nem mesmo o dinheiro; são os pa­péis que os senhores nos fazem preencher com coisas inúteis". Como estrangeiro, posso dizer isso facilmente, porque não estou envolvido, mas para os brasileiros tal­vez seja muito difícil, não sei. Em todo caso, eu queria

PESQUISA FAPESP

\

I f

sublinhar muito claramente esses dois pontos relevantes: um, o fecundo resultado da política de enviar brasileiros ao exterior; dois, os problemas burocráticos que, no caso da Xylella, foram resolvidos eficazmente graças a uma ação pontual da FAPESP.

• Podemos usar a conclusão do Projeto Xylella como um marco, algo que poderá dividir a ciência brasileira num antes e num depois do genoma? Como o senhor vê essa questão?

-Para mim- e não tenho nenhuma dúvida- se o Pro­jeto Xylella for de fato publicado na Nature (e acho que o será, por-

não fez mais que dez genomas bacterianos em quatro anos. O que mostra que o Brasil pode rapidamente ocu­par esse nicho do genoma bacteriano patogênico de plan­tas, animais ou humano, em vez de se dispersar.

• Como pensar nisso, quando já há projetas genoma de ou­tra natureza em curso?

- Sei que é muito difícil agora, quando já há projetas como o da cana-de-açúcar e o do câncer. São projetas que, na minha opinião, terão menos impacto porque não são

de um genoma inteiro; são aquilo que chamamos de ESTs, etiquetas.

que o artigo é muito bom), será como um tiro de canhão na cena internacional. Há só quatro paí­ses no mundo que fizeram um genoma completo dentro de seu próprio país - desde a obtenção do DNA até a análise informática, passando pelas seqüências: os Es­tados Unidos, o Japão, a Alema­nha (com um genoma) e a Suécia (também com um genoma). Nem a França, nem mesmo a Inglater-

''só quatro países haviam feito um genoma

completo em seu próprio território:

São úteis, mas provocam menos impacto psicológico e científico que o genoma inteiro - talvez não científico, mas decerto psicológico. Como estratégia, eu diria, se esti­vessem em jogo o meu dinheiro e o meu país: "especializemo-nos no genoma bacteriano fitopatogênico e outros': EUA, Japão, Alemanha

e Suécia''

ra, com o enorme Sanger Center, fizeram, que eu saiba, um genoma inteiro sozinhas. Foi sempre um trabalho de colaboração. Creio que o Brasil marca de verdade um ponto importante, porque está realmente na ponta da competição. E isso será bastante considerado durante um tempo. Geralmente essas coi­sas têm um efeito psicológico durante uns meses, um ano, talvez, mas, se o Brasil vai manter esse lugar que al­cançou, vai depender do que será feito e publicado no futuro.

• Quais as suas expectativas quanto ao futuro do Brasil na genômica?

-O Brasil pode se tornar muito competitivo nesse do­mínio, diante da Suécia, Japão, Alemanha, França e Reino Unido. Mas para isso é preciso que faça outros genomas com a mesma eficácia, isto é, genomas bacterianos pato­gênicos. O país pode ocupar muito bem esse campo, des­de que se especialize. Tem toda a estrutura para fazê-lo e há um segundo genoma similar em curso, o Xanthomo­nas. Eu diria muito claramente que em vez de diversificar, em vez de estudar outros genomas de plantas, de parasi­tas, e mesmo de doenças humanas, o Brasil deveria se es­pecializar em genomas bacterianos patogênicos. Poderia se especializar nisso tudo que os pesquisadores já sabem fazer bem e, portanto, podem fazê-lo rapidamente, tanto que tem um segundo projeto sendo feito. Mesmo a Tiger, que é a grande estrela do seqüenciamento americano,

PESQUISA FAPESP

• Terminado o projeto da levedura, a rede de laboratórios europeus for­mada para desenvolvê-lo também

acabou. Mas no Brasil a ONSA deverá continuar seu per­curso. Qual a sua opinião sobre isso?

-Eu repito o que disse: com a infra-estrutura que foi construída e a competência que foi estabelecida, o Bra­sil deve se especializar em genomas bacterianos patogê­nicos. E, por exemplo, apresentar todos os anos um novo genom~ de bactéria fitopatogênica, de maneira a ocupar esse campo como líder mundial bem antes dos Estados Unidos. É possível fazer isso mantendo a rede de laboratórios. A competência existe, o dinheiro existe, a única coisa que impediria esse caminho seria o foco das estratégias. Penso que é claro como resposta: eu aconselho fazer um genoma fitobacteriano a cada ano, como objetivo.

• Em algum momento o senhor duvidou da possibilidade de sucesso do projeto?

- Na verdade não, mas o período difícil, que tomou quase seis meses, foi o fechamento dos últimos 14 gaps. Naquele momento pensamos que talvez fosse mesmo im­possível fechá-los. A rede brasileira respondeu a isso ten­tando, em paralelo, todas as abordagens prováveis. Tenta­ram de tudo ao mesmo tempo, de modo que no Brasil o shot-gun, uma biblioteca lâmbda, lâmbda dúplex, cro­mossoma walkinge, finalmente, cada uma dessas aborda­gens foi útil e pôde fechar uma lacuna. Em novembro, fe-

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chou-se o último buraco graças a uma seqüência de shot gun. Mas alguns também foram fechados por lâmbda, outros por dúplex, cromossoma walking, primer ex­tension. Isso mostra, mais uma vez, que a competência está presente no Brasil. Ela não é aparente, não sei por que, mas fazer o fechamento do genoma, com todas as abordagens ao mesmo tempo, mostra uma competência que estava no país e não era utilizada.

• O senhor quer acrescentar mais alguma coisa?

- Na minha opinião, são cinco os elementos do sucesso do projeto

teve uma atitude que favorecia acima de tudo a colabora­ção, e não a impressão de que alguns estariam tirando proveito em particular do projeto. Assim, repito: a eficá­cia da FAPESP, o financiamento do qual depende a infra­estrutura, o comitê externo, a informática de Campinas e a ação do coordenador do ponto de vista psicológico, que é mais importante que o técnico. E havia, enfim, a com­petência necessária para fazer todas as abordagens ao mesmo tempo. Havia sempre alguém, em algum lugar, que tinha a competência. A receita do milagre é tudo isso. Não sei se vai continuar. Agora os outros estados brasilei-

ros também vão tentar fazer geno­ma (o Rio de Janeiro vai tentar ... ),

brasileiro - e estamos falando de um verdadeiro sucesso, quase úni­co, para além dos esforços euro­peus de seqüenciamento em rede da levedura e do Bacilus suptilis. E é preciso ser muito claro sobre es­ses cinco elementos: número um, e é o principal, como eu jamais havia visto antes, é a eficácia da FAPESP. É uma coisa extraordiná­ria e, nesse caso, foi algo fenomenal. Podemos nos perguntar por quê.

''concentrem-se em genomas bacterianos patogênicos e sejam

os mais fortes do mundo; por ora, vocês já bateram os EUA''

não sei se vai dar certo por muitas razões, mas uma delas é que os outros estados vão ter dificuldade de fazê-lo sem contar com a eficá­cia da FAPESP.

• Isso é um problema para o Brasil? A eficácia dos outros laboratórios ...

- Para mim não são os laborató­rios, mas a estrutura, eles não têm a FAPESP, não têm dinheiro sufi­ciente, não têm acordo, foco. De É devido a fatores humanos, com

certeza, e o empenho pessoal determinou que se fizesse isso muito rapidamente e de maneira eficaz, e se escapou da burocracia. A segunda razão é que o financiamento es­tava disponível e não foi jamais um fator limitante. Essas são as duas razões principais do sucesso. A terceira, talvez, é que o projeto teve um comitê de consultores indepen­dente da política local. Escapou-se da política local por­que havia esse board de pessoas que davam conselhos, que nem sempre foram seguidos, mas que permitiram um processo de tomada de decisões alheio à influência da política local do país. Penso que isso foi importante na eficácia da FAPESP, que pôde sempre dizer "sim, nossos conselheiros estrangeiros disseram isso e aquilo e, por­tanto, não podemos nos deixar levar por considerações locais". Compreende? Houve esse board independente, cujas opiniões foram muito consideradas. A quarta razão é realmente extraordinária e inesperada, acho que foi mesmo uma sorte: vocês tiveram uma informática rigo­rosa, um pessoal de informática rigoroso. É um verdadei­ro milagre! Isso também é resultado da política a longo prazo de enviar pessoas ao exterior. E essas pessoas foram muito determinantes. Seu rigor, sua competência e sua determinação são um verdadeiro milagre. O último fator do sucesso foi a boa vontade reinante entre todos os pes­quisadores. Não houve muitas, aliás, quase nenhuma pes­soa que puxasse o tapete. Não sei se isso vai continuar no futuro, mas durante esses três anos a coesão foi exemplar. E isso acho que se deve ao coordenador do projeto. Ele

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todo modo eles vão fazer, mas não sei se vai dar certo. Aqui em São Paulo o objeto a ser seqüenciado foi muito bem escolhido: é um pequeno genoma. E, entretanto, ele mostrou ser muito difícil de seqüenciar. E ele tem uma grande importância para a economia. Os outros estados dificilmente escolherão tão bem. O que quero dizer é que os outros estados somente copiarão e, assim, o Estado de São Paulo contribuiu mostrando muito bem o exemplo.

• O Rio de Janeiro já declarou sua intenção de seqüenciar o Trypanosoma cruzi.

- Creio que isso será difícil, porque o genoma é bem maior. De outro lado, há muitos outros países do mundo que vão fazer o Trypanosoma ou uma parte dele, quer di­zer, será um esforço muito diluído no tempo e também geograficamente, e poderá não ter o mesmo impacto. Acho que não é uma escolha tão boa quanto foi a de São Paulo. Certamente é importante ter esse genoma, mas isso tomará vários anos e, além disso, ele não será total­mente brasileiro como o daXylella; será 30%, 10% brasi­leiro, uma vez que há outros países que também fazem outros cromossomas do genoma do Trypanosoma. É por isso que digo: não cometam esse mesmo erro. Concen­trem-se em pequenos genomas bacterianos fitopatogê­nicos e sejam os mais fortes do mundo; por ora, vocês já bateram os Estados Unidos: eles não têm um genoma fi­tobacteriano, o de vocês é de fato o primeiro.

PESQUISA FAPESP

No cenário aberto, o desafio é escolher betn os próxitnos passos

Dominado por um entusiasmo irreprimível que o sucesso do projeto

da Xylella fastidiosa

;::;;:::::;:;;;;;;;;;;;;;;::::=::======:::;;;;;;;;::::::::; ~ • O que significou para o senhor, pro­~ fissionalmente sempre ligado à acade­

mia, ver-se num grande palco, aplau­dido por mais de mil pessoas de pé?

só fez expandir, o físico José Fernando Perez, 55 anos, diretor científico da FAPESP, olha para o futuro com algumas certezas, muitas esperanças e umas tantas indagações. Uma das certezas:

José Fernando Perez

-Acho que aquele aplauso destina­va-se ao sucesso de uma iniciativa. Não era dirigido à minha pessoa, mas à FAPESP e a todas as instâncias da instituição que estiveram nesse pro­jeto de forma exemplar. Eu disse ali, mas gostaria de ter enfatizado mais: o sucesso da iniciativa deve-se ao Con­

ele está convencido de que há um antes e um depois no panorama da pesquisa científica no país, demarcados exatamente pela êxito do trabalho com a X. fastidiosa, que constitui, em sua avaliação, "uma afirmação da ciência brasileira em escala". Entre suas esperanças, inclui-se a de o Brasil apresentar, num horizonte de apenas cinco anos, um quadro novo no campo da ciência e da tecnologia, com o sistema acadêmico dando contribuições ainda de maior impacto ao desenvolvimento do país, e o sistema de inovação tecnológica revelando-se vigoroso no ambiente empresarial. Mas ele mesmo ressalva que há algumas pré-condições macroeconômicas para que isso aconteça, às quais fez referência na entrevista concedida a Pesquisa FAPESP. Finalmente, entre as indagações que se impõem ao raciocínio fervilhante de Perez estão: dentre tantas possibilidades, qual o melhor caminho a tomar agora para o desenvolvimento da pesquisa genômica no Brasil? e qual o melhor modelo para institucionalizar a rede ONSA, sem cair em mecanismos tradicionalmente pouco eficazes para viabilizar uma interação entre a FAPESP, instituições de pesquisa paulista, eventuais parceiros e os próprios pesquisadores?

PESQUISA FAPESP

selho Superior da Fundação, que aceitou a proposta de um projeto de natureza singular, que envolvia uma ousadia enorme, riscos e a exigência de um volume de recursos sem precedentes na história da ciência brasileira; o sucesso de­ve-se à diretoria e às outras instâncias da FAPESP que tam­bém assumiram o risco. Outro ponto muito importante para o sucesso foi o gerenciamento do projeto pela Internet, desde quando as solicitações chegavam por e-mail e ...

• ... E o que acontecia, então?

- ... Chegavam as solicitações por e-mail, e tudo ia sen­do pilotado na diretoria científica pelo (assessor de infor­mática) Carlos Pian, que teve um desempenho notável, uma dedicaÇão e um entusiasmo impressionantes pelo projeto. Todo o processamento seguia em ritmo acelera­do, até mesmo para os padrões normalmente ágeis da FAPESP, com destaque para a importação sob o contro­le da (gerente) Rosely Prado, para as contratações tocadas pelo pessoal da diretoria administrativa, sob o comando do professor (Joaquim José de Camargo) Engler, e para o excelente trabalho de divulgação feito pelo pessoal da Comunicação, sob a coordenação do diretor-presidente Francisco Romeu Landi.

• A importação era principalmente dos seqüenciadores.

- Sim. E devo relatar que, quando fizemos a primeira reunião do grupo de participantes do projeto e informei da decisão da FAPESP de processar a importação, porque não podíamos correr o risco de sofrer os percalços que nor­malmente se sofre quando ela é feita por outros órgãos, houve aplausos. E o pessoal da importação esteve à altura da expectativa. Depois veio a decisão de investir mais ftm­do no genoma, de transformar o projeto em programa, e

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em todo esse processo o apoio da instituição foi determi­nante. Portanto, a sensação que tive na hora dos aplausos foi de que ali estava um reconhecimento de clara dimensão ins­titucional. Eu representava a FAPESP, não formalmente, digamos, mas em sua face de interlocução com os cientistas, que é uma das responsabilidades da diretoria científica.

• Mas há sempre uma gratificação pessoal.

-Veja, eu acho que é um privilégio, realmente uma honra muito grande, estar aqui na FAPESP durante todo esse tempo, participar desse projeto des-de a sua concepção e chegar a esse

• Quais, por exemplo?

-Já fomos consultados por uma empresa norte-america­na sobre a possibilidade de fazermos, sob encomenda, o se­qüenciamento de uma variante da própria Xylella. Também um grupo australiano, que está seqüenciando a Clavibacter Xyli, uma bactéria que ataca a cana-de-açúcar e que já era uma hipótese para um futuro projeto nosso, nos propôs uma parceria, considerando que assim o projeto será concluído em velocidade muito maior. Refiro-me apenas aos desdobr.a­mentos do Projeto Xylella. Acredito que a publicação, em bre-

ve, do trabalho da Xylella deve au­mentar muito toda essa repercussão.

ponto culminante, do projeto termi­nado, com sucesso, dentro do pra­zo, dentro do orçamento. Há, então, uma sensação de realização muito grande e eu obviamente fico muito honrado em ter tido esse privilégio.

• Numa visão sem ufanismo, como o sucesso desse projeto situa o Brasil no contexto internacional da ciência?

''o projeto da Xylella foi possível graças à base

de recursos humanos que vem sendo construída

no país ao longo

• O interesse despertado pela Xylella na área política pode servir de ala­vanca a um maior investimento na­cional em genômica e na pesquisa científica em geral?

-Estou convencido de que temos um antes e um depois desse proje­to, também nesse aspecto. Faço uso das palavras do professor Pau-

dos últimos 35 anos'' -A visibilidade internacional do projeto Xylella e do Programa Ge-noma começa a ficar muito grande. O fato de a X. fastidio­sa ser o primeiro patógeno vegetal que se iria seqüenciar já havia sido ressaltado pela Nature, na notícia que publi­cou quando começamos. Depois, em meados de 1998, a revista publicou o trabalho escrito pelo Andrew Simpson e por mim, a convite da própria Nature, em que descre­vemos a arquitetura inovadora do projeto. Isso também mostra o interesse que suscitaram o projeto, a estratégia traçada para executá-lo e o fato de ele estar sendo feito fora do eixo tradicional, digamos, das grandes potências científicas e tecnológicas.

• Mas e a repercussão internacional depois da conclusão do projeto?

- Em janeiro, quando a conclusão foi anunciada, em San Diego, Califórnia (no I Encontro de Genomas Micro­bianos Relevantes para a Agricultura), a repercussão foi muito grande. Logo em seguida, a Sociedade Americana de Fitopatologia convidou o doutor Simpson para falar da Xylella, e o professor (Fernando) Reinach, do projeto Xanthomonas, em sessões plenárias de seu congresso, em agosto próximo. E a presença dos dois não esgota a parti­cipação brasileira no evento, porque haverá outras contri­buições derivadas de estudos que estão sendo realizados no projeto funcional da X. fastidiosa. Além disso, eu fui con­vidado para um encontro de genômica da Comunidade Européia, na França. Mas há outros desdobramentos.

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lo Arruda, um pesquisador de pri­meiríssima qualidade que, em seu

depoimento no vídeo sobre o Projeto Xylella, disse que sua vida científica tem um antes e um depois do projeto. Penso que temos a mesma demarcação do ponto de vista da política científica, porque esse projeto propiciou uma afirmação da ciência brasileira em escala, e isso pode ser até mais importante do que se tivéssemos ganhado o Prê­mio Nobel. Porque há a dimensão coletiva da realização, que está ausente em premiações. Essa dimensão tem que ser sublinhada, porque ela mostra que temos um poten­cial muito grande para dar saltos em nossa competência. E o fato de o governo do Estado encampar essa realização lhe confere uma dimensão maior, uma dimensão política.

• A Xylella então repõe a ciência na pauta da política nacional?

- Exatamente. E acreditamos que a ciência entrar na pauta da política é o primeiro passo para ela ser incorpo­rada numa visão estratégica de país. Então, realmente é importante a dimensão que o projeto adquiriu, sua di­vulgação, o passo acertado do governo, feliz passo, ao lhe atribuir uma grande dimensão pública.

• Concluído o projeto, alguns estados se mobilizaram para estabelecer parceria com São Paulo em pesquisa genômica, não é mesmo?.

- Sim, o que mostra a percepção de que há uma forma nova de fazer ciência, cooperativa e, ao mesmo tempo,

PESQUISA FA PESP

competitiva internacionalmente. Ciência que produz gran­de visibilidade científica, que remete a problemas nacio­nais e cujo papel estratégico, portanto, a classe política co­meça a perceber. Mas há o perigo de se concluir que, daqui por diante, deve-se fazer só projetas dessa natureza, o que sena um erro.

• É preciso todo tipo de projeto para consolidar a base cien­tífica no país ...

- Exatamente. Aliás, o projeto da Xylella só foi possível, desde sua concepção, graças à base de recursos humanos em ciência

ma Cana e o projeto Biota têm relação com isso. Mas aos três elementos do Dyson eu junto a questão do traba­lho coletivo na ciência.

• Parece-me que sua visão de uma dinâmica completa de pesquisa científica e tecnológica, num estado ou num país, pressupõe simultaneamente grandes projetas sendo feitos em cooperação, projetas tocados por equipes menores e pro­jetas individuais; pesquisa sendo feita no ambiente acadê­mico e pesquisa, sobretudo tecnológica, na empresa. Em quanto tempo esse será o quadro rotineiro no Brasil?

- Acho que em cinco anos tere­que vem sendo construída neste país ao longo dos últimos 35 anos. E é importante perceber que o projeto chegou ao fim apresentan­do entre seus principais parâme­tros de sucesso exatamente a am­pliação dessa base de competência - gente formada e treinada na fronteira do conhecimento e no­vas lideranças científicas.

''Em cinco anos teremos um novo panorama

mos um novo panorama de pes­quisa científica e tecnológica no Brasil, determinado por alguns fa­tores que devem convergir nesse sentido: primeiro, a própria ne­cessidade de inovar para competir, de que as empresas começam a to­mar consciência, e, em segundo lugar, o estímulo que novas condi­ções de desenvolvimento do país devem exercer para a ampliação

de pesquisa científica e tecnológica no Brasil,

se houver uma retomada de crescimento''

• Estão previstos convênios com outras fundações estaduais de am-paro à pesquisa para treinar pessoal de outros estados em genômica?

-Já temos convênios assinados com Pernambuco e Ala­goas para o projeto da cana. Novos convênios podem ser estabelecidos com outras Faps, e até com órgãos federais, no sentido de articular um grande esforço nacional na área de genômica, principalmente na parte de informáti­ca. A competência para a cooperação tem que ser desen­volvida, sem o que não conseguiremos processar eficien­temente o enorme volume de dados que começa a ser gerado pelos projetas genoma.

• A impressão, para um leigo, é de que o século XXI será orien­tado pela informática e pela genética. Pergunta-se até onde o computador vai transformar a vida cotidiana e quanto as conquistas da genética molecular vão transformar a vida humana. Qual é a sua visão?

- Há um livro do físico norte-americano Freeman Dyson, The Sun, the Genome and the Internet, muito provocativo, que propõe esses três ingredientes - o sol, o genoma e a Internet- como os que terão o maior im­pacto na vida do homem nas próximas décadas. Eu con­cordo. E acho que em São Paulo, dos três elementos, só não estamos usando na pesquisa, como poderíamos, o sol, que nesse contexto está posto como o grande gera­dor de novas energias. De todo modo, o projeto Geno-

PESQUISA FAPESP

de nossa base já existente de pro­dução de ciência e tecnologia. É

claro que as coisas serão assim se houver, de fato, uma re­tomada significativa de crescimento nos próximos anos, uma diminuição da taxa de juros, a entrada de mais capi­tal de risco no país, e uma forma mais efetiva de organi­zação desse capital de risco. Nesse caso, como acho que já estamos com uma base preparada para essa ampliação, penso que o governo poderá exercer o papel de articular novas iniciativas em C&T - e a própria FAPESP também pode, eventualmente, ter algum tipo de atuação nessa di­mensão. Vejo bons sinais vitais. Por isso acho que em cin­co anos vamos ver o sistema científico acadêmico dando contribuições ainda de maior impacto e um sistema de inovação tecnológica forte em ambiente empresarial, ou pelo menos muito mais forte do que atualmente.

• A rede ONSA terminou um projeto genoma e está tocan­do mais três. Ela está pronta agora para deixar de ser virtual e se tornar institucional?

- Temos hoje, como disse, vários contatos internacio­nais sendo feitos, seja para seqüenciamento de bactérias, para cooperações na área do genoma cana ou para verifi­car as possibilidade de uso do método ORESTES em iden­tificação de genes. Isso mostra que o potencial da ONSA para participar ou liderar projetas, tanto acadêmicos quanto de natureza mais empresarial, poderá exigir uma nova configuração da rede. Acho que a estrutura virtual vai continuar existindo, mas talvez tenhamos que achar

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um formato institucional que não seja simplesmente o de um conjunto de projetos, que é, de fato, o que hoje a ONSA é. Temos 54 laboratórios trocando informações entre si, com uma visão integrada e integradora conferi­da pela ação da FAPESP, que não está formalizada, escri­ta, nada- é apenas uma ação. Talvez se possa pensar num formato diferente da interação da FAPESP com a rede e em maneiras criativas de redefinir o relacionamento da Fundação com os pesquisadores. É uma coisa comple­xa, porque esses pesquisadores

pressão gênica. Essa parte é essencial. E é bom observar que, como ocorreu no mundo, está começando aqui em São Paulo um processo cultural de migração de jovens que tiveram sua formação na área de física, matemática e tecnologia da informação para laboratórios de genéti­ca. Esse é um fenômeno importante, inclusive porque a migração, além de física, tem de ser de atitude. Dos con­ceitos e da competência. Ao longo das últimas décadas, a competência de trabalhar com um grande volume de da-

dos se acumulou, em astrofísica, não estão em qualquer lugar; estão em instituições de pesquisa. En­tão, trata-se de uma relação que tem de envolver a FAPESP, as ins­tituições e eventuais parceiros, sem cair em mecanismos tradicional­mente pouco eficientes para viabi­lizar a interação.

• Para quando o senhor espera a conclusão do Genoma Humano do Câncer, do Genoma Xanthomonas e do Genoma da Cana-de-Açúcar?

''o potencial da ONSA para participar ou liderar

projetas acadêmicos ou empresariais poderá

ex1g1r uma nova configuração da rede''

física de partícula elementar, me­teorologia, e agora ela precisa se transferir para o ambiente da ge­nética.

• O senhor diria que persiste um ''gap" entre as exigências das novas áreas da biologia e aquilo que os cu r­sos de graduação oferecem?

- Sim, e mesmo nos países de­senvolvidos isso só começa a ser

- O genoma da Xanthomonas é duas vezes maior que o da Xylella, tem 5,4 milhões de pares de bases, está sendo feito com pessoal duas vezes menor e vai gastar o mesmo tempo. Como o cronograma está adiantado, nossa previ­são é de que o projeto esteja terminado dentro de um ano. O genoma do câncer também está muito avançado, já foram obtidas 170 mil seqüências que continuam sen­do verificadas, então a meta de 500 mil seqüências vai ser facilmente atingida antes do fim deste ano. No que diz respeito à anotação, ou seja, à identificação dos genes, a coisa demora um pouco mais, mas estamos finalizando o acerto com o Instituto Ludwig relativo a um investi­mento para acelerar a bioinformática. E, finalmente, o projeto da cana também está indo num ritmo muito acelerado, tanto que acho que antes do fim do ano tere­mos a parte de seqüenciamento.

• Comentam-se outros desdobramentos do projeto Xylella na área de bioinformática. O senhor pode falar sobre isso?

- Queremos ter uma visão articulada da tecnologia nova de microarrays e a FAPESP, além da parceria com o Ludwig para a expansão da bioinformática, está finan­ciando um grande centro na USP liderado pelo profes­sor Hugo Armelin. É um projeto muito ambicioso, que vai envolver a utilização dessa tecnologia de microarrays em todos os projetos genoma já em curso. É importante aumentar nossa competência em todas as novas tecnolo­gias que tornam mais eficiente detectar quais são os ge­nes que se expressam mais, investigar a questão da ex-

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corrigido agora. Os cursos de bio­logia precisam treinar mais seus estudantes em mate­mática, não só em matemática estatística, que era a úni­ca formação nesse campo exigida tradicionalmente de um biólogo. Hoje, um biólogo precisa pelo menos dia­logar de forma eficiente com quem faz matemática e fí­sica. Do mesmo modo, os matemáticos e os engenheiros têm de incorporar em sua formação básica mais biolo­gia. Chegamos à necessidade de uma formação mais in­tegrada e a universidade brasileira, as universidades paulistas têm de se preparar para isso. Sinto uma dispo­sição das lideranças nesse sentido, que nem sempre cor­responde a igual capacidade de ação institucional. A universidade tem seus rituais, que precisam ser agiliza­dos para responder rapidamente a esse desafio.

• Qual o passo mais importante a ser dado nesse momento pela FAPESP para criar o futuro na direção que o senhor apontou ao longo da entrevista?

-O que fazer nesse instante? Veja, estamos na curiosa si­tuação de uma pessoa que sobe o morro e do alto vê um cenário completamente novo à sua frente, com um nú­mero enorme de opções. Ao olhar isso, sua primeira sen­sação é de prazer por contemplar esse novo cenário. Mas o cenário existe e vai continuar existindo como oportu­nidade, se agirmos rapidamente. É difícil dizer o que exa­tamente temos de fazer agora. Acho que nosso primeiro passo essencial é consolidar nossa liderança em certas áreas, demonstrar essa competência, porque isso é que vai nos permitir fazer as opções que são reais dentro des­se cenário, e não apenas miragens.

PESQUISA FAPESP

um formato institucional que não seja simplesmente o de um conjunto de projetas, que é, de fato, o que hoje a ONSA é. Temos 54 laboratórios trocando informações entre si, com uma visão integrada e integradora conferi­da pela ação da FAPESP, que não está formalizada, escri­ta, nada- é apenas uma ação. Talvez se possa pensar num formato diferente da interação da FAPESP com a rede e em maneiras criativas de redefinir o relacionamento da Fundação com os pesquisadores. É uma coisa comple­xa, porque esses pesquisadores

pressão gênica. Essa parte é essencial. E é bom observar que, como ocorreu no mundo, está começando aqui em São Paulo um processo cultural de migração de jovens que tiveram sua formação na área de física, matemática e tecnologia da informação para laboratórios de genéti­ca. Esse é um fenômeno importante, inclusive porque a migração, além de física, tem de ser de atitude. Dos con­ceitos e da competência. Ao longo das últimas décadas, a competência de trabalhar com um grande volume de da-

dos se acumulou, em astrofísica, não estão em qualquer lugar; estão em instituições de pesquisa. En­tão, trata-se de uma relação que tem de envolver a FAPESP, as ins­tituições e eventuais parceiros, sem cair em mecanismos tradicional­mente pouco eficientes para viabi­lizar a interação.

• Para quando o senhor espera a conclusão do Genoma Humano do Câncer, do Genoma Xanthomonas e do Genoma da Cana-de-Açúcar?

''o potencial da ONSA para participar ou liderar

projetas acadêmicos ou empresariais poderá

ex1g1r uma nova configuração da rede''

física de partícula elementar, me­teorologia, e agora ela precisa se transferir para o ambiente da ge­nética.

• O senhor diria que persiste um ''gap" entre as exigências das novas áreas da biologia e aquilo que os cu r­sos de graduação oferecem?

- Sim, e mesmo nos países de­senvolvidos isso só começa a ser

- O genoma da Xanthomonas é duas vezes maior que o da Xylella, tem 5,4 milhões de pares de bases, está sendo feito com pessoal duas vezes menor e vai gastar o mesmo tempo. Como o cronograma está adiantado, nossa previ­são é de que o projeto esteja terminado dentro de um ano. O genoma do câncer também está muito avançado, já foram obtidas 170 mil seqüências que continuam sen­do verificadas, então a meta de SOO mil seqüências vai ser facilmente atingida antes do fim deste ano. No que diz respeito à anotação, ou seja, à identificação dos genes, a coisa demora um pouco mais, mas estamos finalizando o acerto com o Instituto Ludwig relativo a um investi­mento para acelerar a bioinformática. E, finalmente, o projeto da cana também está indo num ritmo muito acelerado, tanto que acho que antes do fim do ano tere­mos a parte de seqüenciamento.

• Comentam-se outros desdobramentos do projeto Xylella na área de bioinformática. O senhor pode falar sobre isso?

- Queremos ter uma visão articulada da tecnologia nova de microarrays e a FAPESP, além da parceria com o Ludwig para a expansão da bioinformática, está finan­ciando um grande centro na USP liderado pelo profes­sor Hugo Armelin. É um projeto muito ambicioso, que vai envolver a utilização dessa tecnologia de microarrays em todos os projetas genoma já em curso. É importante aumentar nossa competência em todas as novas tecnolo­gias que tornam mais eficiente detectar quais são os ge­nes que se expressam mais, investigar a questão da ex-

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corrigido agora. Os cursos de bio­logia precisam treinar mais seus estudantes em mate­mática, não só em matemática estatística, que era a úni­ca formação nesse campo exigida tradicionalmente de um biólogo. Hoje, um biólogo precisa pelo menos dia­logar de forma eficiente com quem faz matemática e fí­sica. Do mesmo modo, os matemáticos e os engenheiros têm de incorporar em sua formação básica mais biolo­gia. Chegamos à necessidade de uma formação mais in­tegrada e a universidade brasileira, as universidades paulistas têm de se preparar para isso. Sinto uma dispo­sição das lideranças nesse sentido, que nem sempre cor­responde a igual capacidade de ação institucional. A universidade tem seus rituais, que precisam ser agiliza­dos para responder rapidamente a esse desafio.

• Qual o passo mais importante a ser dado nesse momento pela FAPESP para criar o futuro na direção que o senhor apontou ao longo da entrevista?

-O que fazer nesse instante? Veja, estamos na curiosa si­tuação de uma pessoa que sobe o morro e do alto vê um cenário completamente novo à sua frente, com um nú­mero enorme de opções. Ao olhar isso, sua primeira sen­sação é de prazer por contemplar esse novo cenário. Mas o cenário existe e vai continuar existindo como oportu­nidade, se agirmos rapidamente. É difícil dizer o que exa­tamente temos de fazer agora. Acho que nosso primeiro passo essencial é consolidar nossa liderança em certas áreas, demonstrar essa competência, porque isso é que vai nos permitir fazer as opções que são reais dentro des­se cenário, e não apenas miragens.

PESQUISA FAPESP

RONALDO MOTA SARD EMBERG

Resultado da cooperação

O grande feito alcançado pelos pesquisadores do Pro­jeto Genoma muito orgulha a ciência brasileira e confirma, mais uma vez, a capacidade de nossos

cientistas. Congratulo-me com a FAPESP e demais insti­tuições participantes do projeto, bem como com toda a equipe envolvida na pesquisa.

É com satisfação que registro o

Hoje, a biotecnologia se inscreve num quadro amplo em que dominam novas tendências com relação à ciência e tecnologia, à globalização e à sustentabilidade. Essas são questões-chave no plano internacional e continuarão, ainda por longo tempo, a dominar os debates públicos

dentro e fora do País. Os avanços da biotecnologia

apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia, ainda na etapa inicial do projeto, quando o Subprogra­ma de Biotecnologia do PADCT financiou seis Plataformas Tecno­lógicas na área de citricultura no Estado de São Paulo. Como resul­tado, surgiu o interesse e a base técnica para o estudo da Xylella fastidiosa, que foi assumido pela FAPESP em colaboração com ou­tros parceiros de São Paulo. O Pro-

''A biodiversidade e a base científica

instalada nos beneficiam rumo

ao desenvolvi menta sustentável''

têm nítido interesse para os países em desenvolvimento, devido a seu potencial de enfrentar os desafios associados ao incremento da pro­dutividade agrícola e a conquis­tas na área da saúde. Com efeito, uma de suas promessas é contri­buir para o atendimento das ne­cessidades de nossos países, como pobreza, fome e doenças, o que requererá a conjugação de esfor-

grama Agronegócios do CNPq apoiou diversas ações resultantes das recomendações dessas Plataformas, entre elas o Projeto Genoma que, posteriormente, também recebeu bolsas de desenvolvi­mento tecnológico e bolsas de apoio técnico.

Mais do que fato isolado, essa conquista deve ser exami­nada sob uma perspectiva mais abrangente, como o ápice de um esforço exemplar de cooperação que congregou comu­nidade científica, setor empresarial, instituições públicas de amparo e fomento à pesquisa e órgãos governamentais.

A capacitação do Brasil na área da biotecnologia figu­ra entre os principais propósitos da política de ciência e tecnologia do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Mais que em outros domínios do conhecimen­to, a biologia e a biotecnologia são setores onde as trans­formações são mais evidentes e atingem de forma mais profunda o ser humano individualmente e a coletividade.

Por essa razão, a biotecnologia está incluída entre as prioridades do Avança Brasil ( 2000-2003). O Ministério da Ciência e Tecnologia e os órgãos a ele vinculados, em parti­cular o CNPq e a FINEP, juntamente com a Embrapa, do Ministério da Agricultura, e a Fiocruz, do Ministério da Saúde, estão envolvidos no processo de implementação do Plano Plurianual de Biotecnologia e Recursos Genéticos.

Mais de 270 milhões de reais serão aplicados nos próximos quatro anos, com os objetivos de desenvolver produtos e processos biotecnológicos relevantes para a produção industrial, a agropecuária e a saúde humana e conservar recursos genéticos.

PESQUISA FAPESP

ços para a promoção de políticas públicas que as privilegiem, além

de considerável reorientação dos atuais padrões de de­senvolvimento tecnológico.

Por outro lado, a ausência de benefícios claramente identificáveis leva-nos, algumas vezes, a perceber essa tec­nologia em termos dos riscos - reais ou imaginários - e dos potenciais danos que a ela possam estar vinculados. Para superar essa percepção negativa, são necessárias es­tratégias que permitam maximizar os benefícios reais da biotecnologia e controlar e minimizar seus riscos.

Para isso, a Comissão Técnica Nacional de Biosseguran­ça- que o Dr. Andrew Simpson ajudou a estruturar e inte­grou durante sua fase inicial- mobiliza, desde 1996, seus melhores esforços no sentido de oferecer à sociedade a mais criteriosa análise, sob o ponto de vista da saúde humana e animal e da proteção ao meio ambiente, de todos os pro­jetas envolvendo organismos geneticamente modificados.

A conquista que hoje celebramos deve sinalizar, para nossa sociedade e para a comunidade internacional, que somos parceiros viáveis em projetas de desenvolvimento de médio e longo prazos - nesta e em outras áreas. A ri­queza de nossa biodiversidade, associada à base científica de pesquisadores e laboratórios aqui existente e aos inves­timentos nacionais em pesquisa e desenvolvimento, per­mite que aspiremos a uma participação ativa nessa tran­sição rumo ao desenvolvimento sustentável.

R ONALDO M OTA S ARDEMBERG É MINISTRO DA CiENCIA E T ECNOLOGIA

IS

MÁRIO COVAS

Utna grande conquista

O argumento era decisivo: se Deus parou o Sol, para permitir que os hebreus, chefiados por Jo­sué, continuassem a combater os amoritas, era

evidente que o grande astro- e não a Terra- é que esta­ria em movimento. O argumento não foi suficiente para interromper a trajetória do plane-ta, que continuou a girar em tor-

biotecnologia está na confluência da química, da física e da biologia. O fato ressalta a importância do Estado como articulador desses setores não apenas entre si, mas também com a iniciativa privada.

Não há, hoje, como pensar em crescimento econô­mico sem competitividade. Para que nossos produtos sejam com­

no ao Sol. Eppur, si muove. Anos antes, em 1609, Galileu

assestara seu telescópio contra os céus. E descobrira os anéis de Sa­turno, as luas de Júpiter, as mon­tanhas da Lua. O universo em movimento... Contou mais de quarenta estrelas ali, no aglomera­do que forma as Plêiades - onde a olho nu os antigos viam sete e onde hoje se distinguem milhares.

''Não faltará petitivos, é necessário tecnologia. São Paulo dispõe de um vasto aparato criador de ciência e tec­nologia. Mantém uma grande en­tidade fomentadora de seu desen­volvimento, que é a FAPESP. É dotado de profissionais altamente especializados. Conta, por fim, com a vontade política do Gover­no de facilitar o acesso à tecnolo­gia, inclusive para as micro e pe-

a este governo determinação

para apoiar projetas de pesquisa

semelhantes'' No mesmo século em que o

homem se voltava à imensidão do cosmos, debruçou-se também sobre a micrographia, os pequenos traçados, descobrindo e batizando as células.

Por um prato de lentilhas, Esaú vendeu a Jacó seus di­reitos de progenitura. Com uma semente da mesma famí­lia- a ervilha- o padre Gregor Mendel começou a deci­frar as leis da hereditariedade. Da modéstia de um pomar e de algumas plantas chegamos aos 3 bilhões de caracte­res componentes dos 100 mil genes dos seres humanos.

Tem uns poucos que são amigos-da-onça, e que, por isso mesmo, são um autêntico perigo. Mas tem muita gente que é amiga da ONSA e, então, é verdadeiramente amiga. É o caso dos 192 pesquisadores e dos 35 labora­tórios que se integraram em uma rede de conhecimen­tos e experiências que resultou em dos mais brilhantes feitos científicos da atualidade: o seqüenciamento do ge­noma da Xyllela fastidiosa.

É uma honra para São Paulo oferecer à comunidade in­ternacional os frutos da sua competência. É motivo de espe­cial alegria ter propiciado ao nosso país essa grande con­quista. Um sucesso que decorre da inequívoca excelência dos nossos cientistas- muitos deles formados em outros es­tados, resultando, por isso, do acervo de conhecimentos acu­mulado por toda a nossa terra. Daí a satisfação de comparti­lhar esse avanço com os demais centros de pesquisa do Brasil.

O êxito obtido trouxe consigo duas outras impor­tantes conseqüências: qualificou ainda mais os recursos humanos que se dedicam à genética e conferiu maior experiência a nossos profissionais da bioinformática. A

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quenas empresas. E São Paulo quer continuar a ser multiplica­

dor de conhecimentos para o país, universalizando o progresso e o bem-estar por todo o território nacional.

A liberdade do homem se fundamenta em três prin­cípios: a justiça, a cultura e a ciência. Todo governo de­mocrático tem a obrigação de garantir o seu exercício. Para tanto, necessita do concurso de toda a sociedade.

A FAPESP, os 35 laboratórios envolvidos no Projeto Ge­nomaXylella é os 192 profissionais premiados fizeram e con­tinuarão a fazer a sua parte. E não faltará a este Governo determinação para apoiá-los e a projetas semelhantes.

Nos últimos cem anos, "desconstruiu-se" a matéria para melhor construir-se a vida, perscrutou-se o micro­cosmo para que mais completamente fosse atingido o universo: um movimento que surpreendeu no infinita­mente pequeno o incomensuravelmente grande.

Os cientistas de São Paulo, cuja contínua presença no que Isaac Newton chamou de "vasto mar do conheci­mento" é uma distinção para todos brasileiros, merecem o .reconhecimento por mais um êxito. São Paulo tem or­gulho dos seus cientistas. Não aquela vaidade que é a bem-aventurança dos tolos, mas o justificado orgulho de quem admira no outro as virtudes, o empenho e os mé­ritos do conhecimento.

Em nome do povo de São Paulo, recebam nosso mui­to obrigado.

MÁRIO COVAS É GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO

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