o futuro climático da amazônia - socioambiental.org · sumário executivo este relatório de...

42
O Futuro Climático da Amazônia Relatório de Avaliação Científica Antonio Donato Nobre ARA Articulación Regional Amazônica

Upload: hatuyen

Post on 21-Aug-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O FuturoClimaacutetico daAmazocircnia Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Antonio Donato Nobre

ARAArticulacioacuten Regional

Amazocircnica

O FuturoClimaacutetico daAmazocircnia Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Antonio Donato Nobre PhD

Pesquisador no CCST MCTiINPEPesquisador do MCTiINPA

RealizaccedilatildeoArticulacioacuten Regional Amazoacutenica (ARA)

Suporte InstitucionalCentro de Ciecircncia do Sistema TerrestreInstituto Nacional de Pesquisas EspaciaisInstituto Nacional de Pesquisas da Amazocircnia

Parceria EstrateacutegicaAvina e Avina AmericasFundo ValeFundaccedilatildeo Skoll

SuporteInstituto SocioambientalProjetos Rios VoadoresWWF

Antonio Donato Nobre (curriacuteculo Lattes) estuda o sistema terrestre com interesse interdisciplinar e atuaccedilatildeo na popularizaccedilatildeo da ciecircncia Eacute pesquisador secircnior do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazocircnia desde 1985 e atua desde 2003 no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

O Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE eacute um novo departamento do INPE para pesquisa multi e interdisciplinar sobre a Terra e seu funcionamento

Sumaacuterio Executivo

Este relatoacuterio de avaliaccedilatildeo do futuro climaacutetico da Ama-zocircnia consiste de uma revisatildeo e siacutentese da literatura cientiacutefica articulada com anaacutelises interpretativas das questotildees mais importantes relacionadas ao assunto

Sem perder o foco na ciecircncia trata dos temas com lin-guagem acessiacutevel e aspiraccedilatildeo holiacutestica isto eacute busca ligar fontes e muitas anaacutelises de especialistas em uma imagem coerente do ecossistema Amazocircnico

Suas linhas mestras satildeo o potencial climaacutetico da gran-de floresta ndash fator critico para todas sociedades huma-nas ndash sua destruiccedilatildeo com o desmatamento e o fogo e o que precisa ser feito para frear o trem desgovernado em que se transformaram os efeitos da ocupaccedilatildeo hu-mana sobre o clima em aacutereas de floresta

O tema eacute vasto Por isso eacute preciso trataacute-lo em certa se-quecircncia cronoloacutegica

1 O texto comeccedila pelo pano de fundo do fator cha-ve na histoacuteria geoloacutegica o tapete tecnoloacutegico1 da biodiversidade amazocircnica que levou dezenas de milhotildees de anos para formar sua capacidade fun-cional Os processos da vida que operam na flores-ta contecircm complexidade quase incompreensiacutevel com um nuacutemero astronocircmico de seres funcionan-do como engrenagens articuladas em uma feno-menal maacutequina de regulaccedilatildeo ambiental

2 A seguir o texto passa agrave descriccedilatildeo das capaci-dades da Amazocircnia no seu estado intocado o oceano-verde2 da floresta e sua relaccedilatildeo com o oceano gasoso da atmosfera com o qual troca ga-ses aacutegua e energia e com o oceano azul dos mares fonte primaacuteria e repositoacuterio final da aacutegua que irriga os continentes Desde Humboldt3 ateacute hoje a ciecircn-cia revelou importantes segredos acerca do poder da grande floresta sobre os elementos que fazem o clima Aqui exploramos cinco descobertas impor-tantes para a ecohidrologia Amazocircnica

Cinco segredos desvendados

O primeiro segredo eacute que a floresta manteacutem uacutemido o ar em movimento o que leva chuvas para aacutereas continente adentro distantes dos oceanos Isso se daacute pela capacidade inata das aacutervores de transferir grandes volumes de aacutegua do solo para a atmosfera atraveacutes da transpiraccedilatildeo

O segundo segredo eacute a formaccedilatildeo de chuvas abun-dantes em ar limpo As aacutervores emitem substacircncias volaacuteteis precursoras de sementes de condensaccedilatildeo do vapor drsquoaacutegua cuja eficiecircncia na nucleaccedilatildeo de nuvens resulta em chuvas fartas e benignas

O terceiro segredo eacute a sobrevivecircncia da flores-ta Amazocircnica a cataclismos climaacuteticos e sua

1

1 Por falta de melhor termo o uso metafoacuterico do conceito da tecnologia quer indicar uma dimensatildeo natural (natildeo humana) da incriacutevel complexidade e sofisticaccedilatildeo existente nos sistemas vivos que opera automa-ticamente em nanoescala (bilioneacutesimos de metro) de modo a criar e manter a habitabilidade e conforto ambiental Nas palavras de Arthur C Clark ldquoqualquer tecnologia suficientemente avanccedilada eacute indistinguiacutevel da magiardquo A tecnologia da natureza eacute inconcebivelmente avanccedilada2 Essa expressatildeo metafoacuterica oceano-verde descreve as caracteriacutesticas oceacircnicas desta extensatildeo continental coberta por densas florestas A importacircncia deste conceito novo e incomum reside na sua sugestatildeo de uma superfiacutecie florestal estendida abaixo da atmosfera cuja caracteriacutesticas de vastidatildeo humidade e trocas pelos ventos se assemelham agraves dos oceanos reais 3 Alexander von Humboldt influente cientista-naturalista alematildeo que explorou as Ameacutericas na virada do seacuteculo 18 para o seacuteculo 19 considerado o pai de ciecircncias como geografia fiacutesica meteorologia e ecologia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull Sumaacuterio Executivo

formidaacutevel competecircncia em sustentar um ciclo hi-droloacutegico beneacutefico mesmo em condiccedilotildees externas desfavoraacuteveis Segundo a nova teoria da bomba bioacutetica a transpiraccedilatildeo abundante das aacutervores casa-da com uma condensaccedilatildeo fortiacutessima na formaccedilatildeo das nuvens e chuvas ndash condensaccedilatildeo essa maior que aquela nos oceanos contiacuteguos ndash leva a um rebai-xamento da pressatildeo atmosfeacuterica sobre a floresta que suga o ar uacutemido sobre o oceano para dentro do continente mantendo as chuvas em quaisquer circunstacircncias

O quarto segredo indica a razatildeo de a porccedilatildeo me-ridional da Ameacuterica do Sul a leste dos Andes natildeo ser deseacutertica como aacutereas na mesma latitude a oes-te dos Andes e em outros continentes A floresta amazocircnica natildeo somente manteacutem o ar uacutemido para si mesma mas exporta rios aeacutereos de vapor que transportam a aacutegua para as chuvas fartas que irri-gam regiotildees distantes no veratildeo hemisfeacuterico

O quinto segredo desvendado eacute o motivo pelo qual a regiatildeo amazocircnica e oceanos proacuteximos natildeo fomen-tam a ocorrecircncia de fenocircmenos atmosfeacutericos como furacotildees e outros eventos climaacuteticos extremos A atenuaccedilatildeo da violecircncia atmosfeacuterica tem explica-ccedilatildeo no efeito dosador distribuidor e dissipador da energia nos ventos exercido pelo rugoso dossel florestal e da aceleraccedilatildeo lateral de larga escala dos ventos na baixa atmosfera promovida pela bomba bioacutetica o que impede a organizaccedilatildeo de furacotildees e similares A condensaccedilatildeo espacialmente uniforme

sobre o dossel florestal impede concentraccedilatildeo de energia dos ventos em voacutertices destrutivos en-quanto o esgotamento de humidade atmosfeacuterica pela remoccedilatildeo lateral de cima do oceano priva as tempestades do seu alimento energeacutetico (vapor de aacutegua) nas regiotildees oceacircnicas adjacentes a grandes florestas

Todos esses efeitos em conjunto fazem da majes-tosa floresta Amazocircnica a melhor e mais valiosa parceira de todas as atividades humanas que re-querem chuva na medida certa um clima ameno e proteccedilatildeo de eventos extremos

3 O relatoacuterio continua com a descriccedilatildeo dos efeitos do desmatamento e do fogo sobre o clima a devasta-ccedilatildeo da floresta oceano-verde gera um clima drama-ticamente inoacutespito Modelos climaacuteticos antecipa-ram haacute mais de 20 anos variados efeitos danosos do desmatamento sobre o clima jaacute confirmados por observaccedilotildees Entre eles estatildeo a reduccedilatildeo draacutes-tica da transpiraccedilatildeo a modificaccedilatildeo na dinacircmica de nuvens e chuvas e o prolongamento da estaccedilatildeo seca Outros efeitos natildeo previstos como o dano por fumaccedila e fuligem agrave dinacircmica de chuvas mesmo so-bre aacutereas de floresta natildeo perturbada tambeacutem es-tatildeo sendo observados

O dano do desmatamento assim como os danos do fogo da fumaccedila e da fuligem ao clima satildeo candentemente evidentes nas observaccedilotildees cienti-ficas de campo As anaacutelises baseadas em modelos

atualizados e em nova teoria fiacutesica projetam um futuro ainda pior Emerge como fator principal a afetar o clima a grave extensatildeo acumulada do des-matamento amazocircnico ateacute 2013 no Brasil em qua-se 763000 km2 (aacuterea equivalente a 184 milhotildees de campos de futebol ou trecircs estados de Satildeo Paulo) Tal superfiacutecie precisa ainda ser somada agrave fraccedilatildeo de impacto da extensatildeo acumulada da menos falada e menos estudada degradaccedilatildeo florestal (estimada em mais de 12 milhatildeo de km2)

4 O relatoacuterio prossegue relacionando os dois itens anteriores floresta oceano-verde e desmatamento no contexto temporal mais estendido o equiliacutebrio vegetaccedilatildeo-clima que balanccedila na beira do abis-mo Modelos climaacuteticos ligados interativamente a modelos de vegetaccedilatildeo exploram quais satildeo as ex-tensotildees de tipos de vegetaccedilatildeo e as condiccedilotildees cli-maacuteticas capazes de gerar estaacuteveis equiliacutebrios vege-taccedilatildeo-clima

Para a Amazocircnia esses modelos projetam a possi-bilidade de dois pontos possiacuteveis e alternativos de equiliacutebrio um que favorece a floresta (uacutemido atual para a bacia amazocircnica e histoacuterico) e outro que fa-vorece a savana (mais seco atual para o Cerrado futuro para a bacia amazocircnica)

O ponto preocupante desses exerciacutecios de modela-gem eacute a indicaccedilatildeo de que aproximadamente 40 de remoccedilatildeo da floresta oceano-verde poderaacute defla-grar a transiccedilatildeo de larga escala para o equiliacutebrio da

2O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull Sumaacuterio Executivo

savana liquidando com o tempo ateacute as florestas que natildeo tenham sido desmatadas O desmatamen-to por corte raso atual beira os 20 da cobertura original na Amazocircnia brasileira e a degradaccedilatildeo florestal estima-se jaacute teria perturbado a floresta remanescente em variados graus afetando adicio-nalmente mais de 20 da cobertura original

5 A seccedilatildeo final do relatoacuterio recomenda um plano de mitigaccedilatildeo baseado na reversatildeo radical tanto dos danos passados quanto a das expectativas de da-nos futuros um esforccedilo de guerra As florestas da Amazocircnia satildeo essenciais para a manutenccedilatildeo do cli-ma e com ele a seguranccedila das geraccedilotildees futuras Fe-lizmente os avanccedilos nas ciecircncias fazem desta guer-ra um desafio que pode ser bem sucedido

Apesar da dificuldade em separar precisamente os efeitos de fundo das mudanccedilas climaacuteticas glo-bais daquelas locais e regionais natildeo resta a menor duacutevida de que os impactos do desmatamento da degradaccedilatildeo florestal e dos efeitos associados jaacute afetam o clima proacuteximo e distante da Amazocircnia Jaacute afetam em alto grau hoje em dia e prometem afetar ainda mais seriamente no futuro a ponto de que a uacutenica opccedilatildeo responsaacutevel que se coloca eacute agir vigo-rosamente no combate agraves causas

Como primeira accedilatildeo impotildee-se a universalizaccedilatildeo e facilitaccedilatildeo de acesso agraves descobertas cientiacuteficas que podem reduzir a pressatildeo da principal causa do des-matamento a ignoracircncia

Em segundo lugar eacute preciso estancar a sangria da floresta ou seja zerar o desmatamento a degra-daccedilatildeo florestal e o fogo jaacute com todos e quaisquer recursos e meios eacuteticos possiacuteveis no interesse da vida Ao mesmo tempo em vista do diagnoacutestico de que desmatamento e degradaccedilatildeo acumulados constituem-se no mais grave fator de dano ao cli-ma torna-se necessaacuterio e inevitaacutevel desenvolver um amplo esforccedilo para replantar e restaurar a flo-resta destruiacuteda

Tal esforccedilo precisa ter perspectiva de meacutedio e longo prazos para culminar com a regeneraccedilatildeo da floresta oceano-verde original Diante disso as elites gover-nantes podem devem e precisam tomar a dianteira na orquestraccedilatildeo da grande mobilizaccedilatildeo de pessoas recursos e estrateacutegias que possibilitem recuperar o tempo perdido

Na conclusatildeo ao apontar para a urgecircncia de accedilotildees de proteccedilatildeo e restauro da grande floresta acena com oportunidades reais na viabilidade de trilhar-mos um novo caminho onde a floresta protegida e recomposta seja a principal aliada das atividades humanas dentro e fora da Amazocircnia

3O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull Sumaacuterio Executivo

Agradecimentos

Agradecimentos a todos que contribuiacuteram para o aporte de informaccedilatildeo qualificada a este relatoacuterio em especial para

Eneacuteas Salati no histoacuterico dos estudos isotoacutepicos Martin Hodnett Joseacute Marengo e Celso Randow nos nuacutemeros da eva-

potranspiraccedilatildeo Dioacutegenes Alves e Dalton Valeriano nos nuacutemeros do desmatamento Joseacute Marengo pelos alertas fo-

cados e muito uacuteteis Anita Drumond pelos caacutelculos sobre evaporaccedilatildeo no oceano Antonio Manzi que levantou ques-

totildees sobre a circulaccedilatildeo planetaacuteria Victor Gorshkov e Anastassia Makarieva que deram respostas a essas questotildees e

pelas correccedilotildees cruciais sobre a fiacutesica atmosfeacuterica Claudio Maretti por ajudar a colocar as questotildees de preservaccedilatildeo

em perspectiva Elisangela Broedel pela revisatildeo criacutetica dos nuacutemeros do desmatamento e da destruiccedilatildeo de aacutervores

Yosio Shimabukuro e Scott Saleska pelas informaccedilotildees relativas a aacuterea da Amazocircnia e densidade de arvores Gilvan

Sampaio pelas correccedilotildees no texto sobre modelos de equiliacutebrio vegetaccedilatildeo-clima Meirat Andreae e Steven Wofsy pelas

referencias e orientaccedilotildees sobre quiacutemica atmosfeacuterica German Poveda pelas referencias e conselhos referente agraves gelei-

ras dos Andes Suprabha Sechan por levantar as dificuldades relativas a tecnologia agraves excelentes criacuteticas e sugestotildees

feitas pelos comentadores e pelo puacuteblico na 3ordf reuniatildeo Pan-Amazocircnica da ARA em Lima agraves questotildees e reaccedilotildees do

puacuteblico no debate feito pela Nossa Satildeo Paulo e pelo Instituto Ethos sobre a crise da aacutegua na regiatildeo metropolitana de

Satildeo Paulo Seacutergio Guimaratildees Maacutercio Santilli Paulo Nobre Tasso Azevedo Adriana Cuartas Lou Gold Foster Brown

Claudio Maretti Victor Gorshkov Anastassia Makarieva Stephan Schwartzman e Robert Harriss pelas excelentes e

inspiradoras revisotildees Marcos Losekann e a Gerard e Margi Moss pelas perguntas instigantes que levaram a mais

aperfeiccediloamentos no texto Marcelo Leite pela soacutebria revisatildeo profissional e de alta qualidade essencial no ajuste e

melhoria do texto Jaime Gesisky e Moema Ungarelli pelo cuidado e rigor na revisatildeo final Felipe Horst pela bela dia-

gramaccedilatildeo Margi Moss pela revisatildeo estelar de estilo e fluencia agrave Articulacioacuten Regional Amazoacutenica pela encomenda

do estudo e agrave Secretaria Executiva da ARA em especial ao Seacutergio Guimaratildees e Claudio Oliveira pelo suporte e estiacutemu-

los constantes Agradecimentos especiais ao CCST do INPE e ao INPA pelo apoio institucional a Avina Fundo Vale e

Skoll Foundation pela parceria valiosa ao ISA Projeto Rios Voadores e WWF pelo suporte

Sumaacuterio

Introduccedilatildeo ndash A tecnologia da floresta eacute insubstituiacutevel 9

1) As florestas geram o clima amigo cinco segredos revelados 11

11) Reciclagem de umidade geisers da floresta 11

12) Nucleaccedilatildeo das nuvens o poacute de pirlimpimpim no oceano verde 14

13) Bomba bioacutetica de umidade doar aacutegua para receber chuva 15

14) Rios aeacutereos aacutegua fresca pelas arteacuterias suspensas 17

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos 19

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito sem aacutervores natildeo daacute para tapar o sol 20

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores 20

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo 22

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba 25

31) Ponto de natildeo retorno o passo em falso no abismo 25

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel 26

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou 28

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura 29

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca 30

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima 32

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder 32

52) Zerar o desmatamento para anteontem 32

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros 33

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas 33

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade 34

Conclusatildeo 36

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era 37

Referecircncias 38

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 9Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Com isso num primeiro momento o planeta se esfria o que faz as plantas crescerem menos consumindo menos CO2 No momento seguinte a acumulaccedilatildeo de CO2 leva ao aquecimento do planeta e assim suces-sivamente num ciclo oscilante de regulaccedilatildeo5 Desta forma as plantas funcionam como um termostato que responde agraves flutuaccedilotildees de temperatura atraveacutes do ajuste da concentraccedilatildeo do principal gaacutes-estufa na atmosfera depois do vapor drsquoaacutegua Mas esta regula-ccedilatildeo da temperatura via consumo mediado do CO2 eacute apenas um entre muitos mecanismos da vida que re-sultam na regulaccedilatildeo favoraacutevel do ambiente

Como se veraacute neste trabalho as florestas tropicais satildeo muito mais que uma aglomeraccedilatildeo de aacutervores reposi-toacuterio passivo de biodiversidade ou simples estoque de carbono Sua tecnologia viva e dinacircmica de interaccedilatildeo com o ambiente lhes confere poder sobre os elemen-tos uma capacidade inata e resiliente de condiciona-mento climaacutetico Assim as florestas condicionam o cli-ma que lhes favoreccedila e com isso geram estabilidade e conforto cujo abrigo daacute suporte ao florescimento de sociedades humanas

A Ameacuterica do Sul eacute um continente privilegiado pela extensiva presenccedila de florestas megabiodiversas Natildeo por acaso esse continente teve e ainda tem um dos climas mais favoraacuteveis em comparaccedilatildeo com qualquer outro Contudo ao longo de 500 anos a maior par-te da vegetaccedilatildeo nativa fora da bacia amazocircnica foi

IntroduccedilatildeoA tecnologia da floresta eacute insubstituiacutevel

Numa definiccedilatildeo solta a floresta tropical eacute um tapete multicolorido estruturado e vivo extremamente rico Uma colocircnia extravagante de organismos que saiacuteram do oceano haacute 400 milhotildees de anos e vieram para a ter-ra Dentro das folhas ainda existem condiccedilotildees seme-lhantes agraves da primordial vida marinha Funciona assim como um mar suspenso que conteacutem uma miriacuteade de ceacutelulas vivas muito elaborado e adaptado Evoluiacuteda nos uacuteltimos 50 milhotildees de anos a floresta amazocircnica eacute o maior parque tecnoloacutegico que a Terra jaacute conheceu porque cada organismo seu entre trilhotildees eacute uma ma-ravilha de miniaturizaccedilatildeo e automaccedilatildeo Em tempera-tura ambiente usando mecanismos bioquiacutemicos de complexidade quase inacessiacutevel a vida processa aacuteto-mos e moleacuteculas determinando e regulando fluxos de substacircncias e de energia

As florestas condicionam o clima que lhes favoreccedila e com isso geram estabilidade e conforto sob cujo abrigo flo-rescem sociedades humanas

O conforto climaacutetico que apreciamos na Terra desco-nhecido em outros corpos siderais pode ser atribuiacutedo em grande medida ndash aleacutem

de muitas outras competecircncias ndash agrave colocircnia de seres vivos que tecircm a capacidade de fazer fotossiacutentese O gaacutes carbocircnico (CO2) funciona como alimento para a planta mateacuteria-prima transformada pelo instrumental bioquiacutemico com o uso de luz e aacutegua em madeira fo-lhas frutos raiacutezes4 De forma encadeada quando as plantas consomem CO2 a concentraccedilatildeo desse gaacutes na atmosfera diminui

4 Animaccedilotildees em biologia molecular httpwwwjohnkyrkcomindexpthtml5 Biotic Regulation of the Environment httpwwwbioticregulationru

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 10Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aniquilada como a Mata Atlacircntica que perdeu mais de 90 da sua cobertura original O efeito desse des-matamento histoacuterico no clima embora perceptiacutevel foi menos notado do que seria de se esperar e a razatildeo foi a costa quente (e uacutemida) da floresta amazocircnica que manteve o continente razoavelmente protegido de extremos com um clima ameno Mas nos uacuteltimos 40 anos a uacuteltima grande floresta a cabeceira das aacuteguas atmosfeacutericas da maior parte do continente esteve sob o ataque implacaacutevel do desmatamento Coincidente-mente aumentaram as perdas com desastres naturais ligados a anomalias climaacuteticas tanto por excessos (de chuva calor e ventos) quanto por falta (secas)6

As regiotildees andinas e mesmo da costa do Paciacutefico que dependem das geleiras para seu abastecimento de aacutegua poderatildeo em futuro proacuteximo ver-se ameaccediladas pois o derretimento acelerado pelo aquecimento cli-maacutetico jaacute estaacute em andamento e tambeacutem porque qua-se toda a precipitaccedilatildeo nas altas montanhas que su-prem as geleiras ano a ano tem sua mateacuteria-prima no vapor procedente da floresta amazocircnica7 A leste dos Andes a escala da dependecircncia no ciclo hidroloacutegico amazocircnico eacute incomensuravelmente maior

As regiotildees de savana na parte meridional onde haacute hoje um dos maiores cinturotildees de produccedilatildeo de gratildeos e ou-tros bens agriacutecolas tambeacutem recebe da floresta amazocirc-nica vapor formador de chuvas reguladas e benignas o principal insumo da agricultura Natildeo fosse tambeacutem

a liacutengua de vapor que no veratildeo hemisfeacuterico pulsa da Amazocircnia para longe levando chuvas essenciais8 e ou-tras influencias beneacuteficas muito provavelmente teriam clima inoacutespito as regiotildees Sudeste e Sul do Brasil (onde hoje se encontra sua maior infraestrutura produtiva na-cional) e outras aacutereas como o Pantanal e o Chaco as regiotildees agriacutecolas na Boliacutevia Paraguai e Argentina

Este trabalho mostraraacute primeiro o que sabemos sobre como a floresta amazocircnica funciona e manteacutem sua ca-pacidade de existir e persistir por eras geoloacutegicas De-pois exibiraacute o efeito sobre o clima que a destruiccedilatildeo do sistema natural jaacute estaacute gerando e as previsotildees sobre o que ainda pode gerar Por fim exploraraacute as ameaccedilas ao equiliacutebrio climaacutetico que as alteraccedilotildees em curso po-dem disparar analisando sob alguns acircngulos os riscos climaacuteticos agrave espreita

6 (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Marengo et al 2011) Extreme climatic events in the Amazon basin7 (Rabatel et al 2012) Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change8 (Willmot amp Webber 1998) South American Climate Data httpclimategeogudeledu~climate

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 11Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Buscando esclarecer misteacuterios o trabalho dos cientis-tas natildeo difere muito da investigaccedilatildeo de um detetive Exploram pistas analisam evidecircncias desenvolvem teorias constroem modelos Nas deduccedilotildees eletrizan-tes de Sherlock Holmes os casos mais intrincados cul-minavam com soluccedilotildees elementares A realidade do mundo natural mostra-se rica e complexa repleta de misteacuterios e segredos Mas o meacutetodo cientifico tem-perado pelo fasciacutenio e humanizado pela curiosidade infantil abre portais de acesso agrave compreensatildeo dos fe-nocircmenos mais misteriosos que nos afetam

Tais fenocircmenos ao serem clarificados e elevados agrave sua expressatildeo mais simples democratizam o conhecimen-to da ciecircncia ensejando o desenvolvimento de uma nova e estimulante consciecircncia compartilhada sobre o mundo que habitamos Existem ainda muitos segre-dos sobre o funcionamento das florestas bem guarda-dos na natureza Olhemos aqui para apenas cinco de-les revelados nas uacuteltimas deacutecadas segredos que satildeo cruciais para o entendimento das funccedilotildees das florestas no condicionamento do clima

No afatilde de modelar com o uso de computadores os fluxos colossais de massa e energia para simular o clima os me-teorologistas inicialmente prestaram pouca atenccedilatildeo na cobertura de vegetaccedilatildeo Essa abordagem mudou radi-calmente Por um nuacutemero grande e crescente de evidecircn-cias hoje se sabe do papel vital exercido pela vegetaccedilatildeo em muitos processos do clima E praticamente todos os

1) As florestas geram o clima amigo cinco segredos revelados

modelos do clima assim como os mais complexos modelos do sistema terrestre passaram a incluir representaccedilotildees elabora-das da vegetaccedilatildeo As descober-

tas cientiacuteficas sobre o papel determinante das florestas nos ciclos local regional e planetaacuterio de aacutegua energia carbono e outros valem para todas as florestas naturais do globo Mas aqui vamos focalizar mais as florestas tro-picais da Ameacuterica do Sul especialmente a Amazocircnia

Todos os estudos de modelagem climaacutetica consideram a bacia amazocircnica inteira Mas por haver mais dados disponiacuteveis eacute na Amazocircnia brasileira9 que se realizou a maioria dos outros trabalhos cientiacuteficos como o moni-toramento do desmatamento Natildeo obstante dada a im-portacircncia da bacia amazocircnica como um todo a chama-da Pan-Amazocircnia e tambeacutem porque a atmosfera e os rios natildeo se importam com limites poliacuteticos no futuro as observaccedilotildees mapeamentos e anaacutelises precisaratildeo rom-per as fronteiras nacionais a exemplo do que jaacute fazem projetos como a RAISG com levantamento extensivo e integrado das pressotildees humanas sobre a Amazocircnia10

11) Reciclagem de umidade geisers da floresta

Trezentos anos apoacutes a invasatildeo europeia nas Ameacutericas11 a aura de Jardim do Eacuteden nas selvas tropicais jaacute decaiacutea de seu apelo romacircntico possivelmente pela tromba-da dos cobiccedilosos conquistadores espanhoacuteis com o

9 Definida dentro do que durante a ditadura brasileira (1964-1985) foi definida por decreto como Amazocircnia Legal10 RAISG Red Amazoacutenica de Informacioacuten Socioambietal Georreferenciada Amazocircnia sob pressatildeo11 (Gambini 2000) Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira

Por um nuacutemero grande e crescente de evidecircncias sabe-se hoje do papel vital exercido pela vegetaccedilatildeo em muitos processos do clima

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 12Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

inferno verde aquele labirinto infindaacutevel monoacutetono e perigoso que passou a inspirar mais medo e desespero do que fascinaccedilatildeo O seacuteculo 19 com seus naturalistas cientiacuteficos vecirc reacender a fascinaccedilatildeo mas agora tingi-da por um apelo racional Alexander von Humboldt o aclamado e influente cientista-naturalista alematildeo que explorou as Ameacutericas na virada do seacuteculo 18 para 19 eacute considerado o pai de ciecircncias como geografia fiacutesica meteorologia e ecologia Ele empregou o termo hileia [do grego floresta selvagem] para a Amazocircnia e com a riqueza e encantamento das suas descriccedilotildees minu-ciosas inspirou geraccedilotildees de naturalistas Darwin entre eles De Humboldt vecircm as primeiras sugestotildees da liga-ccedilatildeo entre a floresta a umidade do ar e o clima

Poreacutem no iniacutecio do seacuteculo 20 o poliacutemata autor pro-liacutefico e militar Euclides da Cunha rompe o encanta-mento do naturalismo cientiacutefico com suas descriccedilotildees desapontadas da hileia Seu disciacutepulo Alberto Rangel que como o mestre tambeacutem se sensibilizara com a miseacuteria dos seringueiros e as agruras da vida na selva

ressuscita na obra Inferno Verde a perspectiva de dana-ccedilatildeo dos invasores espanhoacuteis e desmonta de vez a ima-gem de paraiacuteso verde O voluntarismo verbal contra o habitat selvagem lastreado pela admitida ignoracircncia desses autores quanto ao valor intriacutenseco da floresta em compasso com a falecircncia do fausto da borracha muito provavelmente deixou sua heranccedila de valores a influenciar coraccedilotildees e mentes

Quanto do subsequente iacutempeto para a ldquoocupaccedilatildeordquo da Amazocircnia com a radical supressatildeo da mata natildeo teve raiacutezes aiacute Euclides da Cunha prefaciando o livro do dis-ciacutepulo nega valor para a abordagem holiacutestica de Hum-boldt (ldquoa epistemologia da lsquociecircncia amazocircnicarsquo floresce-raacute se se preocupar menos em revelar a hileia por inteirordquo sic) e antecipa a demanda reducionista que viria12

A reciclagem de umidade da chuva pela evaporaccedilatildeo da flores-ta manteacutem o ar uacutemido por mais de 3 mil km continente adentro

Tardios foram os estudos que finalmente comeccedila-ram a revelar os segredos da grande floresta Bus-

cando testar caacutelculos preliminares de balanccedilo hiacutedrico para a Amazocircnia13 que indicavam reciclagem impor-tante da aacutegua Eneacuteas Salati liderou nos anos 1970 estu-dos observacionais de chuva e evaporaccedilatildeo que de-monstraram inequivocamente como atraveacutes da reciclagem de umidade a floresta manteacutem o ar uacutemido por mais de 3000 km continente adentro14

Mas ainda faltavam muitas outras explicaccedilotildees sobre onde quanto como por que e com que implicaccedilotildees Adotando sem saber a sugestatildeo reducionista de Eucli-des da Cunha nas trecircs deacutecadas seguintes aos estudos de Salati mais de duas duacutezias de grandes projetos de investigaccedilatildeo15 congregando centenas de cientistas e usando muitos laboratoacuterios instrumentos sofistica-dos torres aviotildees barcos sateacutelites supercomputado-res e o que mais haacute de ferramenta cientiacutefica produzi-ram milhares de artigos dezenas de livros e bancos de dados alentados a maioria informaccedilatildeo de difiacutecil inter-pretaccedilatildeo isolada

Diz-se que o cientista de hoje eacute aquele que estuda cada vez mais sobre cada vez menos ateacute que conhece tudo sobre o nada Como eacute irocircnico que 200 anos depois a forma mais produtiva de extrair sentido da enormi-dade dessas pesquisas pontuais seja justamente reto-mar a abordagem holiacutestica de Humboldt articulando a riqueza de dados soltos e construindo uma narrativa integrada e funcional a respeito da concentraccedilatildeo fe-nomenal de vida e seu poder sobre os elementos nas florestas da Amazocircnia

Vejamos como podemos captar aspectos espetacu-lares do funcionamento da floresta acompanhando a narrativa do percurso da aacutegua da atmosfera pela inti-midade das plantas e de volta para a atmosfera

Transpiraccedilatildeo plantas natildeo usam desodorante

As plantas suam A aacutegua ao evaporar resfria a folha e o ambiente Mas a transpiraccedilatildeo nas plantas eacute muito mais importante que isso A transpiraccedilatildeo promove a succcedilatildeo pelas raiacutezes e o fluxo ao longo do tronco ateacute as folhas da aacutegua do solo que carrega consigo nutrientes permite que a folha abra seus microportais para a atmosfera (estocircmatos) por onde sai o vapor mas tambeacutem por onde entra o adubo gasoso mais essencial o CO2 E os odores produzidos pelas plantas os gases orgacircnicos que desempenham muitos papeacuteis no funcionamento da atmosfera e das chuvas saem junto com a aacutegua transpirada Portanto sem transpirar a planta deixaria de regular seu proacuteprio bem-estar cessaria de controlar o ambiente e acabaria morrendo por falta de nutrientes dentre eles o CO2 e excesso de temperatura

12 Rafael Leandro assim reflete a expressatildeo de Euclides da Cunha naquele prefaacutecio ldquoa enormidade da floresta soacute pode ser medida se repartidahellip somente num futuro tardio se conheceraacute os segredos da Natureza [] A definiccedilatildeo dos uacuteltimos aspectos da Amazocircnia seraacute o fecho de toda a Histoacuteria Naturalrdquo (Leandro 2009) Inferno Verde Representaccedilatildeo Literaacuteria da Amazocircnia na Obra de Alberto Rangel

13 (Molion 1975) A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects (Villa Nova et al 1976) Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica (Marques et al 1977) Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus

14 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study15 Projetos de pesquisa na Amazocircnia ARME NASA-GTE ABLE ABRACOS TRACE-A RBLE CAMREX INPA-Max Planck INPA-ORSTOM PDBFF PELD LBA LBA-EUSTACH LBA-CARBONSINK LBA-CLAIRE LBA-ECO

LBA-Barca LBA-DMIP GEWEX ISLSCP GEOMA PPBio Rainfor AmazonFlux AMAZE Amazon Pire Amazalert AMAZONICA Changing Amazocircnia ATTO ACRIDICON-CHUVA GreenOceanAmazon etc Apenas no acircmbito do grande projeto LBA foram desenvolvidos 217 subprojetos de pesquisa em 16 anos de operaccedilatildeo

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 13Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Depois que as nuvens precipitam seu precioso liacutequido sobre a floresta grande parte da aacutegua se esgueira por entre o dossel e infiltra-se pelo permeaacutevel solo flores-tal onde eacute armazenada no pacote poroso do solo ou mais abaixo em aquiacuteferos gigantescos verdadeiros oceanos subterracircneos de aacutegua doce

A aacutegua do solo comeccedila seu retorno para a atmosfe-ra absorvida por profundos e sofisticados sugadores as raiacutezes depois sobe desafiando a forccedila da gravidade por 40 a 60 m ou mais em elaboradas tubulaccedilotildees no xilema dos troncos Sua uacuteltima etapa passa pelas es-truturas laminares evaporadoras das folhas versaacuteteis paineacuteis solares quiacutemicos capazes de absorver a ener-gia do sol e aproveitar a cariacutecia dos ventos para trans-pirar e transferir copiosos volumes de aacutegua vaporosa para a atmosfera completando assim o retorno do ci-clo vertical iniciado com a chuva

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpirar mais de mil litros de aacutegua num uacutenico dia

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpi-rar mais de mil litros de

aacutegua num uacutenico dia16 A Amazocircnia sustenta centenas de bilhotildees de aacutervores em suas florestas Vinte bilhotildees de to-neladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica17 Em seu conjunto as aacutervo-res essas benevolentes e silenciosas estruturas verdes vivas da natureza similares a geisers jorram para o ar um rio vertical de vapor mais importante que o Amazonas18

Geiser de vapor maior que o rio Amazonas

Buscando quantificar de modo simples a transpiraccedilatildeo massiva da flores-ta sugerida pelos estudos de Salati e outros fizemos juntamente com Adriana Cuartas em 2007 um caacutelculo revelador Usando os dados de evaporaccedilatildeo coletados nas torres de fluxo do projeto LBA (36 mm ao dia ou 36 litros por m2 em meacutedia) estimamos a quantidade total diaacuteria de aacutegua fluindo do solo para a atmosfera atraveacutes das aacutervores Cobrindo 55 milhotildees de km2 o caacutelculo para a floresta na bacia amazocircnica resultou no fantaacutestico nuacutemero de 20 bilhotildees de toneladas de aacutegua transpirada ao dia (ou 20 trilhotildees de litros) Mais de 22 bilhotildees se considerarmos todas as florestas da porccedilatildeo equatorial da Ameacuterica do Sul e 25 bilhotildees ou mais se considerarmos as florestas que existiam no seu estado pristino em 150017 Para comparaccedilatildeo o volume despejado no oceano Atlacircntico pelo rio Amazonas eacute pouco mais de 17 bilhotildees de toneladas ao dia18

Como em um edifiacutecio com muitos pisos um me-tro quadrado de chatildeo na

Amazocircnia pode ter sobre si ateacute 10 m2 de intrincada su-perfiacutecie foliar distribuiacuteda em diferentes niacuteveis no dossel Nisso reside a explicaccedilatildeo para o fato de uma superfiacutecie terrestre florestada poder evaporar tanto quanto ou ateacute mais aacutegua que a superfiacutecie liacutequida de um oceano ou um lago na qual 1 m2 de superfiacutecie evaporadora coincide com apenas o mesmo 1 m2 da superfiacutecie geomeacutetrica

Corroborando esses fatos fantaacutesticos um estudo pu-blicado recentemente no perioacutedico cientiacutefico Nature18 fez avanccedilar o ciclo de descobertas sobre a importacircn-cia extraordinaacuteria da vegetaccedilatildeo global no processo de transferecircncia de aacutegua para a atmosfera quase 90

16 Aacuterea da copa com raio de 10 m 3242 m2 x 36 litrosm2 = 11311 litros transpirados em um dia17 Aacuterea recente com floresta na bacia hidrograacutefica do rio Amazonas - 55 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 198 x 1012 litros (~20 x 109 toneladas) Aacuterea com floresta em toda Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for

defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas = 6280468 km2 ou 6 280468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 226096848 x 1012 litros (2261 x 109 toneladas)e projetada para a aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 - ou 6943468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 25 x 1012 litros (25 x 109 toneladas)

18 vazatildeo do rio Amazonas na foz de 2 x 105 m3segundo x 86400 segundos = 1728 x 109 m3dia19 (Jasechko et al 2013) Terrestrial water fluxes dominated by transpiration

20 bilhotildees de toneladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 14Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

parte do oceano azul ten-de agrave aridez com pouquiacutes-simas chuvas enquanto

no oceano verde as chuvas eram torrenciais e constan-tes Tanto que antes do avanccedilo do desmatamento di-zia-se haver ali apenas duas estaccedilotildees a uacutemida e a mais uacutemida Agora surgiu uma estaccedilatildeo seca pronunciada e a duraccedilatildeo da estaccedilatildeo uacutemida diminui progressivamente22

Nuvens satildeo aglomerados de pequenas gotiacuteculas em suspensatildeo no ar Gotas visiacuteveis se condensam a partir do vapor que eacute invisiacutevel pelo efeito da baixa tempera-tura Mas somente temperatura natildeo inicia o processo de condensaccedilatildeo Eacute preciso haver tambeacutem uma super-fiacutecie soacutelida ou liacutequida que funcione como ldquosementerdquo para que se inicie a deposiccedilatildeo das moleacuteculas de va-por Essas sementes ou nuacutecleos de condensaccedilatildeo satildeo em geral aerossoacuteis atmosfeacutericos partiacuteculas de poeira gratildeos de poacutelen ou de sal fuligem e muitos outros

Mas na atmosfera sobre a floresta oceano-verde os aeros-soacuteis satildeo encontrados em baixas concentraccedilotildees como no azul Se a limpeza do ar pode ser creditada por um lado ao efeito de tapete verde uacutemido da floresta segurando a poeira embaixo e por outro agrave lavagem do ar pelas chu-vas constantes como explicar a formaccedilatildeo de chuvas tatildeo abundantes sem as sementes usuais para nucleaccedilatildeo

Estudando as trocas de gaacutes carbocircnico atraveacutes de torres de fluxo cientistas brasileiros do INPA e da USP e eu-ropeus da Holanda Alemanha e Itaacutelia colaboraram no

de toda a aacutegua que chega agrave atmosfera oriunda dos con-tinentes chegou laacute atraveacutes da transpiraccedilatildeo das plantas

e somente pouco mais de 10 como simples evapo-raccedilatildeo sem mediaccedilatildeo das plantas Como essa transfe-recircncia por transpiraccedilatildeo se daacute com grande absorccedilatildeo de calor na superfiacutecie as antes insuspeitas plantas inter-ferem ndash e muito ndash com a chuva os ventos e o clima

Todo esse movimento de aacutegua custa energia Olhemos para um paralelo proacuteximo Para gerar a eletricidade de que tanto se necessita fala-se muito em aproveitar a energia das aacuteguas na Amazocircnia Ora a energia hidraacuteu-lica de queda nos rios somente existe porque a aacutegua foi elevada e transportada pela atmosfera para suas altas cabeceiras A transpiraccedilatildeo das aacutervores como elo vital no ciclo das aacuteguas absorve a energia solar no bombeamento da aacutegua do solo e na sua transpiraccedilatildeo Assim as aacutervores funcionam como estaccedilotildees elevatoacute-rias alccedilando e lanccedilando as aacuteguas nas altitudes da at-mosfera aacuteguas que mais adiante retornaratildeo ao solo como chuva transferindo parte da energia solar em-butida no vapor agrave energia potencial da aacutegua que en-che os reservatoacuterios das hidreleacutetricas

12) Nucleaccedilatildeo das nuvens o poacute de pirlimpimpim no oceano verde

Retornar volumes colossais de vapor de aacutegua para a at-mosfera eacute somente a primeira parte da receita para ter

Potecircncia climaacutetica da floresta

Quanta energia do Sol eacute consumida para evaporar 20 trilhotildees de litros de aacutegua ao dia Para dar uma noccedilatildeo da grandeza de energia envolvida na transpiraccedilatildeo amazocircnica basta fazer uma comparaccedilatildeo com as hidreleacutetri-cas Evaporar um grama de aacutegua liacutequida consome 23 kilojoules de ener-gia solar Para converter isso em energia hidraacuteulicaeleacutetrica imagine uma chaleira gigante que comporte esse volume drsquoaacutegua daquelas que se liga na tomada eleacutetrica Quanta eletricidade seria necessaacuteria para ferver e eva-porar toda essa aacutegua A usina de Itaipu com 14 mil megawatts de potecircn-cia precisaria gerar eletricidade em sua capacidade maacutexima por 145 anos para que a chaleira evaporasse a aacutegua equivalente agravequela transpirada em apenas um dia amazocircnico Ou para rivalizar com as aacutervores amazocircnicas e fazer o trabalho em um dia seria preciso somar a eletricidade de 50 mil usinas hidreleacutetricas como Itaipu (ou 200 mil como Belo Monte) Esta comparaccedilatildeo deixa claro que diante da potecircncia climaacutetica da floresta as maiores estruturas humanas se mostram microscoacutepicas

e manter chuvas copiosas e benignas Em 1999 um dos primeiros estudos utilizando aviotildees e observaccedilotildees do sateacutelite TRMM20 feitos no projeto LBA constatou que na Amazocircnia o ar na baixa atmosfera (troposfera) eacute tatildeo lim-po de poeira quanto o ar sobre o oceano onde as fontes de poeira satildeo muito reduzidas e que as nuvens tiacutepicas na Amazocircnia se pareciam muito com as nuvens mariacutetimas Essa inusitada semelhanccedila inspirou aqueles pesquisa-dores a batizar a Amazocircnia de ldquooceano verderdquo21 Esse ter-mo descreve as caracteriacutesticas oceacircnicas desta extensatildeo continental coberta por densas florestas A importacircncia deste conceito novo e incomum reside na sua sugestatildeo de uma superfiacutecie florestal estendida abaixo da atmos-fera cuja caracteriacutesticas de vastidatildeo humidade e trocas pelos ventos se assemelham agraves dos oceanos reais

Mas havia na semelhanccedila um misteacuterio pois a maior

Na transpiraccedilatildeo as plantas transferem para a atmosfera 90 de toda a aacutegua eva-porada nos continentes

20 httptrmmgsfcnasagov21 (Williams et al 2002) Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification22 (Marengo 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region

Oceano verde a atmosfera ama-zocircnica possui o ar limpo como a atmosfera do oceano azul

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 15Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ar a chuva natildeo os lava Soacute quando oxidam-se e precipi-tam-se como aerossoacuteis formando as chuvas eacute que satildeo lavados Mas sempre haacute mais BVOCs esperando para formar mais poacute de pirlimpimpim para a proacutexima chuva

Aleacutem da promoccedilatildeo de chuvas volumosas e gentis outros mecanismos bioquiacutemicos anaacutelogos aos que produzem os aromas atuam como ldquovassourinhas quiacute-micasrdquo da atmosfera Nas condiccedilotildees amazocircnicas po-luentes perigosos (como o ozocircnio) satildeo removidos do ar Nos anos 1980 nos primeiros estudos de quiacutemica da atmosfera empregando aviotildees instrumentados constatou-se que o ar na baixa atmosfera amazocircnica continha menos ozocircnio (portanto era mais saudaacutevel) que o ar das regiotildees mais remotas da Terra (como a Antaacutertida) Nas deacutecadas subsequentes outros projetos de investigaccedilatildeo indicaram o efeito das aacutervores na lim-peza do ar25 Desses e de outros estudos em desenvol-vimento pode-se sugerir que as plantas amazocircnicas usam algum tipo de vitamina C como um antioxidan-te capaz de remover do ar gases danosos para a vida

13) Bomba bioacutetica de umidade doar aacutegua para receber chuva

Por volta de 2005 no pico da mais poderosa seca a atingir a Amazocircnia ateacute aquele momento atuamos na integra-ccedilatildeo dos primeiros seis anos de dados do projeto LBA26 Depois de analisar em vaacuterios estudos as evidecircncias das

projeto LBA para investigar tambeacutem as trocas de outros gases produzidos pelas plantas contendo carbono para verificar se constituiacuteam parte importante dessas trocas Esses outros gases satildeo os aromas da floresta tambeacutem chamados de compostos orgacircnicos volaacuteteis biogecircni-cos (BVOCs23) Como um vidro de perfume aberto per-de seu liacutequido por evaporaccedilatildeo e o gaacutes-perfume difun-de-se pelo ambiente uma variedade de substacircncias orgacircnicas evapora nas folhas e ganha a atmosfera

Quando no ar uacutemido e com a luz do Sol os aromas das plantas formam uma poeira finiacutessima com afinidade pela aacutegua Satildeo os nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens

Em termos de massa as quantidades de carbono perdidas para a atmosfera por esses gases orgacircnicos satildeo pequenas Contudo um grupo liderado por Meinrat

Andreae do Instituto Max Planck que estuda a quiacutemica dos gases na atmosfera investigou o que acontecia com esses aromas quando misturados ao ar amazocircnico e desvendou o misteacuterio da nucleaccedilatildeo das nuvens24 Os BVOCs (como isopreno terpenos etc) numa atmosfera uacutemida e na presenccedila da radiaccedilatildeo solar oxidam-se e pre-cipitam-se formando uma poeira finiacutessima com afinida-de pela aacutegua (higroscoacutepica) gerando eficientes nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens Poeticamente falando esse eacute o poacute de pirlimpimpim que surge magicamente no ar carregado de vapor e provoca as chuvas a cacircntaros das nuvens baixas os regadores do Jardim do Eacuteden En-quanto os BVOCs estatildeo na forma de gaacutes dissolvidos no

23 Do inglecircs Biogenic Volatile Organic Carbon satildeo compostos biogecircnicos porque satildeo sintetizados pelos organismos vivos como os odores das plantas Existem outros compostos orgacircnicos volaacuteteis natildeo biogecircni-cos chamados simplesmente de VOCs como o solvente de uma tinta por exemplo

24 (Poumlschl et al 2010) Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon (Clayes et al 2004) Formation of secondary organic aerosols through photooxidation of isoprene Release Astonishing Discovery over the Amazonian Rain Forest

25 Por exemplo (Rummel et al 2007) Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia26 (Nobre 2005) Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 16Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

observaccedilotildees e os resultados de modelos ponderei so-bre a pergunta em voga agrave eacutepoca com o aquecimento global iraacute a floresta uacutemida na Amazocircnia secar e morrer

Ao longo de milhares27 ou provavelmente milhotildees de anos28 a floresta tropical da Ameacuterica do Sul evoluiu sua biota luxuriante sem sinais de ter sido desligada por even-tos climaacuteticos extremos como aridez ou congelamento No mesmo espaccedilo de tempo no entanto eacute improvaacutevel que o impacto do clima externo ao continente tenha permanecido benigno especialmente considerando as interferecircncias coacutesmicas e sua conhecida relaccedilatildeo com mudanccedilas climaacuteticas profundas em escala planetaacuteria29

Em face da adversidade climaacutetica externa como este magniacutefico bioma conseguiu resistir agrave extinccedilatildeo Hoje haacute linhas suficientes de evidecircncias de que a biosfera natildeo soacute pode resistir mas na verdade pode alterar modular e ateacute regular seu proacuteprio ambiente30

As florestas tropicais da Ameacute-rica do Sul estatildeo entre os mais densos diversos e complexos biomas terrestres no planeta Do mecanismo de chuvas no oceano verde pode-se ima-ginar como essas florestas

Amazocircnia coraccedilatildeo do mundo

Como podemos entender a circulaccedilatildeo da aacutegua pela paisagem A aacutegua irriga e drena os solos de forma anaacuteloga ao sangue que irriga e drena os tecidos do corpo Se os familiares rios satildeo anaacutelogos agraves veias que dre-nam a aacutegua usada e a retornam para a origem no oceano onde ficam as arteacuterias do sistema natural Satildeo os rios aeacutereos que trazem a aacutegua fresca renovada na evaporaccedilatildeo do oceano Para completar o sistema circulatoacuterio faltava somente o coraccedilatildeo a bomba que impulsiona os fluxos nas arteacuterias aeacutereas A teoria da bomba bioacutetica veio explicar que a potecircncia que propele os ventos canalizados nos rios aeacutereos deve ser atribuiacuteda agrave grande floresta que funciona entatildeo como coraccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico

poderiam regular o clima Controlar a precipitaccedilatildeo signi-fica tambeacutem controlar a convecccedilatildeo o que por sua vez significa interferir com uma poderosa correia transporta-dora de massa e energia a circulaccedilatildeo de Hadley31 Atra-veacutes da regulaccedilatildeo de chuvas a biologia poderia definir o ritmo dos ventos aliacutesios do Atlacircntico arrastando a neces-saacuteria umidade do oceano para o interior do continente

Na mesma eacutepoca Victor Gorshkov e Anastassia Maka-rieva aprofundando sua teoria sobre a regulaccedilatildeo bioacute-tica do ambiente32 examinavam os mecanismos que ligam a transpiraccedilatildeo das plantas com efeitos fiacutesicos na atmosfera Das surpreendentes descobertas desta anaacutelise eles desenvolveram a teoria da bomba bioacutetica de umidade33 revelando fisicamente como processos de transpiraccedilatildeo e condensaccedilatildeo mediados e manipula-dos pelas aacutervores mudam a pressatildeo e dinacircmica atmos-feacutericas resultando em maior suprimento de umidade do oceano para o interior de continentes florestados

Makarieva e colaboradores descobriram que a conden-saccedilatildeo do vapor drsquoaacutegua na atmosfera gera uma reduccedilatildeo localizada de pressatildeo e produz potencia dinacircmica que acelera os ventos ao longo do resultante gradiente de pressatildeo 34 O ponto crucial da teoria eacute que contrastes na evaporaccedilatildeo da superfiacutecie ndash casada com a determinante condensaccedilatildeo nas nuvens ndash muito mais que contrastes

na temperatura de superfiacutecie determinam a direccedilatildeo e a intensidade dos ventos trazedores de chuva

Assim uma regiatildeo florestada que evapora tanta ou mais aacutegua que uma superfiacutecie oceacircnica contiacutegua ndash e que teraacute muito mais condensaccedilatildeo na produccedilatildeo de chu-vas ndash iraacute sugar do mar para a terra as correntezas de ar carregadas de umidade onde ascenderatildeo o que traraacute chuvas para a aacuterea florestada Ao contraacuterio se a floresta for removida o continente teraacute muito menos evapora-ccedilatildeo do que o oceano contiacuteguo ndash com a consequente reduccedilatildeo na condensaccedilatildeo ndash o que determinaraacute uma re-versatildeo nos fluxos de umidade que iratildeo da terra para o mar 35 criando um deserto onde antes havia floresta

Entre as previsotildees baseadas na teoria da bomba bioacute-tica feitas por Makarieva e Gorshkov estava a de que as secas nas florestas nativas seriam contrapostas por transpiraccedilatildeo vigorosa das aacutervores Ora essa previsatildeo contrariava o senso comum pois qualquer pessoa sabe que basta deixar um vaso com plantas sem re-gar por alguns dias para que as plantas murchem e

27 (Baker et al 2001) The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years28 (Hooghiemstra et al 2002) Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary29 (Berger and Yin 2012) Astronomical Theory and Orbital Forcing30 (Foley and Costa 2003) Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate (Gorshkov et al 2004) Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction

(Pielke and Avissar 1998) Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate31 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena32 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change33 (Makarieva and Gorshkov 2007) Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land34 (Makarieva et al 2013) Where do winds come from35 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais

Uma regiatildeo florestada onde ocorre muito mais conden-saccedilatildeo em nuvens do que em superfiacutecie oceacircnica contiacutegua iraacute sugar para a terra os ven-tos do mar que carregados de umidade traratildeo chuvas para a aacuterea florestada

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 17Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

continuar a importar aacutegua pela atmosfera ndash contra-pondo a seca ndash e garantir a continuidade da floresta A teoria da bomba bioacutetica vem ganhando aceitaccedilatildeo37 e jaacute tem comprovaccedilatildeo observacional38

14) Rios aeacutereos aacutegua fresca pelas arteacuterias suspensas

Um mapa-muacutendi revela interessantes arranjos e sime-trias na distribuiccedilatildeo de florestas e desertos ao redor do globo com trecircs cinturotildees chamando a atenccedilatildeo um de florestas ao redor da linha do Equador e outros dois de desertos ao redor dos troacutepicos de Cacircncer e Capri-coacuternio Tal geografia de paisagens contrastantes tem explicaccedilatildeo conhecida a circulaccedilatildeo de Hadley39

Pela influecircncia da circulaccedilatildeo de Hadley a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul tenderia agrave aridez

Haacute maior incidecircncia solar na zona equatorial e portanto ocorre ali devido a efeitos fiacutesi-cos uma maior ascensatildeo de ar

que se resfria e faz chover favorecendo florestas O ar que subiu e perdeu umidade precisa ir para algum lugar des-locando-se em altitude nos dois hemisfeacuterios na direccedilatildeo dos subtroacutepicos Esse ar seco quando desce e se aquece remove umidade da superfiacutecie favorecendo desertos

Mas existem exceccedilotildees e a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul eacute uma delas Pela influecircncia da circula-ccedilatildeo de Hadley essa regiatildeo tenderia agrave aridez Basta ver o deserto de Atacama no outro lado dos Andes ou os

ateacute morram Contrariava tambeacutem o conhecimento de ecofisiologistas segundo o qual quando para de cho-ver e a aacutegua no solo diminui as plantas fecham logo seus estocircmatos e deixam de transpirar para econo-mizar aacutegua Ao mesmo tempo essa previsatildeo fornece uma pista para um antigo enigma ecofisioloacutegico por-que a fotossiacutentese evoluiu para ser ldquoesbanjadorardquo de vapor drsquoaacutegua Surpreendentemente entretanto Scott Saleska e colaboradores publicaram na revista cientiacutefi-ca Science36 observaccedilotildees que corroboravam a correccedilatildeo da previsatildeo teoacuterica de Makarieva e Gorshkov

Durante o pico da seca de 2005 as partes mais atingidas da Amazocircnia foram as que mais ldquoverdejaramrdquo isto eacute na zona onde choveu menos (conforme registro do sateacutelite TRMM) brotaram mais folhas novas nas copas das aacutervores (conforme foi visto pelo sensor MODIS no sateacutelite Terra)

As conclusotildees desse estudo a partir de imagens de sateacutelite jaacute contavam com apoio de mediccedilotildees em terra das torres de fluxo do projeto LBA que haviam consta-tado o fato de natildeo ocorrer uma reduccedilatildeo de transpira-ccedilatildeo das aacutervores nas eacutepocas secas Em outras palavras parece que quando a seca chega as aacutervores com raiacute-zes profundas (e acesso a grande quantidade de aacutegua subterracircnea) executam um programa para manter ou aumentar a transpiraccedilatildeo Assim com o fluxo de vapor da transpiraccedilatildeo na superfiacutecie ndash e a correspondente condensaccedilatildeo nas nuvens ndash manteacutem-se a succcedilatildeo do ar uacutemido sobre os oceanos proacuteximos o que significa

36 (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought37 Por exemplo (Sheil and Murdiyarso 2009) How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis38 (Poveda et al 2014) Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers39 Ceacutelula de Hadley

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 18Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

circulaccedilatildeo que liga os ventos aliacutesios carregados de umidade do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonal-mente para a parte meridional

da Ameacuterica do Sul foi descrita por Joseacute Marengo e cola-boradores43 Embora eles tenham chamado esse trans-porte de jatos de baixos niacuteveis o conceito eacute muito similar ao dos rios atmosfeacutericos Segundo sua explicaccedilatildeo fun-ciona na Ameacuterica do Sul um sistema de monccedilotildees seme-lhante ao da Aacutesia e devido ao efeito da floresta (geisers da floresta) e tambeacutem da cordilheira dos Andes (uma barreira de 6 km de altura) o persistente ar uacutemido ama-zocircnico faz a curva no Acre e durante o veratildeo leva quan-tidades generosas de vapor drsquoaacutegua para o quadrilaacutetero afortunado contrariando sua tendecircncia para a aridez

Recentemente Josefina Arraut44 e colaboradores fi-zeram uma revisatildeo climatoloacutegica dos rios aeacutereos da Ameacuterica do Sul estimando o transporte de vapor as-sociado e introduzindo um novo conceito ldquolagos aeacute-reosrdquo ou seja regiatildeo de remanso atmosfeacuterico com um estoque de vapor precipitaacutevel

Com o conceito de rios aeacutereos estabelecido e tornan-do-se popular Dominick Spracklen45 e colaboradores desenvolveram uma nova abordagem ao correlacionar a superfiacutecie coberta por vegetaccedilatildeo agrave exposiccedilatildeo de uma

Salati e colaboradores comparando as assinaturas quiacute-micas40 entre o fluxo de entrada de vapor oceacircnico no grande anfiteatro amazocircnico com as correspondentes assinaturas da aacutegua de escoamento que retorna ao oceano pelo rio Amazonas perceberam que parte sig-nificativa da aacutegua que entrava como vapor no canal aeacutereo natildeo retornava pelo canal terrestre41

Daiacute concluiacuteram que a Amazocircnia devia estar exportan-do esse vapor para outras regiotildees do continente e irri-gando outras bacias hidrograacuteficas que natildeo a do Ama-zonas Anaacutelises preliminares feitas agrave eacutepoca nas aacuteguas de chuva coletadas na cidade do Rio de Janeiro de-tectaram sinais de que parte dela vinha do interior do continente natildeo do oceano contiacuteguo E mais especifi-camente que havia passado pela Amazocircnia Esse gru-po foi o primeiro a sugerir que chuvas na Ameacuterica do Sul fora da Amazocircnia poderiam ser alimentadas pelo transporte continental de vapor

O conceito de rios atmosfeacutericos foi introduzido em 1992 por Reginald Newell e Nicholas Newell42 para descre-ver fluxos filamentares na baixa atmosfera capazes de transportar grandes quantidades de aacutegua como vapor tipicamente em volumes superiores ao transportado pelo rio Amazonas (que tem vazatildeo de 200 milhotildees de litros por segundo ndash ou 17 bilhotildees de toneladas ao dia)

Quase trecircs deacutecadas depois dos achados de Salati a

Rios Voadores contando uma bela histoacuteria

Em 2006 contemplando a floresta amazocircnica do alto de uma torre de estudo do projeto LBA trocamos com o aviador Gerard Moss as primei-ras ideias que levaram ao projeto de aventura pesquisa divulgaccedilatildeo e educaccedilatildeo ambiental Rios Voadores42 Com financiamento da Petrobras e a participaccedilatildeo de Eneacuteas Salati o pioneiro dos estudos sobre reciclagem de umidade na Amazocircnia aleacutem de outros cientistas de renome Moss perseguiu por anos os rios de vapor com seu aviatildeo monomotor coletan-do numerosas amostras para estudo e capturando a atenccedilatildeo luacutedica das pessoas na aventura que criou Fez tambeacutem um trabalho extraordinaacuterio de educaccedilatildeo ambiental nas escolas e pela Web postando frequente-mente em redes sociais as trajetoacuterias dos rios voadores e mostrando como estes levam aacutegua para as pessoas O resultado mais valioso desse projeto foi sua capacidade de tocar o lado emocional das pessoas atraveacutes do estiacutemulo luacutedico da aventura da ciecircncia engajada conectan-do-as ao sentimento de estima pelo ambiente pela aacutegua e pela floresta

desertos de Namiacutebia e Kalahari na Aacutefrica e o deserto da Austraacutelia Todos alinhados latitudinalmente com a afortunada aacuterea verde responsaacutevel por 70 do PIB do continente no quadrilaacutetero delimitado por Cuiabaacute ao Norte Satildeo Paulo a Leste Buenos Aires ao Sul e a cor-dilheira dos Andes a Oeste

As escolas ensinam que a aacutegua evapora do mar ldquovairdquo para os continentes cai como chuva eacute coletada nos rios de superfiacutecie e retorna ao mar Ao fazer a ligaccedilatildeo entre evaporaccedilatildeo da aacutegua no mar com seu tracircnsito em terra esse conceito simploacuterio do ciclo hidroloacutegico natildeo estaacute errado mas natildeo explica quase nada Por exemplo por que existem desertos ou por que o vapor mariacutetimo adentra os continentes de forma heterogecircnea

Rios aeacutereos ligam os ventos aliacutesios carregados de umida-de do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonalmente para a parte meridional da Ameacuterica do Sul

40 Definidas pelo uso de traccediladores que portam assinaturas isotoacutepicas Diz-se que satildeo isoacutetopos dois ou mais aacutetomos com o mesmo numero de proacutetons mas com massas diferentes Uma analogia boa eacute pensar em gecircmeos com caracteriacutesticas idecircnticas exceto peso Assinatura isotoacutepica eacute a relaccedilatildeo numeacuterica entre a imensa multidatildeo de ldquogecircmeosrdquo atocircmicos em um material ou substancia A aacutegua pode conter variada combinaccedilatildeo de gecircmeos de oxigecircnio (16O e 18O) e hidrogecircnio (1H 2H) gerando moleacuteculas de aacutegua com pesos distintos A proporccedilatildeo destes gecircmeos atocircmicos que ocorre na aacutegua do mar por exemplo se altera com a evaporaccedilatildeo (flutuam primeiro os mais leves) e tambeacutem com a chuva (precipitam primeiro os mais pesados) Assim ao analisar a assinatura isotoacutepica de uma amostra de aacutegua ou vapor pode-se saber de onde ela veio se do oceano ou da floresta

41 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study (Matsui et al 1976) Isotopic hydrology in the Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 18O concentrations42 (Newell and Newell 1992) Tropospheric Rivers - A Pilot Study43 (Marengo et al 2004) Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalysis Characteristics and temporal variability44 (Arraut et al 2012) Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America45 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 19Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Eventos extremos a vida buscando equiliacutebrio

Com o aquecimento global ocorre maior acuacutemulo de energia na at-mosfera o que aumenta a probabilidade de ocorrecircncias de fenocircmenos climaacuteticos mais intensos A natureza desta tendecircncia foi prevista haacute deacutecadas pelos meteorologistas Mas a maior intensidade e frequecircncia dessas ocorrecircncias estaacute sendo observada deacutecadas antes do previsto Algum fator na complexidade do clima deve explicar a aceleraccedilatildeo dos efeitos O registro geoloacutegico mostra que climas extremos jaacute ocorreram na histoacuteria da Terra muito antes da humanidade surgir Mas ao contraacuterio do que seria de se esperar depois dos cataclismos todas as evidecircncias apontam sempre para uma resiliente recuperaccedilatildeo estabilizadora ate-nuando os extremos Sistemas puramente geofiacutesicos natildeo teriam essa capacidade Somente a vida e seus processos de auto-regulaccedilatildeo ofere-cem explicaccedilatildeo satisfatoacuteria para a histoacuteria climaacutetica da Terra49

parcela de ar num rio aeacutereo (medida pelo iacutendice cumu-lativo de aacuterea foliar ao longo da trajetoacuteria) com chuva a jusante na trajetoacuteria daquela mesma parcela Ou seja um rio aeacutereo conecta regiotildees doadoras de umidade com outras receptoras de umidade Daiacute a importacircncia crucial das florestas a montante constatou-se que a Amazocircnia eacute de fato a cabeceira dos mananciais aeacutereos da maior parte das chuvas na Ameacuterica do Sul

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos

Makarieva e Gorshkov46 introduziram uma nova definiccedilatildeo fiacutesica para furacotildees ciclones ou tornados ldquo satildeo implosotildees (explosotildees em reverso) que se passam em cacircmera lenta decorrentes do desaparecimento volumeacutetrico de vapor drsquoaacutegua na atmosfera por condensaccedilatildeordquo47 Paulo Nobre

apresentou-lhes entatildeo um problema ldquoA questatildeo que se coloca eacute entender por que os furacotildees natildeo se desenvol-vem sobre as florestas tropicais como na Amazocircnia onde o fornecimento de vapor de aacutegua pela floresta e sua ex-tinccedilatildeo na forma de chuva tropical eacute tatildeo abundanterdquo 48

Respondendo Makarieva e Gorshkov demonstraram teoricamente como uma grande aacuterea terrestre co-berta por floresta natildeo per-

mite a formaccedilatildeo de furacotildees e outros padrotildees climaacuteticos anocircmalos incluindo secas e enchentes Em sua explica-ccedilatildeo a fricccedilatildeo turbulenta local com o dossel da floresta -que transpira ativamente o que resulta em chuvas uni-formes sobre grandes aacutereas- e a traccedilatildeo do vento pela bomba bioacutetica em distacircncias maiores diminui muito a chance de organizaccedilatildeo de tormentas como tornados ou furacotildees As trajetoacuterias registradas dos furacotildees compro-vam o ambiente ameno nas regiotildees cobertas por flores-tas extensas e aacutereas oceacircnicas proacuteximas50 Ou seja aleacutem de todos os outros serviccedilos da floresta ao clima ela ainda oferece um seguro contra destrutivos eventos atmosfeacute-ricos atenuando a concentraccedilatildeo de energia nos ventos

Outras funccedilotildees claacutessicas das florestas na regulaccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico em terra satildeo bem conhecidas como o favorecimento da recarga de aquiacuteferos e a atenua-ccedilatildeo de enchentes51 entre muitas outras

Entre os serviccedilos que a floresta presta ao clima estaacute um segu-ro contra eventos atmosfeacutericos destrutivos atenuando a concen-traccedilatildeo da energia nos ventos

46 (Makarieva et al 2008) On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine47 De acordo com os autores ldquoThe driving force of all hurricane processes is a rapid release as in compressed spring of potential energy previously accumulated in the form of saturated water vapor in the atmospheric column

during a prolonged period of water vapor evaporation under the action of the absorbed solar radiationrdquo (Makarieva et al 2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient48 (Nobre P 2009a) Peer Review Question Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo49 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment50 Storm Track mapa registrando todas as trajetoacuterias observadas de furacotildees mostrando que a regiotildees equatoriais das florestas e suas imediaccedilotildees oceacircnicas satildeo livres destes fenocircmenos51 httpwwwipefbrhidrologiamataciliarasp

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 20Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito

Em vista dos efeitos extensivos e elaborados das flo-restas sobre o clima demonstrados pela ciecircncia que resultados esperar da sua devastaccedilatildeo Para avaliar os impactos do desmatamento no clima vem sendo fei-to um nuacutemero crescente de experimentos de campo e modelagem estudos observacionais e mais recente-mente anaacutelises teoacutericas Quais as consequecircncias pro-jetadas do desmatamento e quais as jaacute observadas

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores

Uma das maiores virtudes dos modelos climaacuteticos estaacute em sua capacidade de simular cenaacuterios distantes do momento presente Esse tipo de exerciacutecio natildeo eacute pre-ditivo no sentido fiacutesico mas onde a teoria fiacutesica ainda natildeo estiver disponiacutevel eacute o melhor conhecimento e a uacutenica ferramenta para analisar sistemas complexos e fazer extrapolaccedilotildees bem fundamentadas

Tais exerciacutecios de simulaccedilatildeo satildeo valiosos para situaccedilotildees especiacuteficas como explorar riscos climaacuteticos associados ao desmatamento No ambiente virtual como num si-mulador de voo eacute possiacutevel avaliar repetidamente ce-naacuterios de desastres esmiuccedilando os fatores atuantes as condiccedilotildees iniciais e as consequecircncias potenciais de manobras arriscadas

Em 1991 Carlos Nobre liderou um dos mais citados

estudos para simular o impacto no clima do desma-tamento total da floresta amazocircnica52 Usando um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera (GCM53) com um moacutedulo acoplado de representaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo (SiB54) os autores concluiacuteram que quando as florestas eram substituiacutedas por pasto degradado no modelo verificava-se um aumento significativo na temperatura meacutedia de superfiacutecie (cerca de 25degC) e uma diminuiccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo anual (reduccedilatildeo de 30) da pre-cipitaccedilatildeo (reduccedilatildeo de 25) e do escoamento superfi-cial (reduccedilatildeo de 20) Na simulaccedilatildeo ocorria tambeacutem um aumento da duraccedilatildeo da estaccedilatildeo seca na metade sul da bacia amazocircnica

Nas duas deacutecadas seguintes outros estudos avanccedila-ram no detalhamento e generalizaccedilatildeo dessas conclu-sotildees Deborah Lawrence e Karen Vandecar fizeram recentemente uma revisatildeo da literatura55 sobre os impactos do desmatamento tropical no clima e con-cluiacuteram que vaacuterios GCMs concordam em que o des-matamento em escala regional leva a um clima mais quente e seco sobre a aacuterea desmatada Os modelos que simulam o desmatamento completo da Amazocirc-nia preveem um clima com aquecimento na faixa de 01-38degC (meacutedia de 19degC) e reduccedilatildeo de chuvas na fai-xa de 140-640 mm ao ano (meacutedia de 324 miliacutemetrosano ou 10-15 de reduccedilatildeo)

Mas o desmatamento pode ter implicaccedilotildees muito mais

52 (Nobre C et al 1991) Amazonian Deforestation and Regional Climate Change53 Definiccedilatildeo de GCM por Lawrence e Vandecar (2014) ldquo satildeo modelos computacionais tridimensionais globais do sistema climaacutetico que operam em larga escala Os modelos mais recentes incluem representaccedilotildees

da atmosfera oceanos e da superfiacutecie da Terra [] e incorporam o ciclo hidroloacutegico e uma representaccedilatildeo expliacutecita [] da vegetaccedilatildeo e seus efeitos sobre os fluxos de energia e de aacutegua incluindo as transferecircncias radiativas e turbulentas e os controles fiacutesicos e bioloacutegicos da evapotranspiraccedilatildeordquo

54 (Sellers et al 1986) Simple Biosphere Model55 (Lawrence and Vandecar 2014) The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity natildeo publicado

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 21Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

modelos parecem tender a subestimar as consequecircn-cias negativas nos cenaacuterios simulados Os resultados de projeccedilotildees mais recentes incluindo os oceanos agra-vam o quadro e aumentam o alerta

A eliminaccedilatildeo da floresta ndash prin-cipal agente da condensaccedilatildeo continental ndash equivale a desligar o interruptor de uma bomba de umidade atmosfeacuterica

Mas eacute preciso tambeacutem con-siderar a teoria da bomba bioacutetica e sua previsatildeo de re-duccedilatildeo de chuvas Diferente-mente dos modelos numeacute-

ricos convencionais uma teoria fiacutesica constroacutei entendimento baseada exclusivamente em leis funda-mentais da natureza Se a teoria estiver correta torna possiacutevel prever quantitativamente efeitos fiacutesicos apenas com a anaacutelise dos cenaacuterios e de sua loacutegica funcional

Makarieva e Gorshkov preveem que o desmatamento completo da Amazocircnia reduziria a precipitaccedilatildeo primor-dialmente como resultado da dissipaccedilatildeo do efeito da baixa pressatildeo (succcedilatildeo) associado agrave condensaccedilatildeo que eacute conectada a uma reduccedilatildeo da evaporaccedilatildeo de superfiacute-cie Como a teoria da bomba bioacutetica tambeacutem credita a disponibilidade de vapor para a precipitaccedilatildeo na Ama-zocircnia como resultado dessa capacidade de transpirar a eliminaccedilatildeo total do principal agente da transpiraccedilatildeo levaria agrave cessaccedilatildeo completa do bombeamento bioacutetico

Esta teoria sugere que desligado o interruptor da bom-ba que puxa o ar uacutemido para o continente o fluxo de umidade deve mudar de direccedilatildeo quando a condensaccedilatildeo passar a ser relativamente maior sobre o oceano (mais

seacuterias Em 1997 German Poveda e Oscar Mesa56 propuse-ram o papel de ponte hidrometeoroloacutegica para a floresta amazocircnica ao conectar os dois grandes oceanos proacutexi-mos isto eacute sugerindo efeitos climaacuteticos cruzados entre os oceanos via atmosfera mediados pela floresta

Explorando com modelagem em direccedilatildeo similar mais recentemente Paulo Nobre57 e colaboradores estuda-ram o impacto do desmatamento na chuva amazocircni-ca tendo como referecircncia a inclusatildeo ou a exclusatildeo das respostas dos grandes oceanos aos cenaacuterios de des-matamento58 Comparando simulaccedilotildees feitas em um GCM atmosfeacuterico usual com um GCM acoplado a outro modelo que simula as condiccedilotildees internas dos oceanos (salinidade correntes etc) esses autores encontraram uma reduccedilatildeo consideravelmente maior na precipita-ccedilatildeo quando o GCM acoplado com o oceano foi rodado para um cenaacuterio de desmatamento total da Amazocircnia 42 de reduccedilatildeo da chuva contabilizando os mecanis-mos internos dos oceanos contra 26 de reduccedilatildeo da chuva sem considera-los Os oceanos sempre estive-ram presentes e a inclusatildeo das suas respostas internas daacute mais realismo agraves simulaccedilotildees

Jaacute existem comprovaccedilotildees de muito do que foi proje-tado pelos modelos como consequecircncia do desma-tamento especialmente a ampliaccedilatildeo da estaccedilatildeo seca Poreacutem esses experimentos virtuais indicavam um prolongamento da estaccedilatildeo seca apoacutes destruiccedilatildeo de 100 da floresta o que jaacute se observa com o corte raso de pouco menos de 19 da floresta Ou seja esses 56 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena57 (Nobre P et al 2009b) Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation58 Que utiliza apenas a seacuterie histoacuterica observada das temperaturas da superfiacutecie dos oceanos

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 22Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

E apontaram que essa re-duccedilatildeo de chuvas poderaacute ser bem maior do que o indicado pelo grupo de Spracklen63 Para a porccedilatildeo

mais desmatada da Amazocircnia jaacute se constata progres-sivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera significativo impacto no setor agriacutecola

Assim a discussatildeo sobre desmatamento passa longe de duacutevidas sobre seus evidentes efeitos diretos e indi-retos na reduccedilatildeo das chuvas e recai sobre a extensatildeo da aacuterea desmatada No periacuteodo 20112012 foram ldquoape-nasrdquo 4571 km2 desmatados na Amazocircnia brasileira Se comparado com taxas de desmatamento em anos de pico como 2004 (27772 km2) esse valor parece mo-desto O Brasil merece reconhecimento por haver lo-grado essa reduccedilatildeo A velocidade e a eficaacutecia atingidas na reduccedilatildeo recomendam essa estrateacutegia para zerar e reverter o desmatamento no Brasil e no mundo

A despeito da notiacutecia encorajadora essa taxa que pa-rece tatildeo pequena seria suficiente para desmatar aacuterea equivalente a toda a Costa Rica em meros dez anos Aleacutem disso reduccedilotildees nas taxas anuais atenuam a per-cepccedilatildeo momentacircnea de perda e mascaram o desmata-mento acumulado na Amazocircnia que eacute muito grave

No que diz respeito ao clima importa sobretudo a aacuterea total devastada e sua distribuiccedilatildeo espacial Compilando

localizado da chuva com o desmatamento estudos mais abrangentes simulaccedilotildees com modelos climaacuteticos e mesmo anaacutelises teoacutericas esclareceram o caraacuteter local e transitoacuterio desse efeito que depende basicamente da existecircncia de matas circundantes agrave aacuterea desmatada e da extensatildeo dessas matas O aumento de chuva converte-se em reduccedilatildeo tatildeo logo as florestas remanescentes fi-quem mais distantes que um certo limiar de aacuterea aberta Daiacute em diante haveraacute reduccedilatildeo das chuvas

Dados de sateacutelites para chuva e presenccedila de floresta mostra-ram reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos que passam sobre aacutereas desmatadas

O estudo de Spracklen e colaboradores62 com da-dos de sateacutelites para chu-va e presenccedila de floresta constatou que com o des-

matamento ocorre a reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos Em 60 das aacutereas tropicais o ar que passa sobre densas florestas produz pelo menos duas vezes mais chuva que o ar que passa sobre aacutereas desmatadas Apesar de ainda natildeo terem considerado o mecanismo e os efeitos da teoria da bomba bioacutetica esses autores de-monstraram com evidecircncias fortes que o impacto ne-gativo do desmatamento no clima natildeo eacute somente local mas pode afetar regiotildees proacuteximas e distantes

Aplicando os conceitos da bomba bioacutetica Makarieva e colaboradores colocaram os achados de Spracklen em perspectiva explicando quantitativamente quais os fatores fiacutesicos responsaacuteveis pela reduccedilatildeo nas chuvas a jusante dos ventos decorrentes do desmatamento

fraca que a bioacutetica a bomba oceacircnica de condensaccedilatildeo estaacute sempre ligada) o que levaria a aridez em terra59

Os modelos climaacuteticos usados para simular o desma-tamento ainda natildeo embutiram essa nova teoria fiacutesica portanto natildeo projetam esse efeito que poderia signi-ficar ateacute 100 de reduccedilatildeo nas chuvas

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo

O desmatamento real eacute imenso e seus efeitos sobre o clima satildeo bem documentados Estudos em torres micrometeoroloacutegicas mostram que a substituiccedilatildeo de floresta por pastagem leva como previsto pelos mo-delos a um aumento da temperatura de superfiacutecie e uma reduccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo60 Observaccedilotildees de sateacutelite mostram que durante a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspi-raccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas61

Observaccedilotildees mostram que duran-te a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspiraccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas

Dados similares tambeacutem indicam que a transpira-ccedilatildeo da floresta eacute bem maior do que aquela pres-crita pelos modelos o que explica em parte a subesti-

mativa dos modelos de larga escala no caso da reduccedilatildeo de precipitaccedilatildeo com o desmatamento Embora alguns estudos observacionais tenham revelado um aumento

Para a porccedilatildeo mais desmata-da da Amazocircnia jaacute se constata progressivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera signifi-cativo impacto no setor agriacutecola

59 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais60 Por exemplo (Gash et al 1996) Amazonian Deforestation and Climate (von Randow et al 2004) Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in southwest Amazonia61 (Huete et al 2006) Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought62 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests63 (Makarieva et al 2013) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 23Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Desmatamento acumulado 762979 km2

Esse valor eacute maior que a soma das aacutereas de trecircs estados de Satildeo Paulo ou que as aacutereas somadas de duas Alemanhas ou de dois Japotildees Uma unidade de aacuterea mais proacutexima do brasileiro o campo de futebol (4136 m2) daacute uma noccedilatildeo da magnitude da devastaccedilatildeo 184 milhotildees de unidades65 ndash quase um campo de futebol desmatado na Amazocircnia para cada brasileiro Colocado na perspectiva temporal teriam sido em meacutedia 12635 campos desmatados por dia 526 campos por hora 88 campos ndash ou 36291 m2 por minuto 605 m2 por segundo ininterruptamente nos uacuteltimos 40 anos Para caber na compreensatildeo o gigantismo destes nuacutemeros eacute preciso estender a imaginaccedilatildeo para aleacutem destas analogias Um trator ficcional operando uma lacircmina frontal com 3 m de largura precisaria acelerar quase agrave velocidade de um aviatildeo a jato (726 kmh) para desmatar a aacuterea raspada na Amazocircnia no ritmo registrado do espaccedilo em imagens Como um trator desmata mui-to mais lentamente (024 - 036 hah66 ou ~08 kmh se essa aacuterea estives-se contida em uma faixa com 3 m de largura) com a mesma lacircmina de 3 m seriam necessaacuterios mais de 900 tratores simultaneamente derrubando a floresta lado a lado formando uma frente destrutiva com quase 3 km de largura Uma comparaccedilatildeo ainda mais impressionante eacute uma ldquoestrada de desmatamentordquo com 2 km de largura que daria para cobrir a distacircncia da Terra ateacute a Lua (380 mil km)

estudos pioneiros com dados de sateacutelite Dioacutegenes Al-ves64 contabilizou ateacute 2004 um desmatamento total de 663 mil km2 Agregando-se os nuacutemeros mais recentes do projeto PRODES do INPE o desmatamento acumula-do total ateacute 2013 chega a 762979 km2

Pelo vieacutes do dano ao clima o que se tem na Amazocircnia eacute um passivo gigantesco de destruiccedilatildeo do oceano ver-de Natildeo haacute portanto qualquer motivo para comemo-rar as taxas relativamente mais baixas de corte raso dos uacuteltimos anos mesmo porque depois da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal (2011) com sua ampla anistia a desmatadores jaacute se observa uma niacutetida tendecircncia de aumento das taxas anuais

Na contabilidade do INPE o corte raso brasileiro (sem considerar os dos demais paiacuteses da bacia amazocircnica) chegou em 2012 a 1885 da aacuterea original de floresta67 Mas a destruiccedilatildeo natildeo eacute uniforme pois ocorre grande concentraccedilatildeo de corte raso no chamado Arco do Fogo ndash ou Arco do Desmatamento68 Se a vastidatildeo raspada jaacute eacute graviacutessima para o clima a situaccedilatildeo torna-se ainda pior ao se considerar o oceano verde ferido

A exploraccedilatildeo madeireira e o desmatamento gradual pro-duzem extensas aacutereas de florestas degradadas que rara-mente entram na contabilidade oficial da destruiccedilatildeo mas que a depreender das informaccedilotildees e estimativas dispo-niacuteveis podem ter impacto significativo sobre o clima

Dalton Valeriano liderou um estudo pioneiro sobre degradaccedilatildeo69 que encontrou no Estado do Mato Gros-so no periacuteodo de 2007 a 2010 ldquosomenterdquo 7856 km2 com corte raso mas outros 32926 km2 de florestas degradadas Somando corte raso com degradaccedilatildeo sobrou pouco do propriamente chamado Estado de Mato Grosso

No mesmo periacuteodo o INPE mapeou 64205 km2 de flo-resta degradada versus 39026 km2 de corte raso para a Amazocircnia brasileira Usando a proporccedilatildeo entre estas

64 (Alves 2007) Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon65 Aacuterea desmatada 762979 km2 0004136 km2 = 184472679 de campos de futebol66 (Viana 2012) Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento67 httpwwwdpiinpebrprodesdigitalprodesphp Lista (uma tabela) e Consolida (somatoacuterios para a unidade de aacuterea considerada)68 Porcentagem de aacuterea desmatada ateacute 2012 TO 75 MA 72 RO 41 MT 40 PA 22 e AC 1369 httpwwwobtinpebrprodesRelatorio_Prodes2008pdf

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 24Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aacutereas pode-se extrapolar a aacuterea de floresta degradada para toda a Amazocircnia brasileira Na estimativa ateacute 2013 a aacuterea total degradada pode ter alcanccedilado 1255100 km2 Somando com a aacuterea mensurada de corte raso o impacto cumulativo no bioma pela ocupaccedilatildeo humana pode ter atingido 2018079 km2

Dentre mais de 200 paiacuteses no mundo somente 13 tecircm aacuterea maior que essa Nesta contabilidade a degrada-ccedilatildeo de florestas na Amazocircnia brasileira pode haver chegado a 2944 da aacuterea original70 que somada ao desmatamento corte-raso sugere que ateacute 4734 da floresta tenha sido impactada diretamente por ativi-dade humana desestabilizadora do clima Para a Pan-Amazocircnia esse impacto agregado da Amazocircnia bra-sileira contabilizando desmatamento e estimando degradaccedilatildeo representa de 2668 a 290371 sobre a aacuterea original de floresta

Mas a aacuterea de impacto no sentido ecoloacutegico pode ser ainda maior porque florestas contiacuteguas a aacutereas de de-gradaccedilatildeo ou corte raso sofrem direta e indiretamente os efeitos das mudanccedilas ambientais vizinhas (biogeo-fiacutesicas e biogeoquiacutemicas)72

No processo de degradaccedilatildeo a destruiccedilatildeo do dossel frequentemente superior a 60 da cobertura73 muda as caracteriacutesticas estruturais ecoloacutegicas e fisioloacutegicas da floresta comprometendo suas capacidades am-bientais

70 Caacutelculo utilizando a mensuraccedilatildeo de Espiacuterito-Santo et al (2014) para a floresta remanescente na Amazocircnia brasileira [3500000 km2] acrescida da aacuterea acumulada do desmatamento [762979 km2] chegando a 4262979 km2 de florestas originais na Amazocircnia brasileira

71 Impacto usando aacuterea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Espiacuterito-Santo et al (2014) com 7562979 km2 e em Eva et al (2005) com 6943468 km2

72 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon73 (Valeriano et al 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD e QUEIMADAS 2007-200874 University of Maryland Global Forest Cover

Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 ateacute 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Ameacuterica do Sul74

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 2: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O FuturoClimaacutetico daAmazocircnia Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Antonio Donato Nobre PhD

Pesquisador no CCST MCTiINPEPesquisador do MCTiINPA

RealizaccedilatildeoArticulacioacuten Regional Amazoacutenica (ARA)

Suporte InstitucionalCentro de Ciecircncia do Sistema TerrestreInstituto Nacional de Pesquisas EspaciaisInstituto Nacional de Pesquisas da Amazocircnia

Parceria EstrateacutegicaAvina e Avina AmericasFundo ValeFundaccedilatildeo Skoll

SuporteInstituto SocioambientalProjetos Rios VoadoresWWF

Antonio Donato Nobre (curriacuteculo Lattes) estuda o sistema terrestre com interesse interdisciplinar e atuaccedilatildeo na popularizaccedilatildeo da ciecircncia Eacute pesquisador secircnior do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazocircnia desde 1985 e atua desde 2003 no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

O Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE eacute um novo departamento do INPE para pesquisa multi e interdisciplinar sobre a Terra e seu funcionamento

Sumaacuterio Executivo

Este relatoacuterio de avaliaccedilatildeo do futuro climaacutetico da Ama-zocircnia consiste de uma revisatildeo e siacutentese da literatura cientiacutefica articulada com anaacutelises interpretativas das questotildees mais importantes relacionadas ao assunto

Sem perder o foco na ciecircncia trata dos temas com lin-guagem acessiacutevel e aspiraccedilatildeo holiacutestica isto eacute busca ligar fontes e muitas anaacutelises de especialistas em uma imagem coerente do ecossistema Amazocircnico

Suas linhas mestras satildeo o potencial climaacutetico da gran-de floresta ndash fator critico para todas sociedades huma-nas ndash sua destruiccedilatildeo com o desmatamento e o fogo e o que precisa ser feito para frear o trem desgovernado em que se transformaram os efeitos da ocupaccedilatildeo hu-mana sobre o clima em aacutereas de floresta

O tema eacute vasto Por isso eacute preciso trataacute-lo em certa se-quecircncia cronoloacutegica

1 O texto comeccedila pelo pano de fundo do fator cha-ve na histoacuteria geoloacutegica o tapete tecnoloacutegico1 da biodiversidade amazocircnica que levou dezenas de milhotildees de anos para formar sua capacidade fun-cional Os processos da vida que operam na flores-ta contecircm complexidade quase incompreensiacutevel com um nuacutemero astronocircmico de seres funcionan-do como engrenagens articuladas em uma feno-menal maacutequina de regulaccedilatildeo ambiental

2 A seguir o texto passa agrave descriccedilatildeo das capaci-dades da Amazocircnia no seu estado intocado o oceano-verde2 da floresta e sua relaccedilatildeo com o oceano gasoso da atmosfera com o qual troca ga-ses aacutegua e energia e com o oceano azul dos mares fonte primaacuteria e repositoacuterio final da aacutegua que irriga os continentes Desde Humboldt3 ateacute hoje a ciecircn-cia revelou importantes segredos acerca do poder da grande floresta sobre os elementos que fazem o clima Aqui exploramos cinco descobertas impor-tantes para a ecohidrologia Amazocircnica

Cinco segredos desvendados

O primeiro segredo eacute que a floresta manteacutem uacutemido o ar em movimento o que leva chuvas para aacutereas continente adentro distantes dos oceanos Isso se daacute pela capacidade inata das aacutervores de transferir grandes volumes de aacutegua do solo para a atmosfera atraveacutes da transpiraccedilatildeo

O segundo segredo eacute a formaccedilatildeo de chuvas abun-dantes em ar limpo As aacutervores emitem substacircncias volaacuteteis precursoras de sementes de condensaccedilatildeo do vapor drsquoaacutegua cuja eficiecircncia na nucleaccedilatildeo de nuvens resulta em chuvas fartas e benignas

O terceiro segredo eacute a sobrevivecircncia da flores-ta Amazocircnica a cataclismos climaacuteticos e sua

1

1 Por falta de melhor termo o uso metafoacuterico do conceito da tecnologia quer indicar uma dimensatildeo natural (natildeo humana) da incriacutevel complexidade e sofisticaccedilatildeo existente nos sistemas vivos que opera automa-ticamente em nanoescala (bilioneacutesimos de metro) de modo a criar e manter a habitabilidade e conforto ambiental Nas palavras de Arthur C Clark ldquoqualquer tecnologia suficientemente avanccedilada eacute indistinguiacutevel da magiardquo A tecnologia da natureza eacute inconcebivelmente avanccedilada2 Essa expressatildeo metafoacuterica oceano-verde descreve as caracteriacutesticas oceacircnicas desta extensatildeo continental coberta por densas florestas A importacircncia deste conceito novo e incomum reside na sua sugestatildeo de uma superfiacutecie florestal estendida abaixo da atmosfera cuja caracteriacutesticas de vastidatildeo humidade e trocas pelos ventos se assemelham agraves dos oceanos reais 3 Alexander von Humboldt influente cientista-naturalista alematildeo que explorou as Ameacutericas na virada do seacuteculo 18 para o seacuteculo 19 considerado o pai de ciecircncias como geografia fiacutesica meteorologia e ecologia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull Sumaacuterio Executivo

formidaacutevel competecircncia em sustentar um ciclo hi-droloacutegico beneacutefico mesmo em condiccedilotildees externas desfavoraacuteveis Segundo a nova teoria da bomba bioacutetica a transpiraccedilatildeo abundante das aacutervores casa-da com uma condensaccedilatildeo fortiacutessima na formaccedilatildeo das nuvens e chuvas ndash condensaccedilatildeo essa maior que aquela nos oceanos contiacuteguos ndash leva a um rebai-xamento da pressatildeo atmosfeacuterica sobre a floresta que suga o ar uacutemido sobre o oceano para dentro do continente mantendo as chuvas em quaisquer circunstacircncias

O quarto segredo indica a razatildeo de a porccedilatildeo me-ridional da Ameacuterica do Sul a leste dos Andes natildeo ser deseacutertica como aacutereas na mesma latitude a oes-te dos Andes e em outros continentes A floresta amazocircnica natildeo somente manteacutem o ar uacutemido para si mesma mas exporta rios aeacutereos de vapor que transportam a aacutegua para as chuvas fartas que irri-gam regiotildees distantes no veratildeo hemisfeacuterico

O quinto segredo desvendado eacute o motivo pelo qual a regiatildeo amazocircnica e oceanos proacuteximos natildeo fomen-tam a ocorrecircncia de fenocircmenos atmosfeacutericos como furacotildees e outros eventos climaacuteticos extremos A atenuaccedilatildeo da violecircncia atmosfeacuterica tem explica-ccedilatildeo no efeito dosador distribuidor e dissipador da energia nos ventos exercido pelo rugoso dossel florestal e da aceleraccedilatildeo lateral de larga escala dos ventos na baixa atmosfera promovida pela bomba bioacutetica o que impede a organizaccedilatildeo de furacotildees e similares A condensaccedilatildeo espacialmente uniforme

sobre o dossel florestal impede concentraccedilatildeo de energia dos ventos em voacutertices destrutivos en-quanto o esgotamento de humidade atmosfeacuterica pela remoccedilatildeo lateral de cima do oceano priva as tempestades do seu alimento energeacutetico (vapor de aacutegua) nas regiotildees oceacircnicas adjacentes a grandes florestas

Todos esses efeitos em conjunto fazem da majes-tosa floresta Amazocircnica a melhor e mais valiosa parceira de todas as atividades humanas que re-querem chuva na medida certa um clima ameno e proteccedilatildeo de eventos extremos

3 O relatoacuterio continua com a descriccedilatildeo dos efeitos do desmatamento e do fogo sobre o clima a devasta-ccedilatildeo da floresta oceano-verde gera um clima drama-ticamente inoacutespito Modelos climaacuteticos antecipa-ram haacute mais de 20 anos variados efeitos danosos do desmatamento sobre o clima jaacute confirmados por observaccedilotildees Entre eles estatildeo a reduccedilatildeo draacutes-tica da transpiraccedilatildeo a modificaccedilatildeo na dinacircmica de nuvens e chuvas e o prolongamento da estaccedilatildeo seca Outros efeitos natildeo previstos como o dano por fumaccedila e fuligem agrave dinacircmica de chuvas mesmo so-bre aacutereas de floresta natildeo perturbada tambeacutem es-tatildeo sendo observados

O dano do desmatamento assim como os danos do fogo da fumaccedila e da fuligem ao clima satildeo candentemente evidentes nas observaccedilotildees cienti-ficas de campo As anaacutelises baseadas em modelos

atualizados e em nova teoria fiacutesica projetam um futuro ainda pior Emerge como fator principal a afetar o clima a grave extensatildeo acumulada do des-matamento amazocircnico ateacute 2013 no Brasil em qua-se 763000 km2 (aacuterea equivalente a 184 milhotildees de campos de futebol ou trecircs estados de Satildeo Paulo) Tal superfiacutecie precisa ainda ser somada agrave fraccedilatildeo de impacto da extensatildeo acumulada da menos falada e menos estudada degradaccedilatildeo florestal (estimada em mais de 12 milhatildeo de km2)

4 O relatoacuterio prossegue relacionando os dois itens anteriores floresta oceano-verde e desmatamento no contexto temporal mais estendido o equiliacutebrio vegetaccedilatildeo-clima que balanccedila na beira do abis-mo Modelos climaacuteticos ligados interativamente a modelos de vegetaccedilatildeo exploram quais satildeo as ex-tensotildees de tipos de vegetaccedilatildeo e as condiccedilotildees cli-maacuteticas capazes de gerar estaacuteveis equiliacutebrios vege-taccedilatildeo-clima

Para a Amazocircnia esses modelos projetam a possi-bilidade de dois pontos possiacuteveis e alternativos de equiliacutebrio um que favorece a floresta (uacutemido atual para a bacia amazocircnica e histoacuterico) e outro que fa-vorece a savana (mais seco atual para o Cerrado futuro para a bacia amazocircnica)

O ponto preocupante desses exerciacutecios de modela-gem eacute a indicaccedilatildeo de que aproximadamente 40 de remoccedilatildeo da floresta oceano-verde poderaacute defla-grar a transiccedilatildeo de larga escala para o equiliacutebrio da

2O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull Sumaacuterio Executivo

savana liquidando com o tempo ateacute as florestas que natildeo tenham sido desmatadas O desmatamen-to por corte raso atual beira os 20 da cobertura original na Amazocircnia brasileira e a degradaccedilatildeo florestal estima-se jaacute teria perturbado a floresta remanescente em variados graus afetando adicio-nalmente mais de 20 da cobertura original

5 A seccedilatildeo final do relatoacuterio recomenda um plano de mitigaccedilatildeo baseado na reversatildeo radical tanto dos danos passados quanto a das expectativas de da-nos futuros um esforccedilo de guerra As florestas da Amazocircnia satildeo essenciais para a manutenccedilatildeo do cli-ma e com ele a seguranccedila das geraccedilotildees futuras Fe-lizmente os avanccedilos nas ciecircncias fazem desta guer-ra um desafio que pode ser bem sucedido

Apesar da dificuldade em separar precisamente os efeitos de fundo das mudanccedilas climaacuteticas glo-bais daquelas locais e regionais natildeo resta a menor duacutevida de que os impactos do desmatamento da degradaccedilatildeo florestal e dos efeitos associados jaacute afetam o clima proacuteximo e distante da Amazocircnia Jaacute afetam em alto grau hoje em dia e prometem afetar ainda mais seriamente no futuro a ponto de que a uacutenica opccedilatildeo responsaacutevel que se coloca eacute agir vigo-rosamente no combate agraves causas

Como primeira accedilatildeo impotildee-se a universalizaccedilatildeo e facilitaccedilatildeo de acesso agraves descobertas cientiacuteficas que podem reduzir a pressatildeo da principal causa do des-matamento a ignoracircncia

Em segundo lugar eacute preciso estancar a sangria da floresta ou seja zerar o desmatamento a degra-daccedilatildeo florestal e o fogo jaacute com todos e quaisquer recursos e meios eacuteticos possiacuteveis no interesse da vida Ao mesmo tempo em vista do diagnoacutestico de que desmatamento e degradaccedilatildeo acumulados constituem-se no mais grave fator de dano ao cli-ma torna-se necessaacuterio e inevitaacutevel desenvolver um amplo esforccedilo para replantar e restaurar a flo-resta destruiacuteda

Tal esforccedilo precisa ter perspectiva de meacutedio e longo prazos para culminar com a regeneraccedilatildeo da floresta oceano-verde original Diante disso as elites gover-nantes podem devem e precisam tomar a dianteira na orquestraccedilatildeo da grande mobilizaccedilatildeo de pessoas recursos e estrateacutegias que possibilitem recuperar o tempo perdido

Na conclusatildeo ao apontar para a urgecircncia de accedilotildees de proteccedilatildeo e restauro da grande floresta acena com oportunidades reais na viabilidade de trilhar-mos um novo caminho onde a floresta protegida e recomposta seja a principal aliada das atividades humanas dentro e fora da Amazocircnia

3O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull Sumaacuterio Executivo

Agradecimentos

Agradecimentos a todos que contribuiacuteram para o aporte de informaccedilatildeo qualificada a este relatoacuterio em especial para

Eneacuteas Salati no histoacuterico dos estudos isotoacutepicos Martin Hodnett Joseacute Marengo e Celso Randow nos nuacutemeros da eva-

potranspiraccedilatildeo Dioacutegenes Alves e Dalton Valeriano nos nuacutemeros do desmatamento Joseacute Marengo pelos alertas fo-

cados e muito uacuteteis Anita Drumond pelos caacutelculos sobre evaporaccedilatildeo no oceano Antonio Manzi que levantou ques-

totildees sobre a circulaccedilatildeo planetaacuteria Victor Gorshkov e Anastassia Makarieva que deram respostas a essas questotildees e

pelas correccedilotildees cruciais sobre a fiacutesica atmosfeacuterica Claudio Maretti por ajudar a colocar as questotildees de preservaccedilatildeo

em perspectiva Elisangela Broedel pela revisatildeo criacutetica dos nuacutemeros do desmatamento e da destruiccedilatildeo de aacutervores

Yosio Shimabukuro e Scott Saleska pelas informaccedilotildees relativas a aacuterea da Amazocircnia e densidade de arvores Gilvan

Sampaio pelas correccedilotildees no texto sobre modelos de equiliacutebrio vegetaccedilatildeo-clima Meirat Andreae e Steven Wofsy pelas

referencias e orientaccedilotildees sobre quiacutemica atmosfeacuterica German Poveda pelas referencias e conselhos referente agraves gelei-

ras dos Andes Suprabha Sechan por levantar as dificuldades relativas a tecnologia agraves excelentes criacuteticas e sugestotildees

feitas pelos comentadores e pelo puacuteblico na 3ordf reuniatildeo Pan-Amazocircnica da ARA em Lima agraves questotildees e reaccedilotildees do

puacuteblico no debate feito pela Nossa Satildeo Paulo e pelo Instituto Ethos sobre a crise da aacutegua na regiatildeo metropolitana de

Satildeo Paulo Seacutergio Guimaratildees Maacutercio Santilli Paulo Nobre Tasso Azevedo Adriana Cuartas Lou Gold Foster Brown

Claudio Maretti Victor Gorshkov Anastassia Makarieva Stephan Schwartzman e Robert Harriss pelas excelentes e

inspiradoras revisotildees Marcos Losekann e a Gerard e Margi Moss pelas perguntas instigantes que levaram a mais

aperfeiccediloamentos no texto Marcelo Leite pela soacutebria revisatildeo profissional e de alta qualidade essencial no ajuste e

melhoria do texto Jaime Gesisky e Moema Ungarelli pelo cuidado e rigor na revisatildeo final Felipe Horst pela bela dia-

gramaccedilatildeo Margi Moss pela revisatildeo estelar de estilo e fluencia agrave Articulacioacuten Regional Amazoacutenica pela encomenda

do estudo e agrave Secretaria Executiva da ARA em especial ao Seacutergio Guimaratildees e Claudio Oliveira pelo suporte e estiacutemu-

los constantes Agradecimentos especiais ao CCST do INPE e ao INPA pelo apoio institucional a Avina Fundo Vale e

Skoll Foundation pela parceria valiosa ao ISA Projeto Rios Voadores e WWF pelo suporte

Sumaacuterio

Introduccedilatildeo ndash A tecnologia da floresta eacute insubstituiacutevel 9

1) As florestas geram o clima amigo cinco segredos revelados 11

11) Reciclagem de umidade geisers da floresta 11

12) Nucleaccedilatildeo das nuvens o poacute de pirlimpimpim no oceano verde 14

13) Bomba bioacutetica de umidade doar aacutegua para receber chuva 15

14) Rios aeacutereos aacutegua fresca pelas arteacuterias suspensas 17

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos 19

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito sem aacutervores natildeo daacute para tapar o sol 20

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores 20

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo 22

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba 25

31) Ponto de natildeo retorno o passo em falso no abismo 25

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel 26

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou 28

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura 29

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca 30

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima 32

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder 32

52) Zerar o desmatamento para anteontem 32

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros 33

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas 33

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade 34

Conclusatildeo 36

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era 37

Referecircncias 38

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 9Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Com isso num primeiro momento o planeta se esfria o que faz as plantas crescerem menos consumindo menos CO2 No momento seguinte a acumulaccedilatildeo de CO2 leva ao aquecimento do planeta e assim suces-sivamente num ciclo oscilante de regulaccedilatildeo5 Desta forma as plantas funcionam como um termostato que responde agraves flutuaccedilotildees de temperatura atraveacutes do ajuste da concentraccedilatildeo do principal gaacutes-estufa na atmosfera depois do vapor drsquoaacutegua Mas esta regula-ccedilatildeo da temperatura via consumo mediado do CO2 eacute apenas um entre muitos mecanismos da vida que re-sultam na regulaccedilatildeo favoraacutevel do ambiente

Como se veraacute neste trabalho as florestas tropicais satildeo muito mais que uma aglomeraccedilatildeo de aacutervores reposi-toacuterio passivo de biodiversidade ou simples estoque de carbono Sua tecnologia viva e dinacircmica de interaccedilatildeo com o ambiente lhes confere poder sobre os elemen-tos uma capacidade inata e resiliente de condiciona-mento climaacutetico Assim as florestas condicionam o cli-ma que lhes favoreccedila e com isso geram estabilidade e conforto cujo abrigo daacute suporte ao florescimento de sociedades humanas

A Ameacuterica do Sul eacute um continente privilegiado pela extensiva presenccedila de florestas megabiodiversas Natildeo por acaso esse continente teve e ainda tem um dos climas mais favoraacuteveis em comparaccedilatildeo com qualquer outro Contudo ao longo de 500 anos a maior par-te da vegetaccedilatildeo nativa fora da bacia amazocircnica foi

IntroduccedilatildeoA tecnologia da floresta eacute insubstituiacutevel

Numa definiccedilatildeo solta a floresta tropical eacute um tapete multicolorido estruturado e vivo extremamente rico Uma colocircnia extravagante de organismos que saiacuteram do oceano haacute 400 milhotildees de anos e vieram para a ter-ra Dentro das folhas ainda existem condiccedilotildees seme-lhantes agraves da primordial vida marinha Funciona assim como um mar suspenso que conteacutem uma miriacuteade de ceacutelulas vivas muito elaborado e adaptado Evoluiacuteda nos uacuteltimos 50 milhotildees de anos a floresta amazocircnica eacute o maior parque tecnoloacutegico que a Terra jaacute conheceu porque cada organismo seu entre trilhotildees eacute uma ma-ravilha de miniaturizaccedilatildeo e automaccedilatildeo Em tempera-tura ambiente usando mecanismos bioquiacutemicos de complexidade quase inacessiacutevel a vida processa aacuteto-mos e moleacuteculas determinando e regulando fluxos de substacircncias e de energia

As florestas condicionam o clima que lhes favoreccedila e com isso geram estabilidade e conforto sob cujo abrigo flo-rescem sociedades humanas

O conforto climaacutetico que apreciamos na Terra desco-nhecido em outros corpos siderais pode ser atribuiacutedo em grande medida ndash aleacutem

de muitas outras competecircncias ndash agrave colocircnia de seres vivos que tecircm a capacidade de fazer fotossiacutentese O gaacutes carbocircnico (CO2) funciona como alimento para a planta mateacuteria-prima transformada pelo instrumental bioquiacutemico com o uso de luz e aacutegua em madeira fo-lhas frutos raiacutezes4 De forma encadeada quando as plantas consomem CO2 a concentraccedilatildeo desse gaacutes na atmosfera diminui

4 Animaccedilotildees em biologia molecular httpwwwjohnkyrkcomindexpthtml5 Biotic Regulation of the Environment httpwwwbioticregulationru

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 10Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aniquilada como a Mata Atlacircntica que perdeu mais de 90 da sua cobertura original O efeito desse des-matamento histoacuterico no clima embora perceptiacutevel foi menos notado do que seria de se esperar e a razatildeo foi a costa quente (e uacutemida) da floresta amazocircnica que manteve o continente razoavelmente protegido de extremos com um clima ameno Mas nos uacuteltimos 40 anos a uacuteltima grande floresta a cabeceira das aacuteguas atmosfeacutericas da maior parte do continente esteve sob o ataque implacaacutevel do desmatamento Coincidente-mente aumentaram as perdas com desastres naturais ligados a anomalias climaacuteticas tanto por excessos (de chuva calor e ventos) quanto por falta (secas)6

As regiotildees andinas e mesmo da costa do Paciacutefico que dependem das geleiras para seu abastecimento de aacutegua poderatildeo em futuro proacuteximo ver-se ameaccediladas pois o derretimento acelerado pelo aquecimento cli-maacutetico jaacute estaacute em andamento e tambeacutem porque qua-se toda a precipitaccedilatildeo nas altas montanhas que su-prem as geleiras ano a ano tem sua mateacuteria-prima no vapor procedente da floresta amazocircnica7 A leste dos Andes a escala da dependecircncia no ciclo hidroloacutegico amazocircnico eacute incomensuravelmente maior

As regiotildees de savana na parte meridional onde haacute hoje um dos maiores cinturotildees de produccedilatildeo de gratildeos e ou-tros bens agriacutecolas tambeacutem recebe da floresta amazocirc-nica vapor formador de chuvas reguladas e benignas o principal insumo da agricultura Natildeo fosse tambeacutem

a liacutengua de vapor que no veratildeo hemisfeacuterico pulsa da Amazocircnia para longe levando chuvas essenciais8 e ou-tras influencias beneacuteficas muito provavelmente teriam clima inoacutespito as regiotildees Sudeste e Sul do Brasil (onde hoje se encontra sua maior infraestrutura produtiva na-cional) e outras aacutereas como o Pantanal e o Chaco as regiotildees agriacutecolas na Boliacutevia Paraguai e Argentina

Este trabalho mostraraacute primeiro o que sabemos sobre como a floresta amazocircnica funciona e manteacutem sua ca-pacidade de existir e persistir por eras geoloacutegicas De-pois exibiraacute o efeito sobre o clima que a destruiccedilatildeo do sistema natural jaacute estaacute gerando e as previsotildees sobre o que ainda pode gerar Por fim exploraraacute as ameaccedilas ao equiliacutebrio climaacutetico que as alteraccedilotildees em curso po-dem disparar analisando sob alguns acircngulos os riscos climaacuteticos agrave espreita

6 (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Marengo et al 2011) Extreme climatic events in the Amazon basin7 (Rabatel et al 2012) Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change8 (Willmot amp Webber 1998) South American Climate Data httpclimategeogudeledu~climate

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 11Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Buscando esclarecer misteacuterios o trabalho dos cientis-tas natildeo difere muito da investigaccedilatildeo de um detetive Exploram pistas analisam evidecircncias desenvolvem teorias constroem modelos Nas deduccedilotildees eletrizan-tes de Sherlock Holmes os casos mais intrincados cul-minavam com soluccedilotildees elementares A realidade do mundo natural mostra-se rica e complexa repleta de misteacuterios e segredos Mas o meacutetodo cientifico tem-perado pelo fasciacutenio e humanizado pela curiosidade infantil abre portais de acesso agrave compreensatildeo dos fe-nocircmenos mais misteriosos que nos afetam

Tais fenocircmenos ao serem clarificados e elevados agrave sua expressatildeo mais simples democratizam o conhecimen-to da ciecircncia ensejando o desenvolvimento de uma nova e estimulante consciecircncia compartilhada sobre o mundo que habitamos Existem ainda muitos segre-dos sobre o funcionamento das florestas bem guarda-dos na natureza Olhemos aqui para apenas cinco de-les revelados nas uacuteltimas deacutecadas segredos que satildeo cruciais para o entendimento das funccedilotildees das florestas no condicionamento do clima

No afatilde de modelar com o uso de computadores os fluxos colossais de massa e energia para simular o clima os me-teorologistas inicialmente prestaram pouca atenccedilatildeo na cobertura de vegetaccedilatildeo Essa abordagem mudou radi-calmente Por um nuacutemero grande e crescente de evidecircn-cias hoje se sabe do papel vital exercido pela vegetaccedilatildeo em muitos processos do clima E praticamente todos os

1) As florestas geram o clima amigo cinco segredos revelados

modelos do clima assim como os mais complexos modelos do sistema terrestre passaram a incluir representaccedilotildees elabora-das da vegetaccedilatildeo As descober-

tas cientiacuteficas sobre o papel determinante das florestas nos ciclos local regional e planetaacuterio de aacutegua energia carbono e outros valem para todas as florestas naturais do globo Mas aqui vamos focalizar mais as florestas tro-picais da Ameacuterica do Sul especialmente a Amazocircnia

Todos os estudos de modelagem climaacutetica consideram a bacia amazocircnica inteira Mas por haver mais dados disponiacuteveis eacute na Amazocircnia brasileira9 que se realizou a maioria dos outros trabalhos cientiacuteficos como o moni-toramento do desmatamento Natildeo obstante dada a im-portacircncia da bacia amazocircnica como um todo a chama-da Pan-Amazocircnia e tambeacutem porque a atmosfera e os rios natildeo se importam com limites poliacuteticos no futuro as observaccedilotildees mapeamentos e anaacutelises precisaratildeo rom-per as fronteiras nacionais a exemplo do que jaacute fazem projetos como a RAISG com levantamento extensivo e integrado das pressotildees humanas sobre a Amazocircnia10

11) Reciclagem de umidade geisers da floresta

Trezentos anos apoacutes a invasatildeo europeia nas Ameacutericas11 a aura de Jardim do Eacuteden nas selvas tropicais jaacute decaiacutea de seu apelo romacircntico possivelmente pela tromba-da dos cobiccedilosos conquistadores espanhoacuteis com o

9 Definida dentro do que durante a ditadura brasileira (1964-1985) foi definida por decreto como Amazocircnia Legal10 RAISG Red Amazoacutenica de Informacioacuten Socioambietal Georreferenciada Amazocircnia sob pressatildeo11 (Gambini 2000) Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira

Por um nuacutemero grande e crescente de evidecircncias sabe-se hoje do papel vital exercido pela vegetaccedilatildeo em muitos processos do clima

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 12Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

inferno verde aquele labirinto infindaacutevel monoacutetono e perigoso que passou a inspirar mais medo e desespero do que fascinaccedilatildeo O seacuteculo 19 com seus naturalistas cientiacuteficos vecirc reacender a fascinaccedilatildeo mas agora tingi-da por um apelo racional Alexander von Humboldt o aclamado e influente cientista-naturalista alematildeo que explorou as Ameacutericas na virada do seacuteculo 18 para 19 eacute considerado o pai de ciecircncias como geografia fiacutesica meteorologia e ecologia Ele empregou o termo hileia [do grego floresta selvagem] para a Amazocircnia e com a riqueza e encantamento das suas descriccedilotildees minu-ciosas inspirou geraccedilotildees de naturalistas Darwin entre eles De Humboldt vecircm as primeiras sugestotildees da liga-ccedilatildeo entre a floresta a umidade do ar e o clima

Poreacutem no iniacutecio do seacuteculo 20 o poliacutemata autor pro-liacutefico e militar Euclides da Cunha rompe o encanta-mento do naturalismo cientiacutefico com suas descriccedilotildees desapontadas da hileia Seu disciacutepulo Alberto Rangel que como o mestre tambeacutem se sensibilizara com a miseacuteria dos seringueiros e as agruras da vida na selva

ressuscita na obra Inferno Verde a perspectiva de dana-ccedilatildeo dos invasores espanhoacuteis e desmonta de vez a ima-gem de paraiacuteso verde O voluntarismo verbal contra o habitat selvagem lastreado pela admitida ignoracircncia desses autores quanto ao valor intriacutenseco da floresta em compasso com a falecircncia do fausto da borracha muito provavelmente deixou sua heranccedila de valores a influenciar coraccedilotildees e mentes

Quanto do subsequente iacutempeto para a ldquoocupaccedilatildeordquo da Amazocircnia com a radical supressatildeo da mata natildeo teve raiacutezes aiacute Euclides da Cunha prefaciando o livro do dis-ciacutepulo nega valor para a abordagem holiacutestica de Hum-boldt (ldquoa epistemologia da lsquociecircncia amazocircnicarsquo floresce-raacute se se preocupar menos em revelar a hileia por inteirordquo sic) e antecipa a demanda reducionista que viria12

A reciclagem de umidade da chuva pela evaporaccedilatildeo da flores-ta manteacutem o ar uacutemido por mais de 3 mil km continente adentro

Tardios foram os estudos que finalmente comeccedila-ram a revelar os segredos da grande floresta Bus-

cando testar caacutelculos preliminares de balanccedilo hiacutedrico para a Amazocircnia13 que indicavam reciclagem impor-tante da aacutegua Eneacuteas Salati liderou nos anos 1970 estu-dos observacionais de chuva e evaporaccedilatildeo que de-monstraram inequivocamente como atraveacutes da reciclagem de umidade a floresta manteacutem o ar uacutemido por mais de 3000 km continente adentro14

Mas ainda faltavam muitas outras explicaccedilotildees sobre onde quanto como por que e com que implicaccedilotildees Adotando sem saber a sugestatildeo reducionista de Eucli-des da Cunha nas trecircs deacutecadas seguintes aos estudos de Salati mais de duas duacutezias de grandes projetos de investigaccedilatildeo15 congregando centenas de cientistas e usando muitos laboratoacuterios instrumentos sofistica-dos torres aviotildees barcos sateacutelites supercomputado-res e o que mais haacute de ferramenta cientiacutefica produzi-ram milhares de artigos dezenas de livros e bancos de dados alentados a maioria informaccedilatildeo de difiacutecil inter-pretaccedilatildeo isolada

Diz-se que o cientista de hoje eacute aquele que estuda cada vez mais sobre cada vez menos ateacute que conhece tudo sobre o nada Como eacute irocircnico que 200 anos depois a forma mais produtiva de extrair sentido da enormi-dade dessas pesquisas pontuais seja justamente reto-mar a abordagem holiacutestica de Humboldt articulando a riqueza de dados soltos e construindo uma narrativa integrada e funcional a respeito da concentraccedilatildeo fe-nomenal de vida e seu poder sobre os elementos nas florestas da Amazocircnia

Vejamos como podemos captar aspectos espetacu-lares do funcionamento da floresta acompanhando a narrativa do percurso da aacutegua da atmosfera pela inti-midade das plantas e de volta para a atmosfera

Transpiraccedilatildeo plantas natildeo usam desodorante

As plantas suam A aacutegua ao evaporar resfria a folha e o ambiente Mas a transpiraccedilatildeo nas plantas eacute muito mais importante que isso A transpiraccedilatildeo promove a succcedilatildeo pelas raiacutezes e o fluxo ao longo do tronco ateacute as folhas da aacutegua do solo que carrega consigo nutrientes permite que a folha abra seus microportais para a atmosfera (estocircmatos) por onde sai o vapor mas tambeacutem por onde entra o adubo gasoso mais essencial o CO2 E os odores produzidos pelas plantas os gases orgacircnicos que desempenham muitos papeacuteis no funcionamento da atmosfera e das chuvas saem junto com a aacutegua transpirada Portanto sem transpirar a planta deixaria de regular seu proacuteprio bem-estar cessaria de controlar o ambiente e acabaria morrendo por falta de nutrientes dentre eles o CO2 e excesso de temperatura

12 Rafael Leandro assim reflete a expressatildeo de Euclides da Cunha naquele prefaacutecio ldquoa enormidade da floresta soacute pode ser medida se repartidahellip somente num futuro tardio se conheceraacute os segredos da Natureza [] A definiccedilatildeo dos uacuteltimos aspectos da Amazocircnia seraacute o fecho de toda a Histoacuteria Naturalrdquo (Leandro 2009) Inferno Verde Representaccedilatildeo Literaacuteria da Amazocircnia na Obra de Alberto Rangel

13 (Molion 1975) A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects (Villa Nova et al 1976) Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica (Marques et al 1977) Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus

14 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study15 Projetos de pesquisa na Amazocircnia ARME NASA-GTE ABLE ABRACOS TRACE-A RBLE CAMREX INPA-Max Planck INPA-ORSTOM PDBFF PELD LBA LBA-EUSTACH LBA-CARBONSINK LBA-CLAIRE LBA-ECO

LBA-Barca LBA-DMIP GEWEX ISLSCP GEOMA PPBio Rainfor AmazonFlux AMAZE Amazon Pire Amazalert AMAZONICA Changing Amazocircnia ATTO ACRIDICON-CHUVA GreenOceanAmazon etc Apenas no acircmbito do grande projeto LBA foram desenvolvidos 217 subprojetos de pesquisa em 16 anos de operaccedilatildeo

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 13Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Depois que as nuvens precipitam seu precioso liacutequido sobre a floresta grande parte da aacutegua se esgueira por entre o dossel e infiltra-se pelo permeaacutevel solo flores-tal onde eacute armazenada no pacote poroso do solo ou mais abaixo em aquiacuteferos gigantescos verdadeiros oceanos subterracircneos de aacutegua doce

A aacutegua do solo comeccedila seu retorno para a atmosfe-ra absorvida por profundos e sofisticados sugadores as raiacutezes depois sobe desafiando a forccedila da gravidade por 40 a 60 m ou mais em elaboradas tubulaccedilotildees no xilema dos troncos Sua uacuteltima etapa passa pelas es-truturas laminares evaporadoras das folhas versaacuteteis paineacuteis solares quiacutemicos capazes de absorver a ener-gia do sol e aproveitar a cariacutecia dos ventos para trans-pirar e transferir copiosos volumes de aacutegua vaporosa para a atmosfera completando assim o retorno do ci-clo vertical iniciado com a chuva

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpirar mais de mil litros de aacutegua num uacutenico dia

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpi-rar mais de mil litros de

aacutegua num uacutenico dia16 A Amazocircnia sustenta centenas de bilhotildees de aacutervores em suas florestas Vinte bilhotildees de to-neladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica17 Em seu conjunto as aacutervo-res essas benevolentes e silenciosas estruturas verdes vivas da natureza similares a geisers jorram para o ar um rio vertical de vapor mais importante que o Amazonas18

Geiser de vapor maior que o rio Amazonas

Buscando quantificar de modo simples a transpiraccedilatildeo massiva da flores-ta sugerida pelos estudos de Salati e outros fizemos juntamente com Adriana Cuartas em 2007 um caacutelculo revelador Usando os dados de evaporaccedilatildeo coletados nas torres de fluxo do projeto LBA (36 mm ao dia ou 36 litros por m2 em meacutedia) estimamos a quantidade total diaacuteria de aacutegua fluindo do solo para a atmosfera atraveacutes das aacutervores Cobrindo 55 milhotildees de km2 o caacutelculo para a floresta na bacia amazocircnica resultou no fantaacutestico nuacutemero de 20 bilhotildees de toneladas de aacutegua transpirada ao dia (ou 20 trilhotildees de litros) Mais de 22 bilhotildees se considerarmos todas as florestas da porccedilatildeo equatorial da Ameacuterica do Sul e 25 bilhotildees ou mais se considerarmos as florestas que existiam no seu estado pristino em 150017 Para comparaccedilatildeo o volume despejado no oceano Atlacircntico pelo rio Amazonas eacute pouco mais de 17 bilhotildees de toneladas ao dia18

Como em um edifiacutecio com muitos pisos um me-tro quadrado de chatildeo na

Amazocircnia pode ter sobre si ateacute 10 m2 de intrincada su-perfiacutecie foliar distribuiacuteda em diferentes niacuteveis no dossel Nisso reside a explicaccedilatildeo para o fato de uma superfiacutecie terrestre florestada poder evaporar tanto quanto ou ateacute mais aacutegua que a superfiacutecie liacutequida de um oceano ou um lago na qual 1 m2 de superfiacutecie evaporadora coincide com apenas o mesmo 1 m2 da superfiacutecie geomeacutetrica

Corroborando esses fatos fantaacutesticos um estudo pu-blicado recentemente no perioacutedico cientiacutefico Nature18 fez avanccedilar o ciclo de descobertas sobre a importacircn-cia extraordinaacuteria da vegetaccedilatildeo global no processo de transferecircncia de aacutegua para a atmosfera quase 90

16 Aacuterea da copa com raio de 10 m 3242 m2 x 36 litrosm2 = 11311 litros transpirados em um dia17 Aacuterea recente com floresta na bacia hidrograacutefica do rio Amazonas - 55 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 198 x 1012 litros (~20 x 109 toneladas) Aacuterea com floresta em toda Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for

defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas = 6280468 km2 ou 6 280468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 226096848 x 1012 litros (2261 x 109 toneladas)e projetada para a aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 - ou 6943468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 25 x 1012 litros (25 x 109 toneladas)

18 vazatildeo do rio Amazonas na foz de 2 x 105 m3segundo x 86400 segundos = 1728 x 109 m3dia19 (Jasechko et al 2013) Terrestrial water fluxes dominated by transpiration

20 bilhotildees de toneladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 14Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

parte do oceano azul ten-de agrave aridez com pouquiacutes-simas chuvas enquanto

no oceano verde as chuvas eram torrenciais e constan-tes Tanto que antes do avanccedilo do desmatamento di-zia-se haver ali apenas duas estaccedilotildees a uacutemida e a mais uacutemida Agora surgiu uma estaccedilatildeo seca pronunciada e a duraccedilatildeo da estaccedilatildeo uacutemida diminui progressivamente22

Nuvens satildeo aglomerados de pequenas gotiacuteculas em suspensatildeo no ar Gotas visiacuteveis se condensam a partir do vapor que eacute invisiacutevel pelo efeito da baixa tempera-tura Mas somente temperatura natildeo inicia o processo de condensaccedilatildeo Eacute preciso haver tambeacutem uma super-fiacutecie soacutelida ou liacutequida que funcione como ldquosementerdquo para que se inicie a deposiccedilatildeo das moleacuteculas de va-por Essas sementes ou nuacutecleos de condensaccedilatildeo satildeo em geral aerossoacuteis atmosfeacutericos partiacuteculas de poeira gratildeos de poacutelen ou de sal fuligem e muitos outros

Mas na atmosfera sobre a floresta oceano-verde os aeros-soacuteis satildeo encontrados em baixas concentraccedilotildees como no azul Se a limpeza do ar pode ser creditada por um lado ao efeito de tapete verde uacutemido da floresta segurando a poeira embaixo e por outro agrave lavagem do ar pelas chu-vas constantes como explicar a formaccedilatildeo de chuvas tatildeo abundantes sem as sementes usuais para nucleaccedilatildeo

Estudando as trocas de gaacutes carbocircnico atraveacutes de torres de fluxo cientistas brasileiros do INPA e da USP e eu-ropeus da Holanda Alemanha e Itaacutelia colaboraram no

de toda a aacutegua que chega agrave atmosfera oriunda dos con-tinentes chegou laacute atraveacutes da transpiraccedilatildeo das plantas

e somente pouco mais de 10 como simples evapo-raccedilatildeo sem mediaccedilatildeo das plantas Como essa transfe-recircncia por transpiraccedilatildeo se daacute com grande absorccedilatildeo de calor na superfiacutecie as antes insuspeitas plantas inter-ferem ndash e muito ndash com a chuva os ventos e o clima

Todo esse movimento de aacutegua custa energia Olhemos para um paralelo proacuteximo Para gerar a eletricidade de que tanto se necessita fala-se muito em aproveitar a energia das aacuteguas na Amazocircnia Ora a energia hidraacuteu-lica de queda nos rios somente existe porque a aacutegua foi elevada e transportada pela atmosfera para suas altas cabeceiras A transpiraccedilatildeo das aacutervores como elo vital no ciclo das aacuteguas absorve a energia solar no bombeamento da aacutegua do solo e na sua transpiraccedilatildeo Assim as aacutervores funcionam como estaccedilotildees elevatoacute-rias alccedilando e lanccedilando as aacuteguas nas altitudes da at-mosfera aacuteguas que mais adiante retornaratildeo ao solo como chuva transferindo parte da energia solar em-butida no vapor agrave energia potencial da aacutegua que en-che os reservatoacuterios das hidreleacutetricas

12) Nucleaccedilatildeo das nuvens o poacute de pirlimpimpim no oceano verde

Retornar volumes colossais de vapor de aacutegua para a at-mosfera eacute somente a primeira parte da receita para ter

Potecircncia climaacutetica da floresta

Quanta energia do Sol eacute consumida para evaporar 20 trilhotildees de litros de aacutegua ao dia Para dar uma noccedilatildeo da grandeza de energia envolvida na transpiraccedilatildeo amazocircnica basta fazer uma comparaccedilatildeo com as hidreleacutetri-cas Evaporar um grama de aacutegua liacutequida consome 23 kilojoules de ener-gia solar Para converter isso em energia hidraacuteulicaeleacutetrica imagine uma chaleira gigante que comporte esse volume drsquoaacutegua daquelas que se liga na tomada eleacutetrica Quanta eletricidade seria necessaacuteria para ferver e eva-porar toda essa aacutegua A usina de Itaipu com 14 mil megawatts de potecircn-cia precisaria gerar eletricidade em sua capacidade maacutexima por 145 anos para que a chaleira evaporasse a aacutegua equivalente agravequela transpirada em apenas um dia amazocircnico Ou para rivalizar com as aacutervores amazocircnicas e fazer o trabalho em um dia seria preciso somar a eletricidade de 50 mil usinas hidreleacutetricas como Itaipu (ou 200 mil como Belo Monte) Esta comparaccedilatildeo deixa claro que diante da potecircncia climaacutetica da floresta as maiores estruturas humanas se mostram microscoacutepicas

e manter chuvas copiosas e benignas Em 1999 um dos primeiros estudos utilizando aviotildees e observaccedilotildees do sateacutelite TRMM20 feitos no projeto LBA constatou que na Amazocircnia o ar na baixa atmosfera (troposfera) eacute tatildeo lim-po de poeira quanto o ar sobre o oceano onde as fontes de poeira satildeo muito reduzidas e que as nuvens tiacutepicas na Amazocircnia se pareciam muito com as nuvens mariacutetimas Essa inusitada semelhanccedila inspirou aqueles pesquisa-dores a batizar a Amazocircnia de ldquooceano verderdquo21 Esse ter-mo descreve as caracteriacutesticas oceacircnicas desta extensatildeo continental coberta por densas florestas A importacircncia deste conceito novo e incomum reside na sua sugestatildeo de uma superfiacutecie florestal estendida abaixo da atmos-fera cuja caracteriacutesticas de vastidatildeo humidade e trocas pelos ventos se assemelham agraves dos oceanos reais

Mas havia na semelhanccedila um misteacuterio pois a maior

Na transpiraccedilatildeo as plantas transferem para a atmosfera 90 de toda a aacutegua eva-porada nos continentes

20 httptrmmgsfcnasagov21 (Williams et al 2002) Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification22 (Marengo 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region

Oceano verde a atmosfera ama-zocircnica possui o ar limpo como a atmosfera do oceano azul

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 15Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ar a chuva natildeo os lava Soacute quando oxidam-se e precipi-tam-se como aerossoacuteis formando as chuvas eacute que satildeo lavados Mas sempre haacute mais BVOCs esperando para formar mais poacute de pirlimpimpim para a proacutexima chuva

Aleacutem da promoccedilatildeo de chuvas volumosas e gentis outros mecanismos bioquiacutemicos anaacutelogos aos que produzem os aromas atuam como ldquovassourinhas quiacute-micasrdquo da atmosfera Nas condiccedilotildees amazocircnicas po-luentes perigosos (como o ozocircnio) satildeo removidos do ar Nos anos 1980 nos primeiros estudos de quiacutemica da atmosfera empregando aviotildees instrumentados constatou-se que o ar na baixa atmosfera amazocircnica continha menos ozocircnio (portanto era mais saudaacutevel) que o ar das regiotildees mais remotas da Terra (como a Antaacutertida) Nas deacutecadas subsequentes outros projetos de investigaccedilatildeo indicaram o efeito das aacutervores na lim-peza do ar25 Desses e de outros estudos em desenvol-vimento pode-se sugerir que as plantas amazocircnicas usam algum tipo de vitamina C como um antioxidan-te capaz de remover do ar gases danosos para a vida

13) Bomba bioacutetica de umidade doar aacutegua para receber chuva

Por volta de 2005 no pico da mais poderosa seca a atingir a Amazocircnia ateacute aquele momento atuamos na integra-ccedilatildeo dos primeiros seis anos de dados do projeto LBA26 Depois de analisar em vaacuterios estudos as evidecircncias das

projeto LBA para investigar tambeacutem as trocas de outros gases produzidos pelas plantas contendo carbono para verificar se constituiacuteam parte importante dessas trocas Esses outros gases satildeo os aromas da floresta tambeacutem chamados de compostos orgacircnicos volaacuteteis biogecircni-cos (BVOCs23) Como um vidro de perfume aberto per-de seu liacutequido por evaporaccedilatildeo e o gaacutes-perfume difun-de-se pelo ambiente uma variedade de substacircncias orgacircnicas evapora nas folhas e ganha a atmosfera

Quando no ar uacutemido e com a luz do Sol os aromas das plantas formam uma poeira finiacutessima com afinidade pela aacutegua Satildeo os nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens

Em termos de massa as quantidades de carbono perdidas para a atmosfera por esses gases orgacircnicos satildeo pequenas Contudo um grupo liderado por Meinrat

Andreae do Instituto Max Planck que estuda a quiacutemica dos gases na atmosfera investigou o que acontecia com esses aromas quando misturados ao ar amazocircnico e desvendou o misteacuterio da nucleaccedilatildeo das nuvens24 Os BVOCs (como isopreno terpenos etc) numa atmosfera uacutemida e na presenccedila da radiaccedilatildeo solar oxidam-se e pre-cipitam-se formando uma poeira finiacutessima com afinida-de pela aacutegua (higroscoacutepica) gerando eficientes nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens Poeticamente falando esse eacute o poacute de pirlimpimpim que surge magicamente no ar carregado de vapor e provoca as chuvas a cacircntaros das nuvens baixas os regadores do Jardim do Eacuteden En-quanto os BVOCs estatildeo na forma de gaacutes dissolvidos no

23 Do inglecircs Biogenic Volatile Organic Carbon satildeo compostos biogecircnicos porque satildeo sintetizados pelos organismos vivos como os odores das plantas Existem outros compostos orgacircnicos volaacuteteis natildeo biogecircni-cos chamados simplesmente de VOCs como o solvente de uma tinta por exemplo

24 (Poumlschl et al 2010) Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon (Clayes et al 2004) Formation of secondary organic aerosols through photooxidation of isoprene Release Astonishing Discovery over the Amazonian Rain Forest

25 Por exemplo (Rummel et al 2007) Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia26 (Nobre 2005) Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 16Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

observaccedilotildees e os resultados de modelos ponderei so-bre a pergunta em voga agrave eacutepoca com o aquecimento global iraacute a floresta uacutemida na Amazocircnia secar e morrer

Ao longo de milhares27 ou provavelmente milhotildees de anos28 a floresta tropical da Ameacuterica do Sul evoluiu sua biota luxuriante sem sinais de ter sido desligada por even-tos climaacuteticos extremos como aridez ou congelamento No mesmo espaccedilo de tempo no entanto eacute improvaacutevel que o impacto do clima externo ao continente tenha permanecido benigno especialmente considerando as interferecircncias coacutesmicas e sua conhecida relaccedilatildeo com mudanccedilas climaacuteticas profundas em escala planetaacuteria29

Em face da adversidade climaacutetica externa como este magniacutefico bioma conseguiu resistir agrave extinccedilatildeo Hoje haacute linhas suficientes de evidecircncias de que a biosfera natildeo soacute pode resistir mas na verdade pode alterar modular e ateacute regular seu proacuteprio ambiente30

As florestas tropicais da Ameacute-rica do Sul estatildeo entre os mais densos diversos e complexos biomas terrestres no planeta Do mecanismo de chuvas no oceano verde pode-se ima-ginar como essas florestas

Amazocircnia coraccedilatildeo do mundo

Como podemos entender a circulaccedilatildeo da aacutegua pela paisagem A aacutegua irriga e drena os solos de forma anaacuteloga ao sangue que irriga e drena os tecidos do corpo Se os familiares rios satildeo anaacutelogos agraves veias que dre-nam a aacutegua usada e a retornam para a origem no oceano onde ficam as arteacuterias do sistema natural Satildeo os rios aeacutereos que trazem a aacutegua fresca renovada na evaporaccedilatildeo do oceano Para completar o sistema circulatoacuterio faltava somente o coraccedilatildeo a bomba que impulsiona os fluxos nas arteacuterias aeacutereas A teoria da bomba bioacutetica veio explicar que a potecircncia que propele os ventos canalizados nos rios aeacutereos deve ser atribuiacuteda agrave grande floresta que funciona entatildeo como coraccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico

poderiam regular o clima Controlar a precipitaccedilatildeo signi-fica tambeacutem controlar a convecccedilatildeo o que por sua vez significa interferir com uma poderosa correia transporta-dora de massa e energia a circulaccedilatildeo de Hadley31 Atra-veacutes da regulaccedilatildeo de chuvas a biologia poderia definir o ritmo dos ventos aliacutesios do Atlacircntico arrastando a neces-saacuteria umidade do oceano para o interior do continente

Na mesma eacutepoca Victor Gorshkov e Anastassia Maka-rieva aprofundando sua teoria sobre a regulaccedilatildeo bioacute-tica do ambiente32 examinavam os mecanismos que ligam a transpiraccedilatildeo das plantas com efeitos fiacutesicos na atmosfera Das surpreendentes descobertas desta anaacutelise eles desenvolveram a teoria da bomba bioacutetica de umidade33 revelando fisicamente como processos de transpiraccedilatildeo e condensaccedilatildeo mediados e manipula-dos pelas aacutervores mudam a pressatildeo e dinacircmica atmos-feacutericas resultando em maior suprimento de umidade do oceano para o interior de continentes florestados

Makarieva e colaboradores descobriram que a conden-saccedilatildeo do vapor drsquoaacutegua na atmosfera gera uma reduccedilatildeo localizada de pressatildeo e produz potencia dinacircmica que acelera os ventos ao longo do resultante gradiente de pressatildeo 34 O ponto crucial da teoria eacute que contrastes na evaporaccedilatildeo da superfiacutecie ndash casada com a determinante condensaccedilatildeo nas nuvens ndash muito mais que contrastes

na temperatura de superfiacutecie determinam a direccedilatildeo e a intensidade dos ventos trazedores de chuva

Assim uma regiatildeo florestada que evapora tanta ou mais aacutegua que uma superfiacutecie oceacircnica contiacutegua ndash e que teraacute muito mais condensaccedilatildeo na produccedilatildeo de chu-vas ndash iraacute sugar do mar para a terra as correntezas de ar carregadas de umidade onde ascenderatildeo o que traraacute chuvas para a aacuterea florestada Ao contraacuterio se a floresta for removida o continente teraacute muito menos evapora-ccedilatildeo do que o oceano contiacuteguo ndash com a consequente reduccedilatildeo na condensaccedilatildeo ndash o que determinaraacute uma re-versatildeo nos fluxos de umidade que iratildeo da terra para o mar 35 criando um deserto onde antes havia floresta

Entre as previsotildees baseadas na teoria da bomba bioacute-tica feitas por Makarieva e Gorshkov estava a de que as secas nas florestas nativas seriam contrapostas por transpiraccedilatildeo vigorosa das aacutervores Ora essa previsatildeo contrariava o senso comum pois qualquer pessoa sabe que basta deixar um vaso com plantas sem re-gar por alguns dias para que as plantas murchem e

27 (Baker et al 2001) The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years28 (Hooghiemstra et al 2002) Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary29 (Berger and Yin 2012) Astronomical Theory and Orbital Forcing30 (Foley and Costa 2003) Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate (Gorshkov et al 2004) Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction

(Pielke and Avissar 1998) Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate31 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena32 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change33 (Makarieva and Gorshkov 2007) Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land34 (Makarieva et al 2013) Where do winds come from35 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais

Uma regiatildeo florestada onde ocorre muito mais conden-saccedilatildeo em nuvens do que em superfiacutecie oceacircnica contiacutegua iraacute sugar para a terra os ven-tos do mar que carregados de umidade traratildeo chuvas para a aacuterea florestada

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 17Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

continuar a importar aacutegua pela atmosfera ndash contra-pondo a seca ndash e garantir a continuidade da floresta A teoria da bomba bioacutetica vem ganhando aceitaccedilatildeo37 e jaacute tem comprovaccedilatildeo observacional38

14) Rios aeacutereos aacutegua fresca pelas arteacuterias suspensas

Um mapa-muacutendi revela interessantes arranjos e sime-trias na distribuiccedilatildeo de florestas e desertos ao redor do globo com trecircs cinturotildees chamando a atenccedilatildeo um de florestas ao redor da linha do Equador e outros dois de desertos ao redor dos troacutepicos de Cacircncer e Capri-coacuternio Tal geografia de paisagens contrastantes tem explicaccedilatildeo conhecida a circulaccedilatildeo de Hadley39

Pela influecircncia da circulaccedilatildeo de Hadley a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul tenderia agrave aridez

Haacute maior incidecircncia solar na zona equatorial e portanto ocorre ali devido a efeitos fiacutesi-cos uma maior ascensatildeo de ar

que se resfria e faz chover favorecendo florestas O ar que subiu e perdeu umidade precisa ir para algum lugar des-locando-se em altitude nos dois hemisfeacuterios na direccedilatildeo dos subtroacutepicos Esse ar seco quando desce e se aquece remove umidade da superfiacutecie favorecendo desertos

Mas existem exceccedilotildees e a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul eacute uma delas Pela influecircncia da circula-ccedilatildeo de Hadley essa regiatildeo tenderia agrave aridez Basta ver o deserto de Atacama no outro lado dos Andes ou os

ateacute morram Contrariava tambeacutem o conhecimento de ecofisiologistas segundo o qual quando para de cho-ver e a aacutegua no solo diminui as plantas fecham logo seus estocircmatos e deixam de transpirar para econo-mizar aacutegua Ao mesmo tempo essa previsatildeo fornece uma pista para um antigo enigma ecofisioloacutegico por-que a fotossiacutentese evoluiu para ser ldquoesbanjadorardquo de vapor drsquoaacutegua Surpreendentemente entretanto Scott Saleska e colaboradores publicaram na revista cientiacutefi-ca Science36 observaccedilotildees que corroboravam a correccedilatildeo da previsatildeo teoacuterica de Makarieva e Gorshkov

Durante o pico da seca de 2005 as partes mais atingidas da Amazocircnia foram as que mais ldquoverdejaramrdquo isto eacute na zona onde choveu menos (conforme registro do sateacutelite TRMM) brotaram mais folhas novas nas copas das aacutervores (conforme foi visto pelo sensor MODIS no sateacutelite Terra)

As conclusotildees desse estudo a partir de imagens de sateacutelite jaacute contavam com apoio de mediccedilotildees em terra das torres de fluxo do projeto LBA que haviam consta-tado o fato de natildeo ocorrer uma reduccedilatildeo de transpira-ccedilatildeo das aacutervores nas eacutepocas secas Em outras palavras parece que quando a seca chega as aacutervores com raiacute-zes profundas (e acesso a grande quantidade de aacutegua subterracircnea) executam um programa para manter ou aumentar a transpiraccedilatildeo Assim com o fluxo de vapor da transpiraccedilatildeo na superfiacutecie ndash e a correspondente condensaccedilatildeo nas nuvens ndash manteacutem-se a succcedilatildeo do ar uacutemido sobre os oceanos proacuteximos o que significa

36 (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought37 Por exemplo (Sheil and Murdiyarso 2009) How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis38 (Poveda et al 2014) Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers39 Ceacutelula de Hadley

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 18Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

circulaccedilatildeo que liga os ventos aliacutesios carregados de umidade do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonal-mente para a parte meridional

da Ameacuterica do Sul foi descrita por Joseacute Marengo e cola-boradores43 Embora eles tenham chamado esse trans-porte de jatos de baixos niacuteveis o conceito eacute muito similar ao dos rios atmosfeacutericos Segundo sua explicaccedilatildeo fun-ciona na Ameacuterica do Sul um sistema de monccedilotildees seme-lhante ao da Aacutesia e devido ao efeito da floresta (geisers da floresta) e tambeacutem da cordilheira dos Andes (uma barreira de 6 km de altura) o persistente ar uacutemido ama-zocircnico faz a curva no Acre e durante o veratildeo leva quan-tidades generosas de vapor drsquoaacutegua para o quadrilaacutetero afortunado contrariando sua tendecircncia para a aridez

Recentemente Josefina Arraut44 e colaboradores fi-zeram uma revisatildeo climatoloacutegica dos rios aeacutereos da Ameacuterica do Sul estimando o transporte de vapor as-sociado e introduzindo um novo conceito ldquolagos aeacute-reosrdquo ou seja regiatildeo de remanso atmosfeacuterico com um estoque de vapor precipitaacutevel

Com o conceito de rios aeacutereos estabelecido e tornan-do-se popular Dominick Spracklen45 e colaboradores desenvolveram uma nova abordagem ao correlacionar a superfiacutecie coberta por vegetaccedilatildeo agrave exposiccedilatildeo de uma

Salati e colaboradores comparando as assinaturas quiacute-micas40 entre o fluxo de entrada de vapor oceacircnico no grande anfiteatro amazocircnico com as correspondentes assinaturas da aacutegua de escoamento que retorna ao oceano pelo rio Amazonas perceberam que parte sig-nificativa da aacutegua que entrava como vapor no canal aeacutereo natildeo retornava pelo canal terrestre41

Daiacute concluiacuteram que a Amazocircnia devia estar exportan-do esse vapor para outras regiotildees do continente e irri-gando outras bacias hidrograacuteficas que natildeo a do Ama-zonas Anaacutelises preliminares feitas agrave eacutepoca nas aacuteguas de chuva coletadas na cidade do Rio de Janeiro de-tectaram sinais de que parte dela vinha do interior do continente natildeo do oceano contiacuteguo E mais especifi-camente que havia passado pela Amazocircnia Esse gru-po foi o primeiro a sugerir que chuvas na Ameacuterica do Sul fora da Amazocircnia poderiam ser alimentadas pelo transporte continental de vapor

O conceito de rios atmosfeacutericos foi introduzido em 1992 por Reginald Newell e Nicholas Newell42 para descre-ver fluxos filamentares na baixa atmosfera capazes de transportar grandes quantidades de aacutegua como vapor tipicamente em volumes superiores ao transportado pelo rio Amazonas (que tem vazatildeo de 200 milhotildees de litros por segundo ndash ou 17 bilhotildees de toneladas ao dia)

Quase trecircs deacutecadas depois dos achados de Salati a

Rios Voadores contando uma bela histoacuteria

Em 2006 contemplando a floresta amazocircnica do alto de uma torre de estudo do projeto LBA trocamos com o aviador Gerard Moss as primei-ras ideias que levaram ao projeto de aventura pesquisa divulgaccedilatildeo e educaccedilatildeo ambiental Rios Voadores42 Com financiamento da Petrobras e a participaccedilatildeo de Eneacuteas Salati o pioneiro dos estudos sobre reciclagem de umidade na Amazocircnia aleacutem de outros cientistas de renome Moss perseguiu por anos os rios de vapor com seu aviatildeo monomotor coletan-do numerosas amostras para estudo e capturando a atenccedilatildeo luacutedica das pessoas na aventura que criou Fez tambeacutem um trabalho extraordinaacuterio de educaccedilatildeo ambiental nas escolas e pela Web postando frequente-mente em redes sociais as trajetoacuterias dos rios voadores e mostrando como estes levam aacutegua para as pessoas O resultado mais valioso desse projeto foi sua capacidade de tocar o lado emocional das pessoas atraveacutes do estiacutemulo luacutedico da aventura da ciecircncia engajada conectan-do-as ao sentimento de estima pelo ambiente pela aacutegua e pela floresta

desertos de Namiacutebia e Kalahari na Aacutefrica e o deserto da Austraacutelia Todos alinhados latitudinalmente com a afortunada aacuterea verde responsaacutevel por 70 do PIB do continente no quadrilaacutetero delimitado por Cuiabaacute ao Norte Satildeo Paulo a Leste Buenos Aires ao Sul e a cor-dilheira dos Andes a Oeste

As escolas ensinam que a aacutegua evapora do mar ldquovairdquo para os continentes cai como chuva eacute coletada nos rios de superfiacutecie e retorna ao mar Ao fazer a ligaccedilatildeo entre evaporaccedilatildeo da aacutegua no mar com seu tracircnsito em terra esse conceito simploacuterio do ciclo hidroloacutegico natildeo estaacute errado mas natildeo explica quase nada Por exemplo por que existem desertos ou por que o vapor mariacutetimo adentra os continentes de forma heterogecircnea

Rios aeacutereos ligam os ventos aliacutesios carregados de umida-de do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonalmente para a parte meridional da Ameacuterica do Sul

40 Definidas pelo uso de traccediladores que portam assinaturas isotoacutepicas Diz-se que satildeo isoacutetopos dois ou mais aacutetomos com o mesmo numero de proacutetons mas com massas diferentes Uma analogia boa eacute pensar em gecircmeos com caracteriacutesticas idecircnticas exceto peso Assinatura isotoacutepica eacute a relaccedilatildeo numeacuterica entre a imensa multidatildeo de ldquogecircmeosrdquo atocircmicos em um material ou substancia A aacutegua pode conter variada combinaccedilatildeo de gecircmeos de oxigecircnio (16O e 18O) e hidrogecircnio (1H 2H) gerando moleacuteculas de aacutegua com pesos distintos A proporccedilatildeo destes gecircmeos atocircmicos que ocorre na aacutegua do mar por exemplo se altera com a evaporaccedilatildeo (flutuam primeiro os mais leves) e tambeacutem com a chuva (precipitam primeiro os mais pesados) Assim ao analisar a assinatura isotoacutepica de uma amostra de aacutegua ou vapor pode-se saber de onde ela veio se do oceano ou da floresta

41 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study (Matsui et al 1976) Isotopic hydrology in the Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 18O concentrations42 (Newell and Newell 1992) Tropospheric Rivers - A Pilot Study43 (Marengo et al 2004) Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalysis Characteristics and temporal variability44 (Arraut et al 2012) Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America45 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 19Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Eventos extremos a vida buscando equiliacutebrio

Com o aquecimento global ocorre maior acuacutemulo de energia na at-mosfera o que aumenta a probabilidade de ocorrecircncias de fenocircmenos climaacuteticos mais intensos A natureza desta tendecircncia foi prevista haacute deacutecadas pelos meteorologistas Mas a maior intensidade e frequecircncia dessas ocorrecircncias estaacute sendo observada deacutecadas antes do previsto Algum fator na complexidade do clima deve explicar a aceleraccedilatildeo dos efeitos O registro geoloacutegico mostra que climas extremos jaacute ocorreram na histoacuteria da Terra muito antes da humanidade surgir Mas ao contraacuterio do que seria de se esperar depois dos cataclismos todas as evidecircncias apontam sempre para uma resiliente recuperaccedilatildeo estabilizadora ate-nuando os extremos Sistemas puramente geofiacutesicos natildeo teriam essa capacidade Somente a vida e seus processos de auto-regulaccedilatildeo ofere-cem explicaccedilatildeo satisfatoacuteria para a histoacuteria climaacutetica da Terra49

parcela de ar num rio aeacutereo (medida pelo iacutendice cumu-lativo de aacuterea foliar ao longo da trajetoacuteria) com chuva a jusante na trajetoacuteria daquela mesma parcela Ou seja um rio aeacutereo conecta regiotildees doadoras de umidade com outras receptoras de umidade Daiacute a importacircncia crucial das florestas a montante constatou-se que a Amazocircnia eacute de fato a cabeceira dos mananciais aeacutereos da maior parte das chuvas na Ameacuterica do Sul

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos

Makarieva e Gorshkov46 introduziram uma nova definiccedilatildeo fiacutesica para furacotildees ciclones ou tornados ldquo satildeo implosotildees (explosotildees em reverso) que se passam em cacircmera lenta decorrentes do desaparecimento volumeacutetrico de vapor drsquoaacutegua na atmosfera por condensaccedilatildeordquo47 Paulo Nobre

apresentou-lhes entatildeo um problema ldquoA questatildeo que se coloca eacute entender por que os furacotildees natildeo se desenvol-vem sobre as florestas tropicais como na Amazocircnia onde o fornecimento de vapor de aacutegua pela floresta e sua ex-tinccedilatildeo na forma de chuva tropical eacute tatildeo abundanterdquo 48

Respondendo Makarieva e Gorshkov demonstraram teoricamente como uma grande aacuterea terrestre co-berta por floresta natildeo per-

mite a formaccedilatildeo de furacotildees e outros padrotildees climaacuteticos anocircmalos incluindo secas e enchentes Em sua explica-ccedilatildeo a fricccedilatildeo turbulenta local com o dossel da floresta -que transpira ativamente o que resulta em chuvas uni-formes sobre grandes aacutereas- e a traccedilatildeo do vento pela bomba bioacutetica em distacircncias maiores diminui muito a chance de organizaccedilatildeo de tormentas como tornados ou furacotildees As trajetoacuterias registradas dos furacotildees compro-vam o ambiente ameno nas regiotildees cobertas por flores-tas extensas e aacutereas oceacircnicas proacuteximas50 Ou seja aleacutem de todos os outros serviccedilos da floresta ao clima ela ainda oferece um seguro contra destrutivos eventos atmosfeacute-ricos atenuando a concentraccedilatildeo de energia nos ventos

Outras funccedilotildees claacutessicas das florestas na regulaccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico em terra satildeo bem conhecidas como o favorecimento da recarga de aquiacuteferos e a atenua-ccedilatildeo de enchentes51 entre muitas outras

Entre os serviccedilos que a floresta presta ao clima estaacute um segu-ro contra eventos atmosfeacutericos destrutivos atenuando a concen-traccedilatildeo da energia nos ventos

46 (Makarieva et al 2008) On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine47 De acordo com os autores ldquoThe driving force of all hurricane processes is a rapid release as in compressed spring of potential energy previously accumulated in the form of saturated water vapor in the atmospheric column

during a prolonged period of water vapor evaporation under the action of the absorbed solar radiationrdquo (Makarieva et al 2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient48 (Nobre P 2009a) Peer Review Question Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo49 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment50 Storm Track mapa registrando todas as trajetoacuterias observadas de furacotildees mostrando que a regiotildees equatoriais das florestas e suas imediaccedilotildees oceacircnicas satildeo livres destes fenocircmenos51 httpwwwipefbrhidrologiamataciliarasp

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 20Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito

Em vista dos efeitos extensivos e elaborados das flo-restas sobre o clima demonstrados pela ciecircncia que resultados esperar da sua devastaccedilatildeo Para avaliar os impactos do desmatamento no clima vem sendo fei-to um nuacutemero crescente de experimentos de campo e modelagem estudos observacionais e mais recente-mente anaacutelises teoacutericas Quais as consequecircncias pro-jetadas do desmatamento e quais as jaacute observadas

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores

Uma das maiores virtudes dos modelos climaacuteticos estaacute em sua capacidade de simular cenaacuterios distantes do momento presente Esse tipo de exerciacutecio natildeo eacute pre-ditivo no sentido fiacutesico mas onde a teoria fiacutesica ainda natildeo estiver disponiacutevel eacute o melhor conhecimento e a uacutenica ferramenta para analisar sistemas complexos e fazer extrapolaccedilotildees bem fundamentadas

Tais exerciacutecios de simulaccedilatildeo satildeo valiosos para situaccedilotildees especiacuteficas como explorar riscos climaacuteticos associados ao desmatamento No ambiente virtual como num si-mulador de voo eacute possiacutevel avaliar repetidamente ce-naacuterios de desastres esmiuccedilando os fatores atuantes as condiccedilotildees iniciais e as consequecircncias potenciais de manobras arriscadas

Em 1991 Carlos Nobre liderou um dos mais citados

estudos para simular o impacto no clima do desma-tamento total da floresta amazocircnica52 Usando um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera (GCM53) com um moacutedulo acoplado de representaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo (SiB54) os autores concluiacuteram que quando as florestas eram substituiacutedas por pasto degradado no modelo verificava-se um aumento significativo na temperatura meacutedia de superfiacutecie (cerca de 25degC) e uma diminuiccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo anual (reduccedilatildeo de 30) da pre-cipitaccedilatildeo (reduccedilatildeo de 25) e do escoamento superfi-cial (reduccedilatildeo de 20) Na simulaccedilatildeo ocorria tambeacutem um aumento da duraccedilatildeo da estaccedilatildeo seca na metade sul da bacia amazocircnica

Nas duas deacutecadas seguintes outros estudos avanccedila-ram no detalhamento e generalizaccedilatildeo dessas conclu-sotildees Deborah Lawrence e Karen Vandecar fizeram recentemente uma revisatildeo da literatura55 sobre os impactos do desmatamento tropical no clima e con-cluiacuteram que vaacuterios GCMs concordam em que o des-matamento em escala regional leva a um clima mais quente e seco sobre a aacuterea desmatada Os modelos que simulam o desmatamento completo da Amazocirc-nia preveem um clima com aquecimento na faixa de 01-38degC (meacutedia de 19degC) e reduccedilatildeo de chuvas na fai-xa de 140-640 mm ao ano (meacutedia de 324 miliacutemetrosano ou 10-15 de reduccedilatildeo)

Mas o desmatamento pode ter implicaccedilotildees muito mais

52 (Nobre C et al 1991) Amazonian Deforestation and Regional Climate Change53 Definiccedilatildeo de GCM por Lawrence e Vandecar (2014) ldquo satildeo modelos computacionais tridimensionais globais do sistema climaacutetico que operam em larga escala Os modelos mais recentes incluem representaccedilotildees

da atmosfera oceanos e da superfiacutecie da Terra [] e incorporam o ciclo hidroloacutegico e uma representaccedilatildeo expliacutecita [] da vegetaccedilatildeo e seus efeitos sobre os fluxos de energia e de aacutegua incluindo as transferecircncias radiativas e turbulentas e os controles fiacutesicos e bioloacutegicos da evapotranspiraccedilatildeordquo

54 (Sellers et al 1986) Simple Biosphere Model55 (Lawrence and Vandecar 2014) The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity natildeo publicado

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 21Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

modelos parecem tender a subestimar as consequecircn-cias negativas nos cenaacuterios simulados Os resultados de projeccedilotildees mais recentes incluindo os oceanos agra-vam o quadro e aumentam o alerta

A eliminaccedilatildeo da floresta ndash prin-cipal agente da condensaccedilatildeo continental ndash equivale a desligar o interruptor de uma bomba de umidade atmosfeacuterica

Mas eacute preciso tambeacutem con-siderar a teoria da bomba bioacutetica e sua previsatildeo de re-duccedilatildeo de chuvas Diferente-mente dos modelos numeacute-

ricos convencionais uma teoria fiacutesica constroacutei entendimento baseada exclusivamente em leis funda-mentais da natureza Se a teoria estiver correta torna possiacutevel prever quantitativamente efeitos fiacutesicos apenas com a anaacutelise dos cenaacuterios e de sua loacutegica funcional

Makarieva e Gorshkov preveem que o desmatamento completo da Amazocircnia reduziria a precipitaccedilatildeo primor-dialmente como resultado da dissipaccedilatildeo do efeito da baixa pressatildeo (succcedilatildeo) associado agrave condensaccedilatildeo que eacute conectada a uma reduccedilatildeo da evaporaccedilatildeo de superfiacute-cie Como a teoria da bomba bioacutetica tambeacutem credita a disponibilidade de vapor para a precipitaccedilatildeo na Ama-zocircnia como resultado dessa capacidade de transpirar a eliminaccedilatildeo total do principal agente da transpiraccedilatildeo levaria agrave cessaccedilatildeo completa do bombeamento bioacutetico

Esta teoria sugere que desligado o interruptor da bom-ba que puxa o ar uacutemido para o continente o fluxo de umidade deve mudar de direccedilatildeo quando a condensaccedilatildeo passar a ser relativamente maior sobre o oceano (mais

seacuterias Em 1997 German Poveda e Oscar Mesa56 propuse-ram o papel de ponte hidrometeoroloacutegica para a floresta amazocircnica ao conectar os dois grandes oceanos proacutexi-mos isto eacute sugerindo efeitos climaacuteticos cruzados entre os oceanos via atmosfera mediados pela floresta

Explorando com modelagem em direccedilatildeo similar mais recentemente Paulo Nobre57 e colaboradores estuda-ram o impacto do desmatamento na chuva amazocircni-ca tendo como referecircncia a inclusatildeo ou a exclusatildeo das respostas dos grandes oceanos aos cenaacuterios de des-matamento58 Comparando simulaccedilotildees feitas em um GCM atmosfeacuterico usual com um GCM acoplado a outro modelo que simula as condiccedilotildees internas dos oceanos (salinidade correntes etc) esses autores encontraram uma reduccedilatildeo consideravelmente maior na precipita-ccedilatildeo quando o GCM acoplado com o oceano foi rodado para um cenaacuterio de desmatamento total da Amazocircnia 42 de reduccedilatildeo da chuva contabilizando os mecanis-mos internos dos oceanos contra 26 de reduccedilatildeo da chuva sem considera-los Os oceanos sempre estive-ram presentes e a inclusatildeo das suas respostas internas daacute mais realismo agraves simulaccedilotildees

Jaacute existem comprovaccedilotildees de muito do que foi proje-tado pelos modelos como consequecircncia do desma-tamento especialmente a ampliaccedilatildeo da estaccedilatildeo seca Poreacutem esses experimentos virtuais indicavam um prolongamento da estaccedilatildeo seca apoacutes destruiccedilatildeo de 100 da floresta o que jaacute se observa com o corte raso de pouco menos de 19 da floresta Ou seja esses 56 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena57 (Nobre P et al 2009b) Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation58 Que utiliza apenas a seacuterie histoacuterica observada das temperaturas da superfiacutecie dos oceanos

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 22Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

E apontaram que essa re-duccedilatildeo de chuvas poderaacute ser bem maior do que o indicado pelo grupo de Spracklen63 Para a porccedilatildeo

mais desmatada da Amazocircnia jaacute se constata progres-sivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera significativo impacto no setor agriacutecola

Assim a discussatildeo sobre desmatamento passa longe de duacutevidas sobre seus evidentes efeitos diretos e indi-retos na reduccedilatildeo das chuvas e recai sobre a extensatildeo da aacuterea desmatada No periacuteodo 20112012 foram ldquoape-nasrdquo 4571 km2 desmatados na Amazocircnia brasileira Se comparado com taxas de desmatamento em anos de pico como 2004 (27772 km2) esse valor parece mo-desto O Brasil merece reconhecimento por haver lo-grado essa reduccedilatildeo A velocidade e a eficaacutecia atingidas na reduccedilatildeo recomendam essa estrateacutegia para zerar e reverter o desmatamento no Brasil e no mundo

A despeito da notiacutecia encorajadora essa taxa que pa-rece tatildeo pequena seria suficiente para desmatar aacuterea equivalente a toda a Costa Rica em meros dez anos Aleacutem disso reduccedilotildees nas taxas anuais atenuam a per-cepccedilatildeo momentacircnea de perda e mascaram o desmata-mento acumulado na Amazocircnia que eacute muito grave

No que diz respeito ao clima importa sobretudo a aacuterea total devastada e sua distribuiccedilatildeo espacial Compilando

localizado da chuva com o desmatamento estudos mais abrangentes simulaccedilotildees com modelos climaacuteticos e mesmo anaacutelises teoacutericas esclareceram o caraacuteter local e transitoacuterio desse efeito que depende basicamente da existecircncia de matas circundantes agrave aacuterea desmatada e da extensatildeo dessas matas O aumento de chuva converte-se em reduccedilatildeo tatildeo logo as florestas remanescentes fi-quem mais distantes que um certo limiar de aacuterea aberta Daiacute em diante haveraacute reduccedilatildeo das chuvas

Dados de sateacutelites para chuva e presenccedila de floresta mostra-ram reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos que passam sobre aacutereas desmatadas

O estudo de Spracklen e colaboradores62 com da-dos de sateacutelites para chu-va e presenccedila de floresta constatou que com o des-

matamento ocorre a reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos Em 60 das aacutereas tropicais o ar que passa sobre densas florestas produz pelo menos duas vezes mais chuva que o ar que passa sobre aacutereas desmatadas Apesar de ainda natildeo terem considerado o mecanismo e os efeitos da teoria da bomba bioacutetica esses autores de-monstraram com evidecircncias fortes que o impacto ne-gativo do desmatamento no clima natildeo eacute somente local mas pode afetar regiotildees proacuteximas e distantes

Aplicando os conceitos da bomba bioacutetica Makarieva e colaboradores colocaram os achados de Spracklen em perspectiva explicando quantitativamente quais os fatores fiacutesicos responsaacuteveis pela reduccedilatildeo nas chuvas a jusante dos ventos decorrentes do desmatamento

fraca que a bioacutetica a bomba oceacircnica de condensaccedilatildeo estaacute sempre ligada) o que levaria a aridez em terra59

Os modelos climaacuteticos usados para simular o desma-tamento ainda natildeo embutiram essa nova teoria fiacutesica portanto natildeo projetam esse efeito que poderia signi-ficar ateacute 100 de reduccedilatildeo nas chuvas

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo

O desmatamento real eacute imenso e seus efeitos sobre o clima satildeo bem documentados Estudos em torres micrometeoroloacutegicas mostram que a substituiccedilatildeo de floresta por pastagem leva como previsto pelos mo-delos a um aumento da temperatura de superfiacutecie e uma reduccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo60 Observaccedilotildees de sateacutelite mostram que durante a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspi-raccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas61

Observaccedilotildees mostram que duran-te a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspiraccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas

Dados similares tambeacutem indicam que a transpira-ccedilatildeo da floresta eacute bem maior do que aquela pres-crita pelos modelos o que explica em parte a subesti-

mativa dos modelos de larga escala no caso da reduccedilatildeo de precipitaccedilatildeo com o desmatamento Embora alguns estudos observacionais tenham revelado um aumento

Para a porccedilatildeo mais desmata-da da Amazocircnia jaacute se constata progressivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera signifi-cativo impacto no setor agriacutecola

59 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais60 Por exemplo (Gash et al 1996) Amazonian Deforestation and Climate (von Randow et al 2004) Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in southwest Amazonia61 (Huete et al 2006) Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought62 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests63 (Makarieva et al 2013) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 23Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Desmatamento acumulado 762979 km2

Esse valor eacute maior que a soma das aacutereas de trecircs estados de Satildeo Paulo ou que as aacutereas somadas de duas Alemanhas ou de dois Japotildees Uma unidade de aacuterea mais proacutexima do brasileiro o campo de futebol (4136 m2) daacute uma noccedilatildeo da magnitude da devastaccedilatildeo 184 milhotildees de unidades65 ndash quase um campo de futebol desmatado na Amazocircnia para cada brasileiro Colocado na perspectiva temporal teriam sido em meacutedia 12635 campos desmatados por dia 526 campos por hora 88 campos ndash ou 36291 m2 por minuto 605 m2 por segundo ininterruptamente nos uacuteltimos 40 anos Para caber na compreensatildeo o gigantismo destes nuacutemeros eacute preciso estender a imaginaccedilatildeo para aleacutem destas analogias Um trator ficcional operando uma lacircmina frontal com 3 m de largura precisaria acelerar quase agrave velocidade de um aviatildeo a jato (726 kmh) para desmatar a aacuterea raspada na Amazocircnia no ritmo registrado do espaccedilo em imagens Como um trator desmata mui-to mais lentamente (024 - 036 hah66 ou ~08 kmh se essa aacuterea estives-se contida em uma faixa com 3 m de largura) com a mesma lacircmina de 3 m seriam necessaacuterios mais de 900 tratores simultaneamente derrubando a floresta lado a lado formando uma frente destrutiva com quase 3 km de largura Uma comparaccedilatildeo ainda mais impressionante eacute uma ldquoestrada de desmatamentordquo com 2 km de largura que daria para cobrir a distacircncia da Terra ateacute a Lua (380 mil km)

estudos pioneiros com dados de sateacutelite Dioacutegenes Al-ves64 contabilizou ateacute 2004 um desmatamento total de 663 mil km2 Agregando-se os nuacutemeros mais recentes do projeto PRODES do INPE o desmatamento acumula-do total ateacute 2013 chega a 762979 km2

Pelo vieacutes do dano ao clima o que se tem na Amazocircnia eacute um passivo gigantesco de destruiccedilatildeo do oceano ver-de Natildeo haacute portanto qualquer motivo para comemo-rar as taxas relativamente mais baixas de corte raso dos uacuteltimos anos mesmo porque depois da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal (2011) com sua ampla anistia a desmatadores jaacute se observa uma niacutetida tendecircncia de aumento das taxas anuais

Na contabilidade do INPE o corte raso brasileiro (sem considerar os dos demais paiacuteses da bacia amazocircnica) chegou em 2012 a 1885 da aacuterea original de floresta67 Mas a destruiccedilatildeo natildeo eacute uniforme pois ocorre grande concentraccedilatildeo de corte raso no chamado Arco do Fogo ndash ou Arco do Desmatamento68 Se a vastidatildeo raspada jaacute eacute graviacutessima para o clima a situaccedilatildeo torna-se ainda pior ao se considerar o oceano verde ferido

A exploraccedilatildeo madeireira e o desmatamento gradual pro-duzem extensas aacutereas de florestas degradadas que rara-mente entram na contabilidade oficial da destruiccedilatildeo mas que a depreender das informaccedilotildees e estimativas dispo-niacuteveis podem ter impacto significativo sobre o clima

Dalton Valeriano liderou um estudo pioneiro sobre degradaccedilatildeo69 que encontrou no Estado do Mato Gros-so no periacuteodo de 2007 a 2010 ldquosomenterdquo 7856 km2 com corte raso mas outros 32926 km2 de florestas degradadas Somando corte raso com degradaccedilatildeo sobrou pouco do propriamente chamado Estado de Mato Grosso

No mesmo periacuteodo o INPE mapeou 64205 km2 de flo-resta degradada versus 39026 km2 de corte raso para a Amazocircnia brasileira Usando a proporccedilatildeo entre estas

64 (Alves 2007) Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon65 Aacuterea desmatada 762979 km2 0004136 km2 = 184472679 de campos de futebol66 (Viana 2012) Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento67 httpwwwdpiinpebrprodesdigitalprodesphp Lista (uma tabela) e Consolida (somatoacuterios para a unidade de aacuterea considerada)68 Porcentagem de aacuterea desmatada ateacute 2012 TO 75 MA 72 RO 41 MT 40 PA 22 e AC 1369 httpwwwobtinpebrprodesRelatorio_Prodes2008pdf

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 24Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aacutereas pode-se extrapolar a aacuterea de floresta degradada para toda a Amazocircnia brasileira Na estimativa ateacute 2013 a aacuterea total degradada pode ter alcanccedilado 1255100 km2 Somando com a aacuterea mensurada de corte raso o impacto cumulativo no bioma pela ocupaccedilatildeo humana pode ter atingido 2018079 km2

Dentre mais de 200 paiacuteses no mundo somente 13 tecircm aacuterea maior que essa Nesta contabilidade a degrada-ccedilatildeo de florestas na Amazocircnia brasileira pode haver chegado a 2944 da aacuterea original70 que somada ao desmatamento corte-raso sugere que ateacute 4734 da floresta tenha sido impactada diretamente por ativi-dade humana desestabilizadora do clima Para a Pan-Amazocircnia esse impacto agregado da Amazocircnia bra-sileira contabilizando desmatamento e estimando degradaccedilatildeo representa de 2668 a 290371 sobre a aacuterea original de floresta

Mas a aacuterea de impacto no sentido ecoloacutegico pode ser ainda maior porque florestas contiacuteguas a aacutereas de de-gradaccedilatildeo ou corte raso sofrem direta e indiretamente os efeitos das mudanccedilas ambientais vizinhas (biogeo-fiacutesicas e biogeoquiacutemicas)72

No processo de degradaccedilatildeo a destruiccedilatildeo do dossel frequentemente superior a 60 da cobertura73 muda as caracteriacutesticas estruturais ecoloacutegicas e fisioloacutegicas da floresta comprometendo suas capacidades am-bientais

70 Caacutelculo utilizando a mensuraccedilatildeo de Espiacuterito-Santo et al (2014) para a floresta remanescente na Amazocircnia brasileira [3500000 km2] acrescida da aacuterea acumulada do desmatamento [762979 km2] chegando a 4262979 km2 de florestas originais na Amazocircnia brasileira

71 Impacto usando aacuterea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Espiacuterito-Santo et al (2014) com 7562979 km2 e em Eva et al (2005) com 6943468 km2

72 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon73 (Valeriano et al 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD e QUEIMADAS 2007-200874 University of Maryland Global Forest Cover

Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 ateacute 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Ameacuterica do Sul74

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 3: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

Sumaacuterio Executivo

Este relatoacuterio de avaliaccedilatildeo do futuro climaacutetico da Ama-zocircnia consiste de uma revisatildeo e siacutentese da literatura cientiacutefica articulada com anaacutelises interpretativas das questotildees mais importantes relacionadas ao assunto

Sem perder o foco na ciecircncia trata dos temas com lin-guagem acessiacutevel e aspiraccedilatildeo holiacutestica isto eacute busca ligar fontes e muitas anaacutelises de especialistas em uma imagem coerente do ecossistema Amazocircnico

Suas linhas mestras satildeo o potencial climaacutetico da gran-de floresta ndash fator critico para todas sociedades huma-nas ndash sua destruiccedilatildeo com o desmatamento e o fogo e o que precisa ser feito para frear o trem desgovernado em que se transformaram os efeitos da ocupaccedilatildeo hu-mana sobre o clima em aacutereas de floresta

O tema eacute vasto Por isso eacute preciso trataacute-lo em certa se-quecircncia cronoloacutegica

1 O texto comeccedila pelo pano de fundo do fator cha-ve na histoacuteria geoloacutegica o tapete tecnoloacutegico1 da biodiversidade amazocircnica que levou dezenas de milhotildees de anos para formar sua capacidade fun-cional Os processos da vida que operam na flores-ta contecircm complexidade quase incompreensiacutevel com um nuacutemero astronocircmico de seres funcionan-do como engrenagens articuladas em uma feno-menal maacutequina de regulaccedilatildeo ambiental

2 A seguir o texto passa agrave descriccedilatildeo das capaci-dades da Amazocircnia no seu estado intocado o oceano-verde2 da floresta e sua relaccedilatildeo com o oceano gasoso da atmosfera com o qual troca ga-ses aacutegua e energia e com o oceano azul dos mares fonte primaacuteria e repositoacuterio final da aacutegua que irriga os continentes Desde Humboldt3 ateacute hoje a ciecircn-cia revelou importantes segredos acerca do poder da grande floresta sobre os elementos que fazem o clima Aqui exploramos cinco descobertas impor-tantes para a ecohidrologia Amazocircnica

Cinco segredos desvendados

O primeiro segredo eacute que a floresta manteacutem uacutemido o ar em movimento o que leva chuvas para aacutereas continente adentro distantes dos oceanos Isso se daacute pela capacidade inata das aacutervores de transferir grandes volumes de aacutegua do solo para a atmosfera atraveacutes da transpiraccedilatildeo

O segundo segredo eacute a formaccedilatildeo de chuvas abun-dantes em ar limpo As aacutervores emitem substacircncias volaacuteteis precursoras de sementes de condensaccedilatildeo do vapor drsquoaacutegua cuja eficiecircncia na nucleaccedilatildeo de nuvens resulta em chuvas fartas e benignas

O terceiro segredo eacute a sobrevivecircncia da flores-ta Amazocircnica a cataclismos climaacuteticos e sua

1

1 Por falta de melhor termo o uso metafoacuterico do conceito da tecnologia quer indicar uma dimensatildeo natural (natildeo humana) da incriacutevel complexidade e sofisticaccedilatildeo existente nos sistemas vivos que opera automa-ticamente em nanoescala (bilioneacutesimos de metro) de modo a criar e manter a habitabilidade e conforto ambiental Nas palavras de Arthur C Clark ldquoqualquer tecnologia suficientemente avanccedilada eacute indistinguiacutevel da magiardquo A tecnologia da natureza eacute inconcebivelmente avanccedilada2 Essa expressatildeo metafoacuterica oceano-verde descreve as caracteriacutesticas oceacircnicas desta extensatildeo continental coberta por densas florestas A importacircncia deste conceito novo e incomum reside na sua sugestatildeo de uma superfiacutecie florestal estendida abaixo da atmosfera cuja caracteriacutesticas de vastidatildeo humidade e trocas pelos ventos se assemelham agraves dos oceanos reais 3 Alexander von Humboldt influente cientista-naturalista alematildeo que explorou as Ameacutericas na virada do seacuteculo 18 para o seacuteculo 19 considerado o pai de ciecircncias como geografia fiacutesica meteorologia e ecologia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull Sumaacuterio Executivo

formidaacutevel competecircncia em sustentar um ciclo hi-droloacutegico beneacutefico mesmo em condiccedilotildees externas desfavoraacuteveis Segundo a nova teoria da bomba bioacutetica a transpiraccedilatildeo abundante das aacutervores casa-da com uma condensaccedilatildeo fortiacutessima na formaccedilatildeo das nuvens e chuvas ndash condensaccedilatildeo essa maior que aquela nos oceanos contiacuteguos ndash leva a um rebai-xamento da pressatildeo atmosfeacuterica sobre a floresta que suga o ar uacutemido sobre o oceano para dentro do continente mantendo as chuvas em quaisquer circunstacircncias

O quarto segredo indica a razatildeo de a porccedilatildeo me-ridional da Ameacuterica do Sul a leste dos Andes natildeo ser deseacutertica como aacutereas na mesma latitude a oes-te dos Andes e em outros continentes A floresta amazocircnica natildeo somente manteacutem o ar uacutemido para si mesma mas exporta rios aeacutereos de vapor que transportam a aacutegua para as chuvas fartas que irri-gam regiotildees distantes no veratildeo hemisfeacuterico

O quinto segredo desvendado eacute o motivo pelo qual a regiatildeo amazocircnica e oceanos proacuteximos natildeo fomen-tam a ocorrecircncia de fenocircmenos atmosfeacutericos como furacotildees e outros eventos climaacuteticos extremos A atenuaccedilatildeo da violecircncia atmosfeacuterica tem explica-ccedilatildeo no efeito dosador distribuidor e dissipador da energia nos ventos exercido pelo rugoso dossel florestal e da aceleraccedilatildeo lateral de larga escala dos ventos na baixa atmosfera promovida pela bomba bioacutetica o que impede a organizaccedilatildeo de furacotildees e similares A condensaccedilatildeo espacialmente uniforme

sobre o dossel florestal impede concentraccedilatildeo de energia dos ventos em voacutertices destrutivos en-quanto o esgotamento de humidade atmosfeacuterica pela remoccedilatildeo lateral de cima do oceano priva as tempestades do seu alimento energeacutetico (vapor de aacutegua) nas regiotildees oceacircnicas adjacentes a grandes florestas

Todos esses efeitos em conjunto fazem da majes-tosa floresta Amazocircnica a melhor e mais valiosa parceira de todas as atividades humanas que re-querem chuva na medida certa um clima ameno e proteccedilatildeo de eventos extremos

3 O relatoacuterio continua com a descriccedilatildeo dos efeitos do desmatamento e do fogo sobre o clima a devasta-ccedilatildeo da floresta oceano-verde gera um clima drama-ticamente inoacutespito Modelos climaacuteticos antecipa-ram haacute mais de 20 anos variados efeitos danosos do desmatamento sobre o clima jaacute confirmados por observaccedilotildees Entre eles estatildeo a reduccedilatildeo draacutes-tica da transpiraccedilatildeo a modificaccedilatildeo na dinacircmica de nuvens e chuvas e o prolongamento da estaccedilatildeo seca Outros efeitos natildeo previstos como o dano por fumaccedila e fuligem agrave dinacircmica de chuvas mesmo so-bre aacutereas de floresta natildeo perturbada tambeacutem es-tatildeo sendo observados

O dano do desmatamento assim como os danos do fogo da fumaccedila e da fuligem ao clima satildeo candentemente evidentes nas observaccedilotildees cienti-ficas de campo As anaacutelises baseadas em modelos

atualizados e em nova teoria fiacutesica projetam um futuro ainda pior Emerge como fator principal a afetar o clima a grave extensatildeo acumulada do des-matamento amazocircnico ateacute 2013 no Brasil em qua-se 763000 km2 (aacuterea equivalente a 184 milhotildees de campos de futebol ou trecircs estados de Satildeo Paulo) Tal superfiacutecie precisa ainda ser somada agrave fraccedilatildeo de impacto da extensatildeo acumulada da menos falada e menos estudada degradaccedilatildeo florestal (estimada em mais de 12 milhatildeo de km2)

4 O relatoacuterio prossegue relacionando os dois itens anteriores floresta oceano-verde e desmatamento no contexto temporal mais estendido o equiliacutebrio vegetaccedilatildeo-clima que balanccedila na beira do abis-mo Modelos climaacuteticos ligados interativamente a modelos de vegetaccedilatildeo exploram quais satildeo as ex-tensotildees de tipos de vegetaccedilatildeo e as condiccedilotildees cli-maacuteticas capazes de gerar estaacuteveis equiliacutebrios vege-taccedilatildeo-clima

Para a Amazocircnia esses modelos projetam a possi-bilidade de dois pontos possiacuteveis e alternativos de equiliacutebrio um que favorece a floresta (uacutemido atual para a bacia amazocircnica e histoacuterico) e outro que fa-vorece a savana (mais seco atual para o Cerrado futuro para a bacia amazocircnica)

O ponto preocupante desses exerciacutecios de modela-gem eacute a indicaccedilatildeo de que aproximadamente 40 de remoccedilatildeo da floresta oceano-verde poderaacute defla-grar a transiccedilatildeo de larga escala para o equiliacutebrio da

2O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull Sumaacuterio Executivo

savana liquidando com o tempo ateacute as florestas que natildeo tenham sido desmatadas O desmatamen-to por corte raso atual beira os 20 da cobertura original na Amazocircnia brasileira e a degradaccedilatildeo florestal estima-se jaacute teria perturbado a floresta remanescente em variados graus afetando adicio-nalmente mais de 20 da cobertura original

5 A seccedilatildeo final do relatoacuterio recomenda um plano de mitigaccedilatildeo baseado na reversatildeo radical tanto dos danos passados quanto a das expectativas de da-nos futuros um esforccedilo de guerra As florestas da Amazocircnia satildeo essenciais para a manutenccedilatildeo do cli-ma e com ele a seguranccedila das geraccedilotildees futuras Fe-lizmente os avanccedilos nas ciecircncias fazem desta guer-ra um desafio que pode ser bem sucedido

Apesar da dificuldade em separar precisamente os efeitos de fundo das mudanccedilas climaacuteticas glo-bais daquelas locais e regionais natildeo resta a menor duacutevida de que os impactos do desmatamento da degradaccedilatildeo florestal e dos efeitos associados jaacute afetam o clima proacuteximo e distante da Amazocircnia Jaacute afetam em alto grau hoje em dia e prometem afetar ainda mais seriamente no futuro a ponto de que a uacutenica opccedilatildeo responsaacutevel que se coloca eacute agir vigo-rosamente no combate agraves causas

Como primeira accedilatildeo impotildee-se a universalizaccedilatildeo e facilitaccedilatildeo de acesso agraves descobertas cientiacuteficas que podem reduzir a pressatildeo da principal causa do des-matamento a ignoracircncia

Em segundo lugar eacute preciso estancar a sangria da floresta ou seja zerar o desmatamento a degra-daccedilatildeo florestal e o fogo jaacute com todos e quaisquer recursos e meios eacuteticos possiacuteveis no interesse da vida Ao mesmo tempo em vista do diagnoacutestico de que desmatamento e degradaccedilatildeo acumulados constituem-se no mais grave fator de dano ao cli-ma torna-se necessaacuterio e inevitaacutevel desenvolver um amplo esforccedilo para replantar e restaurar a flo-resta destruiacuteda

Tal esforccedilo precisa ter perspectiva de meacutedio e longo prazos para culminar com a regeneraccedilatildeo da floresta oceano-verde original Diante disso as elites gover-nantes podem devem e precisam tomar a dianteira na orquestraccedilatildeo da grande mobilizaccedilatildeo de pessoas recursos e estrateacutegias que possibilitem recuperar o tempo perdido

Na conclusatildeo ao apontar para a urgecircncia de accedilotildees de proteccedilatildeo e restauro da grande floresta acena com oportunidades reais na viabilidade de trilhar-mos um novo caminho onde a floresta protegida e recomposta seja a principal aliada das atividades humanas dentro e fora da Amazocircnia

3O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull Sumaacuterio Executivo

Agradecimentos

Agradecimentos a todos que contribuiacuteram para o aporte de informaccedilatildeo qualificada a este relatoacuterio em especial para

Eneacuteas Salati no histoacuterico dos estudos isotoacutepicos Martin Hodnett Joseacute Marengo e Celso Randow nos nuacutemeros da eva-

potranspiraccedilatildeo Dioacutegenes Alves e Dalton Valeriano nos nuacutemeros do desmatamento Joseacute Marengo pelos alertas fo-

cados e muito uacuteteis Anita Drumond pelos caacutelculos sobre evaporaccedilatildeo no oceano Antonio Manzi que levantou ques-

totildees sobre a circulaccedilatildeo planetaacuteria Victor Gorshkov e Anastassia Makarieva que deram respostas a essas questotildees e

pelas correccedilotildees cruciais sobre a fiacutesica atmosfeacuterica Claudio Maretti por ajudar a colocar as questotildees de preservaccedilatildeo

em perspectiva Elisangela Broedel pela revisatildeo criacutetica dos nuacutemeros do desmatamento e da destruiccedilatildeo de aacutervores

Yosio Shimabukuro e Scott Saleska pelas informaccedilotildees relativas a aacuterea da Amazocircnia e densidade de arvores Gilvan

Sampaio pelas correccedilotildees no texto sobre modelos de equiliacutebrio vegetaccedilatildeo-clima Meirat Andreae e Steven Wofsy pelas

referencias e orientaccedilotildees sobre quiacutemica atmosfeacuterica German Poveda pelas referencias e conselhos referente agraves gelei-

ras dos Andes Suprabha Sechan por levantar as dificuldades relativas a tecnologia agraves excelentes criacuteticas e sugestotildees

feitas pelos comentadores e pelo puacuteblico na 3ordf reuniatildeo Pan-Amazocircnica da ARA em Lima agraves questotildees e reaccedilotildees do

puacuteblico no debate feito pela Nossa Satildeo Paulo e pelo Instituto Ethos sobre a crise da aacutegua na regiatildeo metropolitana de

Satildeo Paulo Seacutergio Guimaratildees Maacutercio Santilli Paulo Nobre Tasso Azevedo Adriana Cuartas Lou Gold Foster Brown

Claudio Maretti Victor Gorshkov Anastassia Makarieva Stephan Schwartzman e Robert Harriss pelas excelentes e

inspiradoras revisotildees Marcos Losekann e a Gerard e Margi Moss pelas perguntas instigantes que levaram a mais

aperfeiccediloamentos no texto Marcelo Leite pela soacutebria revisatildeo profissional e de alta qualidade essencial no ajuste e

melhoria do texto Jaime Gesisky e Moema Ungarelli pelo cuidado e rigor na revisatildeo final Felipe Horst pela bela dia-

gramaccedilatildeo Margi Moss pela revisatildeo estelar de estilo e fluencia agrave Articulacioacuten Regional Amazoacutenica pela encomenda

do estudo e agrave Secretaria Executiva da ARA em especial ao Seacutergio Guimaratildees e Claudio Oliveira pelo suporte e estiacutemu-

los constantes Agradecimentos especiais ao CCST do INPE e ao INPA pelo apoio institucional a Avina Fundo Vale e

Skoll Foundation pela parceria valiosa ao ISA Projeto Rios Voadores e WWF pelo suporte

Sumaacuterio

Introduccedilatildeo ndash A tecnologia da floresta eacute insubstituiacutevel 9

1) As florestas geram o clima amigo cinco segredos revelados 11

11) Reciclagem de umidade geisers da floresta 11

12) Nucleaccedilatildeo das nuvens o poacute de pirlimpimpim no oceano verde 14

13) Bomba bioacutetica de umidade doar aacutegua para receber chuva 15

14) Rios aeacutereos aacutegua fresca pelas arteacuterias suspensas 17

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos 19

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito sem aacutervores natildeo daacute para tapar o sol 20

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores 20

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo 22

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba 25

31) Ponto de natildeo retorno o passo em falso no abismo 25

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel 26

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou 28

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura 29

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca 30

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima 32

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder 32

52) Zerar o desmatamento para anteontem 32

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros 33

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas 33

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade 34

Conclusatildeo 36

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era 37

Referecircncias 38

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 9Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Com isso num primeiro momento o planeta se esfria o que faz as plantas crescerem menos consumindo menos CO2 No momento seguinte a acumulaccedilatildeo de CO2 leva ao aquecimento do planeta e assim suces-sivamente num ciclo oscilante de regulaccedilatildeo5 Desta forma as plantas funcionam como um termostato que responde agraves flutuaccedilotildees de temperatura atraveacutes do ajuste da concentraccedilatildeo do principal gaacutes-estufa na atmosfera depois do vapor drsquoaacutegua Mas esta regula-ccedilatildeo da temperatura via consumo mediado do CO2 eacute apenas um entre muitos mecanismos da vida que re-sultam na regulaccedilatildeo favoraacutevel do ambiente

Como se veraacute neste trabalho as florestas tropicais satildeo muito mais que uma aglomeraccedilatildeo de aacutervores reposi-toacuterio passivo de biodiversidade ou simples estoque de carbono Sua tecnologia viva e dinacircmica de interaccedilatildeo com o ambiente lhes confere poder sobre os elemen-tos uma capacidade inata e resiliente de condiciona-mento climaacutetico Assim as florestas condicionam o cli-ma que lhes favoreccedila e com isso geram estabilidade e conforto cujo abrigo daacute suporte ao florescimento de sociedades humanas

A Ameacuterica do Sul eacute um continente privilegiado pela extensiva presenccedila de florestas megabiodiversas Natildeo por acaso esse continente teve e ainda tem um dos climas mais favoraacuteveis em comparaccedilatildeo com qualquer outro Contudo ao longo de 500 anos a maior par-te da vegetaccedilatildeo nativa fora da bacia amazocircnica foi

IntroduccedilatildeoA tecnologia da floresta eacute insubstituiacutevel

Numa definiccedilatildeo solta a floresta tropical eacute um tapete multicolorido estruturado e vivo extremamente rico Uma colocircnia extravagante de organismos que saiacuteram do oceano haacute 400 milhotildees de anos e vieram para a ter-ra Dentro das folhas ainda existem condiccedilotildees seme-lhantes agraves da primordial vida marinha Funciona assim como um mar suspenso que conteacutem uma miriacuteade de ceacutelulas vivas muito elaborado e adaptado Evoluiacuteda nos uacuteltimos 50 milhotildees de anos a floresta amazocircnica eacute o maior parque tecnoloacutegico que a Terra jaacute conheceu porque cada organismo seu entre trilhotildees eacute uma ma-ravilha de miniaturizaccedilatildeo e automaccedilatildeo Em tempera-tura ambiente usando mecanismos bioquiacutemicos de complexidade quase inacessiacutevel a vida processa aacuteto-mos e moleacuteculas determinando e regulando fluxos de substacircncias e de energia

As florestas condicionam o clima que lhes favoreccedila e com isso geram estabilidade e conforto sob cujo abrigo flo-rescem sociedades humanas

O conforto climaacutetico que apreciamos na Terra desco-nhecido em outros corpos siderais pode ser atribuiacutedo em grande medida ndash aleacutem

de muitas outras competecircncias ndash agrave colocircnia de seres vivos que tecircm a capacidade de fazer fotossiacutentese O gaacutes carbocircnico (CO2) funciona como alimento para a planta mateacuteria-prima transformada pelo instrumental bioquiacutemico com o uso de luz e aacutegua em madeira fo-lhas frutos raiacutezes4 De forma encadeada quando as plantas consomem CO2 a concentraccedilatildeo desse gaacutes na atmosfera diminui

4 Animaccedilotildees em biologia molecular httpwwwjohnkyrkcomindexpthtml5 Biotic Regulation of the Environment httpwwwbioticregulationru

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 10Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aniquilada como a Mata Atlacircntica que perdeu mais de 90 da sua cobertura original O efeito desse des-matamento histoacuterico no clima embora perceptiacutevel foi menos notado do que seria de se esperar e a razatildeo foi a costa quente (e uacutemida) da floresta amazocircnica que manteve o continente razoavelmente protegido de extremos com um clima ameno Mas nos uacuteltimos 40 anos a uacuteltima grande floresta a cabeceira das aacuteguas atmosfeacutericas da maior parte do continente esteve sob o ataque implacaacutevel do desmatamento Coincidente-mente aumentaram as perdas com desastres naturais ligados a anomalias climaacuteticas tanto por excessos (de chuva calor e ventos) quanto por falta (secas)6

As regiotildees andinas e mesmo da costa do Paciacutefico que dependem das geleiras para seu abastecimento de aacutegua poderatildeo em futuro proacuteximo ver-se ameaccediladas pois o derretimento acelerado pelo aquecimento cli-maacutetico jaacute estaacute em andamento e tambeacutem porque qua-se toda a precipitaccedilatildeo nas altas montanhas que su-prem as geleiras ano a ano tem sua mateacuteria-prima no vapor procedente da floresta amazocircnica7 A leste dos Andes a escala da dependecircncia no ciclo hidroloacutegico amazocircnico eacute incomensuravelmente maior

As regiotildees de savana na parte meridional onde haacute hoje um dos maiores cinturotildees de produccedilatildeo de gratildeos e ou-tros bens agriacutecolas tambeacutem recebe da floresta amazocirc-nica vapor formador de chuvas reguladas e benignas o principal insumo da agricultura Natildeo fosse tambeacutem

a liacutengua de vapor que no veratildeo hemisfeacuterico pulsa da Amazocircnia para longe levando chuvas essenciais8 e ou-tras influencias beneacuteficas muito provavelmente teriam clima inoacutespito as regiotildees Sudeste e Sul do Brasil (onde hoje se encontra sua maior infraestrutura produtiva na-cional) e outras aacutereas como o Pantanal e o Chaco as regiotildees agriacutecolas na Boliacutevia Paraguai e Argentina

Este trabalho mostraraacute primeiro o que sabemos sobre como a floresta amazocircnica funciona e manteacutem sua ca-pacidade de existir e persistir por eras geoloacutegicas De-pois exibiraacute o efeito sobre o clima que a destruiccedilatildeo do sistema natural jaacute estaacute gerando e as previsotildees sobre o que ainda pode gerar Por fim exploraraacute as ameaccedilas ao equiliacutebrio climaacutetico que as alteraccedilotildees em curso po-dem disparar analisando sob alguns acircngulos os riscos climaacuteticos agrave espreita

6 (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Marengo et al 2011) Extreme climatic events in the Amazon basin7 (Rabatel et al 2012) Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change8 (Willmot amp Webber 1998) South American Climate Data httpclimategeogudeledu~climate

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 11Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Buscando esclarecer misteacuterios o trabalho dos cientis-tas natildeo difere muito da investigaccedilatildeo de um detetive Exploram pistas analisam evidecircncias desenvolvem teorias constroem modelos Nas deduccedilotildees eletrizan-tes de Sherlock Holmes os casos mais intrincados cul-minavam com soluccedilotildees elementares A realidade do mundo natural mostra-se rica e complexa repleta de misteacuterios e segredos Mas o meacutetodo cientifico tem-perado pelo fasciacutenio e humanizado pela curiosidade infantil abre portais de acesso agrave compreensatildeo dos fe-nocircmenos mais misteriosos que nos afetam

Tais fenocircmenos ao serem clarificados e elevados agrave sua expressatildeo mais simples democratizam o conhecimen-to da ciecircncia ensejando o desenvolvimento de uma nova e estimulante consciecircncia compartilhada sobre o mundo que habitamos Existem ainda muitos segre-dos sobre o funcionamento das florestas bem guarda-dos na natureza Olhemos aqui para apenas cinco de-les revelados nas uacuteltimas deacutecadas segredos que satildeo cruciais para o entendimento das funccedilotildees das florestas no condicionamento do clima

No afatilde de modelar com o uso de computadores os fluxos colossais de massa e energia para simular o clima os me-teorologistas inicialmente prestaram pouca atenccedilatildeo na cobertura de vegetaccedilatildeo Essa abordagem mudou radi-calmente Por um nuacutemero grande e crescente de evidecircn-cias hoje se sabe do papel vital exercido pela vegetaccedilatildeo em muitos processos do clima E praticamente todos os

1) As florestas geram o clima amigo cinco segredos revelados

modelos do clima assim como os mais complexos modelos do sistema terrestre passaram a incluir representaccedilotildees elabora-das da vegetaccedilatildeo As descober-

tas cientiacuteficas sobre o papel determinante das florestas nos ciclos local regional e planetaacuterio de aacutegua energia carbono e outros valem para todas as florestas naturais do globo Mas aqui vamos focalizar mais as florestas tro-picais da Ameacuterica do Sul especialmente a Amazocircnia

Todos os estudos de modelagem climaacutetica consideram a bacia amazocircnica inteira Mas por haver mais dados disponiacuteveis eacute na Amazocircnia brasileira9 que se realizou a maioria dos outros trabalhos cientiacuteficos como o moni-toramento do desmatamento Natildeo obstante dada a im-portacircncia da bacia amazocircnica como um todo a chama-da Pan-Amazocircnia e tambeacutem porque a atmosfera e os rios natildeo se importam com limites poliacuteticos no futuro as observaccedilotildees mapeamentos e anaacutelises precisaratildeo rom-per as fronteiras nacionais a exemplo do que jaacute fazem projetos como a RAISG com levantamento extensivo e integrado das pressotildees humanas sobre a Amazocircnia10

11) Reciclagem de umidade geisers da floresta

Trezentos anos apoacutes a invasatildeo europeia nas Ameacutericas11 a aura de Jardim do Eacuteden nas selvas tropicais jaacute decaiacutea de seu apelo romacircntico possivelmente pela tromba-da dos cobiccedilosos conquistadores espanhoacuteis com o

9 Definida dentro do que durante a ditadura brasileira (1964-1985) foi definida por decreto como Amazocircnia Legal10 RAISG Red Amazoacutenica de Informacioacuten Socioambietal Georreferenciada Amazocircnia sob pressatildeo11 (Gambini 2000) Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira

Por um nuacutemero grande e crescente de evidecircncias sabe-se hoje do papel vital exercido pela vegetaccedilatildeo em muitos processos do clima

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 12Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

inferno verde aquele labirinto infindaacutevel monoacutetono e perigoso que passou a inspirar mais medo e desespero do que fascinaccedilatildeo O seacuteculo 19 com seus naturalistas cientiacuteficos vecirc reacender a fascinaccedilatildeo mas agora tingi-da por um apelo racional Alexander von Humboldt o aclamado e influente cientista-naturalista alematildeo que explorou as Ameacutericas na virada do seacuteculo 18 para 19 eacute considerado o pai de ciecircncias como geografia fiacutesica meteorologia e ecologia Ele empregou o termo hileia [do grego floresta selvagem] para a Amazocircnia e com a riqueza e encantamento das suas descriccedilotildees minu-ciosas inspirou geraccedilotildees de naturalistas Darwin entre eles De Humboldt vecircm as primeiras sugestotildees da liga-ccedilatildeo entre a floresta a umidade do ar e o clima

Poreacutem no iniacutecio do seacuteculo 20 o poliacutemata autor pro-liacutefico e militar Euclides da Cunha rompe o encanta-mento do naturalismo cientiacutefico com suas descriccedilotildees desapontadas da hileia Seu disciacutepulo Alberto Rangel que como o mestre tambeacutem se sensibilizara com a miseacuteria dos seringueiros e as agruras da vida na selva

ressuscita na obra Inferno Verde a perspectiva de dana-ccedilatildeo dos invasores espanhoacuteis e desmonta de vez a ima-gem de paraiacuteso verde O voluntarismo verbal contra o habitat selvagem lastreado pela admitida ignoracircncia desses autores quanto ao valor intriacutenseco da floresta em compasso com a falecircncia do fausto da borracha muito provavelmente deixou sua heranccedila de valores a influenciar coraccedilotildees e mentes

Quanto do subsequente iacutempeto para a ldquoocupaccedilatildeordquo da Amazocircnia com a radical supressatildeo da mata natildeo teve raiacutezes aiacute Euclides da Cunha prefaciando o livro do dis-ciacutepulo nega valor para a abordagem holiacutestica de Hum-boldt (ldquoa epistemologia da lsquociecircncia amazocircnicarsquo floresce-raacute se se preocupar menos em revelar a hileia por inteirordquo sic) e antecipa a demanda reducionista que viria12

A reciclagem de umidade da chuva pela evaporaccedilatildeo da flores-ta manteacutem o ar uacutemido por mais de 3 mil km continente adentro

Tardios foram os estudos que finalmente comeccedila-ram a revelar os segredos da grande floresta Bus-

cando testar caacutelculos preliminares de balanccedilo hiacutedrico para a Amazocircnia13 que indicavam reciclagem impor-tante da aacutegua Eneacuteas Salati liderou nos anos 1970 estu-dos observacionais de chuva e evaporaccedilatildeo que de-monstraram inequivocamente como atraveacutes da reciclagem de umidade a floresta manteacutem o ar uacutemido por mais de 3000 km continente adentro14

Mas ainda faltavam muitas outras explicaccedilotildees sobre onde quanto como por que e com que implicaccedilotildees Adotando sem saber a sugestatildeo reducionista de Eucli-des da Cunha nas trecircs deacutecadas seguintes aos estudos de Salati mais de duas duacutezias de grandes projetos de investigaccedilatildeo15 congregando centenas de cientistas e usando muitos laboratoacuterios instrumentos sofistica-dos torres aviotildees barcos sateacutelites supercomputado-res e o que mais haacute de ferramenta cientiacutefica produzi-ram milhares de artigos dezenas de livros e bancos de dados alentados a maioria informaccedilatildeo de difiacutecil inter-pretaccedilatildeo isolada

Diz-se que o cientista de hoje eacute aquele que estuda cada vez mais sobre cada vez menos ateacute que conhece tudo sobre o nada Como eacute irocircnico que 200 anos depois a forma mais produtiva de extrair sentido da enormi-dade dessas pesquisas pontuais seja justamente reto-mar a abordagem holiacutestica de Humboldt articulando a riqueza de dados soltos e construindo uma narrativa integrada e funcional a respeito da concentraccedilatildeo fe-nomenal de vida e seu poder sobre os elementos nas florestas da Amazocircnia

Vejamos como podemos captar aspectos espetacu-lares do funcionamento da floresta acompanhando a narrativa do percurso da aacutegua da atmosfera pela inti-midade das plantas e de volta para a atmosfera

Transpiraccedilatildeo plantas natildeo usam desodorante

As plantas suam A aacutegua ao evaporar resfria a folha e o ambiente Mas a transpiraccedilatildeo nas plantas eacute muito mais importante que isso A transpiraccedilatildeo promove a succcedilatildeo pelas raiacutezes e o fluxo ao longo do tronco ateacute as folhas da aacutegua do solo que carrega consigo nutrientes permite que a folha abra seus microportais para a atmosfera (estocircmatos) por onde sai o vapor mas tambeacutem por onde entra o adubo gasoso mais essencial o CO2 E os odores produzidos pelas plantas os gases orgacircnicos que desempenham muitos papeacuteis no funcionamento da atmosfera e das chuvas saem junto com a aacutegua transpirada Portanto sem transpirar a planta deixaria de regular seu proacuteprio bem-estar cessaria de controlar o ambiente e acabaria morrendo por falta de nutrientes dentre eles o CO2 e excesso de temperatura

12 Rafael Leandro assim reflete a expressatildeo de Euclides da Cunha naquele prefaacutecio ldquoa enormidade da floresta soacute pode ser medida se repartidahellip somente num futuro tardio se conheceraacute os segredos da Natureza [] A definiccedilatildeo dos uacuteltimos aspectos da Amazocircnia seraacute o fecho de toda a Histoacuteria Naturalrdquo (Leandro 2009) Inferno Verde Representaccedilatildeo Literaacuteria da Amazocircnia na Obra de Alberto Rangel

13 (Molion 1975) A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects (Villa Nova et al 1976) Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica (Marques et al 1977) Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus

14 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study15 Projetos de pesquisa na Amazocircnia ARME NASA-GTE ABLE ABRACOS TRACE-A RBLE CAMREX INPA-Max Planck INPA-ORSTOM PDBFF PELD LBA LBA-EUSTACH LBA-CARBONSINK LBA-CLAIRE LBA-ECO

LBA-Barca LBA-DMIP GEWEX ISLSCP GEOMA PPBio Rainfor AmazonFlux AMAZE Amazon Pire Amazalert AMAZONICA Changing Amazocircnia ATTO ACRIDICON-CHUVA GreenOceanAmazon etc Apenas no acircmbito do grande projeto LBA foram desenvolvidos 217 subprojetos de pesquisa em 16 anos de operaccedilatildeo

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 13Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Depois que as nuvens precipitam seu precioso liacutequido sobre a floresta grande parte da aacutegua se esgueira por entre o dossel e infiltra-se pelo permeaacutevel solo flores-tal onde eacute armazenada no pacote poroso do solo ou mais abaixo em aquiacuteferos gigantescos verdadeiros oceanos subterracircneos de aacutegua doce

A aacutegua do solo comeccedila seu retorno para a atmosfe-ra absorvida por profundos e sofisticados sugadores as raiacutezes depois sobe desafiando a forccedila da gravidade por 40 a 60 m ou mais em elaboradas tubulaccedilotildees no xilema dos troncos Sua uacuteltima etapa passa pelas es-truturas laminares evaporadoras das folhas versaacuteteis paineacuteis solares quiacutemicos capazes de absorver a ener-gia do sol e aproveitar a cariacutecia dos ventos para trans-pirar e transferir copiosos volumes de aacutegua vaporosa para a atmosfera completando assim o retorno do ci-clo vertical iniciado com a chuva

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpirar mais de mil litros de aacutegua num uacutenico dia

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpi-rar mais de mil litros de

aacutegua num uacutenico dia16 A Amazocircnia sustenta centenas de bilhotildees de aacutervores em suas florestas Vinte bilhotildees de to-neladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica17 Em seu conjunto as aacutervo-res essas benevolentes e silenciosas estruturas verdes vivas da natureza similares a geisers jorram para o ar um rio vertical de vapor mais importante que o Amazonas18

Geiser de vapor maior que o rio Amazonas

Buscando quantificar de modo simples a transpiraccedilatildeo massiva da flores-ta sugerida pelos estudos de Salati e outros fizemos juntamente com Adriana Cuartas em 2007 um caacutelculo revelador Usando os dados de evaporaccedilatildeo coletados nas torres de fluxo do projeto LBA (36 mm ao dia ou 36 litros por m2 em meacutedia) estimamos a quantidade total diaacuteria de aacutegua fluindo do solo para a atmosfera atraveacutes das aacutervores Cobrindo 55 milhotildees de km2 o caacutelculo para a floresta na bacia amazocircnica resultou no fantaacutestico nuacutemero de 20 bilhotildees de toneladas de aacutegua transpirada ao dia (ou 20 trilhotildees de litros) Mais de 22 bilhotildees se considerarmos todas as florestas da porccedilatildeo equatorial da Ameacuterica do Sul e 25 bilhotildees ou mais se considerarmos as florestas que existiam no seu estado pristino em 150017 Para comparaccedilatildeo o volume despejado no oceano Atlacircntico pelo rio Amazonas eacute pouco mais de 17 bilhotildees de toneladas ao dia18

Como em um edifiacutecio com muitos pisos um me-tro quadrado de chatildeo na

Amazocircnia pode ter sobre si ateacute 10 m2 de intrincada su-perfiacutecie foliar distribuiacuteda em diferentes niacuteveis no dossel Nisso reside a explicaccedilatildeo para o fato de uma superfiacutecie terrestre florestada poder evaporar tanto quanto ou ateacute mais aacutegua que a superfiacutecie liacutequida de um oceano ou um lago na qual 1 m2 de superfiacutecie evaporadora coincide com apenas o mesmo 1 m2 da superfiacutecie geomeacutetrica

Corroborando esses fatos fantaacutesticos um estudo pu-blicado recentemente no perioacutedico cientiacutefico Nature18 fez avanccedilar o ciclo de descobertas sobre a importacircn-cia extraordinaacuteria da vegetaccedilatildeo global no processo de transferecircncia de aacutegua para a atmosfera quase 90

16 Aacuterea da copa com raio de 10 m 3242 m2 x 36 litrosm2 = 11311 litros transpirados em um dia17 Aacuterea recente com floresta na bacia hidrograacutefica do rio Amazonas - 55 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 198 x 1012 litros (~20 x 109 toneladas) Aacuterea com floresta em toda Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for

defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas = 6280468 km2 ou 6 280468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 226096848 x 1012 litros (2261 x 109 toneladas)e projetada para a aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 - ou 6943468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 25 x 1012 litros (25 x 109 toneladas)

18 vazatildeo do rio Amazonas na foz de 2 x 105 m3segundo x 86400 segundos = 1728 x 109 m3dia19 (Jasechko et al 2013) Terrestrial water fluxes dominated by transpiration

20 bilhotildees de toneladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 14Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

parte do oceano azul ten-de agrave aridez com pouquiacutes-simas chuvas enquanto

no oceano verde as chuvas eram torrenciais e constan-tes Tanto que antes do avanccedilo do desmatamento di-zia-se haver ali apenas duas estaccedilotildees a uacutemida e a mais uacutemida Agora surgiu uma estaccedilatildeo seca pronunciada e a duraccedilatildeo da estaccedilatildeo uacutemida diminui progressivamente22

Nuvens satildeo aglomerados de pequenas gotiacuteculas em suspensatildeo no ar Gotas visiacuteveis se condensam a partir do vapor que eacute invisiacutevel pelo efeito da baixa tempera-tura Mas somente temperatura natildeo inicia o processo de condensaccedilatildeo Eacute preciso haver tambeacutem uma super-fiacutecie soacutelida ou liacutequida que funcione como ldquosementerdquo para que se inicie a deposiccedilatildeo das moleacuteculas de va-por Essas sementes ou nuacutecleos de condensaccedilatildeo satildeo em geral aerossoacuteis atmosfeacutericos partiacuteculas de poeira gratildeos de poacutelen ou de sal fuligem e muitos outros

Mas na atmosfera sobre a floresta oceano-verde os aeros-soacuteis satildeo encontrados em baixas concentraccedilotildees como no azul Se a limpeza do ar pode ser creditada por um lado ao efeito de tapete verde uacutemido da floresta segurando a poeira embaixo e por outro agrave lavagem do ar pelas chu-vas constantes como explicar a formaccedilatildeo de chuvas tatildeo abundantes sem as sementes usuais para nucleaccedilatildeo

Estudando as trocas de gaacutes carbocircnico atraveacutes de torres de fluxo cientistas brasileiros do INPA e da USP e eu-ropeus da Holanda Alemanha e Itaacutelia colaboraram no

de toda a aacutegua que chega agrave atmosfera oriunda dos con-tinentes chegou laacute atraveacutes da transpiraccedilatildeo das plantas

e somente pouco mais de 10 como simples evapo-raccedilatildeo sem mediaccedilatildeo das plantas Como essa transfe-recircncia por transpiraccedilatildeo se daacute com grande absorccedilatildeo de calor na superfiacutecie as antes insuspeitas plantas inter-ferem ndash e muito ndash com a chuva os ventos e o clima

Todo esse movimento de aacutegua custa energia Olhemos para um paralelo proacuteximo Para gerar a eletricidade de que tanto se necessita fala-se muito em aproveitar a energia das aacuteguas na Amazocircnia Ora a energia hidraacuteu-lica de queda nos rios somente existe porque a aacutegua foi elevada e transportada pela atmosfera para suas altas cabeceiras A transpiraccedilatildeo das aacutervores como elo vital no ciclo das aacuteguas absorve a energia solar no bombeamento da aacutegua do solo e na sua transpiraccedilatildeo Assim as aacutervores funcionam como estaccedilotildees elevatoacute-rias alccedilando e lanccedilando as aacuteguas nas altitudes da at-mosfera aacuteguas que mais adiante retornaratildeo ao solo como chuva transferindo parte da energia solar em-butida no vapor agrave energia potencial da aacutegua que en-che os reservatoacuterios das hidreleacutetricas

12) Nucleaccedilatildeo das nuvens o poacute de pirlimpimpim no oceano verde

Retornar volumes colossais de vapor de aacutegua para a at-mosfera eacute somente a primeira parte da receita para ter

Potecircncia climaacutetica da floresta

Quanta energia do Sol eacute consumida para evaporar 20 trilhotildees de litros de aacutegua ao dia Para dar uma noccedilatildeo da grandeza de energia envolvida na transpiraccedilatildeo amazocircnica basta fazer uma comparaccedilatildeo com as hidreleacutetri-cas Evaporar um grama de aacutegua liacutequida consome 23 kilojoules de ener-gia solar Para converter isso em energia hidraacuteulicaeleacutetrica imagine uma chaleira gigante que comporte esse volume drsquoaacutegua daquelas que se liga na tomada eleacutetrica Quanta eletricidade seria necessaacuteria para ferver e eva-porar toda essa aacutegua A usina de Itaipu com 14 mil megawatts de potecircn-cia precisaria gerar eletricidade em sua capacidade maacutexima por 145 anos para que a chaleira evaporasse a aacutegua equivalente agravequela transpirada em apenas um dia amazocircnico Ou para rivalizar com as aacutervores amazocircnicas e fazer o trabalho em um dia seria preciso somar a eletricidade de 50 mil usinas hidreleacutetricas como Itaipu (ou 200 mil como Belo Monte) Esta comparaccedilatildeo deixa claro que diante da potecircncia climaacutetica da floresta as maiores estruturas humanas se mostram microscoacutepicas

e manter chuvas copiosas e benignas Em 1999 um dos primeiros estudos utilizando aviotildees e observaccedilotildees do sateacutelite TRMM20 feitos no projeto LBA constatou que na Amazocircnia o ar na baixa atmosfera (troposfera) eacute tatildeo lim-po de poeira quanto o ar sobre o oceano onde as fontes de poeira satildeo muito reduzidas e que as nuvens tiacutepicas na Amazocircnia se pareciam muito com as nuvens mariacutetimas Essa inusitada semelhanccedila inspirou aqueles pesquisa-dores a batizar a Amazocircnia de ldquooceano verderdquo21 Esse ter-mo descreve as caracteriacutesticas oceacircnicas desta extensatildeo continental coberta por densas florestas A importacircncia deste conceito novo e incomum reside na sua sugestatildeo de uma superfiacutecie florestal estendida abaixo da atmos-fera cuja caracteriacutesticas de vastidatildeo humidade e trocas pelos ventos se assemelham agraves dos oceanos reais

Mas havia na semelhanccedila um misteacuterio pois a maior

Na transpiraccedilatildeo as plantas transferem para a atmosfera 90 de toda a aacutegua eva-porada nos continentes

20 httptrmmgsfcnasagov21 (Williams et al 2002) Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification22 (Marengo 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region

Oceano verde a atmosfera ama-zocircnica possui o ar limpo como a atmosfera do oceano azul

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 15Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ar a chuva natildeo os lava Soacute quando oxidam-se e precipi-tam-se como aerossoacuteis formando as chuvas eacute que satildeo lavados Mas sempre haacute mais BVOCs esperando para formar mais poacute de pirlimpimpim para a proacutexima chuva

Aleacutem da promoccedilatildeo de chuvas volumosas e gentis outros mecanismos bioquiacutemicos anaacutelogos aos que produzem os aromas atuam como ldquovassourinhas quiacute-micasrdquo da atmosfera Nas condiccedilotildees amazocircnicas po-luentes perigosos (como o ozocircnio) satildeo removidos do ar Nos anos 1980 nos primeiros estudos de quiacutemica da atmosfera empregando aviotildees instrumentados constatou-se que o ar na baixa atmosfera amazocircnica continha menos ozocircnio (portanto era mais saudaacutevel) que o ar das regiotildees mais remotas da Terra (como a Antaacutertida) Nas deacutecadas subsequentes outros projetos de investigaccedilatildeo indicaram o efeito das aacutervores na lim-peza do ar25 Desses e de outros estudos em desenvol-vimento pode-se sugerir que as plantas amazocircnicas usam algum tipo de vitamina C como um antioxidan-te capaz de remover do ar gases danosos para a vida

13) Bomba bioacutetica de umidade doar aacutegua para receber chuva

Por volta de 2005 no pico da mais poderosa seca a atingir a Amazocircnia ateacute aquele momento atuamos na integra-ccedilatildeo dos primeiros seis anos de dados do projeto LBA26 Depois de analisar em vaacuterios estudos as evidecircncias das

projeto LBA para investigar tambeacutem as trocas de outros gases produzidos pelas plantas contendo carbono para verificar se constituiacuteam parte importante dessas trocas Esses outros gases satildeo os aromas da floresta tambeacutem chamados de compostos orgacircnicos volaacuteteis biogecircni-cos (BVOCs23) Como um vidro de perfume aberto per-de seu liacutequido por evaporaccedilatildeo e o gaacutes-perfume difun-de-se pelo ambiente uma variedade de substacircncias orgacircnicas evapora nas folhas e ganha a atmosfera

Quando no ar uacutemido e com a luz do Sol os aromas das plantas formam uma poeira finiacutessima com afinidade pela aacutegua Satildeo os nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens

Em termos de massa as quantidades de carbono perdidas para a atmosfera por esses gases orgacircnicos satildeo pequenas Contudo um grupo liderado por Meinrat

Andreae do Instituto Max Planck que estuda a quiacutemica dos gases na atmosfera investigou o que acontecia com esses aromas quando misturados ao ar amazocircnico e desvendou o misteacuterio da nucleaccedilatildeo das nuvens24 Os BVOCs (como isopreno terpenos etc) numa atmosfera uacutemida e na presenccedila da radiaccedilatildeo solar oxidam-se e pre-cipitam-se formando uma poeira finiacutessima com afinida-de pela aacutegua (higroscoacutepica) gerando eficientes nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens Poeticamente falando esse eacute o poacute de pirlimpimpim que surge magicamente no ar carregado de vapor e provoca as chuvas a cacircntaros das nuvens baixas os regadores do Jardim do Eacuteden En-quanto os BVOCs estatildeo na forma de gaacutes dissolvidos no

23 Do inglecircs Biogenic Volatile Organic Carbon satildeo compostos biogecircnicos porque satildeo sintetizados pelos organismos vivos como os odores das plantas Existem outros compostos orgacircnicos volaacuteteis natildeo biogecircni-cos chamados simplesmente de VOCs como o solvente de uma tinta por exemplo

24 (Poumlschl et al 2010) Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon (Clayes et al 2004) Formation of secondary organic aerosols through photooxidation of isoprene Release Astonishing Discovery over the Amazonian Rain Forest

25 Por exemplo (Rummel et al 2007) Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia26 (Nobre 2005) Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 16Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

observaccedilotildees e os resultados de modelos ponderei so-bre a pergunta em voga agrave eacutepoca com o aquecimento global iraacute a floresta uacutemida na Amazocircnia secar e morrer

Ao longo de milhares27 ou provavelmente milhotildees de anos28 a floresta tropical da Ameacuterica do Sul evoluiu sua biota luxuriante sem sinais de ter sido desligada por even-tos climaacuteticos extremos como aridez ou congelamento No mesmo espaccedilo de tempo no entanto eacute improvaacutevel que o impacto do clima externo ao continente tenha permanecido benigno especialmente considerando as interferecircncias coacutesmicas e sua conhecida relaccedilatildeo com mudanccedilas climaacuteticas profundas em escala planetaacuteria29

Em face da adversidade climaacutetica externa como este magniacutefico bioma conseguiu resistir agrave extinccedilatildeo Hoje haacute linhas suficientes de evidecircncias de que a biosfera natildeo soacute pode resistir mas na verdade pode alterar modular e ateacute regular seu proacuteprio ambiente30

As florestas tropicais da Ameacute-rica do Sul estatildeo entre os mais densos diversos e complexos biomas terrestres no planeta Do mecanismo de chuvas no oceano verde pode-se ima-ginar como essas florestas

Amazocircnia coraccedilatildeo do mundo

Como podemos entender a circulaccedilatildeo da aacutegua pela paisagem A aacutegua irriga e drena os solos de forma anaacuteloga ao sangue que irriga e drena os tecidos do corpo Se os familiares rios satildeo anaacutelogos agraves veias que dre-nam a aacutegua usada e a retornam para a origem no oceano onde ficam as arteacuterias do sistema natural Satildeo os rios aeacutereos que trazem a aacutegua fresca renovada na evaporaccedilatildeo do oceano Para completar o sistema circulatoacuterio faltava somente o coraccedilatildeo a bomba que impulsiona os fluxos nas arteacuterias aeacutereas A teoria da bomba bioacutetica veio explicar que a potecircncia que propele os ventos canalizados nos rios aeacutereos deve ser atribuiacuteda agrave grande floresta que funciona entatildeo como coraccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico

poderiam regular o clima Controlar a precipitaccedilatildeo signi-fica tambeacutem controlar a convecccedilatildeo o que por sua vez significa interferir com uma poderosa correia transporta-dora de massa e energia a circulaccedilatildeo de Hadley31 Atra-veacutes da regulaccedilatildeo de chuvas a biologia poderia definir o ritmo dos ventos aliacutesios do Atlacircntico arrastando a neces-saacuteria umidade do oceano para o interior do continente

Na mesma eacutepoca Victor Gorshkov e Anastassia Maka-rieva aprofundando sua teoria sobre a regulaccedilatildeo bioacute-tica do ambiente32 examinavam os mecanismos que ligam a transpiraccedilatildeo das plantas com efeitos fiacutesicos na atmosfera Das surpreendentes descobertas desta anaacutelise eles desenvolveram a teoria da bomba bioacutetica de umidade33 revelando fisicamente como processos de transpiraccedilatildeo e condensaccedilatildeo mediados e manipula-dos pelas aacutervores mudam a pressatildeo e dinacircmica atmos-feacutericas resultando em maior suprimento de umidade do oceano para o interior de continentes florestados

Makarieva e colaboradores descobriram que a conden-saccedilatildeo do vapor drsquoaacutegua na atmosfera gera uma reduccedilatildeo localizada de pressatildeo e produz potencia dinacircmica que acelera os ventos ao longo do resultante gradiente de pressatildeo 34 O ponto crucial da teoria eacute que contrastes na evaporaccedilatildeo da superfiacutecie ndash casada com a determinante condensaccedilatildeo nas nuvens ndash muito mais que contrastes

na temperatura de superfiacutecie determinam a direccedilatildeo e a intensidade dos ventos trazedores de chuva

Assim uma regiatildeo florestada que evapora tanta ou mais aacutegua que uma superfiacutecie oceacircnica contiacutegua ndash e que teraacute muito mais condensaccedilatildeo na produccedilatildeo de chu-vas ndash iraacute sugar do mar para a terra as correntezas de ar carregadas de umidade onde ascenderatildeo o que traraacute chuvas para a aacuterea florestada Ao contraacuterio se a floresta for removida o continente teraacute muito menos evapora-ccedilatildeo do que o oceano contiacuteguo ndash com a consequente reduccedilatildeo na condensaccedilatildeo ndash o que determinaraacute uma re-versatildeo nos fluxos de umidade que iratildeo da terra para o mar 35 criando um deserto onde antes havia floresta

Entre as previsotildees baseadas na teoria da bomba bioacute-tica feitas por Makarieva e Gorshkov estava a de que as secas nas florestas nativas seriam contrapostas por transpiraccedilatildeo vigorosa das aacutervores Ora essa previsatildeo contrariava o senso comum pois qualquer pessoa sabe que basta deixar um vaso com plantas sem re-gar por alguns dias para que as plantas murchem e

27 (Baker et al 2001) The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years28 (Hooghiemstra et al 2002) Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary29 (Berger and Yin 2012) Astronomical Theory and Orbital Forcing30 (Foley and Costa 2003) Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate (Gorshkov et al 2004) Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction

(Pielke and Avissar 1998) Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate31 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena32 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change33 (Makarieva and Gorshkov 2007) Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land34 (Makarieva et al 2013) Where do winds come from35 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais

Uma regiatildeo florestada onde ocorre muito mais conden-saccedilatildeo em nuvens do que em superfiacutecie oceacircnica contiacutegua iraacute sugar para a terra os ven-tos do mar que carregados de umidade traratildeo chuvas para a aacuterea florestada

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 17Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

continuar a importar aacutegua pela atmosfera ndash contra-pondo a seca ndash e garantir a continuidade da floresta A teoria da bomba bioacutetica vem ganhando aceitaccedilatildeo37 e jaacute tem comprovaccedilatildeo observacional38

14) Rios aeacutereos aacutegua fresca pelas arteacuterias suspensas

Um mapa-muacutendi revela interessantes arranjos e sime-trias na distribuiccedilatildeo de florestas e desertos ao redor do globo com trecircs cinturotildees chamando a atenccedilatildeo um de florestas ao redor da linha do Equador e outros dois de desertos ao redor dos troacutepicos de Cacircncer e Capri-coacuternio Tal geografia de paisagens contrastantes tem explicaccedilatildeo conhecida a circulaccedilatildeo de Hadley39

Pela influecircncia da circulaccedilatildeo de Hadley a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul tenderia agrave aridez

Haacute maior incidecircncia solar na zona equatorial e portanto ocorre ali devido a efeitos fiacutesi-cos uma maior ascensatildeo de ar

que se resfria e faz chover favorecendo florestas O ar que subiu e perdeu umidade precisa ir para algum lugar des-locando-se em altitude nos dois hemisfeacuterios na direccedilatildeo dos subtroacutepicos Esse ar seco quando desce e se aquece remove umidade da superfiacutecie favorecendo desertos

Mas existem exceccedilotildees e a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul eacute uma delas Pela influecircncia da circula-ccedilatildeo de Hadley essa regiatildeo tenderia agrave aridez Basta ver o deserto de Atacama no outro lado dos Andes ou os

ateacute morram Contrariava tambeacutem o conhecimento de ecofisiologistas segundo o qual quando para de cho-ver e a aacutegua no solo diminui as plantas fecham logo seus estocircmatos e deixam de transpirar para econo-mizar aacutegua Ao mesmo tempo essa previsatildeo fornece uma pista para um antigo enigma ecofisioloacutegico por-que a fotossiacutentese evoluiu para ser ldquoesbanjadorardquo de vapor drsquoaacutegua Surpreendentemente entretanto Scott Saleska e colaboradores publicaram na revista cientiacutefi-ca Science36 observaccedilotildees que corroboravam a correccedilatildeo da previsatildeo teoacuterica de Makarieva e Gorshkov

Durante o pico da seca de 2005 as partes mais atingidas da Amazocircnia foram as que mais ldquoverdejaramrdquo isto eacute na zona onde choveu menos (conforme registro do sateacutelite TRMM) brotaram mais folhas novas nas copas das aacutervores (conforme foi visto pelo sensor MODIS no sateacutelite Terra)

As conclusotildees desse estudo a partir de imagens de sateacutelite jaacute contavam com apoio de mediccedilotildees em terra das torres de fluxo do projeto LBA que haviam consta-tado o fato de natildeo ocorrer uma reduccedilatildeo de transpira-ccedilatildeo das aacutervores nas eacutepocas secas Em outras palavras parece que quando a seca chega as aacutervores com raiacute-zes profundas (e acesso a grande quantidade de aacutegua subterracircnea) executam um programa para manter ou aumentar a transpiraccedilatildeo Assim com o fluxo de vapor da transpiraccedilatildeo na superfiacutecie ndash e a correspondente condensaccedilatildeo nas nuvens ndash manteacutem-se a succcedilatildeo do ar uacutemido sobre os oceanos proacuteximos o que significa

36 (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought37 Por exemplo (Sheil and Murdiyarso 2009) How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis38 (Poveda et al 2014) Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers39 Ceacutelula de Hadley

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 18Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

circulaccedilatildeo que liga os ventos aliacutesios carregados de umidade do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonal-mente para a parte meridional

da Ameacuterica do Sul foi descrita por Joseacute Marengo e cola-boradores43 Embora eles tenham chamado esse trans-porte de jatos de baixos niacuteveis o conceito eacute muito similar ao dos rios atmosfeacutericos Segundo sua explicaccedilatildeo fun-ciona na Ameacuterica do Sul um sistema de monccedilotildees seme-lhante ao da Aacutesia e devido ao efeito da floresta (geisers da floresta) e tambeacutem da cordilheira dos Andes (uma barreira de 6 km de altura) o persistente ar uacutemido ama-zocircnico faz a curva no Acre e durante o veratildeo leva quan-tidades generosas de vapor drsquoaacutegua para o quadrilaacutetero afortunado contrariando sua tendecircncia para a aridez

Recentemente Josefina Arraut44 e colaboradores fi-zeram uma revisatildeo climatoloacutegica dos rios aeacutereos da Ameacuterica do Sul estimando o transporte de vapor as-sociado e introduzindo um novo conceito ldquolagos aeacute-reosrdquo ou seja regiatildeo de remanso atmosfeacuterico com um estoque de vapor precipitaacutevel

Com o conceito de rios aeacutereos estabelecido e tornan-do-se popular Dominick Spracklen45 e colaboradores desenvolveram uma nova abordagem ao correlacionar a superfiacutecie coberta por vegetaccedilatildeo agrave exposiccedilatildeo de uma

Salati e colaboradores comparando as assinaturas quiacute-micas40 entre o fluxo de entrada de vapor oceacircnico no grande anfiteatro amazocircnico com as correspondentes assinaturas da aacutegua de escoamento que retorna ao oceano pelo rio Amazonas perceberam que parte sig-nificativa da aacutegua que entrava como vapor no canal aeacutereo natildeo retornava pelo canal terrestre41

Daiacute concluiacuteram que a Amazocircnia devia estar exportan-do esse vapor para outras regiotildees do continente e irri-gando outras bacias hidrograacuteficas que natildeo a do Ama-zonas Anaacutelises preliminares feitas agrave eacutepoca nas aacuteguas de chuva coletadas na cidade do Rio de Janeiro de-tectaram sinais de que parte dela vinha do interior do continente natildeo do oceano contiacuteguo E mais especifi-camente que havia passado pela Amazocircnia Esse gru-po foi o primeiro a sugerir que chuvas na Ameacuterica do Sul fora da Amazocircnia poderiam ser alimentadas pelo transporte continental de vapor

O conceito de rios atmosfeacutericos foi introduzido em 1992 por Reginald Newell e Nicholas Newell42 para descre-ver fluxos filamentares na baixa atmosfera capazes de transportar grandes quantidades de aacutegua como vapor tipicamente em volumes superiores ao transportado pelo rio Amazonas (que tem vazatildeo de 200 milhotildees de litros por segundo ndash ou 17 bilhotildees de toneladas ao dia)

Quase trecircs deacutecadas depois dos achados de Salati a

Rios Voadores contando uma bela histoacuteria

Em 2006 contemplando a floresta amazocircnica do alto de uma torre de estudo do projeto LBA trocamos com o aviador Gerard Moss as primei-ras ideias que levaram ao projeto de aventura pesquisa divulgaccedilatildeo e educaccedilatildeo ambiental Rios Voadores42 Com financiamento da Petrobras e a participaccedilatildeo de Eneacuteas Salati o pioneiro dos estudos sobre reciclagem de umidade na Amazocircnia aleacutem de outros cientistas de renome Moss perseguiu por anos os rios de vapor com seu aviatildeo monomotor coletan-do numerosas amostras para estudo e capturando a atenccedilatildeo luacutedica das pessoas na aventura que criou Fez tambeacutem um trabalho extraordinaacuterio de educaccedilatildeo ambiental nas escolas e pela Web postando frequente-mente em redes sociais as trajetoacuterias dos rios voadores e mostrando como estes levam aacutegua para as pessoas O resultado mais valioso desse projeto foi sua capacidade de tocar o lado emocional das pessoas atraveacutes do estiacutemulo luacutedico da aventura da ciecircncia engajada conectan-do-as ao sentimento de estima pelo ambiente pela aacutegua e pela floresta

desertos de Namiacutebia e Kalahari na Aacutefrica e o deserto da Austraacutelia Todos alinhados latitudinalmente com a afortunada aacuterea verde responsaacutevel por 70 do PIB do continente no quadrilaacutetero delimitado por Cuiabaacute ao Norte Satildeo Paulo a Leste Buenos Aires ao Sul e a cor-dilheira dos Andes a Oeste

As escolas ensinam que a aacutegua evapora do mar ldquovairdquo para os continentes cai como chuva eacute coletada nos rios de superfiacutecie e retorna ao mar Ao fazer a ligaccedilatildeo entre evaporaccedilatildeo da aacutegua no mar com seu tracircnsito em terra esse conceito simploacuterio do ciclo hidroloacutegico natildeo estaacute errado mas natildeo explica quase nada Por exemplo por que existem desertos ou por que o vapor mariacutetimo adentra os continentes de forma heterogecircnea

Rios aeacutereos ligam os ventos aliacutesios carregados de umida-de do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonalmente para a parte meridional da Ameacuterica do Sul

40 Definidas pelo uso de traccediladores que portam assinaturas isotoacutepicas Diz-se que satildeo isoacutetopos dois ou mais aacutetomos com o mesmo numero de proacutetons mas com massas diferentes Uma analogia boa eacute pensar em gecircmeos com caracteriacutesticas idecircnticas exceto peso Assinatura isotoacutepica eacute a relaccedilatildeo numeacuterica entre a imensa multidatildeo de ldquogecircmeosrdquo atocircmicos em um material ou substancia A aacutegua pode conter variada combinaccedilatildeo de gecircmeos de oxigecircnio (16O e 18O) e hidrogecircnio (1H 2H) gerando moleacuteculas de aacutegua com pesos distintos A proporccedilatildeo destes gecircmeos atocircmicos que ocorre na aacutegua do mar por exemplo se altera com a evaporaccedilatildeo (flutuam primeiro os mais leves) e tambeacutem com a chuva (precipitam primeiro os mais pesados) Assim ao analisar a assinatura isotoacutepica de uma amostra de aacutegua ou vapor pode-se saber de onde ela veio se do oceano ou da floresta

41 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study (Matsui et al 1976) Isotopic hydrology in the Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 18O concentrations42 (Newell and Newell 1992) Tropospheric Rivers - A Pilot Study43 (Marengo et al 2004) Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalysis Characteristics and temporal variability44 (Arraut et al 2012) Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America45 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 19Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Eventos extremos a vida buscando equiliacutebrio

Com o aquecimento global ocorre maior acuacutemulo de energia na at-mosfera o que aumenta a probabilidade de ocorrecircncias de fenocircmenos climaacuteticos mais intensos A natureza desta tendecircncia foi prevista haacute deacutecadas pelos meteorologistas Mas a maior intensidade e frequecircncia dessas ocorrecircncias estaacute sendo observada deacutecadas antes do previsto Algum fator na complexidade do clima deve explicar a aceleraccedilatildeo dos efeitos O registro geoloacutegico mostra que climas extremos jaacute ocorreram na histoacuteria da Terra muito antes da humanidade surgir Mas ao contraacuterio do que seria de se esperar depois dos cataclismos todas as evidecircncias apontam sempre para uma resiliente recuperaccedilatildeo estabilizadora ate-nuando os extremos Sistemas puramente geofiacutesicos natildeo teriam essa capacidade Somente a vida e seus processos de auto-regulaccedilatildeo ofere-cem explicaccedilatildeo satisfatoacuteria para a histoacuteria climaacutetica da Terra49

parcela de ar num rio aeacutereo (medida pelo iacutendice cumu-lativo de aacuterea foliar ao longo da trajetoacuteria) com chuva a jusante na trajetoacuteria daquela mesma parcela Ou seja um rio aeacutereo conecta regiotildees doadoras de umidade com outras receptoras de umidade Daiacute a importacircncia crucial das florestas a montante constatou-se que a Amazocircnia eacute de fato a cabeceira dos mananciais aeacutereos da maior parte das chuvas na Ameacuterica do Sul

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos

Makarieva e Gorshkov46 introduziram uma nova definiccedilatildeo fiacutesica para furacotildees ciclones ou tornados ldquo satildeo implosotildees (explosotildees em reverso) que se passam em cacircmera lenta decorrentes do desaparecimento volumeacutetrico de vapor drsquoaacutegua na atmosfera por condensaccedilatildeordquo47 Paulo Nobre

apresentou-lhes entatildeo um problema ldquoA questatildeo que se coloca eacute entender por que os furacotildees natildeo se desenvol-vem sobre as florestas tropicais como na Amazocircnia onde o fornecimento de vapor de aacutegua pela floresta e sua ex-tinccedilatildeo na forma de chuva tropical eacute tatildeo abundanterdquo 48

Respondendo Makarieva e Gorshkov demonstraram teoricamente como uma grande aacuterea terrestre co-berta por floresta natildeo per-

mite a formaccedilatildeo de furacotildees e outros padrotildees climaacuteticos anocircmalos incluindo secas e enchentes Em sua explica-ccedilatildeo a fricccedilatildeo turbulenta local com o dossel da floresta -que transpira ativamente o que resulta em chuvas uni-formes sobre grandes aacutereas- e a traccedilatildeo do vento pela bomba bioacutetica em distacircncias maiores diminui muito a chance de organizaccedilatildeo de tormentas como tornados ou furacotildees As trajetoacuterias registradas dos furacotildees compro-vam o ambiente ameno nas regiotildees cobertas por flores-tas extensas e aacutereas oceacircnicas proacuteximas50 Ou seja aleacutem de todos os outros serviccedilos da floresta ao clima ela ainda oferece um seguro contra destrutivos eventos atmosfeacute-ricos atenuando a concentraccedilatildeo de energia nos ventos

Outras funccedilotildees claacutessicas das florestas na regulaccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico em terra satildeo bem conhecidas como o favorecimento da recarga de aquiacuteferos e a atenua-ccedilatildeo de enchentes51 entre muitas outras

Entre os serviccedilos que a floresta presta ao clima estaacute um segu-ro contra eventos atmosfeacutericos destrutivos atenuando a concen-traccedilatildeo da energia nos ventos

46 (Makarieva et al 2008) On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine47 De acordo com os autores ldquoThe driving force of all hurricane processes is a rapid release as in compressed spring of potential energy previously accumulated in the form of saturated water vapor in the atmospheric column

during a prolonged period of water vapor evaporation under the action of the absorbed solar radiationrdquo (Makarieva et al 2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient48 (Nobre P 2009a) Peer Review Question Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo49 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment50 Storm Track mapa registrando todas as trajetoacuterias observadas de furacotildees mostrando que a regiotildees equatoriais das florestas e suas imediaccedilotildees oceacircnicas satildeo livres destes fenocircmenos51 httpwwwipefbrhidrologiamataciliarasp

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 20Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito

Em vista dos efeitos extensivos e elaborados das flo-restas sobre o clima demonstrados pela ciecircncia que resultados esperar da sua devastaccedilatildeo Para avaliar os impactos do desmatamento no clima vem sendo fei-to um nuacutemero crescente de experimentos de campo e modelagem estudos observacionais e mais recente-mente anaacutelises teoacutericas Quais as consequecircncias pro-jetadas do desmatamento e quais as jaacute observadas

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores

Uma das maiores virtudes dos modelos climaacuteticos estaacute em sua capacidade de simular cenaacuterios distantes do momento presente Esse tipo de exerciacutecio natildeo eacute pre-ditivo no sentido fiacutesico mas onde a teoria fiacutesica ainda natildeo estiver disponiacutevel eacute o melhor conhecimento e a uacutenica ferramenta para analisar sistemas complexos e fazer extrapolaccedilotildees bem fundamentadas

Tais exerciacutecios de simulaccedilatildeo satildeo valiosos para situaccedilotildees especiacuteficas como explorar riscos climaacuteticos associados ao desmatamento No ambiente virtual como num si-mulador de voo eacute possiacutevel avaliar repetidamente ce-naacuterios de desastres esmiuccedilando os fatores atuantes as condiccedilotildees iniciais e as consequecircncias potenciais de manobras arriscadas

Em 1991 Carlos Nobre liderou um dos mais citados

estudos para simular o impacto no clima do desma-tamento total da floresta amazocircnica52 Usando um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera (GCM53) com um moacutedulo acoplado de representaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo (SiB54) os autores concluiacuteram que quando as florestas eram substituiacutedas por pasto degradado no modelo verificava-se um aumento significativo na temperatura meacutedia de superfiacutecie (cerca de 25degC) e uma diminuiccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo anual (reduccedilatildeo de 30) da pre-cipitaccedilatildeo (reduccedilatildeo de 25) e do escoamento superfi-cial (reduccedilatildeo de 20) Na simulaccedilatildeo ocorria tambeacutem um aumento da duraccedilatildeo da estaccedilatildeo seca na metade sul da bacia amazocircnica

Nas duas deacutecadas seguintes outros estudos avanccedila-ram no detalhamento e generalizaccedilatildeo dessas conclu-sotildees Deborah Lawrence e Karen Vandecar fizeram recentemente uma revisatildeo da literatura55 sobre os impactos do desmatamento tropical no clima e con-cluiacuteram que vaacuterios GCMs concordam em que o des-matamento em escala regional leva a um clima mais quente e seco sobre a aacuterea desmatada Os modelos que simulam o desmatamento completo da Amazocirc-nia preveem um clima com aquecimento na faixa de 01-38degC (meacutedia de 19degC) e reduccedilatildeo de chuvas na fai-xa de 140-640 mm ao ano (meacutedia de 324 miliacutemetrosano ou 10-15 de reduccedilatildeo)

Mas o desmatamento pode ter implicaccedilotildees muito mais

52 (Nobre C et al 1991) Amazonian Deforestation and Regional Climate Change53 Definiccedilatildeo de GCM por Lawrence e Vandecar (2014) ldquo satildeo modelos computacionais tridimensionais globais do sistema climaacutetico que operam em larga escala Os modelos mais recentes incluem representaccedilotildees

da atmosfera oceanos e da superfiacutecie da Terra [] e incorporam o ciclo hidroloacutegico e uma representaccedilatildeo expliacutecita [] da vegetaccedilatildeo e seus efeitos sobre os fluxos de energia e de aacutegua incluindo as transferecircncias radiativas e turbulentas e os controles fiacutesicos e bioloacutegicos da evapotranspiraccedilatildeordquo

54 (Sellers et al 1986) Simple Biosphere Model55 (Lawrence and Vandecar 2014) The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity natildeo publicado

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 21Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

modelos parecem tender a subestimar as consequecircn-cias negativas nos cenaacuterios simulados Os resultados de projeccedilotildees mais recentes incluindo os oceanos agra-vam o quadro e aumentam o alerta

A eliminaccedilatildeo da floresta ndash prin-cipal agente da condensaccedilatildeo continental ndash equivale a desligar o interruptor de uma bomba de umidade atmosfeacuterica

Mas eacute preciso tambeacutem con-siderar a teoria da bomba bioacutetica e sua previsatildeo de re-duccedilatildeo de chuvas Diferente-mente dos modelos numeacute-

ricos convencionais uma teoria fiacutesica constroacutei entendimento baseada exclusivamente em leis funda-mentais da natureza Se a teoria estiver correta torna possiacutevel prever quantitativamente efeitos fiacutesicos apenas com a anaacutelise dos cenaacuterios e de sua loacutegica funcional

Makarieva e Gorshkov preveem que o desmatamento completo da Amazocircnia reduziria a precipitaccedilatildeo primor-dialmente como resultado da dissipaccedilatildeo do efeito da baixa pressatildeo (succcedilatildeo) associado agrave condensaccedilatildeo que eacute conectada a uma reduccedilatildeo da evaporaccedilatildeo de superfiacute-cie Como a teoria da bomba bioacutetica tambeacutem credita a disponibilidade de vapor para a precipitaccedilatildeo na Ama-zocircnia como resultado dessa capacidade de transpirar a eliminaccedilatildeo total do principal agente da transpiraccedilatildeo levaria agrave cessaccedilatildeo completa do bombeamento bioacutetico

Esta teoria sugere que desligado o interruptor da bom-ba que puxa o ar uacutemido para o continente o fluxo de umidade deve mudar de direccedilatildeo quando a condensaccedilatildeo passar a ser relativamente maior sobre o oceano (mais

seacuterias Em 1997 German Poveda e Oscar Mesa56 propuse-ram o papel de ponte hidrometeoroloacutegica para a floresta amazocircnica ao conectar os dois grandes oceanos proacutexi-mos isto eacute sugerindo efeitos climaacuteticos cruzados entre os oceanos via atmosfera mediados pela floresta

Explorando com modelagem em direccedilatildeo similar mais recentemente Paulo Nobre57 e colaboradores estuda-ram o impacto do desmatamento na chuva amazocircni-ca tendo como referecircncia a inclusatildeo ou a exclusatildeo das respostas dos grandes oceanos aos cenaacuterios de des-matamento58 Comparando simulaccedilotildees feitas em um GCM atmosfeacuterico usual com um GCM acoplado a outro modelo que simula as condiccedilotildees internas dos oceanos (salinidade correntes etc) esses autores encontraram uma reduccedilatildeo consideravelmente maior na precipita-ccedilatildeo quando o GCM acoplado com o oceano foi rodado para um cenaacuterio de desmatamento total da Amazocircnia 42 de reduccedilatildeo da chuva contabilizando os mecanis-mos internos dos oceanos contra 26 de reduccedilatildeo da chuva sem considera-los Os oceanos sempre estive-ram presentes e a inclusatildeo das suas respostas internas daacute mais realismo agraves simulaccedilotildees

Jaacute existem comprovaccedilotildees de muito do que foi proje-tado pelos modelos como consequecircncia do desma-tamento especialmente a ampliaccedilatildeo da estaccedilatildeo seca Poreacutem esses experimentos virtuais indicavam um prolongamento da estaccedilatildeo seca apoacutes destruiccedilatildeo de 100 da floresta o que jaacute se observa com o corte raso de pouco menos de 19 da floresta Ou seja esses 56 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena57 (Nobre P et al 2009b) Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation58 Que utiliza apenas a seacuterie histoacuterica observada das temperaturas da superfiacutecie dos oceanos

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 22Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

E apontaram que essa re-duccedilatildeo de chuvas poderaacute ser bem maior do que o indicado pelo grupo de Spracklen63 Para a porccedilatildeo

mais desmatada da Amazocircnia jaacute se constata progres-sivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera significativo impacto no setor agriacutecola

Assim a discussatildeo sobre desmatamento passa longe de duacutevidas sobre seus evidentes efeitos diretos e indi-retos na reduccedilatildeo das chuvas e recai sobre a extensatildeo da aacuterea desmatada No periacuteodo 20112012 foram ldquoape-nasrdquo 4571 km2 desmatados na Amazocircnia brasileira Se comparado com taxas de desmatamento em anos de pico como 2004 (27772 km2) esse valor parece mo-desto O Brasil merece reconhecimento por haver lo-grado essa reduccedilatildeo A velocidade e a eficaacutecia atingidas na reduccedilatildeo recomendam essa estrateacutegia para zerar e reverter o desmatamento no Brasil e no mundo

A despeito da notiacutecia encorajadora essa taxa que pa-rece tatildeo pequena seria suficiente para desmatar aacuterea equivalente a toda a Costa Rica em meros dez anos Aleacutem disso reduccedilotildees nas taxas anuais atenuam a per-cepccedilatildeo momentacircnea de perda e mascaram o desmata-mento acumulado na Amazocircnia que eacute muito grave

No que diz respeito ao clima importa sobretudo a aacuterea total devastada e sua distribuiccedilatildeo espacial Compilando

localizado da chuva com o desmatamento estudos mais abrangentes simulaccedilotildees com modelos climaacuteticos e mesmo anaacutelises teoacutericas esclareceram o caraacuteter local e transitoacuterio desse efeito que depende basicamente da existecircncia de matas circundantes agrave aacuterea desmatada e da extensatildeo dessas matas O aumento de chuva converte-se em reduccedilatildeo tatildeo logo as florestas remanescentes fi-quem mais distantes que um certo limiar de aacuterea aberta Daiacute em diante haveraacute reduccedilatildeo das chuvas

Dados de sateacutelites para chuva e presenccedila de floresta mostra-ram reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos que passam sobre aacutereas desmatadas

O estudo de Spracklen e colaboradores62 com da-dos de sateacutelites para chu-va e presenccedila de floresta constatou que com o des-

matamento ocorre a reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos Em 60 das aacutereas tropicais o ar que passa sobre densas florestas produz pelo menos duas vezes mais chuva que o ar que passa sobre aacutereas desmatadas Apesar de ainda natildeo terem considerado o mecanismo e os efeitos da teoria da bomba bioacutetica esses autores de-monstraram com evidecircncias fortes que o impacto ne-gativo do desmatamento no clima natildeo eacute somente local mas pode afetar regiotildees proacuteximas e distantes

Aplicando os conceitos da bomba bioacutetica Makarieva e colaboradores colocaram os achados de Spracklen em perspectiva explicando quantitativamente quais os fatores fiacutesicos responsaacuteveis pela reduccedilatildeo nas chuvas a jusante dos ventos decorrentes do desmatamento

fraca que a bioacutetica a bomba oceacircnica de condensaccedilatildeo estaacute sempre ligada) o que levaria a aridez em terra59

Os modelos climaacuteticos usados para simular o desma-tamento ainda natildeo embutiram essa nova teoria fiacutesica portanto natildeo projetam esse efeito que poderia signi-ficar ateacute 100 de reduccedilatildeo nas chuvas

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo

O desmatamento real eacute imenso e seus efeitos sobre o clima satildeo bem documentados Estudos em torres micrometeoroloacutegicas mostram que a substituiccedilatildeo de floresta por pastagem leva como previsto pelos mo-delos a um aumento da temperatura de superfiacutecie e uma reduccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo60 Observaccedilotildees de sateacutelite mostram que durante a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspi-raccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas61

Observaccedilotildees mostram que duran-te a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspiraccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas

Dados similares tambeacutem indicam que a transpira-ccedilatildeo da floresta eacute bem maior do que aquela pres-crita pelos modelos o que explica em parte a subesti-

mativa dos modelos de larga escala no caso da reduccedilatildeo de precipitaccedilatildeo com o desmatamento Embora alguns estudos observacionais tenham revelado um aumento

Para a porccedilatildeo mais desmata-da da Amazocircnia jaacute se constata progressivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera signifi-cativo impacto no setor agriacutecola

59 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais60 Por exemplo (Gash et al 1996) Amazonian Deforestation and Climate (von Randow et al 2004) Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in southwest Amazonia61 (Huete et al 2006) Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought62 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests63 (Makarieva et al 2013) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 23Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Desmatamento acumulado 762979 km2

Esse valor eacute maior que a soma das aacutereas de trecircs estados de Satildeo Paulo ou que as aacutereas somadas de duas Alemanhas ou de dois Japotildees Uma unidade de aacuterea mais proacutexima do brasileiro o campo de futebol (4136 m2) daacute uma noccedilatildeo da magnitude da devastaccedilatildeo 184 milhotildees de unidades65 ndash quase um campo de futebol desmatado na Amazocircnia para cada brasileiro Colocado na perspectiva temporal teriam sido em meacutedia 12635 campos desmatados por dia 526 campos por hora 88 campos ndash ou 36291 m2 por minuto 605 m2 por segundo ininterruptamente nos uacuteltimos 40 anos Para caber na compreensatildeo o gigantismo destes nuacutemeros eacute preciso estender a imaginaccedilatildeo para aleacutem destas analogias Um trator ficcional operando uma lacircmina frontal com 3 m de largura precisaria acelerar quase agrave velocidade de um aviatildeo a jato (726 kmh) para desmatar a aacuterea raspada na Amazocircnia no ritmo registrado do espaccedilo em imagens Como um trator desmata mui-to mais lentamente (024 - 036 hah66 ou ~08 kmh se essa aacuterea estives-se contida em uma faixa com 3 m de largura) com a mesma lacircmina de 3 m seriam necessaacuterios mais de 900 tratores simultaneamente derrubando a floresta lado a lado formando uma frente destrutiva com quase 3 km de largura Uma comparaccedilatildeo ainda mais impressionante eacute uma ldquoestrada de desmatamentordquo com 2 km de largura que daria para cobrir a distacircncia da Terra ateacute a Lua (380 mil km)

estudos pioneiros com dados de sateacutelite Dioacutegenes Al-ves64 contabilizou ateacute 2004 um desmatamento total de 663 mil km2 Agregando-se os nuacutemeros mais recentes do projeto PRODES do INPE o desmatamento acumula-do total ateacute 2013 chega a 762979 km2

Pelo vieacutes do dano ao clima o que se tem na Amazocircnia eacute um passivo gigantesco de destruiccedilatildeo do oceano ver-de Natildeo haacute portanto qualquer motivo para comemo-rar as taxas relativamente mais baixas de corte raso dos uacuteltimos anos mesmo porque depois da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal (2011) com sua ampla anistia a desmatadores jaacute se observa uma niacutetida tendecircncia de aumento das taxas anuais

Na contabilidade do INPE o corte raso brasileiro (sem considerar os dos demais paiacuteses da bacia amazocircnica) chegou em 2012 a 1885 da aacuterea original de floresta67 Mas a destruiccedilatildeo natildeo eacute uniforme pois ocorre grande concentraccedilatildeo de corte raso no chamado Arco do Fogo ndash ou Arco do Desmatamento68 Se a vastidatildeo raspada jaacute eacute graviacutessima para o clima a situaccedilatildeo torna-se ainda pior ao se considerar o oceano verde ferido

A exploraccedilatildeo madeireira e o desmatamento gradual pro-duzem extensas aacutereas de florestas degradadas que rara-mente entram na contabilidade oficial da destruiccedilatildeo mas que a depreender das informaccedilotildees e estimativas dispo-niacuteveis podem ter impacto significativo sobre o clima

Dalton Valeriano liderou um estudo pioneiro sobre degradaccedilatildeo69 que encontrou no Estado do Mato Gros-so no periacuteodo de 2007 a 2010 ldquosomenterdquo 7856 km2 com corte raso mas outros 32926 km2 de florestas degradadas Somando corte raso com degradaccedilatildeo sobrou pouco do propriamente chamado Estado de Mato Grosso

No mesmo periacuteodo o INPE mapeou 64205 km2 de flo-resta degradada versus 39026 km2 de corte raso para a Amazocircnia brasileira Usando a proporccedilatildeo entre estas

64 (Alves 2007) Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon65 Aacuterea desmatada 762979 km2 0004136 km2 = 184472679 de campos de futebol66 (Viana 2012) Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento67 httpwwwdpiinpebrprodesdigitalprodesphp Lista (uma tabela) e Consolida (somatoacuterios para a unidade de aacuterea considerada)68 Porcentagem de aacuterea desmatada ateacute 2012 TO 75 MA 72 RO 41 MT 40 PA 22 e AC 1369 httpwwwobtinpebrprodesRelatorio_Prodes2008pdf

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 24Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aacutereas pode-se extrapolar a aacuterea de floresta degradada para toda a Amazocircnia brasileira Na estimativa ateacute 2013 a aacuterea total degradada pode ter alcanccedilado 1255100 km2 Somando com a aacuterea mensurada de corte raso o impacto cumulativo no bioma pela ocupaccedilatildeo humana pode ter atingido 2018079 km2

Dentre mais de 200 paiacuteses no mundo somente 13 tecircm aacuterea maior que essa Nesta contabilidade a degrada-ccedilatildeo de florestas na Amazocircnia brasileira pode haver chegado a 2944 da aacuterea original70 que somada ao desmatamento corte-raso sugere que ateacute 4734 da floresta tenha sido impactada diretamente por ativi-dade humana desestabilizadora do clima Para a Pan-Amazocircnia esse impacto agregado da Amazocircnia bra-sileira contabilizando desmatamento e estimando degradaccedilatildeo representa de 2668 a 290371 sobre a aacuterea original de floresta

Mas a aacuterea de impacto no sentido ecoloacutegico pode ser ainda maior porque florestas contiacuteguas a aacutereas de de-gradaccedilatildeo ou corte raso sofrem direta e indiretamente os efeitos das mudanccedilas ambientais vizinhas (biogeo-fiacutesicas e biogeoquiacutemicas)72

No processo de degradaccedilatildeo a destruiccedilatildeo do dossel frequentemente superior a 60 da cobertura73 muda as caracteriacutesticas estruturais ecoloacutegicas e fisioloacutegicas da floresta comprometendo suas capacidades am-bientais

70 Caacutelculo utilizando a mensuraccedilatildeo de Espiacuterito-Santo et al (2014) para a floresta remanescente na Amazocircnia brasileira [3500000 km2] acrescida da aacuterea acumulada do desmatamento [762979 km2] chegando a 4262979 km2 de florestas originais na Amazocircnia brasileira

71 Impacto usando aacuterea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Espiacuterito-Santo et al (2014) com 7562979 km2 e em Eva et al (2005) com 6943468 km2

72 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon73 (Valeriano et al 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD e QUEIMADAS 2007-200874 University of Maryland Global Forest Cover

Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 ateacute 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Ameacuterica do Sul74

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 4: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

formidaacutevel competecircncia em sustentar um ciclo hi-droloacutegico beneacutefico mesmo em condiccedilotildees externas desfavoraacuteveis Segundo a nova teoria da bomba bioacutetica a transpiraccedilatildeo abundante das aacutervores casa-da com uma condensaccedilatildeo fortiacutessima na formaccedilatildeo das nuvens e chuvas ndash condensaccedilatildeo essa maior que aquela nos oceanos contiacuteguos ndash leva a um rebai-xamento da pressatildeo atmosfeacuterica sobre a floresta que suga o ar uacutemido sobre o oceano para dentro do continente mantendo as chuvas em quaisquer circunstacircncias

O quarto segredo indica a razatildeo de a porccedilatildeo me-ridional da Ameacuterica do Sul a leste dos Andes natildeo ser deseacutertica como aacutereas na mesma latitude a oes-te dos Andes e em outros continentes A floresta amazocircnica natildeo somente manteacutem o ar uacutemido para si mesma mas exporta rios aeacutereos de vapor que transportam a aacutegua para as chuvas fartas que irri-gam regiotildees distantes no veratildeo hemisfeacuterico

O quinto segredo desvendado eacute o motivo pelo qual a regiatildeo amazocircnica e oceanos proacuteximos natildeo fomen-tam a ocorrecircncia de fenocircmenos atmosfeacutericos como furacotildees e outros eventos climaacuteticos extremos A atenuaccedilatildeo da violecircncia atmosfeacuterica tem explica-ccedilatildeo no efeito dosador distribuidor e dissipador da energia nos ventos exercido pelo rugoso dossel florestal e da aceleraccedilatildeo lateral de larga escala dos ventos na baixa atmosfera promovida pela bomba bioacutetica o que impede a organizaccedilatildeo de furacotildees e similares A condensaccedilatildeo espacialmente uniforme

sobre o dossel florestal impede concentraccedilatildeo de energia dos ventos em voacutertices destrutivos en-quanto o esgotamento de humidade atmosfeacuterica pela remoccedilatildeo lateral de cima do oceano priva as tempestades do seu alimento energeacutetico (vapor de aacutegua) nas regiotildees oceacircnicas adjacentes a grandes florestas

Todos esses efeitos em conjunto fazem da majes-tosa floresta Amazocircnica a melhor e mais valiosa parceira de todas as atividades humanas que re-querem chuva na medida certa um clima ameno e proteccedilatildeo de eventos extremos

3 O relatoacuterio continua com a descriccedilatildeo dos efeitos do desmatamento e do fogo sobre o clima a devasta-ccedilatildeo da floresta oceano-verde gera um clima drama-ticamente inoacutespito Modelos climaacuteticos antecipa-ram haacute mais de 20 anos variados efeitos danosos do desmatamento sobre o clima jaacute confirmados por observaccedilotildees Entre eles estatildeo a reduccedilatildeo draacutes-tica da transpiraccedilatildeo a modificaccedilatildeo na dinacircmica de nuvens e chuvas e o prolongamento da estaccedilatildeo seca Outros efeitos natildeo previstos como o dano por fumaccedila e fuligem agrave dinacircmica de chuvas mesmo so-bre aacutereas de floresta natildeo perturbada tambeacutem es-tatildeo sendo observados

O dano do desmatamento assim como os danos do fogo da fumaccedila e da fuligem ao clima satildeo candentemente evidentes nas observaccedilotildees cienti-ficas de campo As anaacutelises baseadas em modelos

atualizados e em nova teoria fiacutesica projetam um futuro ainda pior Emerge como fator principal a afetar o clima a grave extensatildeo acumulada do des-matamento amazocircnico ateacute 2013 no Brasil em qua-se 763000 km2 (aacuterea equivalente a 184 milhotildees de campos de futebol ou trecircs estados de Satildeo Paulo) Tal superfiacutecie precisa ainda ser somada agrave fraccedilatildeo de impacto da extensatildeo acumulada da menos falada e menos estudada degradaccedilatildeo florestal (estimada em mais de 12 milhatildeo de km2)

4 O relatoacuterio prossegue relacionando os dois itens anteriores floresta oceano-verde e desmatamento no contexto temporal mais estendido o equiliacutebrio vegetaccedilatildeo-clima que balanccedila na beira do abis-mo Modelos climaacuteticos ligados interativamente a modelos de vegetaccedilatildeo exploram quais satildeo as ex-tensotildees de tipos de vegetaccedilatildeo e as condiccedilotildees cli-maacuteticas capazes de gerar estaacuteveis equiliacutebrios vege-taccedilatildeo-clima

Para a Amazocircnia esses modelos projetam a possi-bilidade de dois pontos possiacuteveis e alternativos de equiliacutebrio um que favorece a floresta (uacutemido atual para a bacia amazocircnica e histoacuterico) e outro que fa-vorece a savana (mais seco atual para o Cerrado futuro para a bacia amazocircnica)

O ponto preocupante desses exerciacutecios de modela-gem eacute a indicaccedilatildeo de que aproximadamente 40 de remoccedilatildeo da floresta oceano-verde poderaacute defla-grar a transiccedilatildeo de larga escala para o equiliacutebrio da

2O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull Sumaacuterio Executivo

savana liquidando com o tempo ateacute as florestas que natildeo tenham sido desmatadas O desmatamen-to por corte raso atual beira os 20 da cobertura original na Amazocircnia brasileira e a degradaccedilatildeo florestal estima-se jaacute teria perturbado a floresta remanescente em variados graus afetando adicio-nalmente mais de 20 da cobertura original

5 A seccedilatildeo final do relatoacuterio recomenda um plano de mitigaccedilatildeo baseado na reversatildeo radical tanto dos danos passados quanto a das expectativas de da-nos futuros um esforccedilo de guerra As florestas da Amazocircnia satildeo essenciais para a manutenccedilatildeo do cli-ma e com ele a seguranccedila das geraccedilotildees futuras Fe-lizmente os avanccedilos nas ciecircncias fazem desta guer-ra um desafio que pode ser bem sucedido

Apesar da dificuldade em separar precisamente os efeitos de fundo das mudanccedilas climaacuteticas glo-bais daquelas locais e regionais natildeo resta a menor duacutevida de que os impactos do desmatamento da degradaccedilatildeo florestal e dos efeitos associados jaacute afetam o clima proacuteximo e distante da Amazocircnia Jaacute afetam em alto grau hoje em dia e prometem afetar ainda mais seriamente no futuro a ponto de que a uacutenica opccedilatildeo responsaacutevel que se coloca eacute agir vigo-rosamente no combate agraves causas

Como primeira accedilatildeo impotildee-se a universalizaccedilatildeo e facilitaccedilatildeo de acesso agraves descobertas cientiacuteficas que podem reduzir a pressatildeo da principal causa do des-matamento a ignoracircncia

Em segundo lugar eacute preciso estancar a sangria da floresta ou seja zerar o desmatamento a degra-daccedilatildeo florestal e o fogo jaacute com todos e quaisquer recursos e meios eacuteticos possiacuteveis no interesse da vida Ao mesmo tempo em vista do diagnoacutestico de que desmatamento e degradaccedilatildeo acumulados constituem-se no mais grave fator de dano ao cli-ma torna-se necessaacuterio e inevitaacutevel desenvolver um amplo esforccedilo para replantar e restaurar a flo-resta destruiacuteda

Tal esforccedilo precisa ter perspectiva de meacutedio e longo prazos para culminar com a regeneraccedilatildeo da floresta oceano-verde original Diante disso as elites gover-nantes podem devem e precisam tomar a dianteira na orquestraccedilatildeo da grande mobilizaccedilatildeo de pessoas recursos e estrateacutegias que possibilitem recuperar o tempo perdido

Na conclusatildeo ao apontar para a urgecircncia de accedilotildees de proteccedilatildeo e restauro da grande floresta acena com oportunidades reais na viabilidade de trilhar-mos um novo caminho onde a floresta protegida e recomposta seja a principal aliada das atividades humanas dentro e fora da Amazocircnia

3O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull Sumaacuterio Executivo

Agradecimentos

Agradecimentos a todos que contribuiacuteram para o aporte de informaccedilatildeo qualificada a este relatoacuterio em especial para

Eneacuteas Salati no histoacuterico dos estudos isotoacutepicos Martin Hodnett Joseacute Marengo e Celso Randow nos nuacutemeros da eva-

potranspiraccedilatildeo Dioacutegenes Alves e Dalton Valeriano nos nuacutemeros do desmatamento Joseacute Marengo pelos alertas fo-

cados e muito uacuteteis Anita Drumond pelos caacutelculos sobre evaporaccedilatildeo no oceano Antonio Manzi que levantou ques-

totildees sobre a circulaccedilatildeo planetaacuteria Victor Gorshkov e Anastassia Makarieva que deram respostas a essas questotildees e

pelas correccedilotildees cruciais sobre a fiacutesica atmosfeacuterica Claudio Maretti por ajudar a colocar as questotildees de preservaccedilatildeo

em perspectiva Elisangela Broedel pela revisatildeo criacutetica dos nuacutemeros do desmatamento e da destruiccedilatildeo de aacutervores

Yosio Shimabukuro e Scott Saleska pelas informaccedilotildees relativas a aacuterea da Amazocircnia e densidade de arvores Gilvan

Sampaio pelas correccedilotildees no texto sobre modelos de equiliacutebrio vegetaccedilatildeo-clima Meirat Andreae e Steven Wofsy pelas

referencias e orientaccedilotildees sobre quiacutemica atmosfeacuterica German Poveda pelas referencias e conselhos referente agraves gelei-

ras dos Andes Suprabha Sechan por levantar as dificuldades relativas a tecnologia agraves excelentes criacuteticas e sugestotildees

feitas pelos comentadores e pelo puacuteblico na 3ordf reuniatildeo Pan-Amazocircnica da ARA em Lima agraves questotildees e reaccedilotildees do

puacuteblico no debate feito pela Nossa Satildeo Paulo e pelo Instituto Ethos sobre a crise da aacutegua na regiatildeo metropolitana de

Satildeo Paulo Seacutergio Guimaratildees Maacutercio Santilli Paulo Nobre Tasso Azevedo Adriana Cuartas Lou Gold Foster Brown

Claudio Maretti Victor Gorshkov Anastassia Makarieva Stephan Schwartzman e Robert Harriss pelas excelentes e

inspiradoras revisotildees Marcos Losekann e a Gerard e Margi Moss pelas perguntas instigantes que levaram a mais

aperfeiccediloamentos no texto Marcelo Leite pela soacutebria revisatildeo profissional e de alta qualidade essencial no ajuste e

melhoria do texto Jaime Gesisky e Moema Ungarelli pelo cuidado e rigor na revisatildeo final Felipe Horst pela bela dia-

gramaccedilatildeo Margi Moss pela revisatildeo estelar de estilo e fluencia agrave Articulacioacuten Regional Amazoacutenica pela encomenda

do estudo e agrave Secretaria Executiva da ARA em especial ao Seacutergio Guimaratildees e Claudio Oliveira pelo suporte e estiacutemu-

los constantes Agradecimentos especiais ao CCST do INPE e ao INPA pelo apoio institucional a Avina Fundo Vale e

Skoll Foundation pela parceria valiosa ao ISA Projeto Rios Voadores e WWF pelo suporte

Sumaacuterio

Introduccedilatildeo ndash A tecnologia da floresta eacute insubstituiacutevel 9

1) As florestas geram o clima amigo cinco segredos revelados 11

11) Reciclagem de umidade geisers da floresta 11

12) Nucleaccedilatildeo das nuvens o poacute de pirlimpimpim no oceano verde 14

13) Bomba bioacutetica de umidade doar aacutegua para receber chuva 15

14) Rios aeacutereos aacutegua fresca pelas arteacuterias suspensas 17

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos 19

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito sem aacutervores natildeo daacute para tapar o sol 20

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores 20

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo 22

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba 25

31) Ponto de natildeo retorno o passo em falso no abismo 25

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel 26

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou 28

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura 29

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca 30

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima 32

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder 32

52) Zerar o desmatamento para anteontem 32

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros 33

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas 33

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade 34

Conclusatildeo 36

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era 37

Referecircncias 38

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 9Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Com isso num primeiro momento o planeta se esfria o que faz as plantas crescerem menos consumindo menos CO2 No momento seguinte a acumulaccedilatildeo de CO2 leva ao aquecimento do planeta e assim suces-sivamente num ciclo oscilante de regulaccedilatildeo5 Desta forma as plantas funcionam como um termostato que responde agraves flutuaccedilotildees de temperatura atraveacutes do ajuste da concentraccedilatildeo do principal gaacutes-estufa na atmosfera depois do vapor drsquoaacutegua Mas esta regula-ccedilatildeo da temperatura via consumo mediado do CO2 eacute apenas um entre muitos mecanismos da vida que re-sultam na regulaccedilatildeo favoraacutevel do ambiente

Como se veraacute neste trabalho as florestas tropicais satildeo muito mais que uma aglomeraccedilatildeo de aacutervores reposi-toacuterio passivo de biodiversidade ou simples estoque de carbono Sua tecnologia viva e dinacircmica de interaccedilatildeo com o ambiente lhes confere poder sobre os elemen-tos uma capacidade inata e resiliente de condiciona-mento climaacutetico Assim as florestas condicionam o cli-ma que lhes favoreccedila e com isso geram estabilidade e conforto cujo abrigo daacute suporte ao florescimento de sociedades humanas

A Ameacuterica do Sul eacute um continente privilegiado pela extensiva presenccedila de florestas megabiodiversas Natildeo por acaso esse continente teve e ainda tem um dos climas mais favoraacuteveis em comparaccedilatildeo com qualquer outro Contudo ao longo de 500 anos a maior par-te da vegetaccedilatildeo nativa fora da bacia amazocircnica foi

IntroduccedilatildeoA tecnologia da floresta eacute insubstituiacutevel

Numa definiccedilatildeo solta a floresta tropical eacute um tapete multicolorido estruturado e vivo extremamente rico Uma colocircnia extravagante de organismos que saiacuteram do oceano haacute 400 milhotildees de anos e vieram para a ter-ra Dentro das folhas ainda existem condiccedilotildees seme-lhantes agraves da primordial vida marinha Funciona assim como um mar suspenso que conteacutem uma miriacuteade de ceacutelulas vivas muito elaborado e adaptado Evoluiacuteda nos uacuteltimos 50 milhotildees de anos a floresta amazocircnica eacute o maior parque tecnoloacutegico que a Terra jaacute conheceu porque cada organismo seu entre trilhotildees eacute uma ma-ravilha de miniaturizaccedilatildeo e automaccedilatildeo Em tempera-tura ambiente usando mecanismos bioquiacutemicos de complexidade quase inacessiacutevel a vida processa aacuteto-mos e moleacuteculas determinando e regulando fluxos de substacircncias e de energia

As florestas condicionam o clima que lhes favoreccedila e com isso geram estabilidade e conforto sob cujo abrigo flo-rescem sociedades humanas

O conforto climaacutetico que apreciamos na Terra desco-nhecido em outros corpos siderais pode ser atribuiacutedo em grande medida ndash aleacutem

de muitas outras competecircncias ndash agrave colocircnia de seres vivos que tecircm a capacidade de fazer fotossiacutentese O gaacutes carbocircnico (CO2) funciona como alimento para a planta mateacuteria-prima transformada pelo instrumental bioquiacutemico com o uso de luz e aacutegua em madeira fo-lhas frutos raiacutezes4 De forma encadeada quando as plantas consomem CO2 a concentraccedilatildeo desse gaacutes na atmosfera diminui

4 Animaccedilotildees em biologia molecular httpwwwjohnkyrkcomindexpthtml5 Biotic Regulation of the Environment httpwwwbioticregulationru

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 10Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aniquilada como a Mata Atlacircntica que perdeu mais de 90 da sua cobertura original O efeito desse des-matamento histoacuterico no clima embora perceptiacutevel foi menos notado do que seria de se esperar e a razatildeo foi a costa quente (e uacutemida) da floresta amazocircnica que manteve o continente razoavelmente protegido de extremos com um clima ameno Mas nos uacuteltimos 40 anos a uacuteltima grande floresta a cabeceira das aacuteguas atmosfeacutericas da maior parte do continente esteve sob o ataque implacaacutevel do desmatamento Coincidente-mente aumentaram as perdas com desastres naturais ligados a anomalias climaacuteticas tanto por excessos (de chuva calor e ventos) quanto por falta (secas)6

As regiotildees andinas e mesmo da costa do Paciacutefico que dependem das geleiras para seu abastecimento de aacutegua poderatildeo em futuro proacuteximo ver-se ameaccediladas pois o derretimento acelerado pelo aquecimento cli-maacutetico jaacute estaacute em andamento e tambeacutem porque qua-se toda a precipitaccedilatildeo nas altas montanhas que su-prem as geleiras ano a ano tem sua mateacuteria-prima no vapor procedente da floresta amazocircnica7 A leste dos Andes a escala da dependecircncia no ciclo hidroloacutegico amazocircnico eacute incomensuravelmente maior

As regiotildees de savana na parte meridional onde haacute hoje um dos maiores cinturotildees de produccedilatildeo de gratildeos e ou-tros bens agriacutecolas tambeacutem recebe da floresta amazocirc-nica vapor formador de chuvas reguladas e benignas o principal insumo da agricultura Natildeo fosse tambeacutem

a liacutengua de vapor que no veratildeo hemisfeacuterico pulsa da Amazocircnia para longe levando chuvas essenciais8 e ou-tras influencias beneacuteficas muito provavelmente teriam clima inoacutespito as regiotildees Sudeste e Sul do Brasil (onde hoje se encontra sua maior infraestrutura produtiva na-cional) e outras aacutereas como o Pantanal e o Chaco as regiotildees agriacutecolas na Boliacutevia Paraguai e Argentina

Este trabalho mostraraacute primeiro o que sabemos sobre como a floresta amazocircnica funciona e manteacutem sua ca-pacidade de existir e persistir por eras geoloacutegicas De-pois exibiraacute o efeito sobre o clima que a destruiccedilatildeo do sistema natural jaacute estaacute gerando e as previsotildees sobre o que ainda pode gerar Por fim exploraraacute as ameaccedilas ao equiliacutebrio climaacutetico que as alteraccedilotildees em curso po-dem disparar analisando sob alguns acircngulos os riscos climaacuteticos agrave espreita

6 (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Marengo et al 2011) Extreme climatic events in the Amazon basin7 (Rabatel et al 2012) Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change8 (Willmot amp Webber 1998) South American Climate Data httpclimategeogudeledu~climate

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 11Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Buscando esclarecer misteacuterios o trabalho dos cientis-tas natildeo difere muito da investigaccedilatildeo de um detetive Exploram pistas analisam evidecircncias desenvolvem teorias constroem modelos Nas deduccedilotildees eletrizan-tes de Sherlock Holmes os casos mais intrincados cul-minavam com soluccedilotildees elementares A realidade do mundo natural mostra-se rica e complexa repleta de misteacuterios e segredos Mas o meacutetodo cientifico tem-perado pelo fasciacutenio e humanizado pela curiosidade infantil abre portais de acesso agrave compreensatildeo dos fe-nocircmenos mais misteriosos que nos afetam

Tais fenocircmenos ao serem clarificados e elevados agrave sua expressatildeo mais simples democratizam o conhecimen-to da ciecircncia ensejando o desenvolvimento de uma nova e estimulante consciecircncia compartilhada sobre o mundo que habitamos Existem ainda muitos segre-dos sobre o funcionamento das florestas bem guarda-dos na natureza Olhemos aqui para apenas cinco de-les revelados nas uacuteltimas deacutecadas segredos que satildeo cruciais para o entendimento das funccedilotildees das florestas no condicionamento do clima

No afatilde de modelar com o uso de computadores os fluxos colossais de massa e energia para simular o clima os me-teorologistas inicialmente prestaram pouca atenccedilatildeo na cobertura de vegetaccedilatildeo Essa abordagem mudou radi-calmente Por um nuacutemero grande e crescente de evidecircn-cias hoje se sabe do papel vital exercido pela vegetaccedilatildeo em muitos processos do clima E praticamente todos os

1) As florestas geram o clima amigo cinco segredos revelados

modelos do clima assim como os mais complexos modelos do sistema terrestre passaram a incluir representaccedilotildees elabora-das da vegetaccedilatildeo As descober-

tas cientiacuteficas sobre o papel determinante das florestas nos ciclos local regional e planetaacuterio de aacutegua energia carbono e outros valem para todas as florestas naturais do globo Mas aqui vamos focalizar mais as florestas tro-picais da Ameacuterica do Sul especialmente a Amazocircnia

Todos os estudos de modelagem climaacutetica consideram a bacia amazocircnica inteira Mas por haver mais dados disponiacuteveis eacute na Amazocircnia brasileira9 que se realizou a maioria dos outros trabalhos cientiacuteficos como o moni-toramento do desmatamento Natildeo obstante dada a im-portacircncia da bacia amazocircnica como um todo a chama-da Pan-Amazocircnia e tambeacutem porque a atmosfera e os rios natildeo se importam com limites poliacuteticos no futuro as observaccedilotildees mapeamentos e anaacutelises precisaratildeo rom-per as fronteiras nacionais a exemplo do que jaacute fazem projetos como a RAISG com levantamento extensivo e integrado das pressotildees humanas sobre a Amazocircnia10

11) Reciclagem de umidade geisers da floresta

Trezentos anos apoacutes a invasatildeo europeia nas Ameacutericas11 a aura de Jardim do Eacuteden nas selvas tropicais jaacute decaiacutea de seu apelo romacircntico possivelmente pela tromba-da dos cobiccedilosos conquistadores espanhoacuteis com o

9 Definida dentro do que durante a ditadura brasileira (1964-1985) foi definida por decreto como Amazocircnia Legal10 RAISG Red Amazoacutenica de Informacioacuten Socioambietal Georreferenciada Amazocircnia sob pressatildeo11 (Gambini 2000) Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira

Por um nuacutemero grande e crescente de evidecircncias sabe-se hoje do papel vital exercido pela vegetaccedilatildeo em muitos processos do clima

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 12Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

inferno verde aquele labirinto infindaacutevel monoacutetono e perigoso que passou a inspirar mais medo e desespero do que fascinaccedilatildeo O seacuteculo 19 com seus naturalistas cientiacuteficos vecirc reacender a fascinaccedilatildeo mas agora tingi-da por um apelo racional Alexander von Humboldt o aclamado e influente cientista-naturalista alematildeo que explorou as Ameacutericas na virada do seacuteculo 18 para 19 eacute considerado o pai de ciecircncias como geografia fiacutesica meteorologia e ecologia Ele empregou o termo hileia [do grego floresta selvagem] para a Amazocircnia e com a riqueza e encantamento das suas descriccedilotildees minu-ciosas inspirou geraccedilotildees de naturalistas Darwin entre eles De Humboldt vecircm as primeiras sugestotildees da liga-ccedilatildeo entre a floresta a umidade do ar e o clima

Poreacutem no iniacutecio do seacuteculo 20 o poliacutemata autor pro-liacutefico e militar Euclides da Cunha rompe o encanta-mento do naturalismo cientiacutefico com suas descriccedilotildees desapontadas da hileia Seu disciacutepulo Alberto Rangel que como o mestre tambeacutem se sensibilizara com a miseacuteria dos seringueiros e as agruras da vida na selva

ressuscita na obra Inferno Verde a perspectiva de dana-ccedilatildeo dos invasores espanhoacuteis e desmonta de vez a ima-gem de paraiacuteso verde O voluntarismo verbal contra o habitat selvagem lastreado pela admitida ignoracircncia desses autores quanto ao valor intriacutenseco da floresta em compasso com a falecircncia do fausto da borracha muito provavelmente deixou sua heranccedila de valores a influenciar coraccedilotildees e mentes

Quanto do subsequente iacutempeto para a ldquoocupaccedilatildeordquo da Amazocircnia com a radical supressatildeo da mata natildeo teve raiacutezes aiacute Euclides da Cunha prefaciando o livro do dis-ciacutepulo nega valor para a abordagem holiacutestica de Hum-boldt (ldquoa epistemologia da lsquociecircncia amazocircnicarsquo floresce-raacute se se preocupar menos em revelar a hileia por inteirordquo sic) e antecipa a demanda reducionista que viria12

A reciclagem de umidade da chuva pela evaporaccedilatildeo da flores-ta manteacutem o ar uacutemido por mais de 3 mil km continente adentro

Tardios foram os estudos que finalmente comeccedila-ram a revelar os segredos da grande floresta Bus-

cando testar caacutelculos preliminares de balanccedilo hiacutedrico para a Amazocircnia13 que indicavam reciclagem impor-tante da aacutegua Eneacuteas Salati liderou nos anos 1970 estu-dos observacionais de chuva e evaporaccedilatildeo que de-monstraram inequivocamente como atraveacutes da reciclagem de umidade a floresta manteacutem o ar uacutemido por mais de 3000 km continente adentro14

Mas ainda faltavam muitas outras explicaccedilotildees sobre onde quanto como por que e com que implicaccedilotildees Adotando sem saber a sugestatildeo reducionista de Eucli-des da Cunha nas trecircs deacutecadas seguintes aos estudos de Salati mais de duas duacutezias de grandes projetos de investigaccedilatildeo15 congregando centenas de cientistas e usando muitos laboratoacuterios instrumentos sofistica-dos torres aviotildees barcos sateacutelites supercomputado-res e o que mais haacute de ferramenta cientiacutefica produzi-ram milhares de artigos dezenas de livros e bancos de dados alentados a maioria informaccedilatildeo de difiacutecil inter-pretaccedilatildeo isolada

Diz-se que o cientista de hoje eacute aquele que estuda cada vez mais sobre cada vez menos ateacute que conhece tudo sobre o nada Como eacute irocircnico que 200 anos depois a forma mais produtiva de extrair sentido da enormi-dade dessas pesquisas pontuais seja justamente reto-mar a abordagem holiacutestica de Humboldt articulando a riqueza de dados soltos e construindo uma narrativa integrada e funcional a respeito da concentraccedilatildeo fe-nomenal de vida e seu poder sobre os elementos nas florestas da Amazocircnia

Vejamos como podemos captar aspectos espetacu-lares do funcionamento da floresta acompanhando a narrativa do percurso da aacutegua da atmosfera pela inti-midade das plantas e de volta para a atmosfera

Transpiraccedilatildeo plantas natildeo usam desodorante

As plantas suam A aacutegua ao evaporar resfria a folha e o ambiente Mas a transpiraccedilatildeo nas plantas eacute muito mais importante que isso A transpiraccedilatildeo promove a succcedilatildeo pelas raiacutezes e o fluxo ao longo do tronco ateacute as folhas da aacutegua do solo que carrega consigo nutrientes permite que a folha abra seus microportais para a atmosfera (estocircmatos) por onde sai o vapor mas tambeacutem por onde entra o adubo gasoso mais essencial o CO2 E os odores produzidos pelas plantas os gases orgacircnicos que desempenham muitos papeacuteis no funcionamento da atmosfera e das chuvas saem junto com a aacutegua transpirada Portanto sem transpirar a planta deixaria de regular seu proacuteprio bem-estar cessaria de controlar o ambiente e acabaria morrendo por falta de nutrientes dentre eles o CO2 e excesso de temperatura

12 Rafael Leandro assim reflete a expressatildeo de Euclides da Cunha naquele prefaacutecio ldquoa enormidade da floresta soacute pode ser medida se repartidahellip somente num futuro tardio se conheceraacute os segredos da Natureza [] A definiccedilatildeo dos uacuteltimos aspectos da Amazocircnia seraacute o fecho de toda a Histoacuteria Naturalrdquo (Leandro 2009) Inferno Verde Representaccedilatildeo Literaacuteria da Amazocircnia na Obra de Alberto Rangel

13 (Molion 1975) A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects (Villa Nova et al 1976) Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica (Marques et al 1977) Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus

14 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study15 Projetos de pesquisa na Amazocircnia ARME NASA-GTE ABLE ABRACOS TRACE-A RBLE CAMREX INPA-Max Planck INPA-ORSTOM PDBFF PELD LBA LBA-EUSTACH LBA-CARBONSINK LBA-CLAIRE LBA-ECO

LBA-Barca LBA-DMIP GEWEX ISLSCP GEOMA PPBio Rainfor AmazonFlux AMAZE Amazon Pire Amazalert AMAZONICA Changing Amazocircnia ATTO ACRIDICON-CHUVA GreenOceanAmazon etc Apenas no acircmbito do grande projeto LBA foram desenvolvidos 217 subprojetos de pesquisa em 16 anos de operaccedilatildeo

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 13Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Depois que as nuvens precipitam seu precioso liacutequido sobre a floresta grande parte da aacutegua se esgueira por entre o dossel e infiltra-se pelo permeaacutevel solo flores-tal onde eacute armazenada no pacote poroso do solo ou mais abaixo em aquiacuteferos gigantescos verdadeiros oceanos subterracircneos de aacutegua doce

A aacutegua do solo comeccedila seu retorno para a atmosfe-ra absorvida por profundos e sofisticados sugadores as raiacutezes depois sobe desafiando a forccedila da gravidade por 40 a 60 m ou mais em elaboradas tubulaccedilotildees no xilema dos troncos Sua uacuteltima etapa passa pelas es-truturas laminares evaporadoras das folhas versaacuteteis paineacuteis solares quiacutemicos capazes de absorver a ener-gia do sol e aproveitar a cariacutecia dos ventos para trans-pirar e transferir copiosos volumes de aacutegua vaporosa para a atmosfera completando assim o retorno do ci-clo vertical iniciado com a chuva

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpirar mais de mil litros de aacutegua num uacutenico dia

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpi-rar mais de mil litros de

aacutegua num uacutenico dia16 A Amazocircnia sustenta centenas de bilhotildees de aacutervores em suas florestas Vinte bilhotildees de to-neladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica17 Em seu conjunto as aacutervo-res essas benevolentes e silenciosas estruturas verdes vivas da natureza similares a geisers jorram para o ar um rio vertical de vapor mais importante que o Amazonas18

Geiser de vapor maior que o rio Amazonas

Buscando quantificar de modo simples a transpiraccedilatildeo massiva da flores-ta sugerida pelos estudos de Salati e outros fizemos juntamente com Adriana Cuartas em 2007 um caacutelculo revelador Usando os dados de evaporaccedilatildeo coletados nas torres de fluxo do projeto LBA (36 mm ao dia ou 36 litros por m2 em meacutedia) estimamos a quantidade total diaacuteria de aacutegua fluindo do solo para a atmosfera atraveacutes das aacutervores Cobrindo 55 milhotildees de km2 o caacutelculo para a floresta na bacia amazocircnica resultou no fantaacutestico nuacutemero de 20 bilhotildees de toneladas de aacutegua transpirada ao dia (ou 20 trilhotildees de litros) Mais de 22 bilhotildees se considerarmos todas as florestas da porccedilatildeo equatorial da Ameacuterica do Sul e 25 bilhotildees ou mais se considerarmos as florestas que existiam no seu estado pristino em 150017 Para comparaccedilatildeo o volume despejado no oceano Atlacircntico pelo rio Amazonas eacute pouco mais de 17 bilhotildees de toneladas ao dia18

Como em um edifiacutecio com muitos pisos um me-tro quadrado de chatildeo na

Amazocircnia pode ter sobre si ateacute 10 m2 de intrincada su-perfiacutecie foliar distribuiacuteda em diferentes niacuteveis no dossel Nisso reside a explicaccedilatildeo para o fato de uma superfiacutecie terrestre florestada poder evaporar tanto quanto ou ateacute mais aacutegua que a superfiacutecie liacutequida de um oceano ou um lago na qual 1 m2 de superfiacutecie evaporadora coincide com apenas o mesmo 1 m2 da superfiacutecie geomeacutetrica

Corroborando esses fatos fantaacutesticos um estudo pu-blicado recentemente no perioacutedico cientiacutefico Nature18 fez avanccedilar o ciclo de descobertas sobre a importacircn-cia extraordinaacuteria da vegetaccedilatildeo global no processo de transferecircncia de aacutegua para a atmosfera quase 90

16 Aacuterea da copa com raio de 10 m 3242 m2 x 36 litrosm2 = 11311 litros transpirados em um dia17 Aacuterea recente com floresta na bacia hidrograacutefica do rio Amazonas - 55 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 198 x 1012 litros (~20 x 109 toneladas) Aacuterea com floresta em toda Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for

defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas = 6280468 km2 ou 6 280468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 226096848 x 1012 litros (2261 x 109 toneladas)e projetada para a aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 - ou 6943468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 25 x 1012 litros (25 x 109 toneladas)

18 vazatildeo do rio Amazonas na foz de 2 x 105 m3segundo x 86400 segundos = 1728 x 109 m3dia19 (Jasechko et al 2013) Terrestrial water fluxes dominated by transpiration

20 bilhotildees de toneladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 14Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

parte do oceano azul ten-de agrave aridez com pouquiacutes-simas chuvas enquanto

no oceano verde as chuvas eram torrenciais e constan-tes Tanto que antes do avanccedilo do desmatamento di-zia-se haver ali apenas duas estaccedilotildees a uacutemida e a mais uacutemida Agora surgiu uma estaccedilatildeo seca pronunciada e a duraccedilatildeo da estaccedilatildeo uacutemida diminui progressivamente22

Nuvens satildeo aglomerados de pequenas gotiacuteculas em suspensatildeo no ar Gotas visiacuteveis se condensam a partir do vapor que eacute invisiacutevel pelo efeito da baixa tempera-tura Mas somente temperatura natildeo inicia o processo de condensaccedilatildeo Eacute preciso haver tambeacutem uma super-fiacutecie soacutelida ou liacutequida que funcione como ldquosementerdquo para que se inicie a deposiccedilatildeo das moleacuteculas de va-por Essas sementes ou nuacutecleos de condensaccedilatildeo satildeo em geral aerossoacuteis atmosfeacutericos partiacuteculas de poeira gratildeos de poacutelen ou de sal fuligem e muitos outros

Mas na atmosfera sobre a floresta oceano-verde os aeros-soacuteis satildeo encontrados em baixas concentraccedilotildees como no azul Se a limpeza do ar pode ser creditada por um lado ao efeito de tapete verde uacutemido da floresta segurando a poeira embaixo e por outro agrave lavagem do ar pelas chu-vas constantes como explicar a formaccedilatildeo de chuvas tatildeo abundantes sem as sementes usuais para nucleaccedilatildeo

Estudando as trocas de gaacutes carbocircnico atraveacutes de torres de fluxo cientistas brasileiros do INPA e da USP e eu-ropeus da Holanda Alemanha e Itaacutelia colaboraram no

de toda a aacutegua que chega agrave atmosfera oriunda dos con-tinentes chegou laacute atraveacutes da transpiraccedilatildeo das plantas

e somente pouco mais de 10 como simples evapo-raccedilatildeo sem mediaccedilatildeo das plantas Como essa transfe-recircncia por transpiraccedilatildeo se daacute com grande absorccedilatildeo de calor na superfiacutecie as antes insuspeitas plantas inter-ferem ndash e muito ndash com a chuva os ventos e o clima

Todo esse movimento de aacutegua custa energia Olhemos para um paralelo proacuteximo Para gerar a eletricidade de que tanto se necessita fala-se muito em aproveitar a energia das aacuteguas na Amazocircnia Ora a energia hidraacuteu-lica de queda nos rios somente existe porque a aacutegua foi elevada e transportada pela atmosfera para suas altas cabeceiras A transpiraccedilatildeo das aacutervores como elo vital no ciclo das aacuteguas absorve a energia solar no bombeamento da aacutegua do solo e na sua transpiraccedilatildeo Assim as aacutervores funcionam como estaccedilotildees elevatoacute-rias alccedilando e lanccedilando as aacuteguas nas altitudes da at-mosfera aacuteguas que mais adiante retornaratildeo ao solo como chuva transferindo parte da energia solar em-butida no vapor agrave energia potencial da aacutegua que en-che os reservatoacuterios das hidreleacutetricas

12) Nucleaccedilatildeo das nuvens o poacute de pirlimpimpim no oceano verde

Retornar volumes colossais de vapor de aacutegua para a at-mosfera eacute somente a primeira parte da receita para ter

Potecircncia climaacutetica da floresta

Quanta energia do Sol eacute consumida para evaporar 20 trilhotildees de litros de aacutegua ao dia Para dar uma noccedilatildeo da grandeza de energia envolvida na transpiraccedilatildeo amazocircnica basta fazer uma comparaccedilatildeo com as hidreleacutetri-cas Evaporar um grama de aacutegua liacutequida consome 23 kilojoules de ener-gia solar Para converter isso em energia hidraacuteulicaeleacutetrica imagine uma chaleira gigante que comporte esse volume drsquoaacutegua daquelas que se liga na tomada eleacutetrica Quanta eletricidade seria necessaacuteria para ferver e eva-porar toda essa aacutegua A usina de Itaipu com 14 mil megawatts de potecircn-cia precisaria gerar eletricidade em sua capacidade maacutexima por 145 anos para que a chaleira evaporasse a aacutegua equivalente agravequela transpirada em apenas um dia amazocircnico Ou para rivalizar com as aacutervores amazocircnicas e fazer o trabalho em um dia seria preciso somar a eletricidade de 50 mil usinas hidreleacutetricas como Itaipu (ou 200 mil como Belo Monte) Esta comparaccedilatildeo deixa claro que diante da potecircncia climaacutetica da floresta as maiores estruturas humanas se mostram microscoacutepicas

e manter chuvas copiosas e benignas Em 1999 um dos primeiros estudos utilizando aviotildees e observaccedilotildees do sateacutelite TRMM20 feitos no projeto LBA constatou que na Amazocircnia o ar na baixa atmosfera (troposfera) eacute tatildeo lim-po de poeira quanto o ar sobre o oceano onde as fontes de poeira satildeo muito reduzidas e que as nuvens tiacutepicas na Amazocircnia se pareciam muito com as nuvens mariacutetimas Essa inusitada semelhanccedila inspirou aqueles pesquisa-dores a batizar a Amazocircnia de ldquooceano verderdquo21 Esse ter-mo descreve as caracteriacutesticas oceacircnicas desta extensatildeo continental coberta por densas florestas A importacircncia deste conceito novo e incomum reside na sua sugestatildeo de uma superfiacutecie florestal estendida abaixo da atmos-fera cuja caracteriacutesticas de vastidatildeo humidade e trocas pelos ventos se assemelham agraves dos oceanos reais

Mas havia na semelhanccedila um misteacuterio pois a maior

Na transpiraccedilatildeo as plantas transferem para a atmosfera 90 de toda a aacutegua eva-porada nos continentes

20 httptrmmgsfcnasagov21 (Williams et al 2002) Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification22 (Marengo 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region

Oceano verde a atmosfera ama-zocircnica possui o ar limpo como a atmosfera do oceano azul

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 15Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ar a chuva natildeo os lava Soacute quando oxidam-se e precipi-tam-se como aerossoacuteis formando as chuvas eacute que satildeo lavados Mas sempre haacute mais BVOCs esperando para formar mais poacute de pirlimpimpim para a proacutexima chuva

Aleacutem da promoccedilatildeo de chuvas volumosas e gentis outros mecanismos bioquiacutemicos anaacutelogos aos que produzem os aromas atuam como ldquovassourinhas quiacute-micasrdquo da atmosfera Nas condiccedilotildees amazocircnicas po-luentes perigosos (como o ozocircnio) satildeo removidos do ar Nos anos 1980 nos primeiros estudos de quiacutemica da atmosfera empregando aviotildees instrumentados constatou-se que o ar na baixa atmosfera amazocircnica continha menos ozocircnio (portanto era mais saudaacutevel) que o ar das regiotildees mais remotas da Terra (como a Antaacutertida) Nas deacutecadas subsequentes outros projetos de investigaccedilatildeo indicaram o efeito das aacutervores na lim-peza do ar25 Desses e de outros estudos em desenvol-vimento pode-se sugerir que as plantas amazocircnicas usam algum tipo de vitamina C como um antioxidan-te capaz de remover do ar gases danosos para a vida

13) Bomba bioacutetica de umidade doar aacutegua para receber chuva

Por volta de 2005 no pico da mais poderosa seca a atingir a Amazocircnia ateacute aquele momento atuamos na integra-ccedilatildeo dos primeiros seis anos de dados do projeto LBA26 Depois de analisar em vaacuterios estudos as evidecircncias das

projeto LBA para investigar tambeacutem as trocas de outros gases produzidos pelas plantas contendo carbono para verificar se constituiacuteam parte importante dessas trocas Esses outros gases satildeo os aromas da floresta tambeacutem chamados de compostos orgacircnicos volaacuteteis biogecircni-cos (BVOCs23) Como um vidro de perfume aberto per-de seu liacutequido por evaporaccedilatildeo e o gaacutes-perfume difun-de-se pelo ambiente uma variedade de substacircncias orgacircnicas evapora nas folhas e ganha a atmosfera

Quando no ar uacutemido e com a luz do Sol os aromas das plantas formam uma poeira finiacutessima com afinidade pela aacutegua Satildeo os nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens

Em termos de massa as quantidades de carbono perdidas para a atmosfera por esses gases orgacircnicos satildeo pequenas Contudo um grupo liderado por Meinrat

Andreae do Instituto Max Planck que estuda a quiacutemica dos gases na atmosfera investigou o que acontecia com esses aromas quando misturados ao ar amazocircnico e desvendou o misteacuterio da nucleaccedilatildeo das nuvens24 Os BVOCs (como isopreno terpenos etc) numa atmosfera uacutemida e na presenccedila da radiaccedilatildeo solar oxidam-se e pre-cipitam-se formando uma poeira finiacutessima com afinida-de pela aacutegua (higroscoacutepica) gerando eficientes nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens Poeticamente falando esse eacute o poacute de pirlimpimpim que surge magicamente no ar carregado de vapor e provoca as chuvas a cacircntaros das nuvens baixas os regadores do Jardim do Eacuteden En-quanto os BVOCs estatildeo na forma de gaacutes dissolvidos no

23 Do inglecircs Biogenic Volatile Organic Carbon satildeo compostos biogecircnicos porque satildeo sintetizados pelos organismos vivos como os odores das plantas Existem outros compostos orgacircnicos volaacuteteis natildeo biogecircni-cos chamados simplesmente de VOCs como o solvente de uma tinta por exemplo

24 (Poumlschl et al 2010) Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon (Clayes et al 2004) Formation of secondary organic aerosols through photooxidation of isoprene Release Astonishing Discovery over the Amazonian Rain Forest

25 Por exemplo (Rummel et al 2007) Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia26 (Nobre 2005) Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 16Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

observaccedilotildees e os resultados de modelos ponderei so-bre a pergunta em voga agrave eacutepoca com o aquecimento global iraacute a floresta uacutemida na Amazocircnia secar e morrer

Ao longo de milhares27 ou provavelmente milhotildees de anos28 a floresta tropical da Ameacuterica do Sul evoluiu sua biota luxuriante sem sinais de ter sido desligada por even-tos climaacuteticos extremos como aridez ou congelamento No mesmo espaccedilo de tempo no entanto eacute improvaacutevel que o impacto do clima externo ao continente tenha permanecido benigno especialmente considerando as interferecircncias coacutesmicas e sua conhecida relaccedilatildeo com mudanccedilas climaacuteticas profundas em escala planetaacuteria29

Em face da adversidade climaacutetica externa como este magniacutefico bioma conseguiu resistir agrave extinccedilatildeo Hoje haacute linhas suficientes de evidecircncias de que a biosfera natildeo soacute pode resistir mas na verdade pode alterar modular e ateacute regular seu proacuteprio ambiente30

As florestas tropicais da Ameacute-rica do Sul estatildeo entre os mais densos diversos e complexos biomas terrestres no planeta Do mecanismo de chuvas no oceano verde pode-se ima-ginar como essas florestas

Amazocircnia coraccedilatildeo do mundo

Como podemos entender a circulaccedilatildeo da aacutegua pela paisagem A aacutegua irriga e drena os solos de forma anaacuteloga ao sangue que irriga e drena os tecidos do corpo Se os familiares rios satildeo anaacutelogos agraves veias que dre-nam a aacutegua usada e a retornam para a origem no oceano onde ficam as arteacuterias do sistema natural Satildeo os rios aeacutereos que trazem a aacutegua fresca renovada na evaporaccedilatildeo do oceano Para completar o sistema circulatoacuterio faltava somente o coraccedilatildeo a bomba que impulsiona os fluxos nas arteacuterias aeacutereas A teoria da bomba bioacutetica veio explicar que a potecircncia que propele os ventos canalizados nos rios aeacutereos deve ser atribuiacuteda agrave grande floresta que funciona entatildeo como coraccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico

poderiam regular o clima Controlar a precipitaccedilatildeo signi-fica tambeacutem controlar a convecccedilatildeo o que por sua vez significa interferir com uma poderosa correia transporta-dora de massa e energia a circulaccedilatildeo de Hadley31 Atra-veacutes da regulaccedilatildeo de chuvas a biologia poderia definir o ritmo dos ventos aliacutesios do Atlacircntico arrastando a neces-saacuteria umidade do oceano para o interior do continente

Na mesma eacutepoca Victor Gorshkov e Anastassia Maka-rieva aprofundando sua teoria sobre a regulaccedilatildeo bioacute-tica do ambiente32 examinavam os mecanismos que ligam a transpiraccedilatildeo das plantas com efeitos fiacutesicos na atmosfera Das surpreendentes descobertas desta anaacutelise eles desenvolveram a teoria da bomba bioacutetica de umidade33 revelando fisicamente como processos de transpiraccedilatildeo e condensaccedilatildeo mediados e manipula-dos pelas aacutervores mudam a pressatildeo e dinacircmica atmos-feacutericas resultando em maior suprimento de umidade do oceano para o interior de continentes florestados

Makarieva e colaboradores descobriram que a conden-saccedilatildeo do vapor drsquoaacutegua na atmosfera gera uma reduccedilatildeo localizada de pressatildeo e produz potencia dinacircmica que acelera os ventos ao longo do resultante gradiente de pressatildeo 34 O ponto crucial da teoria eacute que contrastes na evaporaccedilatildeo da superfiacutecie ndash casada com a determinante condensaccedilatildeo nas nuvens ndash muito mais que contrastes

na temperatura de superfiacutecie determinam a direccedilatildeo e a intensidade dos ventos trazedores de chuva

Assim uma regiatildeo florestada que evapora tanta ou mais aacutegua que uma superfiacutecie oceacircnica contiacutegua ndash e que teraacute muito mais condensaccedilatildeo na produccedilatildeo de chu-vas ndash iraacute sugar do mar para a terra as correntezas de ar carregadas de umidade onde ascenderatildeo o que traraacute chuvas para a aacuterea florestada Ao contraacuterio se a floresta for removida o continente teraacute muito menos evapora-ccedilatildeo do que o oceano contiacuteguo ndash com a consequente reduccedilatildeo na condensaccedilatildeo ndash o que determinaraacute uma re-versatildeo nos fluxos de umidade que iratildeo da terra para o mar 35 criando um deserto onde antes havia floresta

Entre as previsotildees baseadas na teoria da bomba bioacute-tica feitas por Makarieva e Gorshkov estava a de que as secas nas florestas nativas seriam contrapostas por transpiraccedilatildeo vigorosa das aacutervores Ora essa previsatildeo contrariava o senso comum pois qualquer pessoa sabe que basta deixar um vaso com plantas sem re-gar por alguns dias para que as plantas murchem e

27 (Baker et al 2001) The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years28 (Hooghiemstra et al 2002) Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary29 (Berger and Yin 2012) Astronomical Theory and Orbital Forcing30 (Foley and Costa 2003) Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate (Gorshkov et al 2004) Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction

(Pielke and Avissar 1998) Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate31 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena32 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change33 (Makarieva and Gorshkov 2007) Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land34 (Makarieva et al 2013) Where do winds come from35 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais

Uma regiatildeo florestada onde ocorre muito mais conden-saccedilatildeo em nuvens do que em superfiacutecie oceacircnica contiacutegua iraacute sugar para a terra os ven-tos do mar que carregados de umidade traratildeo chuvas para a aacuterea florestada

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 17Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

continuar a importar aacutegua pela atmosfera ndash contra-pondo a seca ndash e garantir a continuidade da floresta A teoria da bomba bioacutetica vem ganhando aceitaccedilatildeo37 e jaacute tem comprovaccedilatildeo observacional38

14) Rios aeacutereos aacutegua fresca pelas arteacuterias suspensas

Um mapa-muacutendi revela interessantes arranjos e sime-trias na distribuiccedilatildeo de florestas e desertos ao redor do globo com trecircs cinturotildees chamando a atenccedilatildeo um de florestas ao redor da linha do Equador e outros dois de desertos ao redor dos troacutepicos de Cacircncer e Capri-coacuternio Tal geografia de paisagens contrastantes tem explicaccedilatildeo conhecida a circulaccedilatildeo de Hadley39

Pela influecircncia da circulaccedilatildeo de Hadley a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul tenderia agrave aridez

Haacute maior incidecircncia solar na zona equatorial e portanto ocorre ali devido a efeitos fiacutesi-cos uma maior ascensatildeo de ar

que se resfria e faz chover favorecendo florestas O ar que subiu e perdeu umidade precisa ir para algum lugar des-locando-se em altitude nos dois hemisfeacuterios na direccedilatildeo dos subtroacutepicos Esse ar seco quando desce e se aquece remove umidade da superfiacutecie favorecendo desertos

Mas existem exceccedilotildees e a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul eacute uma delas Pela influecircncia da circula-ccedilatildeo de Hadley essa regiatildeo tenderia agrave aridez Basta ver o deserto de Atacama no outro lado dos Andes ou os

ateacute morram Contrariava tambeacutem o conhecimento de ecofisiologistas segundo o qual quando para de cho-ver e a aacutegua no solo diminui as plantas fecham logo seus estocircmatos e deixam de transpirar para econo-mizar aacutegua Ao mesmo tempo essa previsatildeo fornece uma pista para um antigo enigma ecofisioloacutegico por-que a fotossiacutentese evoluiu para ser ldquoesbanjadorardquo de vapor drsquoaacutegua Surpreendentemente entretanto Scott Saleska e colaboradores publicaram na revista cientiacutefi-ca Science36 observaccedilotildees que corroboravam a correccedilatildeo da previsatildeo teoacuterica de Makarieva e Gorshkov

Durante o pico da seca de 2005 as partes mais atingidas da Amazocircnia foram as que mais ldquoverdejaramrdquo isto eacute na zona onde choveu menos (conforme registro do sateacutelite TRMM) brotaram mais folhas novas nas copas das aacutervores (conforme foi visto pelo sensor MODIS no sateacutelite Terra)

As conclusotildees desse estudo a partir de imagens de sateacutelite jaacute contavam com apoio de mediccedilotildees em terra das torres de fluxo do projeto LBA que haviam consta-tado o fato de natildeo ocorrer uma reduccedilatildeo de transpira-ccedilatildeo das aacutervores nas eacutepocas secas Em outras palavras parece que quando a seca chega as aacutervores com raiacute-zes profundas (e acesso a grande quantidade de aacutegua subterracircnea) executam um programa para manter ou aumentar a transpiraccedilatildeo Assim com o fluxo de vapor da transpiraccedilatildeo na superfiacutecie ndash e a correspondente condensaccedilatildeo nas nuvens ndash manteacutem-se a succcedilatildeo do ar uacutemido sobre os oceanos proacuteximos o que significa

36 (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought37 Por exemplo (Sheil and Murdiyarso 2009) How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis38 (Poveda et al 2014) Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers39 Ceacutelula de Hadley

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 18Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

circulaccedilatildeo que liga os ventos aliacutesios carregados de umidade do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonal-mente para a parte meridional

da Ameacuterica do Sul foi descrita por Joseacute Marengo e cola-boradores43 Embora eles tenham chamado esse trans-porte de jatos de baixos niacuteveis o conceito eacute muito similar ao dos rios atmosfeacutericos Segundo sua explicaccedilatildeo fun-ciona na Ameacuterica do Sul um sistema de monccedilotildees seme-lhante ao da Aacutesia e devido ao efeito da floresta (geisers da floresta) e tambeacutem da cordilheira dos Andes (uma barreira de 6 km de altura) o persistente ar uacutemido ama-zocircnico faz a curva no Acre e durante o veratildeo leva quan-tidades generosas de vapor drsquoaacutegua para o quadrilaacutetero afortunado contrariando sua tendecircncia para a aridez

Recentemente Josefina Arraut44 e colaboradores fi-zeram uma revisatildeo climatoloacutegica dos rios aeacutereos da Ameacuterica do Sul estimando o transporte de vapor as-sociado e introduzindo um novo conceito ldquolagos aeacute-reosrdquo ou seja regiatildeo de remanso atmosfeacuterico com um estoque de vapor precipitaacutevel

Com o conceito de rios aeacutereos estabelecido e tornan-do-se popular Dominick Spracklen45 e colaboradores desenvolveram uma nova abordagem ao correlacionar a superfiacutecie coberta por vegetaccedilatildeo agrave exposiccedilatildeo de uma

Salati e colaboradores comparando as assinaturas quiacute-micas40 entre o fluxo de entrada de vapor oceacircnico no grande anfiteatro amazocircnico com as correspondentes assinaturas da aacutegua de escoamento que retorna ao oceano pelo rio Amazonas perceberam que parte sig-nificativa da aacutegua que entrava como vapor no canal aeacutereo natildeo retornava pelo canal terrestre41

Daiacute concluiacuteram que a Amazocircnia devia estar exportan-do esse vapor para outras regiotildees do continente e irri-gando outras bacias hidrograacuteficas que natildeo a do Ama-zonas Anaacutelises preliminares feitas agrave eacutepoca nas aacuteguas de chuva coletadas na cidade do Rio de Janeiro de-tectaram sinais de que parte dela vinha do interior do continente natildeo do oceano contiacuteguo E mais especifi-camente que havia passado pela Amazocircnia Esse gru-po foi o primeiro a sugerir que chuvas na Ameacuterica do Sul fora da Amazocircnia poderiam ser alimentadas pelo transporte continental de vapor

O conceito de rios atmosfeacutericos foi introduzido em 1992 por Reginald Newell e Nicholas Newell42 para descre-ver fluxos filamentares na baixa atmosfera capazes de transportar grandes quantidades de aacutegua como vapor tipicamente em volumes superiores ao transportado pelo rio Amazonas (que tem vazatildeo de 200 milhotildees de litros por segundo ndash ou 17 bilhotildees de toneladas ao dia)

Quase trecircs deacutecadas depois dos achados de Salati a

Rios Voadores contando uma bela histoacuteria

Em 2006 contemplando a floresta amazocircnica do alto de uma torre de estudo do projeto LBA trocamos com o aviador Gerard Moss as primei-ras ideias que levaram ao projeto de aventura pesquisa divulgaccedilatildeo e educaccedilatildeo ambiental Rios Voadores42 Com financiamento da Petrobras e a participaccedilatildeo de Eneacuteas Salati o pioneiro dos estudos sobre reciclagem de umidade na Amazocircnia aleacutem de outros cientistas de renome Moss perseguiu por anos os rios de vapor com seu aviatildeo monomotor coletan-do numerosas amostras para estudo e capturando a atenccedilatildeo luacutedica das pessoas na aventura que criou Fez tambeacutem um trabalho extraordinaacuterio de educaccedilatildeo ambiental nas escolas e pela Web postando frequente-mente em redes sociais as trajetoacuterias dos rios voadores e mostrando como estes levam aacutegua para as pessoas O resultado mais valioso desse projeto foi sua capacidade de tocar o lado emocional das pessoas atraveacutes do estiacutemulo luacutedico da aventura da ciecircncia engajada conectan-do-as ao sentimento de estima pelo ambiente pela aacutegua e pela floresta

desertos de Namiacutebia e Kalahari na Aacutefrica e o deserto da Austraacutelia Todos alinhados latitudinalmente com a afortunada aacuterea verde responsaacutevel por 70 do PIB do continente no quadrilaacutetero delimitado por Cuiabaacute ao Norte Satildeo Paulo a Leste Buenos Aires ao Sul e a cor-dilheira dos Andes a Oeste

As escolas ensinam que a aacutegua evapora do mar ldquovairdquo para os continentes cai como chuva eacute coletada nos rios de superfiacutecie e retorna ao mar Ao fazer a ligaccedilatildeo entre evaporaccedilatildeo da aacutegua no mar com seu tracircnsito em terra esse conceito simploacuterio do ciclo hidroloacutegico natildeo estaacute errado mas natildeo explica quase nada Por exemplo por que existem desertos ou por que o vapor mariacutetimo adentra os continentes de forma heterogecircnea

Rios aeacutereos ligam os ventos aliacutesios carregados de umida-de do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonalmente para a parte meridional da Ameacuterica do Sul

40 Definidas pelo uso de traccediladores que portam assinaturas isotoacutepicas Diz-se que satildeo isoacutetopos dois ou mais aacutetomos com o mesmo numero de proacutetons mas com massas diferentes Uma analogia boa eacute pensar em gecircmeos com caracteriacutesticas idecircnticas exceto peso Assinatura isotoacutepica eacute a relaccedilatildeo numeacuterica entre a imensa multidatildeo de ldquogecircmeosrdquo atocircmicos em um material ou substancia A aacutegua pode conter variada combinaccedilatildeo de gecircmeos de oxigecircnio (16O e 18O) e hidrogecircnio (1H 2H) gerando moleacuteculas de aacutegua com pesos distintos A proporccedilatildeo destes gecircmeos atocircmicos que ocorre na aacutegua do mar por exemplo se altera com a evaporaccedilatildeo (flutuam primeiro os mais leves) e tambeacutem com a chuva (precipitam primeiro os mais pesados) Assim ao analisar a assinatura isotoacutepica de uma amostra de aacutegua ou vapor pode-se saber de onde ela veio se do oceano ou da floresta

41 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study (Matsui et al 1976) Isotopic hydrology in the Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 18O concentrations42 (Newell and Newell 1992) Tropospheric Rivers - A Pilot Study43 (Marengo et al 2004) Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalysis Characteristics and temporal variability44 (Arraut et al 2012) Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America45 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 19Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Eventos extremos a vida buscando equiliacutebrio

Com o aquecimento global ocorre maior acuacutemulo de energia na at-mosfera o que aumenta a probabilidade de ocorrecircncias de fenocircmenos climaacuteticos mais intensos A natureza desta tendecircncia foi prevista haacute deacutecadas pelos meteorologistas Mas a maior intensidade e frequecircncia dessas ocorrecircncias estaacute sendo observada deacutecadas antes do previsto Algum fator na complexidade do clima deve explicar a aceleraccedilatildeo dos efeitos O registro geoloacutegico mostra que climas extremos jaacute ocorreram na histoacuteria da Terra muito antes da humanidade surgir Mas ao contraacuterio do que seria de se esperar depois dos cataclismos todas as evidecircncias apontam sempre para uma resiliente recuperaccedilatildeo estabilizadora ate-nuando os extremos Sistemas puramente geofiacutesicos natildeo teriam essa capacidade Somente a vida e seus processos de auto-regulaccedilatildeo ofere-cem explicaccedilatildeo satisfatoacuteria para a histoacuteria climaacutetica da Terra49

parcela de ar num rio aeacutereo (medida pelo iacutendice cumu-lativo de aacuterea foliar ao longo da trajetoacuteria) com chuva a jusante na trajetoacuteria daquela mesma parcela Ou seja um rio aeacutereo conecta regiotildees doadoras de umidade com outras receptoras de umidade Daiacute a importacircncia crucial das florestas a montante constatou-se que a Amazocircnia eacute de fato a cabeceira dos mananciais aeacutereos da maior parte das chuvas na Ameacuterica do Sul

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos

Makarieva e Gorshkov46 introduziram uma nova definiccedilatildeo fiacutesica para furacotildees ciclones ou tornados ldquo satildeo implosotildees (explosotildees em reverso) que se passam em cacircmera lenta decorrentes do desaparecimento volumeacutetrico de vapor drsquoaacutegua na atmosfera por condensaccedilatildeordquo47 Paulo Nobre

apresentou-lhes entatildeo um problema ldquoA questatildeo que se coloca eacute entender por que os furacotildees natildeo se desenvol-vem sobre as florestas tropicais como na Amazocircnia onde o fornecimento de vapor de aacutegua pela floresta e sua ex-tinccedilatildeo na forma de chuva tropical eacute tatildeo abundanterdquo 48

Respondendo Makarieva e Gorshkov demonstraram teoricamente como uma grande aacuterea terrestre co-berta por floresta natildeo per-

mite a formaccedilatildeo de furacotildees e outros padrotildees climaacuteticos anocircmalos incluindo secas e enchentes Em sua explica-ccedilatildeo a fricccedilatildeo turbulenta local com o dossel da floresta -que transpira ativamente o que resulta em chuvas uni-formes sobre grandes aacutereas- e a traccedilatildeo do vento pela bomba bioacutetica em distacircncias maiores diminui muito a chance de organizaccedilatildeo de tormentas como tornados ou furacotildees As trajetoacuterias registradas dos furacotildees compro-vam o ambiente ameno nas regiotildees cobertas por flores-tas extensas e aacutereas oceacircnicas proacuteximas50 Ou seja aleacutem de todos os outros serviccedilos da floresta ao clima ela ainda oferece um seguro contra destrutivos eventos atmosfeacute-ricos atenuando a concentraccedilatildeo de energia nos ventos

Outras funccedilotildees claacutessicas das florestas na regulaccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico em terra satildeo bem conhecidas como o favorecimento da recarga de aquiacuteferos e a atenua-ccedilatildeo de enchentes51 entre muitas outras

Entre os serviccedilos que a floresta presta ao clima estaacute um segu-ro contra eventos atmosfeacutericos destrutivos atenuando a concen-traccedilatildeo da energia nos ventos

46 (Makarieva et al 2008) On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine47 De acordo com os autores ldquoThe driving force of all hurricane processes is a rapid release as in compressed spring of potential energy previously accumulated in the form of saturated water vapor in the atmospheric column

during a prolonged period of water vapor evaporation under the action of the absorbed solar radiationrdquo (Makarieva et al 2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient48 (Nobre P 2009a) Peer Review Question Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo49 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment50 Storm Track mapa registrando todas as trajetoacuterias observadas de furacotildees mostrando que a regiotildees equatoriais das florestas e suas imediaccedilotildees oceacircnicas satildeo livres destes fenocircmenos51 httpwwwipefbrhidrologiamataciliarasp

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 20Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito

Em vista dos efeitos extensivos e elaborados das flo-restas sobre o clima demonstrados pela ciecircncia que resultados esperar da sua devastaccedilatildeo Para avaliar os impactos do desmatamento no clima vem sendo fei-to um nuacutemero crescente de experimentos de campo e modelagem estudos observacionais e mais recente-mente anaacutelises teoacutericas Quais as consequecircncias pro-jetadas do desmatamento e quais as jaacute observadas

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores

Uma das maiores virtudes dos modelos climaacuteticos estaacute em sua capacidade de simular cenaacuterios distantes do momento presente Esse tipo de exerciacutecio natildeo eacute pre-ditivo no sentido fiacutesico mas onde a teoria fiacutesica ainda natildeo estiver disponiacutevel eacute o melhor conhecimento e a uacutenica ferramenta para analisar sistemas complexos e fazer extrapolaccedilotildees bem fundamentadas

Tais exerciacutecios de simulaccedilatildeo satildeo valiosos para situaccedilotildees especiacuteficas como explorar riscos climaacuteticos associados ao desmatamento No ambiente virtual como num si-mulador de voo eacute possiacutevel avaliar repetidamente ce-naacuterios de desastres esmiuccedilando os fatores atuantes as condiccedilotildees iniciais e as consequecircncias potenciais de manobras arriscadas

Em 1991 Carlos Nobre liderou um dos mais citados

estudos para simular o impacto no clima do desma-tamento total da floresta amazocircnica52 Usando um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera (GCM53) com um moacutedulo acoplado de representaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo (SiB54) os autores concluiacuteram que quando as florestas eram substituiacutedas por pasto degradado no modelo verificava-se um aumento significativo na temperatura meacutedia de superfiacutecie (cerca de 25degC) e uma diminuiccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo anual (reduccedilatildeo de 30) da pre-cipitaccedilatildeo (reduccedilatildeo de 25) e do escoamento superfi-cial (reduccedilatildeo de 20) Na simulaccedilatildeo ocorria tambeacutem um aumento da duraccedilatildeo da estaccedilatildeo seca na metade sul da bacia amazocircnica

Nas duas deacutecadas seguintes outros estudos avanccedila-ram no detalhamento e generalizaccedilatildeo dessas conclu-sotildees Deborah Lawrence e Karen Vandecar fizeram recentemente uma revisatildeo da literatura55 sobre os impactos do desmatamento tropical no clima e con-cluiacuteram que vaacuterios GCMs concordam em que o des-matamento em escala regional leva a um clima mais quente e seco sobre a aacuterea desmatada Os modelos que simulam o desmatamento completo da Amazocirc-nia preveem um clima com aquecimento na faixa de 01-38degC (meacutedia de 19degC) e reduccedilatildeo de chuvas na fai-xa de 140-640 mm ao ano (meacutedia de 324 miliacutemetrosano ou 10-15 de reduccedilatildeo)

Mas o desmatamento pode ter implicaccedilotildees muito mais

52 (Nobre C et al 1991) Amazonian Deforestation and Regional Climate Change53 Definiccedilatildeo de GCM por Lawrence e Vandecar (2014) ldquo satildeo modelos computacionais tridimensionais globais do sistema climaacutetico que operam em larga escala Os modelos mais recentes incluem representaccedilotildees

da atmosfera oceanos e da superfiacutecie da Terra [] e incorporam o ciclo hidroloacutegico e uma representaccedilatildeo expliacutecita [] da vegetaccedilatildeo e seus efeitos sobre os fluxos de energia e de aacutegua incluindo as transferecircncias radiativas e turbulentas e os controles fiacutesicos e bioloacutegicos da evapotranspiraccedilatildeordquo

54 (Sellers et al 1986) Simple Biosphere Model55 (Lawrence and Vandecar 2014) The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity natildeo publicado

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 21Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

modelos parecem tender a subestimar as consequecircn-cias negativas nos cenaacuterios simulados Os resultados de projeccedilotildees mais recentes incluindo os oceanos agra-vam o quadro e aumentam o alerta

A eliminaccedilatildeo da floresta ndash prin-cipal agente da condensaccedilatildeo continental ndash equivale a desligar o interruptor de uma bomba de umidade atmosfeacuterica

Mas eacute preciso tambeacutem con-siderar a teoria da bomba bioacutetica e sua previsatildeo de re-duccedilatildeo de chuvas Diferente-mente dos modelos numeacute-

ricos convencionais uma teoria fiacutesica constroacutei entendimento baseada exclusivamente em leis funda-mentais da natureza Se a teoria estiver correta torna possiacutevel prever quantitativamente efeitos fiacutesicos apenas com a anaacutelise dos cenaacuterios e de sua loacutegica funcional

Makarieva e Gorshkov preveem que o desmatamento completo da Amazocircnia reduziria a precipitaccedilatildeo primor-dialmente como resultado da dissipaccedilatildeo do efeito da baixa pressatildeo (succcedilatildeo) associado agrave condensaccedilatildeo que eacute conectada a uma reduccedilatildeo da evaporaccedilatildeo de superfiacute-cie Como a teoria da bomba bioacutetica tambeacutem credita a disponibilidade de vapor para a precipitaccedilatildeo na Ama-zocircnia como resultado dessa capacidade de transpirar a eliminaccedilatildeo total do principal agente da transpiraccedilatildeo levaria agrave cessaccedilatildeo completa do bombeamento bioacutetico

Esta teoria sugere que desligado o interruptor da bom-ba que puxa o ar uacutemido para o continente o fluxo de umidade deve mudar de direccedilatildeo quando a condensaccedilatildeo passar a ser relativamente maior sobre o oceano (mais

seacuterias Em 1997 German Poveda e Oscar Mesa56 propuse-ram o papel de ponte hidrometeoroloacutegica para a floresta amazocircnica ao conectar os dois grandes oceanos proacutexi-mos isto eacute sugerindo efeitos climaacuteticos cruzados entre os oceanos via atmosfera mediados pela floresta

Explorando com modelagem em direccedilatildeo similar mais recentemente Paulo Nobre57 e colaboradores estuda-ram o impacto do desmatamento na chuva amazocircni-ca tendo como referecircncia a inclusatildeo ou a exclusatildeo das respostas dos grandes oceanos aos cenaacuterios de des-matamento58 Comparando simulaccedilotildees feitas em um GCM atmosfeacuterico usual com um GCM acoplado a outro modelo que simula as condiccedilotildees internas dos oceanos (salinidade correntes etc) esses autores encontraram uma reduccedilatildeo consideravelmente maior na precipita-ccedilatildeo quando o GCM acoplado com o oceano foi rodado para um cenaacuterio de desmatamento total da Amazocircnia 42 de reduccedilatildeo da chuva contabilizando os mecanis-mos internos dos oceanos contra 26 de reduccedilatildeo da chuva sem considera-los Os oceanos sempre estive-ram presentes e a inclusatildeo das suas respostas internas daacute mais realismo agraves simulaccedilotildees

Jaacute existem comprovaccedilotildees de muito do que foi proje-tado pelos modelos como consequecircncia do desma-tamento especialmente a ampliaccedilatildeo da estaccedilatildeo seca Poreacutem esses experimentos virtuais indicavam um prolongamento da estaccedilatildeo seca apoacutes destruiccedilatildeo de 100 da floresta o que jaacute se observa com o corte raso de pouco menos de 19 da floresta Ou seja esses 56 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena57 (Nobre P et al 2009b) Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation58 Que utiliza apenas a seacuterie histoacuterica observada das temperaturas da superfiacutecie dos oceanos

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 22Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

E apontaram que essa re-duccedilatildeo de chuvas poderaacute ser bem maior do que o indicado pelo grupo de Spracklen63 Para a porccedilatildeo

mais desmatada da Amazocircnia jaacute se constata progres-sivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera significativo impacto no setor agriacutecola

Assim a discussatildeo sobre desmatamento passa longe de duacutevidas sobre seus evidentes efeitos diretos e indi-retos na reduccedilatildeo das chuvas e recai sobre a extensatildeo da aacuterea desmatada No periacuteodo 20112012 foram ldquoape-nasrdquo 4571 km2 desmatados na Amazocircnia brasileira Se comparado com taxas de desmatamento em anos de pico como 2004 (27772 km2) esse valor parece mo-desto O Brasil merece reconhecimento por haver lo-grado essa reduccedilatildeo A velocidade e a eficaacutecia atingidas na reduccedilatildeo recomendam essa estrateacutegia para zerar e reverter o desmatamento no Brasil e no mundo

A despeito da notiacutecia encorajadora essa taxa que pa-rece tatildeo pequena seria suficiente para desmatar aacuterea equivalente a toda a Costa Rica em meros dez anos Aleacutem disso reduccedilotildees nas taxas anuais atenuam a per-cepccedilatildeo momentacircnea de perda e mascaram o desmata-mento acumulado na Amazocircnia que eacute muito grave

No que diz respeito ao clima importa sobretudo a aacuterea total devastada e sua distribuiccedilatildeo espacial Compilando

localizado da chuva com o desmatamento estudos mais abrangentes simulaccedilotildees com modelos climaacuteticos e mesmo anaacutelises teoacutericas esclareceram o caraacuteter local e transitoacuterio desse efeito que depende basicamente da existecircncia de matas circundantes agrave aacuterea desmatada e da extensatildeo dessas matas O aumento de chuva converte-se em reduccedilatildeo tatildeo logo as florestas remanescentes fi-quem mais distantes que um certo limiar de aacuterea aberta Daiacute em diante haveraacute reduccedilatildeo das chuvas

Dados de sateacutelites para chuva e presenccedila de floresta mostra-ram reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos que passam sobre aacutereas desmatadas

O estudo de Spracklen e colaboradores62 com da-dos de sateacutelites para chu-va e presenccedila de floresta constatou que com o des-

matamento ocorre a reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos Em 60 das aacutereas tropicais o ar que passa sobre densas florestas produz pelo menos duas vezes mais chuva que o ar que passa sobre aacutereas desmatadas Apesar de ainda natildeo terem considerado o mecanismo e os efeitos da teoria da bomba bioacutetica esses autores de-monstraram com evidecircncias fortes que o impacto ne-gativo do desmatamento no clima natildeo eacute somente local mas pode afetar regiotildees proacuteximas e distantes

Aplicando os conceitos da bomba bioacutetica Makarieva e colaboradores colocaram os achados de Spracklen em perspectiva explicando quantitativamente quais os fatores fiacutesicos responsaacuteveis pela reduccedilatildeo nas chuvas a jusante dos ventos decorrentes do desmatamento

fraca que a bioacutetica a bomba oceacircnica de condensaccedilatildeo estaacute sempre ligada) o que levaria a aridez em terra59

Os modelos climaacuteticos usados para simular o desma-tamento ainda natildeo embutiram essa nova teoria fiacutesica portanto natildeo projetam esse efeito que poderia signi-ficar ateacute 100 de reduccedilatildeo nas chuvas

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo

O desmatamento real eacute imenso e seus efeitos sobre o clima satildeo bem documentados Estudos em torres micrometeoroloacutegicas mostram que a substituiccedilatildeo de floresta por pastagem leva como previsto pelos mo-delos a um aumento da temperatura de superfiacutecie e uma reduccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo60 Observaccedilotildees de sateacutelite mostram que durante a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspi-raccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas61

Observaccedilotildees mostram que duran-te a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspiraccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas

Dados similares tambeacutem indicam que a transpira-ccedilatildeo da floresta eacute bem maior do que aquela pres-crita pelos modelos o que explica em parte a subesti-

mativa dos modelos de larga escala no caso da reduccedilatildeo de precipitaccedilatildeo com o desmatamento Embora alguns estudos observacionais tenham revelado um aumento

Para a porccedilatildeo mais desmata-da da Amazocircnia jaacute se constata progressivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera signifi-cativo impacto no setor agriacutecola

59 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais60 Por exemplo (Gash et al 1996) Amazonian Deforestation and Climate (von Randow et al 2004) Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in southwest Amazonia61 (Huete et al 2006) Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought62 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests63 (Makarieva et al 2013) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 23Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Desmatamento acumulado 762979 km2

Esse valor eacute maior que a soma das aacutereas de trecircs estados de Satildeo Paulo ou que as aacutereas somadas de duas Alemanhas ou de dois Japotildees Uma unidade de aacuterea mais proacutexima do brasileiro o campo de futebol (4136 m2) daacute uma noccedilatildeo da magnitude da devastaccedilatildeo 184 milhotildees de unidades65 ndash quase um campo de futebol desmatado na Amazocircnia para cada brasileiro Colocado na perspectiva temporal teriam sido em meacutedia 12635 campos desmatados por dia 526 campos por hora 88 campos ndash ou 36291 m2 por minuto 605 m2 por segundo ininterruptamente nos uacuteltimos 40 anos Para caber na compreensatildeo o gigantismo destes nuacutemeros eacute preciso estender a imaginaccedilatildeo para aleacutem destas analogias Um trator ficcional operando uma lacircmina frontal com 3 m de largura precisaria acelerar quase agrave velocidade de um aviatildeo a jato (726 kmh) para desmatar a aacuterea raspada na Amazocircnia no ritmo registrado do espaccedilo em imagens Como um trator desmata mui-to mais lentamente (024 - 036 hah66 ou ~08 kmh se essa aacuterea estives-se contida em uma faixa com 3 m de largura) com a mesma lacircmina de 3 m seriam necessaacuterios mais de 900 tratores simultaneamente derrubando a floresta lado a lado formando uma frente destrutiva com quase 3 km de largura Uma comparaccedilatildeo ainda mais impressionante eacute uma ldquoestrada de desmatamentordquo com 2 km de largura que daria para cobrir a distacircncia da Terra ateacute a Lua (380 mil km)

estudos pioneiros com dados de sateacutelite Dioacutegenes Al-ves64 contabilizou ateacute 2004 um desmatamento total de 663 mil km2 Agregando-se os nuacutemeros mais recentes do projeto PRODES do INPE o desmatamento acumula-do total ateacute 2013 chega a 762979 km2

Pelo vieacutes do dano ao clima o que se tem na Amazocircnia eacute um passivo gigantesco de destruiccedilatildeo do oceano ver-de Natildeo haacute portanto qualquer motivo para comemo-rar as taxas relativamente mais baixas de corte raso dos uacuteltimos anos mesmo porque depois da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal (2011) com sua ampla anistia a desmatadores jaacute se observa uma niacutetida tendecircncia de aumento das taxas anuais

Na contabilidade do INPE o corte raso brasileiro (sem considerar os dos demais paiacuteses da bacia amazocircnica) chegou em 2012 a 1885 da aacuterea original de floresta67 Mas a destruiccedilatildeo natildeo eacute uniforme pois ocorre grande concentraccedilatildeo de corte raso no chamado Arco do Fogo ndash ou Arco do Desmatamento68 Se a vastidatildeo raspada jaacute eacute graviacutessima para o clima a situaccedilatildeo torna-se ainda pior ao se considerar o oceano verde ferido

A exploraccedilatildeo madeireira e o desmatamento gradual pro-duzem extensas aacutereas de florestas degradadas que rara-mente entram na contabilidade oficial da destruiccedilatildeo mas que a depreender das informaccedilotildees e estimativas dispo-niacuteveis podem ter impacto significativo sobre o clima

Dalton Valeriano liderou um estudo pioneiro sobre degradaccedilatildeo69 que encontrou no Estado do Mato Gros-so no periacuteodo de 2007 a 2010 ldquosomenterdquo 7856 km2 com corte raso mas outros 32926 km2 de florestas degradadas Somando corte raso com degradaccedilatildeo sobrou pouco do propriamente chamado Estado de Mato Grosso

No mesmo periacuteodo o INPE mapeou 64205 km2 de flo-resta degradada versus 39026 km2 de corte raso para a Amazocircnia brasileira Usando a proporccedilatildeo entre estas

64 (Alves 2007) Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon65 Aacuterea desmatada 762979 km2 0004136 km2 = 184472679 de campos de futebol66 (Viana 2012) Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento67 httpwwwdpiinpebrprodesdigitalprodesphp Lista (uma tabela) e Consolida (somatoacuterios para a unidade de aacuterea considerada)68 Porcentagem de aacuterea desmatada ateacute 2012 TO 75 MA 72 RO 41 MT 40 PA 22 e AC 1369 httpwwwobtinpebrprodesRelatorio_Prodes2008pdf

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 24Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aacutereas pode-se extrapolar a aacuterea de floresta degradada para toda a Amazocircnia brasileira Na estimativa ateacute 2013 a aacuterea total degradada pode ter alcanccedilado 1255100 km2 Somando com a aacuterea mensurada de corte raso o impacto cumulativo no bioma pela ocupaccedilatildeo humana pode ter atingido 2018079 km2

Dentre mais de 200 paiacuteses no mundo somente 13 tecircm aacuterea maior que essa Nesta contabilidade a degrada-ccedilatildeo de florestas na Amazocircnia brasileira pode haver chegado a 2944 da aacuterea original70 que somada ao desmatamento corte-raso sugere que ateacute 4734 da floresta tenha sido impactada diretamente por ativi-dade humana desestabilizadora do clima Para a Pan-Amazocircnia esse impacto agregado da Amazocircnia bra-sileira contabilizando desmatamento e estimando degradaccedilatildeo representa de 2668 a 290371 sobre a aacuterea original de floresta

Mas a aacuterea de impacto no sentido ecoloacutegico pode ser ainda maior porque florestas contiacuteguas a aacutereas de de-gradaccedilatildeo ou corte raso sofrem direta e indiretamente os efeitos das mudanccedilas ambientais vizinhas (biogeo-fiacutesicas e biogeoquiacutemicas)72

No processo de degradaccedilatildeo a destruiccedilatildeo do dossel frequentemente superior a 60 da cobertura73 muda as caracteriacutesticas estruturais ecoloacutegicas e fisioloacutegicas da floresta comprometendo suas capacidades am-bientais

70 Caacutelculo utilizando a mensuraccedilatildeo de Espiacuterito-Santo et al (2014) para a floresta remanescente na Amazocircnia brasileira [3500000 km2] acrescida da aacuterea acumulada do desmatamento [762979 km2] chegando a 4262979 km2 de florestas originais na Amazocircnia brasileira

71 Impacto usando aacuterea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Espiacuterito-Santo et al (2014) com 7562979 km2 e em Eva et al (2005) com 6943468 km2

72 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon73 (Valeriano et al 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD e QUEIMADAS 2007-200874 University of Maryland Global Forest Cover

Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 ateacute 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Ameacuterica do Sul74

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 5: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

savana liquidando com o tempo ateacute as florestas que natildeo tenham sido desmatadas O desmatamen-to por corte raso atual beira os 20 da cobertura original na Amazocircnia brasileira e a degradaccedilatildeo florestal estima-se jaacute teria perturbado a floresta remanescente em variados graus afetando adicio-nalmente mais de 20 da cobertura original

5 A seccedilatildeo final do relatoacuterio recomenda um plano de mitigaccedilatildeo baseado na reversatildeo radical tanto dos danos passados quanto a das expectativas de da-nos futuros um esforccedilo de guerra As florestas da Amazocircnia satildeo essenciais para a manutenccedilatildeo do cli-ma e com ele a seguranccedila das geraccedilotildees futuras Fe-lizmente os avanccedilos nas ciecircncias fazem desta guer-ra um desafio que pode ser bem sucedido

Apesar da dificuldade em separar precisamente os efeitos de fundo das mudanccedilas climaacuteticas glo-bais daquelas locais e regionais natildeo resta a menor duacutevida de que os impactos do desmatamento da degradaccedilatildeo florestal e dos efeitos associados jaacute afetam o clima proacuteximo e distante da Amazocircnia Jaacute afetam em alto grau hoje em dia e prometem afetar ainda mais seriamente no futuro a ponto de que a uacutenica opccedilatildeo responsaacutevel que se coloca eacute agir vigo-rosamente no combate agraves causas

Como primeira accedilatildeo impotildee-se a universalizaccedilatildeo e facilitaccedilatildeo de acesso agraves descobertas cientiacuteficas que podem reduzir a pressatildeo da principal causa do des-matamento a ignoracircncia

Em segundo lugar eacute preciso estancar a sangria da floresta ou seja zerar o desmatamento a degra-daccedilatildeo florestal e o fogo jaacute com todos e quaisquer recursos e meios eacuteticos possiacuteveis no interesse da vida Ao mesmo tempo em vista do diagnoacutestico de que desmatamento e degradaccedilatildeo acumulados constituem-se no mais grave fator de dano ao cli-ma torna-se necessaacuterio e inevitaacutevel desenvolver um amplo esforccedilo para replantar e restaurar a flo-resta destruiacuteda

Tal esforccedilo precisa ter perspectiva de meacutedio e longo prazos para culminar com a regeneraccedilatildeo da floresta oceano-verde original Diante disso as elites gover-nantes podem devem e precisam tomar a dianteira na orquestraccedilatildeo da grande mobilizaccedilatildeo de pessoas recursos e estrateacutegias que possibilitem recuperar o tempo perdido

Na conclusatildeo ao apontar para a urgecircncia de accedilotildees de proteccedilatildeo e restauro da grande floresta acena com oportunidades reais na viabilidade de trilhar-mos um novo caminho onde a floresta protegida e recomposta seja a principal aliada das atividades humanas dentro e fora da Amazocircnia

3O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull Sumaacuterio Executivo

Agradecimentos

Agradecimentos a todos que contribuiacuteram para o aporte de informaccedilatildeo qualificada a este relatoacuterio em especial para

Eneacuteas Salati no histoacuterico dos estudos isotoacutepicos Martin Hodnett Joseacute Marengo e Celso Randow nos nuacutemeros da eva-

potranspiraccedilatildeo Dioacutegenes Alves e Dalton Valeriano nos nuacutemeros do desmatamento Joseacute Marengo pelos alertas fo-

cados e muito uacuteteis Anita Drumond pelos caacutelculos sobre evaporaccedilatildeo no oceano Antonio Manzi que levantou ques-

totildees sobre a circulaccedilatildeo planetaacuteria Victor Gorshkov e Anastassia Makarieva que deram respostas a essas questotildees e

pelas correccedilotildees cruciais sobre a fiacutesica atmosfeacuterica Claudio Maretti por ajudar a colocar as questotildees de preservaccedilatildeo

em perspectiva Elisangela Broedel pela revisatildeo criacutetica dos nuacutemeros do desmatamento e da destruiccedilatildeo de aacutervores

Yosio Shimabukuro e Scott Saleska pelas informaccedilotildees relativas a aacuterea da Amazocircnia e densidade de arvores Gilvan

Sampaio pelas correccedilotildees no texto sobre modelos de equiliacutebrio vegetaccedilatildeo-clima Meirat Andreae e Steven Wofsy pelas

referencias e orientaccedilotildees sobre quiacutemica atmosfeacuterica German Poveda pelas referencias e conselhos referente agraves gelei-

ras dos Andes Suprabha Sechan por levantar as dificuldades relativas a tecnologia agraves excelentes criacuteticas e sugestotildees

feitas pelos comentadores e pelo puacuteblico na 3ordf reuniatildeo Pan-Amazocircnica da ARA em Lima agraves questotildees e reaccedilotildees do

puacuteblico no debate feito pela Nossa Satildeo Paulo e pelo Instituto Ethos sobre a crise da aacutegua na regiatildeo metropolitana de

Satildeo Paulo Seacutergio Guimaratildees Maacutercio Santilli Paulo Nobre Tasso Azevedo Adriana Cuartas Lou Gold Foster Brown

Claudio Maretti Victor Gorshkov Anastassia Makarieva Stephan Schwartzman e Robert Harriss pelas excelentes e

inspiradoras revisotildees Marcos Losekann e a Gerard e Margi Moss pelas perguntas instigantes que levaram a mais

aperfeiccediloamentos no texto Marcelo Leite pela soacutebria revisatildeo profissional e de alta qualidade essencial no ajuste e

melhoria do texto Jaime Gesisky e Moema Ungarelli pelo cuidado e rigor na revisatildeo final Felipe Horst pela bela dia-

gramaccedilatildeo Margi Moss pela revisatildeo estelar de estilo e fluencia agrave Articulacioacuten Regional Amazoacutenica pela encomenda

do estudo e agrave Secretaria Executiva da ARA em especial ao Seacutergio Guimaratildees e Claudio Oliveira pelo suporte e estiacutemu-

los constantes Agradecimentos especiais ao CCST do INPE e ao INPA pelo apoio institucional a Avina Fundo Vale e

Skoll Foundation pela parceria valiosa ao ISA Projeto Rios Voadores e WWF pelo suporte

Sumaacuterio

Introduccedilatildeo ndash A tecnologia da floresta eacute insubstituiacutevel 9

1) As florestas geram o clima amigo cinco segredos revelados 11

11) Reciclagem de umidade geisers da floresta 11

12) Nucleaccedilatildeo das nuvens o poacute de pirlimpimpim no oceano verde 14

13) Bomba bioacutetica de umidade doar aacutegua para receber chuva 15

14) Rios aeacutereos aacutegua fresca pelas arteacuterias suspensas 17

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos 19

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito sem aacutervores natildeo daacute para tapar o sol 20

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores 20

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo 22

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba 25

31) Ponto de natildeo retorno o passo em falso no abismo 25

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel 26

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou 28

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura 29

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca 30

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima 32

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder 32

52) Zerar o desmatamento para anteontem 32

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros 33

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas 33

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade 34

Conclusatildeo 36

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era 37

Referecircncias 38

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 9Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Com isso num primeiro momento o planeta se esfria o que faz as plantas crescerem menos consumindo menos CO2 No momento seguinte a acumulaccedilatildeo de CO2 leva ao aquecimento do planeta e assim suces-sivamente num ciclo oscilante de regulaccedilatildeo5 Desta forma as plantas funcionam como um termostato que responde agraves flutuaccedilotildees de temperatura atraveacutes do ajuste da concentraccedilatildeo do principal gaacutes-estufa na atmosfera depois do vapor drsquoaacutegua Mas esta regula-ccedilatildeo da temperatura via consumo mediado do CO2 eacute apenas um entre muitos mecanismos da vida que re-sultam na regulaccedilatildeo favoraacutevel do ambiente

Como se veraacute neste trabalho as florestas tropicais satildeo muito mais que uma aglomeraccedilatildeo de aacutervores reposi-toacuterio passivo de biodiversidade ou simples estoque de carbono Sua tecnologia viva e dinacircmica de interaccedilatildeo com o ambiente lhes confere poder sobre os elemen-tos uma capacidade inata e resiliente de condiciona-mento climaacutetico Assim as florestas condicionam o cli-ma que lhes favoreccedila e com isso geram estabilidade e conforto cujo abrigo daacute suporte ao florescimento de sociedades humanas

A Ameacuterica do Sul eacute um continente privilegiado pela extensiva presenccedila de florestas megabiodiversas Natildeo por acaso esse continente teve e ainda tem um dos climas mais favoraacuteveis em comparaccedilatildeo com qualquer outro Contudo ao longo de 500 anos a maior par-te da vegetaccedilatildeo nativa fora da bacia amazocircnica foi

IntroduccedilatildeoA tecnologia da floresta eacute insubstituiacutevel

Numa definiccedilatildeo solta a floresta tropical eacute um tapete multicolorido estruturado e vivo extremamente rico Uma colocircnia extravagante de organismos que saiacuteram do oceano haacute 400 milhotildees de anos e vieram para a ter-ra Dentro das folhas ainda existem condiccedilotildees seme-lhantes agraves da primordial vida marinha Funciona assim como um mar suspenso que conteacutem uma miriacuteade de ceacutelulas vivas muito elaborado e adaptado Evoluiacuteda nos uacuteltimos 50 milhotildees de anos a floresta amazocircnica eacute o maior parque tecnoloacutegico que a Terra jaacute conheceu porque cada organismo seu entre trilhotildees eacute uma ma-ravilha de miniaturizaccedilatildeo e automaccedilatildeo Em tempera-tura ambiente usando mecanismos bioquiacutemicos de complexidade quase inacessiacutevel a vida processa aacuteto-mos e moleacuteculas determinando e regulando fluxos de substacircncias e de energia

As florestas condicionam o clima que lhes favoreccedila e com isso geram estabilidade e conforto sob cujo abrigo flo-rescem sociedades humanas

O conforto climaacutetico que apreciamos na Terra desco-nhecido em outros corpos siderais pode ser atribuiacutedo em grande medida ndash aleacutem

de muitas outras competecircncias ndash agrave colocircnia de seres vivos que tecircm a capacidade de fazer fotossiacutentese O gaacutes carbocircnico (CO2) funciona como alimento para a planta mateacuteria-prima transformada pelo instrumental bioquiacutemico com o uso de luz e aacutegua em madeira fo-lhas frutos raiacutezes4 De forma encadeada quando as plantas consomem CO2 a concentraccedilatildeo desse gaacutes na atmosfera diminui

4 Animaccedilotildees em biologia molecular httpwwwjohnkyrkcomindexpthtml5 Biotic Regulation of the Environment httpwwwbioticregulationru

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 10Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aniquilada como a Mata Atlacircntica que perdeu mais de 90 da sua cobertura original O efeito desse des-matamento histoacuterico no clima embora perceptiacutevel foi menos notado do que seria de se esperar e a razatildeo foi a costa quente (e uacutemida) da floresta amazocircnica que manteve o continente razoavelmente protegido de extremos com um clima ameno Mas nos uacuteltimos 40 anos a uacuteltima grande floresta a cabeceira das aacuteguas atmosfeacutericas da maior parte do continente esteve sob o ataque implacaacutevel do desmatamento Coincidente-mente aumentaram as perdas com desastres naturais ligados a anomalias climaacuteticas tanto por excessos (de chuva calor e ventos) quanto por falta (secas)6

As regiotildees andinas e mesmo da costa do Paciacutefico que dependem das geleiras para seu abastecimento de aacutegua poderatildeo em futuro proacuteximo ver-se ameaccediladas pois o derretimento acelerado pelo aquecimento cli-maacutetico jaacute estaacute em andamento e tambeacutem porque qua-se toda a precipitaccedilatildeo nas altas montanhas que su-prem as geleiras ano a ano tem sua mateacuteria-prima no vapor procedente da floresta amazocircnica7 A leste dos Andes a escala da dependecircncia no ciclo hidroloacutegico amazocircnico eacute incomensuravelmente maior

As regiotildees de savana na parte meridional onde haacute hoje um dos maiores cinturotildees de produccedilatildeo de gratildeos e ou-tros bens agriacutecolas tambeacutem recebe da floresta amazocirc-nica vapor formador de chuvas reguladas e benignas o principal insumo da agricultura Natildeo fosse tambeacutem

a liacutengua de vapor que no veratildeo hemisfeacuterico pulsa da Amazocircnia para longe levando chuvas essenciais8 e ou-tras influencias beneacuteficas muito provavelmente teriam clima inoacutespito as regiotildees Sudeste e Sul do Brasil (onde hoje se encontra sua maior infraestrutura produtiva na-cional) e outras aacutereas como o Pantanal e o Chaco as regiotildees agriacutecolas na Boliacutevia Paraguai e Argentina

Este trabalho mostraraacute primeiro o que sabemos sobre como a floresta amazocircnica funciona e manteacutem sua ca-pacidade de existir e persistir por eras geoloacutegicas De-pois exibiraacute o efeito sobre o clima que a destruiccedilatildeo do sistema natural jaacute estaacute gerando e as previsotildees sobre o que ainda pode gerar Por fim exploraraacute as ameaccedilas ao equiliacutebrio climaacutetico que as alteraccedilotildees em curso po-dem disparar analisando sob alguns acircngulos os riscos climaacuteticos agrave espreita

6 (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Marengo et al 2011) Extreme climatic events in the Amazon basin7 (Rabatel et al 2012) Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change8 (Willmot amp Webber 1998) South American Climate Data httpclimategeogudeledu~climate

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 11Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Buscando esclarecer misteacuterios o trabalho dos cientis-tas natildeo difere muito da investigaccedilatildeo de um detetive Exploram pistas analisam evidecircncias desenvolvem teorias constroem modelos Nas deduccedilotildees eletrizan-tes de Sherlock Holmes os casos mais intrincados cul-minavam com soluccedilotildees elementares A realidade do mundo natural mostra-se rica e complexa repleta de misteacuterios e segredos Mas o meacutetodo cientifico tem-perado pelo fasciacutenio e humanizado pela curiosidade infantil abre portais de acesso agrave compreensatildeo dos fe-nocircmenos mais misteriosos que nos afetam

Tais fenocircmenos ao serem clarificados e elevados agrave sua expressatildeo mais simples democratizam o conhecimen-to da ciecircncia ensejando o desenvolvimento de uma nova e estimulante consciecircncia compartilhada sobre o mundo que habitamos Existem ainda muitos segre-dos sobre o funcionamento das florestas bem guarda-dos na natureza Olhemos aqui para apenas cinco de-les revelados nas uacuteltimas deacutecadas segredos que satildeo cruciais para o entendimento das funccedilotildees das florestas no condicionamento do clima

No afatilde de modelar com o uso de computadores os fluxos colossais de massa e energia para simular o clima os me-teorologistas inicialmente prestaram pouca atenccedilatildeo na cobertura de vegetaccedilatildeo Essa abordagem mudou radi-calmente Por um nuacutemero grande e crescente de evidecircn-cias hoje se sabe do papel vital exercido pela vegetaccedilatildeo em muitos processos do clima E praticamente todos os

1) As florestas geram o clima amigo cinco segredos revelados

modelos do clima assim como os mais complexos modelos do sistema terrestre passaram a incluir representaccedilotildees elabora-das da vegetaccedilatildeo As descober-

tas cientiacuteficas sobre o papel determinante das florestas nos ciclos local regional e planetaacuterio de aacutegua energia carbono e outros valem para todas as florestas naturais do globo Mas aqui vamos focalizar mais as florestas tro-picais da Ameacuterica do Sul especialmente a Amazocircnia

Todos os estudos de modelagem climaacutetica consideram a bacia amazocircnica inteira Mas por haver mais dados disponiacuteveis eacute na Amazocircnia brasileira9 que se realizou a maioria dos outros trabalhos cientiacuteficos como o moni-toramento do desmatamento Natildeo obstante dada a im-portacircncia da bacia amazocircnica como um todo a chama-da Pan-Amazocircnia e tambeacutem porque a atmosfera e os rios natildeo se importam com limites poliacuteticos no futuro as observaccedilotildees mapeamentos e anaacutelises precisaratildeo rom-per as fronteiras nacionais a exemplo do que jaacute fazem projetos como a RAISG com levantamento extensivo e integrado das pressotildees humanas sobre a Amazocircnia10

11) Reciclagem de umidade geisers da floresta

Trezentos anos apoacutes a invasatildeo europeia nas Ameacutericas11 a aura de Jardim do Eacuteden nas selvas tropicais jaacute decaiacutea de seu apelo romacircntico possivelmente pela tromba-da dos cobiccedilosos conquistadores espanhoacuteis com o

9 Definida dentro do que durante a ditadura brasileira (1964-1985) foi definida por decreto como Amazocircnia Legal10 RAISG Red Amazoacutenica de Informacioacuten Socioambietal Georreferenciada Amazocircnia sob pressatildeo11 (Gambini 2000) Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira

Por um nuacutemero grande e crescente de evidecircncias sabe-se hoje do papel vital exercido pela vegetaccedilatildeo em muitos processos do clima

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 12Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

inferno verde aquele labirinto infindaacutevel monoacutetono e perigoso que passou a inspirar mais medo e desespero do que fascinaccedilatildeo O seacuteculo 19 com seus naturalistas cientiacuteficos vecirc reacender a fascinaccedilatildeo mas agora tingi-da por um apelo racional Alexander von Humboldt o aclamado e influente cientista-naturalista alematildeo que explorou as Ameacutericas na virada do seacuteculo 18 para 19 eacute considerado o pai de ciecircncias como geografia fiacutesica meteorologia e ecologia Ele empregou o termo hileia [do grego floresta selvagem] para a Amazocircnia e com a riqueza e encantamento das suas descriccedilotildees minu-ciosas inspirou geraccedilotildees de naturalistas Darwin entre eles De Humboldt vecircm as primeiras sugestotildees da liga-ccedilatildeo entre a floresta a umidade do ar e o clima

Poreacutem no iniacutecio do seacuteculo 20 o poliacutemata autor pro-liacutefico e militar Euclides da Cunha rompe o encanta-mento do naturalismo cientiacutefico com suas descriccedilotildees desapontadas da hileia Seu disciacutepulo Alberto Rangel que como o mestre tambeacutem se sensibilizara com a miseacuteria dos seringueiros e as agruras da vida na selva

ressuscita na obra Inferno Verde a perspectiva de dana-ccedilatildeo dos invasores espanhoacuteis e desmonta de vez a ima-gem de paraiacuteso verde O voluntarismo verbal contra o habitat selvagem lastreado pela admitida ignoracircncia desses autores quanto ao valor intriacutenseco da floresta em compasso com a falecircncia do fausto da borracha muito provavelmente deixou sua heranccedila de valores a influenciar coraccedilotildees e mentes

Quanto do subsequente iacutempeto para a ldquoocupaccedilatildeordquo da Amazocircnia com a radical supressatildeo da mata natildeo teve raiacutezes aiacute Euclides da Cunha prefaciando o livro do dis-ciacutepulo nega valor para a abordagem holiacutestica de Hum-boldt (ldquoa epistemologia da lsquociecircncia amazocircnicarsquo floresce-raacute se se preocupar menos em revelar a hileia por inteirordquo sic) e antecipa a demanda reducionista que viria12

A reciclagem de umidade da chuva pela evaporaccedilatildeo da flores-ta manteacutem o ar uacutemido por mais de 3 mil km continente adentro

Tardios foram os estudos que finalmente comeccedila-ram a revelar os segredos da grande floresta Bus-

cando testar caacutelculos preliminares de balanccedilo hiacutedrico para a Amazocircnia13 que indicavam reciclagem impor-tante da aacutegua Eneacuteas Salati liderou nos anos 1970 estu-dos observacionais de chuva e evaporaccedilatildeo que de-monstraram inequivocamente como atraveacutes da reciclagem de umidade a floresta manteacutem o ar uacutemido por mais de 3000 km continente adentro14

Mas ainda faltavam muitas outras explicaccedilotildees sobre onde quanto como por que e com que implicaccedilotildees Adotando sem saber a sugestatildeo reducionista de Eucli-des da Cunha nas trecircs deacutecadas seguintes aos estudos de Salati mais de duas duacutezias de grandes projetos de investigaccedilatildeo15 congregando centenas de cientistas e usando muitos laboratoacuterios instrumentos sofistica-dos torres aviotildees barcos sateacutelites supercomputado-res e o que mais haacute de ferramenta cientiacutefica produzi-ram milhares de artigos dezenas de livros e bancos de dados alentados a maioria informaccedilatildeo de difiacutecil inter-pretaccedilatildeo isolada

Diz-se que o cientista de hoje eacute aquele que estuda cada vez mais sobre cada vez menos ateacute que conhece tudo sobre o nada Como eacute irocircnico que 200 anos depois a forma mais produtiva de extrair sentido da enormi-dade dessas pesquisas pontuais seja justamente reto-mar a abordagem holiacutestica de Humboldt articulando a riqueza de dados soltos e construindo uma narrativa integrada e funcional a respeito da concentraccedilatildeo fe-nomenal de vida e seu poder sobre os elementos nas florestas da Amazocircnia

Vejamos como podemos captar aspectos espetacu-lares do funcionamento da floresta acompanhando a narrativa do percurso da aacutegua da atmosfera pela inti-midade das plantas e de volta para a atmosfera

Transpiraccedilatildeo plantas natildeo usam desodorante

As plantas suam A aacutegua ao evaporar resfria a folha e o ambiente Mas a transpiraccedilatildeo nas plantas eacute muito mais importante que isso A transpiraccedilatildeo promove a succcedilatildeo pelas raiacutezes e o fluxo ao longo do tronco ateacute as folhas da aacutegua do solo que carrega consigo nutrientes permite que a folha abra seus microportais para a atmosfera (estocircmatos) por onde sai o vapor mas tambeacutem por onde entra o adubo gasoso mais essencial o CO2 E os odores produzidos pelas plantas os gases orgacircnicos que desempenham muitos papeacuteis no funcionamento da atmosfera e das chuvas saem junto com a aacutegua transpirada Portanto sem transpirar a planta deixaria de regular seu proacuteprio bem-estar cessaria de controlar o ambiente e acabaria morrendo por falta de nutrientes dentre eles o CO2 e excesso de temperatura

12 Rafael Leandro assim reflete a expressatildeo de Euclides da Cunha naquele prefaacutecio ldquoa enormidade da floresta soacute pode ser medida se repartidahellip somente num futuro tardio se conheceraacute os segredos da Natureza [] A definiccedilatildeo dos uacuteltimos aspectos da Amazocircnia seraacute o fecho de toda a Histoacuteria Naturalrdquo (Leandro 2009) Inferno Verde Representaccedilatildeo Literaacuteria da Amazocircnia na Obra de Alberto Rangel

13 (Molion 1975) A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects (Villa Nova et al 1976) Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica (Marques et al 1977) Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus

14 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study15 Projetos de pesquisa na Amazocircnia ARME NASA-GTE ABLE ABRACOS TRACE-A RBLE CAMREX INPA-Max Planck INPA-ORSTOM PDBFF PELD LBA LBA-EUSTACH LBA-CARBONSINK LBA-CLAIRE LBA-ECO

LBA-Barca LBA-DMIP GEWEX ISLSCP GEOMA PPBio Rainfor AmazonFlux AMAZE Amazon Pire Amazalert AMAZONICA Changing Amazocircnia ATTO ACRIDICON-CHUVA GreenOceanAmazon etc Apenas no acircmbito do grande projeto LBA foram desenvolvidos 217 subprojetos de pesquisa em 16 anos de operaccedilatildeo

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 13Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Depois que as nuvens precipitam seu precioso liacutequido sobre a floresta grande parte da aacutegua se esgueira por entre o dossel e infiltra-se pelo permeaacutevel solo flores-tal onde eacute armazenada no pacote poroso do solo ou mais abaixo em aquiacuteferos gigantescos verdadeiros oceanos subterracircneos de aacutegua doce

A aacutegua do solo comeccedila seu retorno para a atmosfe-ra absorvida por profundos e sofisticados sugadores as raiacutezes depois sobe desafiando a forccedila da gravidade por 40 a 60 m ou mais em elaboradas tubulaccedilotildees no xilema dos troncos Sua uacuteltima etapa passa pelas es-truturas laminares evaporadoras das folhas versaacuteteis paineacuteis solares quiacutemicos capazes de absorver a ener-gia do sol e aproveitar a cariacutecia dos ventos para trans-pirar e transferir copiosos volumes de aacutegua vaporosa para a atmosfera completando assim o retorno do ci-clo vertical iniciado com a chuva

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpirar mais de mil litros de aacutegua num uacutenico dia

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpi-rar mais de mil litros de

aacutegua num uacutenico dia16 A Amazocircnia sustenta centenas de bilhotildees de aacutervores em suas florestas Vinte bilhotildees de to-neladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica17 Em seu conjunto as aacutervo-res essas benevolentes e silenciosas estruturas verdes vivas da natureza similares a geisers jorram para o ar um rio vertical de vapor mais importante que o Amazonas18

Geiser de vapor maior que o rio Amazonas

Buscando quantificar de modo simples a transpiraccedilatildeo massiva da flores-ta sugerida pelos estudos de Salati e outros fizemos juntamente com Adriana Cuartas em 2007 um caacutelculo revelador Usando os dados de evaporaccedilatildeo coletados nas torres de fluxo do projeto LBA (36 mm ao dia ou 36 litros por m2 em meacutedia) estimamos a quantidade total diaacuteria de aacutegua fluindo do solo para a atmosfera atraveacutes das aacutervores Cobrindo 55 milhotildees de km2 o caacutelculo para a floresta na bacia amazocircnica resultou no fantaacutestico nuacutemero de 20 bilhotildees de toneladas de aacutegua transpirada ao dia (ou 20 trilhotildees de litros) Mais de 22 bilhotildees se considerarmos todas as florestas da porccedilatildeo equatorial da Ameacuterica do Sul e 25 bilhotildees ou mais se considerarmos as florestas que existiam no seu estado pristino em 150017 Para comparaccedilatildeo o volume despejado no oceano Atlacircntico pelo rio Amazonas eacute pouco mais de 17 bilhotildees de toneladas ao dia18

Como em um edifiacutecio com muitos pisos um me-tro quadrado de chatildeo na

Amazocircnia pode ter sobre si ateacute 10 m2 de intrincada su-perfiacutecie foliar distribuiacuteda em diferentes niacuteveis no dossel Nisso reside a explicaccedilatildeo para o fato de uma superfiacutecie terrestre florestada poder evaporar tanto quanto ou ateacute mais aacutegua que a superfiacutecie liacutequida de um oceano ou um lago na qual 1 m2 de superfiacutecie evaporadora coincide com apenas o mesmo 1 m2 da superfiacutecie geomeacutetrica

Corroborando esses fatos fantaacutesticos um estudo pu-blicado recentemente no perioacutedico cientiacutefico Nature18 fez avanccedilar o ciclo de descobertas sobre a importacircn-cia extraordinaacuteria da vegetaccedilatildeo global no processo de transferecircncia de aacutegua para a atmosfera quase 90

16 Aacuterea da copa com raio de 10 m 3242 m2 x 36 litrosm2 = 11311 litros transpirados em um dia17 Aacuterea recente com floresta na bacia hidrograacutefica do rio Amazonas - 55 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 198 x 1012 litros (~20 x 109 toneladas) Aacuterea com floresta em toda Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for

defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas = 6280468 km2 ou 6 280468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 226096848 x 1012 litros (2261 x 109 toneladas)e projetada para a aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 - ou 6943468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 25 x 1012 litros (25 x 109 toneladas)

18 vazatildeo do rio Amazonas na foz de 2 x 105 m3segundo x 86400 segundos = 1728 x 109 m3dia19 (Jasechko et al 2013) Terrestrial water fluxes dominated by transpiration

20 bilhotildees de toneladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 14Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

parte do oceano azul ten-de agrave aridez com pouquiacutes-simas chuvas enquanto

no oceano verde as chuvas eram torrenciais e constan-tes Tanto que antes do avanccedilo do desmatamento di-zia-se haver ali apenas duas estaccedilotildees a uacutemida e a mais uacutemida Agora surgiu uma estaccedilatildeo seca pronunciada e a duraccedilatildeo da estaccedilatildeo uacutemida diminui progressivamente22

Nuvens satildeo aglomerados de pequenas gotiacuteculas em suspensatildeo no ar Gotas visiacuteveis se condensam a partir do vapor que eacute invisiacutevel pelo efeito da baixa tempera-tura Mas somente temperatura natildeo inicia o processo de condensaccedilatildeo Eacute preciso haver tambeacutem uma super-fiacutecie soacutelida ou liacutequida que funcione como ldquosementerdquo para que se inicie a deposiccedilatildeo das moleacuteculas de va-por Essas sementes ou nuacutecleos de condensaccedilatildeo satildeo em geral aerossoacuteis atmosfeacutericos partiacuteculas de poeira gratildeos de poacutelen ou de sal fuligem e muitos outros

Mas na atmosfera sobre a floresta oceano-verde os aeros-soacuteis satildeo encontrados em baixas concentraccedilotildees como no azul Se a limpeza do ar pode ser creditada por um lado ao efeito de tapete verde uacutemido da floresta segurando a poeira embaixo e por outro agrave lavagem do ar pelas chu-vas constantes como explicar a formaccedilatildeo de chuvas tatildeo abundantes sem as sementes usuais para nucleaccedilatildeo

Estudando as trocas de gaacutes carbocircnico atraveacutes de torres de fluxo cientistas brasileiros do INPA e da USP e eu-ropeus da Holanda Alemanha e Itaacutelia colaboraram no

de toda a aacutegua que chega agrave atmosfera oriunda dos con-tinentes chegou laacute atraveacutes da transpiraccedilatildeo das plantas

e somente pouco mais de 10 como simples evapo-raccedilatildeo sem mediaccedilatildeo das plantas Como essa transfe-recircncia por transpiraccedilatildeo se daacute com grande absorccedilatildeo de calor na superfiacutecie as antes insuspeitas plantas inter-ferem ndash e muito ndash com a chuva os ventos e o clima

Todo esse movimento de aacutegua custa energia Olhemos para um paralelo proacuteximo Para gerar a eletricidade de que tanto se necessita fala-se muito em aproveitar a energia das aacuteguas na Amazocircnia Ora a energia hidraacuteu-lica de queda nos rios somente existe porque a aacutegua foi elevada e transportada pela atmosfera para suas altas cabeceiras A transpiraccedilatildeo das aacutervores como elo vital no ciclo das aacuteguas absorve a energia solar no bombeamento da aacutegua do solo e na sua transpiraccedilatildeo Assim as aacutervores funcionam como estaccedilotildees elevatoacute-rias alccedilando e lanccedilando as aacuteguas nas altitudes da at-mosfera aacuteguas que mais adiante retornaratildeo ao solo como chuva transferindo parte da energia solar em-butida no vapor agrave energia potencial da aacutegua que en-che os reservatoacuterios das hidreleacutetricas

12) Nucleaccedilatildeo das nuvens o poacute de pirlimpimpim no oceano verde

Retornar volumes colossais de vapor de aacutegua para a at-mosfera eacute somente a primeira parte da receita para ter

Potecircncia climaacutetica da floresta

Quanta energia do Sol eacute consumida para evaporar 20 trilhotildees de litros de aacutegua ao dia Para dar uma noccedilatildeo da grandeza de energia envolvida na transpiraccedilatildeo amazocircnica basta fazer uma comparaccedilatildeo com as hidreleacutetri-cas Evaporar um grama de aacutegua liacutequida consome 23 kilojoules de ener-gia solar Para converter isso em energia hidraacuteulicaeleacutetrica imagine uma chaleira gigante que comporte esse volume drsquoaacutegua daquelas que se liga na tomada eleacutetrica Quanta eletricidade seria necessaacuteria para ferver e eva-porar toda essa aacutegua A usina de Itaipu com 14 mil megawatts de potecircn-cia precisaria gerar eletricidade em sua capacidade maacutexima por 145 anos para que a chaleira evaporasse a aacutegua equivalente agravequela transpirada em apenas um dia amazocircnico Ou para rivalizar com as aacutervores amazocircnicas e fazer o trabalho em um dia seria preciso somar a eletricidade de 50 mil usinas hidreleacutetricas como Itaipu (ou 200 mil como Belo Monte) Esta comparaccedilatildeo deixa claro que diante da potecircncia climaacutetica da floresta as maiores estruturas humanas se mostram microscoacutepicas

e manter chuvas copiosas e benignas Em 1999 um dos primeiros estudos utilizando aviotildees e observaccedilotildees do sateacutelite TRMM20 feitos no projeto LBA constatou que na Amazocircnia o ar na baixa atmosfera (troposfera) eacute tatildeo lim-po de poeira quanto o ar sobre o oceano onde as fontes de poeira satildeo muito reduzidas e que as nuvens tiacutepicas na Amazocircnia se pareciam muito com as nuvens mariacutetimas Essa inusitada semelhanccedila inspirou aqueles pesquisa-dores a batizar a Amazocircnia de ldquooceano verderdquo21 Esse ter-mo descreve as caracteriacutesticas oceacircnicas desta extensatildeo continental coberta por densas florestas A importacircncia deste conceito novo e incomum reside na sua sugestatildeo de uma superfiacutecie florestal estendida abaixo da atmos-fera cuja caracteriacutesticas de vastidatildeo humidade e trocas pelos ventos se assemelham agraves dos oceanos reais

Mas havia na semelhanccedila um misteacuterio pois a maior

Na transpiraccedilatildeo as plantas transferem para a atmosfera 90 de toda a aacutegua eva-porada nos continentes

20 httptrmmgsfcnasagov21 (Williams et al 2002) Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification22 (Marengo 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region

Oceano verde a atmosfera ama-zocircnica possui o ar limpo como a atmosfera do oceano azul

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 15Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ar a chuva natildeo os lava Soacute quando oxidam-se e precipi-tam-se como aerossoacuteis formando as chuvas eacute que satildeo lavados Mas sempre haacute mais BVOCs esperando para formar mais poacute de pirlimpimpim para a proacutexima chuva

Aleacutem da promoccedilatildeo de chuvas volumosas e gentis outros mecanismos bioquiacutemicos anaacutelogos aos que produzem os aromas atuam como ldquovassourinhas quiacute-micasrdquo da atmosfera Nas condiccedilotildees amazocircnicas po-luentes perigosos (como o ozocircnio) satildeo removidos do ar Nos anos 1980 nos primeiros estudos de quiacutemica da atmosfera empregando aviotildees instrumentados constatou-se que o ar na baixa atmosfera amazocircnica continha menos ozocircnio (portanto era mais saudaacutevel) que o ar das regiotildees mais remotas da Terra (como a Antaacutertida) Nas deacutecadas subsequentes outros projetos de investigaccedilatildeo indicaram o efeito das aacutervores na lim-peza do ar25 Desses e de outros estudos em desenvol-vimento pode-se sugerir que as plantas amazocircnicas usam algum tipo de vitamina C como um antioxidan-te capaz de remover do ar gases danosos para a vida

13) Bomba bioacutetica de umidade doar aacutegua para receber chuva

Por volta de 2005 no pico da mais poderosa seca a atingir a Amazocircnia ateacute aquele momento atuamos na integra-ccedilatildeo dos primeiros seis anos de dados do projeto LBA26 Depois de analisar em vaacuterios estudos as evidecircncias das

projeto LBA para investigar tambeacutem as trocas de outros gases produzidos pelas plantas contendo carbono para verificar se constituiacuteam parte importante dessas trocas Esses outros gases satildeo os aromas da floresta tambeacutem chamados de compostos orgacircnicos volaacuteteis biogecircni-cos (BVOCs23) Como um vidro de perfume aberto per-de seu liacutequido por evaporaccedilatildeo e o gaacutes-perfume difun-de-se pelo ambiente uma variedade de substacircncias orgacircnicas evapora nas folhas e ganha a atmosfera

Quando no ar uacutemido e com a luz do Sol os aromas das plantas formam uma poeira finiacutessima com afinidade pela aacutegua Satildeo os nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens

Em termos de massa as quantidades de carbono perdidas para a atmosfera por esses gases orgacircnicos satildeo pequenas Contudo um grupo liderado por Meinrat

Andreae do Instituto Max Planck que estuda a quiacutemica dos gases na atmosfera investigou o que acontecia com esses aromas quando misturados ao ar amazocircnico e desvendou o misteacuterio da nucleaccedilatildeo das nuvens24 Os BVOCs (como isopreno terpenos etc) numa atmosfera uacutemida e na presenccedila da radiaccedilatildeo solar oxidam-se e pre-cipitam-se formando uma poeira finiacutessima com afinida-de pela aacutegua (higroscoacutepica) gerando eficientes nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens Poeticamente falando esse eacute o poacute de pirlimpimpim que surge magicamente no ar carregado de vapor e provoca as chuvas a cacircntaros das nuvens baixas os regadores do Jardim do Eacuteden En-quanto os BVOCs estatildeo na forma de gaacutes dissolvidos no

23 Do inglecircs Biogenic Volatile Organic Carbon satildeo compostos biogecircnicos porque satildeo sintetizados pelos organismos vivos como os odores das plantas Existem outros compostos orgacircnicos volaacuteteis natildeo biogecircni-cos chamados simplesmente de VOCs como o solvente de uma tinta por exemplo

24 (Poumlschl et al 2010) Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon (Clayes et al 2004) Formation of secondary organic aerosols through photooxidation of isoprene Release Astonishing Discovery over the Amazonian Rain Forest

25 Por exemplo (Rummel et al 2007) Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia26 (Nobre 2005) Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 16Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

observaccedilotildees e os resultados de modelos ponderei so-bre a pergunta em voga agrave eacutepoca com o aquecimento global iraacute a floresta uacutemida na Amazocircnia secar e morrer

Ao longo de milhares27 ou provavelmente milhotildees de anos28 a floresta tropical da Ameacuterica do Sul evoluiu sua biota luxuriante sem sinais de ter sido desligada por even-tos climaacuteticos extremos como aridez ou congelamento No mesmo espaccedilo de tempo no entanto eacute improvaacutevel que o impacto do clima externo ao continente tenha permanecido benigno especialmente considerando as interferecircncias coacutesmicas e sua conhecida relaccedilatildeo com mudanccedilas climaacuteticas profundas em escala planetaacuteria29

Em face da adversidade climaacutetica externa como este magniacutefico bioma conseguiu resistir agrave extinccedilatildeo Hoje haacute linhas suficientes de evidecircncias de que a biosfera natildeo soacute pode resistir mas na verdade pode alterar modular e ateacute regular seu proacuteprio ambiente30

As florestas tropicais da Ameacute-rica do Sul estatildeo entre os mais densos diversos e complexos biomas terrestres no planeta Do mecanismo de chuvas no oceano verde pode-se ima-ginar como essas florestas

Amazocircnia coraccedilatildeo do mundo

Como podemos entender a circulaccedilatildeo da aacutegua pela paisagem A aacutegua irriga e drena os solos de forma anaacuteloga ao sangue que irriga e drena os tecidos do corpo Se os familiares rios satildeo anaacutelogos agraves veias que dre-nam a aacutegua usada e a retornam para a origem no oceano onde ficam as arteacuterias do sistema natural Satildeo os rios aeacutereos que trazem a aacutegua fresca renovada na evaporaccedilatildeo do oceano Para completar o sistema circulatoacuterio faltava somente o coraccedilatildeo a bomba que impulsiona os fluxos nas arteacuterias aeacutereas A teoria da bomba bioacutetica veio explicar que a potecircncia que propele os ventos canalizados nos rios aeacutereos deve ser atribuiacuteda agrave grande floresta que funciona entatildeo como coraccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico

poderiam regular o clima Controlar a precipitaccedilatildeo signi-fica tambeacutem controlar a convecccedilatildeo o que por sua vez significa interferir com uma poderosa correia transporta-dora de massa e energia a circulaccedilatildeo de Hadley31 Atra-veacutes da regulaccedilatildeo de chuvas a biologia poderia definir o ritmo dos ventos aliacutesios do Atlacircntico arrastando a neces-saacuteria umidade do oceano para o interior do continente

Na mesma eacutepoca Victor Gorshkov e Anastassia Maka-rieva aprofundando sua teoria sobre a regulaccedilatildeo bioacute-tica do ambiente32 examinavam os mecanismos que ligam a transpiraccedilatildeo das plantas com efeitos fiacutesicos na atmosfera Das surpreendentes descobertas desta anaacutelise eles desenvolveram a teoria da bomba bioacutetica de umidade33 revelando fisicamente como processos de transpiraccedilatildeo e condensaccedilatildeo mediados e manipula-dos pelas aacutervores mudam a pressatildeo e dinacircmica atmos-feacutericas resultando em maior suprimento de umidade do oceano para o interior de continentes florestados

Makarieva e colaboradores descobriram que a conden-saccedilatildeo do vapor drsquoaacutegua na atmosfera gera uma reduccedilatildeo localizada de pressatildeo e produz potencia dinacircmica que acelera os ventos ao longo do resultante gradiente de pressatildeo 34 O ponto crucial da teoria eacute que contrastes na evaporaccedilatildeo da superfiacutecie ndash casada com a determinante condensaccedilatildeo nas nuvens ndash muito mais que contrastes

na temperatura de superfiacutecie determinam a direccedilatildeo e a intensidade dos ventos trazedores de chuva

Assim uma regiatildeo florestada que evapora tanta ou mais aacutegua que uma superfiacutecie oceacircnica contiacutegua ndash e que teraacute muito mais condensaccedilatildeo na produccedilatildeo de chu-vas ndash iraacute sugar do mar para a terra as correntezas de ar carregadas de umidade onde ascenderatildeo o que traraacute chuvas para a aacuterea florestada Ao contraacuterio se a floresta for removida o continente teraacute muito menos evapora-ccedilatildeo do que o oceano contiacuteguo ndash com a consequente reduccedilatildeo na condensaccedilatildeo ndash o que determinaraacute uma re-versatildeo nos fluxos de umidade que iratildeo da terra para o mar 35 criando um deserto onde antes havia floresta

Entre as previsotildees baseadas na teoria da bomba bioacute-tica feitas por Makarieva e Gorshkov estava a de que as secas nas florestas nativas seriam contrapostas por transpiraccedilatildeo vigorosa das aacutervores Ora essa previsatildeo contrariava o senso comum pois qualquer pessoa sabe que basta deixar um vaso com plantas sem re-gar por alguns dias para que as plantas murchem e

27 (Baker et al 2001) The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years28 (Hooghiemstra et al 2002) Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary29 (Berger and Yin 2012) Astronomical Theory and Orbital Forcing30 (Foley and Costa 2003) Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate (Gorshkov et al 2004) Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction

(Pielke and Avissar 1998) Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate31 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena32 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change33 (Makarieva and Gorshkov 2007) Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land34 (Makarieva et al 2013) Where do winds come from35 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais

Uma regiatildeo florestada onde ocorre muito mais conden-saccedilatildeo em nuvens do que em superfiacutecie oceacircnica contiacutegua iraacute sugar para a terra os ven-tos do mar que carregados de umidade traratildeo chuvas para a aacuterea florestada

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 17Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

continuar a importar aacutegua pela atmosfera ndash contra-pondo a seca ndash e garantir a continuidade da floresta A teoria da bomba bioacutetica vem ganhando aceitaccedilatildeo37 e jaacute tem comprovaccedilatildeo observacional38

14) Rios aeacutereos aacutegua fresca pelas arteacuterias suspensas

Um mapa-muacutendi revela interessantes arranjos e sime-trias na distribuiccedilatildeo de florestas e desertos ao redor do globo com trecircs cinturotildees chamando a atenccedilatildeo um de florestas ao redor da linha do Equador e outros dois de desertos ao redor dos troacutepicos de Cacircncer e Capri-coacuternio Tal geografia de paisagens contrastantes tem explicaccedilatildeo conhecida a circulaccedilatildeo de Hadley39

Pela influecircncia da circulaccedilatildeo de Hadley a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul tenderia agrave aridez

Haacute maior incidecircncia solar na zona equatorial e portanto ocorre ali devido a efeitos fiacutesi-cos uma maior ascensatildeo de ar

que se resfria e faz chover favorecendo florestas O ar que subiu e perdeu umidade precisa ir para algum lugar des-locando-se em altitude nos dois hemisfeacuterios na direccedilatildeo dos subtroacutepicos Esse ar seco quando desce e se aquece remove umidade da superfiacutecie favorecendo desertos

Mas existem exceccedilotildees e a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul eacute uma delas Pela influecircncia da circula-ccedilatildeo de Hadley essa regiatildeo tenderia agrave aridez Basta ver o deserto de Atacama no outro lado dos Andes ou os

ateacute morram Contrariava tambeacutem o conhecimento de ecofisiologistas segundo o qual quando para de cho-ver e a aacutegua no solo diminui as plantas fecham logo seus estocircmatos e deixam de transpirar para econo-mizar aacutegua Ao mesmo tempo essa previsatildeo fornece uma pista para um antigo enigma ecofisioloacutegico por-que a fotossiacutentese evoluiu para ser ldquoesbanjadorardquo de vapor drsquoaacutegua Surpreendentemente entretanto Scott Saleska e colaboradores publicaram na revista cientiacutefi-ca Science36 observaccedilotildees que corroboravam a correccedilatildeo da previsatildeo teoacuterica de Makarieva e Gorshkov

Durante o pico da seca de 2005 as partes mais atingidas da Amazocircnia foram as que mais ldquoverdejaramrdquo isto eacute na zona onde choveu menos (conforme registro do sateacutelite TRMM) brotaram mais folhas novas nas copas das aacutervores (conforme foi visto pelo sensor MODIS no sateacutelite Terra)

As conclusotildees desse estudo a partir de imagens de sateacutelite jaacute contavam com apoio de mediccedilotildees em terra das torres de fluxo do projeto LBA que haviam consta-tado o fato de natildeo ocorrer uma reduccedilatildeo de transpira-ccedilatildeo das aacutervores nas eacutepocas secas Em outras palavras parece que quando a seca chega as aacutervores com raiacute-zes profundas (e acesso a grande quantidade de aacutegua subterracircnea) executam um programa para manter ou aumentar a transpiraccedilatildeo Assim com o fluxo de vapor da transpiraccedilatildeo na superfiacutecie ndash e a correspondente condensaccedilatildeo nas nuvens ndash manteacutem-se a succcedilatildeo do ar uacutemido sobre os oceanos proacuteximos o que significa

36 (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought37 Por exemplo (Sheil and Murdiyarso 2009) How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis38 (Poveda et al 2014) Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers39 Ceacutelula de Hadley

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 18Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

circulaccedilatildeo que liga os ventos aliacutesios carregados de umidade do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonal-mente para a parte meridional

da Ameacuterica do Sul foi descrita por Joseacute Marengo e cola-boradores43 Embora eles tenham chamado esse trans-porte de jatos de baixos niacuteveis o conceito eacute muito similar ao dos rios atmosfeacutericos Segundo sua explicaccedilatildeo fun-ciona na Ameacuterica do Sul um sistema de monccedilotildees seme-lhante ao da Aacutesia e devido ao efeito da floresta (geisers da floresta) e tambeacutem da cordilheira dos Andes (uma barreira de 6 km de altura) o persistente ar uacutemido ama-zocircnico faz a curva no Acre e durante o veratildeo leva quan-tidades generosas de vapor drsquoaacutegua para o quadrilaacutetero afortunado contrariando sua tendecircncia para a aridez

Recentemente Josefina Arraut44 e colaboradores fi-zeram uma revisatildeo climatoloacutegica dos rios aeacutereos da Ameacuterica do Sul estimando o transporte de vapor as-sociado e introduzindo um novo conceito ldquolagos aeacute-reosrdquo ou seja regiatildeo de remanso atmosfeacuterico com um estoque de vapor precipitaacutevel

Com o conceito de rios aeacutereos estabelecido e tornan-do-se popular Dominick Spracklen45 e colaboradores desenvolveram uma nova abordagem ao correlacionar a superfiacutecie coberta por vegetaccedilatildeo agrave exposiccedilatildeo de uma

Salati e colaboradores comparando as assinaturas quiacute-micas40 entre o fluxo de entrada de vapor oceacircnico no grande anfiteatro amazocircnico com as correspondentes assinaturas da aacutegua de escoamento que retorna ao oceano pelo rio Amazonas perceberam que parte sig-nificativa da aacutegua que entrava como vapor no canal aeacutereo natildeo retornava pelo canal terrestre41

Daiacute concluiacuteram que a Amazocircnia devia estar exportan-do esse vapor para outras regiotildees do continente e irri-gando outras bacias hidrograacuteficas que natildeo a do Ama-zonas Anaacutelises preliminares feitas agrave eacutepoca nas aacuteguas de chuva coletadas na cidade do Rio de Janeiro de-tectaram sinais de que parte dela vinha do interior do continente natildeo do oceano contiacuteguo E mais especifi-camente que havia passado pela Amazocircnia Esse gru-po foi o primeiro a sugerir que chuvas na Ameacuterica do Sul fora da Amazocircnia poderiam ser alimentadas pelo transporte continental de vapor

O conceito de rios atmosfeacutericos foi introduzido em 1992 por Reginald Newell e Nicholas Newell42 para descre-ver fluxos filamentares na baixa atmosfera capazes de transportar grandes quantidades de aacutegua como vapor tipicamente em volumes superiores ao transportado pelo rio Amazonas (que tem vazatildeo de 200 milhotildees de litros por segundo ndash ou 17 bilhotildees de toneladas ao dia)

Quase trecircs deacutecadas depois dos achados de Salati a

Rios Voadores contando uma bela histoacuteria

Em 2006 contemplando a floresta amazocircnica do alto de uma torre de estudo do projeto LBA trocamos com o aviador Gerard Moss as primei-ras ideias que levaram ao projeto de aventura pesquisa divulgaccedilatildeo e educaccedilatildeo ambiental Rios Voadores42 Com financiamento da Petrobras e a participaccedilatildeo de Eneacuteas Salati o pioneiro dos estudos sobre reciclagem de umidade na Amazocircnia aleacutem de outros cientistas de renome Moss perseguiu por anos os rios de vapor com seu aviatildeo monomotor coletan-do numerosas amostras para estudo e capturando a atenccedilatildeo luacutedica das pessoas na aventura que criou Fez tambeacutem um trabalho extraordinaacuterio de educaccedilatildeo ambiental nas escolas e pela Web postando frequente-mente em redes sociais as trajetoacuterias dos rios voadores e mostrando como estes levam aacutegua para as pessoas O resultado mais valioso desse projeto foi sua capacidade de tocar o lado emocional das pessoas atraveacutes do estiacutemulo luacutedico da aventura da ciecircncia engajada conectan-do-as ao sentimento de estima pelo ambiente pela aacutegua e pela floresta

desertos de Namiacutebia e Kalahari na Aacutefrica e o deserto da Austraacutelia Todos alinhados latitudinalmente com a afortunada aacuterea verde responsaacutevel por 70 do PIB do continente no quadrilaacutetero delimitado por Cuiabaacute ao Norte Satildeo Paulo a Leste Buenos Aires ao Sul e a cor-dilheira dos Andes a Oeste

As escolas ensinam que a aacutegua evapora do mar ldquovairdquo para os continentes cai como chuva eacute coletada nos rios de superfiacutecie e retorna ao mar Ao fazer a ligaccedilatildeo entre evaporaccedilatildeo da aacutegua no mar com seu tracircnsito em terra esse conceito simploacuterio do ciclo hidroloacutegico natildeo estaacute errado mas natildeo explica quase nada Por exemplo por que existem desertos ou por que o vapor mariacutetimo adentra os continentes de forma heterogecircnea

Rios aeacutereos ligam os ventos aliacutesios carregados de umida-de do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonalmente para a parte meridional da Ameacuterica do Sul

40 Definidas pelo uso de traccediladores que portam assinaturas isotoacutepicas Diz-se que satildeo isoacutetopos dois ou mais aacutetomos com o mesmo numero de proacutetons mas com massas diferentes Uma analogia boa eacute pensar em gecircmeos com caracteriacutesticas idecircnticas exceto peso Assinatura isotoacutepica eacute a relaccedilatildeo numeacuterica entre a imensa multidatildeo de ldquogecircmeosrdquo atocircmicos em um material ou substancia A aacutegua pode conter variada combinaccedilatildeo de gecircmeos de oxigecircnio (16O e 18O) e hidrogecircnio (1H 2H) gerando moleacuteculas de aacutegua com pesos distintos A proporccedilatildeo destes gecircmeos atocircmicos que ocorre na aacutegua do mar por exemplo se altera com a evaporaccedilatildeo (flutuam primeiro os mais leves) e tambeacutem com a chuva (precipitam primeiro os mais pesados) Assim ao analisar a assinatura isotoacutepica de uma amostra de aacutegua ou vapor pode-se saber de onde ela veio se do oceano ou da floresta

41 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study (Matsui et al 1976) Isotopic hydrology in the Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 18O concentrations42 (Newell and Newell 1992) Tropospheric Rivers - A Pilot Study43 (Marengo et al 2004) Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalysis Characteristics and temporal variability44 (Arraut et al 2012) Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America45 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 19Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Eventos extremos a vida buscando equiliacutebrio

Com o aquecimento global ocorre maior acuacutemulo de energia na at-mosfera o que aumenta a probabilidade de ocorrecircncias de fenocircmenos climaacuteticos mais intensos A natureza desta tendecircncia foi prevista haacute deacutecadas pelos meteorologistas Mas a maior intensidade e frequecircncia dessas ocorrecircncias estaacute sendo observada deacutecadas antes do previsto Algum fator na complexidade do clima deve explicar a aceleraccedilatildeo dos efeitos O registro geoloacutegico mostra que climas extremos jaacute ocorreram na histoacuteria da Terra muito antes da humanidade surgir Mas ao contraacuterio do que seria de se esperar depois dos cataclismos todas as evidecircncias apontam sempre para uma resiliente recuperaccedilatildeo estabilizadora ate-nuando os extremos Sistemas puramente geofiacutesicos natildeo teriam essa capacidade Somente a vida e seus processos de auto-regulaccedilatildeo ofere-cem explicaccedilatildeo satisfatoacuteria para a histoacuteria climaacutetica da Terra49

parcela de ar num rio aeacutereo (medida pelo iacutendice cumu-lativo de aacuterea foliar ao longo da trajetoacuteria) com chuva a jusante na trajetoacuteria daquela mesma parcela Ou seja um rio aeacutereo conecta regiotildees doadoras de umidade com outras receptoras de umidade Daiacute a importacircncia crucial das florestas a montante constatou-se que a Amazocircnia eacute de fato a cabeceira dos mananciais aeacutereos da maior parte das chuvas na Ameacuterica do Sul

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos

Makarieva e Gorshkov46 introduziram uma nova definiccedilatildeo fiacutesica para furacotildees ciclones ou tornados ldquo satildeo implosotildees (explosotildees em reverso) que se passam em cacircmera lenta decorrentes do desaparecimento volumeacutetrico de vapor drsquoaacutegua na atmosfera por condensaccedilatildeordquo47 Paulo Nobre

apresentou-lhes entatildeo um problema ldquoA questatildeo que se coloca eacute entender por que os furacotildees natildeo se desenvol-vem sobre as florestas tropicais como na Amazocircnia onde o fornecimento de vapor de aacutegua pela floresta e sua ex-tinccedilatildeo na forma de chuva tropical eacute tatildeo abundanterdquo 48

Respondendo Makarieva e Gorshkov demonstraram teoricamente como uma grande aacuterea terrestre co-berta por floresta natildeo per-

mite a formaccedilatildeo de furacotildees e outros padrotildees climaacuteticos anocircmalos incluindo secas e enchentes Em sua explica-ccedilatildeo a fricccedilatildeo turbulenta local com o dossel da floresta -que transpira ativamente o que resulta em chuvas uni-formes sobre grandes aacutereas- e a traccedilatildeo do vento pela bomba bioacutetica em distacircncias maiores diminui muito a chance de organizaccedilatildeo de tormentas como tornados ou furacotildees As trajetoacuterias registradas dos furacotildees compro-vam o ambiente ameno nas regiotildees cobertas por flores-tas extensas e aacutereas oceacircnicas proacuteximas50 Ou seja aleacutem de todos os outros serviccedilos da floresta ao clima ela ainda oferece um seguro contra destrutivos eventos atmosfeacute-ricos atenuando a concentraccedilatildeo de energia nos ventos

Outras funccedilotildees claacutessicas das florestas na regulaccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico em terra satildeo bem conhecidas como o favorecimento da recarga de aquiacuteferos e a atenua-ccedilatildeo de enchentes51 entre muitas outras

Entre os serviccedilos que a floresta presta ao clima estaacute um segu-ro contra eventos atmosfeacutericos destrutivos atenuando a concen-traccedilatildeo da energia nos ventos

46 (Makarieva et al 2008) On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine47 De acordo com os autores ldquoThe driving force of all hurricane processes is a rapid release as in compressed spring of potential energy previously accumulated in the form of saturated water vapor in the atmospheric column

during a prolonged period of water vapor evaporation under the action of the absorbed solar radiationrdquo (Makarieva et al 2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient48 (Nobre P 2009a) Peer Review Question Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo49 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment50 Storm Track mapa registrando todas as trajetoacuterias observadas de furacotildees mostrando que a regiotildees equatoriais das florestas e suas imediaccedilotildees oceacircnicas satildeo livres destes fenocircmenos51 httpwwwipefbrhidrologiamataciliarasp

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 20Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito

Em vista dos efeitos extensivos e elaborados das flo-restas sobre o clima demonstrados pela ciecircncia que resultados esperar da sua devastaccedilatildeo Para avaliar os impactos do desmatamento no clima vem sendo fei-to um nuacutemero crescente de experimentos de campo e modelagem estudos observacionais e mais recente-mente anaacutelises teoacutericas Quais as consequecircncias pro-jetadas do desmatamento e quais as jaacute observadas

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores

Uma das maiores virtudes dos modelos climaacuteticos estaacute em sua capacidade de simular cenaacuterios distantes do momento presente Esse tipo de exerciacutecio natildeo eacute pre-ditivo no sentido fiacutesico mas onde a teoria fiacutesica ainda natildeo estiver disponiacutevel eacute o melhor conhecimento e a uacutenica ferramenta para analisar sistemas complexos e fazer extrapolaccedilotildees bem fundamentadas

Tais exerciacutecios de simulaccedilatildeo satildeo valiosos para situaccedilotildees especiacuteficas como explorar riscos climaacuteticos associados ao desmatamento No ambiente virtual como num si-mulador de voo eacute possiacutevel avaliar repetidamente ce-naacuterios de desastres esmiuccedilando os fatores atuantes as condiccedilotildees iniciais e as consequecircncias potenciais de manobras arriscadas

Em 1991 Carlos Nobre liderou um dos mais citados

estudos para simular o impacto no clima do desma-tamento total da floresta amazocircnica52 Usando um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera (GCM53) com um moacutedulo acoplado de representaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo (SiB54) os autores concluiacuteram que quando as florestas eram substituiacutedas por pasto degradado no modelo verificava-se um aumento significativo na temperatura meacutedia de superfiacutecie (cerca de 25degC) e uma diminuiccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo anual (reduccedilatildeo de 30) da pre-cipitaccedilatildeo (reduccedilatildeo de 25) e do escoamento superfi-cial (reduccedilatildeo de 20) Na simulaccedilatildeo ocorria tambeacutem um aumento da duraccedilatildeo da estaccedilatildeo seca na metade sul da bacia amazocircnica

Nas duas deacutecadas seguintes outros estudos avanccedila-ram no detalhamento e generalizaccedilatildeo dessas conclu-sotildees Deborah Lawrence e Karen Vandecar fizeram recentemente uma revisatildeo da literatura55 sobre os impactos do desmatamento tropical no clima e con-cluiacuteram que vaacuterios GCMs concordam em que o des-matamento em escala regional leva a um clima mais quente e seco sobre a aacuterea desmatada Os modelos que simulam o desmatamento completo da Amazocirc-nia preveem um clima com aquecimento na faixa de 01-38degC (meacutedia de 19degC) e reduccedilatildeo de chuvas na fai-xa de 140-640 mm ao ano (meacutedia de 324 miliacutemetrosano ou 10-15 de reduccedilatildeo)

Mas o desmatamento pode ter implicaccedilotildees muito mais

52 (Nobre C et al 1991) Amazonian Deforestation and Regional Climate Change53 Definiccedilatildeo de GCM por Lawrence e Vandecar (2014) ldquo satildeo modelos computacionais tridimensionais globais do sistema climaacutetico que operam em larga escala Os modelos mais recentes incluem representaccedilotildees

da atmosfera oceanos e da superfiacutecie da Terra [] e incorporam o ciclo hidroloacutegico e uma representaccedilatildeo expliacutecita [] da vegetaccedilatildeo e seus efeitos sobre os fluxos de energia e de aacutegua incluindo as transferecircncias radiativas e turbulentas e os controles fiacutesicos e bioloacutegicos da evapotranspiraccedilatildeordquo

54 (Sellers et al 1986) Simple Biosphere Model55 (Lawrence and Vandecar 2014) The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity natildeo publicado

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 21Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

modelos parecem tender a subestimar as consequecircn-cias negativas nos cenaacuterios simulados Os resultados de projeccedilotildees mais recentes incluindo os oceanos agra-vam o quadro e aumentam o alerta

A eliminaccedilatildeo da floresta ndash prin-cipal agente da condensaccedilatildeo continental ndash equivale a desligar o interruptor de uma bomba de umidade atmosfeacuterica

Mas eacute preciso tambeacutem con-siderar a teoria da bomba bioacutetica e sua previsatildeo de re-duccedilatildeo de chuvas Diferente-mente dos modelos numeacute-

ricos convencionais uma teoria fiacutesica constroacutei entendimento baseada exclusivamente em leis funda-mentais da natureza Se a teoria estiver correta torna possiacutevel prever quantitativamente efeitos fiacutesicos apenas com a anaacutelise dos cenaacuterios e de sua loacutegica funcional

Makarieva e Gorshkov preveem que o desmatamento completo da Amazocircnia reduziria a precipitaccedilatildeo primor-dialmente como resultado da dissipaccedilatildeo do efeito da baixa pressatildeo (succcedilatildeo) associado agrave condensaccedilatildeo que eacute conectada a uma reduccedilatildeo da evaporaccedilatildeo de superfiacute-cie Como a teoria da bomba bioacutetica tambeacutem credita a disponibilidade de vapor para a precipitaccedilatildeo na Ama-zocircnia como resultado dessa capacidade de transpirar a eliminaccedilatildeo total do principal agente da transpiraccedilatildeo levaria agrave cessaccedilatildeo completa do bombeamento bioacutetico

Esta teoria sugere que desligado o interruptor da bom-ba que puxa o ar uacutemido para o continente o fluxo de umidade deve mudar de direccedilatildeo quando a condensaccedilatildeo passar a ser relativamente maior sobre o oceano (mais

seacuterias Em 1997 German Poveda e Oscar Mesa56 propuse-ram o papel de ponte hidrometeoroloacutegica para a floresta amazocircnica ao conectar os dois grandes oceanos proacutexi-mos isto eacute sugerindo efeitos climaacuteticos cruzados entre os oceanos via atmosfera mediados pela floresta

Explorando com modelagem em direccedilatildeo similar mais recentemente Paulo Nobre57 e colaboradores estuda-ram o impacto do desmatamento na chuva amazocircni-ca tendo como referecircncia a inclusatildeo ou a exclusatildeo das respostas dos grandes oceanos aos cenaacuterios de des-matamento58 Comparando simulaccedilotildees feitas em um GCM atmosfeacuterico usual com um GCM acoplado a outro modelo que simula as condiccedilotildees internas dos oceanos (salinidade correntes etc) esses autores encontraram uma reduccedilatildeo consideravelmente maior na precipita-ccedilatildeo quando o GCM acoplado com o oceano foi rodado para um cenaacuterio de desmatamento total da Amazocircnia 42 de reduccedilatildeo da chuva contabilizando os mecanis-mos internos dos oceanos contra 26 de reduccedilatildeo da chuva sem considera-los Os oceanos sempre estive-ram presentes e a inclusatildeo das suas respostas internas daacute mais realismo agraves simulaccedilotildees

Jaacute existem comprovaccedilotildees de muito do que foi proje-tado pelos modelos como consequecircncia do desma-tamento especialmente a ampliaccedilatildeo da estaccedilatildeo seca Poreacutem esses experimentos virtuais indicavam um prolongamento da estaccedilatildeo seca apoacutes destruiccedilatildeo de 100 da floresta o que jaacute se observa com o corte raso de pouco menos de 19 da floresta Ou seja esses 56 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena57 (Nobre P et al 2009b) Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation58 Que utiliza apenas a seacuterie histoacuterica observada das temperaturas da superfiacutecie dos oceanos

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 22Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

E apontaram que essa re-duccedilatildeo de chuvas poderaacute ser bem maior do que o indicado pelo grupo de Spracklen63 Para a porccedilatildeo

mais desmatada da Amazocircnia jaacute se constata progres-sivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera significativo impacto no setor agriacutecola

Assim a discussatildeo sobre desmatamento passa longe de duacutevidas sobre seus evidentes efeitos diretos e indi-retos na reduccedilatildeo das chuvas e recai sobre a extensatildeo da aacuterea desmatada No periacuteodo 20112012 foram ldquoape-nasrdquo 4571 km2 desmatados na Amazocircnia brasileira Se comparado com taxas de desmatamento em anos de pico como 2004 (27772 km2) esse valor parece mo-desto O Brasil merece reconhecimento por haver lo-grado essa reduccedilatildeo A velocidade e a eficaacutecia atingidas na reduccedilatildeo recomendam essa estrateacutegia para zerar e reverter o desmatamento no Brasil e no mundo

A despeito da notiacutecia encorajadora essa taxa que pa-rece tatildeo pequena seria suficiente para desmatar aacuterea equivalente a toda a Costa Rica em meros dez anos Aleacutem disso reduccedilotildees nas taxas anuais atenuam a per-cepccedilatildeo momentacircnea de perda e mascaram o desmata-mento acumulado na Amazocircnia que eacute muito grave

No que diz respeito ao clima importa sobretudo a aacuterea total devastada e sua distribuiccedilatildeo espacial Compilando

localizado da chuva com o desmatamento estudos mais abrangentes simulaccedilotildees com modelos climaacuteticos e mesmo anaacutelises teoacutericas esclareceram o caraacuteter local e transitoacuterio desse efeito que depende basicamente da existecircncia de matas circundantes agrave aacuterea desmatada e da extensatildeo dessas matas O aumento de chuva converte-se em reduccedilatildeo tatildeo logo as florestas remanescentes fi-quem mais distantes que um certo limiar de aacuterea aberta Daiacute em diante haveraacute reduccedilatildeo das chuvas

Dados de sateacutelites para chuva e presenccedila de floresta mostra-ram reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos que passam sobre aacutereas desmatadas

O estudo de Spracklen e colaboradores62 com da-dos de sateacutelites para chu-va e presenccedila de floresta constatou que com o des-

matamento ocorre a reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos Em 60 das aacutereas tropicais o ar que passa sobre densas florestas produz pelo menos duas vezes mais chuva que o ar que passa sobre aacutereas desmatadas Apesar de ainda natildeo terem considerado o mecanismo e os efeitos da teoria da bomba bioacutetica esses autores de-monstraram com evidecircncias fortes que o impacto ne-gativo do desmatamento no clima natildeo eacute somente local mas pode afetar regiotildees proacuteximas e distantes

Aplicando os conceitos da bomba bioacutetica Makarieva e colaboradores colocaram os achados de Spracklen em perspectiva explicando quantitativamente quais os fatores fiacutesicos responsaacuteveis pela reduccedilatildeo nas chuvas a jusante dos ventos decorrentes do desmatamento

fraca que a bioacutetica a bomba oceacircnica de condensaccedilatildeo estaacute sempre ligada) o que levaria a aridez em terra59

Os modelos climaacuteticos usados para simular o desma-tamento ainda natildeo embutiram essa nova teoria fiacutesica portanto natildeo projetam esse efeito que poderia signi-ficar ateacute 100 de reduccedilatildeo nas chuvas

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo

O desmatamento real eacute imenso e seus efeitos sobre o clima satildeo bem documentados Estudos em torres micrometeoroloacutegicas mostram que a substituiccedilatildeo de floresta por pastagem leva como previsto pelos mo-delos a um aumento da temperatura de superfiacutecie e uma reduccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo60 Observaccedilotildees de sateacutelite mostram que durante a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspi-raccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas61

Observaccedilotildees mostram que duran-te a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspiraccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas

Dados similares tambeacutem indicam que a transpira-ccedilatildeo da floresta eacute bem maior do que aquela pres-crita pelos modelos o que explica em parte a subesti-

mativa dos modelos de larga escala no caso da reduccedilatildeo de precipitaccedilatildeo com o desmatamento Embora alguns estudos observacionais tenham revelado um aumento

Para a porccedilatildeo mais desmata-da da Amazocircnia jaacute se constata progressivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera signifi-cativo impacto no setor agriacutecola

59 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais60 Por exemplo (Gash et al 1996) Amazonian Deforestation and Climate (von Randow et al 2004) Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in southwest Amazonia61 (Huete et al 2006) Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought62 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests63 (Makarieva et al 2013) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 23Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Desmatamento acumulado 762979 km2

Esse valor eacute maior que a soma das aacutereas de trecircs estados de Satildeo Paulo ou que as aacutereas somadas de duas Alemanhas ou de dois Japotildees Uma unidade de aacuterea mais proacutexima do brasileiro o campo de futebol (4136 m2) daacute uma noccedilatildeo da magnitude da devastaccedilatildeo 184 milhotildees de unidades65 ndash quase um campo de futebol desmatado na Amazocircnia para cada brasileiro Colocado na perspectiva temporal teriam sido em meacutedia 12635 campos desmatados por dia 526 campos por hora 88 campos ndash ou 36291 m2 por minuto 605 m2 por segundo ininterruptamente nos uacuteltimos 40 anos Para caber na compreensatildeo o gigantismo destes nuacutemeros eacute preciso estender a imaginaccedilatildeo para aleacutem destas analogias Um trator ficcional operando uma lacircmina frontal com 3 m de largura precisaria acelerar quase agrave velocidade de um aviatildeo a jato (726 kmh) para desmatar a aacuterea raspada na Amazocircnia no ritmo registrado do espaccedilo em imagens Como um trator desmata mui-to mais lentamente (024 - 036 hah66 ou ~08 kmh se essa aacuterea estives-se contida em uma faixa com 3 m de largura) com a mesma lacircmina de 3 m seriam necessaacuterios mais de 900 tratores simultaneamente derrubando a floresta lado a lado formando uma frente destrutiva com quase 3 km de largura Uma comparaccedilatildeo ainda mais impressionante eacute uma ldquoestrada de desmatamentordquo com 2 km de largura que daria para cobrir a distacircncia da Terra ateacute a Lua (380 mil km)

estudos pioneiros com dados de sateacutelite Dioacutegenes Al-ves64 contabilizou ateacute 2004 um desmatamento total de 663 mil km2 Agregando-se os nuacutemeros mais recentes do projeto PRODES do INPE o desmatamento acumula-do total ateacute 2013 chega a 762979 km2

Pelo vieacutes do dano ao clima o que se tem na Amazocircnia eacute um passivo gigantesco de destruiccedilatildeo do oceano ver-de Natildeo haacute portanto qualquer motivo para comemo-rar as taxas relativamente mais baixas de corte raso dos uacuteltimos anos mesmo porque depois da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal (2011) com sua ampla anistia a desmatadores jaacute se observa uma niacutetida tendecircncia de aumento das taxas anuais

Na contabilidade do INPE o corte raso brasileiro (sem considerar os dos demais paiacuteses da bacia amazocircnica) chegou em 2012 a 1885 da aacuterea original de floresta67 Mas a destruiccedilatildeo natildeo eacute uniforme pois ocorre grande concentraccedilatildeo de corte raso no chamado Arco do Fogo ndash ou Arco do Desmatamento68 Se a vastidatildeo raspada jaacute eacute graviacutessima para o clima a situaccedilatildeo torna-se ainda pior ao se considerar o oceano verde ferido

A exploraccedilatildeo madeireira e o desmatamento gradual pro-duzem extensas aacutereas de florestas degradadas que rara-mente entram na contabilidade oficial da destruiccedilatildeo mas que a depreender das informaccedilotildees e estimativas dispo-niacuteveis podem ter impacto significativo sobre o clima

Dalton Valeriano liderou um estudo pioneiro sobre degradaccedilatildeo69 que encontrou no Estado do Mato Gros-so no periacuteodo de 2007 a 2010 ldquosomenterdquo 7856 km2 com corte raso mas outros 32926 km2 de florestas degradadas Somando corte raso com degradaccedilatildeo sobrou pouco do propriamente chamado Estado de Mato Grosso

No mesmo periacuteodo o INPE mapeou 64205 km2 de flo-resta degradada versus 39026 km2 de corte raso para a Amazocircnia brasileira Usando a proporccedilatildeo entre estas

64 (Alves 2007) Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon65 Aacuterea desmatada 762979 km2 0004136 km2 = 184472679 de campos de futebol66 (Viana 2012) Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento67 httpwwwdpiinpebrprodesdigitalprodesphp Lista (uma tabela) e Consolida (somatoacuterios para a unidade de aacuterea considerada)68 Porcentagem de aacuterea desmatada ateacute 2012 TO 75 MA 72 RO 41 MT 40 PA 22 e AC 1369 httpwwwobtinpebrprodesRelatorio_Prodes2008pdf

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 24Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aacutereas pode-se extrapolar a aacuterea de floresta degradada para toda a Amazocircnia brasileira Na estimativa ateacute 2013 a aacuterea total degradada pode ter alcanccedilado 1255100 km2 Somando com a aacuterea mensurada de corte raso o impacto cumulativo no bioma pela ocupaccedilatildeo humana pode ter atingido 2018079 km2

Dentre mais de 200 paiacuteses no mundo somente 13 tecircm aacuterea maior que essa Nesta contabilidade a degrada-ccedilatildeo de florestas na Amazocircnia brasileira pode haver chegado a 2944 da aacuterea original70 que somada ao desmatamento corte-raso sugere que ateacute 4734 da floresta tenha sido impactada diretamente por ativi-dade humana desestabilizadora do clima Para a Pan-Amazocircnia esse impacto agregado da Amazocircnia bra-sileira contabilizando desmatamento e estimando degradaccedilatildeo representa de 2668 a 290371 sobre a aacuterea original de floresta

Mas a aacuterea de impacto no sentido ecoloacutegico pode ser ainda maior porque florestas contiacuteguas a aacutereas de de-gradaccedilatildeo ou corte raso sofrem direta e indiretamente os efeitos das mudanccedilas ambientais vizinhas (biogeo-fiacutesicas e biogeoquiacutemicas)72

No processo de degradaccedilatildeo a destruiccedilatildeo do dossel frequentemente superior a 60 da cobertura73 muda as caracteriacutesticas estruturais ecoloacutegicas e fisioloacutegicas da floresta comprometendo suas capacidades am-bientais

70 Caacutelculo utilizando a mensuraccedilatildeo de Espiacuterito-Santo et al (2014) para a floresta remanescente na Amazocircnia brasileira [3500000 km2] acrescida da aacuterea acumulada do desmatamento [762979 km2] chegando a 4262979 km2 de florestas originais na Amazocircnia brasileira

71 Impacto usando aacuterea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Espiacuterito-Santo et al (2014) com 7562979 km2 e em Eva et al (2005) com 6943468 km2

72 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon73 (Valeriano et al 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD e QUEIMADAS 2007-200874 University of Maryland Global Forest Cover

Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 ateacute 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Ameacuterica do Sul74

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 6: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

Agradecimentos

Agradecimentos a todos que contribuiacuteram para o aporte de informaccedilatildeo qualificada a este relatoacuterio em especial para

Eneacuteas Salati no histoacuterico dos estudos isotoacutepicos Martin Hodnett Joseacute Marengo e Celso Randow nos nuacutemeros da eva-

potranspiraccedilatildeo Dioacutegenes Alves e Dalton Valeriano nos nuacutemeros do desmatamento Joseacute Marengo pelos alertas fo-

cados e muito uacuteteis Anita Drumond pelos caacutelculos sobre evaporaccedilatildeo no oceano Antonio Manzi que levantou ques-

totildees sobre a circulaccedilatildeo planetaacuteria Victor Gorshkov e Anastassia Makarieva que deram respostas a essas questotildees e

pelas correccedilotildees cruciais sobre a fiacutesica atmosfeacuterica Claudio Maretti por ajudar a colocar as questotildees de preservaccedilatildeo

em perspectiva Elisangela Broedel pela revisatildeo criacutetica dos nuacutemeros do desmatamento e da destruiccedilatildeo de aacutervores

Yosio Shimabukuro e Scott Saleska pelas informaccedilotildees relativas a aacuterea da Amazocircnia e densidade de arvores Gilvan

Sampaio pelas correccedilotildees no texto sobre modelos de equiliacutebrio vegetaccedilatildeo-clima Meirat Andreae e Steven Wofsy pelas

referencias e orientaccedilotildees sobre quiacutemica atmosfeacuterica German Poveda pelas referencias e conselhos referente agraves gelei-

ras dos Andes Suprabha Sechan por levantar as dificuldades relativas a tecnologia agraves excelentes criacuteticas e sugestotildees

feitas pelos comentadores e pelo puacuteblico na 3ordf reuniatildeo Pan-Amazocircnica da ARA em Lima agraves questotildees e reaccedilotildees do

puacuteblico no debate feito pela Nossa Satildeo Paulo e pelo Instituto Ethos sobre a crise da aacutegua na regiatildeo metropolitana de

Satildeo Paulo Seacutergio Guimaratildees Maacutercio Santilli Paulo Nobre Tasso Azevedo Adriana Cuartas Lou Gold Foster Brown

Claudio Maretti Victor Gorshkov Anastassia Makarieva Stephan Schwartzman e Robert Harriss pelas excelentes e

inspiradoras revisotildees Marcos Losekann e a Gerard e Margi Moss pelas perguntas instigantes que levaram a mais

aperfeiccediloamentos no texto Marcelo Leite pela soacutebria revisatildeo profissional e de alta qualidade essencial no ajuste e

melhoria do texto Jaime Gesisky e Moema Ungarelli pelo cuidado e rigor na revisatildeo final Felipe Horst pela bela dia-

gramaccedilatildeo Margi Moss pela revisatildeo estelar de estilo e fluencia agrave Articulacioacuten Regional Amazoacutenica pela encomenda

do estudo e agrave Secretaria Executiva da ARA em especial ao Seacutergio Guimaratildees e Claudio Oliveira pelo suporte e estiacutemu-

los constantes Agradecimentos especiais ao CCST do INPE e ao INPA pelo apoio institucional a Avina Fundo Vale e

Skoll Foundation pela parceria valiosa ao ISA Projeto Rios Voadores e WWF pelo suporte

Sumaacuterio

Introduccedilatildeo ndash A tecnologia da floresta eacute insubstituiacutevel 9

1) As florestas geram o clima amigo cinco segredos revelados 11

11) Reciclagem de umidade geisers da floresta 11

12) Nucleaccedilatildeo das nuvens o poacute de pirlimpimpim no oceano verde 14

13) Bomba bioacutetica de umidade doar aacutegua para receber chuva 15

14) Rios aeacutereos aacutegua fresca pelas arteacuterias suspensas 17

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos 19

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito sem aacutervores natildeo daacute para tapar o sol 20

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores 20

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo 22

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba 25

31) Ponto de natildeo retorno o passo em falso no abismo 25

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel 26

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou 28

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura 29

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca 30

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima 32

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder 32

52) Zerar o desmatamento para anteontem 32

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros 33

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas 33

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade 34

Conclusatildeo 36

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era 37

Referecircncias 38

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 9Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Com isso num primeiro momento o planeta se esfria o que faz as plantas crescerem menos consumindo menos CO2 No momento seguinte a acumulaccedilatildeo de CO2 leva ao aquecimento do planeta e assim suces-sivamente num ciclo oscilante de regulaccedilatildeo5 Desta forma as plantas funcionam como um termostato que responde agraves flutuaccedilotildees de temperatura atraveacutes do ajuste da concentraccedilatildeo do principal gaacutes-estufa na atmosfera depois do vapor drsquoaacutegua Mas esta regula-ccedilatildeo da temperatura via consumo mediado do CO2 eacute apenas um entre muitos mecanismos da vida que re-sultam na regulaccedilatildeo favoraacutevel do ambiente

Como se veraacute neste trabalho as florestas tropicais satildeo muito mais que uma aglomeraccedilatildeo de aacutervores reposi-toacuterio passivo de biodiversidade ou simples estoque de carbono Sua tecnologia viva e dinacircmica de interaccedilatildeo com o ambiente lhes confere poder sobre os elemen-tos uma capacidade inata e resiliente de condiciona-mento climaacutetico Assim as florestas condicionam o cli-ma que lhes favoreccedila e com isso geram estabilidade e conforto cujo abrigo daacute suporte ao florescimento de sociedades humanas

A Ameacuterica do Sul eacute um continente privilegiado pela extensiva presenccedila de florestas megabiodiversas Natildeo por acaso esse continente teve e ainda tem um dos climas mais favoraacuteveis em comparaccedilatildeo com qualquer outro Contudo ao longo de 500 anos a maior par-te da vegetaccedilatildeo nativa fora da bacia amazocircnica foi

IntroduccedilatildeoA tecnologia da floresta eacute insubstituiacutevel

Numa definiccedilatildeo solta a floresta tropical eacute um tapete multicolorido estruturado e vivo extremamente rico Uma colocircnia extravagante de organismos que saiacuteram do oceano haacute 400 milhotildees de anos e vieram para a ter-ra Dentro das folhas ainda existem condiccedilotildees seme-lhantes agraves da primordial vida marinha Funciona assim como um mar suspenso que conteacutem uma miriacuteade de ceacutelulas vivas muito elaborado e adaptado Evoluiacuteda nos uacuteltimos 50 milhotildees de anos a floresta amazocircnica eacute o maior parque tecnoloacutegico que a Terra jaacute conheceu porque cada organismo seu entre trilhotildees eacute uma ma-ravilha de miniaturizaccedilatildeo e automaccedilatildeo Em tempera-tura ambiente usando mecanismos bioquiacutemicos de complexidade quase inacessiacutevel a vida processa aacuteto-mos e moleacuteculas determinando e regulando fluxos de substacircncias e de energia

As florestas condicionam o clima que lhes favoreccedila e com isso geram estabilidade e conforto sob cujo abrigo flo-rescem sociedades humanas

O conforto climaacutetico que apreciamos na Terra desco-nhecido em outros corpos siderais pode ser atribuiacutedo em grande medida ndash aleacutem

de muitas outras competecircncias ndash agrave colocircnia de seres vivos que tecircm a capacidade de fazer fotossiacutentese O gaacutes carbocircnico (CO2) funciona como alimento para a planta mateacuteria-prima transformada pelo instrumental bioquiacutemico com o uso de luz e aacutegua em madeira fo-lhas frutos raiacutezes4 De forma encadeada quando as plantas consomem CO2 a concentraccedilatildeo desse gaacutes na atmosfera diminui

4 Animaccedilotildees em biologia molecular httpwwwjohnkyrkcomindexpthtml5 Biotic Regulation of the Environment httpwwwbioticregulationru

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 10Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aniquilada como a Mata Atlacircntica que perdeu mais de 90 da sua cobertura original O efeito desse des-matamento histoacuterico no clima embora perceptiacutevel foi menos notado do que seria de se esperar e a razatildeo foi a costa quente (e uacutemida) da floresta amazocircnica que manteve o continente razoavelmente protegido de extremos com um clima ameno Mas nos uacuteltimos 40 anos a uacuteltima grande floresta a cabeceira das aacuteguas atmosfeacutericas da maior parte do continente esteve sob o ataque implacaacutevel do desmatamento Coincidente-mente aumentaram as perdas com desastres naturais ligados a anomalias climaacuteticas tanto por excessos (de chuva calor e ventos) quanto por falta (secas)6

As regiotildees andinas e mesmo da costa do Paciacutefico que dependem das geleiras para seu abastecimento de aacutegua poderatildeo em futuro proacuteximo ver-se ameaccediladas pois o derretimento acelerado pelo aquecimento cli-maacutetico jaacute estaacute em andamento e tambeacutem porque qua-se toda a precipitaccedilatildeo nas altas montanhas que su-prem as geleiras ano a ano tem sua mateacuteria-prima no vapor procedente da floresta amazocircnica7 A leste dos Andes a escala da dependecircncia no ciclo hidroloacutegico amazocircnico eacute incomensuravelmente maior

As regiotildees de savana na parte meridional onde haacute hoje um dos maiores cinturotildees de produccedilatildeo de gratildeos e ou-tros bens agriacutecolas tambeacutem recebe da floresta amazocirc-nica vapor formador de chuvas reguladas e benignas o principal insumo da agricultura Natildeo fosse tambeacutem

a liacutengua de vapor que no veratildeo hemisfeacuterico pulsa da Amazocircnia para longe levando chuvas essenciais8 e ou-tras influencias beneacuteficas muito provavelmente teriam clima inoacutespito as regiotildees Sudeste e Sul do Brasil (onde hoje se encontra sua maior infraestrutura produtiva na-cional) e outras aacutereas como o Pantanal e o Chaco as regiotildees agriacutecolas na Boliacutevia Paraguai e Argentina

Este trabalho mostraraacute primeiro o que sabemos sobre como a floresta amazocircnica funciona e manteacutem sua ca-pacidade de existir e persistir por eras geoloacutegicas De-pois exibiraacute o efeito sobre o clima que a destruiccedilatildeo do sistema natural jaacute estaacute gerando e as previsotildees sobre o que ainda pode gerar Por fim exploraraacute as ameaccedilas ao equiliacutebrio climaacutetico que as alteraccedilotildees em curso po-dem disparar analisando sob alguns acircngulos os riscos climaacuteticos agrave espreita

6 (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Marengo et al 2011) Extreme climatic events in the Amazon basin7 (Rabatel et al 2012) Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change8 (Willmot amp Webber 1998) South American Climate Data httpclimategeogudeledu~climate

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 11Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Buscando esclarecer misteacuterios o trabalho dos cientis-tas natildeo difere muito da investigaccedilatildeo de um detetive Exploram pistas analisam evidecircncias desenvolvem teorias constroem modelos Nas deduccedilotildees eletrizan-tes de Sherlock Holmes os casos mais intrincados cul-minavam com soluccedilotildees elementares A realidade do mundo natural mostra-se rica e complexa repleta de misteacuterios e segredos Mas o meacutetodo cientifico tem-perado pelo fasciacutenio e humanizado pela curiosidade infantil abre portais de acesso agrave compreensatildeo dos fe-nocircmenos mais misteriosos que nos afetam

Tais fenocircmenos ao serem clarificados e elevados agrave sua expressatildeo mais simples democratizam o conhecimen-to da ciecircncia ensejando o desenvolvimento de uma nova e estimulante consciecircncia compartilhada sobre o mundo que habitamos Existem ainda muitos segre-dos sobre o funcionamento das florestas bem guarda-dos na natureza Olhemos aqui para apenas cinco de-les revelados nas uacuteltimas deacutecadas segredos que satildeo cruciais para o entendimento das funccedilotildees das florestas no condicionamento do clima

No afatilde de modelar com o uso de computadores os fluxos colossais de massa e energia para simular o clima os me-teorologistas inicialmente prestaram pouca atenccedilatildeo na cobertura de vegetaccedilatildeo Essa abordagem mudou radi-calmente Por um nuacutemero grande e crescente de evidecircn-cias hoje se sabe do papel vital exercido pela vegetaccedilatildeo em muitos processos do clima E praticamente todos os

1) As florestas geram o clima amigo cinco segredos revelados

modelos do clima assim como os mais complexos modelos do sistema terrestre passaram a incluir representaccedilotildees elabora-das da vegetaccedilatildeo As descober-

tas cientiacuteficas sobre o papel determinante das florestas nos ciclos local regional e planetaacuterio de aacutegua energia carbono e outros valem para todas as florestas naturais do globo Mas aqui vamos focalizar mais as florestas tro-picais da Ameacuterica do Sul especialmente a Amazocircnia

Todos os estudos de modelagem climaacutetica consideram a bacia amazocircnica inteira Mas por haver mais dados disponiacuteveis eacute na Amazocircnia brasileira9 que se realizou a maioria dos outros trabalhos cientiacuteficos como o moni-toramento do desmatamento Natildeo obstante dada a im-portacircncia da bacia amazocircnica como um todo a chama-da Pan-Amazocircnia e tambeacutem porque a atmosfera e os rios natildeo se importam com limites poliacuteticos no futuro as observaccedilotildees mapeamentos e anaacutelises precisaratildeo rom-per as fronteiras nacionais a exemplo do que jaacute fazem projetos como a RAISG com levantamento extensivo e integrado das pressotildees humanas sobre a Amazocircnia10

11) Reciclagem de umidade geisers da floresta

Trezentos anos apoacutes a invasatildeo europeia nas Ameacutericas11 a aura de Jardim do Eacuteden nas selvas tropicais jaacute decaiacutea de seu apelo romacircntico possivelmente pela tromba-da dos cobiccedilosos conquistadores espanhoacuteis com o

9 Definida dentro do que durante a ditadura brasileira (1964-1985) foi definida por decreto como Amazocircnia Legal10 RAISG Red Amazoacutenica de Informacioacuten Socioambietal Georreferenciada Amazocircnia sob pressatildeo11 (Gambini 2000) Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira

Por um nuacutemero grande e crescente de evidecircncias sabe-se hoje do papel vital exercido pela vegetaccedilatildeo em muitos processos do clima

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 12Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

inferno verde aquele labirinto infindaacutevel monoacutetono e perigoso que passou a inspirar mais medo e desespero do que fascinaccedilatildeo O seacuteculo 19 com seus naturalistas cientiacuteficos vecirc reacender a fascinaccedilatildeo mas agora tingi-da por um apelo racional Alexander von Humboldt o aclamado e influente cientista-naturalista alematildeo que explorou as Ameacutericas na virada do seacuteculo 18 para 19 eacute considerado o pai de ciecircncias como geografia fiacutesica meteorologia e ecologia Ele empregou o termo hileia [do grego floresta selvagem] para a Amazocircnia e com a riqueza e encantamento das suas descriccedilotildees minu-ciosas inspirou geraccedilotildees de naturalistas Darwin entre eles De Humboldt vecircm as primeiras sugestotildees da liga-ccedilatildeo entre a floresta a umidade do ar e o clima

Poreacutem no iniacutecio do seacuteculo 20 o poliacutemata autor pro-liacutefico e militar Euclides da Cunha rompe o encanta-mento do naturalismo cientiacutefico com suas descriccedilotildees desapontadas da hileia Seu disciacutepulo Alberto Rangel que como o mestre tambeacutem se sensibilizara com a miseacuteria dos seringueiros e as agruras da vida na selva

ressuscita na obra Inferno Verde a perspectiva de dana-ccedilatildeo dos invasores espanhoacuteis e desmonta de vez a ima-gem de paraiacuteso verde O voluntarismo verbal contra o habitat selvagem lastreado pela admitida ignoracircncia desses autores quanto ao valor intriacutenseco da floresta em compasso com a falecircncia do fausto da borracha muito provavelmente deixou sua heranccedila de valores a influenciar coraccedilotildees e mentes

Quanto do subsequente iacutempeto para a ldquoocupaccedilatildeordquo da Amazocircnia com a radical supressatildeo da mata natildeo teve raiacutezes aiacute Euclides da Cunha prefaciando o livro do dis-ciacutepulo nega valor para a abordagem holiacutestica de Hum-boldt (ldquoa epistemologia da lsquociecircncia amazocircnicarsquo floresce-raacute se se preocupar menos em revelar a hileia por inteirordquo sic) e antecipa a demanda reducionista que viria12

A reciclagem de umidade da chuva pela evaporaccedilatildeo da flores-ta manteacutem o ar uacutemido por mais de 3 mil km continente adentro

Tardios foram os estudos que finalmente comeccedila-ram a revelar os segredos da grande floresta Bus-

cando testar caacutelculos preliminares de balanccedilo hiacutedrico para a Amazocircnia13 que indicavam reciclagem impor-tante da aacutegua Eneacuteas Salati liderou nos anos 1970 estu-dos observacionais de chuva e evaporaccedilatildeo que de-monstraram inequivocamente como atraveacutes da reciclagem de umidade a floresta manteacutem o ar uacutemido por mais de 3000 km continente adentro14

Mas ainda faltavam muitas outras explicaccedilotildees sobre onde quanto como por que e com que implicaccedilotildees Adotando sem saber a sugestatildeo reducionista de Eucli-des da Cunha nas trecircs deacutecadas seguintes aos estudos de Salati mais de duas duacutezias de grandes projetos de investigaccedilatildeo15 congregando centenas de cientistas e usando muitos laboratoacuterios instrumentos sofistica-dos torres aviotildees barcos sateacutelites supercomputado-res e o que mais haacute de ferramenta cientiacutefica produzi-ram milhares de artigos dezenas de livros e bancos de dados alentados a maioria informaccedilatildeo de difiacutecil inter-pretaccedilatildeo isolada

Diz-se que o cientista de hoje eacute aquele que estuda cada vez mais sobre cada vez menos ateacute que conhece tudo sobre o nada Como eacute irocircnico que 200 anos depois a forma mais produtiva de extrair sentido da enormi-dade dessas pesquisas pontuais seja justamente reto-mar a abordagem holiacutestica de Humboldt articulando a riqueza de dados soltos e construindo uma narrativa integrada e funcional a respeito da concentraccedilatildeo fe-nomenal de vida e seu poder sobre os elementos nas florestas da Amazocircnia

Vejamos como podemos captar aspectos espetacu-lares do funcionamento da floresta acompanhando a narrativa do percurso da aacutegua da atmosfera pela inti-midade das plantas e de volta para a atmosfera

Transpiraccedilatildeo plantas natildeo usam desodorante

As plantas suam A aacutegua ao evaporar resfria a folha e o ambiente Mas a transpiraccedilatildeo nas plantas eacute muito mais importante que isso A transpiraccedilatildeo promove a succcedilatildeo pelas raiacutezes e o fluxo ao longo do tronco ateacute as folhas da aacutegua do solo que carrega consigo nutrientes permite que a folha abra seus microportais para a atmosfera (estocircmatos) por onde sai o vapor mas tambeacutem por onde entra o adubo gasoso mais essencial o CO2 E os odores produzidos pelas plantas os gases orgacircnicos que desempenham muitos papeacuteis no funcionamento da atmosfera e das chuvas saem junto com a aacutegua transpirada Portanto sem transpirar a planta deixaria de regular seu proacuteprio bem-estar cessaria de controlar o ambiente e acabaria morrendo por falta de nutrientes dentre eles o CO2 e excesso de temperatura

12 Rafael Leandro assim reflete a expressatildeo de Euclides da Cunha naquele prefaacutecio ldquoa enormidade da floresta soacute pode ser medida se repartidahellip somente num futuro tardio se conheceraacute os segredos da Natureza [] A definiccedilatildeo dos uacuteltimos aspectos da Amazocircnia seraacute o fecho de toda a Histoacuteria Naturalrdquo (Leandro 2009) Inferno Verde Representaccedilatildeo Literaacuteria da Amazocircnia na Obra de Alberto Rangel

13 (Molion 1975) A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects (Villa Nova et al 1976) Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica (Marques et al 1977) Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus

14 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study15 Projetos de pesquisa na Amazocircnia ARME NASA-GTE ABLE ABRACOS TRACE-A RBLE CAMREX INPA-Max Planck INPA-ORSTOM PDBFF PELD LBA LBA-EUSTACH LBA-CARBONSINK LBA-CLAIRE LBA-ECO

LBA-Barca LBA-DMIP GEWEX ISLSCP GEOMA PPBio Rainfor AmazonFlux AMAZE Amazon Pire Amazalert AMAZONICA Changing Amazocircnia ATTO ACRIDICON-CHUVA GreenOceanAmazon etc Apenas no acircmbito do grande projeto LBA foram desenvolvidos 217 subprojetos de pesquisa em 16 anos de operaccedilatildeo

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 13Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Depois que as nuvens precipitam seu precioso liacutequido sobre a floresta grande parte da aacutegua se esgueira por entre o dossel e infiltra-se pelo permeaacutevel solo flores-tal onde eacute armazenada no pacote poroso do solo ou mais abaixo em aquiacuteferos gigantescos verdadeiros oceanos subterracircneos de aacutegua doce

A aacutegua do solo comeccedila seu retorno para a atmosfe-ra absorvida por profundos e sofisticados sugadores as raiacutezes depois sobe desafiando a forccedila da gravidade por 40 a 60 m ou mais em elaboradas tubulaccedilotildees no xilema dos troncos Sua uacuteltima etapa passa pelas es-truturas laminares evaporadoras das folhas versaacuteteis paineacuteis solares quiacutemicos capazes de absorver a ener-gia do sol e aproveitar a cariacutecia dos ventos para trans-pirar e transferir copiosos volumes de aacutegua vaporosa para a atmosfera completando assim o retorno do ci-clo vertical iniciado com a chuva

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpirar mais de mil litros de aacutegua num uacutenico dia

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpi-rar mais de mil litros de

aacutegua num uacutenico dia16 A Amazocircnia sustenta centenas de bilhotildees de aacutervores em suas florestas Vinte bilhotildees de to-neladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica17 Em seu conjunto as aacutervo-res essas benevolentes e silenciosas estruturas verdes vivas da natureza similares a geisers jorram para o ar um rio vertical de vapor mais importante que o Amazonas18

Geiser de vapor maior que o rio Amazonas

Buscando quantificar de modo simples a transpiraccedilatildeo massiva da flores-ta sugerida pelos estudos de Salati e outros fizemos juntamente com Adriana Cuartas em 2007 um caacutelculo revelador Usando os dados de evaporaccedilatildeo coletados nas torres de fluxo do projeto LBA (36 mm ao dia ou 36 litros por m2 em meacutedia) estimamos a quantidade total diaacuteria de aacutegua fluindo do solo para a atmosfera atraveacutes das aacutervores Cobrindo 55 milhotildees de km2 o caacutelculo para a floresta na bacia amazocircnica resultou no fantaacutestico nuacutemero de 20 bilhotildees de toneladas de aacutegua transpirada ao dia (ou 20 trilhotildees de litros) Mais de 22 bilhotildees se considerarmos todas as florestas da porccedilatildeo equatorial da Ameacuterica do Sul e 25 bilhotildees ou mais se considerarmos as florestas que existiam no seu estado pristino em 150017 Para comparaccedilatildeo o volume despejado no oceano Atlacircntico pelo rio Amazonas eacute pouco mais de 17 bilhotildees de toneladas ao dia18

Como em um edifiacutecio com muitos pisos um me-tro quadrado de chatildeo na

Amazocircnia pode ter sobre si ateacute 10 m2 de intrincada su-perfiacutecie foliar distribuiacuteda em diferentes niacuteveis no dossel Nisso reside a explicaccedilatildeo para o fato de uma superfiacutecie terrestre florestada poder evaporar tanto quanto ou ateacute mais aacutegua que a superfiacutecie liacutequida de um oceano ou um lago na qual 1 m2 de superfiacutecie evaporadora coincide com apenas o mesmo 1 m2 da superfiacutecie geomeacutetrica

Corroborando esses fatos fantaacutesticos um estudo pu-blicado recentemente no perioacutedico cientiacutefico Nature18 fez avanccedilar o ciclo de descobertas sobre a importacircn-cia extraordinaacuteria da vegetaccedilatildeo global no processo de transferecircncia de aacutegua para a atmosfera quase 90

16 Aacuterea da copa com raio de 10 m 3242 m2 x 36 litrosm2 = 11311 litros transpirados em um dia17 Aacuterea recente com floresta na bacia hidrograacutefica do rio Amazonas - 55 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 198 x 1012 litros (~20 x 109 toneladas) Aacuterea com floresta em toda Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for

defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas = 6280468 km2 ou 6 280468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 226096848 x 1012 litros (2261 x 109 toneladas)e projetada para a aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 - ou 6943468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 25 x 1012 litros (25 x 109 toneladas)

18 vazatildeo do rio Amazonas na foz de 2 x 105 m3segundo x 86400 segundos = 1728 x 109 m3dia19 (Jasechko et al 2013) Terrestrial water fluxes dominated by transpiration

20 bilhotildees de toneladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 14Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

parte do oceano azul ten-de agrave aridez com pouquiacutes-simas chuvas enquanto

no oceano verde as chuvas eram torrenciais e constan-tes Tanto que antes do avanccedilo do desmatamento di-zia-se haver ali apenas duas estaccedilotildees a uacutemida e a mais uacutemida Agora surgiu uma estaccedilatildeo seca pronunciada e a duraccedilatildeo da estaccedilatildeo uacutemida diminui progressivamente22

Nuvens satildeo aglomerados de pequenas gotiacuteculas em suspensatildeo no ar Gotas visiacuteveis se condensam a partir do vapor que eacute invisiacutevel pelo efeito da baixa tempera-tura Mas somente temperatura natildeo inicia o processo de condensaccedilatildeo Eacute preciso haver tambeacutem uma super-fiacutecie soacutelida ou liacutequida que funcione como ldquosementerdquo para que se inicie a deposiccedilatildeo das moleacuteculas de va-por Essas sementes ou nuacutecleos de condensaccedilatildeo satildeo em geral aerossoacuteis atmosfeacutericos partiacuteculas de poeira gratildeos de poacutelen ou de sal fuligem e muitos outros

Mas na atmosfera sobre a floresta oceano-verde os aeros-soacuteis satildeo encontrados em baixas concentraccedilotildees como no azul Se a limpeza do ar pode ser creditada por um lado ao efeito de tapete verde uacutemido da floresta segurando a poeira embaixo e por outro agrave lavagem do ar pelas chu-vas constantes como explicar a formaccedilatildeo de chuvas tatildeo abundantes sem as sementes usuais para nucleaccedilatildeo

Estudando as trocas de gaacutes carbocircnico atraveacutes de torres de fluxo cientistas brasileiros do INPA e da USP e eu-ropeus da Holanda Alemanha e Itaacutelia colaboraram no

de toda a aacutegua que chega agrave atmosfera oriunda dos con-tinentes chegou laacute atraveacutes da transpiraccedilatildeo das plantas

e somente pouco mais de 10 como simples evapo-raccedilatildeo sem mediaccedilatildeo das plantas Como essa transfe-recircncia por transpiraccedilatildeo se daacute com grande absorccedilatildeo de calor na superfiacutecie as antes insuspeitas plantas inter-ferem ndash e muito ndash com a chuva os ventos e o clima

Todo esse movimento de aacutegua custa energia Olhemos para um paralelo proacuteximo Para gerar a eletricidade de que tanto se necessita fala-se muito em aproveitar a energia das aacuteguas na Amazocircnia Ora a energia hidraacuteu-lica de queda nos rios somente existe porque a aacutegua foi elevada e transportada pela atmosfera para suas altas cabeceiras A transpiraccedilatildeo das aacutervores como elo vital no ciclo das aacuteguas absorve a energia solar no bombeamento da aacutegua do solo e na sua transpiraccedilatildeo Assim as aacutervores funcionam como estaccedilotildees elevatoacute-rias alccedilando e lanccedilando as aacuteguas nas altitudes da at-mosfera aacuteguas que mais adiante retornaratildeo ao solo como chuva transferindo parte da energia solar em-butida no vapor agrave energia potencial da aacutegua que en-che os reservatoacuterios das hidreleacutetricas

12) Nucleaccedilatildeo das nuvens o poacute de pirlimpimpim no oceano verde

Retornar volumes colossais de vapor de aacutegua para a at-mosfera eacute somente a primeira parte da receita para ter

Potecircncia climaacutetica da floresta

Quanta energia do Sol eacute consumida para evaporar 20 trilhotildees de litros de aacutegua ao dia Para dar uma noccedilatildeo da grandeza de energia envolvida na transpiraccedilatildeo amazocircnica basta fazer uma comparaccedilatildeo com as hidreleacutetri-cas Evaporar um grama de aacutegua liacutequida consome 23 kilojoules de ener-gia solar Para converter isso em energia hidraacuteulicaeleacutetrica imagine uma chaleira gigante que comporte esse volume drsquoaacutegua daquelas que se liga na tomada eleacutetrica Quanta eletricidade seria necessaacuteria para ferver e eva-porar toda essa aacutegua A usina de Itaipu com 14 mil megawatts de potecircn-cia precisaria gerar eletricidade em sua capacidade maacutexima por 145 anos para que a chaleira evaporasse a aacutegua equivalente agravequela transpirada em apenas um dia amazocircnico Ou para rivalizar com as aacutervores amazocircnicas e fazer o trabalho em um dia seria preciso somar a eletricidade de 50 mil usinas hidreleacutetricas como Itaipu (ou 200 mil como Belo Monte) Esta comparaccedilatildeo deixa claro que diante da potecircncia climaacutetica da floresta as maiores estruturas humanas se mostram microscoacutepicas

e manter chuvas copiosas e benignas Em 1999 um dos primeiros estudos utilizando aviotildees e observaccedilotildees do sateacutelite TRMM20 feitos no projeto LBA constatou que na Amazocircnia o ar na baixa atmosfera (troposfera) eacute tatildeo lim-po de poeira quanto o ar sobre o oceano onde as fontes de poeira satildeo muito reduzidas e que as nuvens tiacutepicas na Amazocircnia se pareciam muito com as nuvens mariacutetimas Essa inusitada semelhanccedila inspirou aqueles pesquisa-dores a batizar a Amazocircnia de ldquooceano verderdquo21 Esse ter-mo descreve as caracteriacutesticas oceacircnicas desta extensatildeo continental coberta por densas florestas A importacircncia deste conceito novo e incomum reside na sua sugestatildeo de uma superfiacutecie florestal estendida abaixo da atmos-fera cuja caracteriacutesticas de vastidatildeo humidade e trocas pelos ventos se assemelham agraves dos oceanos reais

Mas havia na semelhanccedila um misteacuterio pois a maior

Na transpiraccedilatildeo as plantas transferem para a atmosfera 90 de toda a aacutegua eva-porada nos continentes

20 httptrmmgsfcnasagov21 (Williams et al 2002) Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification22 (Marengo 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region

Oceano verde a atmosfera ama-zocircnica possui o ar limpo como a atmosfera do oceano azul

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 15Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ar a chuva natildeo os lava Soacute quando oxidam-se e precipi-tam-se como aerossoacuteis formando as chuvas eacute que satildeo lavados Mas sempre haacute mais BVOCs esperando para formar mais poacute de pirlimpimpim para a proacutexima chuva

Aleacutem da promoccedilatildeo de chuvas volumosas e gentis outros mecanismos bioquiacutemicos anaacutelogos aos que produzem os aromas atuam como ldquovassourinhas quiacute-micasrdquo da atmosfera Nas condiccedilotildees amazocircnicas po-luentes perigosos (como o ozocircnio) satildeo removidos do ar Nos anos 1980 nos primeiros estudos de quiacutemica da atmosfera empregando aviotildees instrumentados constatou-se que o ar na baixa atmosfera amazocircnica continha menos ozocircnio (portanto era mais saudaacutevel) que o ar das regiotildees mais remotas da Terra (como a Antaacutertida) Nas deacutecadas subsequentes outros projetos de investigaccedilatildeo indicaram o efeito das aacutervores na lim-peza do ar25 Desses e de outros estudos em desenvol-vimento pode-se sugerir que as plantas amazocircnicas usam algum tipo de vitamina C como um antioxidan-te capaz de remover do ar gases danosos para a vida

13) Bomba bioacutetica de umidade doar aacutegua para receber chuva

Por volta de 2005 no pico da mais poderosa seca a atingir a Amazocircnia ateacute aquele momento atuamos na integra-ccedilatildeo dos primeiros seis anos de dados do projeto LBA26 Depois de analisar em vaacuterios estudos as evidecircncias das

projeto LBA para investigar tambeacutem as trocas de outros gases produzidos pelas plantas contendo carbono para verificar se constituiacuteam parte importante dessas trocas Esses outros gases satildeo os aromas da floresta tambeacutem chamados de compostos orgacircnicos volaacuteteis biogecircni-cos (BVOCs23) Como um vidro de perfume aberto per-de seu liacutequido por evaporaccedilatildeo e o gaacutes-perfume difun-de-se pelo ambiente uma variedade de substacircncias orgacircnicas evapora nas folhas e ganha a atmosfera

Quando no ar uacutemido e com a luz do Sol os aromas das plantas formam uma poeira finiacutessima com afinidade pela aacutegua Satildeo os nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens

Em termos de massa as quantidades de carbono perdidas para a atmosfera por esses gases orgacircnicos satildeo pequenas Contudo um grupo liderado por Meinrat

Andreae do Instituto Max Planck que estuda a quiacutemica dos gases na atmosfera investigou o que acontecia com esses aromas quando misturados ao ar amazocircnico e desvendou o misteacuterio da nucleaccedilatildeo das nuvens24 Os BVOCs (como isopreno terpenos etc) numa atmosfera uacutemida e na presenccedila da radiaccedilatildeo solar oxidam-se e pre-cipitam-se formando uma poeira finiacutessima com afinida-de pela aacutegua (higroscoacutepica) gerando eficientes nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens Poeticamente falando esse eacute o poacute de pirlimpimpim que surge magicamente no ar carregado de vapor e provoca as chuvas a cacircntaros das nuvens baixas os regadores do Jardim do Eacuteden En-quanto os BVOCs estatildeo na forma de gaacutes dissolvidos no

23 Do inglecircs Biogenic Volatile Organic Carbon satildeo compostos biogecircnicos porque satildeo sintetizados pelos organismos vivos como os odores das plantas Existem outros compostos orgacircnicos volaacuteteis natildeo biogecircni-cos chamados simplesmente de VOCs como o solvente de uma tinta por exemplo

24 (Poumlschl et al 2010) Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon (Clayes et al 2004) Formation of secondary organic aerosols through photooxidation of isoprene Release Astonishing Discovery over the Amazonian Rain Forest

25 Por exemplo (Rummel et al 2007) Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia26 (Nobre 2005) Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 16Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

observaccedilotildees e os resultados de modelos ponderei so-bre a pergunta em voga agrave eacutepoca com o aquecimento global iraacute a floresta uacutemida na Amazocircnia secar e morrer

Ao longo de milhares27 ou provavelmente milhotildees de anos28 a floresta tropical da Ameacuterica do Sul evoluiu sua biota luxuriante sem sinais de ter sido desligada por even-tos climaacuteticos extremos como aridez ou congelamento No mesmo espaccedilo de tempo no entanto eacute improvaacutevel que o impacto do clima externo ao continente tenha permanecido benigno especialmente considerando as interferecircncias coacutesmicas e sua conhecida relaccedilatildeo com mudanccedilas climaacuteticas profundas em escala planetaacuteria29

Em face da adversidade climaacutetica externa como este magniacutefico bioma conseguiu resistir agrave extinccedilatildeo Hoje haacute linhas suficientes de evidecircncias de que a biosfera natildeo soacute pode resistir mas na verdade pode alterar modular e ateacute regular seu proacuteprio ambiente30

As florestas tropicais da Ameacute-rica do Sul estatildeo entre os mais densos diversos e complexos biomas terrestres no planeta Do mecanismo de chuvas no oceano verde pode-se ima-ginar como essas florestas

Amazocircnia coraccedilatildeo do mundo

Como podemos entender a circulaccedilatildeo da aacutegua pela paisagem A aacutegua irriga e drena os solos de forma anaacuteloga ao sangue que irriga e drena os tecidos do corpo Se os familiares rios satildeo anaacutelogos agraves veias que dre-nam a aacutegua usada e a retornam para a origem no oceano onde ficam as arteacuterias do sistema natural Satildeo os rios aeacutereos que trazem a aacutegua fresca renovada na evaporaccedilatildeo do oceano Para completar o sistema circulatoacuterio faltava somente o coraccedilatildeo a bomba que impulsiona os fluxos nas arteacuterias aeacutereas A teoria da bomba bioacutetica veio explicar que a potecircncia que propele os ventos canalizados nos rios aeacutereos deve ser atribuiacuteda agrave grande floresta que funciona entatildeo como coraccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico

poderiam regular o clima Controlar a precipitaccedilatildeo signi-fica tambeacutem controlar a convecccedilatildeo o que por sua vez significa interferir com uma poderosa correia transporta-dora de massa e energia a circulaccedilatildeo de Hadley31 Atra-veacutes da regulaccedilatildeo de chuvas a biologia poderia definir o ritmo dos ventos aliacutesios do Atlacircntico arrastando a neces-saacuteria umidade do oceano para o interior do continente

Na mesma eacutepoca Victor Gorshkov e Anastassia Maka-rieva aprofundando sua teoria sobre a regulaccedilatildeo bioacute-tica do ambiente32 examinavam os mecanismos que ligam a transpiraccedilatildeo das plantas com efeitos fiacutesicos na atmosfera Das surpreendentes descobertas desta anaacutelise eles desenvolveram a teoria da bomba bioacutetica de umidade33 revelando fisicamente como processos de transpiraccedilatildeo e condensaccedilatildeo mediados e manipula-dos pelas aacutervores mudam a pressatildeo e dinacircmica atmos-feacutericas resultando em maior suprimento de umidade do oceano para o interior de continentes florestados

Makarieva e colaboradores descobriram que a conden-saccedilatildeo do vapor drsquoaacutegua na atmosfera gera uma reduccedilatildeo localizada de pressatildeo e produz potencia dinacircmica que acelera os ventos ao longo do resultante gradiente de pressatildeo 34 O ponto crucial da teoria eacute que contrastes na evaporaccedilatildeo da superfiacutecie ndash casada com a determinante condensaccedilatildeo nas nuvens ndash muito mais que contrastes

na temperatura de superfiacutecie determinam a direccedilatildeo e a intensidade dos ventos trazedores de chuva

Assim uma regiatildeo florestada que evapora tanta ou mais aacutegua que uma superfiacutecie oceacircnica contiacutegua ndash e que teraacute muito mais condensaccedilatildeo na produccedilatildeo de chu-vas ndash iraacute sugar do mar para a terra as correntezas de ar carregadas de umidade onde ascenderatildeo o que traraacute chuvas para a aacuterea florestada Ao contraacuterio se a floresta for removida o continente teraacute muito menos evapora-ccedilatildeo do que o oceano contiacuteguo ndash com a consequente reduccedilatildeo na condensaccedilatildeo ndash o que determinaraacute uma re-versatildeo nos fluxos de umidade que iratildeo da terra para o mar 35 criando um deserto onde antes havia floresta

Entre as previsotildees baseadas na teoria da bomba bioacute-tica feitas por Makarieva e Gorshkov estava a de que as secas nas florestas nativas seriam contrapostas por transpiraccedilatildeo vigorosa das aacutervores Ora essa previsatildeo contrariava o senso comum pois qualquer pessoa sabe que basta deixar um vaso com plantas sem re-gar por alguns dias para que as plantas murchem e

27 (Baker et al 2001) The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years28 (Hooghiemstra et al 2002) Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary29 (Berger and Yin 2012) Astronomical Theory and Orbital Forcing30 (Foley and Costa 2003) Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate (Gorshkov et al 2004) Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction

(Pielke and Avissar 1998) Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate31 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena32 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change33 (Makarieva and Gorshkov 2007) Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land34 (Makarieva et al 2013) Where do winds come from35 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais

Uma regiatildeo florestada onde ocorre muito mais conden-saccedilatildeo em nuvens do que em superfiacutecie oceacircnica contiacutegua iraacute sugar para a terra os ven-tos do mar que carregados de umidade traratildeo chuvas para a aacuterea florestada

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 17Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

continuar a importar aacutegua pela atmosfera ndash contra-pondo a seca ndash e garantir a continuidade da floresta A teoria da bomba bioacutetica vem ganhando aceitaccedilatildeo37 e jaacute tem comprovaccedilatildeo observacional38

14) Rios aeacutereos aacutegua fresca pelas arteacuterias suspensas

Um mapa-muacutendi revela interessantes arranjos e sime-trias na distribuiccedilatildeo de florestas e desertos ao redor do globo com trecircs cinturotildees chamando a atenccedilatildeo um de florestas ao redor da linha do Equador e outros dois de desertos ao redor dos troacutepicos de Cacircncer e Capri-coacuternio Tal geografia de paisagens contrastantes tem explicaccedilatildeo conhecida a circulaccedilatildeo de Hadley39

Pela influecircncia da circulaccedilatildeo de Hadley a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul tenderia agrave aridez

Haacute maior incidecircncia solar na zona equatorial e portanto ocorre ali devido a efeitos fiacutesi-cos uma maior ascensatildeo de ar

que se resfria e faz chover favorecendo florestas O ar que subiu e perdeu umidade precisa ir para algum lugar des-locando-se em altitude nos dois hemisfeacuterios na direccedilatildeo dos subtroacutepicos Esse ar seco quando desce e se aquece remove umidade da superfiacutecie favorecendo desertos

Mas existem exceccedilotildees e a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul eacute uma delas Pela influecircncia da circula-ccedilatildeo de Hadley essa regiatildeo tenderia agrave aridez Basta ver o deserto de Atacama no outro lado dos Andes ou os

ateacute morram Contrariava tambeacutem o conhecimento de ecofisiologistas segundo o qual quando para de cho-ver e a aacutegua no solo diminui as plantas fecham logo seus estocircmatos e deixam de transpirar para econo-mizar aacutegua Ao mesmo tempo essa previsatildeo fornece uma pista para um antigo enigma ecofisioloacutegico por-que a fotossiacutentese evoluiu para ser ldquoesbanjadorardquo de vapor drsquoaacutegua Surpreendentemente entretanto Scott Saleska e colaboradores publicaram na revista cientiacutefi-ca Science36 observaccedilotildees que corroboravam a correccedilatildeo da previsatildeo teoacuterica de Makarieva e Gorshkov

Durante o pico da seca de 2005 as partes mais atingidas da Amazocircnia foram as que mais ldquoverdejaramrdquo isto eacute na zona onde choveu menos (conforme registro do sateacutelite TRMM) brotaram mais folhas novas nas copas das aacutervores (conforme foi visto pelo sensor MODIS no sateacutelite Terra)

As conclusotildees desse estudo a partir de imagens de sateacutelite jaacute contavam com apoio de mediccedilotildees em terra das torres de fluxo do projeto LBA que haviam consta-tado o fato de natildeo ocorrer uma reduccedilatildeo de transpira-ccedilatildeo das aacutervores nas eacutepocas secas Em outras palavras parece que quando a seca chega as aacutervores com raiacute-zes profundas (e acesso a grande quantidade de aacutegua subterracircnea) executam um programa para manter ou aumentar a transpiraccedilatildeo Assim com o fluxo de vapor da transpiraccedilatildeo na superfiacutecie ndash e a correspondente condensaccedilatildeo nas nuvens ndash manteacutem-se a succcedilatildeo do ar uacutemido sobre os oceanos proacuteximos o que significa

36 (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought37 Por exemplo (Sheil and Murdiyarso 2009) How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis38 (Poveda et al 2014) Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers39 Ceacutelula de Hadley

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 18Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

circulaccedilatildeo que liga os ventos aliacutesios carregados de umidade do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonal-mente para a parte meridional

da Ameacuterica do Sul foi descrita por Joseacute Marengo e cola-boradores43 Embora eles tenham chamado esse trans-porte de jatos de baixos niacuteveis o conceito eacute muito similar ao dos rios atmosfeacutericos Segundo sua explicaccedilatildeo fun-ciona na Ameacuterica do Sul um sistema de monccedilotildees seme-lhante ao da Aacutesia e devido ao efeito da floresta (geisers da floresta) e tambeacutem da cordilheira dos Andes (uma barreira de 6 km de altura) o persistente ar uacutemido ama-zocircnico faz a curva no Acre e durante o veratildeo leva quan-tidades generosas de vapor drsquoaacutegua para o quadrilaacutetero afortunado contrariando sua tendecircncia para a aridez

Recentemente Josefina Arraut44 e colaboradores fi-zeram uma revisatildeo climatoloacutegica dos rios aeacutereos da Ameacuterica do Sul estimando o transporte de vapor as-sociado e introduzindo um novo conceito ldquolagos aeacute-reosrdquo ou seja regiatildeo de remanso atmosfeacuterico com um estoque de vapor precipitaacutevel

Com o conceito de rios aeacutereos estabelecido e tornan-do-se popular Dominick Spracklen45 e colaboradores desenvolveram uma nova abordagem ao correlacionar a superfiacutecie coberta por vegetaccedilatildeo agrave exposiccedilatildeo de uma

Salati e colaboradores comparando as assinaturas quiacute-micas40 entre o fluxo de entrada de vapor oceacircnico no grande anfiteatro amazocircnico com as correspondentes assinaturas da aacutegua de escoamento que retorna ao oceano pelo rio Amazonas perceberam que parte sig-nificativa da aacutegua que entrava como vapor no canal aeacutereo natildeo retornava pelo canal terrestre41

Daiacute concluiacuteram que a Amazocircnia devia estar exportan-do esse vapor para outras regiotildees do continente e irri-gando outras bacias hidrograacuteficas que natildeo a do Ama-zonas Anaacutelises preliminares feitas agrave eacutepoca nas aacuteguas de chuva coletadas na cidade do Rio de Janeiro de-tectaram sinais de que parte dela vinha do interior do continente natildeo do oceano contiacuteguo E mais especifi-camente que havia passado pela Amazocircnia Esse gru-po foi o primeiro a sugerir que chuvas na Ameacuterica do Sul fora da Amazocircnia poderiam ser alimentadas pelo transporte continental de vapor

O conceito de rios atmosfeacutericos foi introduzido em 1992 por Reginald Newell e Nicholas Newell42 para descre-ver fluxos filamentares na baixa atmosfera capazes de transportar grandes quantidades de aacutegua como vapor tipicamente em volumes superiores ao transportado pelo rio Amazonas (que tem vazatildeo de 200 milhotildees de litros por segundo ndash ou 17 bilhotildees de toneladas ao dia)

Quase trecircs deacutecadas depois dos achados de Salati a

Rios Voadores contando uma bela histoacuteria

Em 2006 contemplando a floresta amazocircnica do alto de uma torre de estudo do projeto LBA trocamos com o aviador Gerard Moss as primei-ras ideias que levaram ao projeto de aventura pesquisa divulgaccedilatildeo e educaccedilatildeo ambiental Rios Voadores42 Com financiamento da Petrobras e a participaccedilatildeo de Eneacuteas Salati o pioneiro dos estudos sobre reciclagem de umidade na Amazocircnia aleacutem de outros cientistas de renome Moss perseguiu por anos os rios de vapor com seu aviatildeo monomotor coletan-do numerosas amostras para estudo e capturando a atenccedilatildeo luacutedica das pessoas na aventura que criou Fez tambeacutem um trabalho extraordinaacuterio de educaccedilatildeo ambiental nas escolas e pela Web postando frequente-mente em redes sociais as trajetoacuterias dos rios voadores e mostrando como estes levam aacutegua para as pessoas O resultado mais valioso desse projeto foi sua capacidade de tocar o lado emocional das pessoas atraveacutes do estiacutemulo luacutedico da aventura da ciecircncia engajada conectan-do-as ao sentimento de estima pelo ambiente pela aacutegua e pela floresta

desertos de Namiacutebia e Kalahari na Aacutefrica e o deserto da Austraacutelia Todos alinhados latitudinalmente com a afortunada aacuterea verde responsaacutevel por 70 do PIB do continente no quadrilaacutetero delimitado por Cuiabaacute ao Norte Satildeo Paulo a Leste Buenos Aires ao Sul e a cor-dilheira dos Andes a Oeste

As escolas ensinam que a aacutegua evapora do mar ldquovairdquo para os continentes cai como chuva eacute coletada nos rios de superfiacutecie e retorna ao mar Ao fazer a ligaccedilatildeo entre evaporaccedilatildeo da aacutegua no mar com seu tracircnsito em terra esse conceito simploacuterio do ciclo hidroloacutegico natildeo estaacute errado mas natildeo explica quase nada Por exemplo por que existem desertos ou por que o vapor mariacutetimo adentra os continentes de forma heterogecircnea

Rios aeacutereos ligam os ventos aliacutesios carregados de umida-de do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonalmente para a parte meridional da Ameacuterica do Sul

40 Definidas pelo uso de traccediladores que portam assinaturas isotoacutepicas Diz-se que satildeo isoacutetopos dois ou mais aacutetomos com o mesmo numero de proacutetons mas com massas diferentes Uma analogia boa eacute pensar em gecircmeos com caracteriacutesticas idecircnticas exceto peso Assinatura isotoacutepica eacute a relaccedilatildeo numeacuterica entre a imensa multidatildeo de ldquogecircmeosrdquo atocircmicos em um material ou substancia A aacutegua pode conter variada combinaccedilatildeo de gecircmeos de oxigecircnio (16O e 18O) e hidrogecircnio (1H 2H) gerando moleacuteculas de aacutegua com pesos distintos A proporccedilatildeo destes gecircmeos atocircmicos que ocorre na aacutegua do mar por exemplo se altera com a evaporaccedilatildeo (flutuam primeiro os mais leves) e tambeacutem com a chuva (precipitam primeiro os mais pesados) Assim ao analisar a assinatura isotoacutepica de uma amostra de aacutegua ou vapor pode-se saber de onde ela veio se do oceano ou da floresta

41 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study (Matsui et al 1976) Isotopic hydrology in the Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 18O concentrations42 (Newell and Newell 1992) Tropospheric Rivers - A Pilot Study43 (Marengo et al 2004) Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalysis Characteristics and temporal variability44 (Arraut et al 2012) Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America45 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 19Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Eventos extremos a vida buscando equiliacutebrio

Com o aquecimento global ocorre maior acuacutemulo de energia na at-mosfera o que aumenta a probabilidade de ocorrecircncias de fenocircmenos climaacuteticos mais intensos A natureza desta tendecircncia foi prevista haacute deacutecadas pelos meteorologistas Mas a maior intensidade e frequecircncia dessas ocorrecircncias estaacute sendo observada deacutecadas antes do previsto Algum fator na complexidade do clima deve explicar a aceleraccedilatildeo dos efeitos O registro geoloacutegico mostra que climas extremos jaacute ocorreram na histoacuteria da Terra muito antes da humanidade surgir Mas ao contraacuterio do que seria de se esperar depois dos cataclismos todas as evidecircncias apontam sempre para uma resiliente recuperaccedilatildeo estabilizadora ate-nuando os extremos Sistemas puramente geofiacutesicos natildeo teriam essa capacidade Somente a vida e seus processos de auto-regulaccedilatildeo ofere-cem explicaccedilatildeo satisfatoacuteria para a histoacuteria climaacutetica da Terra49

parcela de ar num rio aeacutereo (medida pelo iacutendice cumu-lativo de aacuterea foliar ao longo da trajetoacuteria) com chuva a jusante na trajetoacuteria daquela mesma parcela Ou seja um rio aeacutereo conecta regiotildees doadoras de umidade com outras receptoras de umidade Daiacute a importacircncia crucial das florestas a montante constatou-se que a Amazocircnia eacute de fato a cabeceira dos mananciais aeacutereos da maior parte das chuvas na Ameacuterica do Sul

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos

Makarieva e Gorshkov46 introduziram uma nova definiccedilatildeo fiacutesica para furacotildees ciclones ou tornados ldquo satildeo implosotildees (explosotildees em reverso) que se passam em cacircmera lenta decorrentes do desaparecimento volumeacutetrico de vapor drsquoaacutegua na atmosfera por condensaccedilatildeordquo47 Paulo Nobre

apresentou-lhes entatildeo um problema ldquoA questatildeo que se coloca eacute entender por que os furacotildees natildeo se desenvol-vem sobre as florestas tropicais como na Amazocircnia onde o fornecimento de vapor de aacutegua pela floresta e sua ex-tinccedilatildeo na forma de chuva tropical eacute tatildeo abundanterdquo 48

Respondendo Makarieva e Gorshkov demonstraram teoricamente como uma grande aacuterea terrestre co-berta por floresta natildeo per-

mite a formaccedilatildeo de furacotildees e outros padrotildees climaacuteticos anocircmalos incluindo secas e enchentes Em sua explica-ccedilatildeo a fricccedilatildeo turbulenta local com o dossel da floresta -que transpira ativamente o que resulta em chuvas uni-formes sobre grandes aacutereas- e a traccedilatildeo do vento pela bomba bioacutetica em distacircncias maiores diminui muito a chance de organizaccedilatildeo de tormentas como tornados ou furacotildees As trajetoacuterias registradas dos furacotildees compro-vam o ambiente ameno nas regiotildees cobertas por flores-tas extensas e aacutereas oceacircnicas proacuteximas50 Ou seja aleacutem de todos os outros serviccedilos da floresta ao clima ela ainda oferece um seguro contra destrutivos eventos atmosfeacute-ricos atenuando a concentraccedilatildeo de energia nos ventos

Outras funccedilotildees claacutessicas das florestas na regulaccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico em terra satildeo bem conhecidas como o favorecimento da recarga de aquiacuteferos e a atenua-ccedilatildeo de enchentes51 entre muitas outras

Entre os serviccedilos que a floresta presta ao clima estaacute um segu-ro contra eventos atmosfeacutericos destrutivos atenuando a concen-traccedilatildeo da energia nos ventos

46 (Makarieva et al 2008) On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine47 De acordo com os autores ldquoThe driving force of all hurricane processes is a rapid release as in compressed spring of potential energy previously accumulated in the form of saturated water vapor in the atmospheric column

during a prolonged period of water vapor evaporation under the action of the absorbed solar radiationrdquo (Makarieva et al 2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient48 (Nobre P 2009a) Peer Review Question Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo49 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment50 Storm Track mapa registrando todas as trajetoacuterias observadas de furacotildees mostrando que a regiotildees equatoriais das florestas e suas imediaccedilotildees oceacircnicas satildeo livres destes fenocircmenos51 httpwwwipefbrhidrologiamataciliarasp

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 20Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito

Em vista dos efeitos extensivos e elaborados das flo-restas sobre o clima demonstrados pela ciecircncia que resultados esperar da sua devastaccedilatildeo Para avaliar os impactos do desmatamento no clima vem sendo fei-to um nuacutemero crescente de experimentos de campo e modelagem estudos observacionais e mais recente-mente anaacutelises teoacutericas Quais as consequecircncias pro-jetadas do desmatamento e quais as jaacute observadas

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores

Uma das maiores virtudes dos modelos climaacuteticos estaacute em sua capacidade de simular cenaacuterios distantes do momento presente Esse tipo de exerciacutecio natildeo eacute pre-ditivo no sentido fiacutesico mas onde a teoria fiacutesica ainda natildeo estiver disponiacutevel eacute o melhor conhecimento e a uacutenica ferramenta para analisar sistemas complexos e fazer extrapolaccedilotildees bem fundamentadas

Tais exerciacutecios de simulaccedilatildeo satildeo valiosos para situaccedilotildees especiacuteficas como explorar riscos climaacuteticos associados ao desmatamento No ambiente virtual como num si-mulador de voo eacute possiacutevel avaliar repetidamente ce-naacuterios de desastres esmiuccedilando os fatores atuantes as condiccedilotildees iniciais e as consequecircncias potenciais de manobras arriscadas

Em 1991 Carlos Nobre liderou um dos mais citados

estudos para simular o impacto no clima do desma-tamento total da floresta amazocircnica52 Usando um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera (GCM53) com um moacutedulo acoplado de representaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo (SiB54) os autores concluiacuteram que quando as florestas eram substituiacutedas por pasto degradado no modelo verificava-se um aumento significativo na temperatura meacutedia de superfiacutecie (cerca de 25degC) e uma diminuiccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo anual (reduccedilatildeo de 30) da pre-cipitaccedilatildeo (reduccedilatildeo de 25) e do escoamento superfi-cial (reduccedilatildeo de 20) Na simulaccedilatildeo ocorria tambeacutem um aumento da duraccedilatildeo da estaccedilatildeo seca na metade sul da bacia amazocircnica

Nas duas deacutecadas seguintes outros estudos avanccedila-ram no detalhamento e generalizaccedilatildeo dessas conclu-sotildees Deborah Lawrence e Karen Vandecar fizeram recentemente uma revisatildeo da literatura55 sobre os impactos do desmatamento tropical no clima e con-cluiacuteram que vaacuterios GCMs concordam em que o des-matamento em escala regional leva a um clima mais quente e seco sobre a aacuterea desmatada Os modelos que simulam o desmatamento completo da Amazocirc-nia preveem um clima com aquecimento na faixa de 01-38degC (meacutedia de 19degC) e reduccedilatildeo de chuvas na fai-xa de 140-640 mm ao ano (meacutedia de 324 miliacutemetrosano ou 10-15 de reduccedilatildeo)

Mas o desmatamento pode ter implicaccedilotildees muito mais

52 (Nobre C et al 1991) Amazonian Deforestation and Regional Climate Change53 Definiccedilatildeo de GCM por Lawrence e Vandecar (2014) ldquo satildeo modelos computacionais tridimensionais globais do sistema climaacutetico que operam em larga escala Os modelos mais recentes incluem representaccedilotildees

da atmosfera oceanos e da superfiacutecie da Terra [] e incorporam o ciclo hidroloacutegico e uma representaccedilatildeo expliacutecita [] da vegetaccedilatildeo e seus efeitos sobre os fluxos de energia e de aacutegua incluindo as transferecircncias radiativas e turbulentas e os controles fiacutesicos e bioloacutegicos da evapotranspiraccedilatildeordquo

54 (Sellers et al 1986) Simple Biosphere Model55 (Lawrence and Vandecar 2014) The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity natildeo publicado

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 21Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

modelos parecem tender a subestimar as consequecircn-cias negativas nos cenaacuterios simulados Os resultados de projeccedilotildees mais recentes incluindo os oceanos agra-vam o quadro e aumentam o alerta

A eliminaccedilatildeo da floresta ndash prin-cipal agente da condensaccedilatildeo continental ndash equivale a desligar o interruptor de uma bomba de umidade atmosfeacuterica

Mas eacute preciso tambeacutem con-siderar a teoria da bomba bioacutetica e sua previsatildeo de re-duccedilatildeo de chuvas Diferente-mente dos modelos numeacute-

ricos convencionais uma teoria fiacutesica constroacutei entendimento baseada exclusivamente em leis funda-mentais da natureza Se a teoria estiver correta torna possiacutevel prever quantitativamente efeitos fiacutesicos apenas com a anaacutelise dos cenaacuterios e de sua loacutegica funcional

Makarieva e Gorshkov preveem que o desmatamento completo da Amazocircnia reduziria a precipitaccedilatildeo primor-dialmente como resultado da dissipaccedilatildeo do efeito da baixa pressatildeo (succcedilatildeo) associado agrave condensaccedilatildeo que eacute conectada a uma reduccedilatildeo da evaporaccedilatildeo de superfiacute-cie Como a teoria da bomba bioacutetica tambeacutem credita a disponibilidade de vapor para a precipitaccedilatildeo na Ama-zocircnia como resultado dessa capacidade de transpirar a eliminaccedilatildeo total do principal agente da transpiraccedilatildeo levaria agrave cessaccedilatildeo completa do bombeamento bioacutetico

Esta teoria sugere que desligado o interruptor da bom-ba que puxa o ar uacutemido para o continente o fluxo de umidade deve mudar de direccedilatildeo quando a condensaccedilatildeo passar a ser relativamente maior sobre o oceano (mais

seacuterias Em 1997 German Poveda e Oscar Mesa56 propuse-ram o papel de ponte hidrometeoroloacutegica para a floresta amazocircnica ao conectar os dois grandes oceanos proacutexi-mos isto eacute sugerindo efeitos climaacuteticos cruzados entre os oceanos via atmosfera mediados pela floresta

Explorando com modelagem em direccedilatildeo similar mais recentemente Paulo Nobre57 e colaboradores estuda-ram o impacto do desmatamento na chuva amazocircni-ca tendo como referecircncia a inclusatildeo ou a exclusatildeo das respostas dos grandes oceanos aos cenaacuterios de des-matamento58 Comparando simulaccedilotildees feitas em um GCM atmosfeacuterico usual com um GCM acoplado a outro modelo que simula as condiccedilotildees internas dos oceanos (salinidade correntes etc) esses autores encontraram uma reduccedilatildeo consideravelmente maior na precipita-ccedilatildeo quando o GCM acoplado com o oceano foi rodado para um cenaacuterio de desmatamento total da Amazocircnia 42 de reduccedilatildeo da chuva contabilizando os mecanis-mos internos dos oceanos contra 26 de reduccedilatildeo da chuva sem considera-los Os oceanos sempre estive-ram presentes e a inclusatildeo das suas respostas internas daacute mais realismo agraves simulaccedilotildees

Jaacute existem comprovaccedilotildees de muito do que foi proje-tado pelos modelos como consequecircncia do desma-tamento especialmente a ampliaccedilatildeo da estaccedilatildeo seca Poreacutem esses experimentos virtuais indicavam um prolongamento da estaccedilatildeo seca apoacutes destruiccedilatildeo de 100 da floresta o que jaacute se observa com o corte raso de pouco menos de 19 da floresta Ou seja esses 56 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena57 (Nobre P et al 2009b) Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation58 Que utiliza apenas a seacuterie histoacuterica observada das temperaturas da superfiacutecie dos oceanos

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 22Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

E apontaram que essa re-duccedilatildeo de chuvas poderaacute ser bem maior do que o indicado pelo grupo de Spracklen63 Para a porccedilatildeo

mais desmatada da Amazocircnia jaacute se constata progres-sivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera significativo impacto no setor agriacutecola

Assim a discussatildeo sobre desmatamento passa longe de duacutevidas sobre seus evidentes efeitos diretos e indi-retos na reduccedilatildeo das chuvas e recai sobre a extensatildeo da aacuterea desmatada No periacuteodo 20112012 foram ldquoape-nasrdquo 4571 km2 desmatados na Amazocircnia brasileira Se comparado com taxas de desmatamento em anos de pico como 2004 (27772 km2) esse valor parece mo-desto O Brasil merece reconhecimento por haver lo-grado essa reduccedilatildeo A velocidade e a eficaacutecia atingidas na reduccedilatildeo recomendam essa estrateacutegia para zerar e reverter o desmatamento no Brasil e no mundo

A despeito da notiacutecia encorajadora essa taxa que pa-rece tatildeo pequena seria suficiente para desmatar aacuterea equivalente a toda a Costa Rica em meros dez anos Aleacutem disso reduccedilotildees nas taxas anuais atenuam a per-cepccedilatildeo momentacircnea de perda e mascaram o desmata-mento acumulado na Amazocircnia que eacute muito grave

No que diz respeito ao clima importa sobretudo a aacuterea total devastada e sua distribuiccedilatildeo espacial Compilando

localizado da chuva com o desmatamento estudos mais abrangentes simulaccedilotildees com modelos climaacuteticos e mesmo anaacutelises teoacutericas esclareceram o caraacuteter local e transitoacuterio desse efeito que depende basicamente da existecircncia de matas circundantes agrave aacuterea desmatada e da extensatildeo dessas matas O aumento de chuva converte-se em reduccedilatildeo tatildeo logo as florestas remanescentes fi-quem mais distantes que um certo limiar de aacuterea aberta Daiacute em diante haveraacute reduccedilatildeo das chuvas

Dados de sateacutelites para chuva e presenccedila de floresta mostra-ram reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos que passam sobre aacutereas desmatadas

O estudo de Spracklen e colaboradores62 com da-dos de sateacutelites para chu-va e presenccedila de floresta constatou que com o des-

matamento ocorre a reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos Em 60 das aacutereas tropicais o ar que passa sobre densas florestas produz pelo menos duas vezes mais chuva que o ar que passa sobre aacutereas desmatadas Apesar de ainda natildeo terem considerado o mecanismo e os efeitos da teoria da bomba bioacutetica esses autores de-monstraram com evidecircncias fortes que o impacto ne-gativo do desmatamento no clima natildeo eacute somente local mas pode afetar regiotildees proacuteximas e distantes

Aplicando os conceitos da bomba bioacutetica Makarieva e colaboradores colocaram os achados de Spracklen em perspectiva explicando quantitativamente quais os fatores fiacutesicos responsaacuteveis pela reduccedilatildeo nas chuvas a jusante dos ventos decorrentes do desmatamento

fraca que a bioacutetica a bomba oceacircnica de condensaccedilatildeo estaacute sempre ligada) o que levaria a aridez em terra59

Os modelos climaacuteticos usados para simular o desma-tamento ainda natildeo embutiram essa nova teoria fiacutesica portanto natildeo projetam esse efeito que poderia signi-ficar ateacute 100 de reduccedilatildeo nas chuvas

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo

O desmatamento real eacute imenso e seus efeitos sobre o clima satildeo bem documentados Estudos em torres micrometeoroloacutegicas mostram que a substituiccedilatildeo de floresta por pastagem leva como previsto pelos mo-delos a um aumento da temperatura de superfiacutecie e uma reduccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo60 Observaccedilotildees de sateacutelite mostram que durante a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspi-raccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas61

Observaccedilotildees mostram que duran-te a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspiraccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas

Dados similares tambeacutem indicam que a transpira-ccedilatildeo da floresta eacute bem maior do que aquela pres-crita pelos modelos o que explica em parte a subesti-

mativa dos modelos de larga escala no caso da reduccedilatildeo de precipitaccedilatildeo com o desmatamento Embora alguns estudos observacionais tenham revelado um aumento

Para a porccedilatildeo mais desmata-da da Amazocircnia jaacute se constata progressivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera signifi-cativo impacto no setor agriacutecola

59 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais60 Por exemplo (Gash et al 1996) Amazonian Deforestation and Climate (von Randow et al 2004) Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in southwest Amazonia61 (Huete et al 2006) Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought62 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests63 (Makarieva et al 2013) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 23Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Desmatamento acumulado 762979 km2

Esse valor eacute maior que a soma das aacutereas de trecircs estados de Satildeo Paulo ou que as aacutereas somadas de duas Alemanhas ou de dois Japotildees Uma unidade de aacuterea mais proacutexima do brasileiro o campo de futebol (4136 m2) daacute uma noccedilatildeo da magnitude da devastaccedilatildeo 184 milhotildees de unidades65 ndash quase um campo de futebol desmatado na Amazocircnia para cada brasileiro Colocado na perspectiva temporal teriam sido em meacutedia 12635 campos desmatados por dia 526 campos por hora 88 campos ndash ou 36291 m2 por minuto 605 m2 por segundo ininterruptamente nos uacuteltimos 40 anos Para caber na compreensatildeo o gigantismo destes nuacutemeros eacute preciso estender a imaginaccedilatildeo para aleacutem destas analogias Um trator ficcional operando uma lacircmina frontal com 3 m de largura precisaria acelerar quase agrave velocidade de um aviatildeo a jato (726 kmh) para desmatar a aacuterea raspada na Amazocircnia no ritmo registrado do espaccedilo em imagens Como um trator desmata mui-to mais lentamente (024 - 036 hah66 ou ~08 kmh se essa aacuterea estives-se contida em uma faixa com 3 m de largura) com a mesma lacircmina de 3 m seriam necessaacuterios mais de 900 tratores simultaneamente derrubando a floresta lado a lado formando uma frente destrutiva com quase 3 km de largura Uma comparaccedilatildeo ainda mais impressionante eacute uma ldquoestrada de desmatamentordquo com 2 km de largura que daria para cobrir a distacircncia da Terra ateacute a Lua (380 mil km)

estudos pioneiros com dados de sateacutelite Dioacutegenes Al-ves64 contabilizou ateacute 2004 um desmatamento total de 663 mil km2 Agregando-se os nuacutemeros mais recentes do projeto PRODES do INPE o desmatamento acumula-do total ateacute 2013 chega a 762979 km2

Pelo vieacutes do dano ao clima o que se tem na Amazocircnia eacute um passivo gigantesco de destruiccedilatildeo do oceano ver-de Natildeo haacute portanto qualquer motivo para comemo-rar as taxas relativamente mais baixas de corte raso dos uacuteltimos anos mesmo porque depois da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal (2011) com sua ampla anistia a desmatadores jaacute se observa uma niacutetida tendecircncia de aumento das taxas anuais

Na contabilidade do INPE o corte raso brasileiro (sem considerar os dos demais paiacuteses da bacia amazocircnica) chegou em 2012 a 1885 da aacuterea original de floresta67 Mas a destruiccedilatildeo natildeo eacute uniforme pois ocorre grande concentraccedilatildeo de corte raso no chamado Arco do Fogo ndash ou Arco do Desmatamento68 Se a vastidatildeo raspada jaacute eacute graviacutessima para o clima a situaccedilatildeo torna-se ainda pior ao se considerar o oceano verde ferido

A exploraccedilatildeo madeireira e o desmatamento gradual pro-duzem extensas aacutereas de florestas degradadas que rara-mente entram na contabilidade oficial da destruiccedilatildeo mas que a depreender das informaccedilotildees e estimativas dispo-niacuteveis podem ter impacto significativo sobre o clima

Dalton Valeriano liderou um estudo pioneiro sobre degradaccedilatildeo69 que encontrou no Estado do Mato Gros-so no periacuteodo de 2007 a 2010 ldquosomenterdquo 7856 km2 com corte raso mas outros 32926 km2 de florestas degradadas Somando corte raso com degradaccedilatildeo sobrou pouco do propriamente chamado Estado de Mato Grosso

No mesmo periacuteodo o INPE mapeou 64205 km2 de flo-resta degradada versus 39026 km2 de corte raso para a Amazocircnia brasileira Usando a proporccedilatildeo entre estas

64 (Alves 2007) Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon65 Aacuterea desmatada 762979 km2 0004136 km2 = 184472679 de campos de futebol66 (Viana 2012) Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento67 httpwwwdpiinpebrprodesdigitalprodesphp Lista (uma tabela) e Consolida (somatoacuterios para a unidade de aacuterea considerada)68 Porcentagem de aacuterea desmatada ateacute 2012 TO 75 MA 72 RO 41 MT 40 PA 22 e AC 1369 httpwwwobtinpebrprodesRelatorio_Prodes2008pdf

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 24Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aacutereas pode-se extrapolar a aacuterea de floresta degradada para toda a Amazocircnia brasileira Na estimativa ateacute 2013 a aacuterea total degradada pode ter alcanccedilado 1255100 km2 Somando com a aacuterea mensurada de corte raso o impacto cumulativo no bioma pela ocupaccedilatildeo humana pode ter atingido 2018079 km2

Dentre mais de 200 paiacuteses no mundo somente 13 tecircm aacuterea maior que essa Nesta contabilidade a degrada-ccedilatildeo de florestas na Amazocircnia brasileira pode haver chegado a 2944 da aacuterea original70 que somada ao desmatamento corte-raso sugere que ateacute 4734 da floresta tenha sido impactada diretamente por ativi-dade humana desestabilizadora do clima Para a Pan-Amazocircnia esse impacto agregado da Amazocircnia bra-sileira contabilizando desmatamento e estimando degradaccedilatildeo representa de 2668 a 290371 sobre a aacuterea original de floresta

Mas a aacuterea de impacto no sentido ecoloacutegico pode ser ainda maior porque florestas contiacuteguas a aacutereas de de-gradaccedilatildeo ou corte raso sofrem direta e indiretamente os efeitos das mudanccedilas ambientais vizinhas (biogeo-fiacutesicas e biogeoquiacutemicas)72

No processo de degradaccedilatildeo a destruiccedilatildeo do dossel frequentemente superior a 60 da cobertura73 muda as caracteriacutesticas estruturais ecoloacutegicas e fisioloacutegicas da floresta comprometendo suas capacidades am-bientais

70 Caacutelculo utilizando a mensuraccedilatildeo de Espiacuterito-Santo et al (2014) para a floresta remanescente na Amazocircnia brasileira [3500000 km2] acrescida da aacuterea acumulada do desmatamento [762979 km2] chegando a 4262979 km2 de florestas originais na Amazocircnia brasileira

71 Impacto usando aacuterea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Espiacuterito-Santo et al (2014) com 7562979 km2 e em Eva et al (2005) com 6943468 km2

72 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon73 (Valeriano et al 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD e QUEIMADAS 2007-200874 University of Maryland Global Forest Cover

Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 ateacute 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Ameacuterica do Sul74

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 7: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

Sumaacuterio

Introduccedilatildeo ndash A tecnologia da floresta eacute insubstituiacutevel 9

1) As florestas geram o clima amigo cinco segredos revelados 11

11) Reciclagem de umidade geisers da floresta 11

12) Nucleaccedilatildeo das nuvens o poacute de pirlimpimpim no oceano verde 14

13) Bomba bioacutetica de umidade doar aacutegua para receber chuva 15

14) Rios aeacutereos aacutegua fresca pelas arteacuterias suspensas 17

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos 19

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito sem aacutervores natildeo daacute para tapar o sol 20

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores 20

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo 22

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba 25

31) Ponto de natildeo retorno o passo em falso no abismo 25

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel 26

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou 28

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura 29

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca 30

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima 32

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder 32

52) Zerar o desmatamento para anteontem 32

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros 33

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas 33

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade 34

Conclusatildeo 36

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era 37

Referecircncias 38

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 9Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Com isso num primeiro momento o planeta se esfria o que faz as plantas crescerem menos consumindo menos CO2 No momento seguinte a acumulaccedilatildeo de CO2 leva ao aquecimento do planeta e assim suces-sivamente num ciclo oscilante de regulaccedilatildeo5 Desta forma as plantas funcionam como um termostato que responde agraves flutuaccedilotildees de temperatura atraveacutes do ajuste da concentraccedilatildeo do principal gaacutes-estufa na atmosfera depois do vapor drsquoaacutegua Mas esta regula-ccedilatildeo da temperatura via consumo mediado do CO2 eacute apenas um entre muitos mecanismos da vida que re-sultam na regulaccedilatildeo favoraacutevel do ambiente

Como se veraacute neste trabalho as florestas tropicais satildeo muito mais que uma aglomeraccedilatildeo de aacutervores reposi-toacuterio passivo de biodiversidade ou simples estoque de carbono Sua tecnologia viva e dinacircmica de interaccedilatildeo com o ambiente lhes confere poder sobre os elemen-tos uma capacidade inata e resiliente de condiciona-mento climaacutetico Assim as florestas condicionam o cli-ma que lhes favoreccedila e com isso geram estabilidade e conforto cujo abrigo daacute suporte ao florescimento de sociedades humanas

A Ameacuterica do Sul eacute um continente privilegiado pela extensiva presenccedila de florestas megabiodiversas Natildeo por acaso esse continente teve e ainda tem um dos climas mais favoraacuteveis em comparaccedilatildeo com qualquer outro Contudo ao longo de 500 anos a maior par-te da vegetaccedilatildeo nativa fora da bacia amazocircnica foi

IntroduccedilatildeoA tecnologia da floresta eacute insubstituiacutevel

Numa definiccedilatildeo solta a floresta tropical eacute um tapete multicolorido estruturado e vivo extremamente rico Uma colocircnia extravagante de organismos que saiacuteram do oceano haacute 400 milhotildees de anos e vieram para a ter-ra Dentro das folhas ainda existem condiccedilotildees seme-lhantes agraves da primordial vida marinha Funciona assim como um mar suspenso que conteacutem uma miriacuteade de ceacutelulas vivas muito elaborado e adaptado Evoluiacuteda nos uacuteltimos 50 milhotildees de anos a floresta amazocircnica eacute o maior parque tecnoloacutegico que a Terra jaacute conheceu porque cada organismo seu entre trilhotildees eacute uma ma-ravilha de miniaturizaccedilatildeo e automaccedilatildeo Em tempera-tura ambiente usando mecanismos bioquiacutemicos de complexidade quase inacessiacutevel a vida processa aacuteto-mos e moleacuteculas determinando e regulando fluxos de substacircncias e de energia

As florestas condicionam o clima que lhes favoreccedila e com isso geram estabilidade e conforto sob cujo abrigo flo-rescem sociedades humanas

O conforto climaacutetico que apreciamos na Terra desco-nhecido em outros corpos siderais pode ser atribuiacutedo em grande medida ndash aleacutem

de muitas outras competecircncias ndash agrave colocircnia de seres vivos que tecircm a capacidade de fazer fotossiacutentese O gaacutes carbocircnico (CO2) funciona como alimento para a planta mateacuteria-prima transformada pelo instrumental bioquiacutemico com o uso de luz e aacutegua em madeira fo-lhas frutos raiacutezes4 De forma encadeada quando as plantas consomem CO2 a concentraccedilatildeo desse gaacutes na atmosfera diminui

4 Animaccedilotildees em biologia molecular httpwwwjohnkyrkcomindexpthtml5 Biotic Regulation of the Environment httpwwwbioticregulationru

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 10Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aniquilada como a Mata Atlacircntica que perdeu mais de 90 da sua cobertura original O efeito desse des-matamento histoacuterico no clima embora perceptiacutevel foi menos notado do que seria de se esperar e a razatildeo foi a costa quente (e uacutemida) da floresta amazocircnica que manteve o continente razoavelmente protegido de extremos com um clima ameno Mas nos uacuteltimos 40 anos a uacuteltima grande floresta a cabeceira das aacuteguas atmosfeacutericas da maior parte do continente esteve sob o ataque implacaacutevel do desmatamento Coincidente-mente aumentaram as perdas com desastres naturais ligados a anomalias climaacuteticas tanto por excessos (de chuva calor e ventos) quanto por falta (secas)6

As regiotildees andinas e mesmo da costa do Paciacutefico que dependem das geleiras para seu abastecimento de aacutegua poderatildeo em futuro proacuteximo ver-se ameaccediladas pois o derretimento acelerado pelo aquecimento cli-maacutetico jaacute estaacute em andamento e tambeacutem porque qua-se toda a precipitaccedilatildeo nas altas montanhas que su-prem as geleiras ano a ano tem sua mateacuteria-prima no vapor procedente da floresta amazocircnica7 A leste dos Andes a escala da dependecircncia no ciclo hidroloacutegico amazocircnico eacute incomensuravelmente maior

As regiotildees de savana na parte meridional onde haacute hoje um dos maiores cinturotildees de produccedilatildeo de gratildeos e ou-tros bens agriacutecolas tambeacutem recebe da floresta amazocirc-nica vapor formador de chuvas reguladas e benignas o principal insumo da agricultura Natildeo fosse tambeacutem

a liacutengua de vapor que no veratildeo hemisfeacuterico pulsa da Amazocircnia para longe levando chuvas essenciais8 e ou-tras influencias beneacuteficas muito provavelmente teriam clima inoacutespito as regiotildees Sudeste e Sul do Brasil (onde hoje se encontra sua maior infraestrutura produtiva na-cional) e outras aacutereas como o Pantanal e o Chaco as regiotildees agriacutecolas na Boliacutevia Paraguai e Argentina

Este trabalho mostraraacute primeiro o que sabemos sobre como a floresta amazocircnica funciona e manteacutem sua ca-pacidade de existir e persistir por eras geoloacutegicas De-pois exibiraacute o efeito sobre o clima que a destruiccedilatildeo do sistema natural jaacute estaacute gerando e as previsotildees sobre o que ainda pode gerar Por fim exploraraacute as ameaccedilas ao equiliacutebrio climaacutetico que as alteraccedilotildees em curso po-dem disparar analisando sob alguns acircngulos os riscos climaacuteticos agrave espreita

6 (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Marengo et al 2011) Extreme climatic events in the Amazon basin7 (Rabatel et al 2012) Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change8 (Willmot amp Webber 1998) South American Climate Data httpclimategeogudeledu~climate

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 11Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Buscando esclarecer misteacuterios o trabalho dos cientis-tas natildeo difere muito da investigaccedilatildeo de um detetive Exploram pistas analisam evidecircncias desenvolvem teorias constroem modelos Nas deduccedilotildees eletrizan-tes de Sherlock Holmes os casos mais intrincados cul-minavam com soluccedilotildees elementares A realidade do mundo natural mostra-se rica e complexa repleta de misteacuterios e segredos Mas o meacutetodo cientifico tem-perado pelo fasciacutenio e humanizado pela curiosidade infantil abre portais de acesso agrave compreensatildeo dos fe-nocircmenos mais misteriosos que nos afetam

Tais fenocircmenos ao serem clarificados e elevados agrave sua expressatildeo mais simples democratizam o conhecimen-to da ciecircncia ensejando o desenvolvimento de uma nova e estimulante consciecircncia compartilhada sobre o mundo que habitamos Existem ainda muitos segre-dos sobre o funcionamento das florestas bem guarda-dos na natureza Olhemos aqui para apenas cinco de-les revelados nas uacuteltimas deacutecadas segredos que satildeo cruciais para o entendimento das funccedilotildees das florestas no condicionamento do clima

No afatilde de modelar com o uso de computadores os fluxos colossais de massa e energia para simular o clima os me-teorologistas inicialmente prestaram pouca atenccedilatildeo na cobertura de vegetaccedilatildeo Essa abordagem mudou radi-calmente Por um nuacutemero grande e crescente de evidecircn-cias hoje se sabe do papel vital exercido pela vegetaccedilatildeo em muitos processos do clima E praticamente todos os

1) As florestas geram o clima amigo cinco segredos revelados

modelos do clima assim como os mais complexos modelos do sistema terrestre passaram a incluir representaccedilotildees elabora-das da vegetaccedilatildeo As descober-

tas cientiacuteficas sobre o papel determinante das florestas nos ciclos local regional e planetaacuterio de aacutegua energia carbono e outros valem para todas as florestas naturais do globo Mas aqui vamos focalizar mais as florestas tro-picais da Ameacuterica do Sul especialmente a Amazocircnia

Todos os estudos de modelagem climaacutetica consideram a bacia amazocircnica inteira Mas por haver mais dados disponiacuteveis eacute na Amazocircnia brasileira9 que se realizou a maioria dos outros trabalhos cientiacuteficos como o moni-toramento do desmatamento Natildeo obstante dada a im-portacircncia da bacia amazocircnica como um todo a chama-da Pan-Amazocircnia e tambeacutem porque a atmosfera e os rios natildeo se importam com limites poliacuteticos no futuro as observaccedilotildees mapeamentos e anaacutelises precisaratildeo rom-per as fronteiras nacionais a exemplo do que jaacute fazem projetos como a RAISG com levantamento extensivo e integrado das pressotildees humanas sobre a Amazocircnia10

11) Reciclagem de umidade geisers da floresta

Trezentos anos apoacutes a invasatildeo europeia nas Ameacutericas11 a aura de Jardim do Eacuteden nas selvas tropicais jaacute decaiacutea de seu apelo romacircntico possivelmente pela tromba-da dos cobiccedilosos conquistadores espanhoacuteis com o

9 Definida dentro do que durante a ditadura brasileira (1964-1985) foi definida por decreto como Amazocircnia Legal10 RAISG Red Amazoacutenica de Informacioacuten Socioambietal Georreferenciada Amazocircnia sob pressatildeo11 (Gambini 2000) Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira

Por um nuacutemero grande e crescente de evidecircncias sabe-se hoje do papel vital exercido pela vegetaccedilatildeo em muitos processos do clima

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 12Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

inferno verde aquele labirinto infindaacutevel monoacutetono e perigoso que passou a inspirar mais medo e desespero do que fascinaccedilatildeo O seacuteculo 19 com seus naturalistas cientiacuteficos vecirc reacender a fascinaccedilatildeo mas agora tingi-da por um apelo racional Alexander von Humboldt o aclamado e influente cientista-naturalista alematildeo que explorou as Ameacutericas na virada do seacuteculo 18 para 19 eacute considerado o pai de ciecircncias como geografia fiacutesica meteorologia e ecologia Ele empregou o termo hileia [do grego floresta selvagem] para a Amazocircnia e com a riqueza e encantamento das suas descriccedilotildees minu-ciosas inspirou geraccedilotildees de naturalistas Darwin entre eles De Humboldt vecircm as primeiras sugestotildees da liga-ccedilatildeo entre a floresta a umidade do ar e o clima

Poreacutem no iniacutecio do seacuteculo 20 o poliacutemata autor pro-liacutefico e militar Euclides da Cunha rompe o encanta-mento do naturalismo cientiacutefico com suas descriccedilotildees desapontadas da hileia Seu disciacutepulo Alberto Rangel que como o mestre tambeacutem se sensibilizara com a miseacuteria dos seringueiros e as agruras da vida na selva

ressuscita na obra Inferno Verde a perspectiva de dana-ccedilatildeo dos invasores espanhoacuteis e desmonta de vez a ima-gem de paraiacuteso verde O voluntarismo verbal contra o habitat selvagem lastreado pela admitida ignoracircncia desses autores quanto ao valor intriacutenseco da floresta em compasso com a falecircncia do fausto da borracha muito provavelmente deixou sua heranccedila de valores a influenciar coraccedilotildees e mentes

Quanto do subsequente iacutempeto para a ldquoocupaccedilatildeordquo da Amazocircnia com a radical supressatildeo da mata natildeo teve raiacutezes aiacute Euclides da Cunha prefaciando o livro do dis-ciacutepulo nega valor para a abordagem holiacutestica de Hum-boldt (ldquoa epistemologia da lsquociecircncia amazocircnicarsquo floresce-raacute se se preocupar menos em revelar a hileia por inteirordquo sic) e antecipa a demanda reducionista que viria12

A reciclagem de umidade da chuva pela evaporaccedilatildeo da flores-ta manteacutem o ar uacutemido por mais de 3 mil km continente adentro

Tardios foram os estudos que finalmente comeccedila-ram a revelar os segredos da grande floresta Bus-

cando testar caacutelculos preliminares de balanccedilo hiacutedrico para a Amazocircnia13 que indicavam reciclagem impor-tante da aacutegua Eneacuteas Salati liderou nos anos 1970 estu-dos observacionais de chuva e evaporaccedilatildeo que de-monstraram inequivocamente como atraveacutes da reciclagem de umidade a floresta manteacutem o ar uacutemido por mais de 3000 km continente adentro14

Mas ainda faltavam muitas outras explicaccedilotildees sobre onde quanto como por que e com que implicaccedilotildees Adotando sem saber a sugestatildeo reducionista de Eucli-des da Cunha nas trecircs deacutecadas seguintes aos estudos de Salati mais de duas duacutezias de grandes projetos de investigaccedilatildeo15 congregando centenas de cientistas e usando muitos laboratoacuterios instrumentos sofistica-dos torres aviotildees barcos sateacutelites supercomputado-res e o que mais haacute de ferramenta cientiacutefica produzi-ram milhares de artigos dezenas de livros e bancos de dados alentados a maioria informaccedilatildeo de difiacutecil inter-pretaccedilatildeo isolada

Diz-se que o cientista de hoje eacute aquele que estuda cada vez mais sobre cada vez menos ateacute que conhece tudo sobre o nada Como eacute irocircnico que 200 anos depois a forma mais produtiva de extrair sentido da enormi-dade dessas pesquisas pontuais seja justamente reto-mar a abordagem holiacutestica de Humboldt articulando a riqueza de dados soltos e construindo uma narrativa integrada e funcional a respeito da concentraccedilatildeo fe-nomenal de vida e seu poder sobre os elementos nas florestas da Amazocircnia

Vejamos como podemos captar aspectos espetacu-lares do funcionamento da floresta acompanhando a narrativa do percurso da aacutegua da atmosfera pela inti-midade das plantas e de volta para a atmosfera

Transpiraccedilatildeo plantas natildeo usam desodorante

As plantas suam A aacutegua ao evaporar resfria a folha e o ambiente Mas a transpiraccedilatildeo nas plantas eacute muito mais importante que isso A transpiraccedilatildeo promove a succcedilatildeo pelas raiacutezes e o fluxo ao longo do tronco ateacute as folhas da aacutegua do solo que carrega consigo nutrientes permite que a folha abra seus microportais para a atmosfera (estocircmatos) por onde sai o vapor mas tambeacutem por onde entra o adubo gasoso mais essencial o CO2 E os odores produzidos pelas plantas os gases orgacircnicos que desempenham muitos papeacuteis no funcionamento da atmosfera e das chuvas saem junto com a aacutegua transpirada Portanto sem transpirar a planta deixaria de regular seu proacuteprio bem-estar cessaria de controlar o ambiente e acabaria morrendo por falta de nutrientes dentre eles o CO2 e excesso de temperatura

12 Rafael Leandro assim reflete a expressatildeo de Euclides da Cunha naquele prefaacutecio ldquoa enormidade da floresta soacute pode ser medida se repartidahellip somente num futuro tardio se conheceraacute os segredos da Natureza [] A definiccedilatildeo dos uacuteltimos aspectos da Amazocircnia seraacute o fecho de toda a Histoacuteria Naturalrdquo (Leandro 2009) Inferno Verde Representaccedilatildeo Literaacuteria da Amazocircnia na Obra de Alberto Rangel

13 (Molion 1975) A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects (Villa Nova et al 1976) Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica (Marques et al 1977) Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus

14 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study15 Projetos de pesquisa na Amazocircnia ARME NASA-GTE ABLE ABRACOS TRACE-A RBLE CAMREX INPA-Max Planck INPA-ORSTOM PDBFF PELD LBA LBA-EUSTACH LBA-CARBONSINK LBA-CLAIRE LBA-ECO

LBA-Barca LBA-DMIP GEWEX ISLSCP GEOMA PPBio Rainfor AmazonFlux AMAZE Amazon Pire Amazalert AMAZONICA Changing Amazocircnia ATTO ACRIDICON-CHUVA GreenOceanAmazon etc Apenas no acircmbito do grande projeto LBA foram desenvolvidos 217 subprojetos de pesquisa em 16 anos de operaccedilatildeo

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 13Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Depois que as nuvens precipitam seu precioso liacutequido sobre a floresta grande parte da aacutegua se esgueira por entre o dossel e infiltra-se pelo permeaacutevel solo flores-tal onde eacute armazenada no pacote poroso do solo ou mais abaixo em aquiacuteferos gigantescos verdadeiros oceanos subterracircneos de aacutegua doce

A aacutegua do solo comeccedila seu retorno para a atmosfe-ra absorvida por profundos e sofisticados sugadores as raiacutezes depois sobe desafiando a forccedila da gravidade por 40 a 60 m ou mais em elaboradas tubulaccedilotildees no xilema dos troncos Sua uacuteltima etapa passa pelas es-truturas laminares evaporadoras das folhas versaacuteteis paineacuteis solares quiacutemicos capazes de absorver a ener-gia do sol e aproveitar a cariacutecia dos ventos para trans-pirar e transferir copiosos volumes de aacutegua vaporosa para a atmosfera completando assim o retorno do ci-clo vertical iniciado com a chuva

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpirar mais de mil litros de aacutegua num uacutenico dia

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpi-rar mais de mil litros de

aacutegua num uacutenico dia16 A Amazocircnia sustenta centenas de bilhotildees de aacutervores em suas florestas Vinte bilhotildees de to-neladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica17 Em seu conjunto as aacutervo-res essas benevolentes e silenciosas estruturas verdes vivas da natureza similares a geisers jorram para o ar um rio vertical de vapor mais importante que o Amazonas18

Geiser de vapor maior que o rio Amazonas

Buscando quantificar de modo simples a transpiraccedilatildeo massiva da flores-ta sugerida pelos estudos de Salati e outros fizemos juntamente com Adriana Cuartas em 2007 um caacutelculo revelador Usando os dados de evaporaccedilatildeo coletados nas torres de fluxo do projeto LBA (36 mm ao dia ou 36 litros por m2 em meacutedia) estimamos a quantidade total diaacuteria de aacutegua fluindo do solo para a atmosfera atraveacutes das aacutervores Cobrindo 55 milhotildees de km2 o caacutelculo para a floresta na bacia amazocircnica resultou no fantaacutestico nuacutemero de 20 bilhotildees de toneladas de aacutegua transpirada ao dia (ou 20 trilhotildees de litros) Mais de 22 bilhotildees se considerarmos todas as florestas da porccedilatildeo equatorial da Ameacuterica do Sul e 25 bilhotildees ou mais se considerarmos as florestas que existiam no seu estado pristino em 150017 Para comparaccedilatildeo o volume despejado no oceano Atlacircntico pelo rio Amazonas eacute pouco mais de 17 bilhotildees de toneladas ao dia18

Como em um edifiacutecio com muitos pisos um me-tro quadrado de chatildeo na

Amazocircnia pode ter sobre si ateacute 10 m2 de intrincada su-perfiacutecie foliar distribuiacuteda em diferentes niacuteveis no dossel Nisso reside a explicaccedilatildeo para o fato de uma superfiacutecie terrestre florestada poder evaporar tanto quanto ou ateacute mais aacutegua que a superfiacutecie liacutequida de um oceano ou um lago na qual 1 m2 de superfiacutecie evaporadora coincide com apenas o mesmo 1 m2 da superfiacutecie geomeacutetrica

Corroborando esses fatos fantaacutesticos um estudo pu-blicado recentemente no perioacutedico cientiacutefico Nature18 fez avanccedilar o ciclo de descobertas sobre a importacircn-cia extraordinaacuteria da vegetaccedilatildeo global no processo de transferecircncia de aacutegua para a atmosfera quase 90

16 Aacuterea da copa com raio de 10 m 3242 m2 x 36 litrosm2 = 11311 litros transpirados em um dia17 Aacuterea recente com floresta na bacia hidrograacutefica do rio Amazonas - 55 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 198 x 1012 litros (~20 x 109 toneladas) Aacuterea com floresta em toda Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for

defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas = 6280468 km2 ou 6 280468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 226096848 x 1012 litros (2261 x 109 toneladas)e projetada para a aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 - ou 6943468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 25 x 1012 litros (25 x 109 toneladas)

18 vazatildeo do rio Amazonas na foz de 2 x 105 m3segundo x 86400 segundos = 1728 x 109 m3dia19 (Jasechko et al 2013) Terrestrial water fluxes dominated by transpiration

20 bilhotildees de toneladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 14Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

parte do oceano azul ten-de agrave aridez com pouquiacutes-simas chuvas enquanto

no oceano verde as chuvas eram torrenciais e constan-tes Tanto que antes do avanccedilo do desmatamento di-zia-se haver ali apenas duas estaccedilotildees a uacutemida e a mais uacutemida Agora surgiu uma estaccedilatildeo seca pronunciada e a duraccedilatildeo da estaccedilatildeo uacutemida diminui progressivamente22

Nuvens satildeo aglomerados de pequenas gotiacuteculas em suspensatildeo no ar Gotas visiacuteveis se condensam a partir do vapor que eacute invisiacutevel pelo efeito da baixa tempera-tura Mas somente temperatura natildeo inicia o processo de condensaccedilatildeo Eacute preciso haver tambeacutem uma super-fiacutecie soacutelida ou liacutequida que funcione como ldquosementerdquo para que se inicie a deposiccedilatildeo das moleacuteculas de va-por Essas sementes ou nuacutecleos de condensaccedilatildeo satildeo em geral aerossoacuteis atmosfeacutericos partiacuteculas de poeira gratildeos de poacutelen ou de sal fuligem e muitos outros

Mas na atmosfera sobre a floresta oceano-verde os aeros-soacuteis satildeo encontrados em baixas concentraccedilotildees como no azul Se a limpeza do ar pode ser creditada por um lado ao efeito de tapete verde uacutemido da floresta segurando a poeira embaixo e por outro agrave lavagem do ar pelas chu-vas constantes como explicar a formaccedilatildeo de chuvas tatildeo abundantes sem as sementes usuais para nucleaccedilatildeo

Estudando as trocas de gaacutes carbocircnico atraveacutes de torres de fluxo cientistas brasileiros do INPA e da USP e eu-ropeus da Holanda Alemanha e Itaacutelia colaboraram no

de toda a aacutegua que chega agrave atmosfera oriunda dos con-tinentes chegou laacute atraveacutes da transpiraccedilatildeo das plantas

e somente pouco mais de 10 como simples evapo-raccedilatildeo sem mediaccedilatildeo das plantas Como essa transfe-recircncia por transpiraccedilatildeo se daacute com grande absorccedilatildeo de calor na superfiacutecie as antes insuspeitas plantas inter-ferem ndash e muito ndash com a chuva os ventos e o clima

Todo esse movimento de aacutegua custa energia Olhemos para um paralelo proacuteximo Para gerar a eletricidade de que tanto se necessita fala-se muito em aproveitar a energia das aacuteguas na Amazocircnia Ora a energia hidraacuteu-lica de queda nos rios somente existe porque a aacutegua foi elevada e transportada pela atmosfera para suas altas cabeceiras A transpiraccedilatildeo das aacutervores como elo vital no ciclo das aacuteguas absorve a energia solar no bombeamento da aacutegua do solo e na sua transpiraccedilatildeo Assim as aacutervores funcionam como estaccedilotildees elevatoacute-rias alccedilando e lanccedilando as aacuteguas nas altitudes da at-mosfera aacuteguas que mais adiante retornaratildeo ao solo como chuva transferindo parte da energia solar em-butida no vapor agrave energia potencial da aacutegua que en-che os reservatoacuterios das hidreleacutetricas

12) Nucleaccedilatildeo das nuvens o poacute de pirlimpimpim no oceano verde

Retornar volumes colossais de vapor de aacutegua para a at-mosfera eacute somente a primeira parte da receita para ter

Potecircncia climaacutetica da floresta

Quanta energia do Sol eacute consumida para evaporar 20 trilhotildees de litros de aacutegua ao dia Para dar uma noccedilatildeo da grandeza de energia envolvida na transpiraccedilatildeo amazocircnica basta fazer uma comparaccedilatildeo com as hidreleacutetri-cas Evaporar um grama de aacutegua liacutequida consome 23 kilojoules de ener-gia solar Para converter isso em energia hidraacuteulicaeleacutetrica imagine uma chaleira gigante que comporte esse volume drsquoaacutegua daquelas que se liga na tomada eleacutetrica Quanta eletricidade seria necessaacuteria para ferver e eva-porar toda essa aacutegua A usina de Itaipu com 14 mil megawatts de potecircn-cia precisaria gerar eletricidade em sua capacidade maacutexima por 145 anos para que a chaleira evaporasse a aacutegua equivalente agravequela transpirada em apenas um dia amazocircnico Ou para rivalizar com as aacutervores amazocircnicas e fazer o trabalho em um dia seria preciso somar a eletricidade de 50 mil usinas hidreleacutetricas como Itaipu (ou 200 mil como Belo Monte) Esta comparaccedilatildeo deixa claro que diante da potecircncia climaacutetica da floresta as maiores estruturas humanas se mostram microscoacutepicas

e manter chuvas copiosas e benignas Em 1999 um dos primeiros estudos utilizando aviotildees e observaccedilotildees do sateacutelite TRMM20 feitos no projeto LBA constatou que na Amazocircnia o ar na baixa atmosfera (troposfera) eacute tatildeo lim-po de poeira quanto o ar sobre o oceano onde as fontes de poeira satildeo muito reduzidas e que as nuvens tiacutepicas na Amazocircnia se pareciam muito com as nuvens mariacutetimas Essa inusitada semelhanccedila inspirou aqueles pesquisa-dores a batizar a Amazocircnia de ldquooceano verderdquo21 Esse ter-mo descreve as caracteriacutesticas oceacircnicas desta extensatildeo continental coberta por densas florestas A importacircncia deste conceito novo e incomum reside na sua sugestatildeo de uma superfiacutecie florestal estendida abaixo da atmos-fera cuja caracteriacutesticas de vastidatildeo humidade e trocas pelos ventos se assemelham agraves dos oceanos reais

Mas havia na semelhanccedila um misteacuterio pois a maior

Na transpiraccedilatildeo as plantas transferem para a atmosfera 90 de toda a aacutegua eva-porada nos continentes

20 httptrmmgsfcnasagov21 (Williams et al 2002) Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification22 (Marengo 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region

Oceano verde a atmosfera ama-zocircnica possui o ar limpo como a atmosfera do oceano azul

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 15Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ar a chuva natildeo os lava Soacute quando oxidam-se e precipi-tam-se como aerossoacuteis formando as chuvas eacute que satildeo lavados Mas sempre haacute mais BVOCs esperando para formar mais poacute de pirlimpimpim para a proacutexima chuva

Aleacutem da promoccedilatildeo de chuvas volumosas e gentis outros mecanismos bioquiacutemicos anaacutelogos aos que produzem os aromas atuam como ldquovassourinhas quiacute-micasrdquo da atmosfera Nas condiccedilotildees amazocircnicas po-luentes perigosos (como o ozocircnio) satildeo removidos do ar Nos anos 1980 nos primeiros estudos de quiacutemica da atmosfera empregando aviotildees instrumentados constatou-se que o ar na baixa atmosfera amazocircnica continha menos ozocircnio (portanto era mais saudaacutevel) que o ar das regiotildees mais remotas da Terra (como a Antaacutertida) Nas deacutecadas subsequentes outros projetos de investigaccedilatildeo indicaram o efeito das aacutervores na lim-peza do ar25 Desses e de outros estudos em desenvol-vimento pode-se sugerir que as plantas amazocircnicas usam algum tipo de vitamina C como um antioxidan-te capaz de remover do ar gases danosos para a vida

13) Bomba bioacutetica de umidade doar aacutegua para receber chuva

Por volta de 2005 no pico da mais poderosa seca a atingir a Amazocircnia ateacute aquele momento atuamos na integra-ccedilatildeo dos primeiros seis anos de dados do projeto LBA26 Depois de analisar em vaacuterios estudos as evidecircncias das

projeto LBA para investigar tambeacutem as trocas de outros gases produzidos pelas plantas contendo carbono para verificar se constituiacuteam parte importante dessas trocas Esses outros gases satildeo os aromas da floresta tambeacutem chamados de compostos orgacircnicos volaacuteteis biogecircni-cos (BVOCs23) Como um vidro de perfume aberto per-de seu liacutequido por evaporaccedilatildeo e o gaacutes-perfume difun-de-se pelo ambiente uma variedade de substacircncias orgacircnicas evapora nas folhas e ganha a atmosfera

Quando no ar uacutemido e com a luz do Sol os aromas das plantas formam uma poeira finiacutessima com afinidade pela aacutegua Satildeo os nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens

Em termos de massa as quantidades de carbono perdidas para a atmosfera por esses gases orgacircnicos satildeo pequenas Contudo um grupo liderado por Meinrat

Andreae do Instituto Max Planck que estuda a quiacutemica dos gases na atmosfera investigou o que acontecia com esses aromas quando misturados ao ar amazocircnico e desvendou o misteacuterio da nucleaccedilatildeo das nuvens24 Os BVOCs (como isopreno terpenos etc) numa atmosfera uacutemida e na presenccedila da radiaccedilatildeo solar oxidam-se e pre-cipitam-se formando uma poeira finiacutessima com afinida-de pela aacutegua (higroscoacutepica) gerando eficientes nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens Poeticamente falando esse eacute o poacute de pirlimpimpim que surge magicamente no ar carregado de vapor e provoca as chuvas a cacircntaros das nuvens baixas os regadores do Jardim do Eacuteden En-quanto os BVOCs estatildeo na forma de gaacutes dissolvidos no

23 Do inglecircs Biogenic Volatile Organic Carbon satildeo compostos biogecircnicos porque satildeo sintetizados pelos organismos vivos como os odores das plantas Existem outros compostos orgacircnicos volaacuteteis natildeo biogecircni-cos chamados simplesmente de VOCs como o solvente de uma tinta por exemplo

24 (Poumlschl et al 2010) Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon (Clayes et al 2004) Formation of secondary organic aerosols through photooxidation of isoprene Release Astonishing Discovery over the Amazonian Rain Forest

25 Por exemplo (Rummel et al 2007) Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia26 (Nobre 2005) Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 16Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

observaccedilotildees e os resultados de modelos ponderei so-bre a pergunta em voga agrave eacutepoca com o aquecimento global iraacute a floresta uacutemida na Amazocircnia secar e morrer

Ao longo de milhares27 ou provavelmente milhotildees de anos28 a floresta tropical da Ameacuterica do Sul evoluiu sua biota luxuriante sem sinais de ter sido desligada por even-tos climaacuteticos extremos como aridez ou congelamento No mesmo espaccedilo de tempo no entanto eacute improvaacutevel que o impacto do clima externo ao continente tenha permanecido benigno especialmente considerando as interferecircncias coacutesmicas e sua conhecida relaccedilatildeo com mudanccedilas climaacuteticas profundas em escala planetaacuteria29

Em face da adversidade climaacutetica externa como este magniacutefico bioma conseguiu resistir agrave extinccedilatildeo Hoje haacute linhas suficientes de evidecircncias de que a biosfera natildeo soacute pode resistir mas na verdade pode alterar modular e ateacute regular seu proacuteprio ambiente30

As florestas tropicais da Ameacute-rica do Sul estatildeo entre os mais densos diversos e complexos biomas terrestres no planeta Do mecanismo de chuvas no oceano verde pode-se ima-ginar como essas florestas

Amazocircnia coraccedilatildeo do mundo

Como podemos entender a circulaccedilatildeo da aacutegua pela paisagem A aacutegua irriga e drena os solos de forma anaacuteloga ao sangue que irriga e drena os tecidos do corpo Se os familiares rios satildeo anaacutelogos agraves veias que dre-nam a aacutegua usada e a retornam para a origem no oceano onde ficam as arteacuterias do sistema natural Satildeo os rios aeacutereos que trazem a aacutegua fresca renovada na evaporaccedilatildeo do oceano Para completar o sistema circulatoacuterio faltava somente o coraccedilatildeo a bomba que impulsiona os fluxos nas arteacuterias aeacutereas A teoria da bomba bioacutetica veio explicar que a potecircncia que propele os ventos canalizados nos rios aeacutereos deve ser atribuiacuteda agrave grande floresta que funciona entatildeo como coraccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico

poderiam regular o clima Controlar a precipitaccedilatildeo signi-fica tambeacutem controlar a convecccedilatildeo o que por sua vez significa interferir com uma poderosa correia transporta-dora de massa e energia a circulaccedilatildeo de Hadley31 Atra-veacutes da regulaccedilatildeo de chuvas a biologia poderia definir o ritmo dos ventos aliacutesios do Atlacircntico arrastando a neces-saacuteria umidade do oceano para o interior do continente

Na mesma eacutepoca Victor Gorshkov e Anastassia Maka-rieva aprofundando sua teoria sobre a regulaccedilatildeo bioacute-tica do ambiente32 examinavam os mecanismos que ligam a transpiraccedilatildeo das plantas com efeitos fiacutesicos na atmosfera Das surpreendentes descobertas desta anaacutelise eles desenvolveram a teoria da bomba bioacutetica de umidade33 revelando fisicamente como processos de transpiraccedilatildeo e condensaccedilatildeo mediados e manipula-dos pelas aacutervores mudam a pressatildeo e dinacircmica atmos-feacutericas resultando em maior suprimento de umidade do oceano para o interior de continentes florestados

Makarieva e colaboradores descobriram que a conden-saccedilatildeo do vapor drsquoaacutegua na atmosfera gera uma reduccedilatildeo localizada de pressatildeo e produz potencia dinacircmica que acelera os ventos ao longo do resultante gradiente de pressatildeo 34 O ponto crucial da teoria eacute que contrastes na evaporaccedilatildeo da superfiacutecie ndash casada com a determinante condensaccedilatildeo nas nuvens ndash muito mais que contrastes

na temperatura de superfiacutecie determinam a direccedilatildeo e a intensidade dos ventos trazedores de chuva

Assim uma regiatildeo florestada que evapora tanta ou mais aacutegua que uma superfiacutecie oceacircnica contiacutegua ndash e que teraacute muito mais condensaccedilatildeo na produccedilatildeo de chu-vas ndash iraacute sugar do mar para a terra as correntezas de ar carregadas de umidade onde ascenderatildeo o que traraacute chuvas para a aacuterea florestada Ao contraacuterio se a floresta for removida o continente teraacute muito menos evapora-ccedilatildeo do que o oceano contiacuteguo ndash com a consequente reduccedilatildeo na condensaccedilatildeo ndash o que determinaraacute uma re-versatildeo nos fluxos de umidade que iratildeo da terra para o mar 35 criando um deserto onde antes havia floresta

Entre as previsotildees baseadas na teoria da bomba bioacute-tica feitas por Makarieva e Gorshkov estava a de que as secas nas florestas nativas seriam contrapostas por transpiraccedilatildeo vigorosa das aacutervores Ora essa previsatildeo contrariava o senso comum pois qualquer pessoa sabe que basta deixar um vaso com plantas sem re-gar por alguns dias para que as plantas murchem e

27 (Baker et al 2001) The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years28 (Hooghiemstra et al 2002) Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary29 (Berger and Yin 2012) Astronomical Theory and Orbital Forcing30 (Foley and Costa 2003) Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate (Gorshkov et al 2004) Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction

(Pielke and Avissar 1998) Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate31 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena32 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change33 (Makarieva and Gorshkov 2007) Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land34 (Makarieva et al 2013) Where do winds come from35 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais

Uma regiatildeo florestada onde ocorre muito mais conden-saccedilatildeo em nuvens do que em superfiacutecie oceacircnica contiacutegua iraacute sugar para a terra os ven-tos do mar que carregados de umidade traratildeo chuvas para a aacuterea florestada

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 17Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

continuar a importar aacutegua pela atmosfera ndash contra-pondo a seca ndash e garantir a continuidade da floresta A teoria da bomba bioacutetica vem ganhando aceitaccedilatildeo37 e jaacute tem comprovaccedilatildeo observacional38

14) Rios aeacutereos aacutegua fresca pelas arteacuterias suspensas

Um mapa-muacutendi revela interessantes arranjos e sime-trias na distribuiccedilatildeo de florestas e desertos ao redor do globo com trecircs cinturotildees chamando a atenccedilatildeo um de florestas ao redor da linha do Equador e outros dois de desertos ao redor dos troacutepicos de Cacircncer e Capri-coacuternio Tal geografia de paisagens contrastantes tem explicaccedilatildeo conhecida a circulaccedilatildeo de Hadley39

Pela influecircncia da circulaccedilatildeo de Hadley a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul tenderia agrave aridez

Haacute maior incidecircncia solar na zona equatorial e portanto ocorre ali devido a efeitos fiacutesi-cos uma maior ascensatildeo de ar

que se resfria e faz chover favorecendo florestas O ar que subiu e perdeu umidade precisa ir para algum lugar des-locando-se em altitude nos dois hemisfeacuterios na direccedilatildeo dos subtroacutepicos Esse ar seco quando desce e se aquece remove umidade da superfiacutecie favorecendo desertos

Mas existem exceccedilotildees e a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul eacute uma delas Pela influecircncia da circula-ccedilatildeo de Hadley essa regiatildeo tenderia agrave aridez Basta ver o deserto de Atacama no outro lado dos Andes ou os

ateacute morram Contrariava tambeacutem o conhecimento de ecofisiologistas segundo o qual quando para de cho-ver e a aacutegua no solo diminui as plantas fecham logo seus estocircmatos e deixam de transpirar para econo-mizar aacutegua Ao mesmo tempo essa previsatildeo fornece uma pista para um antigo enigma ecofisioloacutegico por-que a fotossiacutentese evoluiu para ser ldquoesbanjadorardquo de vapor drsquoaacutegua Surpreendentemente entretanto Scott Saleska e colaboradores publicaram na revista cientiacutefi-ca Science36 observaccedilotildees que corroboravam a correccedilatildeo da previsatildeo teoacuterica de Makarieva e Gorshkov

Durante o pico da seca de 2005 as partes mais atingidas da Amazocircnia foram as que mais ldquoverdejaramrdquo isto eacute na zona onde choveu menos (conforme registro do sateacutelite TRMM) brotaram mais folhas novas nas copas das aacutervores (conforme foi visto pelo sensor MODIS no sateacutelite Terra)

As conclusotildees desse estudo a partir de imagens de sateacutelite jaacute contavam com apoio de mediccedilotildees em terra das torres de fluxo do projeto LBA que haviam consta-tado o fato de natildeo ocorrer uma reduccedilatildeo de transpira-ccedilatildeo das aacutervores nas eacutepocas secas Em outras palavras parece que quando a seca chega as aacutervores com raiacute-zes profundas (e acesso a grande quantidade de aacutegua subterracircnea) executam um programa para manter ou aumentar a transpiraccedilatildeo Assim com o fluxo de vapor da transpiraccedilatildeo na superfiacutecie ndash e a correspondente condensaccedilatildeo nas nuvens ndash manteacutem-se a succcedilatildeo do ar uacutemido sobre os oceanos proacuteximos o que significa

36 (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought37 Por exemplo (Sheil and Murdiyarso 2009) How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis38 (Poveda et al 2014) Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers39 Ceacutelula de Hadley

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 18Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

circulaccedilatildeo que liga os ventos aliacutesios carregados de umidade do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonal-mente para a parte meridional

da Ameacuterica do Sul foi descrita por Joseacute Marengo e cola-boradores43 Embora eles tenham chamado esse trans-porte de jatos de baixos niacuteveis o conceito eacute muito similar ao dos rios atmosfeacutericos Segundo sua explicaccedilatildeo fun-ciona na Ameacuterica do Sul um sistema de monccedilotildees seme-lhante ao da Aacutesia e devido ao efeito da floresta (geisers da floresta) e tambeacutem da cordilheira dos Andes (uma barreira de 6 km de altura) o persistente ar uacutemido ama-zocircnico faz a curva no Acre e durante o veratildeo leva quan-tidades generosas de vapor drsquoaacutegua para o quadrilaacutetero afortunado contrariando sua tendecircncia para a aridez

Recentemente Josefina Arraut44 e colaboradores fi-zeram uma revisatildeo climatoloacutegica dos rios aeacutereos da Ameacuterica do Sul estimando o transporte de vapor as-sociado e introduzindo um novo conceito ldquolagos aeacute-reosrdquo ou seja regiatildeo de remanso atmosfeacuterico com um estoque de vapor precipitaacutevel

Com o conceito de rios aeacutereos estabelecido e tornan-do-se popular Dominick Spracklen45 e colaboradores desenvolveram uma nova abordagem ao correlacionar a superfiacutecie coberta por vegetaccedilatildeo agrave exposiccedilatildeo de uma

Salati e colaboradores comparando as assinaturas quiacute-micas40 entre o fluxo de entrada de vapor oceacircnico no grande anfiteatro amazocircnico com as correspondentes assinaturas da aacutegua de escoamento que retorna ao oceano pelo rio Amazonas perceberam que parte sig-nificativa da aacutegua que entrava como vapor no canal aeacutereo natildeo retornava pelo canal terrestre41

Daiacute concluiacuteram que a Amazocircnia devia estar exportan-do esse vapor para outras regiotildees do continente e irri-gando outras bacias hidrograacuteficas que natildeo a do Ama-zonas Anaacutelises preliminares feitas agrave eacutepoca nas aacuteguas de chuva coletadas na cidade do Rio de Janeiro de-tectaram sinais de que parte dela vinha do interior do continente natildeo do oceano contiacuteguo E mais especifi-camente que havia passado pela Amazocircnia Esse gru-po foi o primeiro a sugerir que chuvas na Ameacuterica do Sul fora da Amazocircnia poderiam ser alimentadas pelo transporte continental de vapor

O conceito de rios atmosfeacutericos foi introduzido em 1992 por Reginald Newell e Nicholas Newell42 para descre-ver fluxos filamentares na baixa atmosfera capazes de transportar grandes quantidades de aacutegua como vapor tipicamente em volumes superiores ao transportado pelo rio Amazonas (que tem vazatildeo de 200 milhotildees de litros por segundo ndash ou 17 bilhotildees de toneladas ao dia)

Quase trecircs deacutecadas depois dos achados de Salati a

Rios Voadores contando uma bela histoacuteria

Em 2006 contemplando a floresta amazocircnica do alto de uma torre de estudo do projeto LBA trocamos com o aviador Gerard Moss as primei-ras ideias que levaram ao projeto de aventura pesquisa divulgaccedilatildeo e educaccedilatildeo ambiental Rios Voadores42 Com financiamento da Petrobras e a participaccedilatildeo de Eneacuteas Salati o pioneiro dos estudos sobre reciclagem de umidade na Amazocircnia aleacutem de outros cientistas de renome Moss perseguiu por anos os rios de vapor com seu aviatildeo monomotor coletan-do numerosas amostras para estudo e capturando a atenccedilatildeo luacutedica das pessoas na aventura que criou Fez tambeacutem um trabalho extraordinaacuterio de educaccedilatildeo ambiental nas escolas e pela Web postando frequente-mente em redes sociais as trajetoacuterias dos rios voadores e mostrando como estes levam aacutegua para as pessoas O resultado mais valioso desse projeto foi sua capacidade de tocar o lado emocional das pessoas atraveacutes do estiacutemulo luacutedico da aventura da ciecircncia engajada conectan-do-as ao sentimento de estima pelo ambiente pela aacutegua e pela floresta

desertos de Namiacutebia e Kalahari na Aacutefrica e o deserto da Austraacutelia Todos alinhados latitudinalmente com a afortunada aacuterea verde responsaacutevel por 70 do PIB do continente no quadrilaacutetero delimitado por Cuiabaacute ao Norte Satildeo Paulo a Leste Buenos Aires ao Sul e a cor-dilheira dos Andes a Oeste

As escolas ensinam que a aacutegua evapora do mar ldquovairdquo para os continentes cai como chuva eacute coletada nos rios de superfiacutecie e retorna ao mar Ao fazer a ligaccedilatildeo entre evaporaccedilatildeo da aacutegua no mar com seu tracircnsito em terra esse conceito simploacuterio do ciclo hidroloacutegico natildeo estaacute errado mas natildeo explica quase nada Por exemplo por que existem desertos ou por que o vapor mariacutetimo adentra os continentes de forma heterogecircnea

Rios aeacutereos ligam os ventos aliacutesios carregados de umida-de do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonalmente para a parte meridional da Ameacuterica do Sul

40 Definidas pelo uso de traccediladores que portam assinaturas isotoacutepicas Diz-se que satildeo isoacutetopos dois ou mais aacutetomos com o mesmo numero de proacutetons mas com massas diferentes Uma analogia boa eacute pensar em gecircmeos com caracteriacutesticas idecircnticas exceto peso Assinatura isotoacutepica eacute a relaccedilatildeo numeacuterica entre a imensa multidatildeo de ldquogecircmeosrdquo atocircmicos em um material ou substancia A aacutegua pode conter variada combinaccedilatildeo de gecircmeos de oxigecircnio (16O e 18O) e hidrogecircnio (1H 2H) gerando moleacuteculas de aacutegua com pesos distintos A proporccedilatildeo destes gecircmeos atocircmicos que ocorre na aacutegua do mar por exemplo se altera com a evaporaccedilatildeo (flutuam primeiro os mais leves) e tambeacutem com a chuva (precipitam primeiro os mais pesados) Assim ao analisar a assinatura isotoacutepica de uma amostra de aacutegua ou vapor pode-se saber de onde ela veio se do oceano ou da floresta

41 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study (Matsui et al 1976) Isotopic hydrology in the Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 18O concentrations42 (Newell and Newell 1992) Tropospheric Rivers - A Pilot Study43 (Marengo et al 2004) Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalysis Characteristics and temporal variability44 (Arraut et al 2012) Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America45 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 19Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Eventos extremos a vida buscando equiliacutebrio

Com o aquecimento global ocorre maior acuacutemulo de energia na at-mosfera o que aumenta a probabilidade de ocorrecircncias de fenocircmenos climaacuteticos mais intensos A natureza desta tendecircncia foi prevista haacute deacutecadas pelos meteorologistas Mas a maior intensidade e frequecircncia dessas ocorrecircncias estaacute sendo observada deacutecadas antes do previsto Algum fator na complexidade do clima deve explicar a aceleraccedilatildeo dos efeitos O registro geoloacutegico mostra que climas extremos jaacute ocorreram na histoacuteria da Terra muito antes da humanidade surgir Mas ao contraacuterio do que seria de se esperar depois dos cataclismos todas as evidecircncias apontam sempre para uma resiliente recuperaccedilatildeo estabilizadora ate-nuando os extremos Sistemas puramente geofiacutesicos natildeo teriam essa capacidade Somente a vida e seus processos de auto-regulaccedilatildeo ofere-cem explicaccedilatildeo satisfatoacuteria para a histoacuteria climaacutetica da Terra49

parcela de ar num rio aeacutereo (medida pelo iacutendice cumu-lativo de aacuterea foliar ao longo da trajetoacuteria) com chuva a jusante na trajetoacuteria daquela mesma parcela Ou seja um rio aeacutereo conecta regiotildees doadoras de umidade com outras receptoras de umidade Daiacute a importacircncia crucial das florestas a montante constatou-se que a Amazocircnia eacute de fato a cabeceira dos mananciais aeacutereos da maior parte das chuvas na Ameacuterica do Sul

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos

Makarieva e Gorshkov46 introduziram uma nova definiccedilatildeo fiacutesica para furacotildees ciclones ou tornados ldquo satildeo implosotildees (explosotildees em reverso) que se passam em cacircmera lenta decorrentes do desaparecimento volumeacutetrico de vapor drsquoaacutegua na atmosfera por condensaccedilatildeordquo47 Paulo Nobre

apresentou-lhes entatildeo um problema ldquoA questatildeo que se coloca eacute entender por que os furacotildees natildeo se desenvol-vem sobre as florestas tropicais como na Amazocircnia onde o fornecimento de vapor de aacutegua pela floresta e sua ex-tinccedilatildeo na forma de chuva tropical eacute tatildeo abundanterdquo 48

Respondendo Makarieva e Gorshkov demonstraram teoricamente como uma grande aacuterea terrestre co-berta por floresta natildeo per-

mite a formaccedilatildeo de furacotildees e outros padrotildees climaacuteticos anocircmalos incluindo secas e enchentes Em sua explica-ccedilatildeo a fricccedilatildeo turbulenta local com o dossel da floresta -que transpira ativamente o que resulta em chuvas uni-formes sobre grandes aacutereas- e a traccedilatildeo do vento pela bomba bioacutetica em distacircncias maiores diminui muito a chance de organizaccedilatildeo de tormentas como tornados ou furacotildees As trajetoacuterias registradas dos furacotildees compro-vam o ambiente ameno nas regiotildees cobertas por flores-tas extensas e aacutereas oceacircnicas proacuteximas50 Ou seja aleacutem de todos os outros serviccedilos da floresta ao clima ela ainda oferece um seguro contra destrutivos eventos atmosfeacute-ricos atenuando a concentraccedilatildeo de energia nos ventos

Outras funccedilotildees claacutessicas das florestas na regulaccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico em terra satildeo bem conhecidas como o favorecimento da recarga de aquiacuteferos e a atenua-ccedilatildeo de enchentes51 entre muitas outras

Entre os serviccedilos que a floresta presta ao clima estaacute um segu-ro contra eventos atmosfeacutericos destrutivos atenuando a concen-traccedilatildeo da energia nos ventos

46 (Makarieva et al 2008) On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine47 De acordo com os autores ldquoThe driving force of all hurricane processes is a rapid release as in compressed spring of potential energy previously accumulated in the form of saturated water vapor in the atmospheric column

during a prolonged period of water vapor evaporation under the action of the absorbed solar radiationrdquo (Makarieva et al 2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient48 (Nobre P 2009a) Peer Review Question Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo49 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment50 Storm Track mapa registrando todas as trajetoacuterias observadas de furacotildees mostrando que a regiotildees equatoriais das florestas e suas imediaccedilotildees oceacircnicas satildeo livres destes fenocircmenos51 httpwwwipefbrhidrologiamataciliarasp

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 20Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito

Em vista dos efeitos extensivos e elaborados das flo-restas sobre o clima demonstrados pela ciecircncia que resultados esperar da sua devastaccedilatildeo Para avaliar os impactos do desmatamento no clima vem sendo fei-to um nuacutemero crescente de experimentos de campo e modelagem estudos observacionais e mais recente-mente anaacutelises teoacutericas Quais as consequecircncias pro-jetadas do desmatamento e quais as jaacute observadas

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores

Uma das maiores virtudes dos modelos climaacuteticos estaacute em sua capacidade de simular cenaacuterios distantes do momento presente Esse tipo de exerciacutecio natildeo eacute pre-ditivo no sentido fiacutesico mas onde a teoria fiacutesica ainda natildeo estiver disponiacutevel eacute o melhor conhecimento e a uacutenica ferramenta para analisar sistemas complexos e fazer extrapolaccedilotildees bem fundamentadas

Tais exerciacutecios de simulaccedilatildeo satildeo valiosos para situaccedilotildees especiacuteficas como explorar riscos climaacuteticos associados ao desmatamento No ambiente virtual como num si-mulador de voo eacute possiacutevel avaliar repetidamente ce-naacuterios de desastres esmiuccedilando os fatores atuantes as condiccedilotildees iniciais e as consequecircncias potenciais de manobras arriscadas

Em 1991 Carlos Nobre liderou um dos mais citados

estudos para simular o impacto no clima do desma-tamento total da floresta amazocircnica52 Usando um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera (GCM53) com um moacutedulo acoplado de representaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo (SiB54) os autores concluiacuteram que quando as florestas eram substituiacutedas por pasto degradado no modelo verificava-se um aumento significativo na temperatura meacutedia de superfiacutecie (cerca de 25degC) e uma diminuiccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo anual (reduccedilatildeo de 30) da pre-cipitaccedilatildeo (reduccedilatildeo de 25) e do escoamento superfi-cial (reduccedilatildeo de 20) Na simulaccedilatildeo ocorria tambeacutem um aumento da duraccedilatildeo da estaccedilatildeo seca na metade sul da bacia amazocircnica

Nas duas deacutecadas seguintes outros estudos avanccedila-ram no detalhamento e generalizaccedilatildeo dessas conclu-sotildees Deborah Lawrence e Karen Vandecar fizeram recentemente uma revisatildeo da literatura55 sobre os impactos do desmatamento tropical no clima e con-cluiacuteram que vaacuterios GCMs concordam em que o des-matamento em escala regional leva a um clima mais quente e seco sobre a aacuterea desmatada Os modelos que simulam o desmatamento completo da Amazocirc-nia preveem um clima com aquecimento na faixa de 01-38degC (meacutedia de 19degC) e reduccedilatildeo de chuvas na fai-xa de 140-640 mm ao ano (meacutedia de 324 miliacutemetrosano ou 10-15 de reduccedilatildeo)

Mas o desmatamento pode ter implicaccedilotildees muito mais

52 (Nobre C et al 1991) Amazonian Deforestation and Regional Climate Change53 Definiccedilatildeo de GCM por Lawrence e Vandecar (2014) ldquo satildeo modelos computacionais tridimensionais globais do sistema climaacutetico que operam em larga escala Os modelos mais recentes incluem representaccedilotildees

da atmosfera oceanos e da superfiacutecie da Terra [] e incorporam o ciclo hidroloacutegico e uma representaccedilatildeo expliacutecita [] da vegetaccedilatildeo e seus efeitos sobre os fluxos de energia e de aacutegua incluindo as transferecircncias radiativas e turbulentas e os controles fiacutesicos e bioloacutegicos da evapotranspiraccedilatildeordquo

54 (Sellers et al 1986) Simple Biosphere Model55 (Lawrence and Vandecar 2014) The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity natildeo publicado

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 21Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

modelos parecem tender a subestimar as consequecircn-cias negativas nos cenaacuterios simulados Os resultados de projeccedilotildees mais recentes incluindo os oceanos agra-vam o quadro e aumentam o alerta

A eliminaccedilatildeo da floresta ndash prin-cipal agente da condensaccedilatildeo continental ndash equivale a desligar o interruptor de uma bomba de umidade atmosfeacuterica

Mas eacute preciso tambeacutem con-siderar a teoria da bomba bioacutetica e sua previsatildeo de re-duccedilatildeo de chuvas Diferente-mente dos modelos numeacute-

ricos convencionais uma teoria fiacutesica constroacutei entendimento baseada exclusivamente em leis funda-mentais da natureza Se a teoria estiver correta torna possiacutevel prever quantitativamente efeitos fiacutesicos apenas com a anaacutelise dos cenaacuterios e de sua loacutegica funcional

Makarieva e Gorshkov preveem que o desmatamento completo da Amazocircnia reduziria a precipitaccedilatildeo primor-dialmente como resultado da dissipaccedilatildeo do efeito da baixa pressatildeo (succcedilatildeo) associado agrave condensaccedilatildeo que eacute conectada a uma reduccedilatildeo da evaporaccedilatildeo de superfiacute-cie Como a teoria da bomba bioacutetica tambeacutem credita a disponibilidade de vapor para a precipitaccedilatildeo na Ama-zocircnia como resultado dessa capacidade de transpirar a eliminaccedilatildeo total do principal agente da transpiraccedilatildeo levaria agrave cessaccedilatildeo completa do bombeamento bioacutetico

Esta teoria sugere que desligado o interruptor da bom-ba que puxa o ar uacutemido para o continente o fluxo de umidade deve mudar de direccedilatildeo quando a condensaccedilatildeo passar a ser relativamente maior sobre o oceano (mais

seacuterias Em 1997 German Poveda e Oscar Mesa56 propuse-ram o papel de ponte hidrometeoroloacutegica para a floresta amazocircnica ao conectar os dois grandes oceanos proacutexi-mos isto eacute sugerindo efeitos climaacuteticos cruzados entre os oceanos via atmosfera mediados pela floresta

Explorando com modelagem em direccedilatildeo similar mais recentemente Paulo Nobre57 e colaboradores estuda-ram o impacto do desmatamento na chuva amazocircni-ca tendo como referecircncia a inclusatildeo ou a exclusatildeo das respostas dos grandes oceanos aos cenaacuterios de des-matamento58 Comparando simulaccedilotildees feitas em um GCM atmosfeacuterico usual com um GCM acoplado a outro modelo que simula as condiccedilotildees internas dos oceanos (salinidade correntes etc) esses autores encontraram uma reduccedilatildeo consideravelmente maior na precipita-ccedilatildeo quando o GCM acoplado com o oceano foi rodado para um cenaacuterio de desmatamento total da Amazocircnia 42 de reduccedilatildeo da chuva contabilizando os mecanis-mos internos dos oceanos contra 26 de reduccedilatildeo da chuva sem considera-los Os oceanos sempre estive-ram presentes e a inclusatildeo das suas respostas internas daacute mais realismo agraves simulaccedilotildees

Jaacute existem comprovaccedilotildees de muito do que foi proje-tado pelos modelos como consequecircncia do desma-tamento especialmente a ampliaccedilatildeo da estaccedilatildeo seca Poreacutem esses experimentos virtuais indicavam um prolongamento da estaccedilatildeo seca apoacutes destruiccedilatildeo de 100 da floresta o que jaacute se observa com o corte raso de pouco menos de 19 da floresta Ou seja esses 56 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena57 (Nobre P et al 2009b) Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation58 Que utiliza apenas a seacuterie histoacuterica observada das temperaturas da superfiacutecie dos oceanos

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 22Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

E apontaram que essa re-duccedilatildeo de chuvas poderaacute ser bem maior do que o indicado pelo grupo de Spracklen63 Para a porccedilatildeo

mais desmatada da Amazocircnia jaacute se constata progres-sivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera significativo impacto no setor agriacutecola

Assim a discussatildeo sobre desmatamento passa longe de duacutevidas sobre seus evidentes efeitos diretos e indi-retos na reduccedilatildeo das chuvas e recai sobre a extensatildeo da aacuterea desmatada No periacuteodo 20112012 foram ldquoape-nasrdquo 4571 km2 desmatados na Amazocircnia brasileira Se comparado com taxas de desmatamento em anos de pico como 2004 (27772 km2) esse valor parece mo-desto O Brasil merece reconhecimento por haver lo-grado essa reduccedilatildeo A velocidade e a eficaacutecia atingidas na reduccedilatildeo recomendam essa estrateacutegia para zerar e reverter o desmatamento no Brasil e no mundo

A despeito da notiacutecia encorajadora essa taxa que pa-rece tatildeo pequena seria suficiente para desmatar aacuterea equivalente a toda a Costa Rica em meros dez anos Aleacutem disso reduccedilotildees nas taxas anuais atenuam a per-cepccedilatildeo momentacircnea de perda e mascaram o desmata-mento acumulado na Amazocircnia que eacute muito grave

No que diz respeito ao clima importa sobretudo a aacuterea total devastada e sua distribuiccedilatildeo espacial Compilando

localizado da chuva com o desmatamento estudos mais abrangentes simulaccedilotildees com modelos climaacuteticos e mesmo anaacutelises teoacutericas esclareceram o caraacuteter local e transitoacuterio desse efeito que depende basicamente da existecircncia de matas circundantes agrave aacuterea desmatada e da extensatildeo dessas matas O aumento de chuva converte-se em reduccedilatildeo tatildeo logo as florestas remanescentes fi-quem mais distantes que um certo limiar de aacuterea aberta Daiacute em diante haveraacute reduccedilatildeo das chuvas

Dados de sateacutelites para chuva e presenccedila de floresta mostra-ram reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos que passam sobre aacutereas desmatadas

O estudo de Spracklen e colaboradores62 com da-dos de sateacutelites para chu-va e presenccedila de floresta constatou que com o des-

matamento ocorre a reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos Em 60 das aacutereas tropicais o ar que passa sobre densas florestas produz pelo menos duas vezes mais chuva que o ar que passa sobre aacutereas desmatadas Apesar de ainda natildeo terem considerado o mecanismo e os efeitos da teoria da bomba bioacutetica esses autores de-monstraram com evidecircncias fortes que o impacto ne-gativo do desmatamento no clima natildeo eacute somente local mas pode afetar regiotildees proacuteximas e distantes

Aplicando os conceitos da bomba bioacutetica Makarieva e colaboradores colocaram os achados de Spracklen em perspectiva explicando quantitativamente quais os fatores fiacutesicos responsaacuteveis pela reduccedilatildeo nas chuvas a jusante dos ventos decorrentes do desmatamento

fraca que a bioacutetica a bomba oceacircnica de condensaccedilatildeo estaacute sempre ligada) o que levaria a aridez em terra59

Os modelos climaacuteticos usados para simular o desma-tamento ainda natildeo embutiram essa nova teoria fiacutesica portanto natildeo projetam esse efeito que poderia signi-ficar ateacute 100 de reduccedilatildeo nas chuvas

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo

O desmatamento real eacute imenso e seus efeitos sobre o clima satildeo bem documentados Estudos em torres micrometeoroloacutegicas mostram que a substituiccedilatildeo de floresta por pastagem leva como previsto pelos mo-delos a um aumento da temperatura de superfiacutecie e uma reduccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo60 Observaccedilotildees de sateacutelite mostram que durante a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspi-raccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas61

Observaccedilotildees mostram que duran-te a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspiraccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas

Dados similares tambeacutem indicam que a transpira-ccedilatildeo da floresta eacute bem maior do que aquela pres-crita pelos modelos o que explica em parte a subesti-

mativa dos modelos de larga escala no caso da reduccedilatildeo de precipitaccedilatildeo com o desmatamento Embora alguns estudos observacionais tenham revelado um aumento

Para a porccedilatildeo mais desmata-da da Amazocircnia jaacute se constata progressivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera signifi-cativo impacto no setor agriacutecola

59 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais60 Por exemplo (Gash et al 1996) Amazonian Deforestation and Climate (von Randow et al 2004) Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in southwest Amazonia61 (Huete et al 2006) Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought62 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests63 (Makarieva et al 2013) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 23Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Desmatamento acumulado 762979 km2

Esse valor eacute maior que a soma das aacutereas de trecircs estados de Satildeo Paulo ou que as aacutereas somadas de duas Alemanhas ou de dois Japotildees Uma unidade de aacuterea mais proacutexima do brasileiro o campo de futebol (4136 m2) daacute uma noccedilatildeo da magnitude da devastaccedilatildeo 184 milhotildees de unidades65 ndash quase um campo de futebol desmatado na Amazocircnia para cada brasileiro Colocado na perspectiva temporal teriam sido em meacutedia 12635 campos desmatados por dia 526 campos por hora 88 campos ndash ou 36291 m2 por minuto 605 m2 por segundo ininterruptamente nos uacuteltimos 40 anos Para caber na compreensatildeo o gigantismo destes nuacutemeros eacute preciso estender a imaginaccedilatildeo para aleacutem destas analogias Um trator ficcional operando uma lacircmina frontal com 3 m de largura precisaria acelerar quase agrave velocidade de um aviatildeo a jato (726 kmh) para desmatar a aacuterea raspada na Amazocircnia no ritmo registrado do espaccedilo em imagens Como um trator desmata mui-to mais lentamente (024 - 036 hah66 ou ~08 kmh se essa aacuterea estives-se contida em uma faixa com 3 m de largura) com a mesma lacircmina de 3 m seriam necessaacuterios mais de 900 tratores simultaneamente derrubando a floresta lado a lado formando uma frente destrutiva com quase 3 km de largura Uma comparaccedilatildeo ainda mais impressionante eacute uma ldquoestrada de desmatamentordquo com 2 km de largura que daria para cobrir a distacircncia da Terra ateacute a Lua (380 mil km)

estudos pioneiros com dados de sateacutelite Dioacutegenes Al-ves64 contabilizou ateacute 2004 um desmatamento total de 663 mil km2 Agregando-se os nuacutemeros mais recentes do projeto PRODES do INPE o desmatamento acumula-do total ateacute 2013 chega a 762979 km2

Pelo vieacutes do dano ao clima o que se tem na Amazocircnia eacute um passivo gigantesco de destruiccedilatildeo do oceano ver-de Natildeo haacute portanto qualquer motivo para comemo-rar as taxas relativamente mais baixas de corte raso dos uacuteltimos anos mesmo porque depois da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal (2011) com sua ampla anistia a desmatadores jaacute se observa uma niacutetida tendecircncia de aumento das taxas anuais

Na contabilidade do INPE o corte raso brasileiro (sem considerar os dos demais paiacuteses da bacia amazocircnica) chegou em 2012 a 1885 da aacuterea original de floresta67 Mas a destruiccedilatildeo natildeo eacute uniforme pois ocorre grande concentraccedilatildeo de corte raso no chamado Arco do Fogo ndash ou Arco do Desmatamento68 Se a vastidatildeo raspada jaacute eacute graviacutessima para o clima a situaccedilatildeo torna-se ainda pior ao se considerar o oceano verde ferido

A exploraccedilatildeo madeireira e o desmatamento gradual pro-duzem extensas aacutereas de florestas degradadas que rara-mente entram na contabilidade oficial da destruiccedilatildeo mas que a depreender das informaccedilotildees e estimativas dispo-niacuteveis podem ter impacto significativo sobre o clima

Dalton Valeriano liderou um estudo pioneiro sobre degradaccedilatildeo69 que encontrou no Estado do Mato Gros-so no periacuteodo de 2007 a 2010 ldquosomenterdquo 7856 km2 com corte raso mas outros 32926 km2 de florestas degradadas Somando corte raso com degradaccedilatildeo sobrou pouco do propriamente chamado Estado de Mato Grosso

No mesmo periacuteodo o INPE mapeou 64205 km2 de flo-resta degradada versus 39026 km2 de corte raso para a Amazocircnia brasileira Usando a proporccedilatildeo entre estas

64 (Alves 2007) Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon65 Aacuterea desmatada 762979 km2 0004136 km2 = 184472679 de campos de futebol66 (Viana 2012) Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento67 httpwwwdpiinpebrprodesdigitalprodesphp Lista (uma tabela) e Consolida (somatoacuterios para a unidade de aacuterea considerada)68 Porcentagem de aacuterea desmatada ateacute 2012 TO 75 MA 72 RO 41 MT 40 PA 22 e AC 1369 httpwwwobtinpebrprodesRelatorio_Prodes2008pdf

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 24Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aacutereas pode-se extrapolar a aacuterea de floresta degradada para toda a Amazocircnia brasileira Na estimativa ateacute 2013 a aacuterea total degradada pode ter alcanccedilado 1255100 km2 Somando com a aacuterea mensurada de corte raso o impacto cumulativo no bioma pela ocupaccedilatildeo humana pode ter atingido 2018079 km2

Dentre mais de 200 paiacuteses no mundo somente 13 tecircm aacuterea maior que essa Nesta contabilidade a degrada-ccedilatildeo de florestas na Amazocircnia brasileira pode haver chegado a 2944 da aacuterea original70 que somada ao desmatamento corte-raso sugere que ateacute 4734 da floresta tenha sido impactada diretamente por ativi-dade humana desestabilizadora do clima Para a Pan-Amazocircnia esse impacto agregado da Amazocircnia bra-sileira contabilizando desmatamento e estimando degradaccedilatildeo representa de 2668 a 290371 sobre a aacuterea original de floresta

Mas a aacuterea de impacto no sentido ecoloacutegico pode ser ainda maior porque florestas contiacuteguas a aacutereas de de-gradaccedilatildeo ou corte raso sofrem direta e indiretamente os efeitos das mudanccedilas ambientais vizinhas (biogeo-fiacutesicas e biogeoquiacutemicas)72

No processo de degradaccedilatildeo a destruiccedilatildeo do dossel frequentemente superior a 60 da cobertura73 muda as caracteriacutesticas estruturais ecoloacutegicas e fisioloacutegicas da floresta comprometendo suas capacidades am-bientais

70 Caacutelculo utilizando a mensuraccedilatildeo de Espiacuterito-Santo et al (2014) para a floresta remanescente na Amazocircnia brasileira [3500000 km2] acrescida da aacuterea acumulada do desmatamento [762979 km2] chegando a 4262979 km2 de florestas originais na Amazocircnia brasileira

71 Impacto usando aacuterea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Espiacuterito-Santo et al (2014) com 7562979 km2 e em Eva et al (2005) com 6943468 km2

72 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon73 (Valeriano et al 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD e QUEIMADAS 2007-200874 University of Maryland Global Forest Cover

Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 ateacute 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Ameacuterica do Sul74

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 8: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 9Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Com isso num primeiro momento o planeta se esfria o que faz as plantas crescerem menos consumindo menos CO2 No momento seguinte a acumulaccedilatildeo de CO2 leva ao aquecimento do planeta e assim suces-sivamente num ciclo oscilante de regulaccedilatildeo5 Desta forma as plantas funcionam como um termostato que responde agraves flutuaccedilotildees de temperatura atraveacutes do ajuste da concentraccedilatildeo do principal gaacutes-estufa na atmosfera depois do vapor drsquoaacutegua Mas esta regula-ccedilatildeo da temperatura via consumo mediado do CO2 eacute apenas um entre muitos mecanismos da vida que re-sultam na regulaccedilatildeo favoraacutevel do ambiente

Como se veraacute neste trabalho as florestas tropicais satildeo muito mais que uma aglomeraccedilatildeo de aacutervores reposi-toacuterio passivo de biodiversidade ou simples estoque de carbono Sua tecnologia viva e dinacircmica de interaccedilatildeo com o ambiente lhes confere poder sobre os elemen-tos uma capacidade inata e resiliente de condiciona-mento climaacutetico Assim as florestas condicionam o cli-ma que lhes favoreccedila e com isso geram estabilidade e conforto cujo abrigo daacute suporte ao florescimento de sociedades humanas

A Ameacuterica do Sul eacute um continente privilegiado pela extensiva presenccedila de florestas megabiodiversas Natildeo por acaso esse continente teve e ainda tem um dos climas mais favoraacuteveis em comparaccedilatildeo com qualquer outro Contudo ao longo de 500 anos a maior par-te da vegetaccedilatildeo nativa fora da bacia amazocircnica foi

IntroduccedilatildeoA tecnologia da floresta eacute insubstituiacutevel

Numa definiccedilatildeo solta a floresta tropical eacute um tapete multicolorido estruturado e vivo extremamente rico Uma colocircnia extravagante de organismos que saiacuteram do oceano haacute 400 milhotildees de anos e vieram para a ter-ra Dentro das folhas ainda existem condiccedilotildees seme-lhantes agraves da primordial vida marinha Funciona assim como um mar suspenso que conteacutem uma miriacuteade de ceacutelulas vivas muito elaborado e adaptado Evoluiacuteda nos uacuteltimos 50 milhotildees de anos a floresta amazocircnica eacute o maior parque tecnoloacutegico que a Terra jaacute conheceu porque cada organismo seu entre trilhotildees eacute uma ma-ravilha de miniaturizaccedilatildeo e automaccedilatildeo Em tempera-tura ambiente usando mecanismos bioquiacutemicos de complexidade quase inacessiacutevel a vida processa aacuteto-mos e moleacuteculas determinando e regulando fluxos de substacircncias e de energia

As florestas condicionam o clima que lhes favoreccedila e com isso geram estabilidade e conforto sob cujo abrigo flo-rescem sociedades humanas

O conforto climaacutetico que apreciamos na Terra desco-nhecido em outros corpos siderais pode ser atribuiacutedo em grande medida ndash aleacutem

de muitas outras competecircncias ndash agrave colocircnia de seres vivos que tecircm a capacidade de fazer fotossiacutentese O gaacutes carbocircnico (CO2) funciona como alimento para a planta mateacuteria-prima transformada pelo instrumental bioquiacutemico com o uso de luz e aacutegua em madeira fo-lhas frutos raiacutezes4 De forma encadeada quando as plantas consomem CO2 a concentraccedilatildeo desse gaacutes na atmosfera diminui

4 Animaccedilotildees em biologia molecular httpwwwjohnkyrkcomindexpthtml5 Biotic Regulation of the Environment httpwwwbioticregulationru

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 10Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aniquilada como a Mata Atlacircntica que perdeu mais de 90 da sua cobertura original O efeito desse des-matamento histoacuterico no clima embora perceptiacutevel foi menos notado do que seria de se esperar e a razatildeo foi a costa quente (e uacutemida) da floresta amazocircnica que manteve o continente razoavelmente protegido de extremos com um clima ameno Mas nos uacuteltimos 40 anos a uacuteltima grande floresta a cabeceira das aacuteguas atmosfeacutericas da maior parte do continente esteve sob o ataque implacaacutevel do desmatamento Coincidente-mente aumentaram as perdas com desastres naturais ligados a anomalias climaacuteticas tanto por excessos (de chuva calor e ventos) quanto por falta (secas)6

As regiotildees andinas e mesmo da costa do Paciacutefico que dependem das geleiras para seu abastecimento de aacutegua poderatildeo em futuro proacuteximo ver-se ameaccediladas pois o derretimento acelerado pelo aquecimento cli-maacutetico jaacute estaacute em andamento e tambeacutem porque qua-se toda a precipitaccedilatildeo nas altas montanhas que su-prem as geleiras ano a ano tem sua mateacuteria-prima no vapor procedente da floresta amazocircnica7 A leste dos Andes a escala da dependecircncia no ciclo hidroloacutegico amazocircnico eacute incomensuravelmente maior

As regiotildees de savana na parte meridional onde haacute hoje um dos maiores cinturotildees de produccedilatildeo de gratildeos e ou-tros bens agriacutecolas tambeacutem recebe da floresta amazocirc-nica vapor formador de chuvas reguladas e benignas o principal insumo da agricultura Natildeo fosse tambeacutem

a liacutengua de vapor que no veratildeo hemisfeacuterico pulsa da Amazocircnia para longe levando chuvas essenciais8 e ou-tras influencias beneacuteficas muito provavelmente teriam clima inoacutespito as regiotildees Sudeste e Sul do Brasil (onde hoje se encontra sua maior infraestrutura produtiva na-cional) e outras aacutereas como o Pantanal e o Chaco as regiotildees agriacutecolas na Boliacutevia Paraguai e Argentina

Este trabalho mostraraacute primeiro o que sabemos sobre como a floresta amazocircnica funciona e manteacutem sua ca-pacidade de existir e persistir por eras geoloacutegicas De-pois exibiraacute o efeito sobre o clima que a destruiccedilatildeo do sistema natural jaacute estaacute gerando e as previsotildees sobre o que ainda pode gerar Por fim exploraraacute as ameaccedilas ao equiliacutebrio climaacutetico que as alteraccedilotildees em curso po-dem disparar analisando sob alguns acircngulos os riscos climaacuteticos agrave espreita

6 (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Marengo et al 2011) Extreme climatic events in the Amazon basin7 (Rabatel et al 2012) Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change8 (Willmot amp Webber 1998) South American Climate Data httpclimategeogudeledu~climate

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 11Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Buscando esclarecer misteacuterios o trabalho dos cientis-tas natildeo difere muito da investigaccedilatildeo de um detetive Exploram pistas analisam evidecircncias desenvolvem teorias constroem modelos Nas deduccedilotildees eletrizan-tes de Sherlock Holmes os casos mais intrincados cul-minavam com soluccedilotildees elementares A realidade do mundo natural mostra-se rica e complexa repleta de misteacuterios e segredos Mas o meacutetodo cientifico tem-perado pelo fasciacutenio e humanizado pela curiosidade infantil abre portais de acesso agrave compreensatildeo dos fe-nocircmenos mais misteriosos que nos afetam

Tais fenocircmenos ao serem clarificados e elevados agrave sua expressatildeo mais simples democratizam o conhecimen-to da ciecircncia ensejando o desenvolvimento de uma nova e estimulante consciecircncia compartilhada sobre o mundo que habitamos Existem ainda muitos segre-dos sobre o funcionamento das florestas bem guarda-dos na natureza Olhemos aqui para apenas cinco de-les revelados nas uacuteltimas deacutecadas segredos que satildeo cruciais para o entendimento das funccedilotildees das florestas no condicionamento do clima

No afatilde de modelar com o uso de computadores os fluxos colossais de massa e energia para simular o clima os me-teorologistas inicialmente prestaram pouca atenccedilatildeo na cobertura de vegetaccedilatildeo Essa abordagem mudou radi-calmente Por um nuacutemero grande e crescente de evidecircn-cias hoje se sabe do papel vital exercido pela vegetaccedilatildeo em muitos processos do clima E praticamente todos os

1) As florestas geram o clima amigo cinco segredos revelados

modelos do clima assim como os mais complexos modelos do sistema terrestre passaram a incluir representaccedilotildees elabora-das da vegetaccedilatildeo As descober-

tas cientiacuteficas sobre o papel determinante das florestas nos ciclos local regional e planetaacuterio de aacutegua energia carbono e outros valem para todas as florestas naturais do globo Mas aqui vamos focalizar mais as florestas tro-picais da Ameacuterica do Sul especialmente a Amazocircnia

Todos os estudos de modelagem climaacutetica consideram a bacia amazocircnica inteira Mas por haver mais dados disponiacuteveis eacute na Amazocircnia brasileira9 que se realizou a maioria dos outros trabalhos cientiacuteficos como o moni-toramento do desmatamento Natildeo obstante dada a im-portacircncia da bacia amazocircnica como um todo a chama-da Pan-Amazocircnia e tambeacutem porque a atmosfera e os rios natildeo se importam com limites poliacuteticos no futuro as observaccedilotildees mapeamentos e anaacutelises precisaratildeo rom-per as fronteiras nacionais a exemplo do que jaacute fazem projetos como a RAISG com levantamento extensivo e integrado das pressotildees humanas sobre a Amazocircnia10

11) Reciclagem de umidade geisers da floresta

Trezentos anos apoacutes a invasatildeo europeia nas Ameacutericas11 a aura de Jardim do Eacuteden nas selvas tropicais jaacute decaiacutea de seu apelo romacircntico possivelmente pela tromba-da dos cobiccedilosos conquistadores espanhoacuteis com o

9 Definida dentro do que durante a ditadura brasileira (1964-1985) foi definida por decreto como Amazocircnia Legal10 RAISG Red Amazoacutenica de Informacioacuten Socioambietal Georreferenciada Amazocircnia sob pressatildeo11 (Gambini 2000) Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira

Por um nuacutemero grande e crescente de evidecircncias sabe-se hoje do papel vital exercido pela vegetaccedilatildeo em muitos processos do clima

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 12Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

inferno verde aquele labirinto infindaacutevel monoacutetono e perigoso que passou a inspirar mais medo e desespero do que fascinaccedilatildeo O seacuteculo 19 com seus naturalistas cientiacuteficos vecirc reacender a fascinaccedilatildeo mas agora tingi-da por um apelo racional Alexander von Humboldt o aclamado e influente cientista-naturalista alematildeo que explorou as Ameacutericas na virada do seacuteculo 18 para 19 eacute considerado o pai de ciecircncias como geografia fiacutesica meteorologia e ecologia Ele empregou o termo hileia [do grego floresta selvagem] para a Amazocircnia e com a riqueza e encantamento das suas descriccedilotildees minu-ciosas inspirou geraccedilotildees de naturalistas Darwin entre eles De Humboldt vecircm as primeiras sugestotildees da liga-ccedilatildeo entre a floresta a umidade do ar e o clima

Poreacutem no iniacutecio do seacuteculo 20 o poliacutemata autor pro-liacutefico e militar Euclides da Cunha rompe o encanta-mento do naturalismo cientiacutefico com suas descriccedilotildees desapontadas da hileia Seu disciacutepulo Alberto Rangel que como o mestre tambeacutem se sensibilizara com a miseacuteria dos seringueiros e as agruras da vida na selva

ressuscita na obra Inferno Verde a perspectiva de dana-ccedilatildeo dos invasores espanhoacuteis e desmonta de vez a ima-gem de paraiacuteso verde O voluntarismo verbal contra o habitat selvagem lastreado pela admitida ignoracircncia desses autores quanto ao valor intriacutenseco da floresta em compasso com a falecircncia do fausto da borracha muito provavelmente deixou sua heranccedila de valores a influenciar coraccedilotildees e mentes

Quanto do subsequente iacutempeto para a ldquoocupaccedilatildeordquo da Amazocircnia com a radical supressatildeo da mata natildeo teve raiacutezes aiacute Euclides da Cunha prefaciando o livro do dis-ciacutepulo nega valor para a abordagem holiacutestica de Hum-boldt (ldquoa epistemologia da lsquociecircncia amazocircnicarsquo floresce-raacute se se preocupar menos em revelar a hileia por inteirordquo sic) e antecipa a demanda reducionista que viria12

A reciclagem de umidade da chuva pela evaporaccedilatildeo da flores-ta manteacutem o ar uacutemido por mais de 3 mil km continente adentro

Tardios foram os estudos que finalmente comeccedila-ram a revelar os segredos da grande floresta Bus-

cando testar caacutelculos preliminares de balanccedilo hiacutedrico para a Amazocircnia13 que indicavam reciclagem impor-tante da aacutegua Eneacuteas Salati liderou nos anos 1970 estu-dos observacionais de chuva e evaporaccedilatildeo que de-monstraram inequivocamente como atraveacutes da reciclagem de umidade a floresta manteacutem o ar uacutemido por mais de 3000 km continente adentro14

Mas ainda faltavam muitas outras explicaccedilotildees sobre onde quanto como por que e com que implicaccedilotildees Adotando sem saber a sugestatildeo reducionista de Eucli-des da Cunha nas trecircs deacutecadas seguintes aos estudos de Salati mais de duas duacutezias de grandes projetos de investigaccedilatildeo15 congregando centenas de cientistas e usando muitos laboratoacuterios instrumentos sofistica-dos torres aviotildees barcos sateacutelites supercomputado-res e o que mais haacute de ferramenta cientiacutefica produzi-ram milhares de artigos dezenas de livros e bancos de dados alentados a maioria informaccedilatildeo de difiacutecil inter-pretaccedilatildeo isolada

Diz-se que o cientista de hoje eacute aquele que estuda cada vez mais sobre cada vez menos ateacute que conhece tudo sobre o nada Como eacute irocircnico que 200 anos depois a forma mais produtiva de extrair sentido da enormi-dade dessas pesquisas pontuais seja justamente reto-mar a abordagem holiacutestica de Humboldt articulando a riqueza de dados soltos e construindo uma narrativa integrada e funcional a respeito da concentraccedilatildeo fe-nomenal de vida e seu poder sobre os elementos nas florestas da Amazocircnia

Vejamos como podemos captar aspectos espetacu-lares do funcionamento da floresta acompanhando a narrativa do percurso da aacutegua da atmosfera pela inti-midade das plantas e de volta para a atmosfera

Transpiraccedilatildeo plantas natildeo usam desodorante

As plantas suam A aacutegua ao evaporar resfria a folha e o ambiente Mas a transpiraccedilatildeo nas plantas eacute muito mais importante que isso A transpiraccedilatildeo promove a succcedilatildeo pelas raiacutezes e o fluxo ao longo do tronco ateacute as folhas da aacutegua do solo que carrega consigo nutrientes permite que a folha abra seus microportais para a atmosfera (estocircmatos) por onde sai o vapor mas tambeacutem por onde entra o adubo gasoso mais essencial o CO2 E os odores produzidos pelas plantas os gases orgacircnicos que desempenham muitos papeacuteis no funcionamento da atmosfera e das chuvas saem junto com a aacutegua transpirada Portanto sem transpirar a planta deixaria de regular seu proacuteprio bem-estar cessaria de controlar o ambiente e acabaria morrendo por falta de nutrientes dentre eles o CO2 e excesso de temperatura

12 Rafael Leandro assim reflete a expressatildeo de Euclides da Cunha naquele prefaacutecio ldquoa enormidade da floresta soacute pode ser medida se repartidahellip somente num futuro tardio se conheceraacute os segredos da Natureza [] A definiccedilatildeo dos uacuteltimos aspectos da Amazocircnia seraacute o fecho de toda a Histoacuteria Naturalrdquo (Leandro 2009) Inferno Verde Representaccedilatildeo Literaacuteria da Amazocircnia na Obra de Alberto Rangel

13 (Molion 1975) A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects (Villa Nova et al 1976) Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica (Marques et al 1977) Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus

14 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study15 Projetos de pesquisa na Amazocircnia ARME NASA-GTE ABLE ABRACOS TRACE-A RBLE CAMREX INPA-Max Planck INPA-ORSTOM PDBFF PELD LBA LBA-EUSTACH LBA-CARBONSINK LBA-CLAIRE LBA-ECO

LBA-Barca LBA-DMIP GEWEX ISLSCP GEOMA PPBio Rainfor AmazonFlux AMAZE Amazon Pire Amazalert AMAZONICA Changing Amazocircnia ATTO ACRIDICON-CHUVA GreenOceanAmazon etc Apenas no acircmbito do grande projeto LBA foram desenvolvidos 217 subprojetos de pesquisa em 16 anos de operaccedilatildeo

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 13Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Depois que as nuvens precipitam seu precioso liacutequido sobre a floresta grande parte da aacutegua se esgueira por entre o dossel e infiltra-se pelo permeaacutevel solo flores-tal onde eacute armazenada no pacote poroso do solo ou mais abaixo em aquiacuteferos gigantescos verdadeiros oceanos subterracircneos de aacutegua doce

A aacutegua do solo comeccedila seu retorno para a atmosfe-ra absorvida por profundos e sofisticados sugadores as raiacutezes depois sobe desafiando a forccedila da gravidade por 40 a 60 m ou mais em elaboradas tubulaccedilotildees no xilema dos troncos Sua uacuteltima etapa passa pelas es-truturas laminares evaporadoras das folhas versaacuteteis paineacuteis solares quiacutemicos capazes de absorver a ener-gia do sol e aproveitar a cariacutecia dos ventos para trans-pirar e transferir copiosos volumes de aacutegua vaporosa para a atmosfera completando assim o retorno do ci-clo vertical iniciado com a chuva

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpirar mais de mil litros de aacutegua num uacutenico dia

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpi-rar mais de mil litros de

aacutegua num uacutenico dia16 A Amazocircnia sustenta centenas de bilhotildees de aacutervores em suas florestas Vinte bilhotildees de to-neladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica17 Em seu conjunto as aacutervo-res essas benevolentes e silenciosas estruturas verdes vivas da natureza similares a geisers jorram para o ar um rio vertical de vapor mais importante que o Amazonas18

Geiser de vapor maior que o rio Amazonas

Buscando quantificar de modo simples a transpiraccedilatildeo massiva da flores-ta sugerida pelos estudos de Salati e outros fizemos juntamente com Adriana Cuartas em 2007 um caacutelculo revelador Usando os dados de evaporaccedilatildeo coletados nas torres de fluxo do projeto LBA (36 mm ao dia ou 36 litros por m2 em meacutedia) estimamos a quantidade total diaacuteria de aacutegua fluindo do solo para a atmosfera atraveacutes das aacutervores Cobrindo 55 milhotildees de km2 o caacutelculo para a floresta na bacia amazocircnica resultou no fantaacutestico nuacutemero de 20 bilhotildees de toneladas de aacutegua transpirada ao dia (ou 20 trilhotildees de litros) Mais de 22 bilhotildees se considerarmos todas as florestas da porccedilatildeo equatorial da Ameacuterica do Sul e 25 bilhotildees ou mais se considerarmos as florestas que existiam no seu estado pristino em 150017 Para comparaccedilatildeo o volume despejado no oceano Atlacircntico pelo rio Amazonas eacute pouco mais de 17 bilhotildees de toneladas ao dia18

Como em um edifiacutecio com muitos pisos um me-tro quadrado de chatildeo na

Amazocircnia pode ter sobre si ateacute 10 m2 de intrincada su-perfiacutecie foliar distribuiacuteda em diferentes niacuteveis no dossel Nisso reside a explicaccedilatildeo para o fato de uma superfiacutecie terrestre florestada poder evaporar tanto quanto ou ateacute mais aacutegua que a superfiacutecie liacutequida de um oceano ou um lago na qual 1 m2 de superfiacutecie evaporadora coincide com apenas o mesmo 1 m2 da superfiacutecie geomeacutetrica

Corroborando esses fatos fantaacutesticos um estudo pu-blicado recentemente no perioacutedico cientiacutefico Nature18 fez avanccedilar o ciclo de descobertas sobre a importacircn-cia extraordinaacuteria da vegetaccedilatildeo global no processo de transferecircncia de aacutegua para a atmosfera quase 90

16 Aacuterea da copa com raio de 10 m 3242 m2 x 36 litrosm2 = 11311 litros transpirados em um dia17 Aacuterea recente com floresta na bacia hidrograacutefica do rio Amazonas - 55 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 198 x 1012 litros (~20 x 109 toneladas) Aacuterea com floresta em toda Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for

defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas = 6280468 km2 ou 6 280468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 226096848 x 1012 litros (2261 x 109 toneladas)e projetada para a aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 - ou 6943468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 25 x 1012 litros (25 x 109 toneladas)

18 vazatildeo do rio Amazonas na foz de 2 x 105 m3segundo x 86400 segundos = 1728 x 109 m3dia19 (Jasechko et al 2013) Terrestrial water fluxes dominated by transpiration

20 bilhotildees de toneladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 14Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

parte do oceano azul ten-de agrave aridez com pouquiacutes-simas chuvas enquanto

no oceano verde as chuvas eram torrenciais e constan-tes Tanto que antes do avanccedilo do desmatamento di-zia-se haver ali apenas duas estaccedilotildees a uacutemida e a mais uacutemida Agora surgiu uma estaccedilatildeo seca pronunciada e a duraccedilatildeo da estaccedilatildeo uacutemida diminui progressivamente22

Nuvens satildeo aglomerados de pequenas gotiacuteculas em suspensatildeo no ar Gotas visiacuteveis se condensam a partir do vapor que eacute invisiacutevel pelo efeito da baixa tempera-tura Mas somente temperatura natildeo inicia o processo de condensaccedilatildeo Eacute preciso haver tambeacutem uma super-fiacutecie soacutelida ou liacutequida que funcione como ldquosementerdquo para que se inicie a deposiccedilatildeo das moleacuteculas de va-por Essas sementes ou nuacutecleos de condensaccedilatildeo satildeo em geral aerossoacuteis atmosfeacutericos partiacuteculas de poeira gratildeos de poacutelen ou de sal fuligem e muitos outros

Mas na atmosfera sobre a floresta oceano-verde os aeros-soacuteis satildeo encontrados em baixas concentraccedilotildees como no azul Se a limpeza do ar pode ser creditada por um lado ao efeito de tapete verde uacutemido da floresta segurando a poeira embaixo e por outro agrave lavagem do ar pelas chu-vas constantes como explicar a formaccedilatildeo de chuvas tatildeo abundantes sem as sementes usuais para nucleaccedilatildeo

Estudando as trocas de gaacutes carbocircnico atraveacutes de torres de fluxo cientistas brasileiros do INPA e da USP e eu-ropeus da Holanda Alemanha e Itaacutelia colaboraram no

de toda a aacutegua que chega agrave atmosfera oriunda dos con-tinentes chegou laacute atraveacutes da transpiraccedilatildeo das plantas

e somente pouco mais de 10 como simples evapo-raccedilatildeo sem mediaccedilatildeo das plantas Como essa transfe-recircncia por transpiraccedilatildeo se daacute com grande absorccedilatildeo de calor na superfiacutecie as antes insuspeitas plantas inter-ferem ndash e muito ndash com a chuva os ventos e o clima

Todo esse movimento de aacutegua custa energia Olhemos para um paralelo proacuteximo Para gerar a eletricidade de que tanto se necessita fala-se muito em aproveitar a energia das aacuteguas na Amazocircnia Ora a energia hidraacuteu-lica de queda nos rios somente existe porque a aacutegua foi elevada e transportada pela atmosfera para suas altas cabeceiras A transpiraccedilatildeo das aacutervores como elo vital no ciclo das aacuteguas absorve a energia solar no bombeamento da aacutegua do solo e na sua transpiraccedilatildeo Assim as aacutervores funcionam como estaccedilotildees elevatoacute-rias alccedilando e lanccedilando as aacuteguas nas altitudes da at-mosfera aacuteguas que mais adiante retornaratildeo ao solo como chuva transferindo parte da energia solar em-butida no vapor agrave energia potencial da aacutegua que en-che os reservatoacuterios das hidreleacutetricas

12) Nucleaccedilatildeo das nuvens o poacute de pirlimpimpim no oceano verde

Retornar volumes colossais de vapor de aacutegua para a at-mosfera eacute somente a primeira parte da receita para ter

Potecircncia climaacutetica da floresta

Quanta energia do Sol eacute consumida para evaporar 20 trilhotildees de litros de aacutegua ao dia Para dar uma noccedilatildeo da grandeza de energia envolvida na transpiraccedilatildeo amazocircnica basta fazer uma comparaccedilatildeo com as hidreleacutetri-cas Evaporar um grama de aacutegua liacutequida consome 23 kilojoules de ener-gia solar Para converter isso em energia hidraacuteulicaeleacutetrica imagine uma chaleira gigante que comporte esse volume drsquoaacutegua daquelas que se liga na tomada eleacutetrica Quanta eletricidade seria necessaacuteria para ferver e eva-porar toda essa aacutegua A usina de Itaipu com 14 mil megawatts de potecircn-cia precisaria gerar eletricidade em sua capacidade maacutexima por 145 anos para que a chaleira evaporasse a aacutegua equivalente agravequela transpirada em apenas um dia amazocircnico Ou para rivalizar com as aacutervores amazocircnicas e fazer o trabalho em um dia seria preciso somar a eletricidade de 50 mil usinas hidreleacutetricas como Itaipu (ou 200 mil como Belo Monte) Esta comparaccedilatildeo deixa claro que diante da potecircncia climaacutetica da floresta as maiores estruturas humanas se mostram microscoacutepicas

e manter chuvas copiosas e benignas Em 1999 um dos primeiros estudos utilizando aviotildees e observaccedilotildees do sateacutelite TRMM20 feitos no projeto LBA constatou que na Amazocircnia o ar na baixa atmosfera (troposfera) eacute tatildeo lim-po de poeira quanto o ar sobre o oceano onde as fontes de poeira satildeo muito reduzidas e que as nuvens tiacutepicas na Amazocircnia se pareciam muito com as nuvens mariacutetimas Essa inusitada semelhanccedila inspirou aqueles pesquisa-dores a batizar a Amazocircnia de ldquooceano verderdquo21 Esse ter-mo descreve as caracteriacutesticas oceacircnicas desta extensatildeo continental coberta por densas florestas A importacircncia deste conceito novo e incomum reside na sua sugestatildeo de uma superfiacutecie florestal estendida abaixo da atmos-fera cuja caracteriacutesticas de vastidatildeo humidade e trocas pelos ventos se assemelham agraves dos oceanos reais

Mas havia na semelhanccedila um misteacuterio pois a maior

Na transpiraccedilatildeo as plantas transferem para a atmosfera 90 de toda a aacutegua eva-porada nos continentes

20 httptrmmgsfcnasagov21 (Williams et al 2002) Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification22 (Marengo 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region

Oceano verde a atmosfera ama-zocircnica possui o ar limpo como a atmosfera do oceano azul

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 15Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ar a chuva natildeo os lava Soacute quando oxidam-se e precipi-tam-se como aerossoacuteis formando as chuvas eacute que satildeo lavados Mas sempre haacute mais BVOCs esperando para formar mais poacute de pirlimpimpim para a proacutexima chuva

Aleacutem da promoccedilatildeo de chuvas volumosas e gentis outros mecanismos bioquiacutemicos anaacutelogos aos que produzem os aromas atuam como ldquovassourinhas quiacute-micasrdquo da atmosfera Nas condiccedilotildees amazocircnicas po-luentes perigosos (como o ozocircnio) satildeo removidos do ar Nos anos 1980 nos primeiros estudos de quiacutemica da atmosfera empregando aviotildees instrumentados constatou-se que o ar na baixa atmosfera amazocircnica continha menos ozocircnio (portanto era mais saudaacutevel) que o ar das regiotildees mais remotas da Terra (como a Antaacutertida) Nas deacutecadas subsequentes outros projetos de investigaccedilatildeo indicaram o efeito das aacutervores na lim-peza do ar25 Desses e de outros estudos em desenvol-vimento pode-se sugerir que as plantas amazocircnicas usam algum tipo de vitamina C como um antioxidan-te capaz de remover do ar gases danosos para a vida

13) Bomba bioacutetica de umidade doar aacutegua para receber chuva

Por volta de 2005 no pico da mais poderosa seca a atingir a Amazocircnia ateacute aquele momento atuamos na integra-ccedilatildeo dos primeiros seis anos de dados do projeto LBA26 Depois de analisar em vaacuterios estudos as evidecircncias das

projeto LBA para investigar tambeacutem as trocas de outros gases produzidos pelas plantas contendo carbono para verificar se constituiacuteam parte importante dessas trocas Esses outros gases satildeo os aromas da floresta tambeacutem chamados de compostos orgacircnicos volaacuteteis biogecircni-cos (BVOCs23) Como um vidro de perfume aberto per-de seu liacutequido por evaporaccedilatildeo e o gaacutes-perfume difun-de-se pelo ambiente uma variedade de substacircncias orgacircnicas evapora nas folhas e ganha a atmosfera

Quando no ar uacutemido e com a luz do Sol os aromas das plantas formam uma poeira finiacutessima com afinidade pela aacutegua Satildeo os nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens

Em termos de massa as quantidades de carbono perdidas para a atmosfera por esses gases orgacircnicos satildeo pequenas Contudo um grupo liderado por Meinrat

Andreae do Instituto Max Planck que estuda a quiacutemica dos gases na atmosfera investigou o que acontecia com esses aromas quando misturados ao ar amazocircnico e desvendou o misteacuterio da nucleaccedilatildeo das nuvens24 Os BVOCs (como isopreno terpenos etc) numa atmosfera uacutemida e na presenccedila da radiaccedilatildeo solar oxidam-se e pre-cipitam-se formando uma poeira finiacutessima com afinida-de pela aacutegua (higroscoacutepica) gerando eficientes nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens Poeticamente falando esse eacute o poacute de pirlimpimpim que surge magicamente no ar carregado de vapor e provoca as chuvas a cacircntaros das nuvens baixas os regadores do Jardim do Eacuteden En-quanto os BVOCs estatildeo na forma de gaacutes dissolvidos no

23 Do inglecircs Biogenic Volatile Organic Carbon satildeo compostos biogecircnicos porque satildeo sintetizados pelos organismos vivos como os odores das plantas Existem outros compostos orgacircnicos volaacuteteis natildeo biogecircni-cos chamados simplesmente de VOCs como o solvente de uma tinta por exemplo

24 (Poumlschl et al 2010) Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon (Clayes et al 2004) Formation of secondary organic aerosols through photooxidation of isoprene Release Astonishing Discovery over the Amazonian Rain Forest

25 Por exemplo (Rummel et al 2007) Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia26 (Nobre 2005) Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 16Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

observaccedilotildees e os resultados de modelos ponderei so-bre a pergunta em voga agrave eacutepoca com o aquecimento global iraacute a floresta uacutemida na Amazocircnia secar e morrer

Ao longo de milhares27 ou provavelmente milhotildees de anos28 a floresta tropical da Ameacuterica do Sul evoluiu sua biota luxuriante sem sinais de ter sido desligada por even-tos climaacuteticos extremos como aridez ou congelamento No mesmo espaccedilo de tempo no entanto eacute improvaacutevel que o impacto do clima externo ao continente tenha permanecido benigno especialmente considerando as interferecircncias coacutesmicas e sua conhecida relaccedilatildeo com mudanccedilas climaacuteticas profundas em escala planetaacuteria29

Em face da adversidade climaacutetica externa como este magniacutefico bioma conseguiu resistir agrave extinccedilatildeo Hoje haacute linhas suficientes de evidecircncias de que a biosfera natildeo soacute pode resistir mas na verdade pode alterar modular e ateacute regular seu proacuteprio ambiente30

As florestas tropicais da Ameacute-rica do Sul estatildeo entre os mais densos diversos e complexos biomas terrestres no planeta Do mecanismo de chuvas no oceano verde pode-se ima-ginar como essas florestas

Amazocircnia coraccedilatildeo do mundo

Como podemos entender a circulaccedilatildeo da aacutegua pela paisagem A aacutegua irriga e drena os solos de forma anaacuteloga ao sangue que irriga e drena os tecidos do corpo Se os familiares rios satildeo anaacutelogos agraves veias que dre-nam a aacutegua usada e a retornam para a origem no oceano onde ficam as arteacuterias do sistema natural Satildeo os rios aeacutereos que trazem a aacutegua fresca renovada na evaporaccedilatildeo do oceano Para completar o sistema circulatoacuterio faltava somente o coraccedilatildeo a bomba que impulsiona os fluxos nas arteacuterias aeacutereas A teoria da bomba bioacutetica veio explicar que a potecircncia que propele os ventos canalizados nos rios aeacutereos deve ser atribuiacuteda agrave grande floresta que funciona entatildeo como coraccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico

poderiam regular o clima Controlar a precipitaccedilatildeo signi-fica tambeacutem controlar a convecccedilatildeo o que por sua vez significa interferir com uma poderosa correia transporta-dora de massa e energia a circulaccedilatildeo de Hadley31 Atra-veacutes da regulaccedilatildeo de chuvas a biologia poderia definir o ritmo dos ventos aliacutesios do Atlacircntico arrastando a neces-saacuteria umidade do oceano para o interior do continente

Na mesma eacutepoca Victor Gorshkov e Anastassia Maka-rieva aprofundando sua teoria sobre a regulaccedilatildeo bioacute-tica do ambiente32 examinavam os mecanismos que ligam a transpiraccedilatildeo das plantas com efeitos fiacutesicos na atmosfera Das surpreendentes descobertas desta anaacutelise eles desenvolveram a teoria da bomba bioacutetica de umidade33 revelando fisicamente como processos de transpiraccedilatildeo e condensaccedilatildeo mediados e manipula-dos pelas aacutervores mudam a pressatildeo e dinacircmica atmos-feacutericas resultando em maior suprimento de umidade do oceano para o interior de continentes florestados

Makarieva e colaboradores descobriram que a conden-saccedilatildeo do vapor drsquoaacutegua na atmosfera gera uma reduccedilatildeo localizada de pressatildeo e produz potencia dinacircmica que acelera os ventos ao longo do resultante gradiente de pressatildeo 34 O ponto crucial da teoria eacute que contrastes na evaporaccedilatildeo da superfiacutecie ndash casada com a determinante condensaccedilatildeo nas nuvens ndash muito mais que contrastes

na temperatura de superfiacutecie determinam a direccedilatildeo e a intensidade dos ventos trazedores de chuva

Assim uma regiatildeo florestada que evapora tanta ou mais aacutegua que uma superfiacutecie oceacircnica contiacutegua ndash e que teraacute muito mais condensaccedilatildeo na produccedilatildeo de chu-vas ndash iraacute sugar do mar para a terra as correntezas de ar carregadas de umidade onde ascenderatildeo o que traraacute chuvas para a aacuterea florestada Ao contraacuterio se a floresta for removida o continente teraacute muito menos evapora-ccedilatildeo do que o oceano contiacuteguo ndash com a consequente reduccedilatildeo na condensaccedilatildeo ndash o que determinaraacute uma re-versatildeo nos fluxos de umidade que iratildeo da terra para o mar 35 criando um deserto onde antes havia floresta

Entre as previsotildees baseadas na teoria da bomba bioacute-tica feitas por Makarieva e Gorshkov estava a de que as secas nas florestas nativas seriam contrapostas por transpiraccedilatildeo vigorosa das aacutervores Ora essa previsatildeo contrariava o senso comum pois qualquer pessoa sabe que basta deixar um vaso com plantas sem re-gar por alguns dias para que as plantas murchem e

27 (Baker et al 2001) The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years28 (Hooghiemstra et al 2002) Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary29 (Berger and Yin 2012) Astronomical Theory and Orbital Forcing30 (Foley and Costa 2003) Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate (Gorshkov et al 2004) Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction

(Pielke and Avissar 1998) Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate31 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena32 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change33 (Makarieva and Gorshkov 2007) Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land34 (Makarieva et al 2013) Where do winds come from35 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais

Uma regiatildeo florestada onde ocorre muito mais conden-saccedilatildeo em nuvens do que em superfiacutecie oceacircnica contiacutegua iraacute sugar para a terra os ven-tos do mar que carregados de umidade traratildeo chuvas para a aacuterea florestada

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 17Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

continuar a importar aacutegua pela atmosfera ndash contra-pondo a seca ndash e garantir a continuidade da floresta A teoria da bomba bioacutetica vem ganhando aceitaccedilatildeo37 e jaacute tem comprovaccedilatildeo observacional38

14) Rios aeacutereos aacutegua fresca pelas arteacuterias suspensas

Um mapa-muacutendi revela interessantes arranjos e sime-trias na distribuiccedilatildeo de florestas e desertos ao redor do globo com trecircs cinturotildees chamando a atenccedilatildeo um de florestas ao redor da linha do Equador e outros dois de desertos ao redor dos troacutepicos de Cacircncer e Capri-coacuternio Tal geografia de paisagens contrastantes tem explicaccedilatildeo conhecida a circulaccedilatildeo de Hadley39

Pela influecircncia da circulaccedilatildeo de Hadley a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul tenderia agrave aridez

Haacute maior incidecircncia solar na zona equatorial e portanto ocorre ali devido a efeitos fiacutesi-cos uma maior ascensatildeo de ar

que se resfria e faz chover favorecendo florestas O ar que subiu e perdeu umidade precisa ir para algum lugar des-locando-se em altitude nos dois hemisfeacuterios na direccedilatildeo dos subtroacutepicos Esse ar seco quando desce e se aquece remove umidade da superfiacutecie favorecendo desertos

Mas existem exceccedilotildees e a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul eacute uma delas Pela influecircncia da circula-ccedilatildeo de Hadley essa regiatildeo tenderia agrave aridez Basta ver o deserto de Atacama no outro lado dos Andes ou os

ateacute morram Contrariava tambeacutem o conhecimento de ecofisiologistas segundo o qual quando para de cho-ver e a aacutegua no solo diminui as plantas fecham logo seus estocircmatos e deixam de transpirar para econo-mizar aacutegua Ao mesmo tempo essa previsatildeo fornece uma pista para um antigo enigma ecofisioloacutegico por-que a fotossiacutentese evoluiu para ser ldquoesbanjadorardquo de vapor drsquoaacutegua Surpreendentemente entretanto Scott Saleska e colaboradores publicaram na revista cientiacutefi-ca Science36 observaccedilotildees que corroboravam a correccedilatildeo da previsatildeo teoacuterica de Makarieva e Gorshkov

Durante o pico da seca de 2005 as partes mais atingidas da Amazocircnia foram as que mais ldquoverdejaramrdquo isto eacute na zona onde choveu menos (conforme registro do sateacutelite TRMM) brotaram mais folhas novas nas copas das aacutervores (conforme foi visto pelo sensor MODIS no sateacutelite Terra)

As conclusotildees desse estudo a partir de imagens de sateacutelite jaacute contavam com apoio de mediccedilotildees em terra das torres de fluxo do projeto LBA que haviam consta-tado o fato de natildeo ocorrer uma reduccedilatildeo de transpira-ccedilatildeo das aacutervores nas eacutepocas secas Em outras palavras parece que quando a seca chega as aacutervores com raiacute-zes profundas (e acesso a grande quantidade de aacutegua subterracircnea) executam um programa para manter ou aumentar a transpiraccedilatildeo Assim com o fluxo de vapor da transpiraccedilatildeo na superfiacutecie ndash e a correspondente condensaccedilatildeo nas nuvens ndash manteacutem-se a succcedilatildeo do ar uacutemido sobre os oceanos proacuteximos o que significa

36 (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought37 Por exemplo (Sheil and Murdiyarso 2009) How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis38 (Poveda et al 2014) Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers39 Ceacutelula de Hadley

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 18Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

circulaccedilatildeo que liga os ventos aliacutesios carregados de umidade do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonal-mente para a parte meridional

da Ameacuterica do Sul foi descrita por Joseacute Marengo e cola-boradores43 Embora eles tenham chamado esse trans-porte de jatos de baixos niacuteveis o conceito eacute muito similar ao dos rios atmosfeacutericos Segundo sua explicaccedilatildeo fun-ciona na Ameacuterica do Sul um sistema de monccedilotildees seme-lhante ao da Aacutesia e devido ao efeito da floresta (geisers da floresta) e tambeacutem da cordilheira dos Andes (uma barreira de 6 km de altura) o persistente ar uacutemido ama-zocircnico faz a curva no Acre e durante o veratildeo leva quan-tidades generosas de vapor drsquoaacutegua para o quadrilaacutetero afortunado contrariando sua tendecircncia para a aridez

Recentemente Josefina Arraut44 e colaboradores fi-zeram uma revisatildeo climatoloacutegica dos rios aeacutereos da Ameacuterica do Sul estimando o transporte de vapor as-sociado e introduzindo um novo conceito ldquolagos aeacute-reosrdquo ou seja regiatildeo de remanso atmosfeacuterico com um estoque de vapor precipitaacutevel

Com o conceito de rios aeacutereos estabelecido e tornan-do-se popular Dominick Spracklen45 e colaboradores desenvolveram uma nova abordagem ao correlacionar a superfiacutecie coberta por vegetaccedilatildeo agrave exposiccedilatildeo de uma

Salati e colaboradores comparando as assinaturas quiacute-micas40 entre o fluxo de entrada de vapor oceacircnico no grande anfiteatro amazocircnico com as correspondentes assinaturas da aacutegua de escoamento que retorna ao oceano pelo rio Amazonas perceberam que parte sig-nificativa da aacutegua que entrava como vapor no canal aeacutereo natildeo retornava pelo canal terrestre41

Daiacute concluiacuteram que a Amazocircnia devia estar exportan-do esse vapor para outras regiotildees do continente e irri-gando outras bacias hidrograacuteficas que natildeo a do Ama-zonas Anaacutelises preliminares feitas agrave eacutepoca nas aacuteguas de chuva coletadas na cidade do Rio de Janeiro de-tectaram sinais de que parte dela vinha do interior do continente natildeo do oceano contiacuteguo E mais especifi-camente que havia passado pela Amazocircnia Esse gru-po foi o primeiro a sugerir que chuvas na Ameacuterica do Sul fora da Amazocircnia poderiam ser alimentadas pelo transporte continental de vapor

O conceito de rios atmosfeacutericos foi introduzido em 1992 por Reginald Newell e Nicholas Newell42 para descre-ver fluxos filamentares na baixa atmosfera capazes de transportar grandes quantidades de aacutegua como vapor tipicamente em volumes superiores ao transportado pelo rio Amazonas (que tem vazatildeo de 200 milhotildees de litros por segundo ndash ou 17 bilhotildees de toneladas ao dia)

Quase trecircs deacutecadas depois dos achados de Salati a

Rios Voadores contando uma bela histoacuteria

Em 2006 contemplando a floresta amazocircnica do alto de uma torre de estudo do projeto LBA trocamos com o aviador Gerard Moss as primei-ras ideias que levaram ao projeto de aventura pesquisa divulgaccedilatildeo e educaccedilatildeo ambiental Rios Voadores42 Com financiamento da Petrobras e a participaccedilatildeo de Eneacuteas Salati o pioneiro dos estudos sobre reciclagem de umidade na Amazocircnia aleacutem de outros cientistas de renome Moss perseguiu por anos os rios de vapor com seu aviatildeo monomotor coletan-do numerosas amostras para estudo e capturando a atenccedilatildeo luacutedica das pessoas na aventura que criou Fez tambeacutem um trabalho extraordinaacuterio de educaccedilatildeo ambiental nas escolas e pela Web postando frequente-mente em redes sociais as trajetoacuterias dos rios voadores e mostrando como estes levam aacutegua para as pessoas O resultado mais valioso desse projeto foi sua capacidade de tocar o lado emocional das pessoas atraveacutes do estiacutemulo luacutedico da aventura da ciecircncia engajada conectan-do-as ao sentimento de estima pelo ambiente pela aacutegua e pela floresta

desertos de Namiacutebia e Kalahari na Aacutefrica e o deserto da Austraacutelia Todos alinhados latitudinalmente com a afortunada aacuterea verde responsaacutevel por 70 do PIB do continente no quadrilaacutetero delimitado por Cuiabaacute ao Norte Satildeo Paulo a Leste Buenos Aires ao Sul e a cor-dilheira dos Andes a Oeste

As escolas ensinam que a aacutegua evapora do mar ldquovairdquo para os continentes cai como chuva eacute coletada nos rios de superfiacutecie e retorna ao mar Ao fazer a ligaccedilatildeo entre evaporaccedilatildeo da aacutegua no mar com seu tracircnsito em terra esse conceito simploacuterio do ciclo hidroloacutegico natildeo estaacute errado mas natildeo explica quase nada Por exemplo por que existem desertos ou por que o vapor mariacutetimo adentra os continentes de forma heterogecircnea

Rios aeacutereos ligam os ventos aliacutesios carregados de umida-de do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonalmente para a parte meridional da Ameacuterica do Sul

40 Definidas pelo uso de traccediladores que portam assinaturas isotoacutepicas Diz-se que satildeo isoacutetopos dois ou mais aacutetomos com o mesmo numero de proacutetons mas com massas diferentes Uma analogia boa eacute pensar em gecircmeos com caracteriacutesticas idecircnticas exceto peso Assinatura isotoacutepica eacute a relaccedilatildeo numeacuterica entre a imensa multidatildeo de ldquogecircmeosrdquo atocircmicos em um material ou substancia A aacutegua pode conter variada combinaccedilatildeo de gecircmeos de oxigecircnio (16O e 18O) e hidrogecircnio (1H 2H) gerando moleacuteculas de aacutegua com pesos distintos A proporccedilatildeo destes gecircmeos atocircmicos que ocorre na aacutegua do mar por exemplo se altera com a evaporaccedilatildeo (flutuam primeiro os mais leves) e tambeacutem com a chuva (precipitam primeiro os mais pesados) Assim ao analisar a assinatura isotoacutepica de uma amostra de aacutegua ou vapor pode-se saber de onde ela veio se do oceano ou da floresta

41 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study (Matsui et al 1976) Isotopic hydrology in the Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 18O concentrations42 (Newell and Newell 1992) Tropospheric Rivers - A Pilot Study43 (Marengo et al 2004) Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalysis Characteristics and temporal variability44 (Arraut et al 2012) Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America45 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 19Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Eventos extremos a vida buscando equiliacutebrio

Com o aquecimento global ocorre maior acuacutemulo de energia na at-mosfera o que aumenta a probabilidade de ocorrecircncias de fenocircmenos climaacuteticos mais intensos A natureza desta tendecircncia foi prevista haacute deacutecadas pelos meteorologistas Mas a maior intensidade e frequecircncia dessas ocorrecircncias estaacute sendo observada deacutecadas antes do previsto Algum fator na complexidade do clima deve explicar a aceleraccedilatildeo dos efeitos O registro geoloacutegico mostra que climas extremos jaacute ocorreram na histoacuteria da Terra muito antes da humanidade surgir Mas ao contraacuterio do que seria de se esperar depois dos cataclismos todas as evidecircncias apontam sempre para uma resiliente recuperaccedilatildeo estabilizadora ate-nuando os extremos Sistemas puramente geofiacutesicos natildeo teriam essa capacidade Somente a vida e seus processos de auto-regulaccedilatildeo ofere-cem explicaccedilatildeo satisfatoacuteria para a histoacuteria climaacutetica da Terra49

parcela de ar num rio aeacutereo (medida pelo iacutendice cumu-lativo de aacuterea foliar ao longo da trajetoacuteria) com chuva a jusante na trajetoacuteria daquela mesma parcela Ou seja um rio aeacutereo conecta regiotildees doadoras de umidade com outras receptoras de umidade Daiacute a importacircncia crucial das florestas a montante constatou-se que a Amazocircnia eacute de fato a cabeceira dos mananciais aeacutereos da maior parte das chuvas na Ameacuterica do Sul

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos

Makarieva e Gorshkov46 introduziram uma nova definiccedilatildeo fiacutesica para furacotildees ciclones ou tornados ldquo satildeo implosotildees (explosotildees em reverso) que se passam em cacircmera lenta decorrentes do desaparecimento volumeacutetrico de vapor drsquoaacutegua na atmosfera por condensaccedilatildeordquo47 Paulo Nobre

apresentou-lhes entatildeo um problema ldquoA questatildeo que se coloca eacute entender por que os furacotildees natildeo se desenvol-vem sobre as florestas tropicais como na Amazocircnia onde o fornecimento de vapor de aacutegua pela floresta e sua ex-tinccedilatildeo na forma de chuva tropical eacute tatildeo abundanterdquo 48

Respondendo Makarieva e Gorshkov demonstraram teoricamente como uma grande aacuterea terrestre co-berta por floresta natildeo per-

mite a formaccedilatildeo de furacotildees e outros padrotildees climaacuteticos anocircmalos incluindo secas e enchentes Em sua explica-ccedilatildeo a fricccedilatildeo turbulenta local com o dossel da floresta -que transpira ativamente o que resulta em chuvas uni-formes sobre grandes aacutereas- e a traccedilatildeo do vento pela bomba bioacutetica em distacircncias maiores diminui muito a chance de organizaccedilatildeo de tormentas como tornados ou furacotildees As trajetoacuterias registradas dos furacotildees compro-vam o ambiente ameno nas regiotildees cobertas por flores-tas extensas e aacutereas oceacircnicas proacuteximas50 Ou seja aleacutem de todos os outros serviccedilos da floresta ao clima ela ainda oferece um seguro contra destrutivos eventos atmosfeacute-ricos atenuando a concentraccedilatildeo de energia nos ventos

Outras funccedilotildees claacutessicas das florestas na regulaccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico em terra satildeo bem conhecidas como o favorecimento da recarga de aquiacuteferos e a atenua-ccedilatildeo de enchentes51 entre muitas outras

Entre os serviccedilos que a floresta presta ao clima estaacute um segu-ro contra eventos atmosfeacutericos destrutivos atenuando a concen-traccedilatildeo da energia nos ventos

46 (Makarieva et al 2008) On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine47 De acordo com os autores ldquoThe driving force of all hurricane processes is a rapid release as in compressed spring of potential energy previously accumulated in the form of saturated water vapor in the atmospheric column

during a prolonged period of water vapor evaporation under the action of the absorbed solar radiationrdquo (Makarieva et al 2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient48 (Nobre P 2009a) Peer Review Question Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo49 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment50 Storm Track mapa registrando todas as trajetoacuterias observadas de furacotildees mostrando que a regiotildees equatoriais das florestas e suas imediaccedilotildees oceacircnicas satildeo livres destes fenocircmenos51 httpwwwipefbrhidrologiamataciliarasp

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 20Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito

Em vista dos efeitos extensivos e elaborados das flo-restas sobre o clima demonstrados pela ciecircncia que resultados esperar da sua devastaccedilatildeo Para avaliar os impactos do desmatamento no clima vem sendo fei-to um nuacutemero crescente de experimentos de campo e modelagem estudos observacionais e mais recente-mente anaacutelises teoacutericas Quais as consequecircncias pro-jetadas do desmatamento e quais as jaacute observadas

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores

Uma das maiores virtudes dos modelos climaacuteticos estaacute em sua capacidade de simular cenaacuterios distantes do momento presente Esse tipo de exerciacutecio natildeo eacute pre-ditivo no sentido fiacutesico mas onde a teoria fiacutesica ainda natildeo estiver disponiacutevel eacute o melhor conhecimento e a uacutenica ferramenta para analisar sistemas complexos e fazer extrapolaccedilotildees bem fundamentadas

Tais exerciacutecios de simulaccedilatildeo satildeo valiosos para situaccedilotildees especiacuteficas como explorar riscos climaacuteticos associados ao desmatamento No ambiente virtual como num si-mulador de voo eacute possiacutevel avaliar repetidamente ce-naacuterios de desastres esmiuccedilando os fatores atuantes as condiccedilotildees iniciais e as consequecircncias potenciais de manobras arriscadas

Em 1991 Carlos Nobre liderou um dos mais citados

estudos para simular o impacto no clima do desma-tamento total da floresta amazocircnica52 Usando um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera (GCM53) com um moacutedulo acoplado de representaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo (SiB54) os autores concluiacuteram que quando as florestas eram substituiacutedas por pasto degradado no modelo verificava-se um aumento significativo na temperatura meacutedia de superfiacutecie (cerca de 25degC) e uma diminuiccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo anual (reduccedilatildeo de 30) da pre-cipitaccedilatildeo (reduccedilatildeo de 25) e do escoamento superfi-cial (reduccedilatildeo de 20) Na simulaccedilatildeo ocorria tambeacutem um aumento da duraccedilatildeo da estaccedilatildeo seca na metade sul da bacia amazocircnica

Nas duas deacutecadas seguintes outros estudos avanccedila-ram no detalhamento e generalizaccedilatildeo dessas conclu-sotildees Deborah Lawrence e Karen Vandecar fizeram recentemente uma revisatildeo da literatura55 sobre os impactos do desmatamento tropical no clima e con-cluiacuteram que vaacuterios GCMs concordam em que o des-matamento em escala regional leva a um clima mais quente e seco sobre a aacuterea desmatada Os modelos que simulam o desmatamento completo da Amazocirc-nia preveem um clima com aquecimento na faixa de 01-38degC (meacutedia de 19degC) e reduccedilatildeo de chuvas na fai-xa de 140-640 mm ao ano (meacutedia de 324 miliacutemetrosano ou 10-15 de reduccedilatildeo)

Mas o desmatamento pode ter implicaccedilotildees muito mais

52 (Nobre C et al 1991) Amazonian Deforestation and Regional Climate Change53 Definiccedilatildeo de GCM por Lawrence e Vandecar (2014) ldquo satildeo modelos computacionais tridimensionais globais do sistema climaacutetico que operam em larga escala Os modelos mais recentes incluem representaccedilotildees

da atmosfera oceanos e da superfiacutecie da Terra [] e incorporam o ciclo hidroloacutegico e uma representaccedilatildeo expliacutecita [] da vegetaccedilatildeo e seus efeitos sobre os fluxos de energia e de aacutegua incluindo as transferecircncias radiativas e turbulentas e os controles fiacutesicos e bioloacutegicos da evapotranspiraccedilatildeordquo

54 (Sellers et al 1986) Simple Biosphere Model55 (Lawrence and Vandecar 2014) The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity natildeo publicado

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 21Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

modelos parecem tender a subestimar as consequecircn-cias negativas nos cenaacuterios simulados Os resultados de projeccedilotildees mais recentes incluindo os oceanos agra-vam o quadro e aumentam o alerta

A eliminaccedilatildeo da floresta ndash prin-cipal agente da condensaccedilatildeo continental ndash equivale a desligar o interruptor de uma bomba de umidade atmosfeacuterica

Mas eacute preciso tambeacutem con-siderar a teoria da bomba bioacutetica e sua previsatildeo de re-duccedilatildeo de chuvas Diferente-mente dos modelos numeacute-

ricos convencionais uma teoria fiacutesica constroacutei entendimento baseada exclusivamente em leis funda-mentais da natureza Se a teoria estiver correta torna possiacutevel prever quantitativamente efeitos fiacutesicos apenas com a anaacutelise dos cenaacuterios e de sua loacutegica funcional

Makarieva e Gorshkov preveem que o desmatamento completo da Amazocircnia reduziria a precipitaccedilatildeo primor-dialmente como resultado da dissipaccedilatildeo do efeito da baixa pressatildeo (succcedilatildeo) associado agrave condensaccedilatildeo que eacute conectada a uma reduccedilatildeo da evaporaccedilatildeo de superfiacute-cie Como a teoria da bomba bioacutetica tambeacutem credita a disponibilidade de vapor para a precipitaccedilatildeo na Ama-zocircnia como resultado dessa capacidade de transpirar a eliminaccedilatildeo total do principal agente da transpiraccedilatildeo levaria agrave cessaccedilatildeo completa do bombeamento bioacutetico

Esta teoria sugere que desligado o interruptor da bom-ba que puxa o ar uacutemido para o continente o fluxo de umidade deve mudar de direccedilatildeo quando a condensaccedilatildeo passar a ser relativamente maior sobre o oceano (mais

seacuterias Em 1997 German Poveda e Oscar Mesa56 propuse-ram o papel de ponte hidrometeoroloacutegica para a floresta amazocircnica ao conectar os dois grandes oceanos proacutexi-mos isto eacute sugerindo efeitos climaacuteticos cruzados entre os oceanos via atmosfera mediados pela floresta

Explorando com modelagem em direccedilatildeo similar mais recentemente Paulo Nobre57 e colaboradores estuda-ram o impacto do desmatamento na chuva amazocircni-ca tendo como referecircncia a inclusatildeo ou a exclusatildeo das respostas dos grandes oceanos aos cenaacuterios de des-matamento58 Comparando simulaccedilotildees feitas em um GCM atmosfeacuterico usual com um GCM acoplado a outro modelo que simula as condiccedilotildees internas dos oceanos (salinidade correntes etc) esses autores encontraram uma reduccedilatildeo consideravelmente maior na precipita-ccedilatildeo quando o GCM acoplado com o oceano foi rodado para um cenaacuterio de desmatamento total da Amazocircnia 42 de reduccedilatildeo da chuva contabilizando os mecanis-mos internos dos oceanos contra 26 de reduccedilatildeo da chuva sem considera-los Os oceanos sempre estive-ram presentes e a inclusatildeo das suas respostas internas daacute mais realismo agraves simulaccedilotildees

Jaacute existem comprovaccedilotildees de muito do que foi proje-tado pelos modelos como consequecircncia do desma-tamento especialmente a ampliaccedilatildeo da estaccedilatildeo seca Poreacutem esses experimentos virtuais indicavam um prolongamento da estaccedilatildeo seca apoacutes destruiccedilatildeo de 100 da floresta o que jaacute se observa com o corte raso de pouco menos de 19 da floresta Ou seja esses 56 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena57 (Nobre P et al 2009b) Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation58 Que utiliza apenas a seacuterie histoacuterica observada das temperaturas da superfiacutecie dos oceanos

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 22Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

E apontaram que essa re-duccedilatildeo de chuvas poderaacute ser bem maior do que o indicado pelo grupo de Spracklen63 Para a porccedilatildeo

mais desmatada da Amazocircnia jaacute se constata progres-sivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera significativo impacto no setor agriacutecola

Assim a discussatildeo sobre desmatamento passa longe de duacutevidas sobre seus evidentes efeitos diretos e indi-retos na reduccedilatildeo das chuvas e recai sobre a extensatildeo da aacuterea desmatada No periacuteodo 20112012 foram ldquoape-nasrdquo 4571 km2 desmatados na Amazocircnia brasileira Se comparado com taxas de desmatamento em anos de pico como 2004 (27772 km2) esse valor parece mo-desto O Brasil merece reconhecimento por haver lo-grado essa reduccedilatildeo A velocidade e a eficaacutecia atingidas na reduccedilatildeo recomendam essa estrateacutegia para zerar e reverter o desmatamento no Brasil e no mundo

A despeito da notiacutecia encorajadora essa taxa que pa-rece tatildeo pequena seria suficiente para desmatar aacuterea equivalente a toda a Costa Rica em meros dez anos Aleacutem disso reduccedilotildees nas taxas anuais atenuam a per-cepccedilatildeo momentacircnea de perda e mascaram o desmata-mento acumulado na Amazocircnia que eacute muito grave

No que diz respeito ao clima importa sobretudo a aacuterea total devastada e sua distribuiccedilatildeo espacial Compilando

localizado da chuva com o desmatamento estudos mais abrangentes simulaccedilotildees com modelos climaacuteticos e mesmo anaacutelises teoacutericas esclareceram o caraacuteter local e transitoacuterio desse efeito que depende basicamente da existecircncia de matas circundantes agrave aacuterea desmatada e da extensatildeo dessas matas O aumento de chuva converte-se em reduccedilatildeo tatildeo logo as florestas remanescentes fi-quem mais distantes que um certo limiar de aacuterea aberta Daiacute em diante haveraacute reduccedilatildeo das chuvas

Dados de sateacutelites para chuva e presenccedila de floresta mostra-ram reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos que passam sobre aacutereas desmatadas

O estudo de Spracklen e colaboradores62 com da-dos de sateacutelites para chu-va e presenccedila de floresta constatou que com o des-

matamento ocorre a reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos Em 60 das aacutereas tropicais o ar que passa sobre densas florestas produz pelo menos duas vezes mais chuva que o ar que passa sobre aacutereas desmatadas Apesar de ainda natildeo terem considerado o mecanismo e os efeitos da teoria da bomba bioacutetica esses autores de-monstraram com evidecircncias fortes que o impacto ne-gativo do desmatamento no clima natildeo eacute somente local mas pode afetar regiotildees proacuteximas e distantes

Aplicando os conceitos da bomba bioacutetica Makarieva e colaboradores colocaram os achados de Spracklen em perspectiva explicando quantitativamente quais os fatores fiacutesicos responsaacuteveis pela reduccedilatildeo nas chuvas a jusante dos ventos decorrentes do desmatamento

fraca que a bioacutetica a bomba oceacircnica de condensaccedilatildeo estaacute sempre ligada) o que levaria a aridez em terra59

Os modelos climaacuteticos usados para simular o desma-tamento ainda natildeo embutiram essa nova teoria fiacutesica portanto natildeo projetam esse efeito que poderia signi-ficar ateacute 100 de reduccedilatildeo nas chuvas

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo

O desmatamento real eacute imenso e seus efeitos sobre o clima satildeo bem documentados Estudos em torres micrometeoroloacutegicas mostram que a substituiccedilatildeo de floresta por pastagem leva como previsto pelos mo-delos a um aumento da temperatura de superfiacutecie e uma reduccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo60 Observaccedilotildees de sateacutelite mostram que durante a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspi-raccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas61

Observaccedilotildees mostram que duran-te a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspiraccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas

Dados similares tambeacutem indicam que a transpira-ccedilatildeo da floresta eacute bem maior do que aquela pres-crita pelos modelos o que explica em parte a subesti-

mativa dos modelos de larga escala no caso da reduccedilatildeo de precipitaccedilatildeo com o desmatamento Embora alguns estudos observacionais tenham revelado um aumento

Para a porccedilatildeo mais desmata-da da Amazocircnia jaacute se constata progressivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera signifi-cativo impacto no setor agriacutecola

59 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais60 Por exemplo (Gash et al 1996) Amazonian Deforestation and Climate (von Randow et al 2004) Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in southwest Amazonia61 (Huete et al 2006) Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought62 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests63 (Makarieva et al 2013) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 23Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Desmatamento acumulado 762979 km2

Esse valor eacute maior que a soma das aacutereas de trecircs estados de Satildeo Paulo ou que as aacutereas somadas de duas Alemanhas ou de dois Japotildees Uma unidade de aacuterea mais proacutexima do brasileiro o campo de futebol (4136 m2) daacute uma noccedilatildeo da magnitude da devastaccedilatildeo 184 milhotildees de unidades65 ndash quase um campo de futebol desmatado na Amazocircnia para cada brasileiro Colocado na perspectiva temporal teriam sido em meacutedia 12635 campos desmatados por dia 526 campos por hora 88 campos ndash ou 36291 m2 por minuto 605 m2 por segundo ininterruptamente nos uacuteltimos 40 anos Para caber na compreensatildeo o gigantismo destes nuacutemeros eacute preciso estender a imaginaccedilatildeo para aleacutem destas analogias Um trator ficcional operando uma lacircmina frontal com 3 m de largura precisaria acelerar quase agrave velocidade de um aviatildeo a jato (726 kmh) para desmatar a aacuterea raspada na Amazocircnia no ritmo registrado do espaccedilo em imagens Como um trator desmata mui-to mais lentamente (024 - 036 hah66 ou ~08 kmh se essa aacuterea estives-se contida em uma faixa com 3 m de largura) com a mesma lacircmina de 3 m seriam necessaacuterios mais de 900 tratores simultaneamente derrubando a floresta lado a lado formando uma frente destrutiva com quase 3 km de largura Uma comparaccedilatildeo ainda mais impressionante eacute uma ldquoestrada de desmatamentordquo com 2 km de largura que daria para cobrir a distacircncia da Terra ateacute a Lua (380 mil km)

estudos pioneiros com dados de sateacutelite Dioacutegenes Al-ves64 contabilizou ateacute 2004 um desmatamento total de 663 mil km2 Agregando-se os nuacutemeros mais recentes do projeto PRODES do INPE o desmatamento acumula-do total ateacute 2013 chega a 762979 km2

Pelo vieacutes do dano ao clima o que se tem na Amazocircnia eacute um passivo gigantesco de destruiccedilatildeo do oceano ver-de Natildeo haacute portanto qualquer motivo para comemo-rar as taxas relativamente mais baixas de corte raso dos uacuteltimos anos mesmo porque depois da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal (2011) com sua ampla anistia a desmatadores jaacute se observa uma niacutetida tendecircncia de aumento das taxas anuais

Na contabilidade do INPE o corte raso brasileiro (sem considerar os dos demais paiacuteses da bacia amazocircnica) chegou em 2012 a 1885 da aacuterea original de floresta67 Mas a destruiccedilatildeo natildeo eacute uniforme pois ocorre grande concentraccedilatildeo de corte raso no chamado Arco do Fogo ndash ou Arco do Desmatamento68 Se a vastidatildeo raspada jaacute eacute graviacutessima para o clima a situaccedilatildeo torna-se ainda pior ao se considerar o oceano verde ferido

A exploraccedilatildeo madeireira e o desmatamento gradual pro-duzem extensas aacutereas de florestas degradadas que rara-mente entram na contabilidade oficial da destruiccedilatildeo mas que a depreender das informaccedilotildees e estimativas dispo-niacuteveis podem ter impacto significativo sobre o clima

Dalton Valeriano liderou um estudo pioneiro sobre degradaccedilatildeo69 que encontrou no Estado do Mato Gros-so no periacuteodo de 2007 a 2010 ldquosomenterdquo 7856 km2 com corte raso mas outros 32926 km2 de florestas degradadas Somando corte raso com degradaccedilatildeo sobrou pouco do propriamente chamado Estado de Mato Grosso

No mesmo periacuteodo o INPE mapeou 64205 km2 de flo-resta degradada versus 39026 km2 de corte raso para a Amazocircnia brasileira Usando a proporccedilatildeo entre estas

64 (Alves 2007) Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon65 Aacuterea desmatada 762979 km2 0004136 km2 = 184472679 de campos de futebol66 (Viana 2012) Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento67 httpwwwdpiinpebrprodesdigitalprodesphp Lista (uma tabela) e Consolida (somatoacuterios para a unidade de aacuterea considerada)68 Porcentagem de aacuterea desmatada ateacute 2012 TO 75 MA 72 RO 41 MT 40 PA 22 e AC 1369 httpwwwobtinpebrprodesRelatorio_Prodes2008pdf

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 24Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aacutereas pode-se extrapolar a aacuterea de floresta degradada para toda a Amazocircnia brasileira Na estimativa ateacute 2013 a aacuterea total degradada pode ter alcanccedilado 1255100 km2 Somando com a aacuterea mensurada de corte raso o impacto cumulativo no bioma pela ocupaccedilatildeo humana pode ter atingido 2018079 km2

Dentre mais de 200 paiacuteses no mundo somente 13 tecircm aacuterea maior que essa Nesta contabilidade a degrada-ccedilatildeo de florestas na Amazocircnia brasileira pode haver chegado a 2944 da aacuterea original70 que somada ao desmatamento corte-raso sugere que ateacute 4734 da floresta tenha sido impactada diretamente por ativi-dade humana desestabilizadora do clima Para a Pan-Amazocircnia esse impacto agregado da Amazocircnia bra-sileira contabilizando desmatamento e estimando degradaccedilatildeo representa de 2668 a 290371 sobre a aacuterea original de floresta

Mas a aacuterea de impacto no sentido ecoloacutegico pode ser ainda maior porque florestas contiacuteguas a aacutereas de de-gradaccedilatildeo ou corte raso sofrem direta e indiretamente os efeitos das mudanccedilas ambientais vizinhas (biogeo-fiacutesicas e biogeoquiacutemicas)72

No processo de degradaccedilatildeo a destruiccedilatildeo do dossel frequentemente superior a 60 da cobertura73 muda as caracteriacutesticas estruturais ecoloacutegicas e fisioloacutegicas da floresta comprometendo suas capacidades am-bientais

70 Caacutelculo utilizando a mensuraccedilatildeo de Espiacuterito-Santo et al (2014) para a floresta remanescente na Amazocircnia brasileira [3500000 km2] acrescida da aacuterea acumulada do desmatamento [762979 km2] chegando a 4262979 km2 de florestas originais na Amazocircnia brasileira

71 Impacto usando aacuterea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Espiacuterito-Santo et al (2014) com 7562979 km2 e em Eva et al (2005) com 6943468 km2

72 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon73 (Valeriano et al 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD e QUEIMADAS 2007-200874 University of Maryland Global Forest Cover

Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 ateacute 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Ameacuterica do Sul74

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 9: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 10Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aniquilada como a Mata Atlacircntica que perdeu mais de 90 da sua cobertura original O efeito desse des-matamento histoacuterico no clima embora perceptiacutevel foi menos notado do que seria de se esperar e a razatildeo foi a costa quente (e uacutemida) da floresta amazocircnica que manteve o continente razoavelmente protegido de extremos com um clima ameno Mas nos uacuteltimos 40 anos a uacuteltima grande floresta a cabeceira das aacuteguas atmosfeacutericas da maior parte do continente esteve sob o ataque implacaacutevel do desmatamento Coincidente-mente aumentaram as perdas com desastres naturais ligados a anomalias climaacuteticas tanto por excessos (de chuva calor e ventos) quanto por falta (secas)6

As regiotildees andinas e mesmo da costa do Paciacutefico que dependem das geleiras para seu abastecimento de aacutegua poderatildeo em futuro proacuteximo ver-se ameaccediladas pois o derretimento acelerado pelo aquecimento cli-maacutetico jaacute estaacute em andamento e tambeacutem porque qua-se toda a precipitaccedilatildeo nas altas montanhas que su-prem as geleiras ano a ano tem sua mateacuteria-prima no vapor procedente da floresta amazocircnica7 A leste dos Andes a escala da dependecircncia no ciclo hidroloacutegico amazocircnico eacute incomensuravelmente maior

As regiotildees de savana na parte meridional onde haacute hoje um dos maiores cinturotildees de produccedilatildeo de gratildeos e ou-tros bens agriacutecolas tambeacutem recebe da floresta amazocirc-nica vapor formador de chuvas reguladas e benignas o principal insumo da agricultura Natildeo fosse tambeacutem

a liacutengua de vapor que no veratildeo hemisfeacuterico pulsa da Amazocircnia para longe levando chuvas essenciais8 e ou-tras influencias beneacuteficas muito provavelmente teriam clima inoacutespito as regiotildees Sudeste e Sul do Brasil (onde hoje se encontra sua maior infraestrutura produtiva na-cional) e outras aacutereas como o Pantanal e o Chaco as regiotildees agriacutecolas na Boliacutevia Paraguai e Argentina

Este trabalho mostraraacute primeiro o que sabemos sobre como a floresta amazocircnica funciona e manteacutem sua ca-pacidade de existir e persistir por eras geoloacutegicas De-pois exibiraacute o efeito sobre o clima que a destruiccedilatildeo do sistema natural jaacute estaacute gerando e as previsotildees sobre o que ainda pode gerar Por fim exploraraacute as ameaccedilas ao equiliacutebrio climaacutetico que as alteraccedilotildees em curso po-dem disparar analisando sob alguns acircngulos os riscos climaacuteticos agrave espreita

6 (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Marengo et al 2011) Extreme climatic events in the Amazon basin7 (Rabatel et al 2012) Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change8 (Willmot amp Webber 1998) South American Climate Data httpclimategeogudeledu~climate

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 11Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Buscando esclarecer misteacuterios o trabalho dos cientis-tas natildeo difere muito da investigaccedilatildeo de um detetive Exploram pistas analisam evidecircncias desenvolvem teorias constroem modelos Nas deduccedilotildees eletrizan-tes de Sherlock Holmes os casos mais intrincados cul-minavam com soluccedilotildees elementares A realidade do mundo natural mostra-se rica e complexa repleta de misteacuterios e segredos Mas o meacutetodo cientifico tem-perado pelo fasciacutenio e humanizado pela curiosidade infantil abre portais de acesso agrave compreensatildeo dos fe-nocircmenos mais misteriosos que nos afetam

Tais fenocircmenos ao serem clarificados e elevados agrave sua expressatildeo mais simples democratizam o conhecimen-to da ciecircncia ensejando o desenvolvimento de uma nova e estimulante consciecircncia compartilhada sobre o mundo que habitamos Existem ainda muitos segre-dos sobre o funcionamento das florestas bem guarda-dos na natureza Olhemos aqui para apenas cinco de-les revelados nas uacuteltimas deacutecadas segredos que satildeo cruciais para o entendimento das funccedilotildees das florestas no condicionamento do clima

No afatilde de modelar com o uso de computadores os fluxos colossais de massa e energia para simular o clima os me-teorologistas inicialmente prestaram pouca atenccedilatildeo na cobertura de vegetaccedilatildeo Essa abordagem mudou radi-calmente Por um nuacutemero grande e crescente de evidecircn-cias hoje se sabe do papel vital exercido pela vegetaccedilatildeo em muitos processos do clima E praticamente todos os

1) As florestas geram o clima amigo cinco segredos revelados

modelos do clima assim como os mais complexos modelos do sistema terrestre passaram a incluir representaccedilotildees elabora-das da vegetaccedilatildeo As descober-

tas cientiacuteficas sobre o papel determinante das florestas nos ciclos local regional e planetaacuterio de aacutegua energia carbono e outros valem para todas as florestas naturais do globo Mas aqui vamos focalizar mais as florestas tro-picais da Ameacuterica do Sul especialmente a Amazocircnia

Todos os estudos de modelagem climaacutetica consideram a bacia amazocircnica inteira Mas por haver mais dados disponiacuteveis eacute na Amazocircnia brasileira9 que se realizou a maioria dos outros trabalhos cientiacuteficos como o moni-toramento do desmatamento Natildeo obstante dada a im-portacircncia da bacia amazocircnica como um todo a chama-da Pan-Amazocircnia e tambeacutem porque a atmosfera e os rios natildeo se importam com limites poliacuteticos no futuro as observaccedilotildees mapeamentos e anaacutelises precisaratildeo rom-per as fronteiras nacionais a exemplo do que jaacute fazem projetos como a RAISG com levantamento extensivo e integrado das pressotildees humanas sobre a Amazocircnia10

11) Reciclagem de umidade geisers da floresta

Trezentos anos apoacutes a invasatildeo europeia nas Ameacutericas11 a aura de Jardim do Eacuteden nas selvas tropicais jaacute decaiacutea de seu apelo romacircntico possivelmente pela tromba-da dos cobiccedilosos conquistadores espanhoacuteis com o

9 Definida dentro do que durante a ditadura brasileira (1964-1985) foi definida por decreto como Amazocircnia Legal10 RAISG Red Amazoacutenica de Informacioacuten Socioambietal Georreferenciada Amazocircnia sob pressatildeo11 (Gambini 2000) Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira

Por um nuacutemero grande e crescente de evidecircncias sabe-se hoje do papel vital exercido pela vegetaccedilatildeo em muitos processos do clima

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 12Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

inferno verde aquele labirinto infindaacutevel monoacutetono e perigoso que passou a inspirar mais medo e desespero do que fascinaccedilatildeo O seacuteculo 19 com seus naturalistas cientiacuteficos vecirc reacender a fascinaccedilatildeo mas agora tingi-da por um apelo racional Alexander von Humboldt o aclamado e influente cientista-naturalista alematildeo que explorou as Ameacutericas na virada do seacuteculo 18 para 19 eacute considerado o pai de ciecircncias como geografia fiacutesica meteorologia e ecologia Ele empregou o termo hileia [do grego floresta selvagem] para a Amazocircnia e com a riqueza e encantamento das suas descriccedilotildees minu-ciosas inspirou geraccedilotildees de naturalistas Darwin entre eles De Humboldt vecircm as primeiras sugestotildees da liga-ccedilatildeo entre a floresta a umidade do ar e o clima

Poreacutem no iniacutecio do seacuteculo 20 o poliacutemata autor pro-liacutefico e militar Euclides da Cunha rompe o encanta-mento do naturalismo cientiacutefico com suas descriccedilotildees desapontadas da hileia Seu disciacutepulo Alberto Rangel que como o mestre tambeacutem se sensibilizara com a miseacuteria dos seringueiros e as agruras da vida na selva

ressuscita na obra Inferno Verde a perspectiva de dana-ccedilatildeo dos invasores espanhoacuteis e desmonta de vez a ima-gem de paraiacuteso verde O voluntarismo verbal contra o habitat selvagem lastreado pela admitida ignoracircncia desses autores quanto ao valor intriacutenseco da floresta em compasso com a falecircncia do fausto da borracha muito provavelmente deixou sua heranccedila de valores a influenciar coraccedilotildees e mentes

Quanto do subsequente iacutempeto para a ldquoocupaccedilatildeordquo da Amazocircnia com a radical supressatildeo da mata natildeo teve raiacutezes aiacute Euclides da Cunha prefaciando o livro do dis-ciacutepulo nega valor para a abordagem holiacutestica de Hum-boldt (ldquoa epistemologia da lsquociecircncia amazocircnicarsquo floresce-raacute se se preocupar menos em revelar a hileia por inteirordquo sic) e antecipa a demanda reducionista que viria12

A reciclagem de umidade da chuva pela evaporaccedilatildeo da flores-ta manteacutem o ar uacutemido por mais de 3 mil km continente adentro

Tardios foram os estudos que finalmente comeccedila-ram a revelar os segredos da grande floresta Bus-

cando testar caacutelculos preliminares de balanccedilo hiacutedrico para a Amazocircnia13 que indicavam reciclagem impor-tante da aacutegua Eneacuteas Salati liderou nos anos 1970 estu-dos observacionais de chuva e evaporaccedilatildeo que de-monstraram inequivocamente como atraveacutes da reciclagem de umidade a floresta manteacutem o ar uacutemido por mais de 3000 km continente adentro14

Mas ainda faltavam muitas outras explicaccedilotildees sobre onde quanto como por que e com que implicaccedilotildees Adotando sem saber a sugestatildeo reducionista de Eucli-des da Cunha nas trecircs deacutecadas seguintes aos estudos de Salati mais de duas duacutezias de grandes projetos de investigaccedilatildeo15 congregando centenas de cientistas e usando muitos laboratoacuterios instrumentos sofistica-dos torres aviotildees barcos sateacutelites supercomputado-res e o que mais haacute de ferramenta cientiacutefica produzi-ram milhares de artigos dezenas de livros e bancos de dados alentados a maioria informaccedilatildeo de difiacutecil inter-pretaccedilatildeo isolada

Diz-se que o cientista de hoje eacute aquele que estuda cada vez mais sobre cada vez menos ateacute que conhece tudo sobre o nada Como eacute irocircnico que 200 anos depois a forma mais produtiva de extrair sentido da enormi-dade dessas pesquisas pontuais seja justamente reto-mar a abordagem holiacutestica de Humboldt articulando a riqueza de dados soltos e construindo uma narrativa integrada e funcional a respeito da concentraccedilatildeo fe-nomenal de vida e seu poder sobre os elementos nas florestas da Amazocircnia

Vejamos como podemos captar aspectos espetacu-lares do funcionamento da floresta acompanhando a narrativa do percurso da aacutegua da atmosfera pela inti-midade das plantas e de volta para a atmosfera

Transpiraccedilatildeo plantas natildeo usam desodorante

As plantas suam A aacutegua ao evaporar resfria a folha e o ambiente Mas a transpiraccedilatildeo nas plantas eacute muito mais importante que isso A transpiraccedilatildeo promove a succcedilatildeo pelas raiacutezes e o fluxo ao longo do tronco ateacute as folhas da aacutegua do solo que carrega consigo nutrientes permite que a folha abra seus microportais para a atmosfera (estocircmatos) por onde sai o vapor mas tambeacutem por onde entra o adubo gasoso mais essencial o CO2 E os odores produzidos pelas plantas os gases orgacircnicos que desempenham muitos papeacuteis no funcionamento da atmosfera e das chuvas saem junto com a aacutegua transpirada Portanto sem transpirar a planta deixaria de regular seu proacuteprio bem-estar cessaria de controlar o ambiente e acabaria morrendo por falta de nutrientes dentre eles o CO2 e excesso de temperatura

12 Rafael Leandro assim reflete a expressatildeo de Euclides da Cunha naquele prefaacutecio ldquoa enormidade da floresta soacute pode ser medida se repartidahellip somente num futuro tardio se conheceraacute os segredos da Natureza [] A definiccedilatildeo dos uacuteltimos aspectos da Amazocircnia seraacute o fecho de toda a Histoacuteria Naturalrdquo (Leandro 2009) Inferno Verde Representaccedilatildeo Literaacuteria da Amazocircnia na Obra de Alberto Rangel

13 (Molion 1975) A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects (Villa Nova et al 1976) Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica (Marques et al 1977) Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus

14 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study15 Projetos de pesquisa na Amazocircnia ARME NASA-GTE ABLE ABRACOS TRACE-A RBLE CAMREX INPA-Max Planck INPA-ORSTOM PDBFF PELD LBA LBA-EUSTACH LBA-CARBONSINK LBA-CLAIRE LBA-ECO

LBA-Barca LBA-DMIP GEWEX ISLSCP GEOMA PPBio Rainfor AmazonFlux AMAZE Amazon Pire Amazalert AMAZONICA Changing Amazocircnia ATTO ACRIDICON-CHUVA GreenOceanAmazon etc Apenas no acircmbito do grande projeto LBA foram desenvolvidos 217 subprojetos de pesquisa em 16 anos de operaccedilatildeo

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 13Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Depois que as nuvens precipitam seu precioso liacutequido sobre a floresta grande parte da aacutegua se esgueira por entre o dossel e infiltra-se pelo permeaacutevel solo flores-tal onde eacute armazenada no pacote poroso do solo ou mais abaixo em aquiacuteferos gigantescos verdadeiros oceanos subterracircneos de aacutegua doce

A aacutegua do solo comeccedila seu retorno para a atmosfe-ra absorvida por profundos e sofisticados sugadores as raiacutezes depois sobe desafiando a forccedila da gravidade por 40 a 60 m ou mais em elaboradas tubulaccedilotildees no xilema dos troncos Sua uacuteltima etapa passa pelas es-truturas laminares evaporadoras das folhas versaacuteteis paineacuteis solares quiacutemicos capazes de absorver a ener-gia do sol e aproveitar a cariacutecia dos ventos para trans-pirar e transferir copiosos volumes de aacutegua vaporosa para a atmosfera completando assim o retorno do ci-clo vertical iniciado com a chuva

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpirar mais de mil litros de aacutegua num uacutenico dia

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpi-rar mais de mil litros de

aacutegua num uacutenico dia16 A Amazocircnia sustenta centenas de bilhotildees de aacutervores em suas florestas Vinte bilhotildees de to-neladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica17 Em seu conjunto as aacutervo-res essas benevolentes e silenciosas estruturas verdes vivas da natureza similares a geisers jorram para o ar um rio vertical de vapor mais importante que o Amazonas18

Geiser de vapor maior que o rio Amazonas

Buscando quantificar de modo simples a transpiraccedilatildeo massiva da flores-ta sugerida pelos estudos de Salati e outros fizemos juntamente com Adriana Cuartas em 2007 um caacutelculo revelador Usando os dados de evaporaccedilatildeo coletados nas torres de fluxo do projeto LBA (36 mm ao dia ou 36 litros por m2 em meacutedia) estimamos a quantidade total diaacuteria de aacutegua fluindo do solo para a atmosfera atraveacutes das aacutervores Cobrindo 55 milhotildees de km2 o caacutelculo para a floresta na bacia amazocircnica resultou no fantaacutestico nuacutemero de 20 bilhotildees de toneladas de aacutegua transpirada ao dia (ou 20 trilhotildees de litros) Mais de 22 bilhotildees se considerarmos todas as florestas da porccedilatildeo equatorial da Ameacuterica do Sul e 25 bilhotildees ou mais se considerarmos as florestas que existiam no seu estado pristino em 150017 Para comparaccedilatildeo o volume despejado no oceano Atlacircntico pelo rio Amazonas eacute pouco mais de 17 bilhotildees de toneladas ao dia18

Como em um edifiacutecio com muitos pisos um me-tro quadrado de chatildeo na

Amazocircnia pode ter sobre si ateacute 10 m2 de intrincada su-perfiacutecie foliar distribuiacuteda em diferentes niacuteveis no dossel Nisso reside a explicaccedilatildeo para o fato de uma superfiacutecie terrestre florestada poder evaporar tanto quanto ou ateacute mais aacutegua que a superfiacutecie liacutequida de um oceano ou um lago na qual 1 m2 de superfiacutecie evaporadora coincide com apenas o mesmo 1 m2 da superfiacutecie geomeacutetrica

Corroborando esses fatos fantaacutesticos um estudo pu-blicado recentemente no perioacutedico cientiacutefico Nature18 fez avanccedilar o ciclo de descobertas sobre a importacircn-cia extraordinaacuteria da vegetaccedilatildeo global no processo de transferecircncia de aacutegua para a atmosfera quase 90

16 Aacuterea da copa com raio de 10 m 3242 m2 x 36 litrosm2 = 11311 litros transpirados em um dia17 Aacuterea recente com floresta na bacia hidrograacutefica do rio Amazonas - 55 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 198 x 1012 litros (~20 x 109 toneladas) Aacuterea com floresta em toda Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for

defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas = 6280468 km2 ou 6 280468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 226096848 x 1012 litros (2261 x 109 toneladas)e projetada para a aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 - ou 6943468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 25 x 1012 litros (25 x 109 toneladas)

18 vazatildeo do rio Amazonas na foz de 2 x 105 m3segundo x 86400 segundos = 1728 x 109 m3dia19 (Jasechko et al 2013) Terrestrial water fluxes dominated by transpiration

20 bilhotildees de toneladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 14Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

parte do oceano azul ten-de agrave aridez com pouquiacutes-simas chuvas enquanto

no oceano verde as chuvas eram torrenciais e constan-tes Tanto que antes do avanccedilo do desmatamento di-zia-se haver ali apenas duas estaccedilotildees a uacutemida e a mais uacutemida Agora surgiu uma estaccedilatildeo seca pronunciada e a duraccedilatildeo da estaccedilatildeo uacutemida diminui progressivamente22

Nuvens satildeo aglomerados de pequenas gotiacuteculas em suspensatildeo no ar Gotas visiacuteveis se condensam a partir do vapor que eacute invisiacutevel pelo efeito da baixa tempera-tura Mas somente temperatura natildeo inicia o processo de condensaccedilatildeo Eacute preciso haver tambeacutem uma super-fiacutecie soacutelida ou liacutequida que funcione como ldquosementerdquo para que se inicie a deposiccedilatildeo das moleacuteculas de va-por Essas sementes ou nuacutecleos de condensaccedilatildeo satildeo em geral aerossoacuteis atmosfeacutericos partiacuteculas de poeira gratildeos de poacutelen ou de sal fuligem e muitos outros

Mas na atmosfera sobre a floresta oceano-verde os aeros-soacuteis satildeo encontrados em baixas concentraccedilotildees como no azul Se a limpeza do ar pode ser creditada por um lado ao efeito de tapete verde uacutemido da floresta segurando a poeira embaixo e por outro agrave lavagem do ar pelas chu-vas constantes como explicar a formaccedilatildeo de chuvas tatildeo abundantes sem as sementes usuais para nucleaccedilatildeo

Estudando as trocas de gaacutes carbocircnico atraveacutes de torres de fluxo cientistas brasileiros do INPA e da USP e eu-ropeus da Holanda Alemanha e Itaacutelia colaboraram no

de toda a aacutegua que chega agrave atmosfera oriunda dos con-tinentes chegou laacute atraveacutes da transpiraccedilatildeo das plantas

e somente pouco mais de 10 como simples evapo-raccedilatildeo sem mediaccedilatildeo das plantas Como essa transfe-recircncia por transpiraccedilatildeo se daacute com grande absorccedilatildeo de calor na superfiacutecie as antes insuspeitas plantas inter-ferem ndash e muito ndash com a chuva os ventos e o clima

Todo esse movimento de aacutegua custa energia Olhemos para um paralelo proacuteximo Para gerar a eletricidade de que tanto se necessita fala-se muito em aproveitar a energia das aacuteguas na Amazocircnia Ora a energia hidraacuteu-lica de queda nos rios somente existe porque a aacutegua foi elevada e transportada pela atmosfera para suas altas cabeceiras A transpiraccedilatildeo das aacutervores como elo vital no ciclo das aacuteguas absorve a energia solar no bombeamento da aacutegua do solo e na sua transpiraccedilatildeo Assim as aacutervores funcionam como estaccedilotildees elevatoacute-rias alccedilando e lanccedilando as aacuteguas nas altitudes da at-mosfera aacuteguas que mais adiante retornaratildeo ao solo como chuva transferindo parte da energia solar em-butida no vapor agrave energia potencial da aacutegua que en-che os reservatoacuterios das hidreleacutetricas

12) Nucleaccedilatildeo das nuvens o poacute de pirlimpimpim no oceano verde

Retornar volumes colossais de vapor de aacutegua para a at-mosfera eacute somente a primeira parte da receita para ter

Potecircncia climaacutetica da floresta

Quanta energia do Sol eacute consumida para evaporar 20 trilhotildees de litros de aacutegua ao dia Para dar uma noccedilatildeo da grandeza de energia envolvida na transpiraccedilatildeo amazocircnica basta fazer uma comparaccedilatildeo com as hidreleacutetri-cas Evaporar um grama de aacutegua liacutequida consome 23 kilojoules de ener-gia solar Para converter isso em energia hidraacuteulicaeleacutetrica imagine uma chaleira gigante que comporte esse volume drsquoaacutegua daquelas que se liga na tomada eleacutetrica Quanta eletricidade seria necessaacuteria para ferver e eva-porar toda essa aacutegua A usina de Itaipu com 14 mil megawatts de potecircn-cia precisaria gerar eletricidade em sua capacidade maacutexima por 145 anos para que a chaleira evaporasse a aacutegua equivalente agravequela transpirada em apenas um dia amazocircnico Ou para rivalizar com as aacutervores amazocircnicas e fazer o trabalho em um dia seria preciso somar a eletricidade de 50 mil usinas hidreleacutetricas como Itaipu (ou 200 mil como Belo Monte) Esta comparaccedilatildeo deixa claro que diante da potecircncia climaacutetica da floresta as maiores estruturas humanas se mostram microscoacutepicas

e manter chuvas copiosas e benignas Em 1999 um dos primeiros estudos utilizando aviotildees e observaccedilotildees do sateacutelite TRMM20 feitos no projeto LBA constatou que na Amazocircnia o ar na baixa atmosfera (troposfera) eacute tatildeo lim-po de poeira quanto o ar sobre o oceano onde as fontes de poeira satildeo muito reduzidas e que as nuvens tiacutepicas na Amazocircnia se pareciam muito com as nuvens mariacutetimas Essa inusitada semelhanccedila inspirou aqueles pesquisa-dores a batizar a Amazocircnia de ldquooceano verderdquo21 Esse ter-mo descreve as caracteriacutesticas oceacircnicas desta extensatildeo continental coberta por densas florestas A importacircncia deste conceito novo e incomum reside na sua sugestatildeo de uma superfiacutecie florestal estendida abaixo da atmos-fera cuja caracteriacutesticas de vastidatildeo humidade e trocas pelos ventos se assemelham agraves dos oceanos reais

Mas havia na semelhanccedila um misteacuterio pois a maior

Na transpiraccedilatildeo as plantas transferem para a atmosfera 90 de toda a aacutegua eva-porada nos continentes

20 httptrmmgsfcnasagov21 (Williams et al 2002) Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification22 (Marengo 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region

Oceano verde a atmosfera ama-zocircnica possui o ar limpo como a atmosfera do oceano azul

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 15Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ar a chuva natildeo os lava Soacute quando oxidam-se e precipi-tam-se como aerossoacuteis formando as chuvas eacute que satildeo lavados Mas sempre haacute mais BVOCs esperando para formar mais poacute de pirlimpimpim para a proacutexima chuva

Aleacutem da promoccedilatildeo de chuvas volumosas e gentis outros mecanismos bioquiacutemicos anaacutelogos aos que produzem os aromas atuam como ldquovassourinhas quiacute-micasrdquo da atmosfera Nas condiccedilotildees amazocircnicas po-luentes perigosos (como o ozocircnio) satildeo removidos do ar Nos anos 1980 nos primeiros estudos de quiacutemica da atmosfera empregando aviotildees instrumentados constatou-se que o ar na baixa atmosfera amazocircnica continha menos ozocircnio (portanto era mais saudaacutevel) que o ar das regiotildees mais remotas da Terra (como a Antaacutertida) Nas deacutecadas subsequentes outros projetos de investigaccedilatildeo indicaram o efeito das aacutervores na lim-peza do ar25 Desses e de outros estudos em desenvol-vimento pode-se sugerir que as plantas amazocircnicas usam algum tipo de vitamina C como um antioxidan-te capaz de remover do ar gases danosos para a vida

13) Bomba bioacutetica de umidade doar aacutegua para receber chuva

Por volta de 2005 no pico da mais poderosa seca a atingir a Amazocircnia ateacute aquele momento atuamos na integra-ccedilatildeo dos primeiros seis anos de dados do projeto LBA26 Depois de analisar em vaacuterios estudos as evidecircncias das

projeto LBA para investigar tambeacutem as trocas de outros gases produzidos pelas plantas contendo carbono para verificar se constituiacuteam parte importante dessas trocas Esses outros gases satildeo os aromas da floresta tambeacutem chamados de compostos orgacircnicos volaacuteteis biogecircni-cos (BVOCs23) Como um vidro de perfume aberto per-de seu liacutequido por evaporaccedilatildeo e o gaacutes-perfume difun-de-se pelo ambiente uma variedade de substacircncias orgacircnicas evapora nas folhas e ganha a atmosfera

Quando no ar uacutemido e com a luz do Sol os aromas das plantas formam uma poeira finiacutessima com afinidade pela aacutegua Satildeo os nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens

Em termos de massa as quantidades de carbono perdidas para a atmosfera por esses gases orgacircnicos satildeo pequenas Contudo um grupo liderado por Meinrat

Andreae do Instituto Max Planck que estuda a quiacutemica dos gases na atmosfera investigou o que acontecia com esses aromas quando misturados ao ar amazocircnico e desvendou o misteacuterio da nucleaccedilatildeo das nuvens24 Os BVOCs (como isopreno terpenos etc) numa atmosfera uacutemida e na presenccedila da radiaccedilatildeo solar oxidam-se e pre-cipitam-se formando uma poeira finiacutessima com afinida-de pela aacutegua (higroscoacutepica) gerando eficientes nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens Poeticamente falando esse eacute o poacute de pirlimpimpim que surge magicamente no ar carregado de vapor e provoca as chuvas a cacircntaros das nuvens baixas os regadores do Jardim do Eacuteden En-quanto os BVOCs estatildeo na forma de gaacutes dissolvidos no

23 Do inglecircs Biogenic Volatile Organic Carbon satildeo compostos biogecircnicos porque satildeo sintetizados pelos organismos vivos como os odores das plantas Existem outros compostos orgacircnicos volaacuteteis natildeo biogecircni-cos chamados simplesmente de VOCs como o solvente de uma tinta por exemplo

24 (Poumlschl et al 2010) Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon (Clayes et al 2004) Formation of secondary organic aerosols through photooxidation of isoprene Release Astonishing Discovery over the Amazonian Rain Forest

25 Por exemplo (Rummel et al 2007) Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia26 (Nobre 2005) Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 16Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

observaccedilotildees e os resultados de modelos ponderei so-bre a pergunta em voga agrave eacutepoca com o aquecimento global iraacute a floresta uacutemida na Amazocircnia secar e morrer

Ao longo de milhares27 ou provavelmente milhotildees de anos28 a floresta tropical da Ameacuterica do Sul evoluiu sua biota luxuriante sem sinais de ter sido desligada por even-tos climaacuteticos extremos como aridez ou congelamento No mesmo espaccedilo de tempo no entanto eacute improvaacutevel que o impacto do clima externo ao continente tenha permanecido benigno especialmente considerando as interferecircncias coacutesmicas e sua conhecida relaccedilatildeo com mudanccedilas climaacuteticas profundas em escala planetaacuteria29

Em face da adversidade climaacutetica externa como este magniacutefico bioma conseguiu resistir agrave extinccedilatildeo Hoje haacute linhas suficientes de evidecircncias de que a biosfera natildeo soacute pode resistir mas na verdade pode alterar modular e ateacute regular seu proacuteprio ambiente30

As florestas tropicais da Ameacute-rica do Sul estatildeo entre os mais densos diversos e complexos biomas terrestres no planeta Do mecanismo de chuvas no oceano verde pode-se ima-ginar como essas florestas

Amazocircnia coraccedilatildeo do mundo

Como podemos entender a circulaccedilatildeo da aacutegua pela paisagem A aacutegua irriga e drena os solos de forma anaacuteloga ao sangue que irriga e drena os tecidos do corpo Se os familiares rios satildeo anaacutelogos agraves veias que dre-nam a aacutegua usada e a retornam para a origem no oceano onde ficam as arteacuterias do sistema natural Satildeo os rios aeacutereos que trazem a aacutegua fresca renovada na evaporaccedilatildeo do oceano Para completar o sistema circulatoacuterio faltava somente o coraccedilatildeo a bomba que impulsiona os fluxos nas arteacuterias aeacutereas A teoria da bomba bioacutetica veio explicar que a potecircncia que propele os ventos canalizados nos rios aeacutereos deve ser atribuiacuteda agrave grande floresta que funciona entatildeo como coraccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico

poderiam regular o clima Controlar a precipitaccedilatildeo signi-fica tambeacutem controlar a convecccedilatildeo o que por sua vez significa interferir com uma poderosa correia transporta-dora de massa e energia a circulaccedilatildeo de Hadley31 Atra-veacutes da regulaccedilatildeo de chuvas a biologia poderia definir o ritmo dos ventos aliacutesios do Atlacircntico arrastando a neces-saacuteria umidade do oceano para o interior do continente

Na mesma eacutepoca Victor Gorshkov e Anastassia Maka-rieva aprofundando sua teoria sobre a regulaccedilatildeo bioacute-tica do ambiente32 examinavam os mecanismos que ligam a transpiraccedilatildeo das plantas com efeitos fiacutesicos na atmosfera Das surpreendentes descobertas desta anaacutelise eles desenvolveram a teoria da bomba bioacutetica de umidade33 revelando fisicamente como processos de transpiraccedilatildeo e condensaccedilatildeo mediados e manipula-dos pelas aacutervores mudam a pressatildeo e dinacircmica atmos-feacutericas resultando em maior suprimento de umidade do oceano para o interior de continentes florestados

Makarieva e colaboradores descobriram que a conden-saccedilatildeo do vapor drsquoaacutegua na atmosfera gera uma reduccedilatildeo localizada de pressatildeo e produz potencia dinacircmica que acelera os ventos ao longo do resultante gradiente de pressatildeo 34 O ponto crucial da teoria eacute que contrastes na evaporaccedilatildeo da superfiacutecie ndash casada com a determinante condensaccedilatildeo nas nuvens ndash muito mais que contrastes

na temperatura de superfiacutecie determinam a direccedilatildeo e a intensidade dos ventos trazedores de chuva

Assim uma regiatildeo florestada que evapora tanta ou mais aacutegua que uma superfiacutecie oceacircnica contiacutegua ndash e que teraacute muito mais condensaccedilatildeo na produccedilatildeo de chu-vas ndash iraacute sugar do mar para a terra as correntezas de ar carregadas de umidade onde ascenderatildeo o que traraacute chuvas para a aacuterea florestada Ao contraacuterio se a floresta for removida o continente teraacute muito menos evapora-ccedilatildeo do que o oceano contiacuteguo ndash com a consequente reduccedilatildeo na condensaccedilatildeo ndash o que determinaraacute uma re-versatildeo nos fluxos de umidade que iratildeo da terra para o mar 35 criando um deserto onde antes havia floresta

Entre as previsotildees baseadas na teoria da bomba bioacute-tica feitas por Makarieva e Gorshkov estava a de que as secas nas florestas nativas seriam contrapostas por transpiraccedilatildeo vigorosa das aacutervores Ora essa previsatildeo contrariava o senso comum pois qualquer pessoa sabe que basta deixar um vaso com plantas sem re-gar por alguns dias para que as plantas murchem e

27 (Baker et al 2001) The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years28 (Hooghiemstra et al 2002) Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary29 (Berger and Yin 2012) Astronomical Theory and Orbital Forcing30 (Foley and Costa 2003) Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate (Gorshkov et al 2004) Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction

(Pielke and Avissar 1998) Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate31 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena32 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change33 (Makarieva and Gorshkov 2007) Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land34 (Makarieva et al 2013) Where do winds come from35 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais

Uma regiatildeo florestada onde ocorre muito mais conden-saccedilatildeo em nuvens do que em superfiacutecie oceacircnica contiacutegua iraacute sugar para a terra os ven-tos do mar que carregados de umidade traratildeo chuvas para a aacuterea florestada

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 17Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

continuar a importar aacutegua pela atmosfera ndash contra-pondo a seca ndash e garantir a continuidade da floresta A teoria da bomba bioacutetica vem ganhando aceitaccedilatildeo37 e jaacute tem comprovaccedilatildeo observacional38

14) Rios aeacutereos aacutegua fresca pelas arteacuterias suspensas

Um mapa-muacutendi revela interessantes arranjos e sime-trias na distribuiccedilatildeo de florestas e desertos ao redor do globo com trecircs cinturotildees chamando a atenccedilatildeo um de florestas ao redor da linha do Equador e outros dois de desertos ao redor dos troacutepicos de Cacircncer e Capri-coacuternio Tal geografia de paisagens contrastantes tem explicaccedilatildeo conhecida a circulaccedilatildeo de Hadley39

Pela influecircncia da circulaccedilatildeo de Hadley a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul tenderia agrave aridez

Haacute maior incidecircncia solar na zona equatorial e portanto ocorre ali devido a efeitos fiacutesi-cos uma maior ascensatildeo de ar

que se resfria e faz chover favorecendo florestas O ar que subiu e perdeu umidade precisa ir para algum lugar des-locando-se em altitude nos dois hemisfeacuterios na direccedilatildeo dos subtroacutepicos Esse ar seco quando desce e se aquece remove umidade da superfiacutecie favorecendo desertos

Mas existem exceccedilotildees e a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul eacute uma delas Pela influecircncia da circula-ccedilatildeo de Hadley essa regiatildeo tenderia agrave aridez Basta ver o deserto de Atacama no outro lado dos Andes ou os

ateacute morram Contrariava tambeacutem o conhecimento de ecofisiologistas segundo o qual quando para de cho-ver e a aacutegua no solo diminui as plantas fecham logo seus estocircmatos e deixam de transpirar para econo-mizar aacutegua Ao mesmo tempo essa previsatildeo fornece uma pista para um antigo enigma ecofisioloacutegico por-que a fotossiacutentese evoluiu para ser ldquoesbanjadorardquo de vapor drsquoaacutegua Surpreendentemente entretanto Scott Saleska e colaboradores publicaram na revista cientiacutefi-ca Science36 observaccedilotildees que corroboravam a correccedilatildeo da previsatildeo teoacuterica de Makarieva e Gorshkov

Durante o pico da seca de 2005 as partes mais atingidas da Amazocircnia foram as que mais ldquoverdejaramrdquo isto eacute na zona onde choveu menos (conforme registro do sateacutelite TRMM) brotaram mais folhas novas nas copas das aacutervores (conforme foi visto pelo sensor MODIS no sateacutelite Terra)

As conclusotildees desse estudo a partir de imagens de sateacutelite jaacute contavam com apoio de mediccedilotildees em terra das torres de fluxo do projeto LBA que haviam consta-tado o fato de natildeo ocorrer uma reduccedilatildeo de transpira-ccedilatildeo das aacutervores nas eacutepocas secas Em outras palavras parece que quando a seca chega as aacutervores com raiacute-zes profundas (e acesso a grande quantidade de aacutegua subterracircnea) executam um programa para manter ou aumentar a transpiraccedilatildeo Assim com o fluxo de vapor da transpiraccedilatildeo na superfiacutecie ndash e a correspondente condensaccedilatildeo nas nuvens ndash manteacutem-se a succcedilatildeo do ar uacutemido sobre os oceanos proacuteximos o que significa

36 (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought37 Por exemplo (Sheil and Murdiyarso 2009) How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis38 (Poveda et al 2014) Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers39 Ceacutelula de Hadley

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 18Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

circulaccedilatildeo que liga os ventos aliacutesios carregados de umidade do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonal-mente para a parte meridional

da Ameacuterica do Sul foi descrita por Joseacute Marengo e cola-boradores43 Embora eles tenham chamado esse trans-porte de jatos de baixos niacuteveis o conceito eacute muito similar ao dos rios atmosfeacutericos Segundo sua explicaccedilatildeo fun-ciona na Ameacuterica do Sul um sistema de monccedilotildees seme-lhante ao da Aacutesia e devido ao efeito da floresta (geisers da floresta) e tambeacutem da cordilheira dos Andes (uma barreira de 6 km de altura) o persistente ar uacutemido ama-zocircnico faz a curva no Acre e durante o veratildeo leva quan-tidades generosas de vapor drsquoaacutegua para o quadrilaacutetero afortunado contrariando sua tendecircncia para a aridez

Recentemente Josefina Arraut44 e colaboradores fi-zeram uma revisatildeo climatoloacutegica dos rios aeacutereos da Ameacuterica do Sul estimando o transporte de vapor as-sociado e introduzindo um novo conceito ldquolagos aeacute-reosrdquo ou seja regiatildeo de remanso atmosfeacuterico com um estoque de vapor precipitaacutevel

Com o conceito de rios aeacutereos estabelecido e tornan-do-se popular Dominick Spracklen45 e colaboradores desenvolveram uma nova abordagem ao correlacionar a superfiacutecie coberta por vegetaccedilatildeo agrave exposiccedilatildeo de uma

Salati e colaboradores comparando as assinaturas quiacute-micas40 entre o fluxo de entrada de vapor oceacircnico no grande anfiteatro amazocircnico com as correspondentes assinaturas da aacutegua de escoamento que retorna ao oceano pelo rio Amazonas perceberam que parte sig-nificativa da aacutegua que entrava como vapor no canal aeacutereo natildeo retornava pelo canal terrestre41

Daiacute concluiacuteram que a Amazocircnia devia estar exportan-do esse vapor para outras regiotildees do continente e irri-gando outras bacias hidrograacuteficas que natildeo a do Ama-zonas Anaacutelises preliminares feitas agrave eacutepoca nas aacuteguas de chuva coletadas na cidade do Rio de Janeiro de-tectaram sinais de que parte dela vinha do interior do continente natildeo do oceano contiacuteguo E mais especifi-camente que havia passado pela Amazocircnia Esse gru-po foi o primeiro a sugerir que chuvas na Ameacuterica do Sul fora da Amazocircnia poderiam ser alimentadas pelo transporte continental de vapor

O conceito de rios atmosfeacutericos foi introduzido em 1992 por Reginald Newell e Nicholas Newell42 para descre-ver fluxos filamentares na baixa atmosfera capazes de transportar grandes quantidades de aacutegua como vapor tipicamente em volumes superiores ao transportado pelo rio Amazonas (que tem vazatildeo de 200 milhotildees de litros por segundo ndash ou 17 bilhotildees de toneladas ao dia)

Quase trecircs deacutecadas depois dos achados de Salati a

Rios Voadores contando uma bela histoacuteria

Em 2006 contemplando a floresta amazocircnica do alto de uma torre de estudo do projeto LBA trocamos com o aviador Gerard Moss as primei-ras ideias que levaram ao projeto de aventura pesquisa divulgaccedilatildeo e educaccedilatildeo ambiental Rios Voadores42 Com financiamento da Petrobras e a participaccedilatildeo de Eneacuteas Salati o pioneiro dos estudos sobre reciclagem de umidade na Amazocircnia aleacutem de outros cientistas de renome Moss perseguiu por anos os rios de vapor com seu aviatildeo monomotor coletan-do numerosas amostras para estudo e capturando a atenccedilatildeo luacutedica das pessoas na aventura que criou Fez tambeacutem um trabalho extraordinaacuterio de educaccedilatildeo ambiental nas escolas e pela Web postando frequente-mente em redes sociais as trajetoacuterias dos rios voadores e mostrando como estes levam aacutegua para as pessoas O resultado mais valioso desse projeto foi sua capacidade de tocar o lado emocional das pessoas atraveacutes do estiacutemulo luacutedico da aventura da ciecircncia engajada conectan-do-as ao sentimento de estima pelo ambiente pela aacutegua e pela floresta

desertos de Namiacutebia e Kalahari na Aacutefrica e o deserto da Austraacutelia Todos alinhados latitudinalmente com a afortunada aacuterea verde responsaacutevel por 70 do PIB do continente no quadrilaacutetero delimitado por Cuiabaacute ao Norte Satildeo Paulo a Leste Buenos Aires ao Sul e a cor-dilheira dos Andes a Oeste

As escolas ensinam que a aacutegua evapora do mar ldquovairdquo para os continentes cai como chuva eacute coletada nos rios de superfiacutecie e retorna ao mar Ao fazer a ligaccedilatildeo entre evaporaccedilatildeo da aacutegua no mar com seu tracircnsito em terra esse conceito simploacuterio do ciclo hidroloacutegico natildeo estaacute errado mas natildeo explica quase nada Por exemplo por que existem desertos ou por que o vapor mariacutetimo adentra os continentes de forma heterogecircnea

Rios aeacutereos ligam os ventos aliacutesios carregados de umida-de do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonalmente para a parte meridional da Ameacuterica do Sul

40 Definidas pelo uso de traccediladores que portam assinaturas isotoacutepicas Diz-se que satildeo isoacutetopos dois ou mais aacutetomos com o mesmo numero de proacutetons mas com massas diferentes Uma analogia boa eacute pensar em gecircmeos com caracteriacutesticas idecircnticas exceto peso Assinatura isotoacutepica eacute a relaccedilatildeo numeacuterica entre a imensa multidatildeo de ldquogecircmeosrdquo atocircmicos em um material ou substancia A aacutegua pode conter variada combinaccedilatildeo de gecircmeos de oxigecircnio (16O e 18O) e hidrogecircnio (1H 2H) gerando moleacuteculas de aacutegua com pesos distintos A proporccedilatildeo destes gecircmeos atocircmicos que ocorre na aacutegua do mar por exemplo se altera com a evaporaccedilatildeo (flutuam primeiro os mais leves) e tambeacutem com a chuva (precipitam primeiro os mais pesados) Assim ao analisar a assinatura isotoacutepica de uma amostra de aacutegua ou vapor pode-se saber de onde ela veio se do oceano ou da floresta

41 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study (Matsui et al 1976) Isotopic hydrology in the Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 18O concentrations42 (Newell and Newell 1992) Tropospheric Rivers - A Pilot Study43 (Marengo et al 2004) Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalysis Characteristics and temporal variability44 (Arraut et al 2012) Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America45 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 19Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Eventos extremos a vida buscando equiliacutebrio

Com o aquecimento global ocorre maior acuacutemulo de energia na at-mosfera o que aumenta a probabilidade de ocorrecircncias de fenocircmenos climaacuteticos mais intensos A natureza desta tendecircncia foi prevista haacute deacutecadas pelos meteorologistas Mas a maior intensidade e frequecircncia dessas ocorrecircncias estaacute sendo observada deacutecadas antes do previsto Algum fator na complexidade do clima deve explicar a aceleraccedilatildeo dos efeitos O registro geoloacutegico mostra que climas extremos jaacute ocorreram na histoacuteria da Terra muito antes da humanidade surgir Mas ao contraacuterio do que seria de se esperar depois dos cataclismos todas as evidecircncias apontam sempre para uma resiliente recuperaccedilatildeo estabilizadora ate-nuando os extremos Sistemas puramente geofiacutesicos natildeo teriam essa capacidade Somente a vida e seus processos de auto-regulaccedilatildeo ofere-cem explicaccedilatildeo satisfatoacuteria para a histoacuteria climaacutetica da Terra49

parcela de ar num rio aeacutereo (medida pelo iacutendice cumu-lativo de aacuterea foliar ao longo da trajetoacuteria) com chuva a jusante na trajetoacuteria daquela mesma parcela Ou seja um rio aeacutereo conecta regiotildees doadoras de umidade com outras receptoras de umidade Daiacute a importacircncia crucial das florestas a montante constatou-se que a Amazocircnia eacute de fato a cabeceira dos mananciais aeacutereos da maior parte das chuvas na Ameacuterica do Sul

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos

Makarieva e Gorshkov46 introduziram uma nova definiccedilatildeo fiacutesica para furacotildees ciclones ou tornados ldquo satildeo implosotildees (explosotildees em reverso) que se passam em cacircmera lenta decorrentes do desaparecimento volumeacutetrico de vapor drsquoaacutegua na atmosfera por condensaccedilatildeordquo47 Paulo Nobre

apresentou-lhes entatildeo um problema ldquoA questatildeo que se coloca eacute entender por que os furacotildees natildeo se desenvol-vem sobre as florestas tropicais como na Amazocircnia onde o fornecimento de vapor de aacutegua pela floresta e sua ex-tinccedilatildeo na forma de chuva tropical eacute tatildeo abundanterdquo 48

Respondendo Makarieva e Gorshkov demonstraram teoricamente como uma grande aacuterea terrestre co-berta por floresta natildeo per-

mite a formaccedilatildeo de furacotildees e outros padrotildees climaacuteticos anocircmalos incluindo secas e enchentes Em sua explica-ccedilatildeo a fricccedilatildeo turbulenta local com o dossel da floresta -que transpira ativamente o que resulta em chuvas uni-formes sobre grandes aacutereas- e a traccedilatildeo do vento pela bomba bioacutetica em distacircncias maiores diminui muito a chance de organizaccedilatildeo de tormentas como tornados ou furacotildees As trajetoacuterias registradas dos furacotildees compro-vam o ambiente ameno nas regiotildees cobertas por flores-tas extensas e aacutereas oceacircnicas proacuteximas50 Ou seja aleacutem de todos os outros serviccedilos da floresta ao clima ela ainda oferece um seguro contra destrutivos eventos atmosfeacute-ricos atenuando a concentraccedilatildeo de energia nos ventos

Outras funccedilotildees claacutessicas das florestas na regulaccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico em terra satildeo bem conhecidas como o favorecimento da recarga de aquiacuteferos e a atenua-ccedilatildeo de enchentes51 entre muitas outras

Entre os serviccedilos que a floresta presta ao clima estaacute um segu-ro contra eventos atmosfeacutericos destrutivos atenuando a concen-traccedilatildeo da energia nos ventos

46 (Makarieva et al 2008) On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine47 De acordo com os autores ldquoThe driving force of all hurricane processes is a rapid release as in compressed spring of potential energy previously accumulated in the form of saturated water vapor in the atmospheric column

during a prolonged period of water vapor evaporation under the action of the absorbed solar radiationrdquo (Makarieva et al 2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient48 (Nobre P 2009a) Peer Review Question Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo49 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment50 Storm Track mapa registrando todas as trajetoacuterias observadas de furacotildees mostrando que a regiotildees equatoriais das florestas e suas imediaccedilotildees oceacircnicas satildeo livres destes fenocircmenos51 httpwwwipefbrhidrologiamataciliarasp

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 20Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito

Em vista dos efeitos extensivos e elaborados das flo-restas sobre o clima demonstrados pela ciecircncia que resultados esperar da sua devastaccedilatildeo Para avaliar os impactos do desmatamento no clima vem sendo fei-to um nuacutemero crescente de experimentos de campo e modelagem estudos observacionais e mais recente-mente anaacutelises teoacutericas Quais as consequecircncias pro-jetadas do desmatamento e quais as jaacute observadas

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores

Uma das maiores virtudes dos modelos climaacuteticos estaacute em sua capacidade de simular cenaacuterios distantes do momento presente Esse tipo de exerciacutecio natildeo eacute pre-ditivo no sentido fiacutesico mas onde a teoria fiacutesica ainda natildeo estiver disponiacutevel eacute o melhor conhecimento e a uacutenica ferramenta para analisar sistemas complexos e fazer extrapolaccedilotildees bem fundamentadas

Tais exerciacutecios de simulaccedilatildeo satildeo valiosos para situaccedilotildees especiacuteficas como explorar riscos climaacuteticos associados ao desmatamento No ambiente virtual como num si-mulador de voo eacute possiacutevel avaliar repetidamente ce-naacuterios de desastres esmiuccedilando os fatores atuantes as condiccedilotildees iniciais e as consequecircncias potenciais de manobras arriscadas

Em 1991 Carlos Nobre liderou um dos mais citados

estudos para simular o impacto no clima do desma-tamento total da floresta amazocircnica52 Usando um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera (GCM53) com um moacutedulo acoplado de representaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo (SiB54) os autores concluiacuteram que quando as florestas eram substituiacutedas por pasto degradado no modelo verificava-se um aumento significativo na temperatura meacutedia de superfiacutecie (cerca de 25degC) e uma diminuiccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo anual (reduccedilatildeo de 30) da pre-cipitaccedilatildeo (reduccedilatildeo de 25) e do escoamento superfi-cial (reduccedilatildeo de 20) Na simulaccedilatildeo ocorria tambeacutem um aumento da duraccedilatildeo da estaccedilatildeo seca na metade sul da bacia amazocircnica

Nas duas deacutecadas seguintes outros estudos avanccedila-ram no detalhamento e generalizaccedilatildeo dessas conclu-sotildees Deborah Lawrence e Karen Vandecar fizeram recentemente uma revisatildeo da literatura55 sobre os impactos do desmatamento tropical no clima e con-cluiacuteram que vaacuterios GCMs concordam em que o des-matamento em escala regional leva a um clima mais quente e seco sobre a aacuterea desmatada Os modelos que simulam o desmatamento completo da Amazocirc-nia preveem um clima com aquecimento na faixa de 01-38degC (meacutedia de 19degC) e reduccedilatildeo de chuvas na fai-xa de 140-640 mm ao ano (meacutedia de 324 miliacutemetrosano ou 10-15 de reduccedilatildeo)

Mas o desmatamento pode ter implicaccedilotildees muito mais

52 (Nobre C et al 1991) Amazonian Deforestation and Regional Climate Change53 Definiccedilatildeo de GCM por Lawrence e Vandecar (2014) ldquo satildeo modelos computacionais tridimensionais globais do sistema climaacutetico que operam em larga escala Os modelos mais recentes incluem representaccedilotildees

da atmosfera oceanos e da superfiacutecie da Terra [] e incorporam o ciclo hidroloacutegico e uma representaccedilatildeo expliacutecita [] da vegetaccedilatildeo e seus efeitos sobre os fluxos de energia e de aacutegua incluindo as transferecircncias radiativas e turbulentas e os controles fiacutesicos e bioloacutegicos da evapotranspiraccedilatildeordquo

54 (Sellers et al 1986) Simple Biosphere Model55 (Lawrence and Vandecar 2014) The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity natildeo publicado

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 21Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

modelos parecem tender a subestimar as consequecircn-cias negativas nos cenaacuterios simulados Os resultados de projeccedilotildees mais recentes incluindo os oceanos agra-vam o quadro e aumentam o alerta

A eliminaccedilatildeo da floresta ndash prin-cipal agente da condensaccedilatildeo continental ndash equivale a desligar o interruptor de uma bomba de umidade atmosfeacuterica

Mas eacute preciso tambeacutem con-siderar a teoria da bomba bioacutetica e sua previsatildeo de re-duccedilatildeo de chuvas Diferente-mente dos modelos numeacute-

ricos convencionais uma teoria fiacutesica constroacutei entendimento baseada exclusivamente em leis funda-mentais da natureza Se a teoria estiver correta torna possiacutevel prever quantitativamente efeitos fiacutesicos apenas com a anaacutelise dos cenaacuterios e de sua loacutegica funcional

Makarieva e Gorshkov preveem que o desmatamento completo da Amazocircnia reduziria a precipitaccedilatildeo primor-dialmente como resultado da dissipaccedilatildeo do efeito da baixa pressatildeo (succcedilatildeo) associado agrave condensaccedilatildeo que eacute conectada a uma reduccedilatildeo da evaporaccedilatildeo de superfiacute-cie Como a teoria da bomba bioacutetica tambeacutem credita a disponibilidade de vapor para a precipitaccedilatildeo na Ama-zocircnia como resultado dessa capacidade de transpirar a eliminaccedilatildeo total do principal agente da transpiraccedilatildeo levaria agrave cessaccedilatildeo completa do bombeamento bioacutetico

Esta teoria sugere que desligado o interruptor da bom-ba que puxa o ar uacutemido para o continente o fluxo de umidade deve mudar de direccedilatildeo quando a condensaccedilatildeo passar a ser relativamente maior sobre o oceano (mais

seacuterias Em 1997 German Poveda e Oscar Mesa56 propuse-ram o papel de ponte hidrometeoroloacutegica para a floresta amazocircnica ao conectar os dois grandes oceanos proacutexi-mos isto eacute sugerindo efeitos climaacuteticos cruzados entre os oceanos via atmosfera mediados pela floresta

Explorando com modelagem em direccedilatildeo similar mais recentemente Paulo Nobre57 e colaboradores estuda-ram o impacto do desmatamento na chuva amazocircni-ca tendo como referecircncia a inclusatildeo ou a exclusatildeo das respostas dos grandes oceanos aos cenaacuterios de des-matamento58 Comparando simulaccedilotildees feitas em um GCM atmosfeacuterico usual com um GCM acoplado a outro modelo que simula as condiccedilotildees internas dos oceanos (salinidade correntes etc) esses autores encontraram uma reduccedilatildeo consideravelmente maior na precipita-ccedilatildeo quando o GCM acoplado com o oceano foi rodado para um cenaacuterio de desmatamento total da Amazocircnia 42 de reduccedilatildeo da chuva contabilizando os mecanis-mos internos dos oceanos contra 26 de reduccedilatildeo da chuva sem considera-los Os oceanos sempre estive-ram presentes e a inclusatildeo das suas respostas internas daacute mais realismo agraves simulaccedilotildees

Jaacute existem comprovaccedilotildees de muito do que foi proje-tado pelos modelos como consequecircncia do desma-tamento especialmente a ampliaccedilatildeo da estaccedilatildeo seca Poreacutem esses experimentos virtuais indicavam um prolongamento da estaccedilatildeo seca apoacutes destruiccedilatildeo de 100 da floresta o que jaacute se observa com o corte raso de pouco menos de 19 da floresta Ou seja esses 56 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena57 (Nobre P et al 2009b) Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation58 Que utiliza apenas a seacuterie histoacuterica observada das temperaturas da superfiacutecie dos oceanos

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 22Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

E apontaram que essa re-duccedilatildeo de chuvas poderaacute ser bem maior do que o indicado pelo grupo de Spracklen63 Para a porccedilatildeo

mais desmatada da Amazocircnia jaacute se constata progres-sivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera significativo impacto no setor agriacutecola

Assim a discussatildeo sobre desmatamento passa longe de duacutevidas sobre seus evidentes efeitos diretos e indi-retos na reduccedilatildeo das chuvas e recai sobre a extensatildeo da aacuterea desmatada No periacuteodo 20112012 foram ldquoape-nasrdquo 4571 km2 desmatados na Amazocircnia brasileira Se comparado com taxas de desmatamento em anos de pico como 2004 (27772 km2) esse valor parece mo-desto O Brasil merece reconhecimento por haver lo-grado essa reduccedilatildeo A velocidade e a eficaacutecia atingidas na reduccedilatildeo recomendam essa estrateacutegia para zerar e reverter o desmatamento no Brasil e no mundo

A despeito da notiacutecia encorajadora essa taxa que pa-rece tatildeo pequena seria suficiente para desmatar aacuterea equivalente a toda a Costa Rica em meros dez anos Aleacutem disso reduccedilotildees nas taxas anuais atenuam a per-cepccedilatildeo momentacircnea de perda e mascaram o desmata-mento acumulado na Amazocircnia que eacute muito grave

No que diz respeito ao clima importa sobretudo a aacuterea total devastada e sua distribuiccedilatildeo espacial Compilando

localizado da chuva com o desmatamento estudos mais abrangentes simulaccedilotildees com modelos climaacuteticos e mesmo anaacutelises teoacutericas esclareceram o caraacuteter local e transitoacuterio desse efeito que depende basicamente da existecircncia de matas circundantes agrave aacuterea desmatada e da extensatildeo dessas matas O aumento de chuva converte-se em reduccedilatildeo tatildeo logo as florestas remanescentes fi-quem mais distantes que um certo limiar de aacuterea aberta Daiacute em diante haveraacute reduccedilatildeo das chuvas

Dados de sateacutelites para chuva e presenccedila de floresta mostra-ram reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos que passam sobre aacutereas desmatadas

O estudo de Spracklen e colaboradores62 com da-dos de sateacutelites para chu-va e presenccedila de floresta constatou que com o des-

matamento ocorre a reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos Em 60 das aacutereas tropicais o ar que passa sobre densas florestas produz pelo menos duas vezes mais chuva que o ar que passa sobre aacutereas desmatadas Apesar de ainda natildeo terem considerado o mecanismo e os efeitos da teoria da bomba bioacutetica esses autores de-monstraram com evidecircncias fortes que o impacto ne-gativo do desmatamento no clima natildeo eacute somente local mas pode afetar regiotildees proacuteximas e distantes

Aplicando os conceitos da bomba bioacutetica Makarieva e colaboradores colocaram os achados de Spracklen em perspectiva explicando quantitativamente quais os fatores fiacutesicos responsaacuteveis pela reduccedilatildeo nas chuvas a jusante dos ventos decorrentes do desmatamento

fraca que a bioacutetica a bomba oceacircnica de condensaccedilatildeo estaacute sempre ligada) o que levaria a aridez em terra59

Os modelos climaacuteticos usados para simular o desma-tamento ainda natildeo embutiram essa nova teoria fiacutesica portanto natildeo projetam esse efeito que poderia signi-ficar ateacute 100 de reduccedilatildeo nas chuvas

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo

O desmatamento real eacute imenso e seus efeitos sobre o clima satildeo bem documentados Estudos em torres micrometeoroloacutegicas mostram que a substituiccedilatildeo de floresta por pastagem leva como previsto pelos mo-delos a um aumento da temperatura de superfiacutecie e uma reduccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo60 Observaccedilotildees de sateacutelite mostram que durante a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspi-raccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas61

Observaccedilotildees mostram que duran-te a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspiraccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas

Dados similares tambeacutem indicam que a transpira-ccedilatildeo da floresta eacute bem maior do que aquela pres-crita pelos modelos o que explica em parte a subesti-

mativa dos modelos de larga escala no caso da reduccedilatildeo de precipitaccedilatildeo com o desmatamento Embora alguns estudos observacionais tenham revelado um aumento

Para a porccedilatildeo mais desmata-da da Amazocircnia jaacute se constata progressivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera signifi-cativo impacto no setor agriacutecola

59 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais60 Por exemplo (Gash et al 1996) Amazonian Deforestation and Climate (von Randow et al 2004) Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in southwest Amazonia61 (Huete et al 2006) Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought62 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests63 (Makarieva et al 2013) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 23Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Desmatamento acumulado 762979 km2

Esse valor eacute maior que a soma das aacutereas de trecircs estados de Satildeo Paulo ou que as aacutereas somadas de duas Alemanhas ou de dois Japotildees Uma unidade de aacuterea mais proacutexima do brasileiro o campo de futebol (4136 m2) daacute uma noccedilatildeo da magnitude da devastaccedilatildeo 184 milhotildees de unidades65 ndash quase um campo de futebol desmatado na Amazocircnia para cada brasileiro Colocado na perspectiva temporal teriam sido em meacutedia 12635 campos desmatados por dia 526 campos por hora 88 campos ndash ou 36291 m2 por minuto 605 m2 por segundo ininterruptamente nos uacuteltimos 40 anos Para caber na compreensatildeo o gigantismo destes nuacutemeros eacute preciso estender a imaginaccedilatildeo para aleacutem destas analogias Um trator ficcional operando uma lacircmina frontal com 3 m de largura precisaria acelerar quase agrave velocidade de um aviatildeo a jato (726 kmh) para desmatar a aacuterea raspada na Amazocircnia no ritmo registrado do espaccedilo em imagens Como um trator desmata mui-to mais lentamente (024 - 036 hah66 ou ~08 kmh se essa aacuterea estives-se contida em uma faixa com 3 m de largura) com a mesma lacircmina de 3 m seriam necessaacuterios mais de 900 tratores simultaneamente derrubando a floresta lado a lado formando uma frente destrutiva com quase 3 km de largura Uma comparaccedilatildeo ainda mais impressionante eacute uma ldquoestrada de desmatamentordquo com 2 km de largura que daria para cobrir a distacircncia da Terra ateacute a Lua (380 mil km)

estudos pioneiros com dados de sateacutelite Dioacutegenes Al-ves64 contabilizou ateacute 2004 um desmatamento total de 663 mil km2 Agregando-se os nuacutemeros mais recentes do projeto PRODES do INPE o desmatamento acumula-do total ateacute 2013 chega a 762979 km2

Pelo vieacutes do dano ao clima o que se tem na Amazocircnia eacute um passivo gigantesco de destruiccedilatildeo do oceano ver-de Natildeo haacute portanto qualquer motivo para comemo-rar as taxas relativamente mais baixas de corte raso dos uacuteltimos anos mesmo porque depois da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal (2011) com sua ampla anistia a desmatadores jaacute se observa uma niacutetida tendecircncia de aumento das taxas anuais

Na contabilidade do INPE o corte raso brasileiro (sem considerar os dos demais paiacuteses da bacia amazocircnica) chegou em 2012 a 1885 da aacuterea original de floresta67 Mas a destruiccedilatildeo natildeo eacute uniforme pois ocorre grande concentraccedilatildeo de corte raso no chamado Arco do Fogo ndash ou Arco do Desmatamento68 Se a vastidatildeo raspada jaacute eacute graviacutessima para o clima a situaccedilatildeo torna-se ainda pior ao se considerar o oceano verde ferido

A exploraccedilatildeo madeireira e o desmatamento gradual pro-duzem extensas aacutereas de florestas degradadas que rara-mente entram na contabilidade oficial da destruiccedilatildeo mas que a depreender das informaccedilotildees e estimativas dispo-niacuteveis podem ter impacto significativo sobre o clima

Dalton Valeriano liderou um estudo pioneiro sobre degradaccedilatildeo69 que encontrou no Estado do Mato Gros-so no periacuteodo de 2007 a 2010 ldquosomenterdquo 7856 km2 com corte raso mas outros 32926 km2 de florestas degradadas Somando corte raso com degradaccedilatildeo sobrou pouco do propriamente chamado Estado de Mato Grosso

No mesmo periacuteodo o INPE mapeou 64205 km2 de flo-resta degradada versus 39026 km2 de corte raso para a Amazocircnia brasileira Usando a proporccedilatildeo entre estas

64 (Alves 2007) Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon65 Aacuterea desmatada 762979 km2 0004136 km2 = 184472679 de campos de futebol66 (Viana 2012) Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento67 httpwwwdpiinpebrprodesdigitalprodesphp Lista (uma tabela) e Consolida (somatoacuterios para a unidade de aacuterea considerada)68 Porcentagem de aacuterea desmatada ateacute 2012 TO 75 MA 72 RO 41 MT 40 PA 22 e AC 1369 httpwwwobtinpebrprodesRelatorio_Prodes2008pdf

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 24Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aacutereas pode-se extrapolar a aacuterea de floresta degradada para toda a Amazocircnia brasileira Na estimativa ateacute 2013 a aacuterea total degradada pode ter alcanccedilado 1255100 km2 Somando com a aacuterea mensurada de corte raso o impacto cumulativo no bioma pela ocupaccedilatildeo humana pode ter atingido 2018079 km2

Dentre mais de 200 paiacuteses no mundo somente 13 tecircm aacuterea maior que essa Nesta contabilidade a degrada-ccedilatildeo de florestas na Amazocircnia brasileira pode haver chegado a 2944 da aacuterea original70 que somada ao desmatamento corte-raso sugere que ateacute 4734 da floresta tenha sido impactada diretamente por ativi-dade humana desestabilizadora do clima Para a Pan-Amazocircnia esse impacto agregado da Amazocircnia bra-sileira contabilizando desmatamento e estimando degradaccedilatildeo representa de 2668 a 290371 sobre a aacuterea original de floresta

Mas a aacuterea de impacto no sentido ecoloacutegico pode ser ainda maior porque florestas contiacuteguas a aacutereas de de-gradaccedilatildeo ou corte raso sofrem direta e indiretamente os efeitos das mudanccedilas ambientais vizinhas (biogeo-fiacutesicas e biogeoquiacutemicas)72

No processo de degradaccedilatildeo a destruiccedilatildeo do dossel frequentemente superior a 60 da cobertura73 muda as caracteriacutesticas estruturais ecoloacutegicas e fisioloacutegicas da floresta comprometendo suas capacidades am-bientais

70 Caacutelculo utilizando a mensuraccedilatildeo de Espiacuterito-Santo et al (2014) para a floresta remanescente na Amazocircnia brasileira [3500000 km2] acrescida da aacuterea acumulada do desmatamento [762979 km2] chegando a 4262979 km2 de florestas originais na Amazocircnia brasileira

71 Impacto usando aacuterea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Espiacuterito-Santo et al (2014) com 7562979 km2 e em Eva et al (2005) com 6943468 km2

72 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon73 (Valeriano et al 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD e QUEIMADAS 2007-200874 University of Maryland Global Forest Cover

Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 ateacute 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Ameacuterica do Sul74

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 10: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 11Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Buscando esclarecer misteacuterios o trabalho dos cientis-tas natildeo difere muito da investigaccedilatildeo de um detetive Exploram pistas analisam evidecircncias desenvolvem teorias constroem modelos Nas deduccedilotildees eletrizan-tes de Sherlock Holmes os casos mais intrincados cul-minavam com soluccedilotildees elementares A realidade do mundo natural mostra-se rica e complexa repleta de misteacuterios e segredos Mas o meacutetodo cientifico tem-perado pelo fasciacutenio e humanizado pela curiosidade infantil abre portais de acesso agrave compreensatildeo dos fe-nocircmenos mais misteriosos que nos afetam

Tais fenocircmenos ao serem clarificados e elevados agrave sua expressatildeo mais simples democratizam o conhecimen-to da ciecircncia ensejando o desenvolvimento de uma nova e estimulante consciecircncia compartilhada sobre o mundo que habitamos Existem ainda muitos segre-dos sobre o funcionamento das florestas bem guarda-dos na natureza Olhemos aqui para apenas cinco de-les revelados nas uacuteltimas deacutecadas segredos que satildeo cruciais para o entendimento das funccedilotildees das florestas no condicionamento do clima

No afatilde de modelar com o uso de computadores os fluxos colossais de massa e energia para simular o clima os me-teorologistas inicialmente prestaram pouca atenccedilatildeo na cobertura de vegetaccedilatildeo Essa abordagem mudou radi-calmente Por um nuacutemero grande e crescente de evidecircn-cias hoje se sabe do papel vital exercido pela vegetaccedilatildeo em muitos processos do clima E praticamente todos os

1) As florestas geram o clima amigo cinco segredos revelados

modelos do clima assim como os mais complexos modelos do sistema terrestre passaram a incluir representaccedilotildees elabora-das da vegetaccedilatildeo As descober-

tas cientiacuteficas sobre o papel determinante das florestas nos ciclos local regional e planetaacuterio de aacutegua energia carbono e outros valem para todas as florestas naturais do globo Mas aqui vamos focalizar mais as florestas tro-picais da Ameacuterica do Sul especialmente a Amazocircnia

Todos os estudos de modelagem climaacutetica consideram a bacia amazocircnica inteira Mas por haver mais dados disponiacuteveis eacute na Amazocircnia brasileira9 que se realizou a maioria dos outros trabalhos cientiacuteficos como o moni-toramento do desmatamento Natildeo obstante dada a im-portacircncia da bacia amazocircnica como um todo a chama-da Pan-Amazocircnia e tambeacutem porque a atmosfera e os rios natildeo se importam com limites poliacuteticos no futuro as observaccedilotildees mapeamentos e anaacutelises precisaratildeo rom-per as fronteiras nacionais a exemplo do que jaacute fazem projetos como a RAISG com levantamento extensivo e integrado das pressotildees humanas sobre a Amazocircnia10

11) Reciclagem de umidade geisers da floresta

Trezentos anos apoacutes a invasatildeo europeia nas Ameacutericas11 a aura de Jardim do Eacuteden nas selvas tropicais jaacute decaiacutea de seu apelo romacircntico possivelmente pela tromba-da dos cobiccedilosos conquistadores espanhoacuteis com o

9 Definida dentro do que durante a ditadura brasileira (1964-1985) foi definida por decreto como Amazocircnia Legal10 RAISG Red Amazoacutenica de Informacioacuten Socioambietal Georreferenciada Amazocircnia sob pressatildeo11 (Gambini 2000) Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira

Por um nuacutemero grande e crescente de evidecircncias sabe-se hoje do papel vital exercido pela vegetaccedilatildeo em muitos processos do clima

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 12Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

inferno verde aquele labirinto infindaacutevel monoacutetono e perigoso que passou a inspirar mais medo e desespero do que fascinaccedilatildeo O seacuteculo 19 com seus naturalistas cientiacuteficos vecirc reacender a fascinaccedilatildeo mas agora tingi-da por um apelo racional Alexander von Humboldt o aclamado e influente cientista-naturalista alematildeo que explorou as Ameacutericas na virada do seacuteculo 18 para 19 eacute considerado o pai de ciecircncias como geografia fiacutesica meteorologia e ecologia Ele empregou o termo hileia [do grego floresta selvagem] para a Amazocircnia e com a riqueza e encantamento das suas descriccedilotildees minu-ciosas inspirou geraccedilotildees de naturalistas Darwin entre eles De Humboldt vecircm as primeiras sugestotildees da liga-ccedilatildeo entre a floresta a umidade do ar e o clima

Poreacutem no iniacutecio do seacuteculo 20 o poliacutemata autor pro-liacutefico e militar Euclides da Cunha rompe o encanta-mento do naturalismo cientiacutefico com suas descriccedilotildees desapontadas da hileia Seu disciacutepulo Alberto Rangel que como o mestre tambeacutem se sensibilizara com a miseacuteria dos seringueiros e as agruras da vida na selva

ressuscita na obra Inferno Verde a perspectiva de dana-ccedilatildeo dos invasores espanhoacuteis e desmonta de vez a ima-gem de paraiacuteso verde O voluntarismo verbal contra o habitat selvagem lastreado pela admitida ignoracircncia desses autores quanto ao valor intriacutenseco da floresta em compasso com a falecircncia do fausto da borracha muito provavelmente deixou sua heranccedila de valores a influenciar coraccedilotildees e mentes

Quanto do subsequente iacutempeto para a ldquoocupaccedilatildeordquo da Amazocircnia com a radical supressatildeo da mata natildeo teve raiacutezes aiacute Euclides da Cunha prefaciando o livro do dis-ciacutepulo nega valor para a abordagem holiacutestica de Hum-boldt (ldquoa epistemologia da lsquociecircncia amazocircnicarsquo floresce-raacute se se preocupar menos em revelar a hileia por inteirordquo sic) e antecipa a demanda reducionista que viria12

A reciclagem de umidade da chuva pela evaporaccedilatildeo da flores-ta manteacutem o ar uacutemido por mais de 3 mil km continente adentro

Tardios foram os estudos que finalmente comeccedila-ram a revelar os segredos da grande floresta Bus-

cando testar caacutelculos preliminares de balanccedilo hiacutedrico para a Amazocircnia13 que indicavam reciclagem impor-tante da aacutegua Eneacuteas Salati liderou nos anos 1970 estu-dos observacionais de chuva e evaporaccedilatildeo que de-monstraram inequivocamente como atraveacutes da reciclagem de umidade a floresta manteacutem o ar uacutemido por mais de 3000 km continente adentro14

Mas ainda faltavam muitas outras explicaccedilotildees sobre onde quanto como por que e com que implicaccedilotildees Adotando sem saber a sugestatildeo reducionista de Eucli-des da Cunha nas trecircs deacutecadas seguintes aos estudos de Salati mais de duas duacutezias de grandes projetos de investigaccedilatildeo15 congregando centenas de cientistas e usando muitos laboratoacuterios instrumentos sofistica-dos torres aviotildees barcos sateacutelites supercomputado-res e o que mais haacute de ferramenta cientiacutefica produzi-ram milhares de artigos dezenas de livros e bancos de dados alentados a maioria informaccedilatildeo de difiacutecil inter-pretaccedilatildeo isolada

Diz-se que o cientista de hoje eacute aquele que estuda cada vez mais sobre cada vez menos ateacute que conhece tudo sobre o nada Como eacute irocircnico que 200 anos depois a forma mais produtiva de extrair sentido da enormi-dade dessas pesquisas pontuais seja justamente reto-mar a abordagem holiacutestica de Humboldt articulando a riqueza de dados soltos e construindo uma narrativa integrada e funcional a respeito da concentraccedilatildeo fe-nomenal de vida e seu poder sobre os elementos nas florestas da Amazocircnia

Vejamos como podemos captar aspectos espetacu-lares do funcionamento da floresta acompanhando a narrativa do percurso da aacutegua da atmosfera pela inti-midade das plantas e de volta para a atmosfera

Transpiraccedilatildeo plantas natildeo usam desodorante

As plantas suam A aacutegua ao evaporar resfria a folha e o ambiente Mas a transpiraccedilatildeo nas plantas eacute muito mais importante que isso A transpiraccedilatildeo promove a succcedilatildeo pelas raiacutezes e o fluxo ao longo do tronco ateacute as folhas da aacutegua do solo que carrega consigo nutrientes permite que a folha abra seus microportais para a atmosfera (estocircmatos) por onde sai o vapor mas tambeacutem por onde entra o adubo gasoso mais essencial o CO2 E os odores produzidos pelas plantas os gases orgacircnicos que desempenham muitos papeacuteis no funcionamento da atmosfera e das chuvas saem junto com a aacutegua transpirada Portanto sem transpirar a planta deixaria de regular seu proacuteprio bem-estar cessaria de controlar o ambiente e acabaria morrendo por falta de nutrientes dentre eles o CO2 e excesso de temperatura

12 Rafael Leandro assim reflete a expressatildeo de Euclides da Cunha naquele prefaacutecio ldquoa enormidade da floresta soacute pode ser medida se repartidahellip somente num futuro tardio se conheceraacute os segredos da Natureza [] A definiccedilatildeo dos uacuteltimos aspectos da Amazocircnia seraacute o fecho de toda a Histoacuteria Naturalrdquo (Leandro 2009) Inferno Verde Representaccedilatildeo Literaacuteria da Amazocircnia na Obra de Alberto Rangel

13 (Molion 1975) A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects (Villa Nova et al 1976) Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica (Marques et al 1977) Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus

14 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study15 Projetos de pesquisa na Amazocircnia ARME NASA-GTE ABLE ABRACOS TRACE-A RBLE CAMREX INPA-Max Planck INPA-ORSTOM PDBFF PELD LBA LBA-EUSTACH LBA-CARBONSINK LBA-CLAIRE LBA-ECO

LBA-Barca LBA-DMIP GEWEX ISLSCP GEOMA PPBio Rainfor AmazonFlux AMAZE Amazon Pire Amazalert AMAZONICA Changing Amazocircnia ATTO ACRIDICON-CHUVA GreenOceanAmazon etc Apenas no acircmbito do grande projeto LBA foram desenvolvidos 217 subprojetos de pesquisa em 16 anos de operaccedilatildeo

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 13Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Depois que as nuvens precipitam seu precioso liacutequido sobre a floresta grande parte da aacutegua se esgueira por entre o dossel e infiltra-se pelo permeaacutevel solo flores-tal onde eacute armazenada no pacote poroso do solo ou mais abaixo em aquiacuteferos gigantescos verdadeiros oceanos subterracircneos de aacutegua doce

A aacutegua do solo comeccedila seu retorno para a atmosfe-ra absorvida por profundos e sofisticados sugadores as raiacutezes depois sobe desafiando a forccedila da gravidade por 40 a 60 m ou mais em elaboradas tubulaccedilotildees no xilema dos troncos Sua uacuteltima etapa passa pelas es-truturas laminares evaporadoras das folhas versaacuteteis paineacuteis solares quiacutemicos capazes de absorver a ener-gia do sol e aproveitar a cariacutecia dos ventos para trans-pirar e transferir copiosos volumes de aacutegua vaporosa para a atmosfera completando assim o retorno do ci-clo vertical iniciado com a chuva

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpirar mais de mil litros de aacutegua num uacutenico dia

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpi-rar mais de mil litros de

aacutegua num uacutenico dia16 A Amazocircnia sustenta centenas de bilhotildees de aacutervores em suas florestas Vinte bilhotildees de to-neladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica17 Em seu conjunto as aacutervo-res essas benevolentes e silenciosas estruturas verdes vivas da natureza similares a geisers jorram para o ar um rio vertical de vapor mais importante que o Amazonas18

Geiser de vapor maior que o rio Amazonas

Buscando quantificar de modo simples a transpiraccedilatildeo massiva da flores-ta sugerida pelos estudos de Salati e outros fizemos juntamente com Adriana Cuartas em 2007 um caacutelculo revelador Usando os dados de evaporaccedilatildeo coletados nas torres de fluxo do projeto LBA (36 mm ao dia ou 36 litros por m2 em meacutedia) estimamos a quantidade total diaacuteria de aacutegua fluindo do solo para a atmosfera atraveacutes das aacutervores Cobrindo 55 milhotildees de km2 o caacutelculo para a floresta na bacia amazocircnica resultou no fantaacutestico nuacutemero de 20 bilhotildees de toneladas de aacutegua transpirada ao dia (ou 20 trilhotildees de litros) Mais de 22 bilhotildees se considerarmos todas as florestas da porccedilatildeo equatorial da Ameacuterica do Sul e 25 bilhotildees ou mais se considerarmos as florestas que existiam no seu estado pristino em 150017 Para comparaccedilatildeo o volume despejado no oceano Atlacircntico pelo rio Amazonas eacute pouco mais de 17 bilhotildees de toneladas ao dia18

Como em um edifiacutecio com muitos pisos um me-tro quadrado de chatildeo na

Amazocircnia pode ter sobre si ateacute 10 m2 de intrincada su-perfiacutecie foliar distribuiacuteda em diferentes niacuteveis no dossel Nisso reside a explicaccedilatildeo para o fato de uma superfiacutecie terrestre florestada poder evaporar tanto quanto ou ateacute mais aacutegua que a superfiacutecie liacutequida de um oceano ou um lago na qual 1 m2 de superfiacutecie evaporadora coincide com apenas o mesmo 1 m2 da superfiacutecie geomeacutetrica

Corroborando esses fatos fantaacutesticos um estudo pu-blicado recentemente no perioacutedico cientiacutefico Nature18 fez avanccedilar o ciclo de descobertas sobre a importacircn-cia extraordinaacuteria da vegetaccedilatildeo global no processo de transferecircncia de aacutegua para a atmosfera quase 90

16 Aacuterea da copa com raio de 10 m 3242 m2 x 36 litrosm2 = 11311 litros transpirados em um dia17 Aacuterea recente com floresta na bacia hidrograacutefica do rio Amazonas - 55 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 198 x 1012 litros (~20 x 109 toneladas) Aacuterea com floresta em toda Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for

defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas = 6280468 km2 ou 6 280468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 226096848 x 1012 litros (2261 x 109 toneladas)e projetada para a aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 - ou 6943468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 25 x 1012 litros (25 x 109 toneladas)

18 vazatildeo do rio Amazonas na foz de 2 x 105 m3segundo x 86400 segundos = 1728 x 109 m3dia19 (Jasechko et al 2013) Terrestrial water fluxes dominated by transpiration

20 bilhotildees de toneladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 14Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

parte do oceano azul ten-de agrave aridez com pouquiacutes-simas chuvas enquanto

no oceano verde as chuvas eram torrenciais e constan-tes Tanto que antes do avanccedilo do desmatamento di-zia-se haver ali apenas duas estaccedilotildees a uacutemida e a mais uacutemida Agora surgiu uma estaccedilatildeo seca pronunciada e a duraccedilatildeo da estaccedilatildeo uacutemida diminui progressivamente22

Nuvens satildeo aglomerados de pequenas gotiacuteculas em suspensatildeo no ar Gotas visiacuteveis se condensam a partir do vapor que eacute invisiacutevel pelo efeito da baixa tempera-tura Mas somente temperatura natildeo inicia o processo de condensaccedilatildeo Eacute preciso haver tambeacutem uma super-fiacutecie soacutelida ou liacutequida que funcione como ldquosementerdquo para que se inicie a deposiccedilatildeo das moleacuteculas de va-por Essas sementes ou nuacutecleos de condensaccedilatildeo satildeo em geral aerossoacuteis atmosfeacutericos partiacuteculas de poeira gratildeos de poacutelen ou de sal fuligem e muitos outros

Mas na atmosfera sobre a floresta oceano-verde os aeros-soacuteis satildeo encontrados em baixas concentraccedilotildees como no azul Se a limpeza do ar pode ser creditada por um lado ao efeito de tapete verde uacutemido da floresta segurando a poeira embaixo e por outro agrave lavagem do ar pelas chu-vas constantes como explicar a formaccedilatildeo de chuvas tatildeo abundantes sem as sementes usuais para nucleaccedilatildeo

Estudando as trocas de gaacutes carbocircnico atraveacutes de torres de fluxo cientistas brasileiros do INPA e da USP e eu-ropeus da Holanda Alemanha e Itaacutelia colaboraram no

de toda a aacutegua que chega agrave atmosfera oriunda dos con-tinentes chegou laacute atraveacutes da transpiraccedilatildeo das plantas

e somente pouco mais de 10 como simples evapo-raccedilatildeo sem mediaccedilatildeo das plantas Como essa transfe-recircncia por transpiraccedilatildeo se daacute com grande absorccedilatildeo de calor na superfiacutecie as antes insuspeitas plantas inter-ferem ndash e muito ndash com a chuva os ventos e o clima

Todo esse movimento de aacutegua custa energia Olhemos para um paralelo proacuteximo Para gerar a eletricidade de que tanto se necessita fala-se muito em aproveitar a energia das aacuteguas na Amazocircnia Ora a energia hidraacuteu-lica de queda nos rios somente existe porque a aacutegua foi elevada e transportada pela atmosfera para suas altas cabeceiras A transpiraccedilatildeo das aacutervores como elo vital no ciclo das aacuteguas absorve a energia solar no bombeamento da aacutegua do solo e na sua transpiraccedilatildeo Assim as aacutervores funcionam como estaccedilotildees elevatoacute-rias alccedilando e lanccedilando as aacuteguas nas altitudes da at-mosfera aacuteguas que mais adiante retornaratildeo ao solo como chuva transferindo parte da energia solar em-butida no vapor agrave energia potencial da aacutegua que en-che os reservatoacuterios das hidreleacutetricas

12) Nucleaccedilatildeo das nuvens o poacute de pirlimpimpim no oceano verde

Retornar volumes colossais de vapor de aacutegua para a at-mosfera eacute somente a primeira parte da receita para ter

Potecircncia climaacutetica da floresta

Quanta energia do Sol eacute consumida para evaporar 20 trilhotildees de litros de aacutegua ao dia Para dar uma noccedilatildeo da grandeza de energia envolvida na transpiraccedilatildeo amazocircnica basta fazer uma comparaccedilatildeo com as hidreleacutetri-cas Evaporar um grama de aacutegua liacutequida consome 23 kilojoules de ener-gia solar Para converter isso em energia hidraacuteulicaeleacutetrica imagine uma chaleira gigante que comporte esse volume drsquoaacutegua daquelas que se liga na tomada eleacutetrica Quanta eletricidade seria necessaacuteria para ferver e eva-porar toda essa aacutegua A usina de Itaipu com 14 mil megawatts de potecircn-cia precisaria gerar eletricidade em sua capacidade maacutexima por 145 anos para que a chaleira evaporasse a aacutegua equivalente agravequela transpirada em apenas um dia amazocircnico Ou para rivalizar com as aacutervores amazocircnicas e fazer o trabalho em um dia seria preciso somar a eletricidade de 50 mil usinas hidreleacutetricas como Itaipu (ou 200 mil como Belo Monte) Esta comparaccedilatildeo deixa claro que diante da potecircncia climaacutetica da floresta as maiores estruturas humanas se mostram microscoacutepicas

e manter chuvas copiosas e benignas Em 1999 um dos primeiros estudos utilizando aviotildees e observaccedilotildees do sateacutelite TRMM20 feitos no projeto LBA constatou que na Amazocircnia o ar na baixa atmosfera (troposfera) eacute tatildeo lim-po de poeira quanto o ar sobre o oceano onde as fontes de poeira satildeo muito reduzidas e que as nuvens tiacutepicas na Amazocircnia se pareciam muito com as nuvens mariacutetimas Essa inusitada semelhanccedila inspirou aqueles pesquisa-dores a batizar a Amazocircnia de ldquooceano verderdquo21 Esse ter-mo descreve as caracteriacutesticas oceacircnicas desta extensatildeo continental coberta por densas florestas A importacircncia deste conceito novo e incomum reside na sua sugestatildeo de uma superfiacutecie florestal estendida abaixo da atmos-fera cuja caracteriacutesticas de vastidatildeo humidade e trocas pelos ventos se assemelham agraves dos oceanos reais

Mas havia na semelhanccedila um misteacuterio pois a maior

Na transpiraccedilatildeo as plantas transferem para a atmosfera 90 de toda a aacutegua eva-porada nos continentes

20 httptrmmgsfcnasagov21 (Williams et al 2002) Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification22 (Marengo 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region

Oceano verde a atmosfera ama-zocircnica possui o ar limpo como a atmosfera do oceano azul

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 15Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ar a chuva natildeo os lava Soacute quando oxidam-se e precipi-tam-se como aerossoacuteis formando as chuvas eacute que satildeo lavados Mas sempre haacute mais BVOCs esperando para formar mais poacute de pirlimpimpim para a proacutexima chuva

Aleacutem da promoccedilatildeo de chuvas volumosas e gentis outros mecanismos bioquiacutemicos anaacutelogos aos que produzem os aromas atuam como ldquovassourinhas quiacute-micasrdquo da atmosfera Nas condiccedilotildees amazocircnicas po-luentes perigosos (como o ozocircnio) satildeo removidos do ar Nos anos 1980 nos primeiros estudos de quiacutemica da atmosfera empregando aviotildees instrumentados constatou-se que o ar na baixa atmosfera amazocircnica continha menos ozocircnio (portanto era mais saudaacutevel) que o ar das regiotildees mais remotas da Terra (como a Antaacutertida) Nas deacutecadas subsequentes outros projetos de investigaccedilatildeo indicaram o efeito das aacutervores na lim-peza do ar25 Desses e de outros estudos em desenvol-vimento pode-se sugerir que as plantas amazocircnicas usam algum tipo de vitamina C como um antioxidan-te capaz de remover do ar gases danosos para a vida

13) Bomba bioacutetica de umidade doar aacutegua para receber chuva

Por volta de 2005 no pico da mais poderosa seca a atingir a Amazocircnia ateacute aquele momento atuamos na integra-ccedilatildeo dos primeiros seis anos de dados do projeto LBA26 Depois de analisar em vaacuterios estudos as evidecircncias das

projeto LBA para investigar tambeacutem as trocas de outros gases produzidos pelas plantas contendo carbono para verificar se constituiacuteam parte importante dessas trocas Esses outros gases satildeo os aromas da floresta tambeacutem chamados de compostos orgacircnicos volaacuteteis biogecircni-cos (BVOCs23) Como um vidro de perfume aberto per-de seu liacutequido por evaporaccedilatildeo e o gaacutes-perfume difun-de-se pelo ambiente uma variedade de substacircncias orgacircnicas evapora nas folhas e ganha a atmosfera

Quando no ar uacutemido e com a luz do Sol os aromas das plantas formam uma poeira finiacutessima com afinidade pela aacutegua Satildeo os nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens

Em termos de massa as quantidades de carbono perdidas para a atmosfera por esses gases orgacircnicos satildeo pequenas Contudo um grupo liderado por Meinrat

Andreae do Instituto Max Planck que estuda a quiacutemica dos gases na atmosfera investigou o que acontecia com esses aromas quando misturados ao ar amazocircnico e desvendou o misteacuterio da nucleaccedilatildeo das nuvens24 Os BVOCs (como isopreno terpenos etc) numa atmosfera uacutemida e na presenccedila da radiaccedilatildeo solar oxidam-se e pre-cipitam-se formando uma poeira finiacutessima com afinida-de pela aacutegua (higroscoacutepica) gerando eficientes nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens Poeticamente falando esse eacute o poacute de pirlimpimpim que surge magicamente no ar carregado de vapor e provoca as chuvas a cacircntaros das nuvens baixas os regadores do Jardim do Eacuteden En-quanto os BVOCs estatildeo na forma de gaacutes dissolvidos no

23 Do inglecircs Biogenic Volatile Organic Carbon satildeo compostos biogecircnicos porque satildeo sintetizados pelos organismos vivos como os odores das plantas Existem outros compostos orgacircnicos volaacuteteis natildeo biogecircni-cos chamados simplesmente de VOCs como o solvente de uma tinta por exemplo

24 (Poumlschl et al 2010) Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon (Clayes et al 2004) Formation of secondary organic aerosols through photooxidation of isoprene Release Astonishing Discovery over the Amazonian Rain Forest

25 Por exemplo (Rummel et al 2007) Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia26 (Nobre 2005) Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 16Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

observaccedilotildees e os resultados de modelos ponderei so-bre a pergunta em voga agrave eacutepoca com o aquecimento global iraacute a floresta uacutemida na Amazocircnia secar e morrer

Ao longo de milhares27 ou provavelmente milhotildees de anos28 a floresta tropical da Ameacuterica do Sul evoluiu sua biota luxuriante sem sinais de ter sido desligada por even-tos climaacuteticos extremos como aridez ou congelamento No mesmo espaccedilo de tempo no entanto eacute improvaacutevel que o impacto do clima externo ao continente tenha permanecido benigno especialmente considerando as interferecircncias coacutesmicas e sua conhecida relaccedilatildeo com mudanccedilas climaacuteticas profundas em escala planetaacuteria29

Em face da adversidade climaacutetica externa como este magniacutefico bioma conseguiu resistir agrave extinccedilatildeo Hoje haacute linhas suficientes de evidecircncias de que a biosfera natildeo soacute pode resistir mas na verdade pode alterar modular e ateacute regular seu proacuteprio ambiente30

As florestas tropicais da Ameacute-rica do Sul estatildeo entre os mais densos diversos e complexos biomas terrestres no planeta Do mecanismo de chuvas no oceano verde pode-se ima-ginar como essas florestas

Amazocircnia coraccedilatildeo do mundo

Como podemos entender a circulaccedilatildeo da aacutegua pela paisagem A aacutegua irriga e drena os solos de forma anaacuteloga ao sangue que irriga e drena os tecidos do corpo Se os familiares rios satildeo anaacutelogos agraves veias que dre-nam a aacutegua usada e a retornam para a origem no oceano onde ficam as arteacuterias do sistema natural Satildeo os rios aeacutereos que trazem a aacutegua fresca renovada na evaporaccedilatildeo do oceano Para completar o sistema circulatoacuterio faltava somente o coraccedilatildeo a bomba que impulsiona os fluxos nas arteacuterias aeacutereas A teoria da bomba bioacutetica veio explicar que a potecircncia que propele os ventos canalizados nos rios aeacutereos deve ser atribuiacuteda agrave grande floresta que funciona entatildeo como coraccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico

poderiam regular o clima Controlar a precipitaccedilatildeo signi-fica tambeacutem controlar a convecccedilatildeo o que por sua vez significa interferir com uma poderosa correia transporta-dora de massa e energia a circulaccedilatildeo de Hadley31 Atra-veacutes da regulaccedilatildeo de chuvas a biologia poderia definir o ritmo dos ventos aliacutesios do Atlacircntico arrastando a neces-saacuteria umidade do oceano para o interior do continente

Na mesma eacutepoca Victor Gorshkov e Anastassia Maka-rieva aprofundando sua teoria sobre a regulaccedilatildeo bioacute-tica do ambiente32 examinavam os mecanismos que ligam a transpiraccedilatildeo das plantas com efeitos fiacutesicos na atmosfera Das surpreendentes descobertas desta anaacutelise eles desenvolveram a teoria da bomba bioacutetica de umidade33 revelando fisicamente como processos de transpiraccedilatildeo e condensaccedilatildeo mediados e manipula-dos pelas aacutervores mudam a pressatildeo e dinacircmica atmos-feacutericas resultando em maior suprimento de umidade do oceano para o interior de continentes florestados

Makarieva e colaboradores descobriram que a conden-saccedilatildeo do vapor drsquoaacutegua na atmosfera gera uma reduccedilatildeo localizada de pressatildeo e produz potencia dinacircmica que acelera os ventos ao longo do resultante gradiente de pressatildeo 34 O ponto crucial da teoria eacute que contrastes na evaporaccedilatildeo da superfiacutecie ndash casada com a determinante condensaccedilatildeo nas nuvens ndash muito mais que contrastes

na temperatura de superfiacutecie determinam a direccedilatildeo e a intensidade dos ventos trazedores de chuva

Assim uma regiatildeo florestada que evapora tanta ou mais aacutegua que uma superfiacutecie oceacircnica contiacutegua ndash e que teraacute muito mais condensaccedilatildeo na produccedilatildeo de chu-vas ndash iraacute sugar do mar para a terra as correntezas de ar carregadas de umidade onde ascenderatildeo o que traraacute chuvas para a aacuterea florestada Ao contraacuterio se a floresta for removida o continente teraacute muito menos evapora-ccedilatildeo do que o oceano contiacuteguo ndash com a consequente reduccedilatildeo na condensaccedilatildeo ndash o que determinaraacute uma re-versatildeo nos fluxos de umidade que iratildeo da terra para o mar 35 criando um deserto onde antes havia floresta

Entre as previsotildees baseadas na teoria da bomba bioacute-tica feitas por Makarieva e Gorshkov estava a de que as secas nas florestas nativas seriam contrapostas por transpiraccedilatildeo vigorosa das aacutervores Ora essa previsatildeo contrariava o senso comum pois qualquer pessoa sabe que basta deixar um vaso com plantas sem re-gar por alguns dias para que as plantas murchem e

27 (Baker et al 2001) The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years28 (Hooghiemstra et al 2002) Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary29 (Berger and Yin 2012) Astronomical Theory and Orbital Forcing30 (Foley and Costa 2003) Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate (Gorshkov et al 2004) Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction

(Pielke and Avissar 1998) Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate31 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena32 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change33 (Makarieva and Gorshkov 2007) Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land34 (Makarieva et al 2013) Where do winds come from35 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais

Uma regiatildeo florestada onde ocorre muito mais conden-saccedilatildeo em nuvens do que em superfiacutecie oceacircnica contiacutegua iraacute sugar para a terra os ven-tos do mar que carregados de umidade traratildeo chuvas para a aacuterea florestada

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 17Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

continuar a importar aacutegua pela atmosfera ndash contra-pondo a seca ndash e garantir a continuidade da floresta A teoria da bomba bioacutetica vem ganhando aceitaccedilatildeo37 e jaacute tem comprovaccedilatildeo observacional38

14) Rios aeacutereos aacutegua fresca pelas arteacuterias suspensas

Um mapa-muacutendi revela interessantes arranjos e sime-trias na distribuiccedilatildeo de florestas e desertos ao redor do globo com trecircs cinturotildees chamando a atenccedilatildeo um de florestas ao redor da linha do Equador e outros dois de desertos ao redor dos troacutepicos de Cacircncer e Capri-coacuternio Tal geografia de paisagens contrastantes tem explicaccedilatildeo conhecida a circulaccedilatildeo de Hadley39

Pela influecircncia da circulaccedilatildeo de Hadley a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul tenderia agrave aridez

Haacute maior incidecircncia solar na zona equatorial e portanto ocorre ali devido a efeitos fiacutesi-cos uma maior ascensatildeo de ar

que se resfria e faz chover favorecendo florestas O ar que subiu e perdeu umidade precisa ir para algum lugar des-locando-se em altitude nos dois hemisfeacuterios na direccedilatildeo dos subtroacutepicos Esse ar seco quando desce e se aquece remove umidade da superfiacutecie favorecendo desertos

Mas existem exceccedilotildees e a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul eacute uma delas Pela influecircncia da circula-ccedilatildeo de Hadley essa regiatildeo tenderia agrave aridez Basta ver o deserto de Atacama no outro lado dos Andes ou os

ateacute morram Contrariava tambeacutem o conhecimento de ecofisiologistas segundo o qual quando para de cho-ver e a aacutegua no solo diminui as plantas fecham logo seus estocircmatos e deixam de transpirar para econo-mizar aacutegua Ao mesmo tempo essa previsatildeo fornece uma pista para um antigo enigma ecofisioloacutegico por-que a fotossiacutentese evoluiu para ser ldquoesbanjadorardquo de vapor drsquoaacutegua Surpreendentemente entretanto Scott Saleska e colaboradores publicaram na revista cientiacutefi-ca Science36 observaccedilotildees que corroboravam a correccedilatildeo da previsatildeo teoacuterica de Makarieva e Gorshkov

Durante o pico da seca de 2005 as partes mais atingidas da Amazocircnia foram as que mais ldquoverdejaramrdquo isto eacute na zona onde choveu menos (conforme registro do sateacutelite TRMM) brotaram mais folhas novas nas copas das aacutervores (conforme foi visto pelo sensor MODIS no sateacutelite Terra)

As conclusotildees desse estudo a partir de imagens de sateacutelite jaacute contavam com apoio de mediccedilotildees em terra das torres de fluxo do projeto LBA que haviam consta-tado o fato de natildeo ocorrer uma reduccedilatildeo de transpira-ccedilatildeo das aacutervores nas eacutepocas secas Em outras palavras parece que quando a seca chega as aacutervores com raiacute-zes profundas (e acesso a grande quantidade de aacutegua subterracircnea) executam um programa para manter ou aumentar a transpiraccedilatildeo Assim com o fluxo de vapor da transpiraccedilatildeo na superfiacutecie ndash e a correspondente condensaccedilatildeo nas nuvens ndash manteacutem-se a succcedilatildeo do ar uacutemido sobre os oceanos proacuteximos o que significa

36 (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought37 Por exemplo (Sheil and Murdiyarso 2009) How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis38 (Poveda et al 2014) Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers39 Ceacutelula de Hadley

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 18Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

circulaccedilatildeo que liga os ventos aliacutesios carregados de umidade do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonal-mente para a parte meridional

da Ameacuterica do Sul foi descrita por Joseacute Marengo e cola-boradores43 Embora eles tenham chamado esse trans-porte de jatos de baixos niacuteveis o conceito eacute muito similar ao dos rios atmosfeacutericos Segundo sua explicaccedilatildeo fun-ciona na Ameacuterica do Sul um sistema de monccedilotildees seme-lhante ao da Aacutesia e devido ao efeito da floresta (geisers da floresta) e tambeacutem da cordilheira dos Andes (uma barreira de 6 km de altura) o persistente ar uacutemido ama-zocircnico faz a curva no Acre e durante o veratildeo leva quan-tidades generosas de vapor drsquoaacutegua para o quadrilaacutetero afortunado contrariando sua tendecircncia para a aridez

Recentemente Josefina Arraut44 e colaboradores fi-zeram uma revisatildeo climatoloacutegica dos rios aeacutereos da Ameacuterica do Sul estimando o transporte de vapor as-sociado e introduzindo um novo conceito ldquolagos aeacute-reosrdquo ou seja regiatildeo de remanso atmosfeacuterico com um estoque de vapor precipitaacutevel

Com o conceito de rios aeacutereos estabelecido e tornan-do-se popular Dominick Spracklen45 e colaboradores desenvolveram uma nova abordagem ao correlacionar a superfiacutecie coberta por vegetaccedilatildeo agrave exposiccedilatildeo de uma

Salati e colaboradores comparando as assinaturas quiacute-micas40 entre o fluxo de entrada de vapor oceacircnico no grande anfiteatro amazocircnico com as correspondentes assinaturas da aacutegua de escoamento que retorna ao oceano pelo rio Amazonas perceberam que parte sig-nificativa da aacutegua que entrava como vapor no canal aeacutereo natildeo retornava pelo canal terrestre41

Daiacute concluiacuteram que a Amazocircnia devia estar exportan-do esse vapor para outras regiotildees do continente e irri-gando outras bacias hidrograacuteficas que natildeo a do Ama-zonas Anaacutelises preliminares feitas agrave eacutepoca nas aacuteguas de chuva coletadas na cidade do Rio de Janeiro de-tectaram sinais de que parte dela vinha do interior do continente natildeo do oceano contiacuteguo E mais especifi-camente que havia passado pela Amazocircnia Esse gru-po foi o primeiro a sugerir que chuvas na Ameacuterica do Sul fora da Amazocircnia poderiam ser alimentadas pelo transporte continental de vapor

O conceito de rios atmosfeacutericos foi introduzido em 1992 por Reginald Newell e Nicholas Newell42 para descre-ver fluxos filamentares na baixa atmosfera capazes de transportar grandes quantidades de aacutegua como vapor tipicamente em volumes superiores ao transportado pelo rio Amazonas (que tem vazatildeo de 200 milhotildees de litros por segundo ndash ou 17 bilhotildees de toneladas ao dia)

Quase trecircs deacutecadas depois dos achados de Salati a

Rios Voadores contando uma bela histoacuteria

Em 2006 contemplando a floresta amazocircnica do alto de uma torre de estudo do projeto LBA trocamos com o aviador Gerard Moss as primei-ras ideias que levaram ao projeto de aventura pesquisa divulgaccedilatildeo e educaccedilatildeo ambiental Rios Voadores42 Com financiamento da Petrobras e a participaccedilatildeo de Eneacuteas Salati o pioneiro dos estudos sobre reciclagem de umidade na Amazocircnia aleacutem de outros cientistas de renome Moss perseguiu por anos os rios de vapor com seu aviatildeo monomotor coletan-do numerosas amostras para estudo e capturando a atenccedilatildeo luacutedica das pessoas na aventura que criou Fez tambeacutem um trabalho extraordinaacuterio de educaccedilatildeo ambiental nas escolas e pela Web postando frequente-mente em redes sociais as trajetoacuterias dos rios voadores e mostrando como estes levam aacutegua para as pessoas O resultado mais valioso desse projeto foi sua capacidade de tocar o lado emocional das pessoas atraveacutes do estiacutemulo luacutedico da aventura da ciecircncia engajada conectan-do-as ao sentimento de estima pelo ambiente pela aacutegua e pela floresta

desertos de Namiacutebia e Kalahari na Aacutefrica e o deserto da Austraacutelia Todos alinhados latitudinalmente com a afortunada aacuterea verde responsaacutevel por 70 do PIB do continente no quadrilaacutetero delimitado por Cuiabaacute ao Norte Satildeo Paulo a Leste Buenos Aires ao Sul e a cor-dilheira dos Andes a Oeste

As escolas ensinam que a aacutegua evapora do mar ldquovairdquo para os continentes cai como chuva eacute coletada nos rios de superfiacutecie e retorna ao mar Ao fazer a ligaccedilatildeo entre evaporaccedilatildeo da aacutegua no mar com seu tracircnsito em terra esse conceito simploacuterio do ciclo hidroloacutegico natildeo estaacute errado mas natildeo explica quase nada Por exemplo por que existem desertos ou por que o vapor mariacutetimo adentra os continentes de forma heterogecircnea

Rios aeacutereos ligam os ventos aliacutesios carregados de umida-de do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonalmente para a parte meridional da Ameacuterica do Sul

40 Definidas pelo uso de traccediladores que portam assinaturas isotoacutepicas Diz-se que satildeo isoacutetopos dois ou mais aacutetomos com o mesmo numero de proacutetons mas com massas diferentes Uma analogia boa eacute pensar em gecircmeos com caracteriacutesticas idecircnticas exceto peso Assinatura isotoacutepica eacute a relaccedilatildeo numeacuterica entre a imensa multidatildeo de ldquogecircmeosrdquo atocircmicos em um material ou substancia A aacutegua pode conter variada combinaccedilatildeo de gecircmeos de oxigecircnio (16O e 18O) e hidrogecircnio (1H 2H) gerando moleacuteculas de aacutegua com pesos distintos A proporccedilatildeo destes gecircmeos atocircmicos que ocorre na aacutegua do mar por exemplo se altera com a evaporaccedilatildeo (flutuam primeiro os mais leves) e tambeacutem com a chuva (precipitam primeiro os mais pesados) Assim ao analisar a assinatura isotoacutepica de uma amostra de aacutegua ou vapor pode-se saber de onde ela veio se do oceano ou da floresta

41 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study (Matsui et al 1976) Isotopic hydrology in the Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 18O concentrations42 (Newell and Newell 1992) Tropospheric Rivers - A Pilot Study43 (Marengo et al 2004) Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalysis Characteristics and temporal variability44 (Arraut et al 2012) Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America45 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 19Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Eventos extremos a vida buscando equiliacutebrio

Com o aquecimento global ocorre maior acuacutemulo de energia na at-mosfera o que aumenta a probabilidade de ocorrecircncias de fenocircmenos climaacuteticos mais intensos A natureza desta tendecircncia foi prevista haacute deacutecadas pelos meteorologistas Mas a maior intensidade e frequecircncia dessas ocorrecircncias estaacute sendo observada deacutecadas antes do previsto Algum fator na complexidade do clima deve explicar a aceleraccedilatildeo dos efeitos O registro geoloacutegico mostra que climas extremos jaacute ocorreram na histoacuteria da Terra muito antes da humanidade surgir Mas ao contraacuterio do que seria de se esperar depois dos cataclismos todas as evidecircncias apontam sempre para uma resiliente recuperaccedilatildeo estabilizadora ate-nuando os extremos Sistemas puramente geofiacutesicos natildeo teriam essa capacidade Somente a vida e seus processos de auto-regulaccedilatildeo ofere-cem explicaccedilatildeo satisfatoacuteria para a histoacuteria climaacutetica da Terra49

parcela de ar num rio aeacutereo (medida pelo iacutendice cumu-lativo de aacuterea foliar ao longo da trajetoacuteria) com chuva a jusante na trajetoacuteria daquela mesma parcela Ou seja um rio aeacutereo conecta regiotildees doadoras de umidade com outras receptoras de umidade Daiacute a importacircncia crucial das florestas a montante constatou-se que a Amazocircnia eacute de fato a cabeceira dos mananciais aeacutereos da maior parte das chuvas na Ameacuterica do Sul

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos

Makarieva e Gorshkov46 introduziram uma nova definiccedilatildeo fiacutesica para furacotildees ciclones ou tornados ldquo satildeo implosotildees (explosotildees em reverso) que se passam em cacircmera lenta decorrentes do desaparecimento volumeacutetrico de vapor drsquoaacutegua na atmosfera por condensaccedilatildeordquo47 Paulo Nobre

apresentou-lhes entatildeo um problema ldquoA questatildeo que se coloca eacute entender por que os furacotildees natildeo se desenvol-vem sobre as florestas tropicais como na Amazocircnia onde o fornecimento de vapor de aacutegua pela floresta e sua ex-tinccedilatildeo na forma de chuva tropical eacute tatildeo abundanterdquo 48

Respondendo Makarieva e Gorshkov demonstraram teoricamente como uma grande aacuterea terrestre co-berta por floresta natildeo per-

mite a formaccedilatildeo de furacotildees e outros padrotildees climaacuteticos anocircmalos incluindo secas e enchentes Em sua explica-ccedilatildeo a fricccedilatildeo turbulenta local com o dossel da floresta -que transpira ativamente o que resulta em chuvas uni-formes sobre grandes aacutereas- e a traccedilatildeo do vento pela bomba bioacutetica em distacircncias maiores diminui muito a chance de organizaccedilatildeo de tormentas como tornados ou furacotildees As trajetoacuterias registradas dos furacotildees compro-vam o ambiente ameno nas regiotildees cobertas por flores-tas extensas e aacutereas oceacircnicas proacuteximas50 Ou seja aleacutem de todos os outros serviccedilos da floresta ao clima ela ainda oferece um seguro contra destrutivos eventos atmosfeacute-ricos atenuando a concentraccedilatildeo de energia nos ventos

Outras funccedilotildees claacutessicas das florestas na regulaccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico em terra satildeo bem conhecidas como o favorecimento da recarga de aquiacuteferos e a atenua-ccedilatildeo de enchentes51 entre muitas outras

Entre os serviccedilos que a floresta presta ao clima estaacute um segu-ro contra eventos atmosfeacutericos destrutivos atenuando a concen-traccedilatildeo da energia nos ventos

46 (Makarieva et al 2008) On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine47 De acordo com os autores ldquoThe driving force of all hurricane processes is a rapid release as in compressed spring of potential energy previously accumulated in the form of saturated water vapor in the atmospheric column

during a prolonged period of water vapor evaporation under the action of the absorbed solar radiationrdquo (Makarieva et al 2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient48 (Nobre P 2009a) Peer Review Question Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo49 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment50 Storm Track mapa registrando todas as trajetoacuterias observadas de furacotildees mostrando que a regiotildees equatoriais das florestas e suas imediaccedilotildees oceacircnicas satildeo livres destes fenocircmenos51 httpwwwipefbrhidrologiamataciliarasp

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 20Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito

Em vista dos efeitos extensivos e elaborados das flo-restas sobre o clima demonstrados pela ciecircncia que resultados esperar da sua devastaccedilatildeo Para avaliar os impactos do desmatamento no clima vem sendo fei-to um nuacutemero crescente de experimentos de campo e modelagem estudos observacionais e mais recente-mente anaacutelises teoacutericas Quais as consequecircncias pro-jetadas do desmatamento e quais as jaacute observadas

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores

Uma das maiores virtudes dos modelos climaacuteticos estaacute em sua capacidade de simular cenaacuterios distantes do momento presente Esse tipo de exerciacutecio natildeo eacute pre-ditivo no sentido fiacutesico mas onde a teoria fiacutesica ainda natildeo estiver disponiacutevel eacute o melhor conhecimento e a uacutenica ferramenta para analisar sistemas complexos e fazer extrapolaccedilotildees bem fundamentadas

Tais exerciacutecios de simulaccedilatildeo satildeo valiosos para situaccedilotildees especiacuteficas como explorar riscos climaacuteticos associados ao desmatamento No ambiente virtual como num si-mulador de voo eacute possiacutevel avaliar repetidamente ce-naacuterios de desastres esmiuccedilando os fatores atuantes as condiccedilotildees iniciais e as consequecircncias potenciais de manobras arriscadas

Em 1991 Carlos Nobre liderou um dos mais citados

estudos para simular o impacto no clima do desma-tamento total da floresta amazocircnica52 Usando um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera (GCM53) com um moacutedulo acoplado de representaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo (SiB54) os autores concluiacuteram que quando as florestas eram substituiacutedas por pasto degradado no modelo verificava-se um aumento significativo na temperatura meacutedia de superfiacutecie (cerca de 25degC) e uma diminuiccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo anual (reduccedilatildeo de 30) da pre-cipitaccedilatildeo (reduccedilatildeo de 25) e do escoamento superfi-cial (reduccedilatildeo de 20) Na simulaccedilatildeo ocorria tambeacutem um aumento da duraccedilatildeo da estaccedilatildeo seca na metade sul da bacia amazocircnica

Nas duas deacutecadas seguintes outros estudos avanccedila-ram no detalhamento e generalizaccedilatildeo dessas conclu-sotildees Deborah Lawrence e Karen Vandecar fizeram recentemente uma revisatildeo da literatura55 sobre os impactos do desmatamento tropical no clima e con-cluiacuteram que vaacuterios GCMs concordam em que o des-matamento em escala regional leva a um clima mais quente e seco sobre a aacuterea desmatada Os modelos que simulam o desmatamento completo da Amazocirc-nia preveem um clima com aquecimento na faixa de 01-38degC (meacutedia de 19degC) e reduccedilatildeo de chuvas na fai-xa de 140-640 mm ao ano (meacutedia de 324 miliacutemetrosano ou 10-15 de reduccedilatildeo)

Mas o desmatamento pode ter implicaccedilotildees muito mais

52 (Nobre C et al 1991) Amazonian Deforestation and Regional Climate Change53 Definiccedilatildeo de GCM por Lawrence e Vandecar (2014) ldquo satildeo modelos computacionais tridimensionais globais do sistema climaacutetico que operam em larga escala Os modelos mais recentes incluem representaccedilotildees

da atmosfera oceanos e da superfiacutecie da Terra [] e incorporam o ciclo hidroloacutegico e uma representaccedilatildeo expliacutecita [] da vegetaccedilatildeo e seus efeitos sobre os fluxos de energia e de aacutegua incluindo as transferecircncias radiativas e turbulentas e os controles fiacutesicos e bioloacutegicos da evapotranspiraccedilatildeordquo

54 (Sellers et al 1986) Simple Biosphere Model55 (Lawrence and Vandecar 2014) The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity natildeo publicado

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 21Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

modelos parecem tender a subestimar as consequecircn-cias negativas nos cenaacuterios simulados Os resultados de projeccedilotildees mais recentes incluindo os oceanos agra-vam o quadro e aumentam o alerta

A eliminaccedilatildeo da floresta ndash prin-cipal agente da condensaccedilatildeo continental ndash equivale a desligar o interruptor de uma bomba de umidade atmosfeacuterica

Mas eacute preciso tambeacutem con-siderar a teoria da bomba bioacutetica e sua previsatildeo de re-duccedilatildeo de chuvas Diferente-mente dos modelos numeacute-

ricos convencionais uma teoria fiacutesica constroacutei entendimento baseada exclusivamente em leis funda-mentais da natureza Se a teoria estiver correta torna possiacutevel prever quantitativamente efeitos fiacutesicos apenas com a anaacutelise dos cenaacuterios e de sua loacutegica funcional

Makarieva e Gorshkov preveem que o desmatamento completo da Amazocircnia reduziria a precipitaccedilatildeo primor-dialmente como resultado da dissipaccedilatildeo do efeito da baixa pressatildeo (succcedilatildeo) associado agrave condensaccedilatildeo que eacute conectada a uma reduccedilatildeo da evaporaccedilatildeo de superfiacute-cie Como a teoria da bomba bioacutetica tambeacutem credita a disponibilidade de vapor para a precipitaccedilatildeo na Ama-zocircnia como resultado dessa capacidade de transpirar a eliminaccedilatildeo total do principal agente da transpiraccedilatildeo levaria agrave cessaccedilatildeo completa do bombeamento bioacutetico

Esta teoria sugere que desligado o interruptor da bom-ba que puxa o ar uacutemido para o continente o fluxo de umidade deve mudar de direccedilatildeo quando a condensaccedilatildeo passar a ser relativamente maior sobre o oceano (mais

seacuterias Em 1997 German Poveda e Oscar Mesa56 propuse-ram o papel de ponte hidrometeoroloacutegica para a floresta amazocircnica ao conectar os dois grandes oceanos proacutexi-mos isto eacute sugerindo efeitos climaacuteticos cruzados entre os oceanos via atmosfera mediados pela floresta

Explorando com modelagem em direccedilatildeo similar mais recentemente Paulo Nobre57 e colaboradores estuda-ram o impacto do desmatamento na chuva amazocircni-ca tendo como referecircncia a inclusatildeo ou a exclusatildeo das respostas dos grandes oceanos aos cenaacuterios de des-matamento58 Comparando simulaccedilotildees feitas em um GCM atmosfeacuterico usual com um GCM acoplado a outro modelo que simula as condiccedilotildees internas dos oceanos (salinidade correntes etc) esses autores encontraram uma reduccedilatildeo consideravelmente maior na precipita-ccedilatildeo quando o GCM acoplado com o oceano foi rodado para um cenaacuterio de desmatamento total da Amazocircnia 42 de reduccedilatildeo da chuva contabilizando os mecanis-mos internos dos oceanos contra 26 de reduccedilatildeo da chuva sem considera-los Os oceanos sempre estive-ram presentes e a inclusatildeo das suas respostas internas daacute mais realismo agraves simulaccedilotildees

Jaacute existem comprovaccedilotildees de muito do que foi proje-tado pelos modelos como consequecircncia do desma-tamento especialmente a ampliaccedilatildeo da estaccedilatildeo seca Poreacutem esses experimentos virtuais indicavam um prolongamento da estaccedilatildeo seca apoacutes destruiccedilatildeo de 100 da floresta o que jaacute se observa com o corte raso de pouco menos de 19 da floresta Ou seja esses 56 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena57 (Nobre P et al 2009b) Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation58 Que utiliza apenas a seacuterie histoacuterica observada das temperaturas da superfiacutecie dos oceanos

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 22Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

E apontaram que essa re-duccedilatildeo de chuvas poderaacute ser bem maior do que o indicado pelo grupo de Spracklen63 Para a porccedilatildeo

mais desmatada da Amazocircnia jaacute se constata progres-sivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera significativo impacto no setor agriacutecola

Assim a discussatildeo sobre desmatamento passa longe de duacutevidas sobre seus evidentes efeitos diretos e indi-retos na reduccedilatildeo das chuvas e recai sobre a extensatildeo da aacuterea desmatada No periacuteodo 20112012 foram ldquoape-nasrdquo 4571 km2 desmatados na Amazocircnia brasileira Se comparado com taxas de desmatamento em anos de pico como 2004 (27772 km2) esse valor parece mo-desto O Brasil merece reconhecimento por haver lo-grado essa reduccedilatildeo A velocidade e a eficaacutecia atingidas na reduccedilatildeo recomendam essa estrateacutegia para zerar e reverter o desmatamento no Brasil e no mundo

A despeito da notiacutecia encorajadora essa taxa que pa-rece tatildeo pequena seria suficiente para desmatar aacuterea equivalente a toda a Costa Rica em meros dez anos Aleacutem disso reduccedilotildees nas taxas anuais atenuam a per-cepccedilatildeo momentacircnea de perda e mascaram o desmata-mento acumulado na Amazocircnia que eacute muito grave

No que diz respeito ao clima importa sobretudo a aacuterea total devastada e sua distribuiccedilatildeo espacial Compilando

localizado da chuva com o desmatamento estudos mais abrangentes simulaccedilotildees com modelos climaacuteticos e mesmo anaacutelises teoacutericas esclareceram o caraacuteter local e transitoacuterio desse efeito que depende basicamente da existecircncia de matas circundantes agrave aacuterea desmatada e da extensatildeo dessas matas O aumento de chuva converte-se em reduccedilatildeo tatildeo logo as florestas remanescentes fi-quem mais distantes que um certo limiar de aacuterea aberta Daiacute em diante haveraacute reduccedilatildeo das chuvas

Dados de sateacutelites para chuva e presenccedila de floresta mostra-ram reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos que passam sobre aacutereas desmatadas

O estudo de Spracklen e colaboradores62 com da-dos de sateacutelites para chu-va e presenccedila de floresta constatou que com o des-

matamento ocorre a reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos Em 60 das aacutereas tropicais o ar que passa sobre densas florestas produz pelo menos duas vezes mais chuva que o ar que passa sobre aacutereas desmatadas Apesar de ainda natildeo terem considerado o mecanismo e os efeitos da teoria da bomba bioacutetica esses autores de-monstraram com evidecircncias fortes que o impacto ne-gativo do desmatamento no clima natildeo eacute somente local mas pode afetar regiotildees proacuteximas e distantes

Aplicando os conceitos da bomba bioacutetica Makarieva e colaboradores colocaram os achados de Spracklen em perspectiva explicando quantitativamente quais os fatores fiacutesicos responsaacuteveis pela reduccedilatildeo nas chuvas a jusante dos ventos decorrentes do desmatamento

fraca que a bioacutetica a bomba oceacircnica de condensaccedilatildeo estaacute sempre ligada) o que levaria a aridez em terra59

Os modelos climaacuteticos usados para simular o desma-tamento ainda natildeo embutiram essa nova teoria fiacutesica portanto natildeo projetam esse efeito que poderia signi-ficar ateacute 100 de reduccedilatildeo nas chuvas

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo

O desmatamento real eacute imenso e seus efeitos sobre o clima satildeo bem documentados Estudos em torres micrometeoroloacutegicas mostram que a substituiccedilatildeo de floresta por pastagem leva como previsto pelos mo-delos a um aumento da temperatura de superfiacutecie e uma reduccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo60 Observaccedilotildees de sateacutelite mostram que durante a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspi-raccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas61

Observaccedilotildees mostram que duran-te a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspiraccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas

Dados similares tambeacutem indicam que a transpira-ccedilatildeo da floresta eacute bem maior do que aquela pres-crita pelos modelos o que explica em parte a subesti-

mativa dos modelos de larga escala no caso da reduccedilatildeo de precipitaccedilatildeo com o desmatamento Embora alguns estudos observacionais tenham revelado um aumento

Para a porccedilatildeo mais desmata-da da Amazocircnia jaacute se constata progressivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera signifi-cativo impacto no setor agriacutecola

59 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais60 Por exemplo (Gash et al 1996) Amazonian Deforestation and Climate (von Randow et al 2004) Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in southwest Amazonia61 (Huete et al 2006) Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought62 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests63 (Makarieva et al 2013) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 23Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Desmatamento acumulado 762979 km2

Esse valor eacute maior que a soma das aacutereas de trecircs estados de Satildeo Paulo ou que as aacutereas somadas de duas Alemanhas ou de dois Japotildees Uma unidade de aacuterea mais proacutexima do brasileiro o campo de futebol (4136 m2) daacute uma noccedilatildeo da magnitude da devastaccedilatildeo 184 milhotildees de unidades65 ndash quase um campo de futebol desmatado na Amazocircnia para cada brasileiro Colocado na perspectiva temporal teriam sido em meacutedia 12635 campos desmatados por dia 526 campos por hora 88 campos ndash ou 36291 m2 por minuto 605 m2 por segundo ininterruptamente nos uacuteltimos 40 anos Para caber na compreensatildeo o gigantismo destes nuacutemeros eacute preciso estender a imaginaccedilatildeo para aleacutem destas analogias Um trator ficcional operando uma lacircmina frontal com 3 m de largura precisaria acelerar quase agrave velocidade de um aviatildeo a jato (726 kmh) para desmatar a aacuterea raspada na Amazocircnia no ritmo registrado do espaccedilo em imagens Como um trator desmata mui-to mais lentamente (024 - 036 hah66 ou ~08 kmh se essa aacuterea estives-se contida em uma faixa com 3 m de largura) com a mesma lacircmina de 3 m seriam necessaacuterios mais de 900 tratores simultaneamente derrubando a floresta lado a lado formando uma frente destrutiva com quase 3 km de largura Uma comparaccedilatildeo ainda mais impressionante eacute uma ldquoestrada de desmatamentordquo com 2 km de largura que daria para cobrir a distacircncia da Terra ateacute a Lua (380 mil km)

estudos pioneiros com dados de sateacutelite Dioacutegenes Al-ves64 contabilizou ateacute 2004 um desmatamento total de 663 mil km2 Agregando-se os nuacutemeros mais recentes do projeto PRODES do INPE o desmatamento acumula-do total ateacute 2013 chega a 762979 km2

Pelo vieacutes do dano ao clima o que se tem na Amazocircnia eacute um passivo gigantesco de destruiccedilatildeo do oceano ver-de Natildeo haacute portanto qualquer motivo para comemo-rar as taxas relativamente mais baixas de corte raso dos uacuteltimos anos mesmo porque depois da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal (2011) com sua ampla anistia a desmatadores jaacute se observa uma niacutetida tendecircncia de aumento das taxas anuais

Na contabilidade do INPE o corte raso brasileiro (sem considerar os dos demais paiacuteses da bacia amazocircnica) chegou em 2012 a 1885 da aacuterea original de floresta67 Mas a destruiccedilatildeo natildeo eacute uniforme pois ocorre grande concentraccedilatildeo de corte raso no chamado Arco do Fogo ndash ou Arco do Desmatamento68 Se a vastidatildeo raspada jaacute eacute graviacutessima para o clima a situaccedilatildeo torna-se ainda pior ao se considerar o oceano verde ferido

A exploraccedilatildeo madeireira e o desmatamento gradual pro-duzem extensas aacutereas de florestas degradadas que rara-mente entram na contabilidade oficial da destruiccedilatildeo mas que a depreender das informaccedilotildees e estimativas dispo-niacuteveis podem ter impacto significativo sobre o clima

Dalton Valeriano liderou um estudo pioneiro sobre degradaccedilatildeo69 que encontrou no Estado do Mato Gros-so no periacuteodo de 2007 a 2010 ldquosomenterdquo 7856 km2 com corte raso mas outros 32926 km2 de florestas degradadas Somando corte raso com degradaccedilatildeo sobrou pouco do propriamente chamado Estado de Mato Grosso

No mesmo periacuteodo o INPE mapeou 64205 km2 de flo-resta degradada versus 39026 km2 de corte raso para a Amazocircnia brasileira Usando a proporccedilatildeo entre estas

64 (Alves 2007) Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon65 Aacuterea desmatada 762979 km2 0004136 km2 = 184472679 de campos de futebol66 (Viana 2012) Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento67 httpwwwdpiinpebrprodesdigitalprodesphp Lista (uma tabela) e Consolida (somatoacuterios para a unidade de aacuterea considerada)68 Porcentagem de aacuterea desmatada ateacute 2012 TO 75 MA 72 RO 41 MT 40 PA 22 e AC 1369 httpwwwobtinpebrprodesRelatorio_Prodes2008pdf

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 24Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aacutereas pode-se extrapolar a aacuterea de floresta degradada para toda a Amazocircnia brasileira Na estimativa ateacute 2013 a aacuterea total degradada pode ter alcanccedilado 1255100 km2 Somando com a aacuterea mensurada de corte raso o impacto cumulativo no bioma pela ocupaccedilatildeo humana pode ter atingido 2018079 km2

Dentre mais de 200 paiacuteses no mundo somente 13 tecircm aacuterea maior que essa Nesta contabilidade a degrada-ccedilatildeo de florestas na Amazocircnia brasileira pode haver chegado a 2944 da aacuterea original70 que somada ao desmatamento corte-raso sugere que ateacute 4734 da floresta tenha sido impactada diretamente por ativi-dade humana desestabilizadora do clima Para a Pan-Amazocircnia esse impacto agregado da Amazocircnia bra-sileira contabilizando desmatamento e estimando degradaccedilatildeo representa de 2668 a 290371 sobre a aacuterea original de floresta

Mas a aacuterea de impacto no sentido ecoloacutegico pode ser ainda maior porque florestas contiacuteguas a aacutereas de de-gradaccedilatildeo ou corte raso sofrem direta e indiretamente os efeitos das mudanccedilas ambientais vizinhas (biogeo-fiacutesicas e biogeoquiacutemicas)72

No processo de degradaccedilatildeo a destruiccedilatildeo do dossel frequentemente superior a 60 da cobertura73 muda as caracteriacutesticas estruturais ecoloacutegicas e fisioloacutegicas da floresta comprometendo suas capacidades am-bientais

70 Caacutelculo utilizando a mensuraccedilatildeo de Espiacuterito-Santo et al (2014) para a floresta remanescente na Amazocircnia brasileira [3500000 km2] acrescida da aacuterea acumulada do desmatamento [762979 km2] chegando a 4262979 km2 de florestas originais na Amazocircnia brasileira

71 Impacto usando aacuterea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Espiacuterito-Santo et al (2014) com 7562979 km2 e em Eva et al (2005) com 6943468 km2

72 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon73 (Valeriano et al 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD e QUEIMADAS 2007-200874 University of Maryland Global Forest Cover

Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 ateacute 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Ameacuterica do Sul74

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 11: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 12Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

inferno verde aquele labirinto infindaacutevel monoacutetono e perigoso que passou a inspirar mais medo e desespero do que fascinaccedilatildeo O seacuteculo 19 com seus naturalistas cientiacuteficos vecirc reacender a fascinaccedilatildeo mas agora tingi-da por um apelo racional Alexander von Humboldt o aclamado e influente cientista-naturalista alematildeo que explorou as Ameacutericas na virada do seacuteculo 18 para 19 eacute considerado o pai de ciecircncias como geografia fiacutesica meteorologia e ecologia Ele empregou o termo hileia [do grego floresta selvagem] para a Amazocircnia e com a riqueza e encantamento das suas descriccedilotildees minu-ciosas inspirou geraccedilotildees de naturalistas Darwin entre eles De Humboldt vecircm as primeiras sugestotildees da liga-ccedilatildeo entre a floresta a umidade do ar e o clima

Poreacutem no iniacutecio do seacuteculo 20 o poliacutemata autor pro-liacutefico e militar Euclides da Cunha rompe o encanta-mento do naturalismo cientiacutefico com suas descriccedilotildees desapontadas da hileia Seu disciacutepulo Alberto Rangel que como o mestre tambeacutem se sensibilizara com a miseacuteria dos seringueiros e as agruras da vida na selva

ressuscita na obra Inferno Verde a perspectiva de dana-ccedilatildeo dos invasores espanhoacuteis e desmonta de vez a ima-gem de paraiacuteso verde O voluntarismo verbal contra o habitat selvagem lastreado pela admitida ignoracircncia desses autores quanto ao valor intriacutenseco da floresta em compasso com a falecircncia do fausto da borracha muito provavelmente deixou sua heranccedila de valores a influenciar coraccedilotildees e mentes

Quanto do subsequente iacutempeto para a ldquoocupaccedilatildeordquo da Amazocircnia com a radical supressatildeo da mata natildeo teve raiacutezes aiacute Euclides da Cunha prefaciando o livro do dis-ciacutepulo nega valor para a abordagem holiacutestica de Hum-boldt (ldquoa epistemologia da lsquociecircncia amazocircnicarsquo floresce-raacute se se preocupar menos em revelar a hileia por inteirordquo sic) e antecipa a demanda reducionista que viria12

A reciclagem de umidade da chuva pela evaporaccedilatildeo da flores-ta manteacutem o ar uacutemido por mais de 3 mil km continente adentro

Tardios foram os estudos que finalmente comeccedila-ram a revelar os segredos da grande floresta Bus-

cando testar caacutelculos preliminares de balanccedilo hiacutedrico para a Amazocircnia13 que indicavam reciclagem impor-tante da aacutegua Eneacuteas Salati liderou nos anos 1970 estu-dos observacionais de chuva e evaporaccedilatildeo que de-monstraram inequivocamente como atraveacutes da reciclagem de umidade a floresta manteacutem o ar uacutemido por mais de 3000 km continente adentro14

Mas ainda faltavam muitas outras explicaccedilotildees sobre onde quanto como por que e com que implicaccedilotildees Adotando sem saber a sugestatildeo reducionista de Eucli-des da Cunha nas trecircs deacutecadas seguintes aos estudos de Salati mais de duas duacutezias de grandes projetos de investigaccedilatildeo15 congregando centenas de cientistas e usando muitos laboratoacuterios instrumentos sofistica-dos torres aviotildees barcos sateacutelites supercomputado-res e o que mais haacute de ferramenta cientiacutefica produzi-ram milhares de artigos dezenas de livros e bancos de dados alentados a maioria informaccedilatildeo de difiacutecil inter-pretaccedilatildeo isolada

Diz-se que o cientista de hoje eacute aquele que estuda cada vez mais sobre cada vez menos ateacute que conhece tudo sobre o nada Como eacute irocircnico que 200 anos depois a forma mais produtiva de extrair sentido da enormi-dade dessas pesquisas pontuais seja justamente reto-mar a abordagem holiacutestica de Humboldt articulando a riqueza de dados soltos e construindo uma narrativa integrada e funcional a respeito da concentraccedilatildeo fe-nomenal de vida e seu poder sobre os elementos nas florestas da Amazocircnia

Vejamos como podemos captar aspectos espetacu-lares do funcionamento da floresta acompanhando a narrativa do percurso da aacutegua da atmosfera pela inti-midade das plantas e de volta para a atmosfera

Transpiraccedilatildeo plantas natildeo usam desodorante

As plantas suam A aacutegua ao evaporar resfria a folha e o ambiente Mas a transpiraccedilatildeo nas plantas eacute muito mais importante que isso A transpiraccedilatildeo promove a succcedilatildeo pelas raiacutezes e o fluxo ao longo do tronco ateacute as folhas da aacutegua do solo que carrega consigo nutrientes permite que a folha abra seus microportais para a atmosfera (estocircmatos) por onde sai o vapor mas tambeacutem por onde entra o adubo gasoso mais essencial o CO2 E os odores produzidos pelas plantas os gases orgacircnicos que desempenham muitos papeacuteis no funcionamento da atmosfera e das chuvas saem junto com a aacutegua transpirada Portanto sem transpirar a planta deixaria de regular seu proacuteprio bem-estar cessaria de controlar o ambiente e acabaria morrendo por falta de nutrientes dentre eles o CO2 e excesso de temperatura

12 Rafael Leandro assim reflete a expressatildeo de Euclides da Cunha naquele prefaacutecio ldquoa enormidade da floresta soacute pode ser medida se repartidahellip somente num futuro tardio se conheceraacute os segredos da Natureza [] A definiccedilatildeo dos uacuteltimos aspectos da Amazocircnia seraacute o fecho de toda a Histoacuteria Naturalrdquo (Leandro 2009) Inferno Verde Representaccedilatildeo Literaacuteria da Amazocircnia na Obra de Alberto Rangel

13 (Molion 1975) A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects (Villa Nova et al 1976) Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica (Marques et al 1977) Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus

14 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study15 Projetos de pesquisa na Amazocircnia ARME NASA-GTE ABLE ABRACOS TRACE-A RBLE CAMREX INPA-Max Planck INPA-ORSTOM PDBFF PELD LBA LBA-EUSTACH LBA-CARBONSINK LBA-CLAIRE LBA-ECO

LBA-Barca LBA-DMIP GEWEX ISLSCP GEOMA PPBio Rainfor AmazonFlux AMAZE Amazon Pire Amazalert AMAZONICA Changing Amazocircnia ATTO ACRIDICON-CHUVA GreenOceanAmazon etc Apenas no acircmbito do grande projeto LBA foram desenvolvidos 217 subprojetos de pesquisa em 16 anos de operaccedilatildeo

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 13Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Depois que as nuvens precipitam seu precioso liacutequido sobre a floresta grande parte da aacutegua se esgueira por entre o dossel e infiltra-se pelo permeaacutevel solo flores-tal onde eacute armazenada no pacote poroso do solo ou mais abaixo em aquiacuteferos gigantescos verdadeiros oceanos subterracircneos de aacutegua doce

A aacutegua do solo comeccedila seu retorno para a atmosfe-ra absorvida por profundos e sofisticados sugadores as raiacutezes depois sobe desafiando a forccedila da gravidade por 40 a 60 m ou mais em elaboradas tubulaccedilotildees no xilema dos troncos Sua uacuteltima etapa passa pelas es-truturas laminares evaporadoras das folhas versaacuteteis paineacuteis solares quiacutemicos capazes de absorver a ener-gia do sol e aproveitar a cariacutecia dos ventos para trans-pirar e transferir copiosos volumes de aacutegua vaporosa para a atmosfera completando assim o retorno do ci-clo vertical iniciado com a chuva

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpirar mais de mil litros de aacutegua num uacutenico dia

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpi-rar mais de mil litros de

aacutegua num uacutenico dia16 A Amazocircnia sustenta centenas de bilhotildees de aacutervores em suas florestas Vinte bilhotildees de to-neladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica17 Em seu conjunto as aacutervo-res essas benevolentes e silenciosas estruturas verdes vivas da natureza similares a geisers jorram para o ar um rio vertical de vapor mais importante que o Amazonas18

Geiser de vapor maior que o rio Amazonas

Buscando quantificar de modo simples a transpiraccedilatildeo massiva da flores-ta sugerida pelos estudos de Salati e outros fizemos juntamente com Adriana Cuartas em 2007 um caacutelculo revelador Usando os dados de evaporaccedilatildeo coletados nas torres de fluxo do projeto LBA (36 mm ao dia ou 36 litros por m2 em meacutedia) estimamos a quantidade total diaacuteria de aacutegua fluindo do solo para a atmosfera atraveacutes das aacutervores Cobrindo 55 milhotildees de km2 o caacutelculo para a floresta na bacia amazocircnica resultou no fantaacutestico nuacutemero de 20 bilhotildees de toneladas de aacutegua transpirada ao dia (ou 20 trilhotildees de litros) Mais de 22 bilhotildees se considerarmos todas as florestas da porccedilatildeo equatorial da Ameacuterica do Sul e 25 bilhotildees ou mais se considerarmos as florestas que existiam no seu estado pristino em 150017 Para comparaccedilatildeo o volume despejado no oceano Atlacircntico pelo rio Amazonas eacute pouco mais de 17 bilhotildees de toneladas ao dia18

Como em um edifiacutecio com muitos pisos um me-tro quadrado de chatildeo na

Amazocircnia pode ter sobre si ateacute 10 m2 de intrincada su-perfiacutecie foliar distribuiacuteda em diferentes niacuteveis no dossel Nisso reside a explicaccedilatildeo para o fato de uma superfiacutecie terrestre florestada poder evaporar tanto quanto ou ateacute mais aacutegua que a superfiacutecie liacutequida de um oceano ou um lago na qual 1 m2 de superfiacutecie evaporadora coincide com apenas o mesmo 1 m2 da superfiacutecie geomeacutetrica

Corroborando esses fatos fantaacutesticos um estudo pu-blicado recentemente no perioacutedico cientiacutefico Nature18 fez avanccedilar o ciclo de descobertas sobre a importacircn-cia extraordinaacuteria da vegetaccedilatildeo global no processo de transferecircncia de aacutegua para a atmosfera quase 90

16 Aacuterea da copa com raio de 10 m 3242 m2 x 36 litrosm2 = 11311 litros transpirados em um dia17 Aacuterea recente com floresta na bacia hidrograacutefica do rio Amazonas - 55 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 198 x 1012 litros (~20 x 109 toneladas) Aacuterea com floresta em toda Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for

defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas = 6280468 km2 ou 6 280468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 226096848 x 1012 litros (2261 x 109 toneladas)e projetada para a aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 - ou 6943468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 25 x 1012 litros (25 x 109 toneladas)

18 vazatildeo do rio Amazonas na foz de 2 x 105 m3segundo x 86400 segundos = 1728 x 109 m3dia19 (Jasechko et al 2013) Terrestrial water fluxes dominated by transpiration

20 bilhotildees de toneladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 14Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

parte do oceano azul ten-de agrave aridez com pouquiacutes-simas chuvas enquanto

no oceano verde as chuvas eram torrenciais e constan-tes Tanto que antes do avanccedilo do desmatamento di-zia-se haver ali apenas duas estaccedilotildees a uacutemida e a mais uacutemida Agora surgiu uma estaccedilatildeo seca pronunciada e a duraccedilatildeo da estaccedilatildeo uacutemida diminui progressivamente22

Nuvens satildeo aglomerados de pequenas gotiacuteculas em suspensatildeo no ar Gotas visiacuteveis se condensam a partir do vapor que eacute invisiacutevel pelo efeito da baixa tempera-tura Mas somente temperatura natildeo inicia o processo de condensaccedilatildeo Eacute preciso haver tambeacutem uma super-fiacutecie soacutelida ou liacutequida que funcione como ldquosementerdquo para que se inicie a deposiccedilatildeo das moleacuteculas de va-por Essas sementes ou nuacutecleos de condensaccedilatildeo satildeo em geral aerossoacuteis atmosfeacutericos partiacuteculas de poeira gratildeos de poacutelen ou de sal fuligem e muitos outros

Mas na atmosfera sobre a floresta oceano-verde os aeros-soacuteis satildeo encontrados em baixas concentraccedilotildees como no azul Se a limpeza do ar pode ser creditada por um lado ao efeito de tapete verde uacutemido da floresta segurando a poeira embaixo e por outro agrave lavagem do ar pelas chu-vas constantes como explicar a formaccedilatildeo de chuvas tatildeo abundantes sem as sementes usuais para nucleaccedilatildeo

Estudando as trocas de gaacutes carbocircnico atraveacutes de torres de fluxo cientistas brasileiros do INPA e da USP e eu-ropeus da Holanda Alemanha e Itaacutelia colaboraram no

de toda a aacutegua que chega agrave atmosfera oriunda dos con-tinentes chegou laacute atraveacutes da transpiraccedilatildeo das plantas

e somente pouco mais de 10 como simples evapo-raccedilatildeo sem mediaccedilatildeo das plantas Como essa transfe-recircncia por transpiraccedilatildeo se daacute com grande absorccedilatildeo de calor na superfiacutecie as antes insuspeitas plantas inter-ferem ndash e muito ndash com a chuva os ventos e o clima

Todo esse movimento de aacutegua custa energia Olhemos para um paralelo proacuteximo Para gerar a eletricidade de que tanto se necessita fala-se muito em aproveitar a energia das aacuteguas na Amazocircnia Ora a energia hidraacuteu-lica de queda nos rios somente existe porque a aacutegua foi elevada e transportada pela atmosfera para suas altas cabeceiras A transpiraccedilatildeo das aacutervores como elo vital no ciclo das aacuteguas absorve a energia solar no bombeamento da aacutegua do solo e na sua transpiraccedilatildeo Assim as aacutervores funcionam como estaccedilotildees elevatoacute-rias alccedilando e lanccedilando as aacuteguas nas altitudes da at-mosfera aacuteguas que mais adiante retornaratildeo ao solo como chuva transferindo parte da energia solar em-butida no vapor agrave energia potencial da aacutegua que en-che os reservatoacuterios das hidreleacutetricas

12) Nucleaccedilatildeo das nuvens o poacute de pirlimpimpim no oceano verde

Retornar volumes colossais de vapor de aacutegua para a at-mosfera eacute somente a primeira parte da receita para ter

Potecircncia climaacutetica da floresta

Quanta energia do Sol eacute consumida para evaporar 20 trilhotildees de litros de aacutegua ao dia Para dar uma noccedilatildeo da grandeza de energia envolvida na transpiraccedilatildeo amazocircnica basta fazer uma comparaccedilatildeo com as hidreleacutetri-cas Evaporar um grama de aacutegua liacutequida consome 23 kilojoules de ener-gia solar Para converter isso em energia hidraacuteulicaeleacutetrica imagine uma chaleira gigante que comporte esse volume drsquoaacutegua daquelas que se liga na tomada eleacutetrica Quanta eletricidade seria necessaacuteria para ferver e eva-porar toda essa aacutegua A usina de Itaipu com 14 mil megawatts de potecircn-cia precisaria gerar eletricidade em sua capacidade maacutexima por 145 anos para que a chaleira evaporasse a aacutegua equivalente agravequela transpirada em apenas um dia amazocircnico Ou para rivalizar com as aacutervores amazocircnicas e fazer o trabalho em um dia seria preciso somar a eletricidade de 50 mil usinas hidreleacutetricas como Itaipu (ou 200 mil como Belo Monte) Esta comparaccedilatildeo deixa claro que diante da potecircncia climaacutetica da floresta as maiores estruturas humanas se mostram microscoacutepicas

e manter chuvas copiosas e benignas Em 1999 um dos primeiros estudos utilizando aviotildees e observaccedilotildees do sateacutelite TRMM20 feitos no projeto LBA constatou que na Amazocircnia o ar na baixa atmosfera (troposfera) eacute tatildeo lim-po de poeira quanto o ar sobre o oceano onde as fontes de poeira satildeo muito reduzidas e que as nuvens tiacutepicas na Amazocircnia se pareciam muito com as nuvens mariacutetimas Essa inusitada semelhanccedila inspirou aqueles pesquisa-dores a batizar a Amazocircnia de ldquooceano verderdquo21 Esse ter-mo descreve as caracteriacutesticas oceacircnicas desta extensatildeo continental coberta por densas florestas A importacircncia deste conceito novo e incomum reside na sua sugestatildeo de uma superfiacutecie florestal estendida abaixo da atmos-fera cuja caracteriacutesticas de vastidatildeo humidade e trocas pelos ventos se assemelham agraves dos oceanos reais

Mas havia na semelhanccedila um misteacuterio pois a maior

Na transpiraccedilatildeo as plantas transferem para a atmosfera 90 de toda a aacutegua eva-porada nos continentes

20 httptrmmgsfcnasagov21 (Williams et al 2002) Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification22 (Marengo 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region

Oceano verde a atmosfera ama-zocircnica possui o ar limpo como a atmosfera do oceano azul

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 15Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ar a chuva natildeo os lava Soacute quando oxidam-se e precipi-tam-se como aerossoacuteis formando as chuvas eacute que satildeo lavados Mas sempre haacute mais BVOCs esperando para formar mais poacute de pirlimpimpim para a proacutexima chuva

Aleacutem da promoccedilatildeo de chuvas volumosas e gentis outros mecanismos bioquiacutemicos anaacutelogos aos que produzem os aromas atuam como ldquovassourinhas quiacute-micasrdquo da atmosfera Nas condiccedilotildees amazocircnicas po-luentes perigosos (como o ozocircnio) satildeo removidos do ar Nos anos 1980 nos primeiros estudos de quiacutemica da atmosfera empregando aviotildees instrumentados constatou-se que o ar na baixa atmosfera amazocircnica continha menos ozocircnio (portanto era mais saudaacutevel) que o ar das regiotildees mais remotas da Terra (como a Antaacutertida) Nas deacutecadas subsequentes outros projetos de investigaccedilatildeo indicaram o efeito das aacutervores na lim-peza do ar25 Desses e de outros estudos em desenvol-vimento pode-se sugerir que as plantas amazocircnicas usam algum tipo de vitamina C como um antioxidan-te capaz de remover do ar gases danosos para a vida

13) Bomba bioacutetica de umidade doar aacutegua para receber chuva

Por volta de 2005 no pico da mais poderosa seca a atingir a Amazocircnia ateacute aquele momento atuamos na integra-ccedilatildeo dos primeiros seis anos de dados do projeto LBA26 Depois de analisar em vaacuterios estudos as evidecircncias das

projeto LBA para investigar tambeacutem as trocas de outros gases produzidos pelas plantas contendo carbono para verificar se constituiacuteam parte importante dessas trocas Esses outros gases satildeo os aromas da floresta tambeacutem chamados de compostos orgacircnicos volaacuteteis biogecircni-cos (BVOCs23) Como um vidro de perfume aberto per-de seu liacutequido por evaporaccedilatildeo e o gaacutes-perfume difun-de-se pelo ambiente uma variedade de substacircncias orgacircnicas evapora nas folhas e ganha a atmosfera

Quando no ar uacutemido e com a luz do Sol os aromas das plantas formam uma poeira finiacutessima com afinidade pela aacutegua Satildeo os nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens

Em termos de massa as quantidades de carbono perdidas para a atmosfera por esses gases orgacircnicos satildeo pequenas Contudo um grupo liderado por Meinrat

Andreae do Instituto Max Planck que estuda a quiacutemica dos gases na atmosfera investigou o que acontecia com esses aromas quando misturados ao ar amazocircnico e desvendou o misteacuterio da nucleaccedilatildeo das nuvens24 Os BVOCs (como isopreno terpenos etc) numa atmosfera uacutemida e na presenccedila da radiaccedilatildeo solar oxidam-se e pre-cipitam-se formando uma poeira finiacutessima com afinida-de pela aacutegua (higroscoacutepica) gerando eficientes nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens Poeticamente falando esse eacute o poacute de pirlimpimpim que surge magicamente no ar carregado de vapor e provoca as chuvas a cacircntaros das nuvens baixas os regadores do Jardim do Eacuteden En-quanto os BVOCs estatildeo na forma de gaacutes dissolvidos no

23 Do inglecircs Biogenic Volatile Organic Carbon satildeo compostos biogecircnicos porque satildeo sintetizados pelos organismos vivos como os odores das plantas Existem outros compostos orgacircnicos volaacuteteis natildeo biogecircni-cos chamados simplesmente de VOCs como o solvente de uma tinta por exemplo

24 (Poumlschl et al 2010) Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon (Clayes et al 2004) Formation of secondary organic aerosols through photooxidation of isoprene Release Astonishing Discovery over the Amazonian Rain Forest

25 Por exemplo (Rummel et al 2007) Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia26 (Nobre 2005) Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 16Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

observaccedilotildees e os resultados de modelos ponderei so-bre a pergunta em voga agrave eacutepoca com o aquecimento global iraacute a floresta uacutemida na Amazocircnia secar e morrer

Ao longo de milhares27 ou provavelmente milhotildees de anos28 a floresta tropical da Ameacuterica do Sul evoluiu sua biota luxuriante sem sinais de ter sido desligada por even-tos climaacuteticos extremos como aridez ou congelamento No mesmo espaccedilo de tempo no entanto eacute improvaacutevel que o impacto do clima externo ao continente tenha permanecido benigno especialmente considerando as interferecircncias coacutesmicas e sua conhecida relaccedilatildeo com mudanccedilas climaacuteticas profundas em escala planetaacuteria29

Em face da adversidade climaacutetica externa como este magniacutefico bioma conseguiu resistir agrave extinccedilatildeo Hoje haacute linhas suficientes de evidecircncias de que a biosfera natildeo soacute pode resistir mas na verdade pode alterar modular e ateacute regular seu proacuteprio ambiente30

As florestas tropicais da Ameacute-rica do Sul estatildeo entre os mais densos diversos e complexos biomas terrestres no planeta Do mecanismo de chuvas no oceano verde pode-se ima-ginar como essas florestas

Amazocircnia coraccedilatildeo do mundo

Como podemos entender a circulaccedilatildeo da aacutegua pela paisagem A aacutegua irriga e drena os solos de forma anaacuteloga ao sangue que irriga e drena os tecidos do corpo Se os familiares rios satildeo anaacutelogos agraves veias que dre-nam a aacutegua usada e a retornam para a origem no oceano onde ficam as arteacuterias do sistema natural Satildeo os rios aeacutereos que trazem a aacutegua fresca renovada na evaporaccedilatildeo do oceano Para completar o sistema circulatoacuterio faltava somente o coraccedilatildeo a bomba que impulsiona os fluxos nas arteacuterias aeacutereas A teoria da bomba bioacutetica veio explicar que a potecircncia que propele os ventos canalizados nos rios aeacutereos deve ser atribuiacuteda agrave grande floresta que funciona entatildeo como coraccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico

poderiam regular o clima Controlar a precipitaccedilatildeo signi-fica tambeacutem controlar a convecccedilatildeo o que por sua vez significa interferir com uma poderosa correia transporta-dora de massa e energia a circulaccedilatildeo de Hadley31 Atra-veacutes da regulaccedilatildeo de chuvas a biologia poderia definir o ritmo dos ventos aliacutesios do Atlacircntico arrastando a neces-saacuteria umidade do oceano para o interior do continente

Na mesma eacutepoca Victor Gorshkov e Anastassia Maka-rieva aprofundando sua teoria sobre a regulaccedilatildeo bioacute-tica do ambiente32 examinavam os mecanismos que ligam a transpiraccedilatildeo das plantas com efeitos fiacutesicos na atmosfera Das surpreendentes descobertas desta anaacutelise eles desenvolveram a teoria da bomba bioacutetica de umidade33 revelando fisicamente como processos de transpiraccedilatildeo e condensaccedilatildeo mediados e manipula-dos pelas aacutervores mudam a pressatildeo e dinacircmica atmos-feacutericas resultando em maior suprimento de umidade do oceano para o interior de continentes florestados

Makarieva e colaboradores descobriram que a conden-saccedilatildeo do vapor drsquoaacutegua na atmosfera gera uma reduccedilatildeo localizada de pressatildeo e produz potencia dinacircmica que acelera os ventos ao longo do resultante gradiente de pressatildeo 34 O ponto crucial da teoria eacute que contrastes na evaporaccedilatildeo da superfiacutecie ndash casada com a determinante condensaccedilatildeo nas nuvens ndash muito mais que contrastes

na temperatura de superfiacutecie determinam a direccedilatildeo e a intensidade dos ventos trazedores de chuva

Assim uma regiatildeo florestada que evapora tanta ou mais aacutegua que uma superfiacutecie oceacircnica contiacutegua ndash e que teraacute muito mais condensaccedilatildeo na produccedilatildeo de chu-vas ndash iraacute sugar do mar para a terra as correntezas de ar carregadas de umidade onde ascenderatildeo o que traraacute chuvas para a aacuterea florestada Ao contraacuterio se a floresta for removida o continente teraacute muito menos evapora-ccedilatildeo do que o oceano contiacuteguo ndash com a consequente reduccedilatildeo na condensaccedilatildeo ndash o que determinaraacute uma re-versatildeo nos fluxos de umidade que iratildeo da terra para o mar 35 criando um deserto onde antes havia floresta

Entre as previsotildees baseadas na teoria da bomba bioacute-tica feitas por Makarieva e Gorshkov estava a de que as secas nas florestas nativas seriam contrapostas por transpiraccedilatildeo vigorosa das aacutervores Ora essa previsatildeo contrariava o senso comum pois qualquer pessoa sabe que basta deixar um vaso com plantas sem re-gar por alguns dias para que as plantas murchem e

27 (Baker et al 2001) The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years28 (Hooghiemstra et al 2002) Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary29 (Berger and Yin 2012) Astronomical Theory and Orbital Forcing30 (Foley and Costa 2003) Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate (Gorshkov et al 2004) Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction

(Pielke and Avissar 1998) Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate31 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena32 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change33 (Makarieva and Gorshkov 2007) Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land34 (Makarieva et al 2013) Where do winds come from35 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais

Uma regiatildeo florestada onde ocorre muito mais conden-saccedilatildeo em nuvens do que em superfiacutecie oceacircnica contiacutegua iraacute sugar para a terra os ven-tos do mar que carregados de umidade traratildeo chuvas para a aacuterea florestada

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 17Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

continuar a importar aacutegua pela atmosfera ndash contra-pondo a seca ndash e garantir a continuidade da floresta A teoria da bomba bioacutetica vem ganhando aceitaccedilatildeo37 e jaacute tem comprovaccedilatildeo observacional38

14) Rios aeacutereos aacutegua fresca pelas arteacuterias suspensas

Um mapa-muacutendi revela interessantes arranjos e sime-trias na distribuiccedilatildeo de florestas e desertos ao redor do globo com trecircs cinturotildees chamando a atenccedilatildeo um de florestas ao redor da linha do Equador e outros dois de desertos ao redor dos troacutepicos de Cacircncer e Capri-coacuternio Tal geografia de paisagens contrastantes tem explicaccedilatildeo conhecida a circulaccedilatildeo de Hadley39

Pela influecircncia da circulaccedilatildeo de Hadley a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul tenderia agrave aridez

Haacute maior incidecircncia solar na zona equatorial e portanto ocorre ali devido a efeitos fiacutesi-cos uma maior ascensatildeo de ar

que se resfria e faz chover favorecendo florestas O ar que subiu e perdeu umidade precisa ir para algum lugar des-locando-se em altitude nos dois hemisfeacuterios na direccedilatildeo dos subtroacutepicos Esse ar seco quando desce e se aquece remove umidade da superfiacutecie favorecendo desertos

Mas existem exceccedilotildees e a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul eacute uma delas Pela influecircncia da circula-ccedilatildeo de Hadley essa regiatildeo tenderia agrave aridez Basta ver o deserto de Atacama no outro lado dos Andes ou os

ateacute morram Contrariava tambeacutem o conhecimento de ecofisiologistas segundo o qual quando para de cho-ver e a aacutegua no solo diminui as plantas fecham logo seus estocircmatos e deixam de transpirar para econo-mizar aacutegua Ao mesmo tempo essa previsatildeo fornece uma pista para um antigo enigma ecofisioloacutegico por-que a fotossiacutentese evoluiu para ser ldquoesbanjadorardquo de vapor drsquoaacutegua Surpreendentemente entretanto Scott Saleska e colaboradores publicaram na revista cientiacutefi-ca Science36 observaccedilotildees que corroboravam a correccedilatildeo da previsatildeo teoacuterica de Makarieva e Gorshkov

Durante o pico da seca de 2005 as partes mais atingidas da Amazocircnia foram as que mais ldquoverdejaramrdquo isto eacute na zona onde choveu menos (conforme registro do sateacutelite TRMM) brotaram mais folhas novas nas copas das aacutervores (conforme foi visto pelo sensor MODIS no sateacutelite Terra)

As conclusotildees desse estudo a partir de imagens de sateacutelite jaacute contavam com apoio de mediccedilotildees em terra das torres de fluxo do projeto LBA que haviam consta-tado o fato de natildeo ocorrer uma reduccedilatildeo de transpira-ccedilatildeo das aacutervores nas eacutepocas secas Em outras palavras parece que quando a seca chega as aacutervores com raiacute-zes profundas (e acesso a grande quantidade de aacutegua subterracircnea) executam um programa para manter ou aumentar a transpiraccedilatildeo Assim com o fluxo de vapor da transpiraccedilatildeo na superfiacutecie ndash e a correspondente condensaccedilatildeo nas nuvens ndash manteacutem-se a succcedilatildeo do ar uacutemido sobre os oceanos proacuteximos o que significa

36 (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought37 Por exemplo (Sheil and Murdiyarso 2009) How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis38 (Poveda et al 2014) Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers39 Ceacutelula de Hadley

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 18Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

circulaccedilatildeo que liga os ventos aliacutesios carregados de umidade do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonal-mente para a parte meridional

da Ameacuterica do Sul foi descrita por Joseacute Marengo e cola-boradores43 Embora eles tenham chamado esse trans-porte de jatos de baixos niacuteveis o conceito eacute muito similar ao dos rios atmosfeacutericos Segundo sua explicaccedilatildeo fun-ciona na Ameacuterica do Sul um sistema de monccedilotildees seme-lhante ao da Aacutesia e devido ao efeito da floresta (geisers da floresta) e tambeacutem da cordilheira dos Andes (uma barreira de 6 km de altura) o persistente ar uacutemido ama-zocircnico faz a curva no Acre e durante o veratildeo leva quan-tidades generosas de vapor drsquoaacutegua para o quadrilaacutetero afortunado contrariando sua tendecircncia para a aridez

Recentemente Josefina Arraut44 e colaboradores fi-zeram uma revisatildeo climatoloacutegica dos rios aeacutereos da Ameacuterica do Sul estimando o transporte de vapor as-sociado e introduzindo um novo conceito ldquolagos aeacute-reosrdquo ou seja regiatildeo de remanso atmosfeacuterico com um estoque de vapor precipitaacutevel

Com o conceito de rios aeacutereos estabelecido e tornan-do-se popular Dominick Spracklen45 e colaboradores desenvolveram uma nova abordagem ao correlacionar a superfiacutecie coberta por vegetaccedilatildeo agrave exposiccedilatildeo de uma

Salati e colaboradores comparando as assinaturas quiacute-micas40 entre o fluxo de entrada de vapor oceacircnico no grande anfiteatro amazocircnico com as correspondentes assinaturas da aacutegua de escoamento que retorna ao oceano pelo rio Amazonas perceberam que parte sig-nificativa da aacutegua que entrava como vapor no canal aeacutereo natildeo retornava pelo canal terrestre41

Daiacute concluiacuteram que a Amazocircnia devia estar exportan-do esse vapor para outras regiotildees do continente e irri-gando outras bacias hidrograacuteficas que natildeo a do Ama-zonas Anaacutelises preliminares feitas agrave eacutepoca nas aacuteguas de chuva coletadas na cidade do Rio de Janeiro de-tectaram sinais de que parte dela vinha do interior do continente natildeo do oceano contiacuteguo E mais especifi-camente que havia passado pela Amazocircnia Esse gru-po foi o primeiro a sugerir que chuvas na Ameacuterica do Sul fora da Amazocircnia poderiam ser alimentadas pelo transporte continental de vapor

O conceito de rios atmosfeacutericos foi introduzido em 1992 por Reginald Newell e Nicholas Newell42 para descre-ver fluxos filamentares na baixa atmosfera capazes de transportar grandes quantidades de aacutegua como vapor tipicamente em volumes superiores ao transportado pelo rio Amazonas (que tem vazatildeo de 200 milhotildees de litros por segundo ndash ou 17 bilhotildees de toneladas ao dia)

Quase trecircs deacutecadas depois dos achados de Salati a

Rios Voadores contando uma bela histoacuteria

Em 2006 contemplando a floresta amazocircnica do alto de uma torre de estudo do projeto LBA trocamos com o aviador Gerard Moss as primei-ras ideias que levaram ao projeto de aventura pesquisa divulgaccedilatildeo e educaccedilatildeo ambiental Rios Voadores42 Com financiamento da Petrobras e a participaccedilatildeo de Eneacuteas Salati o pioneiro dos estudos sobre reciclagem de umidade na Amazocircnia aleacutem de outros cientistas de renome Moss perseguiu por anos os rios de vapor com seu aviatildeo monomotor coletan-do numerosas amostras para estudo e capturando a atenccedilatildeo luacutedica das pessoas na aventura que criou Fez tambeacutem um trabalho extraordinaacuterio de educaccedilatildeo ambiental nas escolas e pela Web postando frequente-mente em redes sociais as trajetoacuterias dos rios voadores e mostrando como estes levam aacutegua para as pessoas O resultado mais valioso desse projeto foi sua capacidade de tocar o lado emocional das pessoas atraveacutes do estiacutemulo luacutedico da aventura da ciecircncia engajada conectan-do-as ao sentimento de estima pelo ambiente pela aacutegua e pela floresta

desertos de Namiacutebia e Kalahari na Aacutefrica e o deserto da Austraacutelia Todos alinhados latitudinalmente com a afortunada aacuterea verde responsaacutevel por 70 do PIB do continente no quadrilaacutetero delimitado por Cuiabaacute ao Norte Satildeo Paulo a Leste Buenos Aires ao Sul e a cor-dilheira dos Andes a Oeste

As escolas ensinam que a aacutegua evapora do mar ldquovairdquo para os continentes cai como chuva eacute coletada nos rios de superfiacutecie e retorna ao mar Ao fazer a ligaccedilatildeo entre evaporaccedilatildeo da aacutegua no mar com seu tracircnsito em terra esse conceito simploacuterio do ciclo hidroloacutegico natildeo estaacute errado mas natildeo explica quase nada Por exemplo por que existem desertos ou por que o vapor mariacutetimo adentra os continentes de forma heterogecircnea

Rios aeacutereos ligam os ventos aliacutesios carregados de umida-de do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonalmente para a parte meridional da Ameacuterica do Sul

40 Definidas pelo uso de traccediladores que portam assinaturas isotoacutepicas Diz-se que satildeo isoacutetopos dois ou mais aacutetomos com o mesmo numero de proacutetons mas com massas diferentes Uma analogia boa eacute pensar em gecircmeos com caracteriacutesticas idecircnticas exceto peso Assinatura isotoacutepica eacute a relaccedilatildeo numeacuterica entre a imensa multidatildeo de ldquogecircmeosrdquo atocircmicos em um material ou substancia A aacutegua pode conter variada combinaccedilatildeo de gecircmeos de oxigecircnio (16O e 18O) e hidrogecircnio (1H 2H) gerando moleacuteculas de aacutegua com pesos distintos A proporccedilatildeo destes gecircmeos atocircmicos que ocorre na aacutegua do mar por exemplo se altera com a evaporaccedilatildeo (flutuam primeiro os mais leves) e tambeacutem com a chuva (precipitam primeiro os mais pesados) Assim ao analisar a assinatura isotoacutepica de uma amostra de aacutegua ou vapor pode-se saber de onde ela veio se do oceano ou da floresta

41 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study (Matsui et al 1976) Isotopic hydrology in the Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 18O concentrations42 (Newell and Newell 1992) Tropospheric Rivers - A Pilot Study43 (Marengo et al 2004) Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalysis Characteristics and temporal variability44 (Arraut et al 2012) Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America45 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 19Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Eventos extremos a vida buscando equiliacutebrio

Com o aquecimento global ocorre maior acuacutemulo de energia na at-mosfera o que aumenta a probabilidade de ocorrecircncias de fenocircmenos climaacuteticos mais intensos A natureza desta tendecircncia foi prevista haacute deacutecadas pelos meteorologistas Mas a maior intensidade e frequecircncia dessas ocorrecircncias estaacute sendo observada deacutecadas antes do previsto Algum fator na complexidade do clima deve explicar a aceleraccedilatildeo dos efeitos O registro geoloacutegico mostra que climas extremos jaacute ocorreram na histoacuteria da Terra muito antes da humanidade surgir Mas ao contraacuterio do que seria de se esperar depois dos cataclismos todas as evidecircncias apontam sempre para uma resiliente recuperaccedilatildeo estabilizadora ate-nuando os extremos Sistemas puramente geofiacutesicos natildeo teriam essa capacidade Somente a vida e seus processos de auto-regulaccedilatildeo ofere-cem explicaccedilatildeo satisfatoacuteria para a histoacuteria climaacutetica da Terra49

parcela de ar num rio aeacutereo (medida pelo iacutendice cumu-lativo de aacuterea foliar ao longo da trajetoacuteria) com chuva a jusante na trajetoacuteria daquela mesma parcela Ou seja um rio aeacutereo conecta regiotildees doadoras de umidade com outras receptoras de umidade Daiacute a importacircncia crucial das florestas a montante constatou-se que a Amazocircnia eacute de fato a cabeceira dos mananciais aeacutereos da maior parte das chuvas na Ameacuterica do Sul

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos

Makarieva e Gorshkov46 introduziram uma nova definiccedilatildeo fiacutesica para furacotildees ciclones ou tornados ldquo satildeo implosotildees (explosotildees em reverso) que se passam em cacircmera lenta decorrentes do desaparecimento volumeacutetrico de vapor drsquoaacutegua na atmosfera por condensaccedilatildeordquo47 Paulo Nobre

apresentou-lhes entatildeo um problema ldquoA questatildeo que se coloca eacute entender por que os furacotildees natildeo se desenvol-vem sobre as florestas tropicais como na Amazocircnia onde o fornecimento de vapor de aacutegua pela floresta e sua ex-tinccedilatildeo na forma de chuva tropical eacute tatildeo abundanterdquo 48

Respondendo Makarieva e Gorshkov demonstraram teoricamente como uma grande aacuterea terrestre co-berta por floresta natildeo per-

mite a formaccedilatildeo de furacotildees e outros padrotildees climaacuteticos anocircmalos incluindo secas e enchentes Em sua explica-ccedilatildeo a fricccedilatildeo turbulenta local com o dossel da floresta -que transpira ativamente o que resulta em chuvas uni-formes sobre grandes aacutereas- e a traccedilatildeo do vento pela bomba bioacutetica em distacircncias maiores diminui muito a chance de organizaccedilatildeo de tormentas como tornados ou furacotildees As trajetoacuterias registradas dos furacotildees compro-vam o ambiente ameno nas regiotildees cobertas por flores-tas extensas e aacutereas oceacircnicas proacuteximas50 Ou seja aleacutem de todos os outros serviccedilos da floresta ao clima ela ainda oferece um seguro contra destrutivos eventos atmosfeacute-ricos atenuando a concentraccedilatildeo de energia nos ventos

Outras funccedilotildees claacutessicas das florestas na regulaccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico em terra satildeo bem conhecidas como o favorecimento da recarga de aquiacuteferos e a atenua-ccedilatildeo de enchentes51 entre muitas outras

Entre os serviccedilos que a floresta presta ao clima estaacute um segu-ro contra eventos atmosfeacutericos destrutivos atenuando a concen-traccedilatildeo da energia nos ventos

46 (Makarieva et al 2008) On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine47 De acordo com os autores ldquoThe driving force of all hurricane processes is a rapid release as in compressed spring of potential energy previously accumulated in the form of saturated water vapor in the atmospheric column

during a prolonged period of water vapor evaporation under the action of the absorbed solar radiationrdquo (Makarieva et al 2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient48 (Nobre P 2009a) Peer Review Question Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo49 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment50 Storm Track mapa registrando todas as trajetoacuterias observadas de furacotildees mostrando que a regiotildees equatoriais das florestas e suas imediaccedilotildees oceacircnicas satildeo livres destes fenocircmenos51 httpwwwipefbrhidrologiamataciliarasp

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 20Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito

Em vista dos efeitos extensivos e elaborados das flo-restas sobre o clima demonstrados pela ciecircncia que resultados esperar da sua devastaccedilatildeo Para avaliar os impactos do desmatamento no clima vem sendo fei-to um nuacutemero crescente de experimentos de campo e modelagem estudos observacionais e mais recente-mente anaacutelises teoacutericas Quais as consequecircncias pro-jetadas do desmatamento e quais as jaacute observadas

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores

Uma das maiores virtudes dos modelos climaacuteticos estaacute em sua capacidade de simular cenaacuterios distantes do momento presente Esse tipo de exerciacutecio natildeo eacute pre-ditivo no sentido fiacutesico mas onde a teoria fiacutesica ainda natildeo estiver disponiacutevel eacute o melhor conhecimento e a uacutenica ferramenta para analisar sistemas complexos e fazer extrapolaccedilotildees bem fundamentadas

Tais exerciacutecios de simulaccedilatildeo satildeo valiosos para situaccedilotildees especiacuteficas como explorar riscos climaacuteticos associados ao desmatamento No ambiente virtual como num si-mulador de voo eacute possiacutevel avaliar repetidamente ce-naacuterios de desastres esmiuccedilando os fatores atuantes as condiccedilotildees iniciais e as consequecircncias potenciais de manobras arriscadas

Em 1991 Carlos Nobre liderou um dos mais citados

estudos para simular o impacto no clima do desma-tamento total da floresta amazocircnica52 Usando um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera (GCM53) com um moacutedulo acoplado de representaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo (SiB54) os autores concluiacuteram que quando as florestas eram substituiacutedas por pasto degradado no modelo verificava-se um aumento significativo na temperatura meacutedia de superfiacutecie (cerca de 25degC) e uma diminuiccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo anual (reduccedilatildeo de 30) da pre-cipitaccedilatildeo (reduccedilatildeo de 25) e do escoamento superfi-cial (reduccedilatildeo de 20) Na simulaccedilatildeo ocorria tambeacutem um aumento da duraccedilatildeo da estaccedilatildeo seca na metade sul da bacia amazocircnica

Nas duas deacutecadas seguintes outros estudos avanccedila-ram no detalhamento e generalizaccedilatildeo dessas conclu-sotildees Deborah Lawrence e Karen Vandecar fizeram recentemente uma revisatildeo da literatura55 sobre os impactos do desmatamento tropical no clima e con-cluiacuteram que vaacuterios GCMs concordam em que o des-matamento em escala regional leva a um clima mais quente e seco sobre a aacuterea desmatada Os modelos que simulam o desmatamento completo da Amazocirc-nia preveem um clima com aquecimento na faixa de 01-38degC (meacutedia de 19degC) e reduccedilatildeo de chuvas na fai-xa de 140-640 mm ao ano (meacutedia de 324 miliacutemetrosano ou 10-15 de reduccedilatildeo)

Mas o desmatamento pode ter implicaccedilotildees muito mais

52 (Nobre C et al 1991) Amazonian Deforestation and Regional Climate Change53 Definiccedilatildeo de GCM por Lawrence e Vandecar (2014) ldquo satildeo modelos computacionais tridimensionais globais do sistema climaacutetico que operam em larga escala Os modelos mais recentes incluem representaccedilotildees

da atmosfera oceanos e da superfiacutecie da Terra [] e incorporam o ciclo hidroloacutegico e uma representaccedilatildeo expliacutecita [] da vegetaccedilatildeo e seus efeitos sobre os fluxos de energia e de aacutegua incluindo as transferecircncias radiativas e turbulentas e os controles fiacutesicos e bioloacutegicos da evapotranspiraccedilatildeordquo

54 (Sellers et al 1986) Simple Biosphere Model55 (Lawrence and Vandecar 2014) The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity natildeo publicado

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 21Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

modelos parecem tender a subestimar as consequecircn-cias negativas nos cenaacuterios simulados Os resultados de projeccedilotildees mais recentes incluindo os oceanos agra-vam o quadro e aumentam o alerta

A eliminaccedilatildeo da floresta ndash prin-cipal agente da condensaccedilatildeo continental ndash equivale a desligar o interruptor de uma bomba de umidade atmosfeacuterica

Mas eacute preciso tambeacutem con-siderar a teoria da bomba bioacutetica e sua previsatildeo de re-duccedilatildeo de chuvas Diferente-mente dos modelos numeacute-

ricos convencionais uma teoria fiacutesica constroacutei entendimento baseada exclusivamente em leis funda-mentais da natureza Se a teoria estiver correta torna possiacutevel prever quantitativamente efeitos fiacutesicos apenas com a anaacutelise dos cenaacuterios e de sua loacutegica funcional

Makarieva e Gorshkov preveem que o desmatamento completo da Amazocircnia reduziria a precipitaccedilatildeo primor-dialmente como resultado da dissipaccedilatildeo do efeito da baixa pressatildeo (succcedilatildeo) associado agrave condensaccedilatildeo que eacute conectada a uma reduccedilatildeo da evaporaccedilatildeo de superfiacute-cie Como a teoria da bomba bioacutetica tambeacutem credita a disponibilidade de vapor para a precipitaccedilatildeo na Ama-zocircnia como resultado dessa capacidade de transpirar a eliminaccedilatildeo total do principal agente da transpiraccedilatildeo levaria agrave cessaccedilatildeo completa do bombeamento bioacutetico

Esta teoria sugere que desligado o interruptor da bom-ba que puxa o ar uacutemido para o continente o fluxo de umidade deve mudar de direccedilatildeo quando a condensaccedilatildeo passar a ser relativamente maior sobre o oceano (mais

seacuterias Em 1997 German Poveda e Oscar Mesa56 propuse-ram o papel de ponte hidrometeoroloacutegica para a floresta amazocircnica ao conectar os dois grandes oceanos proacutexi-mos isto eacute sugerindo efeitos climaacuteticos cruzados entre os oceanos via atmosfera mediados pela floresta

Explorando com modelagem em direccedilatildeo similar mais recentemente Paulo Nobre57 e colaboradores estuda-ram o impacto do desmatamento na chuva amazocircni-ca tendo como referecircncia a inclusatildeo ou a exclusatildeo das respostas dos grandes oceanos aos cenaacuterios de des-matamento58 Comparando simulaccedilotildees feitas em um GCM atmosfeacuterico usual com um GCM acoplado a outro modelo que simula as condiccedilotildees internas dos oceanos (salinidade correntes etc) esses autores encontraram uma reduccedilatildeo consideravelmente maior na precipita-ccedilatildeo quando o GCM acoplado com o oceano foi rodado para um cenaacuterio de desmatamento total da Amazocircnia 42 de reduccedilatildeo da chuva contabilizando os mecanis-mos internos dos oceanos contra 26 de reduccedilatildeo da chuva sem considera-los Os oceanos sempre estive-ram presentes e a inclusatildeo das suas respostas internas daacute mais realismo agraves simulaccedilotildees

Jaacute existem comprovaccedilotildees de muito do que foi proje-tado pelos modelos como consequecircncia do desma-tamento especialmente a ampliaccedilatildeo da estaccedilatildeo seca Poreacutem esses experimentos virtuais indicavam um prolongamento da estaccedilatildeo seca apoacutes destruiccedilatildeo de 100 da floresta o que jaacute se observa com o corte raso de pouco menos de 19 da floresta Ou seja esses 56 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena57 (Nobre P et al 2009b) Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation58 Que utiliza apenas a seacuterie histoacuterica observada das temperaturas da superfiacutecie dos oceanos

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 22Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

E apontaram que essa re-duccedilatildeo de chuvas poderaacute ser bem maior do que o indicado pelo grupo de Spracklen63 Para a porccedilatildeo

mais desmatada da Amazocircnia jaacute se constata progres-sivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera significativo impacto no setor agriacutecola

Assim a discussatildeo sobre desmatamento passa longe de duacutevidas sobre seus evidentes efeitos diretos e indi-retos na reduccedilatildeo das chuvas e recai sobre a extensatildeo da aacuterea desmatada No periacuteodo 20112012 foram ldquoape-nasrdquo 4571 km2 desmatados na Amazocircnia brasileira Se comparado com taxas de desmatamento em anos de pico como 2004 (27772 km2) esse valor parece mo-desto O Brasil merece reconhecimento por haver lo-grado essa reduccedilatildeo A velocidade e a eficaacutecia atingidas na reduccedilatildeo recomendam essa estrateacutegia para zerar e reverter o desmatamento no Brasil e no mundo

A despeito da notiacutecia encorajadora essa taxa que pa-rece tatildeo pequena seria suficiente para desmatar aacuterea equivalente a toda a Costa Rica em meros dez anos Aleacutem disso reduccedilotildees nas taxas anuais atenuam a per-cepccedilatildeo momentacircnea de perda e mascaram o desmata-mento acumulado na Amazocircnia que eacute muito grave

No que diz respeito ao clima importa sobretudo a aacuterea total devastada e sua distribuiccedilatildeo espacial Compilando

localizado da chuva com o desmatamento estudos mais abrangentes simulaccedilotildees com modelos climaacuteticos e mesmo anaacutelises teoacutericas esclareceram o caraacuteter local e transitoacuterio desse efeito que depende basicamente da existecircncia de matas circundantes agrave aacuterea desmatada e da extensatildeo dessas matas O aumento de chuva converte-se em reduccedilatildeo tatildeo logo as florestas remanescentes fi-quem mais distantes que um certo limiar de aacuterea aberta Daiacute em diante haveraacute reduccedilatildeo das chuvas

Dados de sateacutelites para chuva e presenccedila de floresta mostra-ram reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos que passam sobre aacutereas desmatadas

O estudo de Spracklen e colaboradores62 com da-dos de sateacutelites para chu-va e presenccedila de floresta constatou que com o des-

matamento ocorre a reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos Em 60 das aacutereas tropicais o ar que passa sobre densas florestas produz pelo menos duas vezes mais chuva que o ar que passa sobre aacutereas desmatadas Apesar de ainda natildeo terem considerado o mecanismo e os efeitos da teoria da bomba bioacutetica esses autores de-monstraram com evidecircncias fortes que o impacto ne-gativo do desmatamento no clima natildeo eacute somente local mas pode afetar regiotildees proacuteximas e distantes

Aplicando os conceitos da bomba bioacutetica Makarieva e colaboradores colocaram os achados de Spracklen em perspectiva explicando quantitativamente quais os fatores fiacutesicos responsaacuteveis pela reduccedilatildeo nas chuvas a jusante dos ventos decorrentes do desmatamento

fraca que a bioacutetica a bomba oceacircnica de condensaccedilatildeo estaacute sempre ligada) o que levaria a aridez em terra59

Os modelos climaacuteticos usados para simular o desma-tamento ainda natildeo embutiram essa nova teoria fiacutesica portanto natildeo projetam esse efeito que poderia signi-ficar ateacute 100 de reduccedilatildeo nas chuvas

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo

O desmatamento real eacute imenso e seus efeitos sobre o clima satildeo bem documentados Estudos em torres micrometeoroloacutegicas mostram que a substituiccedilatildeo de floresta por pastagem leva como previsto pelos mo-delos a um aumento da temperatura de superfiacutecie e uma reduccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo60 Observaccedilotildees de sateacutelite mostram que durante a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspi-raccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas61

Observaccedilotildees mostram que duran-te a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspiraccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas

Dados similares tambeacutem indicam que a transpira-ccedilatildeo da floresta eacute bem maior do que aquela pres-crita pelos modelos o que explica em parte a subesti-

mativa dos modelos de larga escala no caso da reduccedilatildeo de precipitaccedilatildeo com o desmatamento Embora alguns estudos observacionais tenham revelado um aumento

Para a porccedilatildeo mais desmata-da da Amazocircnia jaacute se constata progressivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera signifi-cativo impacto no setor agriacutecola

59 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais60 Por exemplo (Gash et al 1996) Amazonian Deforestation and Climate (von Randow et al 2004) Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in southwest Amazonia61 (Huete et al 2006) Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought62 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests63 (Makarieva et al 2013) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 23Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Desmatamento acumulado 762979 km2

Esse valor eacute maior que a soma das aacutereas de trecircs estados de Satildeo Paulo ou que as aacutereas somadas de duas Alemanhas ou de dois Japotildees Uma unidade de aacuterea mais proacutexima do brasileiro o campo de futebol (4136 m2) daacute uma noccedilatildeo da magnitude da devastaccedilatildeo 184 milhotildees de unidades65 ndash quase um campo de futebol desmatado na Amazocircnia para cada brasileiro Colocado na perspectiva temporal teriam sido em meacutedia 12635 campos desmatados por dia 526 campos por hora 88 campos ndash ou 36291 m2 por minuto 605 m2 por segundo ininterruptamente nos uacuteltimos 40 anos Para caber na compreensatildeo o gigantismo destes nuacutemeros eacute preciso estender a imaginaccedilatildeo para aleacutem destas analogias Um trator ficcional operando uma lacircmina frontal com 3 m de largura precisaria acelerar quase agrave velocidade de um aviatildeo a jato (726 kmh) para desmatar a aacuterea raspada na Amazocircnia no ritmo registrado do espaccedilo em imagens Como um trator desmata mui-to mais lentamente (024 - 036 hah66 ou ~08 kmh se essa aacuterea estives-se contida em uma faixa com 3 m de largura) com a mesma lacircmina de 3 m seriam necessaacuterios mais de 900 tratores simultaneamente derrubando a floresta lado a lado formando uma frente destrutiva com quase 3 km de largura Uma comparaccedilatildeo ainda mais impressionante eacute uma ldquoestrada de desmatamentordquo com 2 km de largura que daria para cobrir a distacircncia da Terra ateacute a Lua (380 mil km)

estudos pioneiros com dados de sateacutelite Dioacutegenes Al-ves64 contabilizou ateacute 2004 um desmatamento total de 663 mil km2 Agregando-se os nuacutemeros mais recentes do projeto PRODES do INPE o desmatamento acumula-do total ateacute 2013 chega a 762979 km2

Pelo vieacutes do dano ao clima o que se tem na Amazocircnia eacute um passivo gigantesco de destruiccedilatildeo do oceano ver-de Natildeo haacute portanto qualquer motivo para comemo-rar as taxas relativamente mais baixas de corte raso dos uacuteltimos anos mesmo porque depois da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal (2011) com sua ampla anistia a desmatadores jaacute se observa uma niacutetida tendecircncia de aumento das taxas anuais

Na contabilidade do INPE o corte raso brasileiro (sem considerar os dos demais paiacuteses da bacia amazocircnica) chegou em 2012 a 1885 da aacuterea original de floresta67 Mas a destruiccedilatildeo natildeo eacute uniforme pois ocorre grande concentraccedilatildeo de corte raso no chamado Arco do Fogo ndash ou Arco do Desmatamento68 Se a vastidatildeo raspada jaacute eacute graviacutessima para o clima a situaccedilatildeo torna-se ainda pior ao se considerar o oceano verde ferido

A exploraccedilatildeo madeireira e o desmatamento gradual pro-duzem extensas aacutereas de florestas degradadas que rara-mente entram na contabilidade oficial da destruiccedilatildeo mas que a depreender das informaccedilotildees e estimativas dispo-niacuteveis podem ter impacto significativo sobre o clima

Dalton Valeriano liderou um estudo pioneiro sobre degradaccedilatildeo69 que encontrou no Estado do Mato Gros-so no periacuteodo de 2007 a 2010 ldquosomenterdquo 7856 km2 com corte raso mas outros 32926 km2 de florestas degradadas Somando corte raso com degradaccedilatildeo sobrou pouco do propriamente chamado Estado de Mato Grosso

No mesmo periacuteodo o INPE mapeou 64205 km2 de flo-resta degradada versus 39026 km2 de corte raso para a Amazocircnia brasileira Usando a proporccedilatildeo entre estas

64 (Alves 2007) Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon65 Aacuterea desmatada 762979 km2 0004136 km2 = 184472679 de campos de futebol66 (Viana 2012) Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento67 httpwwwdpiinpebrprodesdigitalprodesphp Lista (uma tabela) e Consolida (somatoacuterios para a unidade de aacuterea considerada)68 Porcentagem de aacuterea desmatada ateacute 2012 TO 75 MA 72 RO 41 MT 40 PA 22 e AC 1369 httpwwwobtinpebrprodesRelatorio_Prodes2008pdf

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 24Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aacutereas pode-se extrapolar a aacuterea de floresta degradada para toda a Amazocircnia brasileira Na estimativa ateacute 2013 a aacuterea total degradada pode ter alcanccedilado 1255100 km2 Somando com a aacuterea mensurada de corte raso o impacto cumulativo no bioma pela ocupaccedilatildeo humana pode ter atingido 2018079 km2

Dentre mais de 200 paiacuteses no mundo somente 13 tecircm aacuterea maior que essa Nesta contabilidade a degrada-ccedilatildeo de florestas na Amazocircnia brasileira pode haver chegado a 2944 da aacuterea original70 que somada ao desmatamento corte-raso sugere que ateacute 4734 da floresta tenha sido impactada diretamente por ativi-dade humana desestabilizadora do clima Para a Pan-Amazocircnia esse impacto agregado da Amazocircnia bra-sileira contabilizando desmatamento e estimando degradaccedilatildeo representa de 2668 a 290371 sobre a aacuterea original de floresta

Mas a aacuterea de impacto no sentido ecoloacutegico pode ser ainda maior porque florestas contiacuteguas a aacutereas de de-gradaccedilatildeo ou corte raso sofrem direta e indiretamente os efeitos das mudanccedilas ambientais vizinhas (biogeo-fiacutesicas e biogeoquiacutemicas)72

No processo de degradaccedilatildeo a destruiccedilatildeo do dossel frequentemente superior a 60 da cobertura73 muda as caracteriacutesticas estruturais ecoloacutegicas e fisioloacutegicas da floresta comprometendo suas capacidades am-bientais

70 Caacutelculo utilizando a mensuraccedilatildeo de Espiacuterito-Santo et al (2014) para a floresta remanescente na Amazocircnia brasileira [3500000 km2] acrescida da aacuterea acumulada do desmatamento [762979 km2] chegando a 4262979 km2 de florestas originais na Amazocircnia brasileira

71 Impacto usando aacuterea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Espiacuterito-Santo et al (2014) com 7562979 km2 e em Eva et al (2005) com 6943468 km2

72 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon73 (Valeriano et al 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD e QUEIMADAS 2007-200874 University of Maryland Global Forest Cover

Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 ateacute 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Ameacuterica do Sul74

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 12: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 13Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Depois que as nuvens precipitam seu precioso liacutequido sobre a floresta grande parte da aacutegua se esgueira por entre o dossel e infiltra-se pelo permeaacutevel solo flores-tal onde eacute armazenada no pacote poroso do solo ou mais abaixo em aquiacuteferos gigantescos verdadeiros oceanos subterracircneos de aacutegua doce

A aacutegua do solo comeccedila seu retorno para a atmosfe-ra absorvida por profundos e sofisticados sugadores as raiacutezes depois sobe desafiando a forccedila da gravidade por 40 a 60 m ou mais em elaboradas tubulaccedilotildees no xilema dos troncos Sua uacuteltima etapa passa pelas es-truturas laminares evaporadoras das folhas versaacuteteis paineacuteis solares quiacutemicos capazes de absorver a ener-gia do sol e aproveitar a cariacutecia dos ventos para trans-pirar e transferir copiosos volumes de aacutegua vaporosa para a atmosfera completando assim o retorno do ci-clo vertical iniciado com a chuva

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpirar mais de mil litros de aacutegua num uacutenico dia

Uma aacutervore grande pode bombear do solo e transpi-rar mais de mil litros de

aacutegua num uacutenico dia16 A Amazocircnia sustenta centenas de bilhotildees de aacutervores em suas florestas Vinte bilhotildees de to-neladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica17 Em seu conjunto as aacutervo-res essas benevolentes e silenciosas estruturas verdes vivas da natureza similares a geisers jorram para o ar um rio vertical de vapor mais importante que o Amazonas18

Geiser de vapor maior que o rio Amazonas

Buscando quantificar de modo simples a transpiraccedilatildeo massiva da flores-ta sugerida pelos estudos de Salati e outros fizemos juntamente com Adriana Cuartas em 2007 um caacutelculo revelador Usando os dados de evaporaccedilatildeo coletados nas torres de fluxo do projeto LBA (36 mm ao dia ou 36 litros por m2 em meacutedia) estimamos a quantidade total diaacuteria de aacutegua fluindo do solo para a atmosfera atraveacutes das aacutervores Cobrindo 55 milhotildees de km2 o caacutelculo para a floresta na bacia amazocircnica resultou no fantaacutestico nuacutemero de 20 bilhotildees de toneladas de aacutegua transpirada ao dia (ou 20 trilhotildees de litros) Mais de 22 bilhotildees se considerarmos todas as florestas da porccedilatildeo equatorial da Ameacuterica do Sul e 25 bilhotildees ou mais se considerarmos as florestas que existiam no seu estado pristino em 150017 Para comparaccedilatildeo o volume despejado no oceano Atlacircntico pelo rio Amazonas eacute pouco mais de 17 bilhotildees de toneladas ao dia18

Como em um edifiacutecio com muitos pisos um me-tro quadrado de chatildeo na

Amazocircnia pode ter sobre si ateacute 10 m2 de intrincada su-perfiacutecie foliar distribuiacuteda em diferentes niacuteveis no dossel Nisso reside a explicaccedilatildeo para o fato de uma superfiacutecie terrestre florestada poder evaporar tanto quanto ou ateacute mais aacutegua que a superfiacutecie liacutequida de um oceano ou um lago na qual 1 m2 de superfiacutecie evaporadora coincide com apenas o mesmo 1 m2 da superfiacutecie geomeacutetrica

Corroborando esses fatos fantaacutesticos um estudo pu-blicado recentemente no perioacutedico cientiacutefico Nature18 fez avanccedilar o ciclo de descobertas sobre a importacircn-cia extraordinaacuteria da vegetaccedilatildeo global no processo de transferecircncia de aacutegua para a atmosfera quase 90

16 Aacuterea da copa com raio de 10 m 3242 m2 x 36 litrosm2 = 11311 litros transpirados em um dia17 Aacuterea recente com floresta na bacia hidrograacutefica do rio Amazonas - 55 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 198 x 1012 litros (~20 x 109 toneladas) Aacuterea com floresta em toda Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for

defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas = 6280468 km2 ou 6 280468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 226096848 x 1012 litros (2261 x 109 toneladas)e projetada para a aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 - ou 6943468 x 1012 m2 x 36 litrosm2 = 25 x 1012 litros (25 x 109 toneladas)

18 vazatildeo do rio Amazonas na foz de 2 x 105 m3segundo x 86400 segundos = 1728 x 109 m3dia19 (Jasechko et al 2013) Terrestrial water fluxes dominated by transpiration

20 bilhotildees de toneladas de aacutegua por dia satildeo transpiradas por todas as aacutervores na bacia amazocircnica

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 14Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

parte do oceano azul ten-de agrave aridez com pouquiacutes-simas chuvas enquanto

no oceano verde as chuvas eram torrenciais e constan-tes Tanto que antes do avanccedilo do desmatamento di-zia-se haver ali apenas duas estaccedilotildees a uacutemida e a mais uacutemida Agora surgiu uma estaccedilatildeo seca pronunciada e a duraccedilatildeo da estaccedilatildeo uacutemida diminui progressivamente22

Nuvens satildeo aglomerados de pequenas gotiacuteculas em suspensatildeo no ar Gotas visiacuteveis se condensam a partir do vapor que eacute invisiacutevel pelo efeito da baixa tempera-tura Mas somente temperatura natildeo inicia o processo de condensaccedilatildeo Eacute preciso haver tambeacutem uma super-fiacutecie soacutelida ou liacutequida que funcione como ldquosementerdquo para que se inicie a deposiccedilatildeo das moleacuteculas de va-por Essas sementes ou nuacutecleos de condensaccedilatildeo satildeo em geral aerossoacuteis atmosfeacutericos partiacuteculas de poeira gratildeos de poacutelen ou de sal fuligem e muitos outros

Mas na atmosfera sobre a floresta oceano-verde os aeros-soacuteis satildeo encontrados em baixas concentraccedilotildees como no azul Se a limpeza do ar pode ser creditada por um lado ao efeito de tapete verde uacutemido da floresta segurando a poeira embaixo e por outro agrave lavagem do ar pelas chu-vas constantes como explicar a formaccedilatildeo de chuvas tatildeo abundantes sem as sementes usuais para nucleaccedilatildeo

Estudando as trocas de gaacutes carbocircnico atraveacutes de torres de fluxo cientistas brasileiros do INPA e da USP e eu-ropeus da Holanda Alemanha e Itaacutelia colaboraram no

de toda a aacutegua que chega agrave atmosfera oriunda dos con-tinentes chegou laacute atraveacutes da transpiraccedilatildeo das plantas

e somente pouco mais de 10 como simples evapo-raccedilatildeo sem mediaccedilatildeo das plantas Como essa transfe-recircncia por transpiraccedilatildeo se daacute com grande absorccedilatildeo de calor na superfiacutecie as antes insuspeitas plantas inter-ferem ndash e muito ndash com a chuva os ventos e o clima

Todo esse movimento de aacutegua custa energia Olhemos para um paralelo proacuteximo Para gerar a eletricidade de que tanto se necessita fala-se muito em aproveitar a energia das aacuteguas na Amazocircnia Ora a energia hidraacuteu-lica de queda nos rios somente existe porque a aacutegua foi elevada e transportada pela atmosfera para suas altas cabeceiras A transpiraccedilatildeo das aacutervores como elo vital no ciclo das aacuteguas absorve a energia solar no bombeamento da aacutegua do solo e na sua transpiraccedilatildeo Assim as aacutervores funcionam como estaccedilotildees elevatoacute-rias alccedilando e lanccedilando as aacuteguas nas altitudes da at-mosfera aacuteguas que mais adiante retornaratildeo ao solo como chuva transferindo parte da energia solar em-butida no vapor agrave energia potencial da aacutegua que en-che os reservatoacuterios das hidreleacutetricas

12) Nucleaccedilatildeo das nuvens o poacute de pirlimpimpim no oceano verde

Retornar volumes colossais de vapor de aacutegua para a at-mosfera eacute somente a primeira parte da receita para ter

Potecircncia climaacutetica da floresta

Quanta energia do Sol eacute consumida para evaporar 20 trilhotildees de litros de aacutegua ao dia Para dar uma noccedilatildeo da grandeza de energia envolvida na transpiraccedilatildeo amazocircnica basta fazer uma comparaccedilatildeo com as hidreleacutetri-cas Evaporar um grama de aacutegua liacutequida consome 23 kilojoules de ener-gia solar Para converter isso em energia hidraacuteulicaeleacutetrica imagine uma chaleira gigante que comporte esse volume drsquoaacutegua daquelas que se liga na tomada eleacutetrica Quanta eletricidade seria necessaacuteria para ferver e eva-porar toda essa aacutegua A usina de Itaipu com 14 mil megawatts de potecircn-cia precisaria gerar eletricidade em sua capacidade maacutexima por 145 anos para que a chaleira evaporasse a aacutegua equivalente agravequela transpirada em apenas um dia amazocircnico Ou para rivalizar com as aacutervores amazocircnicas e fazer o trabalho em um dia seria preciso somar a eletricidade de 50 mil usinas hidreleacutetricas como Itaipu (ou 200 mil como Belo Monte) Esta comparaccedilatildeo deixa claro que diante da potecircncia climaacutetica da floresta as maiores estruturas humanas se mostram microscoacutepicas

e manter chuvas copiosas e benignas Em 1999 um dos primeiros estudos utilizando aviotildees e observaccedilotildees do sateacutelite TRMM20 feitos no projeto LBA constatou que na Amazocircnia o ar na baixa atmosfera (troposfera) eacute tatildeo lim-po de poeira quanto o ar sobre o oceano onde as fontes de poeira satildeo muito reduzidas e que as nuvens tiacutepicas na Amazocircnia se pareciam muito com as nuvens mariacutetimas Essa inusitada semelhanccedila inspirou aqueles pesquisa-dores a batizar a Amazocircnia de ldquooceano verderdquo21 Esse ter-mo descreve as caracteriacutesticas oceacircnicas desta extensatildeo continental coberta por densas florestas A importacircncia deste conceito novo e incomum reside na sua sugestatildeo de uma superfiacutecie florestal estendida abaixo da atmos-fera cuja caracteriacutesticas de vastidatildeo humidade e trocas pelos ventos se assemelham agraves dos oceanos reais

Mas havia na semelhanccedila um misteacuterio pois a maior

Na transpiraccedilatildeo as plantas transferem para a atmosfera 90 de toda a aacutegua eva-porada nos continentes

20 httptrmmgsfcnasagov21 (Williams et al 2002) Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification22 (Marengo 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region

Oceano verde a atmosfera ama-zocircnica possui o ar limpo como a atmosfera do oceano azul

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 15Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ar a chuva natildeo os lava Soacute quando oxidam-se e precipi-tam-se como aerossoacuteis formando as chuvas eacute que satildeo lavados Mas sempre haacute mais BVOCs esperando para formar mais poacute de pirlimpimpim para a proacutexima chuva

Aleacutem da promoccedilatildeo de chuvas volumosas e gentis outros mecanismos bioquiacutemicos anaacutelogos aos que produzem os aromas atuam como ldquovassourinhas quiacute-micasrdquo da atmosfera Nas condiccedilotildees amazocircnicas po-luentes perigosos (como o ozocircnio) satildeo removidos do ar Nos anos 1980 nos primeiros estudos de quiacutemica da atmosfera empregando aviotildees instrumentados constatou-se que o ar na baixa atmosfera amazocircnica continha menos ozocircnio (portanto era mais saudaacutevel) que o ar das regiotildees mais remotas da Terra (como a Antaacutertida) Nas deacutecadas subsequentes outros projetos de investigaccedilatildeo indicaram o efeito das aacutervores na lim-peza do ar25 Desses e de outros estudos em desenvol-vimento pode-se sugerir que as plantas amazocircnicas usam algum tipo de vitamina C como um antioxidan-te capaz de remover do ar gases danosos para a vida

13) Bomba bioacutetica de umidade doar aacutegua para receber chuva

Por volta de 2005 no pico da mais poderosa seca a atingir a Amazocircnia ateacute aquele momento atuamos na integra-ccedilatildeo dos primeiros seis anos de dados do projeto LBA26 Depois de analisar em vaacuterios estudos as evidecircncias das

projeto LBA para investigar tambeacutem as trocas de outros gases produzidos pelas plantas contendo carbono para verificar se constituiacuteam parte importante dessas trocas Esses outros gases satildeo os aromas da floresta tambeacutem chamados de compostos orgacircnicos volaacuteteis biogecircni-cos (BVOCs23) Como um vidro de perfume aberto per-de seu liacutequido por evaporaccedilatildeo e o gaacutes-perfume difun-de-se pelo ambiente uma variedade de substacircncias orgacircnicas evapora nas folhas e ganha a atmosfera

Quando no ar uacutemido e com a luz do Sol os aromas das plantas formam uma poeira finiacutessima com afinidade pela aacutegua Satildeo os nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens

Em termos de massa as quantidades de carbono perdidas para a atmosfera por esses gases orgacircnicos satildeo pequenas Contudo um grupo liderado por Meinrat

Andreae do Instituto Max Planck que estuda a quiacutemica dos gases na atmosfera investigou o que acontecia com esses aromas quando misturados ao ar amazocircnico e desvendou o misteacuterio da nucleaccedilatildeo das nuvens24 Os BVOCs (como isopreno terpenos etc) numa atmosfera uacutemida e na presenccedila da radiaccedilatildeo solar oxidam-se e pre-cipitam-se formando uma poeira finiacutessima com afinida-de pela aacutegua (higroscoacutepica) gerando eficientes nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens Poeticamente falando esse eacute o poacute de pirlimpimpim que surge magicamente no ar carregado de vapor e provoca as chuvas a cacircntaros das nuvens baixas os regadores do Jardim do Eacuteden En-quanto os BVOCs estatildeo na forma de gaacutes dissolvidos no

23 Do inglecircs Biogenic Volatile Organic Carbon satildeo compostos biogecircnicos porque satildeo sintetizados pelos organismos vivos como os odores das plantas Existem outros compostos orgacircnicos volaacuteteis natildeo biogecircni-cos chamados simplesmente de VOCs como o solvente de uma tinta por exemplo

24 (Poumlschl et al 2010) Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon (Clayes et al 2004) Formation of secondary organic aerosols through photooxidation of isoprene Release Astonishing Discovery over the Amazonian Rain Forest

25 Por exemplo (Rummel et al 2007) Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia26 (Nobre 2005) Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 16Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

observaccedilotildees e os resultados de modelos ponderei so-bre a pergunta em voga agrave eacutepoca com o aquecimento global iraacute a floresta uacutemida na Amazocircnia secar e morrer

Ao longo de milhares27 ou provavelmente milhotildees de anos28 a floresta tropical da Ameacuterica do Sul evoluiu sua biota luxuriante sem sinais de ter sido desligada por even-tos climaacuteticos extremos como aridez ou congelamento No mesmo espaccedilo de tempo no entanto eacute improvaacutevel que o impacto do clima externo ao continente tenha permanecido benigno especialmente considerando as interferecircncias coacutesmicas e sua conhecida relaccedilatildeo com mudanccedilas climaacuteticas profundas em escala planetaacuteria29

Em face da adversidade climaacutetica externa como este magniacutefico bioma conseguiu resistir agrave extinccedilatildeo Hoje haacute linhas suficientes de evidecircncias de que a biosfera natildeo soacute pode resistir mas na verdade pode alterar modular e ateacute regular seu proacuteprio ambiente30

As florestas tropicais da Ameacute-rica do Sul estatildeo entre os mais densos diversos e complexos biomas terrestres no planeta Do mecanismo de chuvas no oceano verde pode-se ima-ginar como essas florestas

Amazocircnia coraccedilatildeo do mundo

Como podemos entender a circulaccedilatildeo da aacutegua pela paisagem A aacutegua irriga e drena os solos de forma anaacuteloga ao sangue que irriga e drena os tecidos do corpo Se os familiares rios satildeo anaacutelogos agraves veias que dre-nam a aacutegua usada e a retornam para a origem no oceano onde ficam as arteacuterias do sistema natural Satildeo os rios aeacutereos que trazem a aacutegua fresca renovada na evaporaccedilatildeo do oceano Para completar o sistema circulatoacuterio faltava somente o coraccedilatildeo a bomba que impulsiona os fluxos nas arteacuterias aeacutereas A teoria da bomba bioacutetica veio explicar que a potecircncia que propele os ventos canalizados nos rios aeacutereos deve ser atribuiacuteda agrave grande floresta que funciona entatildeo como coraccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico

poderiam regular o clima Controlar a precipitaccedilatildeo signi-fica tambeacutem controlar a convecccedilatildeo o que por sua vez significa interferir com uma poderosa correia transporta-dora de massa e energia a circulaccedilatildeo de Hadley31 Atra-veacutes da regulaccedilatildeo de chuvas a biologia poderia definir o ritmo dos ventos aliacutesios do Atlacircntico arrastando a neces-saacuteria umidade do oceano para o interior do continente

Na mesma eacutepoca Victor Gorshkov e Anastassia Maka-rieva aprofundando sua teoria sobre a regulaccedilatildeo bioacute-tica do ambiente32 examinavam os mecanismos que ligam a transpiraccedilatildeo das plantas com efeitos fiacutesicos na atmosfera Das surpreendentes descobertas desta anaacutelise eles desenvolveram a teoria da bomba bioacutetica de umidade33 revelando fisicamente como processos de transpiraccedilatildeo e condensaccedilatildeo mediados e manipula-dos pelas aacutervores mudam a pressatildeo e dinacircmica atmos-feacutericas resultando em maior suprimento de umidade do oceano para o interior de continentes florestados

Makarieva e colaboradores descobriram que a conden-saccedilatildeo do vapor drsquoaacutegua na atmosfera gera uma reduccedilatildeo localizada de pressatildeo e produz potencia dinacircmica que acelera os ventos ao longo do resultante gradiente de pressatildeo 34 O ponto crucial da teoria eacute que contrastes na evaporaccedilatildeo da superfiacutecie ndash casada com a determinante condensaccedilatildeo nas nuvens ndash muito mais que contrastes

na temperatura de superfiacutecie determinam a direccedilatildeo e a intensidade dos ventos trazedores de chuva

Assim uma regiatildeo florestada que evapora tanta ou mais aacutegua que uma superfiacutecie oceacircnica contiacutegua ndash e que teraacute muito mais condensaccedilatildeo na produccedilatildeo de chu-vas ndash iraacute sugar do mar para a terra as correntezas de ar carregadas de umidade onde ascenderatildeo o que traraacute chuvas para a aacuterea florestada Ao contraacuterio se a floresta for removida o continente teraacute muito menos evapora-ccedilatildeo do que o oceano contiacuteguo ndash com a consequente reduccedilatildeo na condensaccedilatildeo ndash o que determinaraacute uma re-versatildeo nos fluxos de umidade que iratildeo da terra para o mar 35 criando um deserto onde antes havia floresta

Entre as previsotildees baseadas na teoria da bomba bioacute-tica feitas por Makarieva e Gorshkov estava a de que as secas nas florestas nativas seriam contrapostas por transpiraccedilatildeo vigorosa das aacutervores Ora essa previsatildeo contrariava o senso comum pois qualquer pessoa sabe que basta deixar um vaso com plantas sem re-gar por alguns dias para que as plantas murchem e

27 (Baker et al 2001) The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years28 (Hooghiemstra et al 2002) Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary29 (Berger and Yin 2012) Astronomical Theory and Orbital Forcing30 (Foley and Costa 2003) Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate (Gorshkov et al 2004) Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction

(Pielke and Avissar 1998) Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate31 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena32 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change33 (Makarieva and Gorshkov 2007) Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land34 (Makarieva et al 2013) Where do winds come from35 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais

Uma regiatildeo florestada onde ocorre muito mais conden-saccedilatildeo em nuvens do que em superfiacutecie oceacircnica contiacutegua iraacute sugar para a terra os ven-tos do mar que carregados de umidade traratildeo chuvas para a aacuterea florestada

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 17Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

continuar a importar aacutegua pela atmosfera ndash contra-pondo a seca ndash e garantir a continuidade da floresta A teoria da bomba bioacutetica vem ganhando aceitaccedilatildeo37 e jaacute tem comprovaccedilatildeo observacional38

14) Rios aeacutereos aacutegua fresca pelas arteacuterias suspensas

Um mapa-muacutendi revela interessantes arranjos e sime-trias na distribuiccedilatildeo de florestas e desertos ao redor do globo com trecircs cinturotildees chamando a atenccedilatildeo um de florestas ao redor da linha do Equador e outros dois de desertos ao redor dos troacutepicos de Cacircncer e Capri-coacuternio Tal geografia de paisagens contrastantes tem explicaccedilatildeo conhecida a circulaccedilatildeo de Hadley39

Pela influecircncia da circulaccedilatildeo de Hadley a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul tenderia agrave aridez

Haacute maior incidecircncia solar na zona equatorial e portanto ocorre ali devido a efeitos fiacutesi-cos uma maior ascensatildeo de ar

que se resfria e faz chover favorecendo florestas O ar que subiu e perdeu umidade precisa ir para algum lugar des-locando-se em altitude nos dois hemisfeacuterios na direccedilatildeo dos subtroacutepicos Esse ar seco quando desce e se aquece remove umidade da superfiacutecie favorecendo desertos

Mas existem exceccedilotildees e a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul eacute uma delas Pela influecircncia da circula-ccedilatildeo de Hadley essa regiatildeo tenderia agrave aridez Basta ver o deserto de Atacama no outro lado dos Andes ou os

ateacute morram Contrariava tambeacutem o conhecimento de ecofisiologistas segundo o qual quando para de cho-ver e a aacutegua no solo diminui as plantas fecham logo seus estocircmatos e deixam de transpirar para econo-mizar aacutegua Ao mesmo tempo essa previsatildeo fornece uma pista para um antigo enigma ecofisioloacutegico por-que a fotossiacutentese evoluiu para ser ldquoesbanjadorardquo de vapor drsquoaacutegua Surpreendentemente entretanto Scott Saleska e colaboradores publicaram na revista cientiacutefi-ca Science36 observaccedilotildees que corroboravam a correccedilatildeo da previsatildeo teoacuterica de Makarieva e Gorshkov

Durante o pico da seca de 2005 as partes mais atingidas da Amazocircnia foram as que mais ldquoverdejaramrdquo isto eacute na zona onde choveu menos (conforme registro do sateacutelite TRMM) brotaram mais folhas novas nas copas das aacutervores (conforme foi visto pelo sensor MODIS no sateacutelite Terra)

As conclusotildees desse estudo a partir de imagens de sateacutelite jaacute contavam com apoio de mediccedilotildees em terra das torres de fluxo do projeto LBA que haviam consta-tado o fato de natildeo ocorrer uma reduccedilatildeo de transpira-ccedilatildeo das aacutervores nas eacutepocas secas Em outras palavras parece que quando a seca chega as aacutervores com raiacute-zes profundas (e acesso a grande quantidade de aacutegua subterracircnea) executam um programa para manter ou aumentar a transpiraccedilatildeo Assim com o fluxo de vapor da transpiraccedilatildeo na superfiacutecie ndash e a correspondente condensaccedilatildeo nas nuvens ndash manteacutem-se a succcedilatildeo do ar uacutemido sobre os oceanos proacuteximos o que significa

36 (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought37 Por exemplo (Sheil and Murdiyarso 2009) How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis38 (Poveda et al 2014) Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers39 Ceacutelula de Hadley

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 18Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

circulaccedilatildeo que liga os ventos aliacutesios carregados de umidade do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonal-mente para a parte meridional

da Ameacuterica do Sul foi descrita por Joseacute Marengo e cola-boradores43 Embora eles tenham chamado esse trans-porte de jatos de baixos niacuteveis o conceito eacute muito similar ao dos rios atmosfeacutericos Segundo sua explicaccedilatildeo fun-ciona na Ameacuterica do Sul um sistema de monccedilotildees seme-lhante ao da Aacutesia e devido ao efeito da floresta (geisers da floresta) e tambeacutem da cordilheira dos Andes (uma barreira de 6 km de altura) o persistente ar uacutemido ama-zocircnico faz a curva no Acre e durante o veratildeo leva quan-tidades generosas de vapor drsquoaacutegua para o quadrilaacutetero afortunado contrariando sua tendecircncia para a aridez

Recentemente Josefina Arraut44 e colaboradores fi-zeram uma revisatildeo climatoloacutegica dos rios aeacutereos da Ameacuterica do Sul estimando o transporte de vapor as-sociado e introduzindo um novo conceito ldquolagos aeacute-reosrdquo ou seja regiatildeo de remanso atmosfeacuterico com um estoque de vapor precipitaacutevel

Com o conceito de rios aeacutereos estabelecido e tornan-do-se popular Dominick Spracklen45 e colaboradores desenvolveram uma nova abordagem ao correlacionar a superfiacutecie coberta por vegetaccedilatildeo agrave exposiccedilatildeo de uma

Salati e colaboradores comparando as assinaturas quiacute-micas40 entre o fluxo de entrada de vapor oceacircnico no grande anfiteatro amazocircnico com as correspondentes assinaturas da aacutegua de escoamento que retorna ao oceano pelo rio Amazonas perceberam que parte sig-nificativa da aacutegua que entrava como vapor no canal aeacutereo natildeo retornava pelo canal terrestre41

Daiacute concluiacuteram que a Amazocircnia devia estar exportan-do esse vapor para outras regiotildees do continente e irri-gando outras bacias hidrograacuteficas que natildeo a do Ama-zonas Anaacutelises preliminares feitas agrave eacutepoca nas aacuteguas de chuva coletadas na cidade do Rio de Janeiro de-tectaram sinais de que parte dela vinha do interior do continente natildeo do oceano contiacuteguo E mais especifi-camente que havia passado pela Amazocircnia Esse gru-po foi o primeiro a sugerir que chuvas na Ameacuterica do Sul fora da Amazocircnia poderiam ser alimentadas pelo transporte continental de vapor

O conceito de rios atmosfeacutericos foi introduzido em 1992 por Reginald Newell e Nicholas Newell42 para descre-ver fluxos filamentares na baixa atmosfera capazes de transportar grandes quantidades de aacutegua como vapor tipicamente em volumes superiores ao transportado pelo rio Amazonas (que tem vazatildeo de 200 milhotildees de litros por segundo ndash ou 17 bilhotildees de toneladas ao dia)

Quase trecircs deacutecadas depois dos achados de Salati a

Rios Voadores contando uma bela histoacuteria

Em 2006 contemplando a floresta amazocircnica do alto de uma torre de estudo do projeto LBA trocamos com o aviador Gerard Moss as primei-ras ideias que levaram ao projeto de aventura pesquisa divulgaccedilatildeo e educaccedilatildeo ambiental Rios Voadores42 Com financiamento da Petrobras e a participaccedilatildeo de Eneacuteas Salati o pioneiro dos estudos sobre reciclagem de umidade na Amazocircnia aleacutem de outros cientistas de renome Moss perseguiu por anos os rios de vapor com seu aviatildeo monomotor coletan-do numerosas amostras para estudo e capturando a atenccedilatildeo luacutedica das pessoas na aventura que criou Fez tambeacutem um trabalho extraordinaacuterio de educaccedilatildeo ambiental nas escolas e pela Web postando frequente-mente em redes sociais as trajetoacuterias dos rios voadores e mostrando como estes levam aacutegua para as pessoas O resultado mais valioso desse projeto foi sua capacidade de tocar o lado emocional das pessoas atraveacutes do estiacutemulo luacutedico da aventura da ciecircncia engajada conectan-do-as ao sentimento de estima pelo ambiente pela aacutegua e pela floresta

desertos de Namiacutebia e Kalahari na Aacutefrica e o deserto da Austraacutelia Todos alinhados latitudinalmente com a afortunada aacuterea verde responsaacutevel por 70 do PIB do continente no quadrilaacutetero delimitado por Cuiabaacute ao Norte Satildeo Paulo a Leste Buenos Aires ao Sul e a cor-dilheira dos Andes a Oeste

As escolas ensinam que a aacutegua evapora do mar ldquovairdquo para os continentes cai como chuva eacute coletada nos rios de superfiacutecie e retorna ao mar Ao fazer a ligaccedilatildeo entre evaporaccedilatildeo da aacutegua no mar com seu tracircnsito em terra esse conceito simploacuterio do ciclo hidroloacutegico natildeo estaacute errado mas natildeo explica quase nada Por exemplo por que existem desertos ou por que o vapor mariacutetimo adentra os continentes de forma heterogecircnea

Rios aeacutereos ligam os ventos aliacutesios carregados de umida-de do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonalmente para a parte meridional da Ameacuterica do Sul

40 Definidas pelo uso de traccediladores que portam assinaturas isotoacutepicas Diz-se que satildeo isoacutetopos dois ou mais aacutetomos com o mesmo numero de proacutetons mas com massas diferentes Uma analogia boa eacute pensar em gecircmeos com caracteriacutesticas idecircnticas exceto peso Assinatura isotoacutepica eacute a relaccedilatildeo numeacuterica entre a imensa multidatildeo de ldquogecircmeosrdquo atocircmicos em um material ou substancia A aacutegua pode conter variada combinaccedilatildeo de gecircmeos de oxigecircnio (16O e 18O) e hidrogecircnio (1H 2H) gerando moleacuteculas de aacutegua com pesos distintos A proporccedilatildeo destes gecircmeos atocircmicos que ocorre na aacutegua do mar por exemplo se altera com a evaporaccedilatildeo (flutuam primeiro os mais leves) e tambeacutem com a chuva (precipitam primeiro os mais pesados) Assim ao analisar a assinatura isotoacutepica de uma amostra de aacutegua ou vapor pode-se saber de onde ela veio se do oceano ou da floresta

41 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study (Matsui et al 1976) Isotopic hydrology in the Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 18O concentrations42 (Newell and Newell 1992) Tropospheric Rivers - A Pilot Study43 (Marengo et al 2004) Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalysis Characteristics and temporal variability44 (Arraut et al 2012) Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America45 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 19Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Eventos extremos a vida buscando equiliacutebrio

Com o aquecimento global ocorre maior acuacutemulo de energia na at-mosfera o que aumenta a probabilidade de ocorrecircncias de fenocircmenos climaacuteticos mais intensos A natureza desta tendecircncia foi prevista haacute deacutecadas pelos meteorologistas Mas a maior intensidade e frequecircncia dessas ocorrecircncias estaacute sendo observada deacutecadas antes do previsto Algum fator na complexidade do clima deve explicar a aceleraccedilatildeo dos efeitos O registro geoloacutegico mostra que climas extremos jaacute ocorreram na histoacuteria da Terra muito antes da humanidade surgir Mas ao contraacuterio do que seria de se esperar depois dos cataclismos todas as evidecircncias apontam sempre para uma resiliente recuperaccedilatildeo estabilizadora ate-nuando os extremos Sistemas puramente geofiacutesicos natildeo teriam essa capacidade Somente a vida e seus processos de auto-regulaccedilatildeo ofere-cem explicaccedilatildeo satisfatoacuteria para a histoacuteria climaacutetica da Terra49

parcela de ar num rio aeacutereo (medida pelo iacutendice cumu-lativo de aacuterea foliar ao longo da trajetoacuteria) com chuva a jusante na trajetoacuteria daquela mesma parcela Ou seja um rio aeacutereo conecta regiotildees doadoras de umidade com outras receptoras de umidade Daiacute a importacircncia crucial das florestas a montante constatou-se que a Amazocircnia eacute de fato a cabeceira dos mananciais aeacutereos da maior parte das chuvas na Ameacuterica do Sul

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos

Makarieva e Gorshkov46 introduziram uma nova definiccedilatildeo fiacutesica para furacotildees ciclones ou tornados ldquo satildeo implosotildees (explosotildees em reverso) que se passam em cacircmera lenta decorrentes do desaparecimento volumeacutetrico de vapor drsquoaacutegua na atmosfera por condensaccedilatildeordquo47 Paulo Nobre

apresentou-lhes entatildeo um problema ldquoA questatildeo que se coloca eacute entender por que os furacotildees natildeo se desenvol-vem sobre as florestas tropicais como na Amazocircnia onde o fornecimento de vapor de aacutegua pela floresta e sua ex-tinccedilatildeo na forma de chuva tropical eacute tatildeo abundanterdquo 48

Respondendo Makarieva e Gorshkov demonstraram teoricamente como uma grande aacuterea terrestre co-berta por floresta natildeo per-

mite a formaccedilatildeo de furacotildees e outros padrotildees climaacuteticos anocircmalos incluindo secas e enchentes Em sua explica-ccedilatildeo a fricccedilatildeo turbulenta local com o dossel da floresta -que transpira ativamente o que resulta em chuvas uni-formes sobre grandes aacutereas- e a traccedilatildeo do vento pela bomba bioacutetica em distacircncias maiores diminui muito a chance de organizaccedilatildeo de tormentas como tornados ou furacotildees As trajetoacuterias registradas dos furacotildees compro-vam o ambiente ameno nas regiotildees cobertas por flores-tas extensas e aacutereas oceacircnicas proacuteximas50 Ou seja aleacutem de todos os outros serviccedilos da floresta ao clima ela ainda oferece um seguro contra destrutivos eventos atmosfeacute-ricos atenuando a concentraccedilatildeo de energia nos ventos

Outras funccedilotildees claacutessicas das florestas na regulaccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico em terra satildeo bem conhecidas como o favorecimento da recarga de aquiacuteferos e a atenua-ccedilatildeo de enchentes51 entre muitas outras

Entre os serviccedilos que a floresta presta ao clima estaacute um segu-ro contra eventos atmosfeacutericos destrutivos atenuando a concen-traccedilatildeo da energia nos ventos

46 (Makarieva et al 2008) On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine47 De acordo com os autores ldquoThe driving force of all hurricane processes is a rapid release as in compressed spring of potential energy previously accumulated in the form of saturated water vapor in the atmospheric column

during a prolonged period of water vapor evaporation under the action of the absorbed solar radiationrdquo (Makarieva et al 2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient48 (Nobre P 2009a) Peer Review Question Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo49 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment50 Storm Track mapa registrando todas as trajetoacuterias observadas de furacotildees mostrando que a regiotildees equatoriais das florestas e suas imediaccedilotildees oceacircnicas satildeo livres destes fenocircmenos51 httpwwwipefbrhidrologiamataciliarasp

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 20Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito

Em vista dos efeitos extensivos e elaborados das flo-restas sobre o clima demonstrados pela ciecircncia que resultados esperar da sua devastaccedilatildeo Para avaliar os impactos do desmatamento no clima vem sendo fei-to um nuacutemero crescente de experimentos de campo e modelagem estudos observacionais e mais recente-mente anaacutelises teoacutericas Quais as consequecircncias pro-jetadas do desmatamento e quais as jaacute observadas

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores

Uma das maiores virtudes dos modelos climaacuteticos estaacute em sua capacidade de simular cenaacuterios distantes do momento presente Esse tipo de exerciacutecio natildeo eacute pre-ditivo no sentido fiacutesico mas onde a teoria fiacutesica ainda natildeo estiver disponiacutevel eacute o melhor conhecimento e a uacutenica ferramenta para analisar sistemas complexos e fazer extrapolaccedilotildees bem fundamentadas

Tais exerciacutecios de simulaccedilatildeo satildeo valiosos para situaccedilotildees especiacuteficas como explorar riscos climaacuteticos associados ao desmatamento No ambiente virtual como num si-mulador de voo eacute possiacutevel avaliar repetidamente ce-naacuterios de desastres esmiuccedilando os fatores atuantes as condiccedilotildees iniciais e as consequecircncias potenciais de manobras arriscadas

Em 1991 Carlos Nobre liderou um dos mais citados

estudos para simular o impacto no clima do desma-tamento total da floresta amazocircnica52 Usando um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera (GCM53) com um moacutedulo acoplado de representaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo (SiB54) os autores concluiacuteram que quando as florestas eram substituiacutedas por pasto degradado no modelo verificava-se um aumento significativo na temperatura meacutedia de superfiacutecie (cerca de 25degC) e uma diminuiccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo anual (reduccedilatildeo de 30) da pre-cipitaccedilatildeo (reduccedilatildeo de 25) e do escoamento superfi-cial (reduccedilatildeo de 20) Na simulaccedilatildeo ocorria tambeacutem um aumento da duraccedilatildeo da estaccedilatildeo seca na metade sul da bacia amazocircnica

Nas duas deacutecadas seguintes outros estudos avanccedila-ram no detalhamento e generalizaccedilatildeo dessas conclu-sotildees Deborah Lawrence e Karen Vandecar fizeram recentemente uma revisatildeo da literatura55 sobre os impactos do desmatamento tropical no clima e con-cluiacuteram que vaacuterios GCMs concordam em que o des-matamento em escala regional leva a um clima mais quente e seco sobre a aacuterea desmatada Os modelos que simulam o desmatamento completo da Amazocirc-nia preveem um clima com aquecimento na faixa de 01-38degC (meacutedia de 19degC) e reduccedilatildeo de chuvas na fai-xa de 140-640 mm ao ano (meacutedia de 324 miliacutemetrosano ou 10-15 de reduccedilatildeo)

Mas o desmatamento pode ter implicaccedilotildees muito mais

52 (Nobre C et al 1991) Amazonian Deforestation and Regional Climate Change53 Definiccedilatildeo de GCM por Lawrence e Vandecar (2014) ldquo satildeo modelos computacionais tridimensionais globais do sistema climaacutetico que operam em larga escala Os modelos mais recentes incluem representaccedilotildees

da atmosfera oceanos e da superfiacutecie da Terra [] e incorporam o ciclo hidroloacutegico e uma representaccedilatildeo expliacutecita [] da vegetaccedilatildeo e seus efeitos sobre os fluxos de energia e de aacutegua incluindo as transferecircncias radiativas e turbulentas e os controles fiacutesicos e bioloacutegicos da evapotranspiraccedilatildeordquo

54 (Sellers et al 1986) Simple Biosphere Model55 (Lawrence and Vandecar 2014) The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity natildeo publicado

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 21Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

modelos parecem tender a subestimar as consequecircn-cias negativas nos cenaacuterios simulados Os resultados de projeccedilotildees mais recentes incluindo os oceanos agra-vam o quadro e aumentam o alerta

A eliminaccedilatildeo da floresta ndash prin-cipal agente da condensaccedilatildeo continental ndash equivale a desligar o interruptor de uma bomba de umidade atmosfeacuterica

Mas eacute preciso tambeacutem con-siderar a teoria da bomba bioacutetica e sua previsatildeo de re-duccedilatildeo de chuvas Diferente-mente dos modelos numeacute-

ricos convencionais uma teoria fiacutesica constroacutei entendimento baseada exclusivamente em leis funda-mentais da natureza Se a teoria estiver correta torna possiacutevel prever quantitativamente efeitos fiacutesicos apenas com a anaacutelise dos cenaacuterios e de sua loacutegica funcional

Makarieva e Gorshkov preveem que o desmatamento completo da Amazocircnia reduziria a precipitaccedilatildeo primor-dialmente como resultado da dissipaccedilatildeo do efeito da baixa pressatildeo (succcedilatildeo) associado agrave condensaccedilatildeo que eacute conectada a uma reduccedilatildeo da evaporaccedilatildeo de superfiacute-cie Como a teoria da bomba bioacutetica tambeacutem credita a disponibilidade de vapor para a precipitaccedilatildeo na Ama-zocircnia como resultado dessa capacidade de transpirar a eliminaccedilatildeo total do principal agente da transpiraccedilatildeo levaria agrave cessaccedilatildeo completa do bombeamento bioacutetico

Esta teoria sugere que desligado o interruptor da bom-ba que puxa o ar uacutemido para o continente o fluxo de umidade deve mudar de direccedilatildeo quando a condensaccedilatildeo passar a ser relativamente maior sobre o oceano (mais

seacuterias Em 1997 German Poveda e Oscar Mesa56 propuse-ram o papel de ponte hidrometeoroloacutegica para a floresta amazocircnica ao conectar os dois grandes oceanos proacutexi-mos isto eacute sugerindo efeitos climaacuteticos cruzados entre os oceanos via atmosfera mediados pela floresta

Explorando com modelagem em direccedilatildeo similar mais recentemente Paulo Nobre57 e colaboradores estuda-ram o impacto do desmatamento na chuva amazocircni-ca tendo como referecircncia a inclusatildeo ou a exclusatildeo das respostas dos grandes oceanos aos cenaacuterios de des-matamento58 Comparando simulaccedilotildees feitas em um GCM atmosfeacuterico usual com um GCM acoplado a outro modelo que simula as condiccedilotildees internas dos oceanos (salinidade correntes etc) esses autores encontraram uma reduccedilatildeo consideravelmente maior na precipita-ccedilatildeo quando o GCM acoplado com o oceano foi rodado para um cenaacuterio de desmatamento total da Amazocircnia 42 de reduccedilatildeo da chuva contabilizando os mecanis-mos internos dos oceanos contra 26 de reduccedilatildeo da chuva sem considera-los Os oceanos sempre estive-ram presentes e a inclusatildeo das suas respostas internas daacute mais realismo agraves simulaccedilotildees

Jaacute existem comprovaccedilotildees de muito do que foi proje-tado pelos modelos como consequecircncia do desma-tamento especialmente a ampliaccedilatildeo da estaccedilatildeo seca Poreacutem esses experimentos virtuais indicavam um prolongamento da estaccedilatildeo seca apoacutes destruiccedilatildeo de 100 da floresta o que jaacute se observa com o corte raso de pouco menos de 19 da floresta Ou seja esses 56 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena57 (Nobre P et al 2009b) Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation58 Que utiliza apenas a seacuterie histoacuterica observada das temperaturas da superfiacutecie dos oceanos

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 22Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

E apontaram que essa re-duccedilatildeo de chuvas poderaacute ser bem maior do que o indicado pelo grupo de Spracklen63 Para a porccedilatildeo

mais desmatada da Amazocircnia jaacute se constata progres-sivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera significativo impacto no setor agriacutecola

Assim a discussatildeo sobre desmatamento passa longe de duacutevidas sobre seus evidentes efeitos diretos e indi-retos na reduccedilatildeo das chuvas e recai sobre a extensatildeo da aacuterea desmatada No periacuteodo 20112012 foram ldquoape-nasrdquo 4571 km2 desmatados na Amazocircnia brasileira Se comparado com taxas de desmatamento em anos de pico como 2004 (27772 km2) esse valor parece mo-desto O Brasil merece reconhecimento por haver lo-grado essa reduccedilatildeo A velocidade e a eficaacutecia atingidas na reduccedilatildeo recomendam essa estrateacutegia para zerar e reverter o desmatamento no Brasil e no mundo

A despeito da notiacutecia encorajadora essa taxa que pa-rece tatildeo pequena seria suficiente para desmatar aacuterea equivalente a toda a Costa Rica em meros dez anos Aleacutem disso reduccedilotildees nas taxas anuais atenuam a per-cepccedilatildeo momentacircnea de perda e mascaram o desmata-mento acumulado na Amazocircnia que eacute muito grave

No que diz respeito ao clima importa sobretudo a aacuterea total devastada e sua distribuiccedilatildeo espacial Compilando

localizado da chuva com o desmatamento estudos mais abrangentes simulaccedilotildees com modelos climaacuteticos e mesmo anaacutelises teoacutericas esclareceram o caraacuteter local e transitoacuterio desse efeito que depende basicamente da existecircncia de matas circundantes agrave aacuterea desmatada e da extensatildeo dessas matas O aumento de chuva converte-se em reduccedilatildeo tatildeo logo as florestas remanescentes fi-quem mais distantes que um certo limiar de aacuterea aberta Daiacute em diante haveraacute reduccedilatildeo das chuvas

Dados de sateacutelites para chuva e presenccedila de floresta mostra-ram reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos que passam sobre aacutereas desmatadas

O estudo de Spracklen e colaboradores62 com da-dos de sateacutelites para chu-va e presenccedila de floresta constatou que com o des-

matamento ocorre a reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos Em 60 das aacutereas tropicais o ar que passa sobre densas florestas produz pelo menos duas vezes mais chuva que o ar que passa sobre aacutereas desmatadas Apesar de ainda natildeo terem considerado o mecanismo e os efeitos da teoria da bomba bioacutetica esses autores de-monstraram com evidecircncias fortes que o impacto ne-gativo do desmatamento no clima natildeo eacute somente local mas pode afetar regiotildees proacuteximas e distantes

Aplicando os conceitos da bomba bioacutetica Makarieva e colaboradores colocaram os achados de Spracklen em perspectiva explicando quantitativamente quais os fatores fiacutesicos responsaacuteveis pela reduccedilatildeo nas chuvas a jusante dos ventos decorrentes do desmatamento

fraca que a bioacutetica a bomba oceacircnica de condensaccedilatildeo estaacute sempre ligada) o que levaria a aridez em terra59

Os modelos climaacuteticos usados para simular o desma-tamento ainda natildeo embutiram essa nova teoria fiacutesica portanto natildeo projetam esse efeito que poderia signi-ficar ateacute 100 de reduccedilatildeo nas chuvas

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo

O desmatamento real eacute imenso e seus efeitos sobre o clima satildeo bem documentados Estudos em torres micrometeoroloacutegicas mostram que a substituiccedilatildeo de floresta por pastagem leva como previsto pelos mo-delos a um aumento da temperatura de superfiacutecie e uma reduccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo60 Observaccedilotildees de sateacutelite mostram que durante a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspi-raccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas61

Observaccedilotildees mostram que duran-te a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspiraccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas

Dados similares tambeacutem indicam que a transpira-ccedilatildeo da floresta eacute bem maior do que aquela pres-crita pelos modelos o que explica em parte a subesti-

mativa dos modelos de larga escala no caso da reduccedilatildeo de precipitaccedilatildeo com o desmatamento Embora alguns estudos observacionais tenham revelado um aumento

Para a porccedilatildeo mais desmata-da da Amazocircnia jaacute se constata progressivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera signifi-cativo impacto no setor agriacutecola

59 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais60 Por exemplo (Gash et al 1996) Amazonian Deforestation and Climate (von Randow et al 2004) Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in southwest Amazonia61 (Huete et al 2006) Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought62 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests63 (Makarieva et al 2013) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 23Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Desmatamento acumulado 762979 km2

Esse valor eacute maior que a soma das aacutereas de trecircs estados de Satildeo Paulo ou que as aacutereas somadas de duas Alemanhas ou de dois Japotildees Uma unidade de aacuterea mais proacutexima do brasileiro o campo de futebol (4136 m2) daacute uma noccedilatildeo da magnitude da devastaccedilatildeo 184 milhotildees de unidades65 ndash quase um campo de futebol desmatado na Amazocircnia para cada brasileiro Colocado na perspectiva temporal teriam sido em meacutedia 12635 campos desmatados por dia 526 campos por hora 88 campos ndash ou 36291 m2 por minuto 605 m2 por segundo ininterruptamente nos uacuteltimos 40 anos Para caber na compreensatildeo o gigantismo destes nuacutemeros eacute preciso estender a imaginaccedilatildeo para aleacutem destas analogias Um trator ficcional operando uma lacircmina frontal com 3 m de largura precisaria acelerar quase agrave velocidade de um aviatildeo a jato (726 kmh) para desmatar a aacuterea raspada na Amazocircnia no ritmo registrado do espaccedilo em imagens Como um trator desmata mui-to mais lentamente (024 - 036 hah66 ou ~08 kmh se essa aacuterea estives-se contida em uma faixa com 3 m de largura) com a mesma lacircmina de 3 m seriam necessaacuterios mais de 900 tratores simultaneamente derrubando a floresta lado a lado formando uma frente destrutiva com quase 3 km de largura Uma comparaccedilatildeo ainda mais impressionante eacute uma ldquoestrada de desmatamentordquo com 2 km de largura que daria para cobrir a distacircncia da Terra ateacute a Lua (380 mil km)

estudos pioneiros com dados de sateacutelite Dioacutegenes Al-ves64 contabilizou ateacute 2004 um desmatamento total de 663 mil km2 Agregando-se os nuacutemeros mais recentes do projeto PRODES do INPE o desmatamento acumula-do total ateacute 2013 chega a 762979 km2

Pelo vieacutes do dano ao clima o que se tem na Amazocircnia eacute um passivo gigantesco de destruiccedilatildeo do oceano ver-de Natildeo haacute portanto qualquer motivo para comemo-rar as taxas relativamente mais baixas de corte raso dos uacuteltimos anos mesmo porque depois da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal (2011) com sua ampla anistia a desmatadores jaacute se observa uma niacutetida tendecircncia de aumento das taxas anuais

Na contabilidade do INPE o corte raso brasileiro (sem considerar os dos demais paiacuteses da bacia amazocircnica) chegou em 2012 a 1885 da aacuterea original de floresta67 Mas a destruiccedilatildeo natildeo eacute uniforme pois ocorre grande concentraccedilatildeo de corte raso no chamado Arco do Fogo ndash ou Arco do Desmatamento68 Se a vastidatildeo raspada jaacute eacute graviacutessima para o clima a situaccedilatildeo torna-se ainda pior ao se considerar o oceano verde ferido

A exploraccedilatildeo madeireira e o desmatamento gradual pro-duzem extensas aacutereas de florestas degradadas que rara-mente entram na contabilidade oficial da destruiccedilatildeo mas que a depreender das informaccedilotildees e estimativas dispo-niacuteveis podem ter impacto significativo sobre o clima

Dalton Valeriano liderou um estudo pioneiro sobre degradaccedilatildeo69 que encontrou no Estado do Mato Gros-so no periacuteodo de 2007 a 2010 ldquosomenterdquo 7856 km2 com corte raso mas outros 32926 km2 de florestas degradadas Somando corte raso com degradaccedilatildeo sobrou pouco do propriamente chamado Estado de Mato Grosso

No mesmo periacuteodo o INPE mapeou 64205 km2 de flo-resta degradada versus 39026 km2 de corte raso para a Amazocircnia brasileira Usando a proporccedilatildeo entre estas

64 (Alves 2007) Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon65 Aacuterea desmatada 762979 km2 0004136 km2 = 184472679 de campos de futebol66 (Viana 2012) Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento67 httpwwwdpiinpebrprodesdigitalprodesphp Lista (uma tabela) e Consolida (somatoacuterios para a unidade de aacuterea considerada)68 Porcentagem de aacuterea desmatada ateacute 2012 TO 75 MA 72 RO 41 MT 40 PA 22 e AC 1369 httpwwwobtinpebrprodesRelatorio_Prodes2008pdf

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 24Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aacutereas pode-se extrapolar a aacuterea de floresta degradada para toda a Amazocircnia brasileira Na estimativa ateacute 2013 a aacuterea total degradada pode ter alcanccedilado 1255100 km2 Somando com a aacuterea mensurada de corte raso o impacto cumulativo no bioma pela ocupaccedilatildeo humana pode ter atingido 2018079 km2

Dentre mais de 200 paiacuteses no mundo somente 13 tecircm aacuterea maior que essa Nesta contabilidade a degrada-ccedilatildeo de florestas na Amazocircnia brasileira pode haver chegado a 2944 da aacuterea original70 que somada ao desmatamento corte-raso sugere que ateacute 4734 da floresta tenha sido impactada diretamente por ativi-dade humana desestabilizadora do clima Para a Pan-Amazocircnia esse impacto agregado da Amazocircnia bra-sileira contabilizando desmatamento e estimando degradaccedilatildeo representa de 2668 a 290371 sobre a aacuterea original de floresta

Mas a aacuterea de impacto no sentido ecoloacutegico pode ser ainda maior porque florestas contiacuteguas a aacutereas de de-gradaccedilatildeo ou corte raso sofrem direta e indiretamente os efeitos das mudanccedilas ambientais vizinhas (biogeo-fiacutesicas e biogeoquiacutemicas)72

No processo de degradaccedilatildeo a destruiccedilatildeo do dossel frequentemente superior a 60 da cobertura73 muda as caracteriacutesticas estruturais ecoloacutegicas e fisioloacutegicas da floresta comprometendo suas capacidades am-bientais

70 Caacutelculo utilizando a mensuraccedilatildeo de Espiacuterito-Santo et al (2014) para a floresta remanescente na Amazocircnia brasileira [3500000 km2] acrescida da aacuterea acumulada do desmatamento [762979 km2] chegando a 4262979 km2 de florestas originais na Amazocircnia brasileira

71 Impacto usando aacuterea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Espiacuterito-Santo et al (2014) com 7562979 km2 e em Eva et al (2005) com 6943468 km2

72 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon73 (Valeriano et al 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD e QUEIMADAS 2007-200874 University of Maryland Global Forest Cover

Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 ateacute 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Ameacuterica do Sul74

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 13: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 14Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

parte do oceano azul ten-de agrave aridez com pouquiacutes-simas chuvas enquanto

no oceano verde as chuvas eram torrenciais e constan-tes Tanto que antes do avanccedilo do desmatamento di-zia-se haver ali apenas duas estaccedilotildees a uacutemida e a mais uacutemida Agora surgiu uma estaccedilatildeo seca pronunciada e a duraccedilatildeo da estaccedilatildeo uacutemida diminui progressivamente22

Nuvens satildeo aglomerados de pequenas gotiacuteculas em suspensatildeo no ar Gotas visiacuteveis se condensam a partir do vapor que eacute invisiacutevel pelo efeito da baixa tempera-tura Mas somente temperatura natildeo inicia o processo de condensaccedilatildeo Eacute preciso haver tambeacutem uma super-fiacutecie soacutelida ou liacutequida que funcione como ldquosementerdquo para que se inicie a deposiccedilatildeo das moleacuteculas de va-por Essas sementes ou nuacutecleos de condensaccedilatildeo satildeo em geral aerossoacuteis atmosfeacutericos partiacuteculas de poeira gratildeos de poacutelen ou de sal fuligem e muitos outros

Mas na atmosfera sobre a floresta oceano-verde os aeros-soacuteis satildeo encontrados em baixas concentraccedilotildees como no azul Se a limpeza do ar pode ser creditada por um lado ao efeito de tapete verde uacutemido da floresta segurando a poeira embaixo e por outro agrave lavagem do ar pelas chu-vas constantes como explicar a formaccedilatildeo de chuvas tatildeo abundantes sem as sementes usuais para nucleaccedilatildeo

Estudando as trocas de gaacutes carbocircnico atraveacutes de torres de fluxo cientistas brasileiros do INPA e da USP e eu-ropeus da Holanda Alemanha e Itaacutelia colaboraram no

de toda a aacutegua que chega agrave atmosfera oriunda dos con-tinentes chegou laacute atraveacutes da transpiraccedilatildeo das plantas

e somente pouco mais de 10 como simples evapo-raccedilatildeo sem mediaccedilatildeo das plantas Como essa transfe-recircncia por transpiraccedilatildeo se daacute com grande absorccedilatildeo de calor na superfiacutecie as antes insuspeitas plantas inter-ferem ndash e muito ndash com a chuva os ventos e o clima

Todo esse movimento de aacutegua custa energia Olhemos para um paralelo proacuteximo Para gerar a eletricidade de que tanto se necessita fala-se muito em aproveitar a energia das aacuteguas na Amazocircnia Ora a energia hidraacuteu-lica de queda nos rios somente existe porque a aacutegua foi elevada e transportada pela atmosfera para suas altas cabeceiras A transpiraccedilatildeo das aacutervores como elo vital no ciclo das aacuteguas absorve a energia solar no bombeamento da aacutegua do solo e na sua transpiraccedilatildeo Assim as aacutervores funcionam como estaccedilotildees elevatoacute-rias alccedilando e lanccedilando as aacuteguas nas altitudes da at-mosfera aacuteguas que mais adiante retornaratildeo ao solo como chuva transferindo parte da energia solar em-butida no vapor agrave energia potencial da aacutegua que en-che os reservatoacuterios das hidreleacutetricas

12) Nucleaccedilatildeo das nuvens o poacute de pirlimpimpim no oceano verde

Retornar volumes colossais de vapor de aacutegua para a at-mosfera eacute somente a primeira parte da receita para ter

Potecircncia climaacutetica da floresta

Quanta energia do Sol eacute consumida para evaporar 20 trilhotildees de litros de aacutegua ao dia Para dar uma noccedilatildeo da grandeza de energia envolvida na transpiraccedilatildeo amazocircnica basta fazer uma comparaccedilatildeo com as hidreleacutetri-cas Evaporar um grama de aacutegua liacutequida consome 23 kilojoules de ener-gia solar Para converter isso em energia hidraacuteulicaeleacutetrica imagine uma chaleira gigante que comporte esse volume drsquoaacutegua daquelas que se liga na tomada eleacutetrica Quanta eletricidade seria necessaacuteria para ferver e eva-porar toda essa aacutegua A usina de Itaipu com 14 mil megawatts de potecircn-cia precisaria gerar eletricidade em sua capacidade maacutexima por 145 anos para que a chaleira evaporasse a aacutegua equivalente agravequela transpirada em apenas um dia amazocircnico Ou para rivalizar com as aacutervores amazocircnicas e fazer o trabalho em um dia seria preciso somar a eletricidade de 50 mil usinas hidreleacutetricas como Itaipu (ou 200 mil como Belo Monte) Esta comparaccedilatildeo deixa claro que diante da potecircncia climaacutetica da floresta as maiores estruturas humanas se mostram microscoacutepicas

e manter chuvas copiosas e benignas Em 1999 um dos primeiros estudos utilizando aviotildees e observaccedilotildees do sateacutelite TRMM20 feitos no projeto LBA constatou que na Amazocircnia o ar na baixa atmosfera (troposfera) eacute tatildeo lim-po de poeira quanto o ar sobre o oceano onde as fontes de poeira satildeo muito reduzidas e que as nuvens tiacutepicas na Amazocircnia se pareciam muito com as nuvens mariacutetimas Essa inusitada semelhanccedila inspirou aqueles pesquisa-dores a batizar a Amazocircnia de ldquooceano verderdquo21 Esse ter-mo descreve as caracteriacutesticas oceacircnicas desta extensatildeo continental coberta por densas florestas A importacircncia deste conceito novo e incomum reside na sua sugestatildeo de uma superfiacutecie florestal estendida abaixo da atmos-fera cuja caracteriacutesticas de vastidatildeo humidade e trocas pelos ventos se assemelham agraves dos oceanos reais

Mas havia na semelhanccedila um misteacuterio pois a maior

Na transpiraccedilatildeo as plantas transferem para a atmosfera 90 de toda a aacutegua eva-porada nos continentes

20 httptrmmgsfcnasagov21 (Williams et al 2002) Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification22 (Marengo 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region

Oceano verde a atmosfera ama-zocircnica possui o ar limpo como a atmosfera do oceano azul

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 15Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ar a chuva natildeo os lava Soacute quando oxidam-se e precipi-tam-se como aerossoacuteis formando as chuvas eacute que satildeo lavados Mas sempre haacute mais BVOCs esperando para formar mais poacute de pirlimpimpim para a proacutexima chuva

Aleacutem da promoccedilatildeo de chuvas volumosas e gentis outros mecanismos bioquiacutemicos anaacutelogos aos que produzem os aromas atuam como ldquovassourinhas quiacute-micasrdquo da atmosfera Nas condiccedilotildees amazocircnicas po-luentes perigosos (como o ozocircnio) satildeo removidos do ar Nos anos 1980 nos primeiros estudos de quiacutemica da atmosfera empregando aviotildees instrumentados constatou-se que o ar na baixa atmosfera amazocircnica continha menos ozocircnio (portanto era mais saudaacutevel) que o ar das regiotildees mais remotas da Terra (como a Antaacutertida) Nas deacutecadas subsequentes outros projetos de investigaccedilatildeo indicaram o efeito das aacutervores na lim-peza do ar25 Desses e de outros estudos em desenvol-vimento pode-se sugerir que as plantas amazocircnicas usam algum tipo de vitamina C como um antioxidan-te capaz de remover do ar gases danosos para a vida

13) Bomba bioacutetica de umidade doar aacutegua para receber chuva

Por volta de 2005 no pico da mais poderosa seca a atingir a Amazocircnia ateacute aquele momento atuamos na integra-ccedilatildeo dos primeiros seis anos de dados do projeto LBA26 Depois de analisar em vaacuterios estudos as evidecircncias das

projeto LBA para investigar tambeacutem as trocas de outros gases produzidos pelas plantas contendo carbono para verificar se constituiacuteam parte importante dessas trocas Esses outros gases satildeo os aromas da floresta tambeacutem chamados de compostos orgacircnicos volaacuteteis biogecircni-cos (BVOCs23) Como um vidro de perfume aberto per-de seu liacutequido por evaporaccedilatildeo e o gaacutes-perfume difun-de-se pelo ambiente uma variedade de substacircncias orgacircnicas evapora nas folhas e ganha a atmosfera

Quando no ar uacutemido e com a luz do Sol os aromas das plantas formam uma poeira finiacutessima com afinidade pela aacutegua Satildeo os nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens

Em termos de massa as quantidades de carbono perdidas para a atmosfera por esses gases orgacircnicos satildeo pequenas Contudo um grupo liderado por Meinrat

Andreae do Instituto Max Planck que estuda a quiacutemica dos gases na atmosfera investigou o que acontecia com esses aromas quando misturados ao ar amazocircnico e desvendou o misteacuterio da nucleaccedilatildeo das nuvens24 Os BVOCs (como isopreno terpenos etc) numa atmosfera uacutemida e na presenccedila da radiaccedilatildeo solar oxidam-se e pre-cipitam-se formando uma poeira finiacutessima com afinida-de pela aacutegua (higroscoacutepica) gerando eficientes nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens Poeticamente falando esse eacute o poacute de pirlimpimpim que surge magicamente no ar carregado de vapor e provoca as chuvas a cacircntaros das nuvens baixas os regadores do Jardim do Eacuteden En-quanto os BVOCs estatildeo na forma de gaacutes dissolvidos no

23 Do inglecircs Biogenic Volatile Organic Carbon satildeo compostos biogecircnicos porque satildeo sintetizados pelos organismos vivos como os odores das plantas Existem outros compostos orgacircnicos volaacuteteis natildeo biogecircni-cos chamados simplesmente de VOCs como o solvente de uma tinta por exemplo

24 (Poumlschl et al 2010) Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon (Clayes et al 2004) Formation of secondary organic aerosols through photooxidation of isoprene Release Astonishing Discovery over the Amazonian Rain Forest

25 Por exemplo (Rummel et al 2007) Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia26 (Nobre 2005) Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 16Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

observaccedilotildees e os resultados de modelos ponderei so-bre a pergunta em voga agrave eacutepoca com o aquecimento global iraacute a floresta uacutemida na Amazocircnia secar e morrer

Ao longo de milhares27 ou provavelmente milhotildees de anos28 a floresta tropical da Ameacuterica do Sul evoluiu sua biota luxuriante sem sinais de ter sido desligada por even-tos climaacuteticos extremos como aridez ou congelamento No mesmo espaccedilo de tempo no entanto eacute improvaacutevel que o impacto do clima externo ao continente tenha permanecido benigno especialmente considerando as interferecircncias coacutesmicas e sua conhecida relaccedilatildeo com mudanccedilas climaacuteticas profundas em escala planetaacuteria29

Em face da adversidade climaacutetica externa como este magniacutefico bioma conseguiu resistir agrave extinccedilatildeo Hoje haacute linhas suficientes de evidecircncias de que a biosfera natildeo soacute pode resistir mas na verdade pode alterar modular e ateacute regular seu proacuteprio ambiente30

As florestas tropicais da Ameacute-rica do Sul estatildeo entre os mais densos diversos e complexos biomas terrestres no planeta Do mecanismo de chuvas no oceano verde pode-se ima-ginar como essas florestas

Amazocircnia coraccedilatildeo do mundo

Como podemos entender a circulaccedilatildeo da aacutegua pela paisagem A aacutegua irriga e drena os solos de forma anaacuteloga ao sangue que irriga e drena os tecidos do corpo Se os familiares rios satildeo anaacutelogos agraves veias que dre-nam a aacutegua usada e a retornam para a origem no oceano onde ficam as arteacuterias do sistema natural Satildeo os rios aeacutereos que trazem a aacutegua fresca renovada na evaporaccedilatildeo do oceano Para completar o sistema circulatoacuterio faltava somente o coraccedilatildeo a bomba que impulsiona os fluxos nas arteacuterias aeacutereas A teoria da bomba bioacutetica veio explicar que a potecircncia que propele os ventos canalizados nos rios aeacutereos deve ser atribuiacuteda agrave grande floresta que funciona entatildeo como coraccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico

poderiam regular o clima Controlar a precipitaccedilatildeo signi-fica tambeacutem controlar a convecccedilatildeo o que por sua vez significa interferir com uma poderosa correia transporta-dora de massa e energia a circulaccedilatildeo de Hadley31 Atra-veacutes da regulaccedilatildeo de chuvas a biologia poderia definir o ritmo dos ventos aliacutesios do Atlacircntico arrastando a neces-saacuteria umidade do oceano para o interior do continente

Na mesma eacutepoca Victor Gorshkov e Anastassia Maka-rieva aprofundando sua teoria sobre a regulaccedilatildeo bioacute-tica do ambiente32 examinavam os mecanismos que ligam a transpiraccedilatildeo das plantas com efeitos fiacutesicos na atmosfera Das surpreendentes descobertas desta anaacutelise eles desenvolveram a teoria da bomba bioacutetica de umidade33 revelando fisicamente como processos de transpiraccedilatildeo e condensaccedilatildeo mediados e manipula-dos pelas aacutervores mudam a pressatildeo e dinacircmica atmos-feacutericas resultando em maior suprimento de umidade do oceano para o interior de continentes florestados

Makarieva e colaboradores descobriram que a conden-saccedilatildeo do vapor drsquoaacutegua na atmosfera gera uma reduccedilatildeo localizada de pressatildeo e produz potencia dinacircmica que acelera os ventos ao longo do resultante gradiente de pressatildeo 34 O ponto crucial da teoria eacute que contrastes na evaporaccedilatildeo da superfiacutecie ndash casada com a determinante condensaccedilatildeo nas nuvens ndash muito mais que contrastes

na temperatura de superfiacutecie determinam a direccedilatildeo e a intensidade dos ventos trazedores de chuva

Assim uma regiatildeo florestada que evapora tanta ou mais aacutegua que uma superfiacutecie oceacircnica contiacutegua ndash e que teraacute muito mais condensaccedilatildeo na produccedilatildeo de chu-vas ndash iraacute sugar do mar para a terra as correntezas de ar carregadas de umidade onde ascenderatildeo o que traraacute chuvas para a aacuterea florestada Ao contraacuterio se a floresta for removida o continente teraacute muito menos evapora-ccedilatildeo do que o oceano contiacuteguo ndash com a consequente reduccedilatildeo na condensaccedilatildeo ndash o que determinaraacute uma re-versatildeo nos fluxos de umidade que iratildeo da terra para o mar 35 criando um deserto onde antes havia floresta

Entre as previsotildees baseadas na teoria da bomba bioacute-tica feitas por Makarieva e Gorshkov estava a de que as secas nas florestas nativas seriam contrapostas por transpiraccedilatildeo vigorosa das aacutervores Ora essa previsatildeo contrariava o senso comum pois qualquer pessoa sabe que basta deixar um vaso com plantas sem re-gar por alguns dias para que as plantas murchem e

27 (Baker et al 2001) The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years28 (Hooghiemstra et al 2002) Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary29 (Berger and Yin 2012) Astronomical Theory and Orbital Forcing30 (Foley and Costa 2003) Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate (Gorshkov et al 2004) Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction

(Pielke and Avissar 1998) Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate31 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena32 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change33 (Makarieva and Gorshkov 2007) Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land34 (Makarieva et al 2013) Where do winds come from35 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais

Uma regiatildeo florestada onde ocorre muito mais conden-saccedilatildeo em nuvens do que em superfiacutecie oceacircnica contiacutegua iraacute sugar para a terra os ven-tos do mar que carregados de umidade traratildeo chuvas para a aacuterea florestada

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 17Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

continuar a importar aacutegua pela atmosfera ndash contra-pondo a seca ndash e garantir a continuidade da floresta A teoria da bomba bioacutetica vem ganhando aceitaccedilatildeo37 e jaacute tem comprovaccedilatildeo observacional38

14) Rios aeacutereos aacutegua fresca pelas arteacuterias suspensas

Um mapa-muacutendi revela interessantes arranjos e sime-trias na distribuiccedilatildeo de florestas e desertos ao redor do globo com trecircs cinturotildees chamando a atenccedilatildeo um de florestas ao redor da linha do Equador e outros dois de desertos ao redor dos troacutepicos de Cacircncer e Capri-coacuternio Tal geografia de paisagens contrastantes tem explicaccedilatildeo conhecida a circulaccedilatildeo de Hadley39

Pela influecircncia da circulaccedilatildeo de Hadley a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul tenderia agrave aridez

Haacute maior incidecircncia solar na zona equatorial e portanto ocorre ali devido a efeitos fiacutesi-cos uma maior ascensatildeo de ar

que se resfria e faz chover favorecendo florestas O ar que subiu e perdeu umidade precisa ir para algum lugar des-locando-se em altitude nos dois hemisfeacuterios na direccedilatildeo dos subtroacutepicos Esse ar seco quando desce e se aquece remove umidade da superfiacutecie favorecendo desertos

Mas existem exceccedilotildees e a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul eacute uma delas Pela influecircncia da circula-ccedilatildeo de Hadley essa regiatildeo tenderia agrave aridez Basta ver o deserto de Atacama no outro lado dos Andes ou os

ateacute morram Contrariava tambeacutem o conhecimento de ecofisiologistas segundo o qual quando para de cho-ver e a aacutegua no solo diminui as plantas fecham logo seus estocircmatos e deixam de transpirar para econo-mizar aacutegua Ao mesmo tempo essa previsatildeo fornece uma pista para um antigo enigma ecofisioloacutegico por-que a fotossiacutentese evoluiu para ser ldquoesbanjadorardquo de vapor drsquoaacutegua Surpreendentemente entretanto Scott Saleska e colaboradores publicaram na revista cientiacutefi-ca Science36 observaccedilotildees que corroboravam a correccedilatildeo da previsatildeo teoacuterica de Makarieva e Gorshkov

Durante o pico da seca de 2005 as partes mais atingidas da Amazocircnia foram as que mais ldquoverdejaramrdquo isto eacute na zona onde choveu menos (conforme registro do sateacutelite TRMM) brotaram mais folhas novas nas copas das aacutervores (conforme foi visto pelo sensor MODIS no sateacutelite Terra)

As conclusotildees desse estudo a partir de imagens de sateacutelite jaacute contavam com apoio de mediccedilotildees em terra das torres de fluxo do projeto LBA que haviam consta-tado o fato de natildeo ocorrer uma reduccedilatildeo de transpira-ccedilatildeo das aacutervores nas eacutepocas secas Em outras palavras parece que quando a seca chega as aacutervores com raiacute-zes profundas (e acesso a grande quantidade de aacutegua subterracircnea) executam um programa para manter ou aumentar a transpiraccedilatildeo Assim com o fluxo de vapor da transpiraccedilatildeo na superfiacutecie ndash e a correspondente condensaccedilatildeo nas nuvens ndash manteacutem-se a succcedilatildeo do ar uacutemido sobre os oceanos proacuteximos o que significa

36 (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought37 Por exemplo (Sheil and Murdiyarso 2009) How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis38 (Poveda et al 2014) Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers39 Ceacutelula de Hadley

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 18Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

circulaccedilatildeo que liga os ventos aliacutesios carregados de umidade do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonal-mente para a parte meridional

da Ameacuterica do Sul foi descrita por Joseacute Marengo e cola-boradores43 Embora eles tenham chamado esse trans-porte de jatos de baixos niacuteveis o conceito eacute muito similar ao dos rios atmosfeacutericos Segundo sua explicaccedilatildeo fun-ciona na Ameacuterica do Sul um sistema de monccedilotildees seme-lhante ao da Aacutesia e devido ao efeito da floresta (geisers da floresta) e tambeacutem da cordilheira dos Andes (uma barreira de 6 km de altura) o persistente ar uacutemido ama-zocircnico faz a curva no Acre e durante o veratildeo leva quan-tidades generosas de vapor drsquoaacutegua para o quadrilaacutetero afortunado contrariando sua tendecircncia para a aridez

Recentemente Josefina Arraut44 e colaboradores fi-zeram uma revisatildeo climatoloacutegica dos rios aeacutereos da Ameacuterica do Sul estimando o transporte de vapor as-sociado e introduzindo um novo conceito ldquolagos aeacute-reosrdquo ou seja regiatildeo de remanso atmosfeacuterico com um estoque de vapor precipitaacutevel

Com o conceito de rios aeacutereos estabelecido e tornan-do-se popular Dominick Spracklen45 e colaboradores desenvolveram uma nova abordagem ao correlacionar a superfiacutecie coberta por vegetaccedilatildeo agrave exposiccedilatildeo de uma

Salati e colaboradores comparando as assinaturas quiacute-micas40 entre o fluxo de entrada de vapor oceacircnico no grande anfiteatro amazocircnico com as correspondentes assinaturas da aacutegua de escoamento que retorna ao oceano pelo rio Amazonas perceberam que parte sig-nificativa da aacutegua que entrava como vapor no canal aeacutereo natildeo retornava pelo canal terrestre41

Daiacute concluiacuteram que a Amazocircnia devia estar exportan-do esse vapor para outras regiotildees do continente e irri-gando outras bacias hidrograacuteficas que natildeo a do Ama-zonas Anaacutelises preliminares feitas agrave eacutepoca nas aacuteguas de chuva coletadas na cidade do Rio de Janeiro de-tectaram sinais de que parte dela vinha do interior do continente natildeo do oceano contiacuteguo E mais especifi-camente que havia passado pela Amazocircnia Esse gru-po foi o primeiro a sugerir que chuvas na Ameacuterica do Sul fora da Amazocircnia poderiam ser alimentadas pelo transporte continental de vapor

O conceito de rios atmosfeacutericos foi introduzido em 1992 por Reginald Newell e Nicholas Newell42 para descre-ver fluxos filamentares na baixa atmosfera capazes de transportar grandes quantidades de aacutegua como vapor tipicamente em volumes superiores ao transportado pelo rio Amazonas (que tem vazatildeo de 200 milhotildees de litros por segundo ndash ou 17 bilhotildees de toneladas ao dia)

Quase trecircs deacutecadas depois dos achados de Salati a

Rios Voadores contando uma bela histoacuteria

Em 2006 contemplando a floresta amazocircnica do alto de uma torre de estudo do projeto LBA trocamos com o aviador Gerard Moss as primei-ras ideias que levaram ao projeto de aventura pesquisa divulgaccedilatildeo e educaccedilatildeo ambiental Rios Voadores42 Com financiamento da Petrobras e a participaccedilatildeo de Eneacuteas Salati o pioneiro dos estudos sobre reciclagem de umidade na Amazocircnia aleacutem de outros cientistas de renome Moss perseguiu por anos os rios de vapor com seu aviatildeo monomotor coletan-do numerosas amostras para estudo e capturando a atenccedilatildeo luacutedica das pessoas na aventura que criou Fez tambeacutem um trabalho extraordinaacuterio de educaccedilatildeo ambiental nas escolas e pela Web postando frequente-mente em redes sociais as trajetoacuterias dos rios voadores e mostrando como estes levam aacutegua para as pessoas O resultado mais valioso desse projeto foi sua capacidade de tocar o lado emocional das pessoas atraveacutes do estiacutemulo luacutedico da aventura da ciecircncia engajada conectan-do-as ao sentimento de estima pelo ambiente pela aacutegua e pela floresta

desertos de Namiacutebia e Kalahari na Aacutefrica e o deserto da Austraacutelia Todos alinhados latitudinalmente com a afortunada aacuterea verde responsaacutevel por 70 do PIB do continente no quadrilaacutetero delimitado por Cuiabaacute ao Norte Satildeo Paulo a Leste Buenos Aires ao Sul e a cor-dilheira dos Andes a Oeste

As escolas ensinam que a aacutegua evapora do mar ldquovairdquo para os continentes cai como chuva eacute coletada nos rios de superfiacutecie e retorna ao mar Ao fazer a ligaccedilatildeo entre evaporaccedilatildeo da aacutegua no mar com seu tracircnsito em terra esse conceito simploacuterio do ciclo hidroloacutegico natildeo estaacute errado mas natildeo explica quase nada Por exemplo por que existem desertos ou por que o vapor mariacutetimo adentra os continentes de forma heterogecircnea

Rios aeacutereos ligam os ventos aliacutesios carregados de umida-de do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonalmente para a parte meridional da Ameacuterica do Sul

40 Definidas pelo uso de traccediladores que portam assinaturas isotoacutepicas Diz-se que satildeo isoacutetopos dois ou mais aacutetomos com o mesmo numero de proacutetons mas com massas diferentes Uma analogia boa eacute pensar em gecircmeos com caracteriacutesticas idecircnticas exceto peso Assinatura isotoacutepica eacute a relaccedilatildeo numeacuterica entre a imensa multidatildeo de ldquogecircmeosrdquo atocircmicos em um material ou substancia A aacutegua pode conter variada combinaccedilatildeo de gecircmeos de oxigecircnio (16O e 18O) e hidrogecircnio (1H 2H) gerando moleacuteculas de aacutegua com pesos distintos A proporccedilatildeo destes gecircmeos atocircmicos que ocorre na aacutegua do mar por exemplo se altera com a evaporaccedilatildeo (flutuam primeiro os mais leves) e tambeacutem com a chuva (precipitam primeiro os mais pesados) Assim ao analisar a assinatura isotoacutepica de uma amostra de aacutegua ou vapor pode-se saber de onde ela veio se do oceano ou da floresta

41 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study (Matsui et al 1976) Isotopic hydrology in the Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 18O concentrations42 (Newell and Newell 1992) Tropospheric Rivers - A Pilot Study43 (Marengo et al 2004) Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalysis Characteristics and temporal variability44 (Arraut et al 2012) Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America45 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 19Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Eventos extremos a vida buscando equiliacutebrio

Com o aquecimento global ocorre maior acuacutemulo de energia na at-mosfera o que aumenta a probabilidade de ocorrecircncias de fenocircmenos climaacuteticos mais intensos A natureza desta tendecircncia foi prevista haacute deacutecadas pelos meteorologistas Mas a maior intensidade e frequecircncia dessas ocorrecircncias estaacute sendo observada deacutecadas antes do previsto Algum fator na complexidade do clima deve explicar a aceleraccedilatildeo dos efeitos O registro geoloacutegico mostra que climas extremos jaacute ocorreram na histoacuteria da Terra muito antes da humanidade surgir Mas ao contraacuterio do que seria de se esperar depois dos cataclismos todas as evidecircncias apontam sempre para uma resiliente recuperaccedilatildeo estabilizadora ate-nuando os extremos Sistemas puramente geofiacutesicos natildeo teriam essa capacidade Somente a vida e seus processos de auto-regulaccedilatildeo ofere-cem explicaccedilatildeo satisfatoacuteria para a histoacuteria climaacutetica da Terra49

parcela de ar num rio aeacutereo (medida pelo iacutendice cumu-lativo de aacuterea foliar ao longo da trajetoacuteria) com chuva a jusante na trajetoacuteria daquela mesma parcela Ou seja um rio aeacutereo conecta regiotildees doadoras de umidade com outras receptoras de umidade Daiacute a importacircncia crucial das florestas a montante constatou-se que a Amazocircnia eacute de fato a cabeceira dos mananciais aeacutereos da maior parte das chuvas na Ameacuterica do Sul

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos

Makarieva e Gorshkov46 introduziram uma nova definiccedilatildeo fiacutesica para furacotildees ciclones ou tornados ldquo satildeo implosotildees (explosotildees em reverso) que se passam em cacircmera lenta decorrentes do desaparecimento volumeacutetrico de vapor drsquoaacutegua na atmosfera por condensaccedilatildeordquo47 Paulo Nobre

apresentou-lhes entatildeo um problema ldquoA questatildeo que se coloca eacute entender por que os furacotildees natildeo se desenvol-vem sobre as florestas tropicais como na Amazocircnia onde o fornecimento de vapor de aacutegua pela floresta e sua ex-tinccedilatildeo na forma de chuva tropical eacute tatildeo abundanterdquo 48

Respondendo Makarieva e Gorshkov demonstraram teoricamente como uma grande aacuterea terrestre co-berta por floresta natildeo per-

mite a formaccedilatildeo de furacotildees e outros padrotildees climaacuteticos anocircmalos incluindo secas e enchentes Em sua explica-ccedilatildeo a fricccedilatildeo turbulenta local com o dossel da floresta -que transpira ativamente o que resulta em chuvas uni-formes sobre grandes aacutereas- e a traccedilatildeo do vento pela bomba bioacutetica em distacircncias maiores diminui muito a chance de organizaccedilatildeo de tormentas como tornados ou furacotildees As trajetoacuterias registradas dos furacotildees compro-vam o ambiente ameno nas regiotildees cobertas por flores-tas extensas e aacutereas oceacircnicas proacuteximas50 Ou seja aleacutem de todos os outros serviccedilos da floresta ao clima ela ainda oferece um seguro contra destrutivos eventos atmosfeacute-ricos atenuando a concentraccedilatildeo de energia nos ventos

Outras funccedilotildees claacutessicas das florestas na regulaccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico em terra satildeo bem conhecidas como o favorecimento da recarga de aquiacuteferos e a atenua-ccedilatildeo de enchentes51 entre muitas outras

Entre os serviccedilos que a floresta presta ao clima estaacute um segu-ro contra eventos atmosfeacutericos destrutivos atenuando a concen-traccedilatildeo da energia nos ventos

46 (Makarieva et al 2008) On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine47 De acordo com os autores ldquoThe driving force of all hurricane processes is a rapid release as in compressed spring of potential energy previously accumulated in the form of saturated water vapor in the atmospheric column

during a prolonged period of water vapor evaporation under the action of the absorbed solar radiationrdquo (Makarieva et al 2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient48 (Nobre P 2009a) Peer Review Question Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo49 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment50 Storm Track mapa registrando todas as trajetoacuterias observadas de furacotildees mostrando que a regiotildees equatoriais das florestas e suas imediaccedilotildees oceacircnicas satildeo livres destes fenocircmenos51 httpwwwipefbrhidrologiamataciliarasp

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 20Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito

Em vista dos efeitos extensivos e elaborados das flo-restas sobre o clima demonstrados pela ciecircncia que resultados esperar da sua devastaccedilatildeo Para avaliar os impactos do desmatamento no clima vem sendo fei-to um nuacutemero crescente de experimentos de campo e modelagem estudos observacionais e mais recente-mente anaacutelises teoacutericas Quais as consequecircncias pro-jetadas do desmatamento e quais as jaacute observadas

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores

Uma das maiores virtudes dos modelos climaacuteticos estaacute em sua capacidade de simular cenaacuterios distantes do momento presente Esse tipo de exerciacutecio natildeo eacute pre-ditivo no sentido fiacutesico mas onde a teoria fiacutesica ainda natildeo estiver disponiacutevel eacute o melhor conhecimento e a uacutenica ferramenta para analisar sistemas complexos e fazer extrapolaccedilotildees bem fundamentadas

Tais exerciacutecios de simulaccedilatildeo satildeo valiosos para situaccedilotildees especiacuteficas como explorar riscos climaacuteticos associados ao desmatamento No ambiente virtual como num si-mulador de voo eacute possiacutevel avaliar repetidamente ce-naacuterios de desastres esmiuccedilando os fatores atuantes as condiccedilotildees iniciais e as consequecircncias potenciais de manobras arriscadas

Em 1991 Carlos Nobre liderou um dos mais citados

estudos para simular o impacto no clima do desma-tamento total da floresta amazocircnica52 Usando um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera (GCM53) com um moacutedulo acoplado de representaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo (SiB54) os autores concluiacuteram que quando as florestas eram substituiacutedas por pasto degradado no modelo verificava-se um aumento significativo na temperatura meacutedia de superfiacutecie (cerca de 25degC) e uma diminuiccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo anual (reduccedilatildeo de 30) da pre-cipitaccedilatildeo (reduccedilatildeo de 25) e do escoamento superfi-cial (reduccedilatildeo de 20) Na simulaccedilatildeo ocorria tambeacutem um aumento da duraccedilatildeo da estaccedilatildeo seca na metade sul da bacia amazocircnica

Nas duas deacutecadas seguintes outros estudos avanccedila-ram no detalhamento e generalizaccedilatildeo dessas conclu-sotildees Deborah Lawrence e Karen Vandecar fizeram recentemente uma revisatildeo da literatura55 sobre os impactos do desmatamento tropical no clima e con-cluiacuteram que vaacuterios GCMs concordam em que o des-matamento em escala regional leva a um clima mais quente e seco sobre a aacuterea desmatada Os modelos que simulam o desmatamento completo da Amazocirc-nia preveem um clima com aquecimento na faixa de 01-38degC (meacutedia de 19degC) e reduccedilatildeo de chuvas na fai-xa de 140-640 mm ao ano (meacutedia de 324 miliacutemetrosano ou 10-15 de reduccedilatildeo)

Mas o desmatamento pode ter implicaccedilotildees muito mais

52 (Nobre C et al 1991) Amazonian Deforestation and Regional Climate Change53 Definiccedilatildeo de GCM por Lawrence e Vandecar (2014) ldquo satildeo modelos computacionais tridimensionais globais do sistema climaacutetico que operam em larga escala Os modelos mais recentes incluem representaccedilotildees

da atmosfera oceanos e da superfiacutecie da Terra [] e incorporam o ciclo hidroloacutegico e uma representaccedilatildeo expliacutecita [] da vegetaccedilatildeo e seus efeitos sobre os fluxos de energia e de aacutegua incluindo as transferecircncias radiativas e turbulentas e os controles fiacutesicos e bioloacutegicos da evapotranspiraccedilatildeordquo

54 (Sellers et al 1986) Simple Biosphere Model55 (Lawrence and Vandecar 2014) The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity natildeo publicado

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 21Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

modelos parecem tender a subestimar as consequecircn-cias negativas nos cenaacuterios simulados Os resultados de projeccedilotildees mais recentes incluindo os oceanos agra-vam o quadro e aumentam o alerta

A eliminaccedilatildeo da floresta ndash prin-cipal agente da condensaccedilatildeo continental ndash equivale a desligar o interruptor de uma bomba de umidade atmosfeacuterica

Mas eacute preciso tambeacutem con-siderar a teoria da bomba bioacutetica e sua previsatildeo de re-duccedilatildeo de chuvas Diferente-mente dos modelos numeacute-

ricos convencionais uma teoria fiacutesica constroacutei entendimento baseada exclusivamente em leis funda-mentais da natureza Se a teoria estiver correta torna possiacutevel prever quantitativamente efeitos fiacutesicos apenas com a anaacutelise dos cenaacuterios e de sua loacutegica funcional

Makarieva e Gorshkov preveem que o desmatamento completo da Amazocircnia reduziria a precipitaccedilatildeo primor-dialmente como resultado da dissipaccedilatildeo do efeito da baixa pressatildeo (succcedilatildeo) associado agrave condensaccedilatildeo que eacute conectada a uma reduccedilatildeo da evaporaccedilatildeo de superfiacute-cie Como a teoria da bomba bioacutetica tambeacutem credita a disponibilidade de vapor para a precipitaccedilatildeo na Ama-zocircnia como resultado dessa capacidade de transpirar a eliminaccedilatildeo total do principal agente da transpiraccedilatildeo levaria agrave cessaccedilatildeo completa do bombeamento bioacutetico

Esta teoria sugere que desligado o interruptor da bom-ba que puxa o ar uacutemido para o continente o fluxo de umidade deve mudar de direccedilatildeo quando a condensaccedilatildeo passar a ser relativamente maior sobre o oceano (mais

seacuterias Em 1997 German Poveda e Oscar Mesa56 propuse-ram o papel de ponte hidrometeoroloacutegica para a floresta amazocircnica ao conectar os dois grandes oceanos proacutexi-mos isto eacute sugerindo efeitos climaacuteticos cruzados entre os oceanos via atmosfera mediados pela floresta

Explorando com modelagem em direccedilatildeo similar mais recentemente Paulo Nobre57 e colaboradores estuda-ram o impacto do desmatamento na chuva amazocircni-ca tendo como referecircncia a inclusatildeo ou a exclusatildeo das respostas dos grandes oceanos aos cenaacuterios de des-matamento58 Comparando simulaccedilotildees feitas em um GCM atmosfeacuterico usual com um GCM acoplado a outro modelo que simula as condiccedilotildees internas dos oceanos (salinidade correntes etc) esses autores encontraram uma reduccedilatildeo consideravelmente maior na precipita-ccedilatildeo quando o GCM acoplado com o oceano foi rodado para um cenaacuterio de desmatamento total da Amazocircnia 42 de reduccedilatildeo da chuva contabilizando os mecanis-mos internos dos oceanos contra 26 de reduccedilatildeo da chuva sem considera-los Os oceanos sempre estive-ram presentes e a inclusatildeo das suas respostas internas daacute mais realismo agraves simulaccedilotildees

Jaacute existem comprovaccedilotildees de muito do que foi proje-tado pelos modelos como consequecircncia do desma-tamento especialmente a ampliaccedilatildeo da estaccedilatildeo seca Poreacutem esses experimentos virtuais indicavam um prolongamento da estaccedilatildeo seca apoacutes destruiccedilatildeo de 100 da floresta o que jaacute se observa com o corte raso de pouco menos de 19 da floresta Ou seja esses 56 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena57 (Nobre P et al 2009b) Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation58 Que utiliza apenas a seacuterie histoacuterica observada das temperaturas da superfiacutecie dos oceanos

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 22Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

E apontaram que essa re-duccedilatildeo de chuvas poderaacute ser bem maior do que o indicado pelo grupo de Spracklen63 Para a porccedilatildeo

mais desmatada da Amazocircnia jaacute se constata progres-sivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera significativo impacto no setor agriacutecola

Assim a discussatildeo sobre desmatamento passa longe de duacutevidas sobre seus evidentes efeitos diretos e indi-retos na reduccedilatildeo das chuvas e recai sobre a extensatildeo da aacuterea desmatada No periacuteodo 20112012 foram ldquoape-nasrdquo 4571 km2 desmatados na Amazocircnia brasileira Se comparado com taxas de desmatamento em anos de pico como 2004 (27772 km2) esse valor parece mo-desto O Brasil merece reconhecimento por haver lo-grado essa reduccedilatildeo A velocidade e a eficaacutecia atingidas na reduccedilatildeo recomendam essa estrateacutegia para zerar e reverter o desmatamento no Brasil e no mundo

A despeito da notiacutecia encorajadora essa taxa que pa-rece tatildeo pequena seria suficiente para desmatar aacuterea equivalente a toda a Costa Rica em meros dez anos Aleacutem disso reduccedilotildees nas taxas anuais atenuam a per-cepccedilatildeo momentacircnea de perda e mascaram o desmata-mento acumulado na Amazocircnia que eacute muito grave

No que diz respeito ao clima importa sobretudo a aacuterea total devastada e sua distribuiccedilatildeo espacial Compilando

localizado da chuva com o desmatamento estudos mais abrangentes simulaccedilotildees com modelos climaacuteticos e mesmo anaacutelises teoacutericas esclareceram o caraacuteter local e transitoacuterio desse efeito que depende basicamente da existecircncia de matas circundantes agrave aacuterea desmatada e da extensatildeo dessas matas O aumento de chuva converte-se em reduccedilatildeo tatildeo logo as florestas remanescentes fi-quem mais distantes que um certo limiar de aacuterea aberta Daiacute em diante haveraacute reduccedilatildeo das chuvas

Dados de sateacutelites para chuva e presenccedila de floresta mostra-ram reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos que passam sobre aacutereas desmatadas

O estudo de Spracklen e colaboradores62 com da-dos de sateacutelites para chu-va e presenccedila de floresta constatou que com o des-

matamento ocorre a reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos Em 60 das aacutereas tropicais o ar que passa sobre densas florestas produz pelo menos duas vezes mais chuva que o ar que passa sobre aacutereas desmatadas Apesar de ainda natildeo terem considerado o mecanismo e os efeitos da teoria da bomba bioacutetica esses autores de-monstraram com evidecircncias fortes que o impacto ne-gativo do desmatamento no clima natildeo eacute somente local mas pode afetar regiotildees proacuteximas e distantes

Aplicando os conceitos da bomba bioacutetica Makarieva e colaboradores colocaram os achados de Spracklen em perspectiva explicando quantitativamente quais os fatores fiacutesicos responsaacuteveis pela reduccedilatildeo nas chuvas a jusante dos ventos decorrentes do desmatamento

fraca que a bioacutetica a bomba oceacircnica de condensaccedilatildeo estaacute sempre ligada) o que levaria a aridez em terra59

Os modelos climaacuteticos usados para simular o desma-tamento ainda natildeo embutiram essa nova teoria fiacutesica portanto natildeo projetam esse efeito que poderia signi-ficar ateacute 100 de reduccedilatildeo nas chuvas

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo

O desmatamento real eacute imenso e seus efeitos sobre o clima satildeo bem documentados Estudos em torres micrometeoroloacutegicas mostram que a substituiccedilatildeo de floresta por pastagem leva como previsto pelos mo-delos a um aumento da temperatura de superfiacutecie e uma reduccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo60 Observaccedilotildees de sateacutelite mostram que durante a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspi-raccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas61

Observaccedilotildees mostram que duran-te a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspiraccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas

Dados similares tambeacutem indicam que a transpira-ccedilatildeo da floresta eacute bem maior do que aquela pres-crita pelos modelos o que explica em parte a subesti-

mativa dos modelos de larga escala no caso da reduccedilatildeo de precipitaccedilatildeo com o desmatamento Embora alguns estudos observacionais tenham revelado um aumento

Para a porccedilatildeo mais desmata-da da Amazocircnia jaacute se constata progressivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera signifi-cativo impacto no setor agriacutecola

59 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais60 Por exemplo (Gash et al 1996) Amazonian Deforestation and Climate (von Randow et al 2004) Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in southwest Amazonia61 (Huete et al 2006) Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought62 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests63 (Makarieva et al 2013) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 23Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Desmatamento acumulado 762979 km2

Esse valor eacute maior que a soma das aacutereas de trecircs estados de Satildeo Paulo ou que as aacutereas somadas de duas Alemanhas ou de dois Japotildees Uma unidade de aacuterea mais proacutexima do brasileiro o campo de futebol (4136 m2) daacute uma noccedilatildeo da magnitude da devastaccedilatildeo 184 milhotildees de unidades65 ndash quase um campo de futebol desmatado na Amazocircnia para cada brasileiro Colocado na perspectiva temporal teriam sido em meacutedia 12635 campos desmatados por dia 526 campos por hora 88 campos ndash ou 36291 m2 por minuto 605 m2 por segundo ininterruptamente nos uacuteltimos 40 anos Para caber na compreensatildeo o gigantismo destes nuacutemeros eacute preciso estender a imaginaccedilatildeo para aleacutem destas analogias Um trator ficcional operando uma lacircmina frontal com 3 m de largura precisaria acelerar quase agrave velocidade de um aviatildeo a jato (726 kmh) para desmatar a aacuterea raspada na Amazocircnia no ritmo registrado do espaccedilo em imagens Como um trator desmata mui-to mais lentamente (024 - 036 hah66 ou ~08 kmh se essa aacuterea estives-se contida em uma faixa com 3 m de largura) com a mesma lacircmina de 3 m seriam necessaacuterios mais de 900 tratores simultaneamente derrubando a floresta lado a lado formando uma frente destrutiva com quase 3 km de largura Uma comparaccedilatildeo ainda mais impressionante eacute uma ldquoestrada de desmatamentordquo com 2 km de largura que daria para cobrir a distacircncia da Terra ateacute a Lua (380 mil km)

estudos pioneiros com dados de sateacutelite Dioacutegenes Al-ves64 contabilizou ateacute 2004 um desmatamento total de 663 mil km2 Agregando-se os nuacutemeros mais recentes do projeto PRODES do INPE o desmatamento acumula-do total ateacute 2013 chega a 762979 km2

Pelo vieacutes do dano ao clima o que se tem na Amazocircnia eacute um passivo gigantesco de destruiccedilatildeo do oceano ver-de Natildeo haacute portanto qualquer motivo para comemo-rar as taxas relativamente mais baixas de corte raso dos uacuteltimos anos mesmo porque depois da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal (2011) com sua ampla anistia a desmatadores jaacute se observa uma niacutetida tendecircncia de aumento das taxas anuais

Na contabilidade do INPE o corte raso brasileiro (sem considerar os dos demais paiacuteses da bacia amazocircnica) chegou em 2012 a 1885 da aacuterea original de floresta67 Mas a destruiccedilatildeo natildeo eacute uniforme pois ocorre grande concentraccedilatildeo de corte raso no chamado Arco do Fogo ndash ou Arco do Desmatamento68 Se a vastidatildeo raspada jaacute eacute graviacutessima para o clima a situaccedilatildeo torna-se ainda pior ao se considerar o oceano verde ferido

A exploraccedilatildeo madeireira e o desmatamento gradual pro-duzem extensas aacutereas de florestas degradadas que rara-mente entram na contabilidade oficial da destruiccedilatildeo mas que a depreender das informaccedilotildees e estimativas dispo-niacuteveis podem ter impacto significativo sobre o clima

Dalton Valeriano liderou um estudo pioneiro sobre degradaccedilatildeo69 que encontrou no Estado do Mato Gros-so no periacuteodo de 2007 a 2010 ldquosomenterdquo 7856 km2 com corte raso mas outros 32926 km2 de florestas degradadas Somando corte raso com degradaccedilatildeo sobrou pouco do propriamente chamado Estado de Mato Grosso

No mesmo periacuteodo o INPE mapeou 64205 km2 de flo-resta degradada versus 39026 km2 de corte raso para a Amazocircnia brasileira Usando a proporccedilatildeo entre estas

64 (Alves 2007) Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon65 Aacuterea desmatada 762979 km2 0004136 km2 = 184472679 de campos de futebol66 (Viana 2012) Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento67 httpwwwdpiinpebrprodesdigitalprodesphp Lista (uma tabela) e Consolida (somatoacuterios para a unidade de aacuterea considerada)68 Porcentagem de aacuterea desmatada ateacute 2012 TO 75 MA 72 RO 41 MT 40 PA 22 e AC 1369 httpwwwobtinpebrprodesRelatorio_Prodes2008pdf

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 24Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aacutereas pode-se extrapolar a aacuterea de floresta degradada para toda a Amazocircnia brasileira Na estimativa ateacute 2013 a aacuterea total degradada pode ter alcanccedilado 1255100 km2 Somando com a aacuterea mensurada de corte raso o impacto cumulativo no bioma pela ocupaccedilatildeo humana pode ter atingido 2018079 km2

Dentre mais de 200 paiacuteses no mundo somente 13 tecircm aacuterea maior que essa Nesta contabilidade a degrada-ccedilatildeo de florestas na Amazocircnia brasileira pode haver chegado a 2944 da aacuterea original70 que somada ao desmatamento corte-raso sugere que ateacute 4734 da floresta tenha sido impactada diretamente por ativi-dade humana desestabilizadora do clima Para a Pan-Amazocircnia esse impacto agregado da Amazocircnia bra-sileira contabilizando desmatamento e estimando degradaccedilatildeo representa de 2668 a 290371 sobre a aacuterea original de floresta

Mas a aacuterea de impacto no sentido ecoloacutegico pode ser ainda maior porque florestas contiacuteguas a aacutereas de de-gradaccedilatildeo ou corte raso sofrem direta e indiretamente os efeitos das mudanccedilas ambientais vizinhas (biogeo-fiacutesicas e biogeoquiacutemicas)72

No processo de degradaccedilatildeo a destruiccedilatildeo do dossel frequentemente superior a 60 da cobertura73 muda as caracteriacutesticas estruturais ecoloacutegicas e fisioloacutegicas da floresta comprometendo suas capacidades am-bientais

70 Caacutelculo utilizando a mensuraccedilatildeo de Espiacuterito-Santo et al (2014) para a floresta remanescente na Amazocircnia brasileira [3500000 km2] acrescida da aacuterea acumulada do desmatamento [762979 km2] chegando a 4262979 km2 de florestas originais na Amazocircnia brasileira

71 Impacto usando aacuterea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Espiacuterito-Santo et al (2014) com 7562979 km2 e em Eva et al (2005) com 6943468 km2

72 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon73 (Valeriano et al 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD e QUEIMADAS 2007-200874 University of Maryland Global Forest Cover

Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 ateacute 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Ameacuterica do Sul74

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 14: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 15Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ar a chuva natildeo os lava Soacute quando oxidam-se e precipi-tam-se como aerossoacuteis formando as chuvas eacute que satildeo lavados Mas sempre haacute mais BVOCs esperando para formar mais poacute de pirlimpimpim para a proacutexima chuva

Aleacutem da promoccedilatildeo de chuvas volumosas e gentis outros mecanismos bioquiacutemicos anaacutelogos aos que produzem os aromas atuam como ldquovassourinhas quiacute-micasrdquo da atmosfera Nas condiccedilotildees amazocircnicas po-luentes perigosos (como o ozocircnio) satildeo removidos do ar Nos anos 1980 nos primeiros estudos de quiacutemica da atmosfera empregando aviotildees instrumentados constatou-se que o ar na baixa atmosfera amazocircnica continha menos ozocircnio (portanto era mais saudaacutevel) que o ar das regiotildees mais remotas da Terra (como a Antaacutertida) Nas deacutecadas subsequentes outros projetos de investigaccedilatildeo indicaram o efeito das aacutervores na lim-peza do ar25 Desses e de outros estudos em desenvol-vimento pode-se sugerir que as plantas amazocircnicas usam algum tipo de vitamina C como um antioxidan-te capaz de remover do ar gases danosos para a vida

13) Bomba bioacutetica de umidade doar aacutegua para receber chuva

Por volta de 2005 no pico da mais poderosa seca a atingir a Amazocircnia ateacute aquele momento atuamos na integra-ccedilatildeo dos primeiros seis anos de dados do projeto LBA26 Depois de analisar em vaacuterios estudos as evidecircncias das

projeto LBA para investigar tambeacutem as trocas de outros gases produzidos pelas plantas contendo carbono para verificar se constituiacuteam parte importante dessas trocas Esses outros gases satildeo os aromas da floresta tambeacutem chamados de compostos orgacircnicos volaacuteteis biogecircni-cos (BVOCs23) Como um vidro de perfume aberto per-de seu liacutequido por evaporaccedilatildeo e o gaacutes-perfume difun-de-se pelo ambiente uma variedade de substacircncias orgacircnicas evapora nas folhas e ganha a atmosfera

Quando no ar uacutemido e com a luz do Sol os aromas das plantas formam uma poeira finiacutessima com afinidade pela aacutegua Satildeo os nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens

Em termos de massa as quantidades de carbono perdidas para a atmosfera por esses gases orgacircnicos satildeo pequenas Contudo um grupo liderado por Meinrat

Andreae do Instituto Max Planck que estuda a quiacutemica dos gases na atmosfera investigou o que acontecia com esses aromas quando misturados ao ar amazocircnico e desvendou o misteacuterio da nucleaccedilatildeo das nuvens24 Os BVOCs (como isopreno terpenos etc) numa atmosfera uacutemida e na presenccedila da radiaccedilatildeo solar oxidam-se e pre-cipitam-se formando uma poeira finiacutessima com afinida-de pela aacutegua (higroscoacutepica) gerando eficientes nuacutecleos de condensaccedilatildeo das nuvens Poeticamente falando esse eacute o poacute de pirlimpimpim que surge magicamente no ar carregado de vapor e provoca as chuvas a cacircntaros das nuvens baixas os regadores do Jardim do Eacuteden En-quanto os BVOCs estatildeo na forma de gaacutes dissolvidos no

23 Do inglecircs Biogenic Volatile Organic Carbon satildeo compostos biogecircnicos porque satildeo sintetizados pelos organismos vivos como os odores das plantas Existem outros compostos orgacircnicos volaacuteteis natildeo biogecircni-cos chamados simplesmente de VOCs como o solvente de uma tinta por exemplo

24 (Poumlschl et al 2010) Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon (Clayes et al 2004) Formation of secondary organic aerosols through photooxidation of isoprene Release Astonishing Discovery over the Amazonian Rain Forest

25 Por exemplo (Rummel et al 2007) Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia26 (Nobre 2005) Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 16Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

observaccedilotildees e os resultados de modelos ponderei so-bre a pergunta em voga agrave eacutepoca com o aquecimento global iraacute a floresta uacutemida na Amazocircnia secar e morrer

Ao longo de milhares27 ou provavelmente milhotildees de anos28 a floresta tropical da Ameacuterica do Sul evoluiu sua biota luxuriante sem sinais de ter sido desligada por even-tos climaacuteticos extremos como aridez ou congelamento No mesmo espaccedilo de tempo no entanto eacute improvaacutevel que o impacto do clima externo ao continente tenha permanecido benigno especialmente considerando as interferecircncias coacutesmicas e sua conhecida relaccedilatildeo com mudanccedilas climaacuteticas profundas em escala planetaacuteria29

Em face da adversidade climaacutetica externa como este magniacutefico bioma conseguiu resistir agrave extinccedilatildeo Hoje haacute linhas suficientes de evidecircncias de que a biosfera natildeo soacute pode resistir mas na verdade pode alterar modular e ateacute regular seu proacuteprio ambiente30

As florestas tropicais da Ameacute-rica do Sul estatildeo entre os mais densos diversos e complexos biomas terrestres no planeta Do mecanismo de chuvas no oceano verde pode-se ima-ginar como essas florestas

Amazocircnia coraccedilatildeo do mundo

Como podemos entender a circulaccedilatildeo da aacutegua pela paisagem A aacutegua irriga e drena os solos de forma anaacuteloga ao sangue que irriga e drena os tecidos do corpo Se os familiares rios satildeo anaacutelogos agraves veias que dre-nam a aacutegua usada e a retornam para a origem no oceano onde ficam as arteacuterias do sistema natural Satildeo os rios aeacutereos que trazem a aacutegua fresca renovada na evaporaccedilatildeo do oceano Para completar o sistema circulatoacuterio faltava somente o coraccedilatildeo a bomba que impulsiona os fluxos nas arteacuterias aeacutereas A teoria da bomba bioacutetica veio explicar que a potecircncia que propele os ventos canalizados nos rios aeacutereos deve ser atribuiacuteda agrave grande floresta que funciona entatildeo como coraccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico

poderiam regular o clima Controlar a precipitaccedilatildeo signi-fica tambeacutem controlar a convecccedilatildeo o que por sua vez significa interferir com uma poderosa correia transporta-dora de massa e energia a circulaccedilatildeo de Hadley31 Atra-veacutes da regulaccedilatildeo de chuvas a biologia poderia definir o ritmo dos ventos aliacutesios do Atlacircntico arrastando a neces-saacuteria umidade do oceano para o interior do continente

Na mesma eacutepoca Victor Gorshkov e Anastassia Maka-rieva aprofundando sua teoria sobre a regulaccedilatildeo bioacute-tica do ambiente32 examinavam os mecanismos que ligam a transpiraccedilatildeo das plantas com efeitos fiacutesicos na atmosfera Das surpreendentes descobertas desta anaacutelise eles desenvolveram a teoria da bomba bioacutetica de umidade33 revelando fisicamente como processos de transpiraccedilatildeo e condensaccedilatildeo mediados e manipula-dos pelas aacutervores mudam a pressatildeo e dinacircmica atmos-feacutericas resultando em maior suprimento de umidade do oceano para o interior de continentes florestados

Makarieva e colaboradores descobriram que a conden-saccedilatildeo do vapor drsquoaacutegua na atmosfera gera uma reduccedilatildeo localizada de pressatildeo e produz potencia dinacircmica que acelera os ventos ao longo do resultante gradiente de pressatildeo 34 O ponto crucial da teoria eacute que contrastes na evaporaccedilatildeo da superfiacutecie ndash casada com a determinante condensaccedilatildeo nas nuvens ndash muito mais que contrastes

na temperatura de superfiacutecie determinam a direccedilatildeo e a intensidade dos ventos trazedores de chuva

Assim uma regiatildeo florestada que evapora tanta ou mais aacutegua que uma superfiacutecie oceacircnica contiacutegua ndash e que teraacute muito mais condensaccedilatildeo na produccedilatildeo de chu-vas ndash iraacute sugar do mar para a terra as correntezas de ar carregadas de umidade onde ascenderatildeo o que traraacute chuvas para a aacuterea florestada Ao contraacuterio se a floresta for removida o continente teraacute muito menos evapora-ccedilatildeo do que o oceano contiacuteguo ndash com a consequente reduccedilatildeo na condensaccedilatildeo ndash o que determinaraacute uma re-versatildeo nos fluxos de umidade que iratildeo da terra para o mar 35 criando um deserto onde antes havia floresta

Entre as previsotildees baseadas na teoria da bomba bioacute-tica feitas por Makarieva e Gorshkov estava a de que as secas nas florestas nativas seriam contrapostas por transpiraccedilatildeo vigorosa das aacutervores Ora essa previsatildeo contrariava o senso comum pois qualquer pessoa sabe que basta deixar um vaso com plantas sem re-gar por alguns dias para que as plantas murchem e

27 (Baker et al 2001) The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years28 (Hooghiemstra et al 2002) Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary29 (Berger and Yin 2012) Astronomical Theory and Orbital Forcing30 (Foley and Costa 2003) Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate (Gorshkov et al 2004) Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction

(Pielke and Avissar 1998) Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate31 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena32 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change33 (Makarieva and Gorshkov 2007) Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land34 (Makarieva et al 2013) Where do winds come from35 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais

Uma regiatildeo florestada onde ocorre muito mais conden-saccedilatildeo em nuvens do que em superfiacutecie oceacircnica contiacutegua iraacute sugar para a terra os ven-tos do mar que carregados de umidade traratildeo chuvas para a aacuterea florestada

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 17Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

continuar a importar aacutegua pela atmosfera ndash contra-pondo a seca ndash e garantir a continuidade da floresta A teoria da bomba bioacutetica vem ganhando aceitaccedilatildeo37 e jaacute tem comprovaccedilatildeo observacional38

14) Rios aeacutereos aacutegua fresca pelas arteacuterias suspensas

Um mapa-muacutendi revela interessantes arranjos e sime-trias na distribuiccedilatildeo de florestas e desertos ao redor do globo com trecircs cinturotildees chamando a atenccedilatildeo um de florestas ao redor da linha do Equador e outros dois de desertos ao redor dos troacutepicos de Cacircncer e Capri-coacuternio Tal geografia de paisagens contrastantes tem explicaccedilatildeo conhecida a circulaccedilatildeo de Hadley39

Pela influecircncia da circulaccedilatildeo de Hadley a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul tenderia agrave aridez

Haacute maior incidecircncia solar na zona equatorial e portanto ocorre ali devido a efeitos fiacutesi-cos uma maior ascensatildeo de ar

que se resfria e faz chover favorecendo florestas O ar que subiu e perdeu umidade precisa ir para algum lugar des-locando-se em altitude nos dois hemisfeacuterios na direccedilatildeo dos subtroacutepicos Esse ar seco quando desce e se aquece remove umidade da superfiacutecie favorecendo desertos

Mas existem exceccedilotildees e a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul eacute uma delas Pela influecircncia da circula-ccedilatildeo de Hadley essa regiatildeo tenderia agrave aridez Basta ver o deserto de Atacama no outro lado dos Andes ou os

ateacute morram Contrariava tambeacutem o conhecimento de ecofisiologistas segundo o qual quando para de cho-ver e a aacutegua no solo diminui as plantas fecham logo seus estocircmatos e deixam de transpirar para econo-mizar aacutegua Ao mesmo tempo essa previsatildeo fornece uma pista para um antigo enigma ecofisioloacutegico por-que a fotossiacutentese evoluiu para ser ldquoesbanjadorardquo de vapor drsquoaacutegua Surpreendentemente entretanto Scott Saleska e colaboradores publicaram na revista cientiacutefi-ca Science36 observaccedilotildees que corroboravam a correccedilatildeo da previsatildeo teoacuterica de Makarieva e Gorshkov

Durante o pico da seca de 2005 as partes mais atingidas da Amazocircnia foram as que mais ldquoverdejaramrdquo isto eacute na zona onde choveu menos (conforme registro do sateacutelite TRMM) brotaram mais folhas novas nas copas das aacutervores (conforme foi visto pelo sensor MODIS no sateacutelite Terra)

As conclusotildees desse estudo a partir de imagens de sateacutelite jaacute contavam com apoio de mediccedilotildees em terra das torres de fluxo do projeto LBA que haviam consta-tado o fato de natildeo ocorrer uma reduccedilatildeo de transpira-ccedilatildeo das aacutervores nas eacutepocas secas Em outras palavras parece que quando a seca chega as aacutervores com raiacute-zes profundas (e acesso a grande quantidade de aacutegua subterracircnea) executam um programa para manter ou aumentar a transpiraccedilatildeo Assim com o fluxo de vapor da transpiraccedilatildeo na superfiacutecie ndash e a correspondente condensaccedilatildeo nas nuvens ndash manteacutem-se a succcedilatildeo do ar uacutemido sobre os oceanos proacuteximos o que significa

36 (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought37 Por exemplo (Sheil and Murdiyarso 2009) How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis38 (Poveda et al 2014) Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers39 Ceacutelula de Hadley

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 18Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

circulaccedilatildeo que liga os ventos aliacutesios carregados de umidade do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonal-mente para a parte meridional

da Ameacuterica do Sul foi descrita por Joseacute Marengo e cola-boradores43 Embora eles tenham chamado esse trans-porte de jatos de baixos niacuteveis o conceito eacute muito similar ao dos rios atmosfeacutericos Segundo sua explicaccedilatildeo fun-ciona na Ameacuterica do Sul um sistema de monccedilotildees seme-lhante ao da Aacutesia e devido ao efeito da floresta (geisers da floresta) e tambeacutem da cordilheira dos Andes (uma barreira de 6 km de altura) o persistente ar uacutemido ama-zocircnico faz a curva no Acre e durante o veratildeo leva quan-tidades generosas de vapor drsquoaacutegua para o quadrilaacutetero afortunado contrariando sua tendecircncia para a aridez

Recentemente Josefina Arraut44 e colaboradores fi-zeram uma revisatildeo climatoloacutegica dos rios aeacutereos da Ameacuterica do Sul estimando o transporte de vapor as-sociado e introduzindo um novo conceito ldquolagos aeacute-reosrdquo ou seja regiatildeo de remanso atmosfeacuterico com um estoque de vapor precipitaacutevel

Com o conceito de rios aeacutereos estabelecido e tornan-do-se popular Dominick Spracklen45 e colaboradores desenvolveram uma nova abordagem ao correlacionar a superfiacutecie coberta por vegetaccedilatildeo agrave exposiccedilatildeo de uma

Salati e colaboradores comparando as assinaturas quiacute-micas40 entre o fluxo de entrada de vapor oceacircnico no grande anfiteatro amazocircnico com as correspondentes assinaturas da aacutegua de escoamento que retorna ao oceano pelo rio Amazonas perceberam que parte sig-nificativa da aacutegua que entrava como vapor no canal aeacutereo natildeo retornava pelo canal terrestre41

Daiacute concluiacuteram que a Amazocircnia devia estar exportan-do esse vapor para outras regiotildees do continente e irri-gando outras bacias hidrograacuteficas que natildeo a do Ama-zonas Anaacutelises preliminares feitas agrave eacutepoca nas aacuteguas de chuva coletadas na cidade do Rio de Janeiro de-tectaram sinais de que parte dela vinha do interior do continente natildeo do oceano contiacuteguo E mais especifi-camente que havia passado pela Amazocircnia Esse gru-po foi o primeiro a sugerir que chuvas na Ameacuterica do Sul fora da Amazocircnia poderiam ser alimentadas pelo transporte continental de vapor

O conceito de rios atmosfeacutericos foi introduzido em 1992 por Reginald Newell e Nicholas Newell42 para descre-ver fluxos filamentares na baixa atmosfera capazes de transportar grandes quantidades de aacutegua como vapor tipicamente em volumes superiores ao transportado pelo rio Amazonas (que tem vazatildeo de 200 milhotildees de litros por segundo ndash ou 17 bilhotildees de toneladas ao dia)

Quase trecircs deacutecadas depois dos achados de Salati a

Rios Voadores contando uma bela histoacuteria

Em 2006 contemplando a floresta amazocircnica do alto de uma torre de estudo do projeto LBA trocamos com o aviador Gerard Moss as primei-ras ideias que levaram ao projeto de aventura pesquisa divulgaccedilatildeo e educaccedilatildeo ambiental Rios Voadores42 Com financiamento da Petrobras e a participaccedilatildeo de Eneacuteas Salati o pioneiro dos estudos sobre reciclagem de umidade na Amazocircnia aleacutem de outros cientistas de renome Moss perseguiu por anos os rios de vapor com seu aviatildeo monomotor coletan-do numerosas amostras para estudo e capturando a atenccedilatildeo luacutedica das pessoas na aventura que criou Fez tambeacutem um trabalho extraordinaacuterio de educaccedilatildeo ambiental nas escolas e pela Web postando frequente-mente em redes sociais as trajetoacuterias dos rios voadores e mostrando como estes levam aacutegua para as pessoas O resultado mais valioso desse projeto foi sua capacidade de tocar o lado emocional das pessoas atraveacutes do estiacutemulo luacutedico da aventura da ciecircncia engajada conectan-do-as ao sentimento de estima pelo ambiente pela aacutegua e pela floresta

desertos de Namiacutebia e Kalahari na Aacutefrica e o deserto da Austraacutelia Todos alinhados latitudinalmente com a afortunada aacuterea verde responsaacutevel por 70 do PIB do continente no quadrilaacutetero delimitado por Cuiabaacute ao Norte Satildeo Paulo a Leste Buenos Aires ao Sul e a cor-dilheira dos Andes a Oeste

As escolas ensinam que a aacutegua evapora do mar ldquovairdquo para os continentes cai como chuva eacute coletada nos rios de superfiacutecie e retorna ao mar Ao fazer a ligaccedilatildeo entre evaporaccedilatildeo da aacutegua no mar com seu tracircnsito em terra esse conceito simploacuterio do ciclo hidroloacutegico natildeo estaacute errado mas natildeo explica quase nada Por exemplo por que existem desertos ou por que o vapor mariacutetimo adentra os continentes de forma heterogecircnea

Rios aeacutereos ligam os ventos aliacutesios carregados de umida-de do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonalmente para a parte meridional da Ameacuterica do Sul

40 Definidas pelo uso de traccediladores que portam assinaturas isotoacutepicas Diz-se que satildeo isoacutetopos dois ou mais aacutetomos com o mesmo numero de proacutetons mas com massas diferentes Uma analogia boa eacute pensar em gecircmeos com caracteriacutesticas idecircnticas exceto peso Assinatura isotoacutepica eacute a relaccedilatildeo numeacuterica entre a imensa multidatildeo de ldquogecircmeosrdquo atocircmicos em um material ou substancia A aacutegua pode conter variada combinaccedilatildeo de gecircmeos de oxigecircnio (16O e 18O) e hidrogecircnio (1H 2H) gerando moleacuteculas de aacutegua com pesos distintos A proporccedilatildeo destes gecircmeos atocircmicos que ocorre na aacutegua do mar por exemplo se altera com a evaporaccedilatildeo (flutuam primeiro os mais leves) e tambeacutem com a chuva (precipitam primeiro os mais pesados) Assim ao analisar a assinatura isotoacutepica de uma amostra de aacutegua ou vapor pode-se saber de onde ela veio se do oceano ou da floresta

41 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study (Matsui et al 1976) Isotopic hydrology in the Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 18O concentrations42 (Newell and Newell 1992) Tropospheric Rivers - A Pilot Study43 (Marengo et al 2004) Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalysis Characteristics and temporal variability44 (Arraut et al 2012) Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America45 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 19Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Eventos extremos a vida buscando equiliacutebrio

Com o aquecimento global ocorre maior acuacutemulo de energia na at-mosfera o que aumenta a probabilidade de ocorrecircncias de fenocircmenos climaacuteticos mais intensos A natureza desta tendecircncia foi prevista haacute deacutecadas pelos meteorologistas Mas a maior intensidade e frequecircncia dessas ocorrecircncias estaacute sendo observada deacutecadas antes do previsto Algum fator na complexidade do clima deve explicar a aceleraccedilatildeo dos efeitos O registro geoloacutegico mostra que climas extremos jaacute ocorreram na histoacuteria da Terra muito antes da humanidade surgir Mas ao contraacuterio do que seria de se esperar depois dos cataclismos todas as evidecircncias apontam sempre para uma resiliente recuperaccedilatildeo estabilizadora ate-nuando os extremos Sistemas puramente geofiacutesicos natildeo teriam essa capacidade Somente a vida e seus processos de auto-regulaccedilatildeo ofere-cem explicaccedilatildeo satisfatoacuteria para a histoacuteria climaacutetica da Terra49

parcela de ar num rio aeacutereo (medida pelo iacutendice cumu-lativo de aacuterea foliar ao longo da trajetoacuteria) com chuva a jusante na trajetoacuteria daquela mesma parcela Ou seja um rio aeacutereo conecta regiotildees doadoras de umidade com outras receptoras de umidade Daiacute a importacircncia crucial das florestas a montante constatou-se que a Amazocircnia eacute de fato a cabeceira dos mananciais aeacutereos da maior parte das chuvas na Ameacuterica do Sul

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos

Makarieva e Gorshkov46 introduziram uma nova definiccedilatildeo fiacutesica para furacotildees ciclones ou tornados ldquo satildeo implosotildees (explosotildees em reverso) que se passam em cacircmera lenta decorrentes do desaparecimento volumeacutetrico de vapor drsquoaacutegua na atmosfera por condensaccedilatildeordquo47 Paulo Nobre

apresentou-lhes entatildeo um problema ldquoA questatildeo que se coloca eacute entender por que os furacotildees natildeo se desenvol-vem sobre as florestas tropicais como na Amazocircnia onde o fornecimento de vapor de aacutegua pela floresta e sua ex-tinccedilatildeo na forma de chuva tropical eacute tatildeo abundanterdquo 48

Respondendo Makarieva e Gorshkov demonstraram teoricamente como uma grande aacuterea terrestre co-berta por floresta natildeo per-

mite a formaccedilatildeo de furacotildees e outros padrotildees climaacuteticos anocircmalos incluindo secas e enchentes Em sua explica-ccedilatildeo a fricccedilatildeo turbulenta local com o dossel da floresta -que transpira ativamente o que resulta em chuvas uni-formes sobre grandes aacutereas- e a traccedilatildeo do vento pela bomba bioacutetica em distacircncias maiores diminui muito a chance de organizaccedilatildeo de tormentas como tornados ou furacotildees As trajetoacuterias registradas dos furacotildees compro-vam o ambiente ameno nas regiotildees cobertas por flores-tas extensas e aacutereas oceacircnicas proacuteximas50 Ou seja aleacutem de todos os outros serviccedilos da floresta ao clima ela ainda oferece um seguro contra destrutivos eventos atmosfeacute-ricos atenuando a concentraccedilatildeo de energia nos ventos

Outras funccedilotildees claacutessicas das florestas na regulaccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico em terra satildeo bem conhecidas como o favorecimento da recarga de aquiacuteferos e a atenua-ccedilatildeo de enchentes51 entre muitas outras

Entre os serviccedilos que a floresta presta ao clima estaacute um segu-ro contra eventos atmosfeacutericos destrutivos atenuando a concen-traccedilatildeo da energia nos ventos

46 (Makarieva et al 2008) On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine47 De acordo com os autores ldquoThe driving force of all hurricane processes is a rapid release as in compressed spring of potential energy previously accumulated in the form of saturated water vapor in the atmospheric column

during a prolonged period of water vapor evaporation under the action of the absorbed solar radiationrdquo (Makarieva et al 2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient48 (Nobre P 2009a) Peer Review Question Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo49 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment50 Storm Track mapa registrando todas as trajetoacuterias observadas de furacotildees mostrando que a regiotildees equatoriais das florestas e suas imediaccedilotildees oceacircnicas satildeo livres destes fenocircmenos51 httpwwwipefbrhidrologiamataciliarasp

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 20Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito

Em vista dos efeitos extensivos e elaborados das flo-restas sobre o clima demonstrados pela ciecircncia que resultados esperar da sua devastaccedilatildeo Para avaliar os impactos do desmatamento no clima vem sendo fei-to um nuacutemero crescente de experimentos de campo e modelagem estudos observacionais e mais recente-mente anaacutelises teoacutericas Quais as consequecircncias pro-jetadas do desmatamento e quais as jaacute observadas

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores

Uma das maiores virtudes dos modelos climaacuteticos estaacute em sua capacidade de simular cenaacuterios distantes do momento presente Esse tipo de exerciacutecio natildeo eacute pre-ditivo no sentido fiacutesico mas onde a teoria fiacutesica ainda natildeo estiver disponiacutevel eacute o melhor conhecimento e a uacutenica ferramenta para analisar sistemas complexos e fazer extrapolaccedilotildees bem fundamentadas

Tais exerciacutecios de simulaccedilatildeo satildeo valiosos para situaccedilotildees especiacuteficas como explorar riscos climaacuteticos associados ao desmatamento No ambiente virtual como num si-mulador de voo eacute possiacutevel avaliar repetidamente ce-naacuterios de desastres esmiuccedilando os fatores atuantes as condiccedilotildees iniciais e as consequecircncias potenciais de manobras arriscadas

Em 1991 Carlos Nobre liderou um dos mais citados

estudos para simular o impacto no clima do desma-tamento total da floresta amazocircnica52 Usando um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera (GCM53) com um moacutedulo acoplado de representaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo (SiB54) os autores concluiacuteram que quando as florestas eram substituiacutedas por pasto degradado no modelo verificava-se um aumento significativo na temperatura meacutedia de superfiacutecie (cerca de 25degC) e uma diminuiccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo anual (reduccedilatildeo de 30) da pre-cipitaccedilatildeo (reduccedilatildeo de 25) e do escoamento superfi-cial (reduccedilatildeo de 20) Na simulaccedilatildeo ocorria tambeacutem um aumento da duraccedilatildeo da estaccedilatildeo seca na metade sul da bacia amazocircnica

Nas duas deacutecadas seguintes outros estudos avanccedila-ram no detalhamento e generalizaccedilatildeo dessas conclu-sotildees Deborah Lawrence e Karen Vandecar fizeram recentemente uma revisatildeo da literatura55 sobre os impactos do desmatamento tropical no clima e con-cluiacuteram que vaacuterios GCMs concordam em que o des-matamento em escala regional leva a um clima mais quente e seco sobre a aacuterea desmatada Os modelos que simulam o desmatamento completo da Amazocirc-nia preveem um clima com aquecimento na faixa de 01-38degC (meacutedia de 19degC) e reduccedilatildeo de chuvas na fai-xa de 140-640 mm ao ano (meacutedia de 324 miliacutemetrosano ou 10-15 de reduccedilatildeo)

Mas o desmatamento pode ter implicaccedilotildees muito mais

52 (Nobre C et al 1991) Amazonian Deforestation and Regional Climate Change53 Definiccedilatildeo de GCM por Lawrence e Vandecar (2014) ldquo satildeo modelos computacionais tridimensionais globais do sistema climaacutetico que operam em larga escala Os modelos mais recentes incluem representaccedilotildees

da atmosfera oceanos e da superfiacutecie da Terra [] e incorporam o ciclo hidroloacutegico e uma representaccedilatildeo expliacutecita [] da vegetaccedilatildeo e seus efeitos sobre os fluxos de energia e de aacutegua incluindo as transferecircncias radiativas e turbulentas e os controles fiacutesicos e bioloacutegicos da evapotranspiraccedilatildeordquo

54 (Sellers et al 1986) Simple Biosphere Model55 (Lawrence and Vandecar 2014) The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity natildeo publicado

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 21Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

modelos parecem tender a subestimar as consequecircn-cias negativas nos cenaacuterios simulados Os resultados de projeccedilotildees mais recentes incluindo os oceanos agra-vam o quadro e aumentam o alerta

A eliminaccedilatildeo da floresta ndash prin-cipal agente da condensaccedilatildeo continental ndash equivale a desligar o interruptor de uma bomba de umidade atmosfeacuterica

Mas eacute preciso tambeacutem con-siderar a teoria da bomba bioacutetica e sua previsatildeo de re-duccedilatildeo de chuvas Diferente-mente dos modelos numeacute-

ricos convencionais uma teoria fiacutesica constroacutei entendimento baseada exclusivamente em leis funda-mentais da natureza Se a teoria estiver correta torna possiacutevel prever quantitativamente efeitos fiacutesicos apenas com a anaacutelise dos cenaacuterios e de sua loacutegica funcional

Makarieva e Gorshkov preveem que o desmatamento completo da Amazocircnia reduziria a precipitaccedilatildeo primor-dialmente como resultado da dissipaccedilatildeo do efeito da baixa pressatildeo (succcedilatildeo) associado agrave condensaccedilatildeo que eacute conectada a uma reduccedilatildeo da evaporaccedilatildeo de superfiacute-cie Como a teoria da bomba bioacutetica tambeacutem credita a disponibilidade de vapor para a precipitaccedilatildeo na Ama-zocircnia como resultado dessa capacidade de transpirar a eliminaccedilatildeo total do principal agente da transpiraccedilatildeo levaria agrave cessaccedilatildeo completa do bombeamento bioacutetico

Esta teoria sugere que desligado o interruptor da bom-ba que puxa o ar uacutemido para o continente o fluxo de umidade deve mudar de direccedilatildeo quando a condensaccedilatildeo passar a ser relativamente maior sobre o oceano (mais

seacuterias Em 1997 German Poveda e Oscar Mesa56 propuse-ram o papel de ponte hidrometeoroloacutegica para a floresta amazocircnica ao conectar os dois grandes oceanos proacutexi-mos isto eacute sugerindo efeitos climaacuteticos cruzados entre os oceanos via atmosfera mediados pela floresta

Explorando com modelagem em direccedilatildeo similar mais recentemente Paulo Nobre57 e colaboradores estuda-ram o impacto do desmatamento na chuva amazocircni-ca tendo como referecircncia a inclusatildeo ou a exclusatildeo das respostas dos grandes oceanos aos cenaacuterios de des-matamento58 Comparando simulaccedilotildees feitas em um GCM atmosfeacuterico usual com um GCM acoplado a outro modelo que simula as condiccedilotildees internas dos oceanos (salinidade correntes etc) esses autores encontraram uma reduccedilatildeo consideravelmente maior na precipita-ccedilatildeo quando o GCM acoplado com o oceano foi rodado para um cenaacuterio de desmatamento total da Amazocircnia 42 de reduccedilatildeo da chuva contabilizando os mecanis-mos internos dos oceanos contra 26 de reduccedilatildeo da chuva sem considera-los Os oceanos sempre estive-ram presentes e a inclusatildeo das suas respostas internas daacute mais realismo agraves simulaccedilotildees

Jaacute existem comprovaccedilotildees de muito do que foi proje-tado pelos modelos como consequecircncia do desma-tamento especialmente a ampliaccedilatildeo da estaccedilatildeo seca Poreacutem esses experimentos virtuais indicavam um prolongamento da estaccedilatildeo seca apoacutes destruiccedilatildeo de 100 da floresta o que jaacute se observa com o corte raso de pouco menos de 19 da floresta Ou seja esses 56 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena57 (Nobre P et al 2009b) Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation58 Que utiliza apenas a seacuterie histoacuterica observada das temperaturas da superfiacutecie dos oceanos

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 22Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

E apontaram que essa re-duccedilatildeo de chuvas poderaacute ser bem maior do que o indicado pelo grupo de Spracklen63 Para a porccedilatildeo

mais desmatada da Amazocircnia jaacute se constata progres-sivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera significativo impacto no setor agriacutecola

Assim a discussatildeo sobre desmatamento passa longe de duacutevidas sobre seus evidentes efeitos diretos e indi-retos na reduccedilatildeo das chuvas e recai sobre a extensatildeo da aacuterea desmatada No periacuteodo 20112012 foram ldquoape-nasrdquo 4571 km2 desmatados na Amazocircnia brasileira Se comparado com taxas de desmatamento em anos de pico como 2004 (27772 km2) esse valor parece mo-desto O Brasil merece reconhecimento por haver lo-grado essa reduccedilatildeo A velocidade e a eficaacutecia atingidas na reduccedilatildeo recomendam essa estrateacutegia para zerar e reverter o desmatamento no Brasil e no mundo

A despeito da notiacutecia encorajadora essa taxa que pa-rece tatildeo pequena seria suficiente para desmatar aacuterea equivalente a toda a Costa Rica em meros dez anos Aleacutem disso reduccedilotildees nas taxas anuais atenuam a per-cepccedilatildeo momentacircnea de perda e mascaram o desmata-mento acumulado na Amazocircnia que eacute muito grave

No que diz respeito ao clima importa sobretudo a aacuterea total devastada e sua distribuiccedilatildeo espacial Compilando

localizado da chuva com o desmatamento estudos mais abrangentes simulaccedilotildees com modelos climaacuteticos e mesmo anaacutelises teoacutericas esclareceram o caraacuteter local e transitoacuterio desse efeito que depende basicamente da existecircncia de matas circundantes agrave aacuterea desmatada e da extensatildeo dessas matas O aumento de chuva converte-se em reduccedilatildeo tatildeo logo as florestas remanescentes fi-quem mais distantes que um certo limiar de aacuterea aberta Daiacute em diante haveraacute reduccedilatildeo das chuvas

Dados de sateacutelites para chuva e presenccedila de floresta mostra-ram reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos que passam sobre aacutereas desmatadas

O estudo de Spracklen e colaboradores62 com da-dos de sateacutelites para chu-va e presenccedila de floresta constatou que com o des-

matamento ocorre a reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos Em 60 das aacutereas tropicais o ar que passa sobre densas florestas produz pelo menos duas vezes mais chuva que o ar que passa sobre aacutereas desmatadas Apesar de ainda natildeo terem considerado o mecanismo e os efeitos da teoria da bomba bioacutetica esses autores de-monstraram com evidecircncias fortes que o impacto ne-gativo do desmatamento no clima natildeo eacute somente local mas pode afetar regiotildees proacuteximas e distantes

Aplicando os conceitos da bomba bioacutetica Makarieva e colaboradores colocaram os achados de Spracklen em perspectiva explicando quantitativamente quais os fatores fiacutesicos responsaacuteveis pela reduccedilatildeo nas chuvas a jusante dos ventos decorrentes do desmatamento

fraca que a bioacutetica a bomba oceacircnica de condensaccedilatildeo estaacute sempre ligada) o que levaria a aridez em terra59

Os modelos climaacuteticos usados para simular o desma-tamento ainda natildeo embutiram essa nova teoria fiacutesica portanto natildeo projetam esse efeito que poderia signi-ficar ateacute 100 de reduccedilatildeo nas chuvas

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo

O desmatamento real eacute imenso e seus efeitos sobre o clima satildeo bem documentados Estudos em torres micrometeoroloacutegicas mostram que a substituiccedilatildeo de floresta por pastagem leva como previsto pelos mo-delos a um aumento da temperatura de superfiacutecie e uma reduccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo60 Observaccedilotildees de sateacutelite mostram que durante a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspi-raccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas61

Observaccedilotildees mostram que duran-te a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspiraccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas

Dados similares tambeacutem indicam que a transpira-ccedilatildeo da floresta eacute bem maior do que aquela pres-crita pelos modelos o que explica em parte a subesti-

mativa dos modelos de larga escala no caso da reduccedilatildeo de precipitaccedilatildeo com o desmatamento Embora alguns estudos observacionais tenham revelado um aumento

Para a porccedilatildeo mais desmata-da da Amazocircnia jaacute se constata progressivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera signifi-cativo impacto no setor agriacutecola

59 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais60 Por exemplo (Gash et al 1996) Amazonian Deforestation and Climate (von Randow et al 2004) Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in southwest Amazonia61 (Huete et al 2006) Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought62 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests63 (Makarieva et al 2013) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 23Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Desmatamento acumulado 762979 km2

Esse valor eacute maior que a soma das aacutereas de trecircs estados de Satildeo Paulo ou que as aacutereas somadas de duas Alemanhas ou de dois Japotildees Uma unidade de aacuterea mais proacutexima do brasileiro o campo de futebol (4136 m2) daacute uma noccedilatildeo da magnitude da devastaccedilatildeo 184 milhotildees de unidades65 ndash quase um campo de futebol desmatado na Amazocircnia para cada brasileiro Colocado na perspectiva temporal teriam sido em meacutedia 12635 campos desmatados por dia 526 campos por hora 88 campos ndash ou 36291 m2 por minuto 605 m2 por segundo ininterruptamente nos uacuteltimos 40 anos Para caber na compreensatildeo o gigantismo destes nuacutemeros eacute preciso estender a imaginaccedilatildeo para aleacutem destas analogias Um trator ficcional operando uma lacircmina frontal com 3 m de largura precisaria acelerar quase agrave velocidade de um aviatildeo a jato (726 kmh) para desmatar a aacuterea raspada na Amazocircnia no ritmo registrado do espaccedilo em imagens Como um trator desmata mui-to mais lentamente (024 - 036 hah66 ou ~08 kmh se essa aacuterea estives-se contida em uma faixa com 3 m de largura) com a mesma lacircmina de 3 m seriam necessaacuterios mais de 900 tratores simultaneamente derrubando a floresta lado a lado formando uma frente destrutiva com quase 3 km de largura Uma comparaccedilatildeo ainda mais impressionante eacute uma ldquoestrada de desmatamentordquo com 2 km de largura que daria para cobrir a distacircncia da Terra ateacute a Lua (380 mil km)

estudos pioneiros com dados de sateacutelite Dioacutegenes Al-ves64 contabilizou ateacute 2004 um desmatamento total de 663 mil km2 Agregando-se os nuacutemeros mais recentes do projeto PRODES do INPE o desmatamento acumula-do total ateacute 2013 chega a 762979 km2

Pelo vieacutes do dano ao clima o que se tem na Amazocircnia eacute um passivo gigantesco de destruiccedilatildeo do oceano ver-de Natildeo haacute portanto qualquer motivo para comemo-rar as taxas relativamente mais baixas de corte raso dos uacuteltimos anos mesmo porque depois da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal (2011) com sua ampla anistia a desmatadores jaacute se observa uma niacutetida tendecircncia de aumento das taxas anuais

Na contabilidade do INPE o corte raso brasileiro (sem considerar os dos demais paiacuteses da bacia amazocircnica) chegou em 2012 a 1885 da aacuterea original de floresta67 Mas a destruiccedilatildeo natildeo eacute uniforme pois ocorre grande concentraccedilatildeo de corte raso no chamado Arco do Fogo ndash ou Arco do Desmatamento68 Se a vastidatildeo raspada jaacute eacute graviacutessima para o clima a situaccedilatildeo torna-se ainda pior ao se considerar o oceano verde ferido

A exploraccedilatildeo madeireira e o desmatamento gradual pro-duzem extensas aacutereas de florestas degradadas que rara-mente entram na contabilidade oficial da destruiccedilatildeo mas que a depreender das informaccedilotildees e estimativas dispo-niacuteveis podem ter impacto significativo sobre o clima

Dalton Valeriano liderou um estudo pioneiro sobre degradaccedilatildeo69 que encontrou no Estado do Mato Gros-so no periacuteodo de 2007 a 2010 ldquosomenterdquo 7856 km2 com corte raso mas outros 32926 km2 de florestas degradadas Somando corte raso com degradaccedilatildeo sobrou pouco do propriamente chamado Estado de Mato Grosso

No mesmo periacuteodo o INPE mapeou 64205 km2 de flo-resta degradada versus 39026 km2 de corte raso para a Amazocircnia brasileira Usando a proporccedilatildeo entre estas

64 (Alves 2007) Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon65 Aacuterea desmatada 762979 km2 0004136 km2 = 184472679 de campos de futebol66 (Viana 2012) Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento67 httpwwwdpiinpebrprodesdigitalprodesphp Lista (uma tabela) e Consolida (somatoacuterios para a unidade de aacuterea considerada)68 Porcentagem de aacuterea desmatada ateacute 2012 TO 75 MA 72 RO 41 MT 40 PA 22 e AC 1369 httpwwwobtinpebrprodesRelatorio_Prodes2008pdf

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 24Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aacutereas pode-se extrapolar a aacuterea de floresta degradada para toda a Amazocircnia brasileira Na estimativa ateacute 2013 a aacuterea total degradada pode ter alcanccedilado 1255100 km2 Somando com a aacuterea mensurada de corte raso o impacto cumulativo no bioma pela ocupaccedilatildeo humana pode ter atingido 2018079 km2

Dentre mais de 200 paiacuteses no mundo somente 13 tecircm aacuterea maior que essa Nesta contabilidade a degrada-ccedilatildeo de florestas na Amazocircnia brasileira pode haver chegado a 2944 da aacuterea original70 que somada ao desmatamento corte-raso sugere que ateacute 4734 da floresta tenha sido impactada diretamente por ativi-dade humana desestabilizadora do clima Para a Pan-Amazocircnia esse impacto agregado da Amazocircnia bra-sileira contabilizando desmatamento e estimando degradaccedilatildeo representa de 2668 a 290371 sobre a aacuterea original de floresta

Mas a aacuterea de impacto no sentido ecoloacutegico pode ser ainda maior porque florestas contiacuteguas a aacutereas de de-gradaccedilatildeo ou corte raso sofrem direta e indiretamente os efeitos das mudanccedilas ambientais vizinhas (biogeo-fiacutesicas e biogeoquiacutemicas)72

No processo de degradaccedilatildeo a destruiccedilatildeo do dossel frequentemente superior a 60 da cobertura73 muda as caracteriacutesticas estruturais ecoloacutegicas e fisioloacutegicas da floresta comprometendo suas capacidades am-bientais

70 Caacutelculo utilizando a mensuraccedilatildeo de Espiacuterito-Santo et al (2014) para a floresta remanescente na Amazocircnia brasileira [3500000 km2] acrescida da aacuterea acumulada do desmatamento [762979 km2] chegando a 4262979 km2 de florestas originais na Amazocircnia brasileira

71 Impacto usando aacuterea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Espiacuterito-Santo et al (2014) com 7562979 km2 e em Eva et al (2005) com 6943468 km2

72 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon73 (Valeriano et al 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD e QUEIMADAS 2007-200874 University of Maryland Global Forest Cover

Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 ateacute 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Ameacuterica do Sul74

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 15: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 16Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

observaccedilotildees e os resultados de modelos ponderei so-bre a pergunta em voga agrave eacutepoca com o aquecimento global iraacute a floresta uacutemida na Amazocircnia secar e morrer

Ao longo de milhares27 ou provavelmente milhotildees de anos28 a floresta tropical da Ameacuterica do Sul evoluiu sua biota luxuriante sem sinais de ter sido desligada por even-tos climaacuteticos extremos como aridez ou congelamento No mesmo espaccedilo de tempo no entanto eacute improvaacutevel que o impacto do clima externo ao continente tenha permanecido benigno especialmente considerando as interferecircncias coacutesmicas e sua conhecida relaccedilatildeo com mudanccedilas climaacuteticas profundas em escala planetaacuteria29

Em face da adversidade climaacutetica externa como este magniacutefico bioma conseguiu resistir agrave extinccedilatildeo Hoje haacute linhas suficientes de evidecircncias de que a biosfera natildeo soacute pode resistir mas na verdade pode alterar modular e ateacute regular seu proacuteprio ambiente30

As florestas tropicais da Ameacute-rica do Sul estatildeo entre os mais densos diversos e complexos biomas terrestres no planeta Do mecanismo de chuvas no oceano verde pode-se ima-ginar como essas florestas

Amazocircnia coraccedilatildeo do mundo

Como podemos entender a circulaccedilatildeo da aacutegua pela paisagem A aacutegua irriga e drena os solos de forma anaacuteloga ao sangue que irriga e drena os tecidos do corpo Se os familiares rios satildeo anaacutelogos agraves veias que dre-nam a aacutegua usada e a retornam para a origem no oceano onde ficam as arteacuterias do sistema natural Satildeo os rios aeacutereos que trazem a aacutegua fresca renovada na evaporaccedilatildeo do oceano Para completar o sistema circulatoacuterio faltava somente o coraccedilatildeo a bomba que impulsiona os fluxos nas arteacuterias aeacutereas A teoria da bomba bioacutetica veio explicar que a potecircncia que propele os ventos canalizados nos rios aeacutereos deve ser atribuiacuteda agrave grande floresta que funciona entatildeo como coraccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico

poderiam regular o clima Controlar a precipitaccedilatildeo signi-fica tambeacutem controlar a convecccedilatildeo o que por sua vez significa interferir com uma poderosa correia transporta-dora de massa e energia a circulaccedilatildeo de Hadley31 Atra-veacutes da regulaccedilatildeo de chuvas a biologia poderia definir o ritmo dos ventos aliacutesios do Atlacircntico arrastando a neces-saacuteria umidade do oceano para o interior do continente

Na mesma eacutepoca Victor Gorshkov e Anastassia Maka-rieva aprofundando sua teoria sobre a regulaccedilatildeo bioacute-tica do ambiente32 examinavam os mecanismos que ligam a transpiraccedilatildeo das plantas com efeitos fiacutesicos na atmosfera Das surpreendentes descobertas desta anaacutelise eles desenvolveram a teoria da bomba bioacutetica de umidade33 revelando fisicamente como processos de transpiraccedilatildeo e condensaccedilatildeo mediados e manipula-dos pelas aacutervores mudam a pressatildeo e dinacircmica atmos-feacutericas resultando em maior suprimento de umidade do oceano para o interior de continentes florestados

Makarieva e colaboradores descobriram que a conden-saccedilatildeo do vapor drsquoaacutegua na atmosfera gera uma reduccedilatildeo localizada de pressatildeo e produz potencia dinacircmica que acelera os ventos ao longo do resultante gradiente de pressatildeo 34 O ponto crucial da teoria eacute que contrastes na evaporaccedilatildeo da superfiacutecie ndash casada com a determinante condensaccedilatildeo nas nuvens ndash muito mais que contrastes

na temperatura de superfiacutecie determinam a direccedilatildeo e a intensidade dos ventos trazedores de chuva

Assim uma regiatildeo florestada que evapora tanta ou mais aacutegua que uma superfiacutecie oceacircnica contiacutegua ndash e que teraacute muito mais condensaccedilatildeo na produccedilatildeo de chu-vas ndash iraacute sugar do mar para a terra as correntezas de ar carregadas de umidade onde ascenderatildeo o que traraacute chuvas para a aacuterea florestada Ao contraacuterio se a floresta for removida o continente teraacute muito menos evapora-ccedilatildeo do que o oceano contiacuteguo ndash com a consequente reduccedilatildeo na condensaccedilatildeo ndash o que determinaraacute uma re-versatildeo nos fluxos de umidade que iratildeo da terra para o mar 35 criando um deserto onde antes havia floresta

Entre as previsotildees baseadas na teoria da bomba bioacute-tica feitas por Makarieva e Gorshkov estava a de que as secas nas florestas nativas seriam contrapostas por transpiraccedilatildeo vigorosa das aacutervores Ora essa previsatildeo contrariava o senso comum pois qualquer pessoa sabe que basta deixar um vaso com plantas sem re-gar por alguns dias para que as plantas murchem e

27 (Baker et al 2001) The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years28 (Hooghiemstra et al 2002) Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary29 (Berger and Yin 2012) Astronomical Theory and Orbital Forcing30 (Foley and Costa 2003) Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate (Gorshkov et al 2004) Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction

(Pielke and Avissar 1998) Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate31 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena32 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change33 (Makarieva and Gorshkov 2007) Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land34 (Makarieva et al 2013) Where do winds come from35 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais

Uma regiatildeo florestada onde ocorre muito mais conden-saccedilatildeo em nuvens do que em superfiacutecie oceacircnica contiacutegua iraacute sugar para a terra os ven-tos do mar que carregados de umidade traratildeo chuvas para a aacuterea florestada

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 17Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

continuar a importar aacutegua pela atmosfera ndash contra-pondo a seca ndash e garantir a continuidade da floresta A teoria da bomba bioacutetica vem ganhando aceitaccedilatildeo37 e jaacute tem comprovaccedilatildeo observacional38

14) Rios aeacutereos aacutegua fresca pelas arteacuterias suspensas

Um mapa-muacutendi revela interessantes arranjos e sime-trias na distribuiccedilatildeo de florestas e desertos ao redor do globo com trecircs cinturotildees chamando a atenccedilatildeo um de florestas ao redor da linha do Equador e outros dois de desertos ao redor dos troacutepicos de Cacircncer e Capri-coacuternio Tal geografia de paisagens contrastantes tem explicaccedilatildeo conhecida a circulaccedilatildeo de Hadley39

Pela influecircncia da circulaccedilatildeo de Hadley a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul tenderia agrave aridez

Haacute maior incidecircncia solar na zona equatorial e portanto ocorre ali devido a efeitos fiacutesi-cos uma maior ascensatildeo de ar

que se resfria e faz chover favorecendo florestas O ar que subiu e perdeu umidade precisa ir para algum lugar des-locando-se em altitude nos dois hemisfeacuterios na direccedilatildeo dos subtroacutepicos Esse ar seco quando desce e se aquece remove umidade da superfiacutecie favorecendo desertos

Mas existem exceccedilotildees e a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul eacute uma delas Pela influecircncia da circula-ccedilatildeo de Hadley essa regiatildeo tenderia agrave aridez Basta ver o deserto de Atacama no outro lado dos Andes ou os

ateacute morram Contrariava tambeacutem o conhecimento de ecofisiologistas segundo o qual quando para de cho-ver e a aacutegua no solo diminui as plantas fecham logo seus estocircmatos e deixam de transpirar para econo-mizar aacutegua Ao mesmo tempo essa previsatildeo fornece uma pista para um antigo enigma ecofisioloacutegico por-que a fotossiacutentese evoluiu para ser ldquoesbanjadorardquo de vapor drsquoaacutegua Surpreendentemente entretanto Scott Saleska e colaboradores publicaram na revista cientiacutefi-ca Science36 observaccedilotildees que corroboravam a correccedilatildeo da previsatildeo teoacuterica de Makarieva e Gorshkov

Durante o pico da seca de 2005 as partes mais atingidas da Amazocircnia foram as que mais ldquoverdejaramrdquo isto eacute na zona onde choveu menos (conforme registro do sateacutelite TRMM) brotaram mais folhas novas nas copas das aacutervores (conforme foi visto pelo sensor MODIS no sateacutelite Terra)

As conclusotildees desse estudo a partir de imagens de sateacutelite jaacute contavam com apoio de mediccedilotildees em terra das torres de fluxo do projeto LBA que haviam consta-tado o fato de natildeo ocorrer uma reduccedilatildeo de transpira-ccedilatildeo das aacutervores nas eacutepocas secas Em outras palavras parece que quando a seca chega as aacutervores com raiacute-zes profundas (e acesso a grande quantidade de aacutegua subterracircnea) executam um programa para manter ou aumentar a transpiraccedilatildeo Assim com o fluxo de vapor da transpiraccedilatildeo na superfiacutecie ndash e a correspondente condensaccedilatildeo nas nuvens ndash manteacutem-se a succcedilatildeo do ar uacutemido sobre os oceanos proacuteximos o que significa

36 (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought37 Por exemplo (Sheil and Murdiyarso 2009) How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis38 (Poveda et al 2014) Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers39 Ceacutelula de Hadley

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 18Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

circulaccedilatildeo que liga os ventos aliacutesios carregados de umidade do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonal-mente para a parte meridional

da Ameacuterica do Sul foi descrita por Joseacute Marengo e cola-boradores43 Embora eles tenham chamado esse trans-porte de jatos de baixos niacuteveis o conceito eacute muito similar ao dos rios atmosfeacutericos Segundo sua explicaccedilatildeo fun-ciona na Ameacuterica do Sul um sistema de monccedilotildees seme-lhante ao da Aacutesia e devido ao efeito da floresta (geisers da floresta) e tambeacutem da cordilheira dos Andes (uma barreira de 6 km de altura) o persistente ar uacutemido ama-zocircnico faz a curva no Acre e durante o veratildeo leva quan-tidades generosas de vapor drsquoaacutegua para o quadrilaacutetero afortunado contrariando sua tendecircncia para a aridez

Recentemente Josefina Arraut44 e colaboradores fi-zeram uma revisatildeo climatoloacutegica dos rios aeacutereos da Ameacuterica do Sul estimando o transporte de vapor as-sociado e introduzindo um novo conceito ldquolagos aeacute-reosrdquo ou seja regiatildeo de remanso atmosfeacuterico com um estoque de vapor precipitaacutevel

Com o conceito de rios aeacutereos estabelecido e tornan-do-se popular Dominick Spracklen45 e colaboradores desenvolveram uma nova abordagem ao correlacionar a superfiacutecie coberta por vegetaccedilatildeo agrave exposiccedilatildeo de uma

Salati e colaboradores comparando as assinaturas quiacute-micas40 entre o fluxo de entrada de vapor oceacircnico no grande anfiteatro amazocircnico com as correspondentes assinaturas da aacutegua de escoamento que retorna ao oceano pelo rio Amazonas perceberam que parte sig-nificativa da aacutegua que entrava como vapor no canal aeacutereo natildeo retornava pelo canal terrestre41

Daiacute concluiacuteram que a Amazocircnia devia estar exportan-do esse vapor para outras regiotildees do continente e irri-gando outras bacias hidrograacuteficas que natildeo a do Ama-zonas Anaacutelises preliminares feitas agrave eacutepoca nas aacuteguas de chuva coletadas na cidade do Rio de Janeiro de-tectaram sinais de que parte dela vinha do interior do continente natildeo do oceano contiacuteguo E mais especifi-camente que havia passado pela Amazocircnia Esse gru-po foi o primeiro a sugerir que chuvas na Ameacuterica do Sul fora da Amazocircnia poderiam ser alimentadas pelo transporte continental de vapor

O conceito de rios atmosfeacutericos foi introduzido em 1992 por Reginald Newell e Nicholas Newell42 para descre-ver fluxos filamentares na baixa atmosfera capazes de transportar grandes quantidades de aacutegua como vapor tipicamente em volumes superiores ao transportado pelo rio Amazonas (que tem vazatildeo de 200 milhotildees de litros por segundo ndash ou 17 bilhotildees de toneladas ao dia)

Quase trecircs deacutecadas depois dos achados de Salati a

Rios Voadores contando uma bela histoacuteria

Em 2006 contemplando a floresta amazocircnica do alto de uma torre de estudo do projeto LBA trocamos com o aviador Gerard Moss as primei-ras ideias que levaram ao projeto de aventura pesquisa divulgaccedilatildeo e educaccedilatildeo ambiental Rios Voadores42 Com financiamento da Petrobras e a participaccedilatildeo de Eneacuteas Salati o pioneiro dos estudos sobre reciclagem de umidade na Amazocircnia aleacutem de outros cientistas de renome Moss perseguiu por anos os rios de vapor com seu aviatildeo monomotor coletan-do numerosas amostras para estudo e capturando a atenccedilatildeo luacutedica das pessoas na aventura que criou Fez tambeacutem um trabalho extraordinaacuterio de educaccedilatildeo ambiental nas escolas e pela Web postando frequente-mente em redes sociais as trajetoacuterias dos rios voadores e mostrando como estes levam aacutegua para as pessoas O resultado mais valioso desse projeto foi sua capacidade de tocar o lado emocional das pessoas atraveacutes do estiacutemulo luacutedico da aventura da ciecircncia engajada conectan-do-as ao sentimento de estima pelo ambiente pela aacutegua e pela floresta

desertos de Namiacutebia e Kalahari na Aacutefrica e o deserto da Austraacutelia Todos alinhados latitudinalmente com a afortunada aacuterea verde responsaacutevel por 70 do PIB do continente no quadrilaacutetero delimitado por Cuiabaacute ao Norte Satildeo Paulo a Leste Buenos Aires ao Sul e a cor-dilheira dos Andes a Oeste

As escolas ensinam que a aacutegua evapora do mar ldquovairdquo para os continentes cai como chuva eacute coletada nos rios de superfiacutecie e retorna ao mar Ao fazer a ligaccedilatildeo entre evaporaccedilatildeo da aacutegua no mar com seu tracircnsito em terra esse conceito simploacuterio do ciclo hidroloacutegico natildeo estaacute errado mas natildeo explica quase nada Por exemplo por que existem desertos ou por que o vapor mariacutetimo adentra os continentes de forma heterogecircnea

Rios aeacutereos ligam os ventos aliacutesios carregados de umida-de do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonalmente para a parte meridional da Ameacuterica do Sul

40 Definidas pelo uso de traccediladores que portam assinaturas isotoacutepicas Diz-se que satildeo isoacutetopos dois ou mais aacutetomos com o mesmo numero de proacutetons mas com massas diferentes Uma analogia boa eacute pensar em gecircmeos com caracteriacutesticas idecircnticas exceto peso Assinatura isotoacutepica eacute a relaccedilatildeo numeacuterica entre a imensa multidatildeo de ldquogecircmeosrdquo atocircmicos em um material ou substancia A aacutegua pode conter variada combinaccedilatildeo de gecircmeos de oxigecircnio (16O e 18O) e hidrogecircnio (1H 2H) gerando moleacuteculas de aacutegua com pesos distintos A proporccedilatildeo destes gecircmeos atocircmicos que ocorre na aacutegua do mar por exemplo se altera com a evaporaccedilatildeo (flutuam primeiro os mais leves) e tambeacutem com a chuva (precipitam primeiro os mais pesados) Assim ao analisar a assinatura isotoacutepica de uma amostra de aacutegua ou vapor pode-se saber de onde ela veio se do oceano ou da floresta

41 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study (Matsui et al 1976) Isotopic hydrology in the Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 18O concentrations42 (Newell and Newell 1992) Tropospheric Rivers - A Pilot Study43 (Marengo et al 2004) Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalysis Characteristics and temporal variability44 (Arraut et al 2012) Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America45 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 19Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Eventos extremos a vida buscando equiliacutebrio

Com o aquecimento global ocorre maior acuacutemulo de energia na at-mosfera o que aumenta a probabilidade de ocorrecircncias de fenocircmenos climaacuteticos mais intensos A natureza desta tendecircncia foi prevista haacute deacutecadas pelos meteorologistas Mas a maior intensidade e frequecircncia dessas ocorrecircncias estaacute sendo observada deacutecadas antes do previsto Algum fator na complexidade do clima deve explicar a aceleraccedilatildeo dos efeitos O registro geoloacutegico mostra que climas extremos jaacute ocorreram na histoacuteria da Terra muito antes da humanidade surgir Mas ao contraacuterio do que seria de se esperar depois dos cataclismos todas as evidecircncias apontam sempre para uma resiliente recuperaccedilatildeo estabilizadora ate-nuando os extremos Sistemas puramente geofiacutesicos natildeo teriam essa capacidade Somente a vida e seus processos de auto-regulaccedilatildeo ofere-cem explicaccedilatildeo satisfatoacuteria para a histoacuteria climaacutetica da Terra49

parcela de ar num rio aeacutereo (medida pelo iacutendice cumu-lativo de aacuterea foliar ao longo da trajetoacuteria) com chuva a jusante na trajetoacuteria daquela mesma parcela Ou seja um rio aeacutereo conecta regiotildees doadoras de umidade com outras receptoras de umidade Daiacute a importacircncia crucial das florestas a montante constatou-se que a Amazocircnia eacute de fato a cabeceira dos mananciais aeacutereos da maior parte das chuvas na Ameacuterica do Sul

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos

Makarieva e Gorshkov46 introduziram uma nova definiccedilatildeo fiacutesica para furacotildees ciclones ou tornados ldquo satildeo implosotildees (explosotildees em reverso) que se passam em cacircmera lenta decorrentes do desaparecimento volumeacutetrico de vapor drsquoaacutegua na atmosfera por condensaccedilatildeordquo47 Paulo Nobre

apresentou-lhes entatildeo um problema ldquoA questatildeo que se coloca eacute entender por que os furacotildees natildeo se desenvol-vem sobre as florestas tropicais como na Amazocircnia onde o fornecimento de vapor de aacutegua pela floresta e sua ex-tinccedilatildeo na forma de chuva tropical eacute tatildeo abundanterdquo 48

Respondendo Makarieva e Gorshkov demonstraram teoricamente como uma grande aacuterea terrestre co-berta por floresta natildeo per-

mite a formaccedilatildeo de furacotildees e outros padrotildees climaacuteticos anocircmalos incluindo secas e enchentes Em sua explica-ccedilatildeo a fricccedilatildeo turbulenta local com o dossel da floresta -que transpira ativamente o que resulta em chuvas uni-formes sobre grandes aacutereas- e a traccedilatildeo do vento pela bomba bioacutetica em distacircncias maiores diminui muito a chance de organizaccedilatildeo de tormentas como tornados ou furacotildees As trajetoacuterias registradas dos furacotildees compro-vam o ambiente ameno nas regiotildees cobertas por flores-tas extensas e aacutereas oceacircnicas proacuteximas50 Ou seja aleacutem de todos os outros serviccedilos da floresta ao clima ela ainda oferece um seguro contra destrutivos eventos atmosfeacute-ricos atenuando a concentraccedilatildeo de energia nos ventos

Outras funccedilotildees claacutessicas das florestas na regulaccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico em terra satildeo bem conhecidas como o favorecimento da recarga de aquiacuteferos e a atenua-ccedilatildeo de enchentes51 entre muitas outras

Entre os serviccedilos que a floresta presta ao clima estaacute um segu-ro contra eventos atmosfeacutericos destrutivos atenuando a concen-traccedilatildeo da energia nos ventos

46 (Makarieva et al 2008) On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine47 De acordo com os autores ldquoThe driving force of all hurricane processes is a rapid release as in compressed spring of potential energy previously accumulated in the form of saturated water vapor in the atmospheric column

during a prolonged period of water vapor evaporation under the action of the absorbed solar radiationrdquo (Makarieva et al 2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient48 (Nobre P 2009a) Peer Review Question Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo49 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment50 Storm Track mapa registrando todas as trajetoacuterias observadas de furacotildees mostrando que a regiotildees equatoriais das florestas e suas imediaccedilotildees oceacircnicas satildeo livres destes fenocircmenos51 httpwwwipefbrhidrologiamataciliarasp

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 20Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito

Em vista dos efeitos extensivos e elaborados das flo-restas sobre o clima demonstrados pela ciecircncia que resultados esperar da sua devastaccedilatildeo Para avaliar os impactos do desmatamento no clima vem sendo fei-to um nuacutemero crescente de experimentos de campo e modelagem estudos observacionais e mais recente-mente anaacutelises teoacutericas Quais as consequecircncias pro-jetadas do desmatamento e quais as jaacute observadas

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores

Uma das maiores virtudes dos modelos climaacuteticos estaacute em sua capacidade de simular cenaacuterios distantes do momento presente Esse tipo de exerciacutecio natildeo eacute pre-ditivo no sentido fiacutesico mas onde a teoria fiacutesica ainda natildeo estiver disponiacutevel eacute o melhor conhecimento e a uacutenica ferramenta para analisar sistemas complexos e fazer extrapolaccedilotildees bem fundamentadas

Tais exerciacutecios de simulaccedilatildeo satildeo valiosos para situaccedilotildees especiacuteficas como explorar riscos climaacuteticos associados ao desmatamento No ambiente virtual como num si-mulador de voo eacute possiacutevel avaliar repetidamente ce-naacuterios de desastres esmiuccedilando os fatores atuantes as condiccedilotildees iniciais e as consequecircncias potenciais de manobras arriscadas

Em 1991 Carlos Nobre liderou um dos mais citados

estudos para simular o impacto no clima do desma-tamento total da floresta amazocircnica52 Usando um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera (GCM53) com um moacutedulo acoplado de representaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo (SiB54) os autores concluiacuteram que quando as florestas eram substituiacutedas por pasto degradado no modelo verificava-se um aumento significativo na temperatura meacutedia de superfiacutecie (cerca de 25degC) e uma diminuiccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo anual (reduccedilatildeo de 30) da pre-cipitaccedilatildeo (reduccedilatildeo de 25) e do escoamento superfi-cial (reduccedilatildeo de 20) Na simulaccedilatildeo ocorria tambeacutem um aumento da duraccedilatildeo da estaccedilatildeo seca na metade sul da bacia amazocircnica

Nas duas deacutecadas seguintes outros estudos avanccedila-ram no detalhamento e generalizaccedilatildeo dessas conclu-sotildees Deborah Lawrence e Karen Vandecar fizeram recentemente uma revisatildeo da literatura55 sobre os impactos do desmatamento tropical no clima e con-cluiacuteram que vaacuterios GCMs concordam em que o des-matamento em escala regional leva a um clima mais quente e seco sobre a aacuterea desmatada Os modelos que simulam o desmatamento completo da Amazocirc-nia preveem um clima com aquecimento na faixa de 01-38degC (meacutedia de 19degC) e reduccedilatildeo de chuvas na fai-xa de 140-640 mm ao ano (meacutedia de 324 miliacutemetrosano ou 10-15 de reduccedilatildeo)

Mas o desmatamento pode ter implicaccedilotildees muito mais

52 (Nobre C et al 1991) Amazonian Deforestation and Regional Climate Change53 Definiccedilatildeo de GCM por Lawrence e Vandecar (2014) ldquo satildeo modelos computacionais tridimensionais globais do sistema climaacutetico que operam em larga escala Os modelos mais recentes incluem representaccedilotildees

da atmosfera oceanos e da superfiacutecie da Terra [] e incorporam o ciclo hidroloacutegico e uma representaccedilatildeo expliacutecita [] da vegetaccedilatildeo e seus efeitos sobre os fluxos de energia e de aacutegua incluindo as transferecircncias radiativas e turbulentas e os controles fiacutesicos e bioloacutegicos da evapotranspiraccedilatildeordquo

54 (Sellers et al 1986) Simple Biosphere Model55 (Lawrence and Vandecar 2014) The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity natildeo publicado

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 21Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

modelos parecem tender a subestimar as consequecircn-cias negativas nos cenaacuterios simulados Os resultados de projeccedilotildees mais recentes incluindo os oceanos agra-vam o quadro e aumentam o alerta

A eliminaccedilatildeo da floresta ndash prin-cipal agente da condensaccedilatildeo continental ndash equivale a desligar o interruptor de uma bomba de umidade atmosfeacuterica

Mas eacute preciso tambeacutem con-siderar a teoria da bomba bioacutetica e sua previsatildeo de re-duccedilatildeo de chuvas Diferente-mente dos modelos numeacute-

ricos convencionais uma teoria fiacutesica constroacutei entendimento baseada exclusivamente em leis funda-mentais da natureza Se a teoria estiver correta torna possiacutevel prever quantitativamente efeitos fiacutesicos apenas com a anaacutelise dos cenaacuterios e de sua loacutegica funcional

Makarieva e Gorshkov preveem que o desmatamento completo da Amazocircnia reduziria a precipitaccedilatildeo primor-dialmente como resultado da dissipaccedilatildeo do efeito da baixa pressatildeo (succcedilatildeo) associado agrave condensaccedilatildeo que eacute conectada a uma reduccedilatildeo da evaporaccedilatildeo de superfiacute-cie Como a teoria da bomba bioacutetica tambeacutem credita a disponibilidade de vapor para a precipitaccedilatildeo na Ama-zocircnia como resultado dessa capacidade de transpirar a eliminaccedilatildeo total do principal agente da transpiraccedilatildeo levaria agrave cessaccedilatildeo completa do bombeamento bioacutetico

Esta teoria sugere que desligado o interruptor da bom-ba que puxa o ar uacutemido para o continente o fluxo de umidade deve mudar de direccedilatildeo quando a condensaccedilatildeo passar a ser relativamente maior sobre o oceano (mais

seacuterias Em 1997 German Poveda e Oscar Mesa56 propuse-ram o papel de ponte hidrometeoroloacutegica para a floresta amazocircnica ao conectar os dois grandes oceanos proacutexi-mos isto eacute sugerindo efeitos climaacuteticos cruzados entre os oceanos via atmosfera mediados pela floresta

Explorando com modelagem em direccedilatildeo similar mais recentemente Paulo Nobre57 e colaboradores estuda-ram o impacto do desmatamento na chuva amazocircni-ca tendo como referecircncia a inclusatildeo ou a exclusatildeo das respostas dos grandes oceanos aos cenaacuterios de des-matamento58 Comparando simulaccedilotildees feitas em um GCM atmosfeacuterico usual com um GCM acoplado a outro modelo que simula as condiccedilotildees internas dos oceanos (salinidade correntes etc) esses autores encontraram uma reduccedilatildeo consideravelmente maior na precipita-ccedilatildeo quando o GCM acoplado com o oceano foi rodado para um cenaacuterio de desmatamento total da Amazocircnia 42 de reduccedilatildeo da chuva contabilizando os mecanis-mos internos dos oceanos contra 26 de reduccedilatildeo da chuva sem considera-los Os oceanos sempre estive-ram presentes e a inclusatildeo das suas respostas internas daacute mais realismo agraves simulaccedilotildees

Jaacute existem comprovaccedilotildees de muito do que foi proje-tado pelos modelos como consequecircncia do desma-tamento especialmente a ampliaccedilatildeo da estaccedilatildeo seca Poreacutem esses experimentos virtuais indicavam um prolongamento da estaccedilatildeo seca apoacutes destruiccedilatildeo de 100 da floresta o que jaacute se observa com o corte raso de pouco menos de 19 da floresta Ou seja esses 56 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena57 (Nobre P et al 2009b) Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation58 Que utiliza apenas a seacuterie histoacuterica observada das temperaturas da superfiacutecie dos oceanos

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 22Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

E apontaram que essa re-duccedilatildeo de chuvas poderaacute ser bem maior do que o indicado pelo grupo de Spracklen63 Para a porccedilatildeo

mais desmatada da Amazocircnia jaacute se constata progres-sivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera significativo impacto no setor agriacutecola

Assim a discussatildeo sobre desmatamento passa longe de duacutevidas sobre seus evidentes efeitos diretos e indi-retos na reduccedilatildeo das chuvas e recai sobre a extensatildeo da aacuterea desmatada No periacuteodo 20112012 foram ldquoape-nasrdquo 4571 km2 desmatados na Amazocircnia brasileira Se comparado com taxas de desmatamento em anos de pico como 2004 (27772 km2) esse valor parece mo-desto O Brasil merece reconhecimento por haver lo-grado essa reduccedilatildeo A velocidade e a eficaacutecia atingidas na reduccedilatildeo recomendam essa estrateacutegia para zerar e reverter o desmatamento no Brasil e no mundo

A despeito da notiacutecia encorajadora essa taxa que pa-rece tatildeo pequena seria suficiente para desmatar aacuterea equivalente a toda a Costa Rica em meros dez anos Aleacutem disso reduccedilotildees nas taxas anuais atenuam a per-cepccedilatildeo momentacircnea de perda e mascaram o desmata-mento acumulado na Amazocircnia que eacute muito grave

No que diz respeito ao clima importa sobretudo a aacuterea total devastada e sua distribuiccedilatildeo espacial Compilando

localizado da chuva com o desmatamento estudos mais abrangentes simulaccedilotildees com modelos climaacuteticos e mesmo anaacutelises teoacutericas esclareceram o caraacuteter local e transitoacuterio desse efeito que depende basicamente da existecircncia de matas circundantes agrave aacuterea desmatada e da extensatildeo dessas matas O aumento de chuva converte-se em reduccedilatildeo tatildeo logo as florestas remanescentes fi-quem mais distantes que um certo limiar de aacuterea aberta Daiacute em diante haveraacute reduccedilatildeo das chuvas

Dados de sateacutelites para chuva e presenccedila de floresta mostra-ram reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos que passam sobre aacutereas desmatadas

O estudo de Spracklen e colaboradores62 com da-dos de sateacutelites para chu-va e presenccedila de floresta constatou que com o des-

matamento ocorre a reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos Em 60 das aacutereas tropicais o ar que passa sobre densas florestas produz pelo menos duas vezes mais chuva que o ar que passa sobre aacutereas desmatadas Apesar de ainda natildeo terem considerado o mecanismo e os efeitos da teoria da bomba bioacutetica esses autores de-monstraram com evidecircncias fortes que o impacto ne-gativo do desmatamento no clima natildeo eacute somente local mas pode afetar regiotildees proacuteximas e distantes

Aplicando os conceitos da bomba bioacutetica Makarieva e colaboradores colocaram os achados de Spracklen em perspectiva explicando quantitativamente quais os fatores fiacutesicos responsaacuteveis pela reduccedilatildeo nas chuvas a jusante dos ventos decorrentes do desmatamento

fraca que a bioacutetica a bomba oceacircnica de condensaccedilatildeo estaacute sempre ligada) o que levaria a aridez em terra59

Os modelos climaacuteticos usados para simular o desma-tamento ainda natildeo embutiram essa nova teoria fiacutesica portanto natildeo projetam esse efeito que poderia signi-ficar ateacute 100 de reduccedilatildeo nas chuvas

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo

O desmatamento real eacute imenso e seus efeitos sobre o clima satildeo bem documentados Estudos em torres micrometeoroloacutegicas mostram que a substituiccedilatildeo de floresta por pastagem leva como previsto pelos mo-delos a um aumento da temperatura de superfiacutecie e uma reduccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo60 Observaccedilotildees de sateacutelite mostram que durante a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspi-raccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas61

Observaccedilotildees mostram que duran-te a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspiraccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas

Dados similares tambeacutem indicam que a transpira-ccedilatildeo da floresta eacute bem maior do que aquela pres-crita pelos modelos o que explica em parte a subesti-

mativa dos modelos de larga escala no caso da reduccedilatildeo de precipitaccedilatildeo com o desmatamento Embora alguns estudos observacionais tenham revelado um aumento

Para a porccedilatildeo mais desmata-da da Amazocircnia jaacute se constata progressivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera signifi-cativo impacto no setor agriacutecola

59 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais60 Por exemplo (Gash et al 1996) Amazonian Deforestation and Climate (von Randow et al 2004) Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in southwest Amazonia61 (Huete et al 2006) Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought62 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests63 (Makarieva et al 2013) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 23Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Desmatamento acumulado 762979 km2

Esse valor eacute maior que a soma das aacutereas de trecircs estados de Satildeo Paulo ou que as aacutereas somadas de duas Alemanhas ou de dois Japotildees Uma unidade de aacuterea mais proacutexima do brasileiro o campo de futebol (4136 m2) daacute uma noccedilatildeo da magnitude da devastaccedilatildeo 184 milhotildees de unidades65 ndash quase um campo de futebol desmatado na Amazocircnia para cada brasileiro Colocado na perspectiva temporal teriam sido em meacutedia 12635 campos desmatados por dia 526 campos por hora 88 campos ndash ou 36291 m2 por minuto 605 m2 por segundo ininterruptamente nos uacuteltimos 40 anos Para caber na compreensatildeo o gigantismo destes nuacutemeros eacute preciso estender a imaginaccedilatildeo para aleacutem destas analogias Um trator ficcional operando uma lacircmina frontal com 3 m de largura precisaria acelerar quase agrave velocidade de um aviatildeo a jato (726 kmh) para desmatar a aacuterea raspada na Amazocircnia no ritmo registrado do espaccedilo em imagens Como um trator desmata mui-to mais lentamente (024 - 036 hah66 ou ~08 kmh se essa aacuterea estives-se contida em uma faixa com 3 m de largura) com a mesma lacircmina de 3 m seriam necessaacuterios mais de 900 tratores simultaneamente derrubando a floresta lado a lado formando uma frente destrutiva com quase 3 km de largura Uma comparaccedilatildeo ainda mais impressionante eacute uma ldquoestrada de desmatamentordquo com 2 km de largura que daria para cobrir a distacircncia da Terra ateacute a Lua (380 mil km)

estudos pioneiros com dados de sateacutelite Dioacutegenes Al-ves64 contabilizou ateacute 2004 um desmatamento total de 663 mil km2 Agregando-se os nuacutemeros mais recentes do projeto PRODES do INPE o desmatamento acumula-do total ateacute 2013 chega a 762979 km2

Pelo vieacutes do dano ao clima o que se tem na Amazocircnia eacute um passivo gigantesco de destruiccedilatildeo do oceano ver-de Natildeo haacute portanto qualquer motivo para comemo-rar as taxas relativamente mais baixas de corte raso dos uacuteltimos anos mesmo porque depois da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal (2011) com sua ampla anistia a desmatadores jaacute se observa uma niacutetida tendecircncia de aumento das taxas anuais

Na contabilidade do INPE o corte raso brasileiro (sem considerar os dos demais paiacuteses da bacia amazocircnica) chegou em 2012 a 1885 da aacuterea original de floresta67 Mas a destruiccedilatildeo natildeo eacute uniforme pois ocorre grande concentraccedilatildeo de corte raso no chamado Arco do Fogo ndash ou Arco do Desmatamento68 Se a vastidatildeo raspada jaacute eacute graviacutessima para o clima a situaccedilatildeo torna-se ainda pior ao se considerar o oceano verde ferido

A exploraccedilatildeo madeireira e o desmatamento gradual pro-duzem extensas aacutereas de florestas degradadas que rara-mente entram na contabilidade oficial da destruiccedilatildeo mas que a depreender das informaccedilotildees e estimativas dispo-niacuteveis podem ter impacto significativo sobre o clima

Dalton Valeriano liderou um estudo pioneiro sobre degradaccedilatildeo69 que encontrou no Estado do Mato Gros-so no periacuteodo de 2007 a 2010 ldquosomenterdquo 7856 km2 com corte raso mas outros 32926 km2 de florestas degradadas Somando corte raso com degradaccedilatildeo sobrou pouco do propriamente chamado Estado de Mato Grosso

No mesmo periacuteodo o INPE mapeou 64205 km2 de flo-resta degradada versus 39026 km2 de corte raso para a Amazocircnia brasileira Usando a proporccedilatildeo entre estas

64 (Alves 2007) Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon65 Aacuterea desmatada 762979 km2 0004136 km2 = 184472679 de campos de futebol66 (Viana 2012) Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento67 httpwwwdpiinpebrprodesdigitalprodesphp Lista (uma tabela) e Consolida (somatoacuterios para a unidade de aacuterea considerada)68 Porcentagem de aacuterea desmatada ateacute 2012 TO 75 MA 72 RO 41 MT 40 PA 22 e AC 1369 httpwwwobtinpebrprodesRelatorio_Prodes2008pdf

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 24Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aacutereas pode-se extrapolar a aacuterea de floresta degradada para toda a Amazocircnia brasileira Na estimativa ateacute 2013 a aacuterea total degradada pode ter alcanccedilado 1255100 km2 Somando com a aacuterea mensurada de corte raso o impacto cumulativo no bioma pela ocupaccedilatildeo humana pode ter atingido 2018079 km2

Dentre mais de 200 paiacuteses no mundo somente 13 tecircm aacuterea maior que essa Nesta contabilidade a degrada-ccedilatildeo de florestas na Amazocircnia brasileira pode haver chegado a 2944 da aacuterea original70 que somada ao desmatamento corte-raso sugere que ateacute 4734 da floresta tenha sido impactada diretamente por ativi-dade humana desestabilizadora do clima Para a Pan-Amazocircnia esse impacto agregado da Amazocircnia bra-sileira contabilizando desmatamento e estimando degradaccedilatildeo representa de 2668 a 290371 sobre a aacuterea original de floresta

Mas a aacuterea de impacto no sentido ecoloacutegico pode ser ainda maior porque florestas contiacuteguas a aacutereas de de-gradaccedilatildeo ou corte raso sofrem direta e indiretamente os efeitos das mudanccedilas ambientais vizinhas (biogeo-fiacutesicas e biogeoquiacutemicas)72

No processo de degradaccedilatildeo a destruiccedilatildeo do dossel frequentemente superior a 60 da cobertura73 muda as caracteriacutesticas estruturais ecoloacutegicas e fisioloacutegicas da floresta comprometendo suas capacidades am-bientais

70 Caacutelculo utilizando a mensuraccedilatildeo de Espiacuterito-Santo et al (2014) para a floresta remanescente na Amazocircnia brasileira [3500000 km2] acrescida da aacuterea acumulada do desmatamento [762979 km2] chegando a 4262979 km2 de florestas originais na Amazocircnia brasileira

71 Impacto usando aacuterea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Espiacuterito-Santo et al (2014) com 7562979 km2 e em Eva et al (2005) com 6943468 km2

72 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon73 (Valeriano et al 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD e QUEIMADAS 2007-200874 University of Maryland Global Forest Cover

Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 ateacute 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Ameacuterica do Sul74

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 16: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 17Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

continuar a importar aacutegua pela atmosfera ndash contra-pondo a seca ndash e garantir a continuidade da floresta A teoria da bomba bioacutetica vem ganhando aceitaccedilatildeo37 e jaacute tem comprovaccedilatildeo observacional38

14) Rios aeacutereos aacutegua fresca pelas arteacuterias suspensas

Um mapa-muacutendi revela interessantes arranjos e sime-trias na distribuiccedilatildeo de florestas e desertos ao redor do globo com trecircs cinturotildees chamando a atenccedilatildeo um de florestas ao redor da linha do Equador e outros dois de desertos ao redor dos troacutepicos de Cacircncer e Capri-coacuternio Tal geografia de paisagens contrastantes tem explicaccedilatildeo conhecida a circulaccedilatildeo de Hadley39

Pela influecircncia da circulaccedilatildeo de Hadley a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul tenderia agrave aridez

Haacute maior incidecircncia solar na zona equatorial e portanto ocorre ali devido a efeitos fiacutesi-cos uma maior ascensatildeo de ar

que se resfria e faz chover favorecendo florestas O ar que subiu e perdeu umidade precisa ir para algum lugar des-locando-se em altitude nos dois hemisfeacuterios na direccedilatildeo dos subtroacutepicos Esse ar seco quando desce e se aquece remove umidade da superfiacutecie favorecendo desertos

Mas existem exceccedilotildees e a parte centro-meridional da Ameacuterica do Sul eacute uma delas Pela influecircncia da circula-ccedilatildeo de Hadley essa regiatildeo tenderia agrave aridez Basta ver o deserto de Atacama no outro lado dos Andes ou os

ateacute morram Contrariava tambeacutem o conhecimento de ecofisiologistas segundo o qual quando para de cho-ver e a aacutegua no solo diminui as plantas fecham logo seus estocircmatos e deixam de transpirar para econo-mizar aacutegua Ao mesmo tempo essa previsatildeo fornece uma pista para um antigo enigma ecofisioloacutegico por-que a fotossiacutentese evoluiu para ser ldquoesbanjadorardquo de vapor drsquoaacutegua Surpreendentemente entretanto Scott Saleska e colaboradores publicaram na revista cientiacutefi-ca Science36 observaccedilotildees que corroboravam a correccedilatildeo da previsatildeo teoacuterica de Makarieva e Gorshkov

Durante o pico da seca de 2005 as partes mais atingidas da Amazocircnia foram as que mais ldquoverdejaramrdquo isto eacute na zona onde choveu menos (conforme registro do sateacutelite TRMM) brotaram mais folhas novas nas copas das aacutervores (conforme foi visto pelo sensor MODIS no sateacutelite Terra)

As conclusotildees desse estudo a partir de imagens de sateacutelite jaacute contavam com apoio de mediccedilotildees em terra das torres de fluxo do projeto LBA que haviam consta-tado o fato de natildeo ocorrer uma reduccedilatildeo de transpira-ccedilatildeo das aacutervores nas eacutepocas secas Em outras palavras parece que quando a seca chega as aacutervores com raiacute-zes profundas (e acesso a grande quantidade de aacutegua subterracircnea) executam um programa para manter ou aumentar a transpiraccedilatildeo Assim com o fluxo de vapor da transpiraccedilatildeo na superfiacutecie ndash e a correspondente condensaccedilatildeo nas nuvens ndash manteacutem-se a succcedilatildeo do ar uacutemido sobre os oceanos proacuteximos o que significa

36 (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought37 Por exemplo (Sheil and Murdiyarso 2009) How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis38 (Poveda et al 2014) Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers39 Ceacutelula de Hadley

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 18Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

circulaccedilatildeo que liga os ventos aliacutesios carregados de umidade do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonal-mente para a parte meridional

da Ameacuterica do Sul foi descrita por Joseacute Marengo e cola-boradores43 Embora eles tenham chamado esse trans-porte de jatos de baixos niacuteveis o conceito eacute muito similar ao dos rios atmosfeacutericos Segundo sua explicaccedilatildeo fun-ciona na Ameacuterica do Sul um sistema de monccedilotildees seme-lhante ao da Aacutesia e devido ao efeito da floresta (geisers da floresta) e tambeacutem da cordilheira dos Andes (uma barreira de 6 km de altura) o persistente ar uacutemido ama-zocircnico faz a curva no Acre e durante o veratildeo leva quan-tidades generosas de vapor drsquoaacutegua para o quadrilaacutetero afortunado contrariando sua tendecircncia para a aridez

Recentemente Josefina Arraut44 e colaboradores fi-zeram uma revisatildeo climatoloacutegica dos rios aeacutereos da Ameacuterica do Sul estimando o transporte de vapor as-sociado e introduzindo um novo conceito ldquolagos aeacute-reosrdquo ou seja regiatildeo de remanso atmosfeacuterico com um estoque de vapor precipitaacutevel

Com o conceito de rios aeacutereos estabelecido e tornan-do-se popular Dominick Spracklen45 e colaboradores desenvolveram uma nova abordagem ao correlacionar a superfiacutecie coberta por vegetaccedilatildeo agrave exposiccedilatildeo de uma

Salati e colaboradores comparando as assinaturas quiacute-micas40 entre o fluxo de entrada de vapor oceacircnico no grande anfiteatro amazocircnico com as correspondentes assinaturas da aacutegua de escoamento que retorna ao oceano pelo rio Amazonas perceberam que parte sig-nificativa da aacutegua que entrava como vapor no canal aeacutereo natildeo retornava pelo canal terrestre41

Daiacute concluiacuteram que a Amazocircnia devia estar exportan-do esse vapor para outras regiotildees do continente e irri-gando outras bacias hidrograacuteficas que natildeo a do Ama-zonas Anaacutelises preliminares feitas agrave eacutepoca nas aacuteguas de chuva coletadas na cidade do Rio de Janeiro de-tectaram sinais de que parte dela vinha do interior do continente natildeo do oceano contiacuteguo E mais especifi-camente que havia passado pela Amazocircnia Esse gru-po foi o primeiro a sugerir que chuvas na Ameacuterica do Sul fora da Amazocircnia poderiam ser alimentadas pelo transporte continental de vapor

O conceito de rios atmosfeacutericos foi introduzido em 1992 por Reginald Newell e Nicholas Newell42 para descre-ver fluxos filamentares na baixa atmosfera capazes de transportar grandes quantidades de aacutegua como vapor tipicamente em volumes superiores ao transportado pelo rio Amazonas (que tem vazatildeo de 200 milhotildees de litros por segundo ndash ou 17 bilhotildees de toneladas ao dia)

Quase trecircs deacutecadas depois dos achados de Salati a

Rios Voadores contando uma bela histoacuteria

Em 2006 contemplando a floresta amazocircnica do alto de uma torre de estudo do projeto LBA trocamos com o aviador Gerard Moss as primei-ras ideias que levaram ao projeto de aventura pesquisa divulgaccedilatildeo e educaccedilatildeo ambiental Rios Voadores42 Com financiamento da Petrobras e a participaccedilatildeo de Eneacuteas Salati o pioneiro dos estudos sobre reciclagem de umidade na Amazocircnia aleacutem de outros cientistas de renome Moss perseguiu por anos os rios de vapor com seu aviatildeo monomotor coletan-do numerosas amostras para estudo e capturando a atenccedilatildeo luacutedica das pessoas na aventura que criou Fez tambeacutem um trabalho extraordinaacuterio de educaccedilatildeo ambiental nas escolas e pela Web postando frequente-mente em redes sociais as trajetoacuterias dos rios voadores e mostrando como estes levam aacutegua para as pessoas O resultado mais valioso desse projeto foi sua capacidade de tocar o lado emocional das pessoas atraveacutes do estiacutemulo luacutedico da aventura da ciecircncia engajada conectan-do-as ao sentimento de estima pelo ambiente pela aacutegua e pela floresta

desertos de Namiacutebia e Kalahari na Aacutefrica e o deserto da Austraacutelia Todos alinhados latitudinalmente com a afortunada aacuterea verde responsaacutevel por 70 do PIB do continente no quadrilaacutetero delimitado por Cuiabaacute ao Norte Satildeo Paulo a Leste Buenos Aires ao Sul e a cor-dilheira dos Andes a Oeste

As escolas ensinam que a aacutegua evapora do mar ldquovairdquo para os continentes cai como chuva eacute coletada nos rios de superfiacutecie e retorna ao mar Ao fazer a ligaccedilatildeo entre evaporaccedilatildeo da aacutegua no mar com seu tracircnsito em terra esse conceito simploacuterio do ciclo hidroloacutegico natildeo estaacute errado mas natildeo explica quase nada Por exemplo por que existem desertos ou por que o vapor mariacutetimo adentra os continentes de forma heterogecircnea

Rios aeacutereos ligam os ventos aliacutesios carregados de umida-de do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonalmente para a parte meridional da Ameacuterica do Sul

40 Definidas pelo uso de traccediladores que portam assinaturas isotoacutepicas Diz-se que satildeo isoacutetopos dois ou mais aacutetomos com o mesmo numero de proacutetons mas com massas diferentes Uma analogia boa eacute pensar em gecircmeos com caracteriacutesticas idecircnticas exceto peso Assinatura isotoacutepica eacute a relaccedilatildeo numeacuterica entre a imensa multidatildeo de ldquogecircmeosrdquo atocircmicos em um material ou substancia A aacutegua pode conter variada combinaccedilatildeo de gecircmeos de oxigecircnio (16O e 18O) e hidrogecircnio (1H 2H) gerando moleacuteculas de aacutegua com pesos distintos A proporccedilatildeo destes gecircmeos atocircmicos que ocorre na aacutegua do mar por exemplo se altera com a evaporaccedilatildeo (flutuam primeiro os mais leves) e tambeacutem com a chuva (precipitam primeiro os mais pesados) Assim ao analisar a assinatura isotoacutepica de uma amostra de aacutegua ou vapor pode-se saber de onde ela veio se do oceano ou da floresta

41 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study (Matsui et al 1976) Isotopic hydrology in the Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 18O concentrations42 (Newell and Newell 1992) Tropospheric Rivers - A Pilot Study43 (Marengo et al 2004) Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalysis Characteristics and temporal variability44 (Arraut et al 2012) Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America45 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 19Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Eventos extremos a vida buscando equiliacutebrio

Com o aquecimento global ocorre maior acuacutemulo de energia na at-mosfera o que aumenta a probabilidade de ocorrecircncias de fenocircmenos climaacuteticos mais intensos A natureza desta tendecircncia foi prevista haacute deacutecadas pelos meteorologistas Mas a maior intensidade e frequecircncia dessas ocorrecircncias estaacute sendo observada deacutecadas antes do previsto Algum fator na complexidade do clima deve explicar a aceleraccedilatildeo dos efeitos O registro geoloacutegico mostra que climas extremos jaacute ocorreram na histoacuteria da Terra muito antes da humanidade surgir Mas ao contraacuterio do que seria de se esperar depois dos cataclismos todas as evidecircncias apontam sempre para uma resiliente recuperaccedilatildeo estabilizadora ate-nuando os extremos Sistemas puramente geofiacutesicos natildeo teriam essa capacidade Somente a vida e seus processos de auto-regulaccedilatildeo ofere-cem explicaccedilatildeo satisfatoacuteria para a histoacuteria climaacutetica da Terra49

parcela de ar num rio aeacutereo (medida pelo iacutendice cumu-lativo de aacuterea foliar ao longo da trajetoacuteria) com chuva a jusante na trajetoacuteria daquela mesma parcela Ou seja um rio aeacutereo conecta regiotildees doadoras de umidade com outras receptoras de umidade Daiacute a importacircncia crucial das florestas a montante constatou-se que a Amazocircnia eacute de fato a cabeceira dos mananciais aeacutereos da maior parte das chuvas na Ameacuterica do Sul

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos

Makarieva e Gorshkov46 introduziram uma nova definiccedilatildeo fiacutesica para furacotildees ciclones ou tornados ldquo satildeo implosotildees (explosotildees em reverso) que se passam em cacircmera lenta decorrentes do desaparecimento volumeacutetrico de vapor drsquoaacutegua na atmosfera por condensaccedilatildeordquo47 Paulo Nobre

apresentou-lhes entatildeo um problema ldquoA questatildeo que se coloca eacute entender por que os furacotildees natildeo se desenvol-vem sobre as florestas tropicais como na Amazocircnia onde o fornecimento de vapor de aacutegua pela floresta e sua ex-tinccedilatildeo na forma de chuva tropical eacute tatildeo abundanterdquo 48

Respondendo Makarieva e Gorshkov demonstraram teoricamente como uma grande aacuterea terrestre co-berta por floresta natildeo per-

mite a formaccedilatildeo de furacotildees e outros padrotildees climaacuteticos anocircmalos incluindo secas e enchentes Em sua explica-ccedilatildeo a fricccedilatildeo turbulenta local com o dossel da floresta -que transpira ativamente o que resulta em chuvas uni-formes sobre grandes aacutereas- e a traccedilatildeo do vento pela bomba bioacutetica em distacircncias maiores diminui muito a chance de organizaccedilatildeo de tormentas como tornados ou furacotildees As trajetoacuterias registradas dos furacotildees compro-vam o ambiente ameno nas regiotildees cobertas por flores-tas extensas e aacutereas oceacircnicas proacuteximas50 Ou seja aleacutem de todos os outros serviccedilos da floresta ao clima ela ainda oferece um seguro contra destrutivos eventos atmosfeacute-ricos atenuando a concentraccedilatildeo de energia nos ventos

Outras funccedilotildees claacutessicas das florestas na regulaccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico em terra satildeo bem conhecidas como o favorecimento da recarga de aquiacuteferos e a atenua-ccedilatildeo de enchentes51 entre muitas outras

Entre os serviccedilos que a floresta presta ao clima estaacute um segu-ro contra eventos atmosfeacutericos destrutivos atenuando a concen-traccedilatildeo da energia nos ventos

46 (Makarieva et al 2008) On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine47 De acordo com os autores ldquoThe driving force of all hurricane processes is a rapid release as in compressed spring of potential energy previously accumulated in the form of saturated water vapor in the atmospheric column

during a prolonged period of water vapor evaporation under the action of the absorbed solar radiationrdquo (Makarieva et al 2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient48 (Nobre P 2009a) Peer Review Question Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo49 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment50 Storm Track mapa registrando todas as trajetoacuterias observadas de furacotildees mostrando que a regiotildees equatoriais das florestas e suas imediaccedilotildees oceacircnicas satildeo livres destes fenocircmenos51 httpwwwipefbrhidrologiamataciliarasp

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 20Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito

Em vista dos efeitos extensivos e elaborados das flo-restas sobre o clima demonstrados pela ciecircncia que resultados esperar da sua devastaccedilatildeo Para avaliar os impactos do desmatamento no clima vem sendo fei-to um nuacutemero crescente de experimentos de campo e modelagem estudos observacionais e mais recente-mente anaacutelises teoacutericas Quais as consequecircncias pro-jetadas do desmatamento e quais as jaacute observadas

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores

Uma das maiores virtudes dos modelos climaacuteticos estaacute em sua capacidade de simular cenaacuterios distantes do momento presente Esse tipo de exerciacutecio natildeo eacute pre-ditivo no sentido fiacutesico mas onde a teoria fiacutesica ainda natildeo estiver disponiacutevel eacute o melhor conhecimento e a uacutenica ferramenta para analisar sistemas complexos e fazer extrapolaccedilotildees bem fundamentadas

Tais exerciacutecios de simulaccedilatildeo satildeo valiosos para situaccedilotildees especiacuteficas como explorar riscos climaacuteticos associados ao desmatamento No ambiente virtual como num si-mulador de voo eacute possiacutevel avaliar repetidamente ce-naacuterios de desastres esmiuccedilando os fatores atuantes as condiccedilotildees iniciais e as consequecircncias potenciais de manobras arriscadas

Em 1991 Carlos Nobre liderou um dos mais citados

estudos para simular o impacto no clima do desma-tamento total da floresta amazocircnica52 Usando um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera (GCM53) com um moacutedulo acoplado de representaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo (SiB54) os autores concluiacuteram que quando as florestas eram substituiacutedas por pasto degradado no modelo verificava-se um aumento significativo na temperatura meacutedia de superfiacutecie (cerca de 25degC) e uma diminuiccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo anual (reduccedilatildeo de 30) da pre-cipitaccedilatildeo (reduccedilatildeo de 25) e do escoamento superfi-cial (reduccedilatildeo de 20) Na simulaccedilatildeo ocorria tambeacutem um aumento da duraccedilatildeo da estaccedilatildeo seca na metade sul da bacia amazocircnica

Nas duas deacutecadas seguintes outros estudos avanccedila-ram no detalhamento e generalizaccedilatildeo dessas conclu-sotildees Deborah Lawrence e Karen Vandecar fizeram recentemente uma revisatildeo da literatura55 sobre os impactos do desmatamento tropical no clima e con-cluiacuteram que vaacuterios GCMs concordam em que o des-matamento em escala regional leva a um clima mais quente e seco sobre a aacuterea desmatada Os modelos que simulam o desmatamento completo da Amazocirc-nia preveem um clima com aquecimento na faixa de 01-38degC (meacutedia de 19degC) e reduccedilatildeo de chuvas na fai-xa de 140-640 mm ao ano (meacutedia de 324 miliacutemetrosano ou 10-15 de reduccedilatildeo)

Mas o desmatamento pode ter implicaccedilotildees muito mais

52 (Nobre C et al 1991) Amazonian Deforestation and Regional Climate Change53 Definiccedilatildeo de GCM por Lawrence e Vandecar (2014) ldquo satildeo modelos computacionais tridimensionais globais do sistema climaacutetico que operam em larga escala Os modelos mais recentes incluem representaccedilotildees

da atmosfera oceanos e da superfiacutecie da Terra [] e incorporam o ciclo hidroloacutegico e uma representaccedilatildeo expliacutecita [] da vegetaccedilatildeo e seus efeitos sobre os fluxos de energia e de aacutegua incluindo as transferecircncias radiativas e turbulentas e os controles fiacutesicos e bioloacutegicos da evapotranspiraccedilatildeordquo

54 (Sellers et al 1986) Simple Biosphere Model55 (Lawrence and Vandecar 2014) The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity natildeo publicado

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 21Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

modelos parecem tender a subestimar as consequecircn-cias negativas nos cenaacuterios simulados Os resultados de projeccedilotildees mais recentes incluindo os oceanos agra-vam o quadro e aumentam o alerta

A eliminaccedilatildeo da floresta ndash prin-cipal agente da condensaccedilatildeo continental ndash equivale a desligar o interruptor de uma bomba de umidade atmosfeacuterica

Mas eacute preciso tambeacutem con-siderar a teoria da bomba bioacutetica e sua previsatildeo de re-duccedilatildeo de chuvas Diferente-mente dos modelos numeacute-

ricos convencionais uma teoria fiacutesica constroacutei entendimento baseada exclusivamente em leis funda-mentais da natureza Se a teoria estiver correta torna possiacutevel prever quantitativamente efeitos fiacutesicos apenas com a anaacutelise dos cenaacuterios e de sua loacutegica funcional

Makarieva e Gorshkov preveem que o desmatamento completo da Amazocircnia reduziria a precipitaccedilatildeo primor-dialmente como resultado da dissipaccedilatildeo do efeito da baixa pressatildeo (succcedilatildeo) associado agrave condensaccedilatildeo que eacute conectada a uma reduccedilatildeo da evaporaccedilatildeo de superfiacute-cie Como a teoria da bomba bioacutetica tambeacutem credita a disponibilidade de vapor para a precipitaccedilatildeo na Ama-zocircnia como resultado dessa capacidade de transpirar a eliminaccedilatildeo total do principal agente da transpiraccedilatildeo levaria agrave cessaccedilatildeo completa do bombeamento bioacutetico

Esta teoria sugere que desligado o interruptor da bom-ba que puxa o ar uacutemido para o continente o fluxo de umidade deve mudar de direccedilatildeo quando a condensaccedilatildeo passar a ser relativamente maior sobre o oceano (mais

seacuterias Em 1997 German Poveda e Oscar Mesa56 propuse-ram o papel de ponte hidrometeoroloacutegica para a floresta amazocircnica ao conectar os dois grandes oceanos proacutexi-mos isto eacute sugerindo efeitos climaacuteticos cruzados entre os oceanos via atmosfera mediados pela floresta

Explorando com modelagem em direccedilatildeo similar mais recentemente Paulo Nobre57 e colaboradores estuda-ram o impacto do desmatamento na chuva amazocircni-ca tendo como referecircncia a inclusatildeo ou a exclusatildeo das respostas dos grandes oceanos aos cenaacuterios de des-matamento58 Comparando simulaccedilotildees feitas em um GCM atmosfeacuterico usual com um GCM acoplado a outro modelo que simula as condiccedilotildees internas dos oceanos (salinidade correntes etc) esses autores encontraram uma reduccedilatildeo consideravelmente maior na precipita-ccedilatildeo quando o GCM acoplado com o oceano foi rodado para um cenaacuterio de desmatamento total da Amazocircnia 42 de reduccedilatildeo da chuva contabilizando os mecanis-mos internos dos oceanos contra 26 de reduccedilatildeo da chuva sem considera-los Os oceanos sempre estive-ram presentes e a inclusatildeo das suas respostas internas daacute mais realismo agraves simulaccedilotildees

Jaacute existem comprovaccedilotildees de muito do que foi proje-tado pelos modelos como consequecircncia do desma-tamento especialmente a ampliaccedilatildeo da estaccedilatildeo seca Poreacutem esses experimentos virtuais indicavam um prolongamento da estaccedilatildeo seca apoacutes destruiccedilatildeo de 100 da floresta o que jaacute se observa com o corte raso de pouco menos de 19 da floresta Ou seja esses 56 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena57 (Nobre P et al 2009b) Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation58 Que utiliza apenas a seacuterie histoacuterica observada das temperaturas da superfiacutecie dos oceanos

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 22Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

E apontaram que essa re-duccedilatildeo de chuvas poderaacute ser bem maior do que o indicado pelo grupo de Spracklen63 Para a porccedilatildeo

mais desmatada da Amazocircnia jaacute se constata progres-sivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera significativo impacto no setor agriacutecola

Assim a discussatildeo sobre desmatamento passa longe de duacutevidas sobre seus evidentes efeitos diretos e indi-retos na reduccedilatildeo das chuvas e recai sobre a extensatildeo da aacuterea desmatada No periacuteodo 20112012 foram ldquoape-nasrdquo 4571 km2 desmatados na Amazocircnia brasileira Se comparado com taxas de desmatamento em anos de pico como 2004 (27772 km2) esse valor parece mo-desto O Brasil merece reconhecimento por haver lo-grado essa reduccedilatildeo A velocidade e a eficaacutecia atingidas na reduccedilatildeo recomendam essa estrateacutegia para zerar e reverter o desmatamento no Brasil e no mundo

A despeito da notiacutecia encorajadora essa taxa que pa-rece tatildeo pequena seria suficiente para desmatar aacuterea equivalente a toda a Costa Rica em meros dez anos Aleacutem disso reduccedilotildees nas taxas anuais atenuam a per-cepccedilatildeo momentacircnea de perda e mascaram o desmata-mento acumulado na Amazocircnia que eacute muito grave

No que diz respeito ao clima importa sobretudo a aacuterea total devastada e sua distribuiccedilatildeo espacial Compilando

localizado da chuva com o desmatamento estudos mais abrangentes simulaccedilotildees com modelos climaacuteticos e mesmo anaacutelises teoacutericas esclareceram o caraacuteter local e transitoacuterio desse efeito que depende basicamente da existecircncia de matas circundantes agrave aacuterea desmatada e da extensatildeo dessas matas O aumento de chuva converte-se em reduccedilatildeo tatildeo logo as florestas remanescentes fi-quem mais distantes que um certo limiar de aacuterea aberta Daiacute em diante haveraacute reduccedilatildeo das chuvas

Dados de sateacutelites para chuva e presenccedila de floresta mostra-ram reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos que passam sobre aacutereas desmatadas

O estudo de Spracklen e colaboradores62 com da-dos de sateacutelites para chu-va e presenccedila de floresta constatou que com o des-

matamento ocorre a reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos Em 60 das aacutereas tropicais o ar que passa sobre densas florestas produz pelo menos duas vezes mais chuva que o ar que passa sobre aacutereas desmatadas Apesar de ainda natildeo terem considerado o mecanismo e os efeitos da teoria da bomba bioacutetica esses autores de-monstraram com evidecircncias fortes que o impacto ne-gativo do desmatamento no clima natildeo eacute somente local mas pode afetar regiotildees proacuteximas e distantes

Aplicando os conceitos da bomba bioacutetica Makarieva e colaboradores colocaram os achados de Spracklen em perspectiva explicando quantitativamente quais os fatores fiacutesicos responsaacuteveis pela reduccedilatildeo nas chuvas a jusante dos ventos decorrentes do desmatamento

fraca que a bioacutetica a bomba oceacircnica de condensaccedilatildeo estaacute sempre ligada) o que levaria a aridez em terra59

Os modelos climaacuteticos usados para simular o desma-tamento ainda natildeo embutiram essa nova teoria fiacutesica portanto natildeo projetam esse efeito que poderia signi-ficar ateacute 100 de reduccedilatildeo nas chuvas

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo

O desmatamento real eacute imenso e seus efeitos sobre o clima satildeo bem documentados Estudos em torres micrometeoroloacutegicas mostram que a substituiccedilatildeo de floresta por pastagem leva como previsto pelos mo-delos a um aumento da temperatura de superfiacutecie e uma reduccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo60 Observaccedilotildees de sateacutelite mostram que durante a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspi-raccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas61

Observaccedilotildees mostram que duran-te a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspiraccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas

Dados similares tambeacutem indicam que a transpira-ccedilatildeo da floresta eacute bem maior do que aquela pres-crita pelos modelos o que explica em parte a subesti-

mativa dos modelos de larga escala no caso da reduccedilatildeo de precipitaccedilatildeo com o desmatamento Embora alguns estudos observacionais tenham revelado um aumento

Para a porccedilatildeo mais desmata-da da Amazocircnia jaacute se constata progressivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera signifi-cativo impacto no setor agriacutecola

59 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais60 Por exemplo (Gash et al 1996) Amazonian Deforestation and Climate (von Randow et al 2004) Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in southwest Amazonia61 (Huete et al 2006) Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought62 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests63 (Makarieva et al 2013) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 23Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Desmatamento acumulado 762979 km2

Esse valor eacute maior que a soma das aacutereas de trecircs estados de Satildeo Paulo ou que as aacutereas somadas de duas Alemanhas ou de dois Japotildees Uma unidade de aacuterea mais proacutexima do brasileiro o campo de futebol (4136 m2) daacute uma noccedilatildeo da magnitude da devastaccedilatildeo 184 milhotildees de unidades65 ndash quase um campo de futebol desmatado na Amazocircnia para cada brasileiro Colocado na perspectiva temporal teriam sido em meacutedia 12635 campos desmatados por dia 526 campos por hora 88 campos ndash ou 36291 m2 por minuto 605 m2 por segundo ininterruptamente nos uacuteltimos 40 anos Para caber na compreensatildeo o gigantismo destes nuacutemeros eacute preciso estender a imaginaccedilatildeo para aleacutem destas analogias Um trator ficcional operando uma lacircmina frontal com 3 m de largura precisaria acelerar quase agrave velocidade de um aviatildeo a jato (726 kmh) para desmatar a aacuterea raspada na Amazocircnia no ritmo registrado do espaccedilo em imagens Como um trator desmata mui-to mais lentamente (024 - 036 hah66 ou ~08 kmh se essa aacuterea estives-se contida em uma faixa com 3 m de largura) com a mesma lacircmina de 3 m seriam necessaacuterios mais de 900 tratores simultaneamente derrubando a floresta lado a lado formando uma frente destrutiva com quase 3 km de largura Uma comparaccedilatildeo ainda mais impressionante eacute uma ldquoestrada de desmatamentordquo com 2 km de largura que daria para cobrir a distacircncia da Terra ateacute a Lua (380 mil km)

estudos pioneiros com dados de sateacutelite Dioacutegenes Al-ves64 contabilizou ateacute 2004 um desmatamento total de 663 mil km2 Agregando-se os nuacutemeros mais recentes do projeto PRODES do INPE o desmatamento acumula-do total ateacute 2013 chega a 762979 km2

Pelo vieacutes do dano ao clima o que se tem na Amazocircnia eacute um passivo gigantesco de destruiccedilatildeo do oceano ver-de Natildeo haacute portanto qualquer motivo para comemo-rar as taxas relativamente mais baixas de corte raso dos uacuteltimos anos mesmo porque depois da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal (2011) com sua ampla anistia a desmatadores jaacute se observa uma niacutetida tendecircncia de aumento das taxas anuais

Na contabilidade do INPE o corte raso brasileiro (sem considerar os dos demais paiacuteses da bacia amazocircnica) chegou em 2012 a 1885 da aacuterea original de floresta67 Mas a destruiccedilatildeo natildeo eacute uniforme pois ocorre grande concentraccedilatildeo de corte raso no chamado Arco do Fogo ndash ou Arco do Desmatamento68 Se a vastidatildeo raspada jaacute eacute graviacutessima para o clima a situaccedilatildeo torna-se ainda pior ao se considerar o oceano verde ferido

A exploraccedilatildeo madeireira e o desmatamento gradual pro-duzem extensas aacutereas de florestas degradadas que rara-mente entram na contabilidade oficial da destruiccedilatildeo mas que a depreender das informaccedilotildees e estimativas dispo-niacuteveis podem ter impacto significativo sobre o clima

Dalton Valeriano liderou um estudo pioneiro sobre degradaccedilatildeo69 que encontrou no Estado do Mato Gros-so no periacuteodo de 2007 a 2010 ldquosomenterdquo 7856 km2 com corte raso mas outros 32926 km2 de florestas degradadas Somando corte raso com degradaccedilatildeo sobrou pouco do propriamente chamado Estado de Mato Grosso

No mesmo periacuteodo o INPE mapeou 64205 km2 de flo-resta degradada versus 39026 km2 de corte raso para a Amazocircnia brasileira Usando a proporccedilatildeo entre estas

64 (Alves 2007) Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon65 Aacuterea desmatada 762979 km2 0004136 km2 = 184472679 de campos de futebol66 (Viana 2012) Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento67 httpwwwdpiinpebrprodesdigitalprodesphp Lista (uma tabela) e Consolida (somatoacuterios para a unidade de aacuterea considerada)68 Porcentagem de aacuterea desmatada ateacute 2012 TO 75 MA 72 RO 41 MT 40 PA 22 e AC 1369 httpwwwobtinpebrprodesRelatorio_Prodes2008pdf

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 24Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aacutereas pode-se extrapolar a aacuterea de floresta degradada para toda a Amazocircnia brasileira Na estimativa ateacute 2013 a aacuterea total degradada pode ter alcanccedilado 1255100 km2 Somando com a aacuterea mensurada de corte raso o impacto cumulativo no bioma pela ocupaccedilatildeo humana pode ter atingido 2018079 km2

Dentre mais de 200 paiacuteses no mundo somente 13 tecircm aacuterea maior que essa Nesta contabilidade a degrada-ccedilatildeo de florestas na Amazocircnia brasileira pode haver chegado a 2944 da aacuterea original70 que somada ao desmatamento corte-raso sugere que ateacute 4734 da floresta tenha sido impactada diretamente por ativi-dade humana desestabilizadora do clima Para a Pan-Amazocircnia esse impacto agregado da Amazocircnia bra-sileira contabilizando desmatamento e estimando degradaccedilatildeo representa de 2668 a 290371 sobre a aacuterea original de floresta

Mas a aacuterea de impacto no sentido ecoloacutegico pode ser ainda maior porque florestas contiacuteguas a aacutereas de de-gradaccedilatildeo ou corte raso sofrem direta e indiretamente os efeitos das mudanccedilas ambientais vizinhas (biogeo-fiacutesicas e biogeoquiacutemicas)72

No processo de degradaccedilatildeo a destruiccedilatildeo do dossel frequentemente superior a 60 da cobertura73 muda as caracteriacutesticas estruturais ecoloacutegicas e fisioloacutegicas da floresta comprometendo suas capacidades am-bientais

70 Caacutelculo utilizando a mensuraccedilatildeo de Espiacuterito-Santo et al (2014) para a floresta remanescente na Amazocircnia brasileira [3500000 km2] acrescida da aacuterea acumulada do desmatamento [762979 km2] chegando a 4262979 km2 de florestas originais na Amazocircnia brasileira

71 Impacto usando aacuterea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Espiacuterito-Santo et al (2014) com 7562979 km2 e em Eva et al (2005) com 6943468 km2

72 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon73 (Valeriano et al 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD e QUEIMADAS 2007-200874 University of Maryland Global Forest Cover

Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 ateacute 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Ameacuterica do Sul74

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 17: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 18Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

circulaccedilatildeo que liga os ventos aliacutesios carregados de umidade do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonal-mente para a parte meridional

da Ameacuterica do Sul foi descrita por Joseacute Marengo e cola-boradores43 Embora eles tenham chamado esse trans-porte de jatos de baixos niacuteveis o conceito eacute muito similar ao dos rios atmosfeacutericos Segundo sua explicaccedilatildeo fun-ciona na Ameacuterica do Sul um sistema de monccedilotildees seme-lhante ao da Aacutesia e devido ao efeito da floresta (geisers da floresta) e tambeacutem da cordilheira dos Andes (uma barreira de 6 km de altura) o persistente ar uacutemido ama-zocircnico faz a curva no Acre e durante o veratildeo leva quan-tidades generosas de vapor drsquoaacutegua para o quadrilaacutetero afortunado contrariando sua tendecircncia para a aridez

Recentemente Josefina Arraut44 e colaboradores fi-zeram uma revisatildeo climatoloacutegica dos rios aeacutereos da Ameacuterica do Sul estimando o transporte de vapor as-sociado e introduzindo um novo conceito ldquolagos aeacute-reosrdquo ou seja regiatildeo de remanso atmosfeacuterico com um estoque de vapor precipitaacutevel

Com o conceito de rios aeacutereos estabelecido e tornan-do-se popular Dominick Spracklen45 e colaboradores desenvolveram uma nova abordagem ao correlacionar a superfiacutecie coberta por vegetaccedilatildeo agrave exposiccedilatildeo de uma

Salati e colaboradores comparando as assinaturas quiacute-micas40 entre o fluxo de entrada de vapor oceacircnico no grande anfiteatro amazocircnico com as correspondentes assinaturas da aacutegua de escoamento que retorna ao oceano pelo rio Amazonas perceberam que parte sig-nificativa da aacutegua que entrava como vapor no canal aeacutereo natildeo retornava pelo canal terrestre41

Daiacute concluiacuteram que a Amazocircnia devia estar exportan-do esse vapor para outras regiotildees do continente e irri-gando outras bacias hidrograacuteficas que natildeo a do Ama-zonas Anaacutelises preliminares feitas agrave eacutepoca nas aacuteguas de chuva coletadas na cidade do Rio de Janeiro de-tectaram sinais de que parte dela vinha do interior do continente natildeo do oceano contiacuteguo E mais especifi-camente que havia passado pela Amazocircnia Esse gru-po foi o primeiro a sugerir que chuvas na Ameacuterica do Sul fora da Amazocircnia poderiam ser alimentadas pelo transporte continental de vapor

O conceito de rios atmosfeacutericos foi introduzido em 1992 por Reginald Newell e Nicholas Newell42 para descre-ver fluxos filamentares na baixa atmosfera capazes de transportar grandes quantidades de aacutegua como vapor tipicamente em volumes superiores ao transportado pelo rio Amazonas (que tem vazatildeo de 200 milhotildees de litros por segundo ndash ou 17 bilhotildees de toneladas ao dia)

Quase trecircs deacutecadas depois dos achados de Salati a

Rios Voadores contando uma bela histoacuteria

Em 2006 contemplando a floresta amazocircnica do alto de uma torre de estudo do projeto LBA trocamos com o aviador Gerard Moss as primei-ras ideias que levaram ao projeto de aventura pesquisa divulgaccedilatildeo e educaccedilatildeo ambiental Rios Voadores42 Com financiamento da Petrobras e a participaccedilatildeo de Eneacuteas Salati o pioneiro dos estudos sobre reciclagem de umidade na Amazocircnia aleacutem de outros cientistas de renome Moss perseguiu por anos os rios de vapor com seu aviatildeo monomotor coletan-do numerosas amostras para estudo e capturando a atenccedilatildeo luacutedica das pessoas na aventura que criou Fez tambeacutem um trabalho extraordinaacuterio de educaccedilatildeo ambiental nas escolas e pela Web postando frequente-mente em redes sociais as trajetoacuterias dos rios voadores e mostrando como estes levam aacutegua para as pessoas O resultado mais valioso desse projeto foi sua capacidade de tocar o lado emocional das pessoas atraveacutes do estiacutemulo luacutedico da aventura da ciecircncia engajada conectan-do-as ao sentimento de estima pelo ambiente pela aacutegua e pela floresta

desertos de Namiacutebia e Kalahari na Aacutefrica e o deserto da Austraacutelia Todos alinhados latitudinalmente com a afortunada aacuterea verde responsaacutevel por 70 do PIB do continente no quadrilaacutetero delimitado por Cuiabaacute ao Norte Satildeo Paulo a Leste Buenos Aires ao Sul e a cor-dilheira dos Andes a Oeste

As escolas ensinam que a aacutegua evapora do mar ldquovairdquo para os continentes cai como chuva eacute coletada nos rios de superfiacutecie e retorna ao mar Ao fazer a ligaccedilatildeo entre evaporaccedilatildeo da aacutegua no mar com seu tracircnsito em terra esse conceito simploacuterio do ciclo hidroloacutegico natildeo estaacute errado mas natildeo explica quase nada Por exemplo por que existem desertos ou por que o vapor mariacutetimo adentra os continentes de forma heterogecircnea

Rios aeacutereos ligam os ventos aliacutesios carregados de umida-de do Atlacircntico equatorial com os ventos sobre a grande floresta ateacute os Andes e daiacute sazonalmente para a parte meridional da Ameacuterica do Sul

40 Definidas pelo uso de traccediladores que portam assinaturas isotoacutepicas Diz-se que satildeo isoacutetopos dois ou mais aacutetomos com o mesmo numero de proacutetons mas com massas diferentes Uma analogia boa eacute pensar em gecircmeos com caracteriacutesticas idecircnticas exceto peso Assinatura isotoacutepica eacute a relaccedilatildeo numeacuterica entre a imensa multidatildeo de ldquogecircmeosrdquo atocircmicos em um material ou substancia A aacutegua pode conter variada combinaccedilatildeo de gecircmeos de oxigecircnio (16O e 18O) e hidrogecircnio (1H 2H) gerando moleacuteculas de aacutegua com pesos distintos A proporccedilatildeo destes gecircmeos atocircmicos que ocorre na aacutegua do mar por exemplo se altera com a evaporaccedilatildeo (flutuam primeiro os mais leves) e tambeacutem com a chuva (precipitam primeiro os mais pesados) Assim ao analisar a assinatura isotoacutepica de uma amostra de aacutegua ou vapor pode-se saber de onde ela veio se do oceano ou da floresta

41 (Salati et al 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study (Matsui et al 1976) Isotopic hydrology in the Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 18O concentrations42 (Newell and Newell 1992) Tropospheric Rivers - A Pilot Study43 (Marengo et al 2004) Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalysis Characteristics and temporal variability44 (Arraut et al 2012) Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America45 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 19Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Eventos extremos a vida buscando equiliacutebrio

Com o aquecimento global ocorre maior acuacutemulo de energia na at-mosfera o que aumenta a probabilidade de ocorrecircncias de fenocircmenos climaacuteticos mais intensos A natureza desta tendecircncia foi prevista haacute deacutecadas pelos meteorologistas Mas a maior intensidade e frequecircncia dessas ocorrecircncias estaacute sendo observada deacutecadas antes do previsto Algum fator na complexidade do clima deve explicar a aceleraccedilatildeo dos efeitos O registro geoloacutegico mostra que climas extremos jaacute ocorreram na histoacuteria da Terra muito antes da humanidade surgir Mas ao contraacuterio do que seria de se esperar depois dos cataclismos todas as evidecircncias apontam sempre para uma resiliente recuperaccedilatildeo estabilizadora ate-nuando os extremos Sistemas puramente geofiacutesicos natildeo teriam essa capacidade Somente a vida e seus processos de auto-regulaccedilatildeo ofere-cem explicaccedilatildeo satisfatoacuteria para a histoacuteria climaacutetica da Terra49

parcela de ar num rio aeacutereo (medida pelo iacutendice cumu-lativo de aacuterea foliar ao longo da trajetoacuteria) com chuva a jusante na trajetoacuteria daquela mesma parcela Ou seja um rio aeacutereo conecta regiotildees doadoras de umidade com outras receptoras de umidade Daiacute a importacircncia crucial das florestas a montante constatou-se que a Amazocircnia eacute de fato a cabeceira dos mananciais aeacutereos da maior parte das chuvas na Ameacuterica do Sul

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos

Makarieva e Gorshkov46 introduziram uma nova definiccedilatildeo fiacutesica para furacotildees ciclones ou tornados ldquo satildeo implosotildees (explosotildees em reverso) que se passam em cacircmera lenta decorrentes do desaparecimento volumeacutetrico de vapor drsquoaacutegua na atmosfera por condensaccedilatildeordquo47 Paulo Nobre

apresentou-lhes entatildeo um problema ldquoA questatildeo que se coloca eacute entender por que os furacotildees natildeo se desenvol-vem sobre as florestas tropicais como na Amazocircnia onde o fornecimento de vapor de aacutegua pela floresta e sua ex-tinccedilatildeo na forma de chuva tropical eacute tatildeo abundanterdquo 48

Respondendo Makarieva e Gorshkov demonstraram teoricamente como uma grande aacuterea terrestre co-berta por floresta natildeo per-

mite a formaccedilatildeo de furacotildees e outros padrotildees climaacuteticos anocircmalos incluindo secas e enchentes Em sua explica-ccedilatildeo a fricccedilatildeo turbulenta local com o dossel da floresta -que transpira ativamente o que resulta em chuvas uni-formes sobre grandes aacutereas- e a traccedilatildeo do vento pela bomba bioacutetica em distacircncias maiores diminui muito a chance de organizaccedilatildeo de tormentas como tornados ou furacotildees As trajetoacuterias registradas dos furacotildees compro-vam o ambiente ameno nas regiotildees cobertas por flores-tas extensas e aacutereas oceacircnicas proacuteximas50 Ou seja aleacutem de todos os outros serviccedilos da floresta ao clima ela ainda oferece um seguro contra destrutivos eventos atmosfeacute-ricos atenuando a concentraccedilatildeo de energia nos ventos

Outras funccedilotildees claacutessicas das florestas na regulaccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico em terra satildeo bem conhecidas como o favorecimento da recarga de aquiacuteferos e a atenua-ccedilatildeo de enchentes51 entre muitas outras

Entre os serviccedilos que a floresta presta ao clima estaacute um segu-ro contra eventos atmosfeacutericos destrutivos atenuando a concen-traccedilatildeo da energia nos ventos

46 (Makarieva et al 2008) On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine47 De acordo com os autores ldquoThe driving force of all hurricane processes is a rapid release as in compressed spring of potential energy previously accumulated in the form of saturated water vapor in the atmospheric column

during a prolonged period of water vapor evaporation under the action of the absorbed solar radiationrdquo (Makarieva et al 2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient48 (Nobre P 2009a) Peer Review Question Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo49 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment50 Storm Track mapa registrando todas as trajetoacuterias observadas de furacotildees mostrando que a regiotildees equatoriais das florestas e suas imediaccedilotildees oceacircnicas satildeo livres destes fenocircmenos51 httpwwwipefbrhidrologiamataciliarasp

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 20Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito

Em vista dos efeitos extensivos e elaborados das flo-restas sobre o clima demonstrados pela ciecircncia que resultados esperar da sua devastaccedilatildeo Para avaliar os impactos do desmatamento no clima vem sendo fei-to um nuacutemero crescente de experimentos de campo e modelagem estudos observacionais e mais recente-mente anaacutelises teoacutericas Quais as consequecircncias pro-jetadas do desmatamento e quais as jaacute observadas

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores

Uma das maiores virtudes dos modelos climaacuteticos estaacute em sua capacidade de simular cenaacuterios distantes do momento presente Esse tipo de exerciacutecio natildeo eacute pre-ditivo no sentido fiacutesico mas onde a teoria fiacutesica ainda natildeo estiver disponiacutevel eacute o melhor conhecimento e a uacutenica ferramenta para analisar sistemas complexos e fazer extrapolaccedilotildees bem fundamentadas

Tais exerciacutecios de simulaccedilatildeo satildeo valiosos para situaccedilotildees especiacuteficas como explorar riscos climaacuteticos associados ao desmatamento No ambiente virtual como num si-mulador de voo eacute possiacutevel avaliar repetidamente ce-naacuterios de desastres esmiuccedilando os fatores atuantes as condiccedilotildees iniciais e as consequecircncias potenciais de manobras arriscadas

Em 1991 Carlos Nobre liderou um dos mais citados

estudos para simular o impacto no clima do desma-tamento total da floresta amazocircnica52 Usando um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera (GCM53) com um moacutedulo acoplado de representaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo (SiB54) os autores concluiacuteram que quando as florestas eram substituiacutedas por pasto degradado no modelo verificava-se um aumento significativo na temperatura meacutedia de superfiacutecie (cerca de 25degC) e uma diminuiccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo anual (reduccedilatildeo de 30) da pre-cipitaccedilatildeo (reduccedilatildeo de 25) e do escoamento superfi-cial (reduccedilatildeo de 20) Na simulaccedilatildeo ocorria tambeacutem um aumento da duraccedilatildeo da estaccedilatildeo seca na metade sul da bacia amazocircnica

Nas duas deacutecadas seguintes outros estudos avanccedila-ram no detalhamento e generalizaccedilatildeo dessas conclu-sotildees Deborah Lawrence e Karen Vandecar fizeram recentemente uma revisatildeo da literatura55 sobre os impactos do desmatamento tropical no clima e con-cluiacuteram que vaacuterios GCMs concordam em que o des-matamento em escala regional leva a um clima mais quente e seco sobre a aacuterea desmatada Os modelos que simulam o desmatamento completo da Amazocirc-nia preveem um clima com aquecimento na faixa de 01-38degC (meacutedia de 19degC) e reduccedilatildeo de chuvas na fai-xa de 140-640 mm ao ano (meacutedia de 324 miliacutemetrosano ou 10-15 de reduccedilatildeo)

Mas o desmatamento pode ter implicaccedilotildees muito mais

52 (Nobre C et al 1991) Amazonian Deforestation and Regional Climate Change53 Definiccedilatildeo de GCM por Lawrence e Vandecar (2014) ldquo satildeo modelos computacionais tridimensionais globais do sistema climaacutetico que operam em larga escala Os modelos mais recentes incluem representaccedilotildees

da atmosfera oceanos e da superfiacutecie da Terra [] e incorporam o ciclo hidroloacutegico e uma representaccedilatildeo expliacutecita [] da vegetaccedilatildeo e seus efeitos sobre os fluxos de energia e de aacutegua incluindo as transferecircncias radiativas e turbulentas e os controles fiacutesicos e bioloacutegicos da evapotranspiraccedilatildeordquo

54 (Sellers et al 1986) Simple Biosphere Model55 (Lawrence and Vandecar 2014) The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity natildeo publicado

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 21Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

modelos parecem tender a subestimar as consequecircn-cias negativas nos cenaacuterios simulados Os resultados de projeccedilotildees mais recentes incluindo os oceanos agra-vam o quadro e aumentam o alerta

A eliminaccedilatildeo da floresta ndash prin-cipal agente da condensaccedilatildeo continental ndash equivale a desligar o interruptor de uma bomba de umidade atmosfeacuterica

Mas eacute preciso tambeacutem con-siderar a teoria da bomba bioacutetica e sua previsatildeo de re-duccedilatildeo de chuvas Diferente-mente dos modelos numeacute-

ricos convencionais uma teoria fiacutesica constroacutei entendimento baseada exclusivamente em leis funda-mentais da natureza Se a teoria estiver correta torna possiacutevel prever quantitativamente efeitos fiacutesicos apenas com a anaacutelise dos cenaacuterios e de sua loacutegica funcional

Makarieva e Gorshkov preveem que o desmatamento completo da Amazocircnia reduziria a precipitaccedilatildeo primor-dialmente como resultado da dissipaccedilatildeo do efeito da baixa pressatildeo (succcedilatildeo) associado agrave condensaccedilatildeo que eacute conectada a uma reduccedilatildeo da evaporaccedilatildeo de superfiacute-cie Como a teoria da bomba bioacutetica tambeacutem credita a disponibilidade de vapor para a precipitaccedilatildeo na Ama-zocircnia como resultado dessa capacidade de transpirar a eliminaccedilatildeo total do principal agente da transpiraccedilatildeo levaria agrave cessaccedilatildeo completa do bombeamento bioacutetico

Esta teoria sugere que desligado o interruptor da bom-ba que puxa o ar uacutemido para o continente o fluxo de umidade deve mudar de direccedilatildeo quando a condensaccedilatildeo passar a ser relativamente maior sobre o oceano (mais

seacuterias Em 1997 German Poveda e Oscar Mesa56 propuse-ram o papel de ponte hidrometeoroloacutegica para a floresta amazocircnica ao conectar os dois grandes oceanos proacutexi-mos isto eacute sugerindo efeitos climaacuteticos cruzados entre os oceanos via atmosfera mediados pela floresta

Explorando com modelagem em direccedilatildeo similar mais recentemente Paulo Nobre57 e colaboradores estuda-ram o impacto do desmatamento na chuva amazocircni-ca tendo como referecircncia a inclusatildeo ou a exclusatildeo das respostas dos grandes oceanos aos cenaacuterios de des-matamento58 Comparando simulaccedilotildees feitas em um GCM atmosfeacuterico usual com um GCM acoplado a outro modelo que simula as condiccedilotildees internas dos oceanos (salinidade correntes etc) esses autores encontraram uma reduccedilatildeo consideravelmente maior na precipita-ccedilatildeo quando o GCM acoplado com o oceano foi rodado para um cenaacuterio de desmatamento total da Amazocircnia 42 de reduccedilatildeo da chuva contabilizando os mecanis-mos internos dos oceanos contra 26 de reduccedilatildeo da chuva sem considera-los Os oceanos sempre estive-ram presentes e a inclusatildeo das suas respostas internas daacute mais realismo agraves simulaccedilotildees

Jaacute existem comprovaccedilotildees de muito do que foi proje-tado pelos modelos como consequecircncia do desma-tamento especialmente a ampliaccedilatildeo da estaccedilatildeo seca Poreacutem esses experimentos virtuais indicavam um prolongamento da estaccedilatildeo seca apoacutes destruiccedilatildeo de 100 da floresta o que jaacute se observa com o corte raso de pouco menos de 19 da floresta Ou seja esses 56 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena57 (Nobre P et al 2009b) Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation58 Que utiliza apenas a seacuterie histoacuterica observada das temperaturas da superfiacutecie dos oceanos

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 22Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

E apontaram que essa re-duccedilatildeo de chuvas poderaacute ser bem maior do que o indicado pelo grupo de Spracklen63 Para a porccedilatildeo

mais desmatada da Amazocircnia jaacute se constata progres-sivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera significativo impacto no setor agriacutecola

Assim a discussatildeo sobre desmatamento passa longe de duacutevidas sobre seus evidentes efeitos diretos e indi-retos na reduccedilatildeo das chuvas e recai sobre a extensatildeo da aacuterea desmatada No periacuteodo 20112012 foram ldquoape-nasrdquo 4571 km2 desmatados na Amazocircnia brasileira Se comparado com taxas de desmatamento em anos de pico como 2004 (27772 km2) esse valor parece mo-desto O Brasil merece reconhecimento por haver lo-grado essa reduccedilatildeo A velocidade e a eficaacutecia atingidas na reduccedilatildeo recomendam essa estrateacutegia para zerar e reverter o desmatamento no Brasil e no mundo

A despeito da notiacutecia encorajadora essa taxa que pa-rece tatildeo pequena seria suficiente para desmatar aacuterea equivalente a toda a Costa Rica em meros dez anos Aleacutem disso reduccedilotildees nas taxas anuais atenuam a per-cepccedilatildeo momentacircnea de perda e mascaram o desmata-mento acumulado na Amazocircnia que eacute muito grave

No que diz respeito ao clima importa sobretudo a aacuterea total devastada e sua distribuiccedilatildeo espacial Compilando

localizado da chuva com o desmatamento estudos mais abrangentes simulaccedilotildees com modelos climaacuteticos e mesmo anaacutelises teoacutericas esclareceram o caraacuteter local e transitoacuterio desse efeito que depende basicamente da existecircncia de matas circundantes agrave aacuterea desmatada e da extensatildeo dessas matas O aumento de chuva converte-se em reduccedilatildeo tatildeo logo as florestas remanescentes fi-quem mais distantes que um certo limiar de aacuterea aberta Daiacute em diante haveraacute reduccedilatildeo das chuvas

Dados de sateacutelites para chuva e presenccedila de floresta mostra-ram reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos que passam sobre aacutereas desmatadas

O estudo de Spracklen e colaboradores62 com da-dos de sateacutelites para chu-va e presenccedila de floresta constatou que com o des-

matamento ocorre a reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos Em 60 das aacutereas tropicais o ar que passa sobre densas florestas produz pelo menos duas vezes mais chuva que o ar que passa sobre aacutereas desmatadas Apesar de ainda natildeo terem considerado o mecanismo e os efeitos da teoria da bomba bioacutetica esses autores de-monstraram com evidecircncias fortes que o impacto ne-gativo do desmatamento no clima natildeo eacute somente local mas pode afetar regiotildees proacuteximas e distantes

Aplicando os conceitos da bomba bioacutetica Makarieva e colaboradores colocaram os achados de Spracklen em perspectiva explicando quantitativamente quais os fatores fiacutesicos responsaacuteveis pela reduccedilatildeo nas chuvas a jusante dos ventos decorrentes do desmatamento

fraca que a bioacutetica a bomba oceacircnica de condensaccedilatildeo estaacute sempre ligada) o que levaria a aridez em terra59

Os modelos climaacuteticos usados para simular o desma-tamento ainda natildeo embutiram essa nova teoria fiacutesica portanto natildeo projetam esse efeito que poderia signi-ficar ateacute 100 de reduccedilatildeo nas chuvas

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo

O desmatamento real eacute imenso e seus efeitos sobre o clima satildeo bem documentados Estudos em torres micrometeoroloacutegicas mostram que a substituiccedilatildeo de floresta por pastagem leva como previsto pelos mo-delos a um aumento da temperatura de superfiacutecie e uma reduccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo60 Observaccedilotildees de sateacutelite mostram que durante a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspi-raccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas61

Observaccedilotildees mostram que duran-te a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspiraccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas

Dados similares tambeacutem indicam que a transpira-ccedilatildeo da floresta eacute bem maior do que aquela pres-crita pelos modelos o que explica em parte a subesti-

mativa dos modelos de larga escala no caso da reduccedilatildeo de precipitaccedilatildeo com o desmatamento Embora alguns estudos observacionais tenham revelado um aumento

Para a porccedilatildeo mais desmata-da da Amazocircnia jaacute se constata progressivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera signifi-cativo impacto no setor agriacutecola

59 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais60 Por exemplo (Gash et al 1996) Amazonian Deforestation and Climate (von Randow et al 2004) Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in southwest Amazonia61 (Huete et al 2006) Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought62 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests63 (Makarieva et al 2013) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 23Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Desmatamento acumulado 762979 km2

Esse valor eacute maior que a soma das aacutereas de trecircs estados de Satildeo Paulo ou que as aacutereas somadas de duas Alemanhas ou de dois Japotildees Uma unidade de aacuterea mais proacutexima do brasileiro o campo de futebol (4136 m2) daacute uma noccedilatildeo da magnitude da devastaccedilatildeo 184 milhotildees de unidades65 ndash quase um campo de futebol desmatado na Amazocircnia para cada brasileiro Colocado na perspectiva temporal teriam sido em meacutedia 12635 campos desmatados por dia 526 campos por hora 88 campos ndash ou 36291 m2 por minuto 605 m2 por segundo ininterruptamente nos uacuteltimos 40 anos Para caber na compreensatildeo o gigantismo destes nuacutemeros eacute preciso estender a imaginaccedilatildeo para aleacutem destas analogias Um trator ficcional operando uma lacircmina frontal com 3 m de largura precisaria acelerar quase agrave velocidade de um aviatildeo a jato (726 kmh) para desmatar a aacuterea raspada na Amazocircnia no ritmo registrado do espaccedilo em imagens Como um trator desmata mui-to mais lentamente (024 - 036 hah66 ou ~08 kmh se essa aacuterea estives-se contida em uma faixa com 3 m de largura) com a mesma lacircmina de 3 m seriam necessaacuterios mais de 900 tratores simultaneamente derrubando a floresta lado a lado formando uma frente destrutiva com quase 3 km de largura Uma comparaccedilatildeo ainda mais impressionante eacute uma ldquoestrada de desmatamentordquo com 2 km de largura que daria para cobrir a distacircncia da Terra ateacute a Lua (380 mil km)

estudos pioneiros com dados de sateacutelite Dioacutegenes Al-ves64 contabilizou ateacute 2004 um desmatamento total de 663 mil km2 Agregando-se os nuacutemeros mais recentes do projeto PRODES do INPE o desmatamento acumula-do total ateacute 2013 chega a 762979 km2

Pelo vieacutes do dano ao clima o que se tem na Amazocircnia eacute um passivo gigantesco de destruiccedilatildeo do oceano ver-de Natildeo haacute portanto qualquer motivo para comemo-rar as taxas relativamente mais baixas de corte raso dos uacuteltimos anos mesmo porque depois da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal (2011) com sua ampla anistia a desmatadores jaacute se observa uma niacutetida tendecircncia de aumento das taxas anuais

Na contabilidade do INPE o corte raso brasileiro (sem considerar os dos demais paiacuteses da bacia amazocircnica) chegou em 2012 a 1885 da aacuterea original de floresta67 Mas a destruiccedilatildeo natildeo eacute uniforme pois ocorre grande concentraccedilatildeo de corte raso no chamado Arco do Fogo ndash ou Arco do Desmatamento68 Se a vastidatildeo raspada jaacute eacute graviacutessima para o clima a situaccedilatildeo torna-se ainda pior ao se considerar o oceano verde ferido

A exploraccedilatildeo madeireira e o desmatamento gradual pro-duzem extensas aacutereas de florestas degradadas que rara-mente entram na contabilidade oficial da destruiccedilatildeo mas que a depreender das informaccedilotildees e estimativas dispo-niacuteveis podem ter impacto significativo sobre o clima

Dalton Valeriano liderou um estudo pioneiro sobre degradaccedilatildeo69 que encontrou no Estado do Mato Gros-so no periacuteodo de 2007 a 2010 ldquosomenterdquo 7856 km2 com corte raso mas outros 32926 km2 de florestas degradadas Somando corte raso com degradaccedilatildeo sobrou pouco do propriamente chamado Estado de Mato Grosso

No mesmo periacuteodo o INPE mapeou 64205 km2 de flo-resta degradada versus 39026 km2 de corte raso para a Amazocircnia brasileira Usando a proporccedilatildeo entre estas

64 (Alves 2007) Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon65 Aacuterea desmatada 762979 km2 0004136 km2 = 184472679 de campos de futebol66 (Viana 2012) Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento67 httpwwwdpiinpebrprodesdigitalprodesphp Lista (uma tabela) e Consolida (somatoacuterios para a unidade de aacuterea considerada)68 Porcentagem de aacuterea desmatada ateacute 2012 TO 75 MA 72 RO 41 MT 40 PA 22 e AC 1369 httpwwwobtinpebrprodesRelatorio_Prodes2008pdf

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 24Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aacutereas pode-se extrapolar a aacuterea de floresta degradada para toda a Amazocircnia brasileira Na estimativa ateacute 2013 a aacuterea total degradada pode ter alcanccedilado 1255100 km2 Somando com a aacuterea mensurada de corte raso o impacto cumulativo no bioma pela ocupaccedilatildeo humana pode ter atingido 2018079 km2

Dentre mais de 200 paiacuteses no mundo somente 13 tecircm aacuterea maior que essa Nesta contabilidade a degrada-ccedilatildeo de florestas na Amazocircnia brasileira pode haver chegado a 2944 da aacuterea original70 que somada ao desmatamento corte-raso sugere que ateacute 4734 da floresta tenha sido impactada diretamente por ativi-dade humana desestabilizadora do clima Para a Pan-Amazocircnia esse impacto agregado da Amazocircnia bra-sileira contabilizando desmatamento e estimando degradaccedilatildeo representa de 2668 a 290371 sobre a aacuterea original de floresta

Mas a aacuterea de impacto no sentido ecoloacutegico pode ser ainda maior porque florestas contiacuteguas a aacutereas de de-gradaccedilatildeo ou corte raso sofrem direta e indiretamente os efeitos das mudanccedilas ambientais vizinhas (biogeo-fiacutesicas e biogeoquiacutemicas)72

No processo de degradaccedilatildeo a destruiccedilatildeo do dossel frequentemente superior a 60 da cobertura73 muda as caracteriacutesticas estruturais ecoloacutegicas e fisioloacutegicas da floresta comprometendo suas capacidades am-bientais

70 Caacutelculo utilizando a mensuraccedilatildeo de Espiacuterito-Santo et al (2014) para a floresta remanescente na Amazocircnia brasileira [3500000 km2] acrescida da aacuterea acumulada do desmatamento [762979 km2] chegando a 4262979 km2 de florestas originais na Amazocircnia brasileira

71 Impacto usando aacuterea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Espiacuterito-Santo et al (2014) com 7562979 km2 e em Eva et al (2005) com 6943468 km2

72 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon73 (Valeriano et al 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD e QUEIMADAS 2007-200874 University of Maryland Global Forest Cover

Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 ateacute 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Ameacuterica do Sul74

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 18: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 19Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Eventos extremos a vida buscando equiliacutebrio

Com o aquecimento global ocorre maior acuacutemulo de energia na at-mosfera o que aumenta a probabilidade de ocorrecircncias de fenocircmenos climaacuteticos mais intensos A natureza desta tendecircncia foi prevista haacute deacutecadas pelos meteorologistas Mas a maior intensidade e frequecircncia dessas ocorrecircncias estaacute sendo observada deacutecadas antes do previsto Algum fator na complexidade do clima deve explicar a aceleraccedilatildeo dos efeitos O registro geoloacutegico mostra que climas extremos jaacute ocorreram na histoacuteria da Terra muito antes da humanidade surgir Mas ao contraacuterio do que seria de se esperar depois dos cataclismos todas as evidecircncias apontam sempre para uma resiliente recuperaccedilatildeo estabilizadora ate-nuando os extremos Sistemas puramente geofiacutesicos natildeo teriam essa capacidade Somente a vida e seus processos de auto-regulaccedilatildeo ofere-cem explicaccedilatildeo satisfatoacuteria para a histoacuteria climaacutetica da Terra49

parcela de ar num rio aeacutereo (medida pelo iacutendice cumu-lativo de aacuterea foliar ao longo da trajetoacuteria) com chuva a jusante na trajetoacuteria daquela mesma parcela Ou seja um rio aeacutereo conecta regiotildees doadoras de umidade com outras receptoras de umidade Daiacute a importacircncia crucial das florestas a montante constatou-se que a Amazocircnia eacute de fato a cabeceira dos mananciais aeacutereos da maior parte das chuvas na Ameacuterica do Sul

15) Dossel rugoso freio de arrumaccedilatildeo nos ventos

Makarieva e Gorshkov46 introduziram uma nova definiccedilatildeo fiacutesica para furacotildees ciclones ou tornados ldquo satildeo implosotildees (explosotildees em reverso) que se passam em cacircmera lenta decorrentes do desaparecimento volumeacutetrico de vapor drsquoaacutegua na atmosfera por condensaccedilatildeordquo47 Paulo Nobre

apresentou-lhes entatildeo um problema ldquoA questatildeo que se coloca eacute entender por que os furacotildees natildeo se desenvol-vem sobre as florestas tropicais como na Amazocircnia onde o fornecimento de vapor de aacutegua pela floresta e sua ex-tinccedilatildeo na forma de chuva tropical eacute tatildeo abundanterdquo 48

Respondendo Makarieva e Gorshkov demonstraram teoricamente como uma grande aacuterea terrestre co-berta por floresta natildeo per-

mite a formaccedilatildeo de furacotildees e outros padrotildees climaacuteticos anocircmalos incluindo secas e enchentes Em sua explica-ccedilatildeo a fricccedilatildeo turbulenta local com o dossel da floresta -que transpira ativamente o que resulta em chuvas uni-formes sobre grandes aacutereas- e a traccedilatildeo do vento pela bomba bioacutetica em distacircncias maiores diminui muito a chance de organizaccedilatildeo de tormentas como tornados ou furacotildees As trajetoacuterias registradas dos furacotildees compro-vam o ambiente ameno nas regiotildees cobertas por flores-tas extensas e aacutereas oceacircnicas proacuteximas50 Ou seja aleacutem de todos os outros serviccedilos da floresta ao clima ela ainda oferece um seguro contra destrutivos eventos atmosfeacute-ricos atenuando a concentraccedilatildeo de energia nos ventos

Outras funccedilotildees claacutessicas das florestas na regulaccedilatildeo do ciclo hidroloacutegico em terra satildeo bem conhecidas como o favorecimento da recarga de aquiacuteferos e a atenua-ccedilatildeo de enchentes51 entre muitas outras

Entre os serviccedilos que a floresta presta ao clima estaacute um segu-ro contra eventos atmosfeacutericos destrutivos atenuando a concen-traccedilatildeo da energia nos ventos

46 (Makarieva et al 2008) On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine47 De acordo com os autores ldquoThe driving force of all hurricane processes is a rapid release as in compressed spring of potential energy previously accumulated in the form of saturated water vapor in the atmospheric column

during a prolonged period of water vapor evaporation under the action of the absorbed solar radiationrdquo (Makarieva et al 2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient48 (Nobre P 2009a) Peer Review Question Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo49 (Gorshkov et al 2000) Biotic Regulation of the Environment50 Storm Track mapa registrando todas as trajetoacuterias observadas de furacotildees mostrando que a regiotildees equatoriais das florestas e suas imediaccedilotildees oceacircnicas satildeo livres destes fenocircmenos51 httpwwwipefbrhidrologiamataciliarasp

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 20Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito

Em vista dos efeitos extensivos e elaborados das flo-restas sobre o clima demonstrados pela ciecircncia que resultados esperar da sua devastaccedilatildeo Para avaliar os impactos do desmatamento no clima vem sendo fei-to um nuacutemero crescente de experimentos de campo e modelagem estudos observacionais e mais recente-mente anaacutelises teoacutericas Quais as consequecircncias pro-jetadas do desmatamento e quais as jaacute observadas

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores

Uma das maiores virtudes dos modelos climaacuteticos estaacute em sua capacidade de simular cenaacuterios distantes do momento presente Esse tipo de exerciacutecio natildeo eacute pre-ditivo no sentido fiacutesico mas onde a teoria fiacutesica ainda natildeo estiver disponiacutevel eacute o melhor conhecimento e a uacutenica ferramenta para analisar sistemas complexos e fazer extrapolaccedilotildees bem fundamentadas

Tais exerciacutecios de simulaccedilatildeo satildeo valiosos para situaccedilotildees especiacuteficas como explorar riscos climaacuteticos associados ao desmatamento No ambiente virtual como num si-mulador de voo eacute possiacutevel avaliar repetidamente ce-naacuterios de desastres esmiuccedilando os fatores atuantes as condiccedilotildees iniciais e as consequecircncias potenciais de manobras arriscadas

Em 1991 Carlos Nobre liderou um dos mais citados

estudos para simular o impacto no clima do desma-tamento total da floresta amazocircnica52 Usando um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera (GCM53) com um moacutedulo acoplado de representaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo (SiB54) os autores concluiacuteram que quando as florestas eram substituiacutedas por pasto degradado no modelo verificava-se um aumento significativo na temperatura meacutedia de superfiacutecie (cerca de 25degC) e uma diminuiccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo anual (reduccedilatildeo de 30) da pre-cipitaccedilatildeo (reduccedilatildeo de 25) e do escoamento superfi-cial (reduccedilatildeo de 20) Na simulaccedilatildeo ocorria tambeacutem um aumento da duraccedilatildeo da estaccedilatildeo seca na metade sul da bacia amazocircnica

Nas duas deacutecadas seguintes outros estudos avanccedila-ram no detalhamento e generalizaccedilatildeo dessas conclu-sotildees Deborah Lawrence e Karen Vandecar fizeram recentemente uma revisatildeo da literatura55 sobre os impactos do desmatamento tropical no clima e con-cluiacuteram que vaacuterios GCMs concordam em que o des-matamento em escala regional leva a um clima mais quente e seco sobre a aacuterea desmatada Os modelos que simulam o desmatamento completo da Amazocirc-nia preveem um clima com aquecimento na faixa de 01-38degC (meacutedia de 19degC) e reduccedilatildeo de chuvas na fai-xa de 140-640 mm ao ano (meacutedia de 324 miliacutemetrosano ou 10-15 de reduccedilatildeo)

Mas o desmatamento pode ter implicaccedilotildees muito mais

52 (Nobre C et al 1991) Amazonian Deforestation and Regional Climate Change53 Definiccedilatildeo de GCM por Lawrence e Vandecar (2014) ldquo satildeo modelos computacionais tridimensionais globais do sistema climaacutetico que operam em larga escala Os modelos mais recentes incluem representaccedilotildees

da atmosfera oceanos e da superfiacutecie da Terra [] e incorporam o ciclo hidroloacutegico e uma representaccedilatildeo expliacutecita [] da vegetaccedilatildeo e seus efeitos sobre os fluxos de energia e de aacutegua incluindo as transferecircncias radiativas e turbulentas e os controles fiacutesicos e bioloacutegicos da evapotranspiraccedilatildeordquo

54 (Sellers et al 1986) Simple Biosphere Model55 (Lawrence and Vandecar 2014) The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity natildeo publicado

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 21Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

modelos parecem tender a subestimar as consequecircn-cias negativas nos cenaacuterios simulados Os resultados de projeccedilotildees mais recentes incluindo os oceanos agra-vam o quadro e aumentam o alerta

A eliminaccedilatildeo da floresta ndash prin-cipal agente da condensaccedilatildeo continental ndash equivale a desligar o interruptor de uma bomba de umidade atmosfeacuterica

Mas eacute preciso tambeacutem con-siderar a teoria da bomba bioacutetica e sua previsatildeo de re-duccedilatildeo de chuvas Diferente-mente dos modelos numeacute-

ricos convencionais uma teoria fiacutesica constroacutei entendimento baseada exclusivamente em leis funda-mentais da natureza Se a teoria estiver correta torna possiacutevel prever quantitativamente efeitos fiacutesicos apenas com a anaacutelise dos cenaacuterios e de sua loacutegica funcional

Makarieva e Gorshkov preveem que o desmatamento completo da Amazocircnia reduziria a precipitaccedilatildeo primor-dialmente como resultado da dissipaccedilatildeo do efeito da baixa pressatildeo (succcedilatildeo) associado agrave condensaccedilatildeo que eacute conectada a uma reduccedilatildeo da evaporaccedilatildeo de superfiacute-cie Como a teoria da bomba bioacutetica tambeacutem credita a disponibilidade de vapor para a precipitaccedilatildeo na Ama-zocircnia como resultado dessa capacidade de transpirar a eliminaccedilatildeo total do principal agente da transpiraccedilatildeo levaria agrave cessaccedilatildeo completa do bombeamento bioacutetico

Esta teoria sugere que desligado o interruptor da bom-ba que puxa o ar uacutemido para o continente o fluxo de umidade deve mudar de direccedilatildeo quando a condensaccedilatildeo passar a ser relativamente maior sobre o oceano (mais

seacuterias Em 1997 German Poveda e Oscar Mesa56 propuse-ram o papel de ponte hidrometeoroloacutegica para a floresta amazocircnica ao conectar os dois grandes oceanos proacutexi-mos isto eacute sugerindo efeitos climaacuteticos cruzados entre os oceanos via atmosfera mediados pela floresta

Explorando com modelagem em direccedilatildeo similar mais recentemente Paulo Nobre57 e colaboradores estuda-ram o impacto do desmatamento na chuva amazocircni-ca tendo como referecircncia a inclusatildeo ou a exclusatildeo das respostas dos grandes oceanos aos cenaacuterios de des-matamento58 Comparando simulaccedilotildees feitas em um GCM atmosfeacuterico usual com um GCM acoplado a outro modelo que simula as condiccedilotildees internas dos oceanos (salinidade correntes etc) esses autores encontraram uma reduccedilatildeo consideravelmente maior na precipita-ccedilatildeo quando o GCM acoplado com o oceano foi rodado para um cenaacuterio de desmatamento total da Amazocircnia 42 de reduccedilatildeo da chuva contabilizando os mecanis-mos internos dos oceanos contra 26 de reduccedilatildeo da chuva sem considera-los Os oceanos sempre estive-ram presentes e a inclusatildeo das suas respostas internas daacute mais realismo agraves simulaccedilotildees

Jaacute existem comprovaccedilotildees de muito do que foi proje-tado pelos modelos como consequecircncia do desma-tamento especialmente a ampliaccedilatildeo da estaccedilatildeo seca Poreacutem esses experimentos virtuais indicavam um prolongamento da estaccedilatildeo seca apoacutes destruiccedilatildeo de 100 da floresta o que jaacute se observa com o corte raso de pouco menos de 19 da floresta Ou seja esses 56 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena57 (Nobre P et al 2009b) Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation58 Que utiliza apenas a seacuterie histoacuterica observada das temperaturas da superfiacutecie dos oceanos

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 22Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

E apontaram que essa re-duccedilatildeo de chuvas poderaacute ser bem maior do que o indicado pelo grupo de Spracklen63 Para a porccedilatildeo

mais desmatada da Amazocircnia jaacute se constata progres-sivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera significativo impacto no setor agriacutecola

Assim a discussatildeo sobre desmatamento passa longe de duacutevidas sobre seus evidentes efeitos diretos e indi-retos na reduccedilatildeo das chuvas e recai sobre a extensatildeo da aacuterea desmatada No periacuteodo 20112012 foram ldquoape-nasrdquo 4571 km2 desmatados na Amazocircnia brasileira Se comparado com taxas de desmatamento em anos de pico como 2004 (27772 km2) esse valor parece mo-desto O Brasil merece reconhecimento por haver lo-grado essa reduccedilatildeo A velocidade e a eficaacutecia atingidas na reduccedilatildeo recomendam essa estrateacutegia para zerar e reverter o desmatamento no Brasil e no mundo

A despeito da notiacutecia encorajadora essa taxa que pa-rece tatildeo pequena seria suficiente para desmatar aacuterea equivalente a toda a Costa Rica em meros dez anos Aleacutem disso reduccedilotildees nas taxas anuais atenuam a per-cepccedilatildeo momentacircnea de perda e mascaram o desmata-mento acumulado na Amazocircnia que eacute muito grave

No que diz respeito ao clima importa sobretudo a aacuterea total devastada e sua distribuiccedilatildeo espacial Compilando

localizado da chuva com o desmatamento estudos mais abrangentes simulaccedilotildees com modelos climaacuteticos e mesmo anaacutelises teoacutericas esclareceram o caraacuteter local e transitoacuterio desse efeito que depende basicamente da existecircncia de matas circundantes agrave aacuterea desmatada e da extensatildeo dessas matas O aumento de chuva converte-se em reduccedilatildeo tatildeo logo as florestas remanescentes fi-quem mais distantes que um certo limiar de aacuterea aberta Daiacute em diante haveraacute reduccedilatildeo das chuvas

Dados de sateacutelites para chuva e presenccedila de floresta mostra-ram reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos que passam sobre aacutereas desmatadas

O estudo de Spracklen e colaboradores62 com da-dos de sateacutelites para chu-va e presenccedila de floresta constatou que com o des-

matamento ocorre a reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos Em 60 das aacutereas tropicais o ar que passa sobre densas florestas produz pelo menos duas vezes mais chuva que o ar que passa sobre aacutereas desmatadas Apesar de ainda natildeo terem considerado o mecanismo e os efeitos da teoria da bomba bioacutetica esses autores de-monstraram com evidecircncias fortes que o impacto ne-gativo do desmatamento no clima natildeo eacute somente local mas pode afetar regiotildees proacuteximas e distantes

Aplicando os conceitos da bomba bioacutetica Makarieva e colaboradores colocaram os achados de Spracklen em perspectiva explicando quantitativamente quais os fatores fiacutesicos responsaacuteveis pela reduccedilatildeo nas chuvas a jusante dos ventos decorrentes do desmatamento

fraca que a bioacutetica a bomba oceacircnica de condensaccedilatildeo estaacute sempre ligada) o que levaria a aridez em terra59

Os modelos climaacuteticos usados para simular o desma-tamento ainda natildeo embutiram essa nova teoria fiacutesica portanto natildeo projetam esse efeito que poderia signi-ficar ateacute 100 de reduccedilatildeo nas chuvas

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo

O desmatamento real eacute imenso e seus efeitos sobre o clima satildeo bem documentados Estudos em torres micrometeoroloacutegicas mostram que a substituiccedilatildeo de floresta por pastagem leva como previsto pelos mo-delos a um aumento da temperatura de superfiacutecie e uma reduccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo60 Observaccedilotildees de sateacutelite mostram que durante a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspi-raccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas61

Observaccedilotildees mostram que duran-te a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspiraccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas

Dados similares tambeacutem indicam que a transpira-ccedilatildeo da floresta eacute bem maior do que aquela pres-crita pelos modelos o que explica em parte a subesti-

mativa dos modelos de larga escala no caso da reduccedilatildeo de precipitaccedilatildeo com o desmatamento Embora alguns estudos observacionais tenham revelado um aumento

Para a porccedilatildeo mais desmata-da da Amazocircnia jaacute se constata progressivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera signifi-cativo impacto no setor agriacutecola

59 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais60 Por exemplo (Gash et al 1996) Amazonian Deforestation and Climate (von Randow et al 2004) Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in southwest Amazonia61 (Huete et al 2006) Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought62 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests63 (Makarieva et al 2013) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 23Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Desmatamento acumulado 762979 km2

Esse valor eacute maior que a soma das aacutereas de trecircs estados de Satildeo Paulo ou que as aacutereas somadas de duas Alemanhas ou de dois Japotildees Uma unidade de aacuterea mais proacutexima do brasileiro o campo de futebol (4136 m2) daacute uma noccedilatildeo da magnitude da devastaccedilatildeo 184 milhotildees de unidades65 ndash quase um campo de futebol desmatado na Amazocircnia para cada brasileiro Colocado na perspectiva temporal teriam sido em meacutedia 12635 campos desmatados por dia 526 campos por hora 88 campos ndash ou 36291 m2 por minuto 605 m2 por segundo ininterruptamente nos uacuteltimos 40 anos Para caber na compreensatildeo o gigantismo destes nuacutemeros eacute preciso estender a imaginaccedilatildeo para aleacutem destas analogias Um trator ficcional operando uma lacircmina frontal com 3 m de largura precisaria acelerar quase agrave velocidade de um aviatildeo a jato (726 kmh) para desmatar a aacuterea raspada na Amazocircnia no ritmo registrado do espaccedilo em imagens Como um trator desmata mui-to mais lentamente (024 - 036 hah66 ou ~08 kmh se essa aacuterea estives-se contida em uma faixa com 3 m de largura) com a mesma lacircmina de 3 m seriam necessaacuterios mais de 900 tratores simultaneamente derrubando a floresta lado a lado formando uma frente destrutiva com quase 3 km de largura Uma comparaccedilatildeo ainda mais impressionante eacute uma ldquoestrada de desmatamentordquo com 2 km de largura que daria para cobrir a distacircncia da Terra ateacute a Lua (380 mil km)

estudos pioneiros com dados de sateacutelite Dioacutegenes Al-ves64 contabilizou ateacute 2004 um desmatamento total de 663 mil km2 Agregando-se os nuacutemeros mais recentes do projeto PRODES do INPE o desmatamento acumula-do total ateacute 2013 chega a 762979 km2

Pelo vieacutes do dano ao clima o que se tem na Amazocircnia eacute um passivo gigantesco de destruiccedilatildeo do oceano ver-de Natildeo haacute portanto qualquer motivo para comemo-rar as taxas relativamente mais baixas de corte raso dos uacuteltimos anos mesmo porque depois da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal (2011) com sua ampla anistia a desmatadores jaacute se observa uma niacutetida tendecircncia de aumento das taxas anuais

Na contabilidade do INPE o corte raso brasileiro (sem considerar os dos demais paiacuteses da bacia amazocircnica) chegou em 2012 a 1885 da aacuterea original de floresta67 Mas a destruiccedilatildeo natildeo eacute uniforme pois ocorre grande concentraccedilatildeo de corte raso no chamado Arco do Fogo ndash ou Arco do Desmatamento68 Se a vastidatildeo raspada jaacute eacute graviacutessima para o clima a situaccedilatildeo torna-se ainda pior ao se considerar o oceano verde ferido

A exploraccedilatildeo madeireira e o desmatamento gradual pro-duzem extensas aacutereas de florestas degradadas que rara-mente entram na contabilidade oficial da destruiccedilatildeo mas que a depreender das informaccedilotildees e estimativas dispo-niacuteveis podem ter impacto significativo sobre o clima

Dalton Valeriano liderou um estudo pioneiro sobre degradaccedilatildeo69 que encontrou no Estado do Mato Gros-so no periacuteodo de 2007 a 2010 ldquosomenterdquo 7856 km2 com corte raso mas outros 32926 km2 de florestas degradadas Somando corte raso com degradaccedilatildeo sobrou pouco do propriamente chamado Estado de Mato Grosso

No mesmo periacuteodo o INPE mapeou 64205 km2 de flo-resta degradada versus 39026 km2 de corte raso para a Amazocircnia brasileira Usando a proporccedilatildeo entre estas

64 (Alves 2007) Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon65 Aacuterea desmatada 762979 km2 0004136 km2 = 184472679 de campos de futebol66 (Viana 2012) Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento67 httpwwwdpiinpebrprodesdigitalprodesphp Lista (uma tabela) e Consolida (somatoacuterios para a unidade de aacuterea considerada)68 Porcentagem de aacuterea desmatada ateacute 2012 TO 75 MA 72 RO 41 MT 40 PA 22 e AC 1369 httpwwwobtinpebrprodesRelatorio_Prodes2008pdf

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 24Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aacutereas pode-se extrapolar a aacuterea de floresta degradada para toda a Amazocircnia brasileira Na estimativa ateacute 2013 a aacuterea total degradada pode ter alcanccedilado 1255100 km2 Somando com a aacuterea mensurada de corte raso o impacto cumulativo no bioma pela ocupaccedilatildeo humana pode ter atingido 2018079 km2

Dentre mais de 200 paiacuteses no mundo somente 13 tecircm aacuterea maior que essa Nesta contabilidade a degrada-ccedilatildeo de florestas na Amazocircnia brasileira pode haver chegado a 2944 da aacuterea original70 que somada ao desmatamento corte-raso sugere que ateacute 4734 da floresta tenha sido impactada diretamente por ativi-dade humana desestabilizadora do clima Para a Pan-Amazocircnia esse impacto agregado da Amazocircnia bra-sileira contabilizando desmatamento e estimando degradaccedilatildeo representa de 2668 a 290371 sobre a aacuterea original de floresta

Mas a aacuterea de impacto no sentido ecoloacutegico pode ser ainda maior porque florestas contiacuteguas a aacutereas de de-gradaccedilatildeo ou corte raso sofrem direta e indiretamente os efeitos das mudanccedilas ambientais vizinhas (biogeo-fiacutesicas e biogeoquiacutemicas)72

No processo de degradaccedilatildeo a destruiccedilatildeo do dossel frequentemente superior a 60 da cobertura73 muda as caracteriacutesticas estruturais ecoloacutegicas e fisioloacutegicas da floresta comprometendo suas capacidades am-bientais

70 Caacutelculo utilizando a mensuraccedilatildeo de Espiacuterito-Santo et al (2014) para a floresta remanescente na Amazocircnia brasileira [3500000 km2] acrescida da aacuterea acumulada do desmatamento [762979 km2] chegando a 4262979 km2 de florestas originais na Amazocircnia brasileira

71 Impacto usando aacuterea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Espiacuterito-Santo et al (2014) com 7562979 km2 e em Eva et al (2005) com 6943468 km2

72 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon73 (Valeriano et al 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD e QUEIMADAS 2007-200874 University of Maryland Global Forest Cover

Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 ateacute 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Ameacuterica do Sul74

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 19: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 20Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

2) O desmatamento leva ao clima inoacutespito

Em vista dos efeitos extensivos e elaborados das flo-restas sobre o clima demonstrados pela ciecircncia que resultados esperar da sua devastaccedilatildeo Para avaliar os impactos do desmatamento no clima vem sendo fei-to um nuacutemero crescente de experimentos de campo e modelagem estudos observacionais e mais recente-mente anaacutelises teoacutericas Quais as consequecircncias pro-jetadas do desmatamento e quais as jaacute observadas

21) Desmatamento virtual simulando a aniquilaccedilatildeo das aacutervores

Uma das maiores virtudes dos modelos climaacuteticos estaacute em sua capacidade de simular cenaacuterios distantes do momento presente Esse tipo de exerciacutecio natildeo eacute pre-ditivo no sentido fiacutesico mas onde a teoria fiacutesica ainda natildeo estiver disponiacutevel eacute o melhor conhecimento e a uacutenica ferramenta para analisar sistemas complexos e fazer extrapolaccedilotildees bem fundamentadas

Tais exerciacutecios de simulaccedilatildeo satildeo valiosos para situaccedilotildees especiacuteficas como explorar riscos climaacuteticos associados ao desmatamento No ambiente virtual como num si-mulador de voo eacute possiacutevel avaliar repetidamente ce-naacuterios de desastres esmiuccedilando os fatores atuantes as condiccedilotildees iniciais e as consequecircncias potenciais de manobras arriscadas

Em 1991 Carlos Nobre liderou um dos mais citados

estudos para simular o impacto no clima do desma-tamento total da floresta amazocircnica52 Usando um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera (GCM53) com um moacutedulo acoplado de representaccedilatildeo da vegetaccedilatildeo (SiB54) os autores concluiacuteram que quando as florestas eram substituiacutedas por pasto degradado no modelo verificava-se um aumento significativo na temperatura meacutedia de superfiacutecie (cerca de 25degC) e uma diminuiccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo anual (reduccedilatildeo de 30) da pre-cipitaccedilatildeo (reduccedilatildeo de 25) e do escoamento superfi-cial (reduccedilatildeo de 20) Na simulaccedilatildeo ocorria tambeacutem um aumento da duraccedilatildeo da estaccedilatildeo seca na metade sul da bacia amazocircnica

Nas duas deacutecadas seguintes outros estudos avanccedila-ram no detalhamento e generalizaccedilatildeo dessas conclu-sotildees Deborah Lawrence e Karen Vandecar fizeram recentemente uma revisatildeo da literatura55 sobre os impactos do desmatamento tropical no clima e con-cluiacuteram que vaacuterios GCMs concordam em que o des-matamento em escala regional leva a um clima mais quente e seco sobre a aacuterea desmatada Os modelos que simulam o desmatamento completo da Amazocirc-nia preveem um clima com aquecimento na faixa de 01-38degC (meacutedia de 19degC) e reduccedilatildeo de chuvas na fai-xa de 140-640 mm ao ano (meacutedia de 324 miliacutemetrosano ou 10-15 de reduccedilatildeo)

Mas o desmatamento pode ter implicaccedilotildees muito mais

52 (Nobre C et al 1991) Amazonian Deforestation and Regional Climate Change53 Definiccedilatildeo de GCM por Lawrence e Vandecar (2014) ldquo satildeo modelos computacionais tridimensionais globais do sistema climaacutetico que operam em larga escala Os modelos mais recentes incluem representaccedilotildees

da atmosfera oceanos e da superfiacutecie da Terra [] e incorporam o ciclo hidroloacutegico e uma representaccedilatildeo expliacutecita [] da vegetaccedilatildeo e seus efeitos sobre os fluxos de energia e de aacutegua incluindo as transferecircncias radiativas e turbulentas e os controles fiacutesicos e bioloacutegicos da evapotranspiraccedilatildeordquo

54 (Sellers et al 1986) Simple Biosphere Model55 (Lawrence and Vandecar 2014) The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity natildeo publicado

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 21Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

modelos parecem tender a subestimar as consequecircn-cias negativas nos cenaacuterios simulados Os resultados de projeccedilotildees mais recentes incluindo os oceanos agra-vam o quadro e aumentam o alerta

A eliminaccedilatildeo da floresta ndash prin-cipal agente da condensaccedilatildeo continental ndash equivale a desligar o interruptor de uma bomba de umidade atmosfeacuterica

Mas eacute preciso tambeacutem con-siderar a teoria da bomba bioacutetica e sua previsatildeo de re-duccedilatildeo de chuvas Diferente-mente dos modelos numeacute-

ricos convencionais uma teoria fiacutesica constroacutei entendimento baseada exclusivamente em leis funda-mentais da natureza Se a teoria estiver correta torna possiacutevel prever quantitativamente efeitos fiacutesicos apenas com a anaacutelise dos cenaacuterios e de sua loacutegica funcional

Makarieva e Gorshkov preveem que o desmatamento completo da Amazocircnia reduziria a precipitaccedilatildeo primor-dialmente como resultado da dissipaccedilatildeo do efeito da baixa pressatildeo (succcedilatildeo) associado agrave condensaccedilatildeo que eacute conectada a uma reduccedilatildeo da evaporaccedilatildeo de superfiacute-cie Como a teoria da bomba bioacutetica tambeacutem credita a disponibilidade de vapor para a precipitaccedilatildeo na Ama-zocircnia como resultado dessa capacidade de transpirar a eliminaccedilatildeo total do principal agente da transpiraccedilatildeo levaria agrave cessaccedilatildeo completa do bombeamento bioacutetico

Esta teoria sugere que desligado o interruptor da bom-ba que puxa o ar uacutemido para o continente o fluxo de umidade deve mudar de direccedilatildeo quando a condensaccedilatildeo passar a ser relativamente maior sobre o oceano (mais

seacuterias Em 1997 German Poveda e Oscar Mesa56 propuse-ram o papel de ponte hidrometeoroloacutegica para a floresta amazocircnica ao conectar os dois grandes oceanos proacutexi-mos isto eacute sugerindo efeitos climaacuteticos cruzados entre os oceanos via atmosfera mediados pela floresta

Explorando com modelagem em direccedilatildeo similar mais recentemente Paulo Nobre57 e colaboradores estuda-ram o impacto do desmatamento na chuva amazocircni-ca tendo como referecircncia a inclusatildeo ou a exclusatildeo das respostas dos grandes oceanos aos cenaacuterios de des-matamento58 Comparando simulaccedilotildees feitas em um GCM atmosfeacuterico usual com um GCM acoplado a outro modelo que simula as condiccedilotildees internas dos oceanos (salinidade correntes etc) esses autores encontraram uma reduccedilatildeo consideravelmente maior na precipita-ccedilatildeo quando o GCM acoplado com o oceano foi rodado para um cenaacuterio de desmatamento total da Amazocircnia 42 de reduccedilatildeo da chuva contabilizando os mecanis-mos internos dos oceanos contra 26 de reduccedilatildeo da chuva sem considera-los Os oceanos sempre estive-ram presentes e a inclusatildeo das suas respostas internas daacute mais realismo agraves simulaccedilotildees

Jaacute existem comprovaccedilotildees de muito do que foi proje-tado pelos modelos como consequecircncia do desma-tamento especialmente a ampliaccedilatildeo da estaccedilatildeo seca Poreacutem esses experimentos virtuais indicavam um prolongamento da estaccedilatildeo seca apoacutes destruiccedilatildeo de 100 da floresta o que jaacute se observa com o corte raso de pouco menos de 19 da floresta Ou seja esses 56 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena57 (Nobre P et al 2009b) Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation58 Que utiliza apenas a seacuterie histoacuterica observada das temperaturas da superfiacutecie dos oceanos

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 22Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

E apontaram que essa re-duccedilatildeo de chuvas poderaacute ser bem maior do que o indicado pelo grupo de Spracklen63 Para a porccedilatildeo

mais desmatada da Amazocircnia jaacute se constata progres-sivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera significativo impacto no setor agriacutecola

Assim a discussatildeo sobre desmatamento passa longe de duacutevidas sobre seus evidentes efeitos diretos e indi-retos na reduccedilatildeo das chuvas e recai sobre a extensatildeo da aacuterea desmatada No periacuteodo 20112012 foram ldquoape-nasrdquo 4571 km2 desmatados na Amazocircnia brasileira Se comparado com taxas de desmatamento em anos de pico como 2004 (27772 km2) esse valor parece mo-desto O Brasil merece reconhecimento por haver lo-grado essa reduccedilatildeo A velocidade e a eficaacutecia atingidas na reduccedilatildeo recomendam essa estrateacutegia para zerar e reverter o desmatamento no Brasil e no mundo

A despeito da notiacutecia encorajadora essa taxa que pa-rece tatildeo pequena seria suficiente para desmatar aacuterea equivalente a toda a Costa Rica em meros dez anos Aleacutem disso reduccedilotildees nas taxas anuais atenuam a per-cepccedilatildeo momentacircnea de perda e mascaram o desmata-mento acumulado na Amazocircnia que eacute muito grave

No que diz respeito ao clima importa sobretudo a aacuterea total devastada e sua distribuiccedilatildeo espacial Compilando

localizado da chuva com o desmatamento estudos mais abrangentes simulaccedilotildees com modelos climaacuteticos e mesmo anaacutelises teoacutericas esclareceram o caraacuteter local e transitoacuterio desse efeito que depende basicamente da existecircncia de matas circundantes agrave aacuterea desmatada e da extensatildeo dessas matas O aumento de chuva converte-se em reduccedilatildeo tatildeo logo as florestas remanescentes fi-quem mais distantes que um certo limiar de aacuterea aberta Daiacute em diante haveraacute reduccedilatildeo das chuvas

Dados de sateacutelites para chuva e presenccedila de floresta mostra-ram reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos que passam sobre aacutereas desmatadas

O estudo de Spracklen e colaboradores62 com da-dos de sateacutelites para chu-va e presenccedila de floresta constatou que com o des-

matamento ocorre a reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos Em 60 das aacutereas tropicais o ar que passa sobre densas florestas produz pelo menos duas vezes mais chuva que o ar que passa sobre aacutereas desmatadas Apesar de ainda natildeo terem considerado o mecanismo e os efeitos da teoria da bomba bioacutetica esses autores de-monstraram com evidecircncias fortes que o impacto ne-gativo do desmatamento no clima natildeo eacute somente local mas pode afetar regiotildees proacuteximas e distantes

Aplicando os conceitos da bomba bioacutetica Makarieva e colaboradores colocaram os achados de Spracklen em perspectiva explicando quantitativamente quais os fatores fiacutesicos responsaacuteveis pela reduccedilatildeo nas chuvas a jusante dos ventos decorrentes do desmatamento

fraca que a bioacutetica a bomba oceacircnica de condensaccedilatildeo estaacute sempre ligada) o que levaria a aridez em terra59

Os modelos climaacuteticos usados para simular o desma-tamento ainda natildeo embutiram essa nova teoria fiacutesica portanto natildeo projetam esse efeito que poderia signi-ficar ateacute 100 de reduccedilatildeo nas chuvas

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo

O desmatamento real eacute imenso e seus efeitos sobre o clima satildeo bem documentados Estudos em torres micrometeoroloacutegicas mostram que a substituiccedilatildeo de floresta por pastagem leva como previsto pelos mo-delos a um aumento da temperatura de superfiacutecie e uma reduccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo60 Observaccedilotildees de sateacutelite mostram que durante a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspi-raccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas61

Observaccedilotildees mostram que duran-te a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspiraccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas

Dados similares tambeacutem indicam que a transpira-ccedilatildeo da floresta eacute bem maior do que aquela pres-crita pelos modelos o que explica em parte a subesti-

mativa dos modelos de larga escala no caso da reduccedilatildeo de precipitaccedilatildeo com o desmatamento Embora alguns estudos observacionais tenham revelado um aumento

Para a porccedilatildeo mais desmata-da da Amazocircnia jaacute se constata progressivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera signifi-cativo impacto no setor agriacutecola

59 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais60 Por exemplo (Gash et al 1996) Amazonian Deforestation and Climate (von Randow et al 2004) Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in southwest Amazonia61 (Huete et al 2006) Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought62 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests63 (Makarieva et al 2013) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 23Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Desmatamento acumulado 762979 km2

Esse valor eacute maior que a soma das aacutereas de trecircs estados de Satildeo Paulo ou que as aacutereas somadas de duas Alemanhas ou de dois Japotildees Uma unidade de aacuterea mais proacutexima do brasileiro o campo de futebol (4136 m2) daacute uma noccedilatildeo da magnitude da devastaccedilatildeo 184 milhotildees de unidades65 ndash quase um campo de futebol desmatado na Amazocircnia para cada brasileiro Colocado na perspectiva temporal teriam sido em meacutedia 12635 campos desmatados por dia 526 campos por hora 88 campos ndash ou 36291 m2 por minuto 605 m2 por segundo ininterruptamente nos uacuteltimos 40 anos Para caber na compreensatildeo o gigantismo destes nuacutemeros eacute preciso estender a imaginaccedilatildeo para aleacutem destas analogias Um trator ficcional operando uma lacircmina frontal com 3 m de largura precisaria acelerar quase agrave velocidade de um aviatildeo a jato (726 kmh) para desmatar a aacuterea raspada na Amazocircnia no ritmo registrado do espaccedilo em imagens Como um trator desmata mui-to mais lentamente (024 - 036 hah66 ou ~08 kmh se essa aacuterea estives-se contida em uma faixa com 3 m de largura) com a mesma lacircmina de 3 m seriam necessaacuterios mais de 900 tratores simultaneamente derrubando a floresta lado a lado formando uma frente destrutiva com quase 3 km de largura Uma comparaccedilatildeo ainda mais impressionante eacute uma ldquoestrada de desmatamentordquo com 2 km de largura que daria para cobrir a distacircncia da Terra ateacute a Lua (380 mil km)

estudos pioneiros com dados de sateacutelite Dioacutegenes Al-ves64 contabilizou ateacute 2004 um desmatamento total de 663 mil km2 Agregando-se os nuacutemeros mais recentes do projeto PRODES do INPE o desmatamento acumula-do total ateacute 2013 chega a 762979 km2

Pelo vieacutes do dano ao clima o que se tem na Amazocircnia eacute um passivo gigantesco de destruiccedilatildeo do oceano ver-de Natildeo haacute portanto qualquer motivo para comemo-rar as taxas relativamente mais baixas de corte raso dos uacuteltimos anos mesmo porque depois da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal (2011) com sua ampla anistia a desmatadores jaacute se observa uma niacutetida tendecircncia de aumento das taxas anuais

Na contabilidade do INPE o corte raso brasileiro (sem considerar os dos demais paiacuteses da bacia amazocircnica) chegou em 2012 a 1885 da aacuterea original de floresta67 Mas a destruiccedilatildeo natildeo eacute uniforme pois ocorre grande concentraccedilatildeo de corte raso no chamado Arco do Fogo ndash ou Arco do Desmatamento68 Se a vastidatildeo raspada jaacute eacute graviacutessima para o clima a situaccedilatildeo torna-se ainda pior ao se considerar o oceano verde ferido

A exploraccedilatildeo madeireira e o desmatamento gradual pro-duzem extensas aacutereas de florestas degradadas que rara-mente entram na contabilidade oficial da destruiccedilatildeo mas que a depreender das informaccedilotildees e estimativas dispo-niacuteveis podem ter impacto significativo sobre o clima

Dalton Valeriano liderou um estudo pioneiro sobre degradaccedilatildeo69 que encontrou no Estado do Mato Gros-so no periacuteodo de 2007 a 2010 ldquosomenterdquo 7856 km2 com corte raso mas outros 32926 km2 de florestas degradadas Somando corte raso com degradaccedilatildeo sobrou pouco do propriamente chamado Estado de Mato Grosso

No mesmo periacuteodo o INPE mapeou 64205 km2 de flo-resta degradada versus 39026 km2 de corte raso para a Amazocircnia brasileira Usando a proporccedilatildeo entre estas

64 (Alves 2007) Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon65 Aacuterea desmatada 762979 km2 0004136 km2 = 184472679 de campos de futebol66 (Viana 2012) Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento67 httpwwwdpiinpebrprodesdigitalprodesphp Lista (uma tabela) e Consolida (somatoacuterios para a unidade de aacuterea considerada)68 Porcentagem de aacuterea desmatada ateacute 2012 TO 75 MA 72 RO 41 MT 40 PA 22 e AC 1369 httpwwwobtinpebrprodesRelatorio_Prodes2008pdf

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 24Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aacutereas pode-se extrapolar a aacuterea de floresta degradada para toda a Amazocircnia brasileira Na estimativa ateacute 2013 a aacuterea total degradada pode ter alcanccedilado 1255100 km2 Somando com a aacuterea mensurada de corte raso o impacto cumulativo no bioma pela ocupaccedilatildeo humana pode ter atingido 2018079 km2

Dentre mais de 200 paiacuteses no mundo somente 13 tecircm aacuterea maior que essa Nesta contabilidade a degrada-ccedilatildeo de florestas na Amazocircnia brasileira pode haver chegado a 2944 da aacuterea original70 que somada ao desmatamento corte-raso sugere que ateacute 4734 da floresta tenha sido impactada diretamente por ativi-dade humana desestabilizadora do clima Para a Pan-Amazocircnia esse impacto agregado da Amazocircnia bra-sileira contabilizando desmatamento e estimando degradaccedilatildeo representa de 2668 a 290371 sobre a aacuterea original de floresta

Mas a aacuterea de impacto no sentido ecoloacutegico pode ser ainda maior porque florestas contiacuteguas a aacutereas de de-gradaccedilatildeo ou corte raso sofrem direta e indiretamente os efeitos das mudanccedilas ambientais vizinhas (biogeo-fiacutesicas e biogeoquiacutemicas)72

No processo de degradaccedilatildeo a destruiccedilatildeo do dossel frequentemente superior a 60 da cobertura73 muda as caracteriacutesticas estruturais ecoloacutegicas e fisioloacutegicas da floresta comprometendo suas capacidades am-bientais

70 Caacutelculo utilizando a mensuraccedilatildeo de Espiacuterito-Santo et al (2014) para a floresta remanescente na Amazocircnia brasileira [3500000 km2] acrescida da aacuterea acumulada do desmatamento [762979 km2] chegando a 4262979 km2 de florestas originais na Amazocircnia brasileira

71 Impacto usando aacuterea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Espiacuterito-Santo et al (2014) com 7562979 km2 e em Eva et al (2005) com 6943468 km2

72 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon73 (Valeriano et al 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD e QUEIMADAS 2007-200874 University of Maryland Global Forest Cover

Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 ateacute 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Ameacuterica do Sul74

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 20: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 21Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

modelos parecem tender a subestimar as consequecircn-cias negativas nos cenaacuterios simulados Os resultados de projeccedilotildees mais recentes incluindo os oceanos agra-vam o quadro e aumentam o alerta

A eliminaccedilatildeo da floresta ndash prin-cipal agente da condensaccedilatildeo continental ndash equivale a desligar o interruptor de uma bomba de umidade atmosfeacuterica

Mas eacute preciso tambeacutem con-siderar a teoria da bomba bioacutetica e sua previsatildeo de re-duccedilatildeo de chuvas Diferente-mente dos modelos numeacute-

ricos convencionais uma teoria fiacutesica constroacutei entendimento baseada exclusivamente em leis funda-mentais da natureza Se a teoria estiver correta torna possiacutevel prever quantitativamente efeitos fiacutesicos apenas com a anaacutelise dos cenaacuterios e de sua loacutegica funcional

Makarieva e Gorshkov preveem que o desmatamento completo da Amazocircnia reduziria a precipitaccedilatildeo primor-dialmente como resultado da dissipaccedilatildeo do efeito da baixa pressatildeo (succcedilatildeo) associado agrave condensaccedilatildeo que eacute conectada a uma reduccedilatildeo da evaporaccedilatildeo de superfiacute-cie Como a teoria da bomba bioacutetica tambeacutem credita a disponibilidade de vapor para a precipitaccedilatildeo na Ama-zocircnia como resultado dessa capacidade de transpirar a eliminaccedilatildeo total do principal agente da transpiraccedilatildeo levaria agrave cessaccedilatildeo completa do bombeamento bioacutetico

Esta teoria sugere que desligado o interruptor da bom-ba que puxa o ar uacutemido para o continente o fluxo de umidade deve mudar de direccedilatildeo quando a condensaccedilatildeo passar a ser relativamente maior sobre o oceano (mais

seacuterias Em 1997 German Poveda e Oscar Mesa56 propuse-ram o papel de ponte hidrometeoroloacutegica para a floresta amazocircnica ao conectar os dois grandes oceanos proacutexi-mos isto eacute sugerindo efeitos climaacuteticos cruzados entre os oceanos via atmosfera mediados pela floresta

Explorando com modelagem em direccedilatildeo similar mais recentemente Paulo Nobre57 e colaboradores estuda-ram o impacto do desmatamento na chuva amazocircni-ca tendo como referecircncia a inclusatildeo ou a exclusatildeo das respostas dos grandes oceanos aos cenaacuterios de des-matamento58 Comparando simulaccedilotildees feitas em um GCM atmosfeacuterico usual com um GCM acoplado a outro modelo que simula as condiccedilotildees internas dos oceanos (salinidade correntes etc) esses autores encontraram uma reduccedilatildeo consideravelmente maior na precipita-ccedilatildeo quando o GCM acoplado com o oceano foi rodado para um cenaacuterio de desmatamento total da Amazocircnia 42 de reduccedilatildeo da chuva contabilizando os mecanis-mos internos dos oceanos contra 26 de reduccedilatildeo da chuva sem considera-los Os oceanos sempre estive-ram presentes e a inclusatildeo das suas respostas internas daacute mais realismo agraves simulaccedilotildees

Jaacute existem comprovaccedilotildees de muito do que foi proje-tado pelos modelos como consequecircncia do desma-tamento especialmente a ampliaccedilatildeo da estaccedilatildeo seca Poreacutem esses experimentos virtuais indicavam um prolongamento da estaccedilatildeo seca apoacutes destruiccedilatildeo de 100 da floresta o que jaacute se observa com o corte raso de pouco menos de 19 da floresta Ou seja esses 56 (Poveda and Mesa 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena57 (Nobre P et al 2009b) Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation58 Que utiliza apenas a seacuterie histoacuterica observada das temperaturas da superfiacutecie dos oceanos

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 22Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

E apontaram que essa re-duccedilatildeo de chuvas poderaacute ser bem maior do que o indicado pelo grupo de Spracklen63 Para a porccedilatildeo

mais desmatada da Amazocircnia jaacute se constata progres-sivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera significativo impacto no setor agriacutecola

Assim a discussatildeo sobre desmatamento passa longe de duacutevidas sobre seus evidentes efeitos diretos e indi-retos na reduccedilatildeo das chuvas e recai sobre a extensatildeo da aacuterea desmatada No periacuteodo 20112012 foram ldquoape-nasrdquo 4571 km2 desmatados na Amazocircnia brasileira Se comparado com taxas de desmatamento em anos de pico como 2004 (27772 km2) esse valor parece mo-desto O Brasil merece reconhecimento por haver lo-grado essa reduccedilatildeo A velocidade e a eficaacutecia atingidas na reduccedilatildeo recomendam essa estrateacutegia para zerar e reverter o desmatamento no Brasil e no mundo

A despeito da notiacutecia encorajadora essa taxa que pa-rece tatildeo pequena seria suficiente para desmatar aacuterea equivalente a toda a Costa Rica em meros dez anos Aleacutem disso reduccedilotildees nas taxas anuais atenuam a per-cepccedilatildeo momentacircnea de perda e mascaram o desmata-mento acumulado na Amazocircnia que eacute muito grave

No que diz respeito ao clima importa sobretudo a aacuterea total devastada e sua distribuiccedilatildeo espacial Compilando

localizado da chuva com o desmatamento estudos mais abrangentes simulaccedilotildees com modelos climaacuteticos e mesmo anaacutelises teoacutericas esclareceram o caraacuteter local e transitoacuterio desse efeito que depende basicamente da existecircncia de matas circundantes agrave aacuterea desmatada e da extensatildeo dessas matas O aumento de chuva converte-se em reduccedilatildeo tatildeo logo as florestas remanescentes fi-quem mais distantes que um certo limiar de aacuterea aberta Daiacute em diante haveraacute reduccedilatildeo das chuvas

Dados de sateacutelites para chuva e presenccedila de floresta mostra-ram reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos que passam sobre aacutereas desmatadas

O estudo de Spracklen e colaboradores62 com da-dos de sateacutelites para chu-va e presenccedila de floresta constatou que com o des-

matamento ocorre a reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos Em 60 das aacutereas tropicais o ar que passa sobre densas florestas produz pelo menos duas vezes mais chuva que o ar que passa sobre aacutereas desmatadas Apesar de ainda natildeo terem considerado o mecanismo e os efeitos da teoria da bomba bioacutetica esses autores de-monstraram com evidecircncias fortes que o impacto ne-gativo do desmatamento no clima natildeo eacute somente local mas pode afetar regiotildees proacuteximas e distantes

Aplicando os conceitos da bomba bioacutetica Makarieva e colaboradores colocaram os achados de Spracklen em perspectiva explicando quantitativamente quais os fatores fiacutesicos responsaacuteveis pela reduccedilatildeo nas chuvas a jusante dos ventos decorrentes do desmatamento

fraca que a bioacutetica a bomba oceacircnica de condensaccedilatildeo estaacute sempre ligada) o que levaria a aridez em terra59

Os modelos climaacuteticos usados para simular o desma-tamento ainda natildeo embutiram essa nova teoria fiacutesica portanto natildeo projetam esse efeito que poderia signi-ficar ateacute 100 de reduccedilatildeo nas chuvas

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo

O desmatamento real eacute imenso e seus efeitos sobre o clima satildeo bem documentados Estudos em torres micrometeoroloacutegicas mostram que a substituiccedilatildeo de floresta por pastagem leva como previsto pelos mo-delos a um aumento da temperatura de superfiacutecie e uma reduccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo60 Observaccedilotildees de sateacutelite mostram que durante a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspi-raccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas61

Observaccedilotildees mostram que duran-te a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspiraccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas

Dados similares tambeacutem indicam que a transpira-ccedilatildeo da floresta eacute bem maior do que aquela pres-crita pelos modelos o que explica em parte a subesti-

mativa dos modelos de larga escala no caso da reduccedilatildeo de precipitaccedilatildeo com o desmatamento Embora alguns estudos observacionais tenham revelado um aumento

Para a porccedilatildeo mais desmata-da da Amazocircnia jaacute se constata progressivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera signifi-cativo impacto no setor agriacutecola

59 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais60 Por exemplo (Gash et al 1996) Amazonian Deforestation and Climate (von Randow et al 2004) Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in southwest Amazonia61 (Huete et al 2006) Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought62 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests63 (Makarieva et al 2013) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 23Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Desmatamento acumulado 762979 km2

Esse valor eacute maior que a soma das aacutereas de trecircs estados de Satildeo Paulo ou que as aacutereas somadas de duas Alemanhas ou de dois Japotildees Uma unidade de aacuterea mais proacutexima do brasileiro o campo de futebol (4136 m2) daacute uma noccedilatildeo da magnitude da devastaccedilatildeo 184 milhotildees de unidades65 ndash quase um campo de futebol desmatado na Amazocircnia para cada brasileiro Colocado na perspectiva temporal teriam sido em meacutedia 12635 campos desmatados por dia 526 campos por hora 88 campos ndash ou 36291 m2 por minuto 605 m2 por segundo ininterruptamente nos uacuteltimos 40 anos Para caber na compreensatildeo o gigantismo destes nuacutemeros eacute preciso estender a imaginaccedilatildeo para aleacutem destas analogias Um trator ficcional operando uma lacircmina frontal com 3 m de largura precisaria acelerar quase agrave velocidade de um aviatildeo a jato (726 kmh) para desmatar a aacuterea raspada na Amazocircnia no ritmo registrado do espaccedilo em imagens Como um trator desmata mui-to mais lentamente (024 - 036 hah66 ou ~08 kmh se essa aacuterea estives-se contida em uma faixa com 3 m de largura) com a mesma lacircmina de 3 m seriam necessaacuterios mais de 900 tratores simultaneamente derrubando a floresta lado a lado formando uma frente destrutiva com quase 3 km de largura Uma comparaccedilatildeo ainda mais impressionante eacute uma ldquoestrada de desmatamentordquo com 2 km de largura que daria para cobrir a distacircncia da Terra ateacute a Lua (380 mil km)

estudos pioneiros com dados de sateacutelite Dioacutegenes Al-ves64 contabilizou ateacute 2004 um desmatamento total de 663 mil km2 Agregando-se os nuacutemeros mais recentes do projeto PRODES do INPE o desmatamento acumula-do total ateacute 2013 chega a 762979 km2

Pelo vieacutes do dano ao clima o que se tem na Amazocircnia eacute um passivo gigantesco de destruiccedilatildeo do oceano ver-de Natildeo haacute portanto qualquer motivo para comemo-rar as taxas relativamente mais baixas de corte raso dos uacuteltimos anos mesmo porque depois da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal (2011) com sua ampla anistia a desmatadores jaacute se observa uma niacutetida tendecircncia de aumento das taxas anuais

Na contabilidade do INPE o corte raso brasileiro (sem considerar os dos demais paiacuteses da bacia amazocircnica) chegou em 2012 a 1885 da aacuterea original de floresta67 Mas a destruiccedilatildeo natildeo eacute uniforme pois ocorre grande concentraccedilatildeo de corte raso no chamado Arco do Fogo ndash ou Arco do Desmatamento68 Se a vastidatildeo raspada jaacute eacute graviacutessima para o clima a situaccedilatildeo torna-se ainda pior ao se considerar o oceano verde ferido

A exploraccedilatildeo madeireira e o desmatamento gradual pro-duzem extensas aacutereas de florestas degradadas que rara-mente entram na contabilidade oficial da destruiccedilatildeo mas que a depreender das informaccedilotildees e estimativas dispo-niacuteveis podem ter impacto significativo sobre o clima

Dalton Valeriano liderou um estudo pioneiro sobre degradaccedilatildeo69 que encontrou no Estado do Mato Gros-so no periacuteodo de 2007 a 2010 ldquosomenterdquo 7856 km2 com corte raso mas outros 32926 km2 de florestas degradadas Somando corte raso com degradaccedilatildeo sobrou pouco do propriamente chamado Estado de Mato Grosso

No mesmo periacuteodo o INPE mapeou 64205 km2 de flo-resta degradada versus 39026 km2 de corte raso para a Amazocircnia brasileira Usando a proporccedilatildeo entre estas

64 (Alves 2007) Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon65 Aacuterea desmatada 762979 km2 0004136 km2 = 184472679 de campos de futebol66 (Viana 2012) Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento67 httpwwwdpiinpebrprodesdigitalprodesphp Lista (uma tabela) e Consolida (somatoacuterios para a unidade de aacuterea considerada)68 Porcentagem de aacuterea desmatada ateacute 2012 TO 75 MA 72 RO 41 MT 40 PA 22 e AC 1369 httpwwwobtinpebrprodesRelatorio_Prodes2008pdf

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 24Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aacutereas pode-se extrapolar a aacuterea de floresta degradada para toda a Amazocircnia brasileira Na estimativa ateacute 2013 a aacuterea total degradada pode ter alcanccedilado 1255100 km2 Somando com a aacuterea mensurada de corte raso o impacto cumulativo no bioma pela ocupaccedilatildeo humana pode ter atingido 2018079 km2

Dentre mais de 200 paiacuteses no mundo somente 13 tecircm aacuterea maior que essa Nesta contabilidade a degrada-ccedilatildeo de florestas na Amazocircnia brasileira pode haver chegado a 2944 da aacuterea original70 que somada ao desmatamento corte-raso sugere que ateacute 4734 da floresta tenha sido impactada diretamente por ativi-dade humana desestabilizadora do clima Para a Pan-Amazocircnia esse impacto agregado da Amazocircnia bra-sileira contabilizando desmatamento e estimando degradaccedilatildeo representa de 2668 a 290371 sobre a aacuterea original de floresta

Mas a aacuterea de impacto no sentido ecoloacutegico pode ser ainda maior porque florestas contiacuteguas a aacutereas de de-gradaccedilatildeo ou corte raso sofrem direta e indiretamente os efeitos das mudanccedilas ambientais vizinhas (biogeo-fiacutesicas e biogeoquiacutemicas)72

No processo de degradaccedilatildeo a destruiccedilatildeo do dossel frequentemente superior a 60 da cobertura73 muda as caracteriacutesticas estruturais ecoloacutegicas e fisioloacutegicas da floresta comprometendo suas capacidades am-bientais

70 Caacutelculo utilizando a mensuraccedilatildeo de Espiacuterito-Santo et al (2014) para a floresta remanescente na Amazocircnia brasileira [3500000 km2] acrescida da aacuterea acumulada do desmatamento [762979 km2] chegando a 4262979 km2 de florestas originais na Amazocircnia brasileira

71 Impacto usando aacuterea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Espiacuterito-Santo et al (2014) com 7562979 km2 e em Eva et al (2005) com 6943468 km2

72 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon73 (Valeriano et al 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD e QUEIMADAS 2007-200874 University of Maryland Global Forest Cover

Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 ateacute 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Ameacuterica do Sul74

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 21: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 22Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

E apontaram que essa re-duccedilatildeo de chuvas poderaacute ser bem maior do que o indicado pelo grupo de Spracklen63 Para a porccedilatildeo

mais desmatada da Amazocircnia jaacute se constata progres-sivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera significativo impacto no setor agriacutecola

Assim a discussatildeo sobre desmatamento passa longe de duacutevidas sobre seus evidentes efeitos diretos e indi-retos na reduccedilatildeo das chuvas e recai sobre a extensatildeo da aacuterea desmatada No periacuteodo 20112012 foram ldquoape-nasrdquo 4571 km2 desmatados na Amazocircnia brasileira Se comparado com taxas de desmatamento em anos de pico como 2004 (27772 km2) esse valor parece mo-desto O Brasil merece reconhecimento por haver lo-grado essa reduccedilatildeo A velocidade e a eficaacutecia atingidas na reduccedilatildeo recomendam essa estrateacutegia para zerar e reverter o desmatamento no Brasil e no mundo

A despeito da notiacutecia encorajadora essa taxa que pa-rece tatildeo pequena seria suficiente para desmatar aacuterea equivalente a toda a Costa Rica em meros dez anos Aleacutem disso reduccedilotildees nas taxas anuais atenuam a per-cepccedilatildeo momentacircnea de perda e mascaram o desmata-mento acumulado na Amazocircnia que eacute muito grave

No que diz respeito ao clima importa sobretudo a aacuterea total devastada e sua distribuiccedilatildeo espacial Compilando

localizado da chuva com o desmatamento estudos mais abrangentes simulaccedilotildees com modelos climaacuteticos e mesmo anaacutelises teoacutericas esclareceram o caraacuteter local e transitoacuterio desse efeito que depende basicamente da existecircncia de matas circundantes agrave aacuterea desmatada e da extensatildeo dessas matas O aumento de chuva converte-se em reduccedilatildeo tatildeo logo as florestas remanescentes fi-quem mais distantes que um certo limiar de aacuterea aberta Daiacute em diante haveraacute reduccedilatildeo das chuvas

Dados de sateacutelites para chuva e presenccedila de floresta mostra-ram reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos que passam sobre aacutereas desmatadas

O estudo de Spracklen e colaboradores62 com da-dos de sateacutelites para chu-va e presenccedila de floresta constatou que com o des-

matamento ocorre a reduccedilatildeo da precipitaccedilatildeo a jusante dos ventos Em 60 das aacutereas tropicais o ar que passa sobre densas florestas produz pelo menos duas vezes mais chuva que o ar que passa sobre aacutereas desmatadas Apesar de ainda natildeo terem considerado o mecanismo e os efeitos da teoria da bomba bioacutetica esses autores de-monstraram com evidecircncias fortes que o impacto ne-gativo do desmatamento no clima natildeo eacute somente local mas pode afetar regiotildees proacuteximas e distantes

Aplicando os conceitos da bomba bioacutetica Makarieva e colaboradores colocaram os achados de Spracklen em perspectiva explicando quantitativamente quais os fatores fiacutesicos responsaacuteveis pela reduccedilatildeo nas chuvas a jusante dos ventos decorrentes do desmatamento

fraca que a bioacutetica a bomba oceacircnica de condensaccedilatildeo estaacute sempre ligada) o que levaria a aridez em terra59

Os modelos climaacuteticos usados para simular o desma-tamento ainda natildeo embutiram essa nova teoria fiacutesica portanto natildeo projetam esse efeito que poderia signi-ficar ateacute 100 de reduccedilatildeo nas chuvas

22) Desmatamento real olhos de aacuteguia no espaccedilo

O desmatamento real eacute imenso e seus efeitos sobre o clima satildeo bem documentados Estudos em torres micrometeoroloacutegicas mostram que a substituiccedilatildeo de floresta por pastagem leva como previsto pelos mo-delos a um aumento da temperatura de superfiacutecie e uma reduccedilatildeo da evapotranspiraccedilatildeo60 Observaccedilotildees de sateacutelite mostram que durante a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspi-raccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas61

Observaccedilotildees mostram que duran-te a estaccedilatildeo seca como previsto pela teoria da bomba bioacutetica a evapotranspiraccedilatildeo das florestas continua a ocorrer ou ateacute aumenta mas natildeo nas aacutereas desmatadas

Dados similares tambeacutem indicam que a transpira-ccedilatildeo da floresta eacute bem maior do que aquela pres-crita pelos modelos o que explica em parte a subesti-

mativa dos modelos de larga escala no caso da reduccedilatildeo de precipitaccedilatildeo com o desmatamento Embora alguns estudos observacionais tenham revelado um aumento

Para a porccedilatildeo mais desmata-da da Amazocircnia jaacute se constata progressivo retardo no inicio da estaccedilatildeo uacutemida o que gera signifi-cativo impacto no setor agriacutecola

59 Jaacute considerando e descontando os efeitos da circulaccedilatildeo planetaacuteria associada a movimentos e aceleraccedilotildees inerciais60 Por exemplo (Gash et al 1996) Amazonian Deforestation and Climate (von Randow et al 2004) Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in southwest Amazonia61 (Huete et al 2006) Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season (Saleska et al 2007) Amazon forests green-up during 2005 drought62 (Spracklen et al 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests63 (Makarieva et al 2013) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 23Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Desmatamento acumulado 762979 km2

Esse valor eacute maior que a soma das aacutereas de trecircs estados de Satildeo Paulo ou que as aacutereas somadas de duas Alemanhas ou de dois Japotildees Uma unidade de aacuterea mais proacutexima do brasileiro o campo de futebol (4136 m2) daacute uma noccedilatildeo da magnitude da devastaccedilatildeo 184 milhotildees de unidades65 ndash quase um campo de futebol desmatado na Amazocircnia para cada brasileiro Colocado na perspectiva temporal teriam sido em meacutedia 12635 campos desmatados por dia 526 campos por hora 88 campos ndash ou 36291 m2 por minuto 605 m2 por segundo ininterruptamente nos uacuteltimos 40 anos Para caber na compreensatildeo o gigantismo destes nuacutemeros eacute preciso estender a imaginaccedilatildeo para aleacutem destas analogias Um trator ficcional operando uma lacircmina frontal com 3 m de largura precisaria acelerar quase agrave velocidade de um aviatildeo a jato (726 kmh) para desmatar a aacuterea raspada na Amazocircnia no ritmo registrado do espaccedilo em imagens Como um trator desmata mui-to mais lentamente (024 - 036 hah66 ou ~08 kmh se essa aacuterea estives-se contida em uma faixa com 3 m de largura) com a mesma lacircmina de 3 m seriam necessaacuterios mais de 900 tratores simultaneamente derrubando a floresta lado a lado formando uma frente destrutiva com quase 3 km de largura Uma comparaccedilatildeo ainda mais impressionante eacute uma ldquoestrada de desmatamentordquo com 2 km de largura que daria para cobrir a distacircncia da Terra ateacute a Lua (380 mil km)

estudos pioneiros com dados de sateacutelite Dioacutegenes Al-ves64 contabilizou ateacute 2004 um desmatamento total de 663 mil km2 Agregando-se os nuacutemeros mais recentes do projeto PRODES do INPE o desmatamento acumula-do total ateacute 2013 chega a 762979 km2

Pelo vieacutes do dano ao clima o que se tem na Amazocircnia eacute um passivo gigantesco de destruiccedilatildeo do oceano ver-de Natildeo haacute portanto qualquer motivo para comemo-rar as taxas relativamente mais baixas de corte raso dos uacuteltimos anos mesmo porque depois da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal (2011) com sua ampla anistia a desmatadores jaacute se observa uma niacutetida tendecircncia de aumento das taxas anuais

Na contabilidade do INPE o corte raso brasileiro (sem considerar os dos demais paiacuteses da bacia amazocircnica) chegou em 2012 a 1885 da aacuterea original de floresta67 Mas a destruiccedilatildeo natildeo eacute uniforme pois ocorre grande concentraccedilatildeo de corte raso no chamado Arco do Fogo ndash ou Arco do Desmatamento68 Se a vastidatildeo raspada jaacute eacute graviacutessima para o clima a situaccedilatildeo torna-se ainda pior ao se considerar o oceano verde ferido

A exploraccedilatildeo madeireira e o desmatamento gradual pro-duzem extensas aacutereas de florestas degradadas que rara-mente entram na contabilidade oficial da destruiccedilatildeo mas que a depreender das informaccedilotildees e estimativas dispo-niacuteveis podem ter impacto significativo sobre o clima

Dalton Valeriano liderou um estudo pioneiro sobre degradaccedilatildeo69 que encontrou no Estado do Mato Gros-so no periacuteodo de 2007 a 2010 ldquosomenterdquo 7856 km2 com corte raso mas outros 32926 km2 de florestas degradadas Somando corte raso com degradaccedilatildeo sobrou pouco do propriamente chamado Estado de Mato Grosso

No mesmo periacuteodo o INPE mapeou 64205 km2 de flo-resta degradada versus 39026 km2 de corte raso para a Amazocircnia brasileira Usando a proporccedilatildeo entre estas

64 (Alves 2007) Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon65 Aacuterea desmatada 762979 km2 0004136 km2 = 184472679 de campos de futebol66 (Viana 2012) Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento67 httpwwwdpiinpebrprodesdigitalprodesphp Lista (uma tabela) e Consolida (somatoacuterios para a unidade de aacuterea considerada)68 Porcentagem de aacuterea desmatada ateacute 2012 TO 75 MA 72 RO 41 MT 40 PA 22 e AC 1369 httpwwwobtinpebrprodesRelatorio_Prodes2008pdf

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 24Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aacutereas pode-se extrapolar a aacuterea de floresta degradada para toda a Amazocircnia brasileira Na estimativa ateacute 2013 a aacuterea total degradada pode ter alcanccedilado 1255100 km2 Somando com a aacuterea mensurada de corte raso o impacto cumulativo no bioma pela ocupaccedilatildeo humana pode ter atingido 2018079 km2

Dentre mais de 200 paiacuteses no mundo somente 13 tecircm aacuterea maior que essa Nesta contabilidade a degrada-ccedilatildeo de florestas na Amazocircnia brasileira pode haver chegado a 2944 da aacuterea original70 que somada ao desmatamento corte-raso sugere que ateacute 4734 da floresta tenha sido impactada diretamente por ativi-dade humana desestabilizadora do clima Para a Pan-Amazocircnia esse impacto agregado da Amazocircnia bra-sileira contabilizando desmatamento e estimando degradaccedilatildeo representa de 2668 a 290371 sobre a aacuterea original de floresta

Mas a aacuterea de impacto no sentido ecoloacutegico pode ser ainda maior porque florestas contiacuteguas a aacutereas de de-gradaccedilatildeo ou corte raso sofrem direta e indiretamente os efeitos das mudanccedilas ambientais vizinhas (biogeo-fiacutesicas e biogeoquiacutemicas)72

No processo de degradaccedilatildeo a destruiccedilatildeo do dossel frequentemente superior a 60 da cobertura73 muda as caracteriacutesticas estruturais ecoloacutegicas e fisioloacutegicas da floresta comprometendo suas capacidades am-bientais

70 Caacutelculo utilizando a mensuraccedilatildeo de Espiacuterito-Santo et al (2014) para a floresta remanescente na Amazocircnia brasileira [3500000 km2] acrescida da aacuterea acumulada do desmatamento [762979 km2] chegando a 4262979 km2 de florestas originais na Amazocircnia brasileira

71 Impacto usando aacuterea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Espiacuterito-Santo et al (2014) com 7562979 km2 e em Eva et al (2005) com 6943468 km2

72 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon73 (Valeriano et al 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD e QUEIMADAS 2007-200874 University of Maryland Global Forest Cover

Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 ateacute 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Ameacuterica do Sul74

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 22: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 23Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Desmatamento acumulado 762979 km2

Esse valor eacute maior que a soma das aacutereas de trecircs estados de Satildeo Paulo ou que as aacutereas somadas de duas Alemanhas ou de dois Japotildees Uma unidade de aacuterea mais proacutexima do brasileiro o campo de futebol (4136 m2) daacute uma noccedilatildeo da magnitude da devastaccedilatildeo 184 milhotildees de unidades65 ndash quase um campo de futebol desmatado na Amazocircnia para cada brasileiro Colocado na perspectiva temporal teriam sido em meacutedia 12635 campos desmatados por dia 526 campos por hora 88 campos ndash ou 36291 m2 por minuto 605 m2 por segundo ininterruptamente nos uacuteltimos 40 anos Para caber na compreensatildeo o gigantismo destes nuacutemeros eacute preciso estender a imaginaccedilatildeo para aleacutem destas analogias Um trator ficcional operando uma lacircmina frontal com 3 m de largura precisaria acelerar quase agrave velocidade de um aviatildeo a jato (726 kmh) para desmatar a aacuterea raspada na Amazocircnia no ritmo registrado do espaccedilo em imagens Como um trator desmata mui-to mais lentamente (024 - 036 hah66 ou ~08 kmh se essa aacuterea estives-se contida em uma faixa com 3 m de largura) com a mesma lacircmina de 3 m seriam necessaacuterios mais de 900 tratores simultaneamente derrubando a floresta lado a lado formando uma frente destrutiva com quase 3 km de largura Uma comparaccedilatildeo ainda mais impressionante eacute uma ldquoestrada de desmatamentordquo com 2 km de largura que daria para cobrir a distacircncia da Terra ateacute a Lua (380 mil km)

estudos pioneiros com dados de sateacutelite Dioacutegenes Al-ves64 contabilizou ateacute 2004 um desmatamento total de 663 mil km2 Agregando-se os nuacutemeros mais recentes do projeto PRODES do INPE o desmatamento acumula-do total ateacute 2013 chega a 762979 km2

Pelo vieacutes do dano ao clima o que se tem na Amazocircnia eacute um passivo gigantesco de destruiccedilatildeo do oceano ver-de Natildeo haacute portanto qualquer motivo para comemo-rar as taxas relativamente mais baixas de corte raso dos uacuteltimos anos mesmo porque depois da aprovaccedilatildeo do novo Coacutedigo Florestal (2011) com sua ampla anistia a desmatadores jaacute se observa uma niacutetida tendecircncia de aumento das taxas anuais

Na contabilidade do INPE o corte raso brasileiro (sem considerar os dos demais paiacuteses da bacia amazocircnica) chegou em 2012 a 1885 da aacuterea original de floresta67 Mas a destruiccedilatildeo natildeo eacute uniforme pois ocorre grande concentraccedilatildeo de corte raso no chamado Arco do Fogo ndash ou Arco do Desmatamento68 Se a vastidatildeo raspada jaacute eacute graviacutessima para o clima a situaccedilatildeo torna-se ainda pior ao se considerar o oceano verde ferido

A exploraccedilatildeo madeireira e o desmatamento gradual pro-duzem extensas aacutereas de florestas degradadas que rara-mente entram na contabilidade oficial da destruiccedilatildeo mas que a depreender das informaccedilotildees e estimativas dispo-niacuteveis podem ter impacto significativo sobre o clima

Dalton Valeriano liderou um estudo pioneiro sobre degradaccedilatildeo69 que encontrou no Estado do Mato Gros-so no periacuteodo de 2007 a 2010 ldquosomenterdquo 7856 km2 com corte raso mas outros 32926 km2 de florestas degradadas Somando corte raso com degradaccedilatildeo sobrou pouco do propriamente chamado Estado de Mato Grosso

No mesmo periacuteodo o INPE mapeou 64205 km2 de flo-resta degradada versus 39026 km2 de corte raso para a Amazocircnia brasileira Usando a proporccedilatildeo entre estas

64 (Alves 2007) Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon65 Aacuterea desmatada 762979 km2 0004136 km2 = 184472679 de campos de futebol66 (Viana 2012) Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento67 httpwwwdpiinpebrprodesdigitalprodesphp Lista (uma tabela) e Consolida (somatoacuterios para a unidade de aacuterea considerada)68 Porcentagem de aacuterea desmatada ateacute 2012 TO 75 MA 72 RO 41 MT 40 PA 22 e AC 1369 httpwwwobtinpebrprodesRelatorio_Prodes2008pdf

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 24Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aacutereas pode-se extrapolar a aacuterea de floresta degradada para toda a Amazocircnia brasileira Na estimativa ateacute 2013 a aacuterea total degradada pode ter alcanccedilado 1255100 km2 Somando com a aacuterea mensurada de corte raso o impacto cumulativo no bioma pela ocupaccedilatildeo humana pode ter atingido 2018079 km2

Dentre mais de 200 paiacuteses no mundo somente 13 tecircm aacuterea maior que essa Nesta contabilidade a degrada-ccedilatildeo de florestas na Amazocircnia brasileira pode haver chegado a 2944 da aacuterea original70 que somada ao desmatamento corte-raso sugere que ateacute 4734 da floresta tenha sido impactada diretamente por ativi-dade humana desestabilizadora do clima Para a Pan-Amazocircnia esse impacto agregado da Amazocircnia bra-sileira contabilizando desmatamento e estimando degradaccedilatildeo representa de 2668 a 290371 sobre a aacuterea original de floresta

Mas a aacuterea de impacto no sentido ecoloacutegico pode ser ainda maior porque florestas contiacuteguas a aacutereas de de-gradaccedilatildeo ou corte raso sofrem direta e indiretamente os efeitos das mudanccedilas ambientais vizinhas (biogeo-fiacutesicas e biogeoquiacutemicas)72

No processo de degradaccedilatildeo a destruiccedilatildeo do dossel frequentemente superior a 60 da cobertura73 muda as caracteriacutesticas estruturais ecoloacutegicas e fisioloacutegicas da floresta comprometendo suas capacidades am-bientais

70 Caacutelculo utilizando a mensuraccedilatildeo de Espiacuterito-Santo et al (2014) para a floresta remanescente na Amazocircnia brasileira [3500000 km2] acrescida da aacuterea acumulada do desmatamento [762979 km2] chegando a 4262979 km2 de florestas originais na Amazocircnia brasileira

71 Impacto usando aacuterea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Espiacuterito-Santo et al (2014) com 7562979 km2 e em Eva et al (2005) com 6943468 km2

72 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon73 (Valeriano et al 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD e QUEIMADAS 2007-200874 University of Maryland Global Forest Cover

Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 ateacute 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Ameacuterica do Sul74

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 23: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 24Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

aacutereas pode-se extrapolar a aacuterea de floresta degradada para toda a Amazocircnia brasileira Na estimativa ateacute 2013 a aacuterea total degradada pode ter alcanccedilado 1255100 km2 Somando com a aacuterea mensurada de corte raso o impacto cumulativo no bioma pela ocupaccedilatildeo humana pode ter atingido 2018079 km2

Dentre mais de 200 paiacuteses no mundo somente 13 tecircm aacuterea maior que essa Nesta contabilidade a degrada-ccedilatildeo de florestas na Amazocircnia brasileira pode haver chegado a 2944 da aacuterea original70 que somada ao desmatamento corte-raso sugere que ateacute 4734 da floresta tenha sido impactada diretamente por ativi-dade humana desestabilizadora do clima Para a Pan-Amazocircnia esse impacto agregado da Amazocircnia bra-sileira contabilizando desmatamento e estimando degradaccedilatildeo representa de 2668 a 290371 sobre a aacuterea original de floresta

Mas a aacuterea de impacto no sentido ecoloacutegico pode ser ainda maior porque florestas contiacuteguas a aacutereas de de-gradaccedilatildeo ou corte raso sofrem direta e indiretamente os efeitos das mudanccedilas ambientais vizinhas (biogeo-fiacutesicas e biogeoquiacutemicas)72

No processo de degradaccedilatildeo a destruiccedilatildeo do dossel frequentemente superior a 60 da cobertura73 muda as caracteriacutesticas estruturais ecoloacutegicas e fisioloacutegicas da floresta comprometendo suas capacidades am-bientais

70 Caacutelculo utilizando a mensuraccedilatildeo de Espiacuterito-Santo et al (2014) para a floresta remanescente na Amazocircnia brasileira [3500000 km2] acrescida da aacuterea acumulada do desmatamento [762979 km2] chegando a 4262979 km2 de florestas originais na Amazocircnia brasileira

71 Impacto usando aacuterea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Espiacuterito-Santo et al (2014) com 7562979 km2 e em Eva et al (2005) com 6943468 km2

72 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon73 (Valeriano et al 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD e QUEIMADAS 2007-200874 University of Maryland Global Forest Cover

Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 ateacute 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Ameacuterica do Sul74

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 24: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 25Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

das invenccedilotildees do Antropoceno75 a nova era em que a humanidade tornou-se uma forccedila geoloacutegica capaz de mudar a face do planeta

31) Ponto de natildeo retorno passo em falso no abismo

Se imaginarmos a metaacutefora de um veiacuteculo (a grande floresta) trafegando em estrada esburacada (clima) cujos pneus flexiacuteveis absorvem e amortecem os im-pactos dos buracos (resiliecircncia ecoclimaacutetica) qual se-ria a profundidade do buraco climaacutetico necessaacuteria para estourar o pneumaacutetico da Amazocircnia oceano-verde

A floresta oceano-verde intacta tem muitos recursos para absorver os impactos de secas regenerando-se completamente ao longo dos anos

Em 2005 houve o impac-to da estiagem mais seve-ra em um seacuteculo Cinco anos depois o impacto da

seca de 2010 foi bem maior e mais extensivo76 Em 2010 emergiram pela primeira vez nas rochas no fundo do rio Negro pinturas rupestres feitas quando o niacutevel dos mares estava mais de 100 m abaixo do atual durante a era glacial de milhares de anos atraacutes As explicaccedilotildees fiacutesi-cas para esses dois megaeventos satildeo ainda inconclusi-vas mas numerosas observaccedilotildees em terra e do espa-ccedilo77 natildeo deixam duacutevidas sobre os danos e prejuiacutezos registrados na floresta78 indicando que o pneumaacutetico amazocircnico jaacute apresenta sinais de fadiga ou pelo me-nos cicatrizes significativas dos impactos sofridos

3) Amazocircnia e o calcanhar de Aquiles o heroacutei invenciacutevel tomba

A floresta sobreviveu por mais de 50 milhotildees de anos a vulcanismos glaciaccedilotildees meteoros deriva do continen-te Mas em menos de 50 anos encontra-se ameaccedilada pela accedilatildeo de humanos Existe um paralelo entre a len-da grega do calcanhar de Aquiles e a importacircncia da grande floresta amazocircnica para o clima da Terra Como o heroacutei grego a Amazocircnia ndash essa assembleia astronocirc-mica de extraordinaacuterios seres vivos ndash deve possuir al-gum tipo de capacidade que a tornou uma guerreira invulneraacutevel por dezenas de milhotildees de anos resistin-do aos cataclismos geofiacutesicos que assolaram o planeta

Os achados quanto ao poder sobre os elementos da grande floresta do condicionamento atmosfeacuterico ume-decedor passando pela nucleaccedilatildeo de nuvens agrave bomba bioacutetica revela e sugere mecanismos elaborados de in-vulnerabilidade Onde estaria entatildeo o ponto fraco

Resposta na degradaccedilatildeo e no desmatamento

Como a grande floresta presta um rol determinante de serviccedilos para a estabilidade do clima local regional e global sua ruptura fiacutesica significa levar a ldquogrande guer-reirardquo agrave derrota nesses papeacuteis a exemplo da ruptura do calcanhar de Aquiles que o fez perder a guerra A fle-cha do inimigo eacute a motosserra o correntatildeo o fogo a fumaccedila a fuligem e outros fatores de origem humana que surgiram do uso errado descontrolado e terriacutevel

75 httpwwwanthropoceneinfoenanthropocene76 (Marengo et al 2011) The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region77 Por exemplo (Brando et al 2014) Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions (Saatchi et al 2013) Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy (Fu et

al 2013) Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection (Marengo et al 2013) Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation (Phillips et al 2009) Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest (Cox et al 2008) Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution (Hutyra et al 2005) Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia

78 (Nepstad et al 1999) Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Por exemplo extensiva mortalidade de aacutervores o que muda significativamente a estrutura da vegetaccedilatildeo e aborta o mecanismo normal de regeneraccedilatildeo em clareiras

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 25: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 26Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

comum - o material orgacircnico no chatildeo da floresta acaba secando aleacutem do limite em que se torna infla-maacutevel O fogo entra na mata queima raiacutezes superfi-ciais e mata aacutervores grandes82 Todos esses efeitos do desmatamento potencializam-se Assim rapidamen-te os inimigos humanos vatildeo golpeando o calcanhar da guerreira Quando ela tombaraacute de vez Vaacuterios es-tudos sugerem a resposta quando ultrapassar o pon-to de natildeo retorno83

O ponto de natildeo retorno eacute o iniacutecio de uma reaccedilatildeo em cadeia como uma fileira de dominoacutes em peacute Tomban-do o primeiro tombaratildeo todos os demais O sistema vivo na floresta brutalmente desequilibrado saltaraacute para outro estado de equiliacutebrio

32) Savanizaccedilatildeo e desertificaccedilatildeo dano extensivo ou dano impensaacutevel

Com o ressecamento o fogo e a alteraccedilatildeo da floresta a sa-vana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta

Equiliacutebrio estaacutevel eacute um es-tado parecido com o de uma bola dentro de uma bacia que em condiccedilotildees normais sempre volta

para a parte mais funda do recipiente Com oscila-ccedilotildees crescentes da bacia a bola se movimenta cada vez mais perto das bordas Quando o vigor do movi-mento da bacia impulsiona a bola para aleacutem da bor-da esta salta para fora e deixa a bacia do primeiro equiliacutebrio para traacutes

Em condiccedilotildees estaacuteveis de oceano verde a floresta tem amplo repertoacuterio de respostas ecofisioloacutegicas para ab-sorver os impactos de secas como essas79 regeneran-do-se completamente ao longo dos anos Mas o que se vecirc em aacutereas extensas principalmente ao longo do Arco do Desmatamento eacute uma ldquofalecircncia muacuteltipla de oacutergatildeosrdquo nos fragmentados remanescentes florestais e ateacute em aacutereas mais contiacutenuas80

Vaacuterios fatores deleteacuterios combinam seus efeitos de modo que secas resultantes de pressatildeo externa fazem estrago maior do que o usual reduzindo a capacida-de de regeneraccedilatildeo da floresta O primeiro e principal desses fatores eacute o proacuteprio desmatamento Sem flores-ta desaparecem todos os seus serviccedilos para o clima o que por sua vez afeta a parte de mata que restou Re-mover florestas quebra a bomba bioacutetica de umidade debilitando a capacidade de importar ar uacutemido e chu-vas para a regiatildeo No processo de remoccedilatildeo com quei-ma a fumaccedila e a fuligem causam pane no mecanismo de nucleaccedilatildeo de nuvens criando nuvens poluiacutedas e dissipativas que natildeo produzem chuvas81

O desmatamento quebra o meca-nismo das chuvas Sem chuvas a floresta torna-se inflamaacutevel O fogo entra pela mata queima raiacutezes su-perficiais e mata aacutervores grandes

A floresta oceano-verde eacute muito huacutemida para queimar mesmo durante a eacutepoca ldquosecardquo No entan-to quando nenhuma

chuva cai na estaccedilatildeo seca - algo que natildeo costumava acontecer mas agora estaacute se tornando cada vez mais 79 (Phillips et al 2010) Drought-mortality relationships for tropical forests80 (Laurance amp Williamson 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon81 (Andreae et al 2004) Smoking rain clouds over the Amazon82 (Nepstad et al 2004) Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis83 Por exemplo (Nobre and Borma 2009) ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 26: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 27Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Em 2003 Marcos Oyama e Carlos Nobre lanccedilaram a hi-poacutetese da savanizaccedilatildeo da Amazocircnia em seu estudo de modelagem usando um GCM e um modelo de equiliacute-brio de vegetaccedilatildeo84 Como o clima interage com a ve-getaccedilatildeo ao mudar-se um o outro tende a mudar em re-troalimentaccedilatildeo positiva (desestabilizadora) ou negativa (estabilizadora) ateacute que surja um novo equiliacutebrio

Clima e vegetaccedilatildeo na Amazocircnia oceano-verde estatildeo em equiliacutebrio estaacutevel e resiliente na condiccedilatildeo uacutemida Com o desmatamento o clima muda gradualmente e se instabiliza ateacute ultrapassar um ponto de natildeo retorno (borda da bacia uacutemida) O sistema pode entatildeo saltar para outro equiliacutebrio (muito mais seco)

Segundo esse estudo haveria dois estados possiacuteveis de equiliacutebrio para a vegetaccedilatildeo na Amazocircnia Um cor-respondendo agrave distribuiccedilatildeo atual de vegetaccedilatildeo onde a floresta tropical cobre a maior parte da bacia e outro com a floresta tropical no Leste da Amazocircnia sendo substituiacuteda por savana Com o ressecamento progres-sivo a entrada de fogo e a modificaccedilatildeo em larga esca-la da floresta a savana passaria a ser favorecida pelo novo equiliacutebrio climaacutetico em detrimento da floresta No segundo estado de equiliacutebrio mesmo aacutereas rema-nescentes de florestas natildeo desmatadas desaparece-riam como tal virando savanas

Esta hipoacutetese indica que somente proteger a floresta que sobrar natildeo impediraacute seu desaparecimento sub-sequente por forccedila da mudanccedila climaacutetica no novo

equiliacutebrio Tal perspectiva coloca sob nova luz a poliacute-tica de preocupar-se em preservar intactas apenas as designadas aacutereas de conservaccedilatildeo

Essas extrapolaccedilotildees em geral consideram cenaacuterios de reduccedilatildeo relativamente modesta de chuva sempre presumindo que a direccedilatildeo dos ventos natildeo mudaraacute muito sem a floresta Nesse cenaacuterio os ventos aliacutesios carregando umidade do oceano continuariam a entrar pelo continente e apenas certas trocas verticais sobre a Amazocircnia se alterariam

Mas a teoria da bomba bioacutetica que explica como a potencia dos ventos estaacute relacionada agrave condensaccedilatildeo prevecirc que a reduccedilatildeo significativa da evaporaccedilatildeocon-densaccedilatildeo em terra deve levar a profunda reduccedilatildeo da convergecircncia do ar sobre o continente associada a uma reduccedilatildeo radical no saldo do transporte de umidade ou mesmo a sua possiacutevel reversatildeo Poderiacuteamos comparar essa relaccedilatildeo terra-mar com um cabo de guerra o lado onde ocorrer maior condensaccedilatildeo atmosfeacuterica ganha-raacute a disputa puxando humidade para si Assim com a floresta os ventos trazem humidade do mar para a terra sem floresta o ar atmosfeacuterico poderia cessar de convergir sobre o continente o que significaria elimi-nar ateacute 100 das chuvas Zero de chuvas levaria a um deserto natildeo a uma savana

O cenaacuterio projetado pelo modelo de Oyama e No-bre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85 jaacute seria ruim o suficiente ao prever a savanizaccedilatildeo com

aniquilaccedilatildeo do tesouro da biodiversidade florestal Mas na savana ainda haacute chuva e a agricultura conti-nua com alguma chance Jaacute a desertificaccedilatildeo decorren-te do desmatamento progressivo prevista pela teoria da bomba bioacutetica aniquilaria tudo inclusive a maioria das atividades humanas na Amazocircnia

E fora da Amazocircnia Como a maior parte da aacutegua que irriga o celeiro produtivo no quadrilaacutetero da Ameacuterica do Sul meridional procede das florestas da Amazocircnia o futuro clima do continente poderia secar considera-velmente no extremo chegando a se assemelhar com o presente da Austraacutelia um imenso deserto interior cercado em um dos lados por franjas de aacutereas uacutemidas proacuteximas ao mar

84 Usando as mesmas classes de vegetaccedilatildeo do SSiB (Oyama and Nobre 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America85 Por exemplo (Malhi et al 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 27: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 28Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

4) O futuro climaacutetico da Amazocircnia jaacute chegou

Falta de chuva ameaccedila mortal para a Amazocircnia

Em 2000 Peter Cox e colaboradores do Hadley Center publicaram um impactante artigo na revista Nature88 Pela primeira vez haviam unido um modelo geral de circulaccedilatildeo da atmosfera com um modelo interativo de vegetaccedilatildeo em que o ciclo do carbono era bem detalhado Entre os resul-tados o modelo projetava uma reduccedilatildeo acentuada progressiva e perma-nente da chuva na Amazocircnia o que levaria agrave sua morte gradual Com a floresta seca entraria o fogo e seriam liberadas vastas quantidades de carbono o que resultaria em piora acentuada do aquecimento global Ou seja pela primeira vez um modelo climaacutetico gerava um vaticiacutenio terriacutevel para a grande floresta Catorze anos depois o novo modelo do Hadley Center estaacute similar aos demais Jaacute natildeo suprime a floresta por efeito exter-no como antes89 Natildeo obstante os efeitos do modelo original do Hadley Center afetavam a floresta pela reduccedilatildeo de chuvas como decorrecircncia do excesso de CO2 na atmosfera e seu resultante aquecimento Mas erros na previsatildeo de chuvas podem ocorrer nos modelos climaacuteticos E eacute justamen-te na reduccedilatildeo de chuvas que estaacute a maior ameaccedila agrave floresta Se esses modelos natildeo preveem corretamente a reduccedilatildeo de chuvas natildeo colocaratildeo a floresta em perigo Como nenhum modelo climaacutetico atual incorpora os mecanismos e os efeitos previstos pela teoria da bomba bioacutetica de umi-dade principalmente nos potenciais efeitos das mudanccedilas na circulaccedilatildeo do vento (convergecircncia de grande escala suprimida sobre a terra seca) suas projeccedilotildees podem ser incertas Podemos vir a descobrir no futuro que o modelo original do Hadley Center foi o uacutenico a prever ndash talvez natildeo pelas razotildees certasndash o futuro climaacutetico da Amazocircnia

As mudanccedilas climaacuteticas na Amazocircnia e fora dela jaacute ba-tem agrave porta Mas se os cenaacuterios catastroacuteficos se ma-terializaratildeo ou natildeo e quanto tempo isso demoraraacute depende de muitos fatores difiacuteceis de se prever entre eles quanto da cobertura vegetal original teraacute sido modificada e com qual velocidade

Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto de natildeo retorno que parece estar proacuteximo estimam-se poucas deacutecadas ateacute o clima saltar para outro estado de equiliacutebrio86

Zerando o desmatamento e ocorrendo a regenera-ccedilatildeo da floresta afasta-se a ameaccedila imediata para um futuro mais ou menos distante tudo a depender da extensatildeo de floresta oceano-verde remanescente e do tamanho das forccedilas climaacuteticas externas

O que a ocupaccedilatildeo humana da Amazocircnia deflagrou foi uma competiccedilatildeo impensaacutevel A corrida onde duas in-fluecircncias nefastas disputam o poacutedio na destruiccedilatildeo fi-nal da maior e mais diversa floresta tropical da Terra o desmatamento e as mudanccedilas climaacuteticas globais87

A floresta oceano-verde natildeo perturbada tem capa-cidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos ex-ternos como oscilaccedilatildeo nas chuvas Nos uacuteltimos dez anos a maioria dos modelos climaacuteticos concordou em atribuir alguma resistecircncia da floresta ao impacto do

aquecimento global Ain-da assim existem incerte-zas sobre qual a resistecircn-cia efetiva das florestas

tropicais uacutemidas agrave accedilatildeo direta do homem o que torna difiacutecil a partir desses modelos projetar uma data se-gura para a floresta extinguir-se por essa causa

A floresta oceano-verde natildeo pertur-bada tem capacidades inatas para resistir a impactos climaacuteticos exter-nos como oscilaccedilatildeo nas chuvas

86 (Coe et al 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia87 (Malhi et al 2008) Climate change deforestation and the fate of the Amazon88 (Cox et al 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model89 (Good et al 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 28: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 29Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

De forma grosseira ndash e sem considerar os efeitos debi-litantes da degradaccedilatildeo florestal ndash pode-se extrapolar a histoacuteria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20 da cobertura florestal da Amazocircnia brasileira removida em 40 anos com efeitos sobre o clima jaacute salientes ndash e projetar outros 40 anos para remover mais 20 totali-zando 40 de corte raso acumulado o nuacutemero suge-rido pelos modelos como o limiar climaacutetico90 Mas os efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do fogo da degradaccedilatildeo florestal e das mudanccedilas climaacuteti-cas o que implica uma aceleraccedilatildeo do cenaacuterio esperado

Contudo apesar de os modelos climaacuteticos serem ex-trapolaccedilotildees bem fundamentadas e uacuteteis os climas passados podem natildeo oferecer uma boa base para pre-ver o futuro especialmente quando se trata de siste-mas complexos e quando os equiliacutebrios climaacuteticos es-tiverem proacuteximos da ldquoborda da baciardquo na iminecircncia de saltar para outro estado de equiliacutebrio Saberemos com certeza quando o futuro chegar mas seria irresponsaacute-vel tatildeo somente esperar

A perturbaccedilatildeo antropogecircnica embora jaacute extensiva e provavelmente demasiada eacute o fator mais imprevisiacutevel numa projeccedilatildeo sobre o destino final da Amazocircnia A ra-zatildeo simples eacute que temos o livre arbiacutetrio Se escolhermos continuar no ritmo ldquodeixa-como-estaacute-para-ver-como-eacute-que-ficardquo (business as usual) e principalmente se optar-mos por natildeo recuperar os estragos infligidos agrave grande floresta a teoria sugere que o sistema amazocircnico pode entrar em colapso em menos de 40 anos Os limiares

de desmatamento nos quais as simulaccedilotildees indicavam ruptura do sistema climaacutetico atual estatildeo se aproximan-do Os efeitos locais e regionais no clima jaacute estatildeo sendo observados muito antes do esperado especialmente ao longo das zonas mais devastadas mas tambeacutem nas aacutereas mais afastadas que dependiam da floresta para sua chuva91

O futuro climaacutetico da Amazocirc-nia chegou A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

Assim pelas evidecircncias de alteraccedilotildees o futuro climaacute-tico da Amazocircnia jaacute che-gou Portanto a decisatildeo

urgente e jaacute tardia pela intensificaccedilatildeo da accedilatildeo natildeo pode esperar se eacute que existe ainda chance de se reverter o quadro ameaccedilador O investimento feito na atividade cientiacutefica na Amazocircnia rendeu frutos de informaccedilatildeo rica fundamentada e disponiacutevel A responsabilidade eacute nossa sobre o que faremos com esse conhecimento

41) Reciprocidade climaacutetica o desmatamento acumulado cobra sua fatura

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo esquece nem perdoa

Com uma reduccedilatildeo ex-pressiva nas taxas anuais de desmatamento o Bra-sil desponta como exem-

plo de paiacutes que fez parte da liccedilatildeo de casa em relaccedilatildeo agraves mudanccedilas climaacuteticas Para uma naccedilatildeo que passou 40 anos investindo pesado no descaminho ambiental descumprindo a proacutepria lei de proteccedilatildeo florestal a re-duccedilatildeo do desmatamento natildeo eacute conquista pequena

90 (Sampaio et al 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion91 (Sampaio et al 2007)

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 29: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 30Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Guilhotina decepadora de aacutervores

Estima-se que o bioma amazocircnico tenha sustentado 400 ou mais bilhotildees de aacutervores com diacircmetro agrave altura do peito acima de 10 cm92 Distribuin-do essa populaccedilatildeo de aacutervores por aacuterea infere-se que o desmatamento corte-raso tenha destruiacutedo somente no Brasil mais de 42 bilhotildees de aacutervores nos uacuteltimos 40 anos93 Enfileirados e considerando uma altura meacutedia de 15 m os troncos destas aacutervores cobririam 635 milhotildees de km ou quase 1700 vezes a distacircncia Terra-Lua Esse ritmo de destruiccedilatildeo significa mais de 1 bilhatildeo de aacutervores cortadas ao ano quase 3 milhotildees ao dia mais de 120 mil por hora mais de 2000 por minuto e 34 por segundo94 E isso sem contar um nuacutemero talvez ainda maior das aacutervores decepadas nas chamadas florestas degradadas Nestas quatro deacutecadas foram destruiacutedas quase 6 aacutervores por cada habitante da Terra mais de 200 por cada brasileiro Satildeo essas aacutervores ausentes que satildeo percebidas pelo clima jaacute que cada aacutervore dizimada representa entre muitos servi-ccedilos ceifados menor evaporaccedilatildeo da superfiacutecie

Mas a reduccedilatildeo de taxas anuais embora essencial asse-melha-se a fechar com as matildeos um buraco no fundo do bote inflaacutevel (clima) depois que a aacutegua vazada nos uacuteltimos 40 anos (desmatamento) jaacute ameaccedila colocar o bote a pique

A farra do desmatamento sem limites estaacute encontrando no clima um juiz que sabe contar aacutervores e que natildeo es-quece nem perdoa

O foco usual quando se discute o futuro do clima na Amazocircnia eacute o desmatamento futuro ou quanto cortar da mata que sobrou Injustificadamente ausente o as-sombroso desmatamento acumulado do passado pre-cisa voltar ao foco pois eacute sobre ele que recai o principal da reciprocidade climaacutetica Sem tratar da devastaccedilatildeo passada o assombro se converteraacute em assombraccedilatildeo

Com uma meacutedia diaacuteria em torno de 4 mm de aacutegua trans-pirada95 o que equivale a 4 litros por m2 a floresta eacute a parceira generosa do clima amigo Removida a transpi-raccedilatildeo despenca ndash se ainda chover ndash para 1 mm no caso de pastagens96 e menos ainda com a aridificaccedilatildeo

Adicione ao caldeiratildeo de iniquidades o fogo a fuma-ccedila e a fuligem com seu efeito aniquilador sobre a flo-resta as nuvens e as chuvas e a maldiccedilatildeo do clima

inoacutespito teraacute sido a resposta justa da natureza para tanta destruiccedilatildeo O problema eacute que o ldquocastigordquo atinge a todos indistintamente natildeo soacute aqueles que desma-taram e incentivaram o desmatamento mas tambeacutem a maioria das pessoas que foram e continuam sendo contra o desmatamento

42) Ordem de urgecircncia antes tarde do que nunca

Para contemplarmos a dimensatildeo do que precisa ser feito em relaccedilatildeo ao futuro climaacutetico da Amazocircnia (e como consequecircncia da Ameacuterica do Sul) imaginemos um futuro proacuteximo no qual o Brasil fosse atacado por

92 Densidade populacional meacutedia de aacutervores (DAP gt 10cm) na Amazocircnia (sensu latiacutessimo Eva et al 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia) = 555 (plusmn114) ha ou seja 55500 (plusmn11400) aacutervores km2 (Feldpausch et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees) aacuterea total coberta por dossel fechado na Amazocircnia em 2004 = 6280468 km2 (Eva et al 2005 incluindo florestas uacutemidas secas e inundadas) aacuterea histoacuterica coberta com floresta (aacuterea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso ateacute 2004 Alves 2007) = 6943468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumu-lado fora do Brasil) estimativa total miacutenimo de arvores no bioma amazocircnico original 385362474000 (plusmn79155535200)

93 O corte raso raspou 762979 km2 da cobertura original (somente no Brasil) estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42345334500 (plusmn8697960600)94 Ritmo temporal de corte 42345334500 (plusmn8697960600) arvores cortadas em 40 anos 1058633363 (plusmn217449015) ao ano 2900365 (plusmn595750) ao dia 120848 (plusmn24823) por hora 2014 (plusmn413) por minuto

335 (plusmn69) por segundo95 (von Randow et al 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models (Marengo 2004) Characteristics and

spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget96 (Hodnett et al 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 30: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 31Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Esforccedilo de Guerra

Nas grandes ameaccedilas a uma naccedilatildeo as forccedilas militares entram logo em prontidatildeo Depois do ataque japonecircs a Pearl Harbor os Estados Unidos decidiram ser necessaacuterio entrar na Segunda Guerra Mundial Em poucos meses montou um ldquoesforccedilo de guerrardquo em que faacutebricas de automoacuteveis passaram a produzir tanques e aviotildees de guerra e outras faacutebricas natildeo beacutelicas passaram a produzir municcedilatildeo armamentos e outros materiais e equipamentos requeridos Ateacute agrave Amazocircnia chegou aquele esforccedilo de guerra com os soldados da borracha Sem tal esforccedilo concentrado e extraordinaacuterio os Aliados natildeo teriam vencido

uma poderosa naccedilatildeo inimiga com uma tecnologia secreta que emprega ondas perturbadoras emitidas por sateacutelites para dissipar nuvens e assim reduzir as chuvas A naccedilatildeo inimiga teria interesses comerciais ameaccedilados pelo sucesso do setor agriacutecola brasileiro Sua arma mata-chuvas serviria para minguar as plan-taccedilotildees que com eles competem quebrando safras e fazendo os preccedilos internacionais explodirem Informa-dos pelo nosso serviccedilo secreto dos malfeitos daquele paiacutes sobre o nosso qual seria a reaccedilatildeo dos agricultores brasileiros Qual seria a reaccedilatildeo da sociedade e do go-verno Com toda a humilhaccedilatildeo que o ultraje impotildee natildeo precisamos de clarividecircncia para suspeitar que a reaccedilatildeo seria imediata e poderosa

A remoccedilatildeo de florestas natildeo derro-ta somente a agricultura falta de aacutegua afeta a produccedilatildeo de energia as induacutestrias e a vida nas cidades

Saindo da ficccedilatildeo e voltan-do agrave realidade vemos que o ultraje contra o Brasil estaacute em pleno curso sem

qualquer envolvimento de naccedilatildeo estrangeira Em uma guerra natildeo declarada nos uacuteltimos 40 anos centenas de milhares se dedicaram a exterminar as florestas

A remoccedilatildeo das florestas ameaccedilando as chuvas e o cli-ma natildeo derrotaria somente a competitiva agricultura falta (ou excesso) de aacutegua afeta a produccedilatildeo de ener-gia as induacutestrias o abastecimento das populaccedilotildees e a vida nas cidades Mas diferentemente da Europa e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra noacutes estivemos e permanecemos praticamente inertes em relaccedilatildeo aos ataques sofridos deixando que sigam ano

apoacutes ano a destruir o berccedilo esplecircndido Quem satildeo os que atentam contra o bem-estar da naccedilatildeo Por que a sociedade natildeo se levantou e nosso Exeacutercito natildeo foi acionado em nossa defesa

Para enfrentar a gravidade da situaccedilatildeo precisamos de uma mobilizaccedilatildeo semelhante a um esforccedilo de guerra mas natildeo direcionada ao conflito Em primeira instacircncia eacute urgente uma ldquoguerrardquo contra a ignoracircncia um empe-nho sem precedentes para o esclarecimento da socie-dade inclusive e especialmente daqueles que ainda se aferram ao grande erro de acreditar ser inoacutecua a devas-taccedilatildeo das florestas Entre eles os que manejam motos-serras tratores com correntatildeo e tochas incendiaacuterias e os grupos que formularam poliacuteticas puacuteblicas financia-ram controlaram e deram cobertura legislativa legal e propagandiacutestica aos comandos da devastaccedilatildeo Contu-do apenas uma minoria da sociedade esteve e ainda estaacute diretamente envolvida na destruiccedilatildeo de florestas E eacute essa minoria que empurra a naccedilatildeo na direccedilatildeo do abismo climaacutetico

Essa minoria desmatadora natildeo eacute uniforme mas sua cultura privilegia interesses arraigados numa visatildeo de curto prazo descompromissada com as consequecircn-cias Embotados pelos interesses imediatos parecem ignorar que a supressatildeo das matas possa colocar o cli-ma em risco Entretanto diante das evidecircncias conti-nuar com esse tipo de praacutetica natildeo se sustenta Por isso na medida em que compreendam que a destruiccedilatildeo sistemaacutetica das florestas eacute um tiro em seu proacuteprio peacute

haacute chances de que tais agentes desmatadores sejam convencidos a mudar A esperanccedila eacute de que a elimi-naccedilatildeo da ignoracircncia quanto agrave funccedilatildeo essencial das florestas na geraccedilatildeo do clima amigo haveraacute por si soacute de participar como vetor na conversatildeo de desmatado-res em protetores e quiccedilaacute ateacute em restauradores das florestas Muitos exemplos jaacute existem onde essa con-versatildeo ocorreu com grandes vantagens para todos os envolvidos97

97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal Paragominas de vilatildeo a mocinho do desmatamento Y Ikatu Xingu etc

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 31: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 32Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Enquanto natildeo ultrapassarmos o ponto de natildeo retorno existem umas poucas frestas de oportunidade para a accedilatildeo reparadora Este eacute o momento para engajar aquele vigoroso e saneador esforccedilo de guerra na tentativa de reverter o desastre climaacutetico decorrente da destruiccedilatildeo da floresta oceano-verde Nessa direccedilatildeo vaacuterias tarefas se impotildeem

51) Popularizar a ciecircncia da floresta saber eacute poder

Eacute vital fazer com que os fa-tos cientiacuteficos sobre o papel determinante da floresta para o clima amigo e o efeito do desmatamento na ge-raccedilatildeo do clima inoacutespito cheguem agrave sociedade e tornem-se conhecimento corrente Todos os esforccedilos devem ser feitos para simplificar a mensagem sem deturpar-lhe a essecircncia Antes de tudo deve-se falar para a sensibilida-de das pessoas

52) Zerar o desmatamento para anteontem

Eacute preciso erradicar vigoro-samente a complacecircncia e a procrastinaccedilatildeo com

a destruiccedilatildeo Um niacutevel adequado de rigor compara-se com o tratamento dado ao tabaco Constatados os ma-les ao ser humano e os prejuiacutezos econocircmicos agrave socieda-de uma seacuterie de medidas foram adotadas para desesti-mular o tabagismo

5) Florestas de oportunidades cinco passos para recuperar o clima

Zerar o desmatamento no curto prazo eacute indispensaacutevel se quiser-mos conter dano maior ao clima

Floresta quem conhece protege

No que diz respeito ao desmatamento no Brasil vaacuterias providecircncias do governo federal iniciaram esse proces-so de controle e desestiacutemulo Resultados significativos foram alcanccedilados Mas eacute preciso ir mais fundo e chegar agrave raiz do problema Ampliar as poliacuteticas do Executivo mobilizar a sociedade para neutralizar accedilotildees desagre-gadoras do Legislativo como a anistia dada a desmata-dores no novo Coacutedigo Florestal Brasileiro Infelizmente as discussotildees em torno do Coacutedigo Florestal natildeo incluiacute-ram as consequecircncias climaacuteticas do uso do solo

Uma situaccedilatildeo extraordinaacuteria requer medidas extraordi-naacuterias Sempre eacute tempo de rever leis para adequaacute-las agraves demandas da realidade e da sociedade Somente multar desmatadores que mais adiante seratildeo anistiados pela burocracia ou pelo Congresso eacute receita de fracasso

Outras vulnerabilidades do programa de controle do desmatamento incluem o estiacutemulo de ciclos econocircmi-cos98 a demanda crescente de mercados por madeiras e produtos agriacutecolas a cobiccedila por terras e os vetores representados por estradas hidreleacutetricas e outros pro-gramas de desenvolvimento cujas debilidades de pla-nejamento fomentam a invasatildeo e ocupaccedilatildeo de aacutereas florestadas99 Para que o desmatamento seja efetiva-mente zerado como eacute indispensaacutevel para conter dano maior ao clima todos esses buracos precisam ser tapa-dos com mobilizaccedilatildeo e articulaccedilatildeo da sociedade e go-verno estrateacutegia inteligecircncia visatildeo de longo prazo e sentido de urgecircncia

98 Picos de desmatamento em 1995 (29059 km2) e 2004 (27130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia99 (Laurance et al 2001)The Future of the Brazilian Amazon

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 32: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 33Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

viria em um moacutedulo desenvolvedor (semente) Coloca-do em um vaso ao sol e regado por algumas semanas cresceria o veiacuteculo

Parece difiacutecil Acontece que essa tecnologia jaacute existe funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra desde a sua origem Uma aacutervore portentosa cujas ha-bilidades fiacutesicas e bioquiacutemicas para existir e sobreviver beiram a ficccedilatildeo saiu inteirinha de uma simples e mi-nuacutescula semente tirando do ar e da terra os materiais para se formar

Na perspectiva do clima precisamos regenerar tudo que foi alterado

Assim a proacutepria floresta nos oferece soluccedilotildees mirabolantes para a reconstruccedilatildeo das paisa-

gens florestais nativas pois dispotildee de engenhosos me-canismos para recompor-se a partir de sementes ou ci-catrizar-se com o processo natural de regeneraccedilatildeo das aacutervores em clareiras Haacute uma coleccedilatildeo rica de espeacutecies de plantas pioneiras que tecircm a capacidade de crescer em condiccedilotildees ambientais extremas Essas plantas for-mam uma floresta secundaacuteria densa criando assim condiccedilotildees para que a complexa e duradoura floresta tropical possa restabelecer-se por sucessatildeo ecoloacutegica de meacutedio e longo prazos101

Entretanto quando a aacuterea desmatada eacute muito grande o processo natural entra em falecircncia por natildeo conseguir fazer chegar ao solo descoberto as sementes das pio-neiras Aiacute torna-se necessaacuterio o plantio das espeacutecies na-tivas Se ainda houver chuvas a floresta se regeneraraacute

suficiente para reverter as ameaccediladoras tendecircncias cli-maacuteticas Eacute preciso confrontar o passivo do desmatamen-to acumulado comeccedilar a pagar o principal da enorme diacutevida ambiental com a floresta

Embora o esforccedilo de reflores-tamento seja desafiador eacute o melhor - e talvez uacutenico - ca-minho para desviar um risco maior em relaccedilatildeo ao clima

Mas como reconstruir uma paisagem devastada Se fosse uma paisagem urbana seria o caso de se retrabalhar com as estruturas e edifiacutecios

que demandariam penosa reconstruccedilatildeo tijolo a tijolo um esforccedilo de anos Jaacute estruturas inertes da natureza como solos rochas e montanhas levam milhares mi-lhotildees ou ateacute bilhotildees de anos para se compor ou recom-por fruto da accedilatildeo de lentas forccedilas geofiacutesicas

E a paisagem viva Se a vida anterior natildeo tiver sido ex-tinta isto eacute se houver propaacutegulos esporos sementes ovos pais e seus filhotes uma forccedila misteriosa e auto-maacutetica de reconstruccedilatildeo entra em accedilatildeo Os ldquotijolosrdquo bio-loacutegicos satildeo os aacutetomos que unem-se nas moleacuteculas compotildeem as substacircncias que constroem as ceacutelulas ar-ticulam-se nos tecidos aglomeram-se nos oacutergatildeos cons-tituem os organismos povoam os ecossistemas intera-gem nos biomas e cuja soma total eacute a biosfera

Para uma ideia praacutetica do que estaacute impliacutecito nesta or-dem viva encadeada e automaacutetica imaginemos como seria se pudeacutessemos dispor de bens modernos (da tec-nologia humana) da mesma forma que o faz a natureza Poderiacuteamos encomendar um automoacutevel (espeacutecie) que

53) Acabar com o fogo a fumaccedila e a fuligem chamem os bombeiros

Quanto menos fumaccedila e fuli-gem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas menor o dano agrave floresta oceano-verde

Todas as formas de igniccedilatildeo originaacuterias de atividades humanas sobre a floresta precisam ser rigorosamen-

te extintas O fogo em aacutereas florestais pastos e aacutereas agriacutecolas proacuteximas ou distantes da Amazocircnia eacute um problema grave100 Quanto menos fontes de fumaccedila e fuligem existirem menor o dano agrave formaccedilatildeo de nuvens e chuvas portanto menor o dano agrave floresta oceano-ver-de Dada a cultura do fogo ainda prevalente no campo essa natildeo seraacute uma tarefa faacutecil poreacutem ela eacute fundamental

Mas voltemos agrave comparaccedilatildeo com o tabaco Durante deacute-cadas a induacutestria mascarou a realidade sobre os danos do fumo agrave sauacutede Empregou elaboradas estrateacutegias e muitos recursos no embaralhamento cognitivo bus-cando desmerecer a ciecircncia e confundir a sociedade Mas a verdade triunfou E algo que parecia impossiacutevel tornou-se tendecircncia mundial irreversiacutevel O mesmo percurso de banimento em relaccedilatildeo ao fogo eacute facilitado pela existecircncia de muitas alternativas agrave queima que po-dem ser empregadas com vantagens pelos produtores

54) Recuperar o passivo do desmatamento a fecircnix ressurge das cinzas

Embora zerar o desmatamento seja tarefa obrigatoacuteria inescapaacutevel e haacute muito devida somente isso jaacute natildeo eacute

100 (Koren et al 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation101 (Nobre 2006) Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 33: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 34Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

associaccedilatildeo de interessados dos vaacuterios setores na re-cuperaccedilatildeo de matas ciliares e outras valiosas accedilotildees de sustentabilidade

O caos climaacutetico previsto tem o potencial de ser in-comensuravelmente mais danoso do que a Segunda Guerra Mundial O que eacute impensaacutevel hoje pode tor-nar-se uma realidade incontornaacutevel em prazo menor do que esperamos A China com todos os seus graves problemas ambientais jaacute trilha esse caminho e tornou-se o paiacutes que mais refloresta Restaurar as florestas na-tivas eacute a melhor aposta que podemos fazer contra o caos climaacutetico uma verdadeira apoacutelice de seguro

55) Governantes e sociedade precisam despertar choque de realidade

Em quinze dias e usando trilhotildees de doacutelares governantes de vaacuterias naccedilotildees decidiram salvar os ban-cos na crise financeira de 2008

Em 2008 quando estou-rou a bolha financeira de Wall Street governos mundo afora precisaram

de apenas quinze dias para decidir usar trilhotildees de doacute-lares de recursos puacuteblicos na salvaccedilatildeo de bancos pri-vados e evitar o que ameaccedilava tornar-se um colapso do sistema financeiro A crise climaacutetica tem potencial para ser incomensuravelmente mais grave do que a crise financeira natildeo obstante as elites governantes vecircm procrastinando por mais de quinze anos tomar decisotildees efetivas que desviem a humanidade do de-sastre climaacutetico E essa procrastinaccedilatildeo parece piorar

nas aacutereas replantadas Uma coleccedilatildeo de aacutervores plan-tadas eacute melhor que o solo exposto entretanto ainda estaacute longe de reconstituir em toda sua complexidade a parte funcional do ecossistema destruiacutedo102

Precisamos e devemos regenerar o mais extensiva-mente possiacutevel o que foi alterado Somente a integri-dade do oceano verde original garantiu ao longo de eras geoloacutegicas a sauacutede benigna e mantenedora do ciclo hidroloacutegico na Ameacuterica do Sul

Eacute preciso usar a paisagem de modo inteligente zoneando as terras por suas potencialida-des vulnerabilidades e riscos

Mas essa recomposiccedilatildeo florestal implicaria a rever-satildeo do uso do solo em vas-tas aacutereas hoje ocupadas

algo improvaacutevel na ordem atual Natildeo obstante exis-tem caminhos alternativos com chances de criar con-diccedilotildees imediatas de aceitaccedilatildeo Trata-se de fazer um uso inteligente da paisagem com aplicaccedilatildeo de tecno-logias de zoneamento das terras em funccedilatildeo das suas potencialidades vulnerabilidades e riscos103

A agricultura e outras atividades econocircmicas nas zo-nas rurais podem ser otimizadas aumentando sua capacidade produtiva e liberando espaccedilo para o re-florestamento com espeacutecies nativas Variados estudos da Embrapa mostram como intensificar a produccedilatildeo pecuaacuteria reduzindo grandemente a demanda por aacuterea de pastos Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cul-tivando Aacutegua Boa105 demonstram como eacute possiacutevel a

102 Partners People and reforestation in the Tropics a network of education research and synthesis103 Tecnologia aplicando o Modelo HAND de terrenos desenvolvida no grupo de Modelagem de Terrenos do Centro de Ciecircncia do Sistema Terrestre do INPE104 httpwwwyikatuxinguorgbr105 httpwwwcultivandoaguaboacombr

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 34: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 35Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

com o tempo mesmo a despeito da disponibilidade de vastas evidecircncias cientiacuteficas106 e saiacutedas viaacuteveis atraentes e criativas107

Embora seja urgente o des-matamento zero ainda eacute co-locado como uma meta a ser realizada no futuro distante

Na Amazocircnia o retardamen-to decisoacuterio estaacute nos prazos dilatados para metas e accedilotildees que deveriam ser urgentes

mas emperram na burocracia impenetraacutevel e impedi-tiva Encontra-se tambeacutem na demora no financiamen-to de projetos alternativos e beneacuteficos e principal-mente na lenta apropriaccedilatildeo dos fatos cientiacuteficos sobre a importacircncia das florestas para o clima Ignorar solu-ccedilotildees inovadoras disponiacuteveis e viaacuteveis de valorizaccedilatildeo econocircmica das florestas108 eacute jogar o problema para frente O desmatamento zero que jaacute era urgente haacute uma deacutecada ainda eacute colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante Muito diferente portanto dos quinze dias usados para salvar os bancos

As elites governantes ainda tecircm como mudar o curso dos acon-tecimentos Por isso precisam ter a boa vontade e humildade de reconhecer o risco de co-lapso no sistema ambiental

Vimos o primeiro esforccedilo coerente e consequente para reduzir efetivamen-te o desmatamento na Amazocircnia brasileira ga-nhar momentum a partir

de 2003 e seus resultados satildeo visiacuteveis demostrando que eacute possiacutevel ir mais longe Mas a despeito das aus-piciosas iniciativas e tambeacutem de promessas impor-tantes em projetos de carbono estamos muito longe

daquele ldquoesforccedilo de guerrardquo requerido para enfrentar a degradaccedilatildeo climaacutetica Para avanccedilar de maneira efe-tiva outras iniciativas criativas e eneacutergicas satildeo urgen-tes e necessaacuterias

Suficientemente documentados pela ciecircncia as mu-danccedilas climaacuteticas globais e os ameaccediladores impactos regionais e locais do desmatamento metem o peacute na porta fechada da inaccedilatildeo poliacutetica colocando pressatildeo crescente sobre tomadores de decisatildeo Se o conheci-mento cientiacutefico qualificado ou o principio da precau-ccedilatildeo e o simples bom senso o lograram gerar reaccedilatildeo adequada daqueles que detecircm os meios financeiros e os recursos estrateacutegicos o choque das torneiras secas aqui cidades inundadas acolaacute e outros desastres natu-rais haacute de produzir reaccedilatildeo

106 (Edenhofer et al 2014) IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers (Agrawala et al 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary107 Por exemplo (Stern 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change (Sukhdev et al 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update108 Por exemplo (Meir et al 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia (Trivedi et al 2009) REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global lsquoeco-utilities

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 35: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 36Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Conclusatildeo

Na grande floresta da Amazocircnia a Terra guarda um de seus mais espetaculares tesouros a profusatildeo de vida que inala gaacutes carbocircnico e exala oxigecircnio transpi-ra aacutegua emite odores maacutegicos remove gases toacutexicos pulsa e regula umedece e faz chover propele ventos e alimenta rios aeacutereos acalmando a fuacuteria dos elemen-tos tornando amigo o clima proacuteximo e tambeacutem o mais distante As sociedades abrigadas sob seu haacutelito doador de vida tecircm nela um cordatildeo umbilical que sus-teacutem suas economias e lhes daacute bem-estar Por tudo isso eacute necessaacuterio desejaacutevel viaacutevel e ateacute lucrativo alterar o modus operandi da ocupaccedilatildeo humana na Amazocircnia

Haacute muitas alternativas para reviver a competecircncia de con-viacutevio respeitoso com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais

Embora as accedilotildees de salva-ccedilatildeo propostas sejam todas requeridas para lograr o res-tabelecimento funcional da

regulaccedilatildeo climaacutetica pela floresta a novidade estaacute em enfrentar o passivo de desmatamento com refloresta-mento e restauraccedilatildeo ecoloacutegica Haacute muitas e excelen-tes alternativas para reviver a competecircncia de conviacute-vio respeitoso (e tecnoloacutegico)109 com a floresta das civilizaccedilotildees ancestrais110

O esforccedilo de guerra contra a ignoracircncia e pela cons-ciecircncia da necessidade vital das florestas eacute a melhor estrateacutegia para harmonizar a sociedade ndash comeccedilando pelos governantes ndash em torno do objetivo comum de recuperar o tempo perdido criando chances reais de evitarmos o pior dos desastres climaacuteticos Entretanto se a despeito da montanha de evidecircncias cientiacuteficas ainda natildeo formos capazes de agir ou se formos lentos demais entatildeo eacute provaacutevel que tenhamos de lidar com prejuiacutezos incompreensiacuteveis para quem sempre teve sombra e aacutegua fresca providos graciosamente pela grande floresta

109 (Baleacutee 2003) Native Views of the Environment in Amazonia110 (Heckenberger et al 2003) Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 36: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 37Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Epiacutelogo o proacutelogo de uma nova era

A miacutetica floresta amazocircnica eacute imensamente maior do que a humanidade consegue ver nela Vai muito aleacutem de um museu geograacutefico de espeacutecies ameaccediladas guar-dadas em unidades de conservaccedilatildeo e representa mui-to mais do que um simples depoacutesito de carbono refe-renciado como massa morta nos tratados climaacuteticos

A floresta eacute um espetacular parque tecnoloacutegico da na-tureza um complexo vivo que forma uma poderosa e versaacutetil usina de serviccedilos ambientais Qualquer apelo que se faccedila pela valorizaccedilatildeo da floresta precisa recupe-rar esse valor intriacutenseco Eacute preciso despertar a capaci-dade de espantar-se diante do gigantismo da biologia tropical em todas as escalas desde a manipulaccedilatildeo dos iacutenfimos aacutetomos e moleacuteculas ateacute a interferecircncia nos oceanos e na atmosfera global

O que vemos de accedilotildees humanas sobre a floresta ama-zocircnica revela enorme inconsciecircncia tanto dos que estatildeo envolvidos na sua destruiccedilatildeo quanto dos que vagamente desejam sua proteccedilatildeo Cada nova iniciati-va em defesa da floresta tem trilhado os mesmos ca-minhos e pressionado as mesmas teclas Neste com-portamento insistimos no que Einstein definiu como a proacutepria insanidade ldquoFazer a mesma coisa sempre de novo esperando resultados diferentesrdquo

O abundante conhecimento cientiacutefico assim como ou-tras formas accessiacuteveis de percepccedilatildeo e entendimento jaacute nos permitem resolver problemas empregando uma nova abordagem ndash iluminada integrativa propositiva e construtiva Uma abordagem diferente portanto do pragmatismo reducionista e inconsequente que nos guiou ateacute aqui111

Anaacutelises seacuterias e abrangentes mostram numerosas oportunidades para a harmonizaccedilatildeo da presenccedila e dos interesses da sociedade contemporacircnea com uma Amazocircnia viva e vigorosa reconstituiacuteda em suas muacutelti-plas capacidades Para chegarmos laacute eacute preciso compe-netraccedilatildeo e modeacutestia dedicaccedilatildeo e compromisso com a vida Com os recursos tecnoloacutegicos disponiacuteveis pode-mos agregar inteligecircncia agrave ocupaccedilatildeo otimizando um novo uso do solo que abra espaccedilo para a reconstruccedilatildeo ecoloacutegica da floresta Podemos tambeacutem revelar muitos outros segredos ainda bem guardados da resiliente bio-logia tropical e com isso ir muito aleacutem de apenas com-preender seus mecanismos

Pioneira na percepccedilatildeo dessas possibilidades Janine Benyus lanccedilou em seu livro Biomimeacutetica a inovaccedilatildeo inspi-rada pela Natureza112 uma revoluccedilatildeo na ideia de conexatildeo entre natureza e tecnologia Apresentando a proposta de que os seres humanos deveriam copiar conscientemente

111 Visto por Einstein ldquoNatildeo podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao criaacute-losrdquo O pragmatismo gerador de problemas natildeo deve ser a saiacuteda para resolver esses mesmos problemas112 (Benyus 1997) Biomimicry Innovation Inspired by Nature

o gecircnio da natureza nas suas proacuteprias criaccedilotildees ela enun-cia trecircs princiacutepios baacutesicos dessa reaproximaccedilatildeo

bull Natureza como modelo estudar e inspirar-se nos sis-temas da natureza seus designs e processos para re-solver problemas humanos

bull Natureza como medida usar um padratildeo ou criteacuterio eco-loacutegico para julgar a correccedilatildeo de nossas inovaccedilotildees Apoacutes 38 bilhotildees de anos de evoluccedilatildeo a natureza aprendeu o que funciona o que eacute apropriado e o que tem durabilidade

bull Natureza como mentor um novo modo de ver e va-lorizar a natureza do qual surge uma era baseada natildeo naquilo que podemos ldquoextrairrdquo do mundo natural mas no que podemos aprender a partir dele

Aleacutem desses uma seacuterie de outros princiacutepios que guiam o funcionamento da natureza apresentam potencial para resolver grande parte dos problemas atuais Uma lista curta desses princiacutepios listados por Janine Benyus constata que a natureza eacute propelida pela luz solar uti-liza somente a energia de que necessita ajusta forma agrave funccedilatildeo recicla todas as coisas recompensa a coope-raccedilatildeo aposta na diversidade demanda conhecimento local limita os excessos internamente e aproveita o poder dos limites

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 37: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 38Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

ReferecircnciasAlves DS 2007 Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon Tscharntke T et al (eds) The stability of tropical rainforest margins linking ecological economic and social constraints of land use and conservation Springer Verlag Berlin pp 493-512

Agrawala S Baiocchi G Bashmakov I Blanco G Bruckner T Bustamante M Clarke L 2014 IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary

Andreae MO Rosenfeld D Artaxo P Costa AA Frank GP Longo KM Silva-Dias M a F 2004 Smoking rain clouds over the Amazon Science 303 1337ndash42

Arraut JM Nobre C Barbosa HMJ Obregon G Marengo J 2012 Aerial Rivers and Lakes Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America J Clim 25 543ndash556

Baker PA Seltzer GO Fritz SC Dunbar RB Grove MJ Tapia PM Cross SL Rowe HD Broda JP 2001 The history of South American tropical precipitation for the past 25000 years Science 291 640ndash3

Baleacutee W 2003 Native views of the environment in Amazonia in Selin H (Ed) Nature across Cultures Views of Nature and the Environment in Non- Western Cultures Kluwer Academic Publishers pp 277ndash288

Benyus JM 1997 Biomimicry Innovation Inspired by Nature New York William Morrow 1997

Berger A Yin Q 2012 Astronomical Theory and Orbital Forcing in Mathews JA et al (Eds) The SAGE Handbook of Environmental Change Volume 1 pp 405ndash425

Brando PM Balch JK Nepstad DC et al 2014 Abrupt increases in Amazonian tree mortality due to drought-fire interactions Proc Natl Acad Sci U S A

Cox PM Betts RA Jones CD Spall S a Totterdell IJ 2000 Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model Nature 408 184ndash7

Cox PM Harris PP Huntingford C Betts RA Collins M Jones CD Jupp TE Marengo JA Nobre CA 2008 Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution Nature 453 212ndash5

Edenhofer O Madruga RP Sokona Y et al 2014 IPCC WGIII AR5 SPM Summary for Policymakers Contents ONU - UNFCC

Espiacuterito-Santo FDB Gloor M Keller M et al 2014 Size and frequency of natural forest disturbances and the Amazon forest carbon balance Nature DOI 101038ncomms4434

Eva HD and Huber O (editores) 2005 A proposal for defining the geographical Boundaries of Amazocircnia Synthesis of the results from an Expert Consultation Workshop organized by the European Commission in collaboration with the Amazon Cooperation Treaty Organization - JRC Ispra Italy

Feldpausch TR Banin L Phillips OL et al 2011 Height-diameter allometry of tropical forest trees Biogeosciences 8 1081ndash1106 2011

Foley J Costa M 2003 Green surprise How terrestrial ecosystems could affect earthrsquos climate Front Ecol Environ 1(1) 38-44

Fu R Yin L Li W et al 2013 Increased dry-season length over southern Amazonia in recent decades and its implication for future climate projection Proc Natl Acad Sci 110 18110ndash5

Gambini 2000 Espelho iacutendio a formaccedilatildeo da alma brasileira Terceiro Nome Editora 2000

Gash JHC et al 1996 Amazonian Deforestation and Climate 1st ed John Wiley amp Sons West Sussex

Good P Jones C Lowe J Betts R Gedney N 2013 Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models HadGEM2-ES and HadCM3LC J Clim 26 495ndash511

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov V V 2004 Revising the fundamentals of ecological knowledge the biotandashenvironment interaction Ecol Complex 1 17ndash36

Gorshkov VG Makarieva AM Gorshkov VV 2000 Biotic Regulation of the Environment Key Issues of Global Change Springer Verlag

Heckenberger MJ Kuikuro A Kuikuro UT Russell JC Schmidt M Fausto C Franchetto B 2003 Amazonia 1492 pristine forest or cultural parkland Science 301 1710ndash4

Hodnett MG Oyama MD Tomasella J Filho AOM 1996 Comparisons of long-term soil water storage behaviour under pasture and forest in three areas of Amazonia Amaz Deforestation Clim Chapter 3 1ndash21

Hooghiemstra et al 2002 Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary in Guariguata M amp G Kattan eds Ecology of Neotropical Rainforests Ediciones LUR Cartago Costa Rica 2002

Huete AR Didan K Shimabukuro YE Ratana P Saleska et al 2006 Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season Geophys Res Lett 33

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 38: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 39Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Hutyra LR Munger JW Nobre CA Saleska SR Vieira SA Wofsy SC 2005 Climatic variability and vegetation vulnerability in Amazocircnia Geophys Res Lett 32 L24712

Jasechko S Sharp ZD Gibson JJ Birks SJ Yi Y Fawcett PJ 2013 Terrestrial water fluxes dominated by transpiration Nature 496 347ndash50

Koren YJ Kaufman LA Remer JV Martins 2004 Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation Science 303 5662 1342-1345

Laurance WF MA Cochrane S Bergen et al 2001a The Future of the Brazilian Amazon Science 291 5503 438-439

Laurance WF Williamson GB 2001b Positive Feedbacks among Forest Fragmentation Drought and Climate Change in the Amazon Conservation Biology 15 6 p1529

Lawrence D Vandecar K 2014 The impact of tropical deforestation on climate and links to agricultural productivity University of Virginia Umpublished manuscript

Makarieva AM Gorshkov VG Li B-L 2008 On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine Atmos Chem Phys Discuss 8 17423ndash17437

Makarieva AM Gorshkov VG 2007 Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land Hydrol Earth Syst Sci 11 1013ndash1033

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Li B-L 2013 Where do winds come from A new theory on how water vapor condensation influences atmospheric pressure and dynamics Atmos Chem Phys 13 1039ndash1056

Makarieva AM Gorshkov VG Nefiodov AV (2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient Physics Letters A 378 294-298

Makarieva AM Gorshkov VG Sheil D Nobre AD Bunyard P Li B-L (2014) Why does air passage over forest yield more rain Examining the coupling between rainfall pressure and atmospheric moisture content Journal of Hydrometeorology 15 411-426

Malhi Y Aragatildeo L Galbraith D Huntingford C Fisher R Zelazowski P Sitch S Mcsweeney C Meir P 2009 Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest Proc Natl Acad Sci 106 20610ndash20615

Marengo JA 2004 Characteristics and spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget Clim Dyn 24 11ndash22

Marengo J A Tomasella J Alves LM Soares WR Rodriguez DA 2011 The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region Geophys Res Lett 38

Marengo J Borma L Rodriguez D 2013 Recent Extremes of Drought and Flooding in Amazonia Vulnerabilities and Human Adaptation Am J Clim Chang 2013 87ndash96

Marengo J Soares W Saulo C Cima M 2004 Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalyses Characteristics and temporal variability J Clim 17 2261ndash2280

Marengo JA Tomasella J Soares WR Alves LM Nobre CA 2011 Extreme climatic events in the Amazon basin Theor Appl Climatol 107 73ndash85

Marques et al 1977 Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus Acta Amazonica 7 355-362

Matsui et al 1976 Isotopic hydrology in Amazonia 2 Relative discharges of the Negro and Solimotildees rivers through 180 concentrations Water Resour Res 2(4) 781-785

Meir P Mitchell A Marengo J Young C Poveda G Llerena CA Rival L Meneses L Hall A Betts R Farley J Fordham S Trivedi M 2011 Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia Global Canopy Programme

Molion 1975 A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects PhD thesis University of Wisconsin Madison

Nepstad D Lefebvre P Lopes da Silva U Tomasella J Schlesinger P Solorzano L Moutinho P Ray D Guerreira Benito J 2004 Amazon drought and its implications for forest flammability and tree growth a basin-wide analysis Glob Chang Biol 10 704ndash717

Nepstad DC Verissimo A Alencar A et al 1999 Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire Nature 398 505-508

Newell R Newell N 1992 Tropospheric Rivers - A Pilot Study Geophys Res Lett 12 2401ndash2404

Nobre AD 2006 Fecircnix Amazocircnico Renascendo das Cinzas da Destruiccedilatildeo Proposta para a construccedilatildeo de um ecossistema de empreendimentos sustentaacuteveis na Amazocircnia report preprint natildeo publicado

Nobre AD 2005 Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall in Silva Dias PL Ribeiro WC Nunes LH (Eds) A Contribution to Understanding the Regional Impacts of Global Change in South Ameacuterica Instituto de Estudos Avanccedilados da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo pp 107ndash114

Nobre C Borma L 2009 ldquoTipping pointsrdquo for the Amazon forest Curr Opin Environ Sustain 28ndash36

Nobre C Sellers P Shukla J 1991 Amazonian Deforestation and Regional Climate Change J Clim 4 957ndash988

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 39: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

O Futuro Climaacutetico da Amazocircnia bull 40Relatoacuterio de Avaliaccedilatildeo Cientiacutefica

Nobre P 2009a Peer Review Quetion Interactive comment on ldquoOn the validity of representing hurricanes as Carnot heat enginerdquo by AM Makarieva et al Atmos Chem Phys Discuss 8669ndash8670

Nobre P Malagutti M Urbano DF de Almeida R a F Giarolla E 2009b Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation J Clim 22 5686ndash5697

Oyama MD Nobre CA 2003 A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America Geophys Res Lett 30 2199

Phillips O Aragatildeo L Lewis S Fisher J 2009 Drought Sensitivity of the Amazon Rainforest Science (80) 323 1344ndash1347

Phillips OL van der Heijden G Lewis SL et al 2010 Drought-mortality relationships for tropical forests New Phytol 187 631ndash46

Pielke R Avissar R 1998 Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems influence on weather and climate Glob Chang Biol 461ndash475

Poumlschl U Martin ST Sinha B et al 2010 Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon Science (80) 329 1513ndash6

Poveda G Jaramillo L Vallejo LF 2014 Seasonal precipitation patterns along pathways of South American low-level jets and aerial rivers Water Resour Res 50 98ndash118

Poveda G Mesa O 1997 Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena J Clim 2690ndash2702

Rabatel A Francou B Soruco A 2012 Review article of the current state of glaciers in the tropical Andes a multi-century perspective on glacier evolution and climate change Cryosph Discuss 6 2477ndash2536

Rummel U Ammann C Kirkman GA et al 2007 Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia Atmos Chem Phys 7 5415ndash5435

Saatchi S Asefi-Najafabady S Malhi Y 2013 Persistent effects of a severe drought on Amazonian forest canopy Proc Natl Acad Sci110 565ndash70

Salati E DallrsquoOlio A Matsui Gat JR 1979 Recycling of Water in the Amazon Basin An Isotopic Study Water Resour Res 15 1250ndash1258

Saleska SR Didan K Huete AR da Rocha HR 2007 Amazon forests green-up during 2005 drought Science 318 612

Sampaio G Nobre C Costa MH Satyamurty P Soares-Filho BS Cardoso M 2007 Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion Geophys Res Lett 34

Sellers PJ Mintz Y Sud YC Dalcher A 1986 A simple biosphere model (SiB) for use within general circulation models J Atmos Sci 43 505ndash531

Sheil D Murdiyarso D 2009 How Forests Attract Rain An Examination of a New Hypothesis Bioscience 59 341ndash347

Spracklen DV Arnold SR Taylor CM 2012 Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests Nature 489 282ndash5

Stern N 2006 Stern Review The economics of climate change London HM treasury

Sukhdev P Bishop B Brink J et al 2009 TEEB - The Economics of Ecosystems amp Biodiversity Climate Issues Update

Trivedi M Mitchell A Mardas N Parker C Watson J Nobre A 2009 REDD and PINC A new policy framework to fund tropical forests as global ldquoeco-utilitiesrdquo IOP Conf Ser Earth Environ Sci 8 012005

Valeriano D de M Monteiro AMV et al 2008 Monitoramento da Cobertura Florestal da Amazocircnia por Sateacutelites Sistemas PRODES DETER DEGRAD E QUEIMADAS 2007-2008 INPE Sao Jose dos Campos

Viana E de S 2012 Maacutequinas e Meacutetodos de Desmatamento Monografia Universidade Estadual de Goiaacutes 18p

Villa Nova et al 1976 Estimativa de evapotranspiraccedilatildeo na Bacia Amazocircnica Acta Amazocircnica 6(2) 215 - 228

Von Randow C Manzi a O Kruijt B et al 2004 Comparative measurements and seasonal variations in energy and carbon exchange over forest and pasture in South West Amazonia Theor Appl Climatol 78 5ndash26

Von Randow C Zeri M Restrepo-Coupe N et al 2013 Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest Cerrado and pasture sites as simulated by terrestrial biosphere models Agric For Meteorol 182-183 145ndash155

Williams E D Rosenfeld N Madden et al 2002 Contrasting convective regimes over the Amazon Implications for cloud electrification J Geophys Res 107 8082 doi1010292001JD000380

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 40: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

Expediente

Revisatildeo e copidesque Jaime Gesisky e Moema Ungarelli ndash Green Editora e Comunicaccedilatildeo

Design e Editoraccedilatildeo Eletrocircnica Felipe Horst ndash wwwfelipehorstcom

ImagensAgecircncia Brasil Andreacute Villas BocircasISA Antonio Nobre Gerlando Lo Savio Margi Moss

Meirat Andreae Philip Davison e bancos de imagens

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA

Page 41: O Futuro Climático da Amazônia - socioambiental.org · Sumário Executivo Este relatório de avaliação do futuro climático da Ama-zônia consiste de uma revisão e síntese da

REALIZACcedilAtildeO

SUPORTE INSTITUCIONAL

SUPORTE

PARCERIA ESTRATEacuteGICA